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O QUE SÃO ESTRATÉGIAS FORMATIVAS NA

PERSPECTIVA DE FORMADORES DE PROFESSORES?

Jeanny Meiry Sombra SILVA


PUC-SP
jeanny.sombra@hotmail.com

Laurinda Ramalho de ALMEIDA


PUC-SP
laurinda@pucsp.br

Eixo temático 02: Políticas e práticas de formação continuada e desenvolvimento profissional


de professores da educação básica

RESUMO

No bojo das discussões sobre o desenvolvimento profissional docente, as reuniões


pedagógicas que ocorrem semanalmente na escola vêm sendo apontadas como espaço
privilegiado para formação de professores. Nesse âmbito, o coordenador pedagógico
desempenha o papel fundamental de planejar, organizar e conduzir o encontro; possibilitando
boas situações de aprendizagem entre todos. O interesse em conhecer e analisar as
propostas formativas empregadas nas reuniões coletivas das escolas públicas de São Paulo
deu inicio a esta pesquisa de Doutorado, que está sendo desenvolvida no Programa de
Psicologia da Educação da PUC-SP. O estudo tem por objetivos identificar: a) quais
estratégias de formação docente estão sendo utilizadas pelos coordenadores pedagógicos
nos encontros coletivos que ocorrem semanalmente na escola; b) analisar se essas
estratégias estão na perspectiva de formar professores crítico-reflexivos. Por estratégia,
utilizamos a definição de Roldão: uma concepção global, intencional e organizada de uma
ação ou conjunto de ações tendo em vista a consecução das finalidades de aprendizagens
visadas. Os métodos mistos foram utilizados como procedimentos metodológicos e
permitiram combinar olhares quantitativos e qualitativos à pesquisa, quais foram: survey,
observação e entrevista narrativa. Os sujeitos participantes foram coordenadores
pedagógicos do Ensino Fundamental e Médio, profissionais que atuam como formadores de
professores em escolas das Redes Públicas do Estado e do Município de São Paulo. Para
esta comunicação, foi feito um recorte desta pesquisa no qual são apresentados os
resultados obtidos do survey realizado com uma amostra de 60 sujeitos. Os dados do
questionário foram tratados estatisticamente com auxílio do aplicativo estatístico Statistic
Package for the Social Sciences (SPSS), bem como analisados com base nos princípios da
Análise do Discurso de linha francesa e fundamentados em autores do campo da formação
docente, entre os quais: André, Almeida, Marcelo Garcia, Nóvoa, Pérez Gómez e Roldão. O
estudo apontou que os coordenadores têm diferentes entendimentos do que são estratégias
de formação; dentre algumas mencionadas por eles: tematização da prática, leitura de textos
teóricos, saídas culturais, assistir a documentários, etc. O estudo evidenciou em seus
discursos princípios tanto da racionalidade técnica e quanto da racionalidade prática.

Palavras-chave: Estratégia de Formação, Reunião Pedagógica, Formação Docente.


Introdução

A literatura que trata da formação docente, no que diz respeito à dimensão


epistemológica, tem apresentado nas últimas décadas um conjunto de críticas ao paradigma
da racionalidade técnica, o que tem propiciado a emergência de um novo modelo teórico
para a formação do professor. Trata-se de uma perspectiva de formação que possibilite ao
professor refletir sobre sua prática. O motivo pelo qual o professor é chamado a refletir e a
pesquisar sobre a própria prática é justamente o fato de que a prática coloca problemas para
os quais muitas respostas não estão dadas, o que leva o professor a acionar os saberes da
experiência, os saberes do contexto e os saberes advindos dos referenciais teóricos. O
desafio está justamente em, no espaço de formação, criar condições para que os
professores acionem tais saberes, sem cair na tentação de sistematizar tudo e transformá-los
em cumpridores de tarefas.
Cabe salientar que a formação, vista dessa forma, não se situa apenas na esfera da
atualização profissional. Sua função não é compensar as deficiências da formação inicial do
professor ou disseminar práticas pedagógicas mais atuais. A formação do professor
necessita mais do que um curso preparatório, pois a bagagem de conhecimento com que ele
sai de um curso de licenciatura será sempre insuficiente para desempenhar a tarefa em sala
de aula. A formação deve ser entendida, portanto, como um processo permanente de
desenvolvimento profissional, com o objetivo de assegurar um ensino de melhor qualidade
aos alunos.
Na rede pública de São Paulo, considerando-se as esferas estadual e municipal,
destina-se um espaço na jornada semanal de trabalho do professor para que ocorra a
formação em serviço (chama-se reunião em serviço porque o horário do encontro compõe a
jornada remunerada de trabalho do professor). São reuniões pedagógicas em que o grupo
docente se reúne, em determinados horários estipulados pela equipe gestora. Dependendo
de sua carga horária de trabalho, o professor pode participar de até 3 horas de reunião
semanal. No caso da rede estadual paulista, o momento de formação é chamado de ATPC
(aula de atividade pedagógica coletiva) e na rede municipal chama-se JEIF (jornada especial
integral de formação). Na rede de ensino particular, fica a critério de cada escola estipular ou
não um espaço semanal para essas reuniões de formação em serviço.
Documentos normatizadores especificam o objetivo dessas reuniões “Espaço de
formação continuada dos educadores, propulsor de momentos privilegiados de estudos,
discussão e reflexão do currículo e melhoria da prática docente; trabalho coletivo de caráter
estritamente pedagógico” (SÃO PAULO, ESTADO, 2009, p. 21).
Trata-se, portanto, de um espaço de formação continuada em contexto escolar.
Canário (2002, p. 152), ao tratar de formação centrada na escola, destaca que o espaço
escolar é um locus privilegiado para ações de formação, pois tem como referência a
realidade do fazer docente. “Essa perspectiva aponta para a necessidade de construir
relações estratégicas entre a formação e o trabalho [...]. As atividades de formação têm de
ser mais envolventes, mais práticas, estando diretamente relacionadas com problemas
profissionais”.
Não se pode desconsiderar o potencial formador dos espaços escolares, nele a
formação pode se configurar como um processo de aprendizagem do qual emergem
competências individuais e também competências de natureza coletiva.
Nossos vários anos como professoras nos possibilitaram a compreensão de que,
para ser prático e eficiente, o professor precisa de formação teórica permanente e
consistente. Tal formação deve instituir e alimentar relações de autonomia tanto entre
educadores quanto entre esses e as teorias estudas; deve incluir a criação de estratégias, a
experimentação, a análise compartilhada, a partir da interpretação que se faz da teoria e da
realidade em que se está inserido.
A organização e o planejamento da ATPC ou da JEIF ficam a cargo do coordenador
em sintonia com toda equipe gestora da escola. Assim, dentre suas muitas funções, o
coordenador é o responsável por realizar a formação dos professores de sua unidade
escolar. Entendendo por formação o que aponta André (2016, p. 32): “a formação do
professor em uma perspectiva de desenvolvimento profissional baseia-se na concepção de
um professor crítico-reflexivo”, que ao se defrontar com as situações de incerteza, tão
comuns na vida em sala de aula, seja capaz de recorrer à investigação como um caminho
para decidir e para intervir de forma prática em tais situações.
Tendo clareza do seu papel e do que deve fazer, o grande desafio que fica ao
coordenador é: como fazer? Como conduzir os encontros de formação coletiva na
perspectiva que foi discutida até o momento? Sem dúvida, os aspectos didático-
metodológicos, isto é, os procedimentos que o coordenador utiliza na reunião, têm um papel
fundamental para alcançar seus objetivos.

Estratégias de formação docente

Para o termo estratégia Roldão (2010, p. 68) apresenta a seguinte definição: “a


estratégia significa uma concepção global, intencional e organizada de uma ação ou conjunto
de ações tendo em vista a consecução das finalidades de aprendizagens visadas”. Numa
perspectiva parecida, García (1999, p. 42) afirma: “o termo estratégia tem a ver com a
planificação da ação, assim como com o antecipar da sua implementação de acordo com a
análise realizada”.
Planificar a ação significa que o coordenador deve planejar os procedimentos que
serão realizados durante a formação. Pensando especificamente nos encontros coletivos que
ocorrem semanalmente na escola: a primeira etapa é definir a intencionalidade da formação
(o que eu pretendo nesse encontro?); para alcançar tal objetivo, é necessário pensar em
quais atividades serão propostas, quem as realizará e de que forma; quais intervenções
serão conduzidas pelo coordenador e em que momento; quais recursos, quanto tempo será
necessário; como será feita a avaliação do encontro e, principalmente, como analisar se o
encontro atingiu sua finalidade. Enfim, estratégia não é uma atividade isolada, mas um
conjunto de ações organizadas previamente e realizadas de forma processual para atender
um objetivo. Isso significa que na proposição de uma situação de aprendizagem docente,
recorre-se ao planejamento de uma série de etapas sequenciais, racionais e analíticas.

Considera-se assim, nesta perspectiva, o conhecimento didático, ou


didático-pedagógico aproximando o conceito da formulação de Shulman –
expressão do saber como ensinar – como o núcleo central do conhecimento
profissional docente, ancorado e contextualizado por todos os restantes
componentes [...]. (ROLDÃO, 2017, p. 1144).

A mobilização informada dos vários tipos de conhecimento (SHULMAN, 2004)


necessários ao saber agir, saber como proceder a formação dos professores “configura a
escolha sustentada do modo estratégico de atuar do formador em cada situação” (ROLDÃO,
2017, p. 1147).
Para tanto, os coordenadores acionam os saberes procedimentais para diagnosticar
as necessidades pedagógicas do seu grupo de professores, além de pensar em quais
estratégias metodológicas são mais apropriadas para tratar os diferentes conteúdos, qual o
melhor referencial teórico, qual a melhor maneira de verificar as aprendizagens conquistadas
e como avaliar os resultados da formação.
É possível lançar mão de estratégias de formação que estejam na perspectiva de
formação crítico-reflexiva? Sim, desde que não se pense em estratégias como portadoras de
soluções instrumentais que se resolvem mediante a aplicação de conhecimentos teóricos e
técnicos, como é comum na racionalidade técnica (ANDRÉ, 2016). Para uma formação
visando o desenvolvimento profissional, García (1999, p. 144) considera que o formador deve
se revestir de uma atitude permanente de pesquisa, de questionamento e busca de soluções,
e utilizar “estratégias que facilitem a reflexão dos professores sobre a sua própria prática, que
contribuam para que os professores gerem conhecimento prático, estratégico e sejam
capazes de aprender com a sua experiência”.
As estratégias de formação devem ser compreendidas, portanto, como “um meio de
formar professores reflexivos, isto é, professores que examinam, questionam e avaliam
criticamente a sua prática”. (AMARAL, 1996, p. 100). Assim, nos encontros de formação
docente, os coordenadores podem utilizar estratégias metodológicas como um meio para
mobilizar a prática reflexiva, ou seja, a ação permanente do professor de refletir e avaliar
criticamente a sua prática no sentido de compreendê‐la e ressignificá‐la.
Há pouco material que documente as estratégias de formação utilizadas pelos
coordenadores nos momentos das reuniões coletivas. Realizamos um levantamento em
pesquisas acadêmicas no site da biblioteca digital brasileira de teses e dissertações, e
encontramos, nos últimos cinco anos, apenas 11 pesquisas que tratam da temática
estratégia de formação. Nos estudos, os pesquisadores descrevem estratégias utilizadas
pelos coordenadores em momentos e espaços diferenciados do contexto escolar:
observação da sala de aula, elaboração de pauta, produção de materiais didáticos,
avaliação, reunião de planejamento escolar, reunião de pais. Mas nenhum estudo trata
especificamente da utilização de estratégias na condução da reunião coletiva semanal. Outro
ponto observado é que o termo estratégia é apresentado de maneira polissêmica. A
compreensão do que vem a ser estratégia de formação varia muito conforme o pesquisador.
Nossa experiência como formadoras-pesquisadoras nos motivou a ir a campo e
querer saber dos coordenadores pedagógicos: o que consideram por estratégias e quais têm
utilizado em seus encontros coletivos com os professores.

A pesquisa

Tendo por base as considerações apresentadas, os objetivos de nosso estudo (em


desenvolvimento) foram: identificar o que os sujeitos apontam como estratégia de formação;
analisar se as estratégias utilizadas pelos coordenadores estão na perspectiva de formar
professores crítico-reflexivos.
Os sujeitos pesquisados foram os coordenadores do Ensino Fundamental e Médio
das redes públicas estadual e municipal de São Paulo e por objeto de estudo a condução da
formação realizada pelo coordenador durante a reunião coletiva.
Nosso estudo se enquadra no que Moscoso (2017, p. 633) caracteriza como
“pesquisa com métodos mistos”, na qual dados quantitativos e qualitativos são usados de
forma complementar. Assim, a pesquisa associa duas dimensões: uma que cobre um maior
volume de dados por meio de survey; e outra mais delimitada que permite um olhar mais
aprofundado para o objeto de estudo, a saber: as ações do coordenador durante a formação;
suas intervenções, as estratégias que utiliza, de que maneira esse sujeito faz as mediações
entre as estratégias propostas e o grupo com o qual ele está se relacionando. O dados
produzidos por esta última dimensão estão sendo estudados por meio de três procedimentos
metodológicos: observação, entrevista narrativa, e registros escritos.
A perspectiva epistemológica que orienta a pesquisa é a que valoriza o papel ativo do
sujeito na produção do conhecimento e concebe a realidade como uma construção social
(ANDRÉ, 2005, p. 47), assim interessa conhecer o mundo dos sujeitos e os significados que
atribuem às suas experiências cotidianas relacionadas à formação de professores.
As etapas da pesquisa

Para primeira etapa utilizamos um Survey, que se configura como um estudo do tipo
levantamento de dados, que visa “descrever ou explicar características ou opiniões de uma
população através de uma amostra representativa” (May, 2004, p.109). Trata-se de um
estudo que abrange um grande número de participantes, o que foi viabilizado pela utilização
de software específico: SurveyMonkey.
O instrumento de coleta de dados, o questionário, foi elaborado tendo em vista
caracterizar os coordenadores em relação à idade, sexo, rede de ensino (pública estadual
e/ou municipal); segmento de atuação da educação básica; formação inicial e complementar;
tempo no magistério, experiência na coordenação e tempo de atuação como coordenador na
atual unidade escolar. Utilizamos uma questão aberta: Que estratégias você costuma utilizar
em reuniões coletivas semanais de formação com o grupo de professores?
Em relação à finalidade de um survey, Babbie (2003, p. 95) esclarece que são “três
objetivos gerais: descrição, explicação e exploração. Um survey pode visar (e usualmente
visa) atingir mais de um destes objetivos”. Assim, a pergunta aberta foi elaborada com
objetivo de: a) explorar os discursos dos coordenadores, o que de fato eles classificam pelo
termo ‘estratégia’, e assim possibilitar mapear quais estratégias estão sendo utilizadas nas
escolas; b) permitir aos coordenadores descrever ações que realizam no encontro formativo;
c) explicar, por meio da análise, certos traços ou modelos de formação realizados por eles,
bem como os motivos subjacentes por trás de suas práticas apontadas nas respostas.
Foi elaborada uma versão preliminar do questionário, que foi pré-testada em situação
similar a real e com base nas informações, foi reformulado. Após novo teste e nova
calibração, o instrumento foi inserido na plataforma SurveyMonkey.
Para o levantamento de dados que teve início em outubro de 2017, foram contatados
100 coordenadores pedagógicos de diferentes escolas públicas da capital paulista.
Obtivemos até o momento 72 respostas. Em princípio, nosso contato com os sujeitos foi feito
por e-mail, mensagens pessoais e por redes sociais (facebook, instagram e whatsapp). O
questionário produzido por meio do SurveyMonkey permitiu que os participantes pudessem,
por meio de um link de internet, acessar as perguntas; o que facilitou o processo. Mesmo
assim, as respostas foram lentas, por isso para agilizar o acesso adotamos outra estratégia
de captação: o recurso “bola de neve”

Quando a população é muito distribuída ou itinerante [...] a amostragem bola


de neve pode ser a única maneira de obter dados da pesquisa. Nessa
abordagem o contato inicial pode ser feito com um membro da população
que levará o pesquisador a outros membros, da mesma população [...] o
método tem se mostrado valioso. (MAY, 2004, p. 117)
Visando alcançar um número maior de sujeitos, iniciamos, em maio de 2018, o
contato com os órgãos regionais (diretorias de ensino e coordenadorias pedagógicas das
redes públicas estadual e municipal) de São Paulo, solicitando a esses órgãos que
encaminhem o link da pesquisa para o e-mail dos coordenadores. Nosso intuito ao final é
obter a participação de ao menos 200 coordenadores.
A segunda etapa da pesquisa consiste na observação de algumas reuniões de
formação de um coordenador que respondeu ao questionário do Survey. Foi escolhido um
coordenador de uma escola pública estadual situada na região metropolitana de São Paulo.
A escolha do sujeito se deu por meio de sua disponibilidade e da autorização da equipe
gestora em permitir acesso à unidade. Também utilizaremos para esta segunda etapa uma a
entrevista narrativa como propõe Schütze (2010) com o mesmo coordenador observado,
bem como registros escritos utilizados durante a ATPC (pauta do encontro, textos teóricos,
atividades produzidas pelo grupo, etc).

O que dizem os dados do SURVEY?

Para esta comunicação, apresentamos os resultados preliminares que obtivemos


com o survey, pois os estudos da segunda etapa ainda estão em andamento. Os dados do
questionário foram tratados estatisticamente com auxílio do aplicativo estatístico Statistic
Package for the Social Sciences (SPSS) presente no SurveyMonkey.
Participaram do Survey 72 coordenadores. Utilizamos como critérios para escolha
dos respondentes: a) os que tinham experiência de ao menos seis meses na coordenação
pedagógica; b) os que estavam atuando ou que haviam atuado como coordenadores do
Ensino Fundamental I, II e Médio das escolas públicas. Assim, excluímos as respostas dos
12 coordenadores que atuavam somente na educação infantil, pois o segmento tem um
currículo diferenciado exigindo especificidades da coordenação que ultrapassam os objetivos
de nosso estudo.
Em relação à caracterização dos sujeitos: predomina o sexo feminino 93%, a grande
maioria 67% se situa na faixa etária entre 40 e 45 anos. Dos 60 respondentes selecionados,
73% são coordenadores de escolas públicas estaduais e o restante da rede municipal; 58%
atuam no segmento de ensino fundamental II, 31% no ensino médio e 11% no fundamental I.
Quanto ao tempo de experiência na coordenação as respostas foram bem variadas.
Apenas um respondente tem apenas seis meses na função; agrupamos os demais
respondentes em blocos de período, assim: 36% atuam de 1 a 5 anos na coordenação; 48%
de 6 a 10 anos; 14% entre 10 e 15 anos e 2% tem mais de 16 anos. Somente dois
coordenadores declararam que não estão mais na função, mas ambos permaneceram mais
de cinco anos na coordenação. Os dados revelam que a grande maioria dos coordenadores
tem bastante tempo no cargo, no entanto, quase metade, 48%, está na unidade há menos de
dois anos. A constituição do coordenador como líder no e pelo grupo é um processo que
demanda tempo (ALMEIDA, 2017) e que causa impacto na formação coletiva.
A composição dos respondentes distribui-se pelas seguintes áreas de conhecimento:
Pedagogia (21), Ciências Biológicas e Química (4), História e Geografia (8), Matemática e
Física (9), Letras (14). Artes (1), Educação Física (3). Nossa experiência atuando como e
com coordenadores nos permitiu constatar que a formação inicial desse profissional tem
grande influência na condução do encontro formativo; passando pela seleção do referencial
teórico, as estratégias utilizadas e a dinâmica da reunião. Quanto à formação complementar
73% cursaram pós-graduação em cursos relacionados à educação.

Estratégias apontadas: formando professores crítico-reflexivos?

A fase de pesquisa survey permitiu ainda investigar as respostas dos coordenadores


à pergunta: Que estratégias você costuma utilizar em reuniões coletivas semanais de
formação com o grupo de professores?
Associamos análise qualitativa aos dados quantitativos. Para isso, nos apoiamos nos
procedimentos da Análise do Discurso (AD) de linha francesa. Para AD o discurso é uma
prática social de sujeitos ideológicos (PÊCHEUX, 2002). Materializando-se na linguagem, a
ideologia é mostrada como princípio norteador das matrizes de sentidos presentes nos
discursos. (FOCAULT, 2000). À AD importa compreender os sentidos que o sujeito manifesta
através do seu discurso; um sentido que não é traduzido, mas produzido.
Em um primeiro momento, localizamos com a ajuda do aplicativo estatístico SPSS as
informações explícitas sobre as estratégias de formação utilizadas pelos sujeitos
pesquisados. Selecionamos as que foram citadas de forma mais recorrentes por diferentes
respondentes, quais foram: leitura e discussão de texto (73%), utilização de vídeos (28%),
estudo de caso (22%), tematização da prática (16%), relatos de prática (15%), palestras de
formadores convidados (11%), dinâmica de grupo para sensibilização (9%), saídas culturais
(8%), diálogo e respeito (6%).
A etapa seguinte, com base no dispositivo analítico da AD, foi identificar as marcas
textuais que constroem sentidos à resposta. Essa observação nos permitiu segmentar o texto
e organizar as informações em grupos semânticos, ou categorias de análise. Essas foram
nomeadas a partir da frequência com que apareceram nas respostas à questão, ou seja,
emergiram das leituras e releituras feitas no texto, quais foram: a) teoria e prática, b)
discussão e diálogo e reflexão.
Em vista do espaço exíguo, para esta comunicação, nos deteremos à análise da
categoria “teoria e prática”. Para composição dessa categoria, levamos em consideração as
referências utilizadas pelos coordenadores ao mencionarem o termo teoria. Vinculadas a
esse termo estão expressões como leitura, estudo, análise, texto teórico, etc. As respostas
quase sempre associam o elemento teoria a outro termo: à prática. Esta última é entendida
como atuação didática do professor em sala de aula. Com base nessas observações
realizamos os recortes textuais desse agrupamento e procedemos com a análise das
propriedades do discurso. A seguir apresentamos, na tabela 1, alguns desses recortes.

Tabela 1 - categoria teoria e prática

Refletir sobre as teorias para ressignificar as Aprofundamos, com base na teoria, a prática (CP
práticas (CP 22) 42)
Há descompromisso ou desinteresse de muitos Vou trazendo a teoria para iluminar as práticas
em ampliarem seu universo de compreensão por (CP 51)
meio de leituras (CP 37)
Traduzo em teorias as práticas (CP 19)
Tento fazer com que o grupo busque referenciais
Leitura de textos teóricos (CP 48)
teóricos e saia do senso comum (CP 39)
Leitura de bibliografias indicadas no PEA (CP 2)
Leitura de textos, pois a leitura é premissa para
formação (CP 11) Prática reflexiva, relatos de prática (CP 7)
É um desafio buscar instrumentos de formação Estudo de experiências exitosas (CP 49)
que não use apenas a leitura como recurso. (CP
Planejo a utilização da teoria ligada à prática (CP
5)
55)
O grupo não tolera a teoria pela teoria. (CP 60)
Relatos de prática (CP 3)
Tematização da prática (CP 18)
Compartilhamento de práticas (CP 38)

A observação das expressões semânticas utilizadas pelos coordenadores nos


permitiu inferir suas teorias implícitas sobre formação e como conduzem a reunião
pedagógica. As marcas linguísticas que circunscrevem o sentido da formação docente em
termos como “teoria ressignifica a prática”, “a teoria ilumina a prática”, “traduzo em teoria a
prática”, nos remete ao discurso da racionalidade técnica, cujo pressuposto fundamental era
a transmissão do saber e da teoria. “Para a racionalidade técnica, a atividade do profissional
é, sobretudo, instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação
rigorosa de teorias e técnicas científicas” (PÉREZ GÓMEZ, 1992, p. 96).
A preocupação em tentar regular a prática de ensino apoiada nas atividades do
conhecimento científico talvez seja o motivo que leve a maioria dos coordenadores a
apoiarem suas ações formativas em “leituras de textos teóricos”. De fato, essa atuação foi a
mais citada pelos sujeitos (73%). Além de observar a recorrência dessa ação, é importante
notar como alguns respondentes a qualificam: “como premissa para formação”, “para ampliar
o universo”, “para sair do senso comum”, “para aprofundar a prática”. Conferindo, portanto, à
leitura de textos teóricos o estatuto privilegiado dos encontros formativos.
A esse respeito, uma coordenadora afirma “É um desafio buscar instrumentos de
formação que não use apenas a leitura como recurso”. Essa declaração acentua a ideia do
quão presente essa prática está não apenas nas respostas dos sujeitos investigados, mas na
atuação cotidiana dos coordenadores nas escolas; o desafio está em “buscar outros
instrumentos”, subentendendo-se também que a ação de ler textos teóricos nos encontros é
o instrumento mais fácil.
A constatação feita por outra coordenadora - “o grupo não tolera a teoria pela teoria”-
revela o ponto de vista dos professores acerca desse assunto. Essa resposta revela que a
rejeição não é sobre a teoria, mas no tratamento dado a ela na perspectiva da racionalidade
técnica, uma vez que em tal “o profissional docente não é visto como um produtor de
conhecimento, mas como um consumidor do que é produzido pela ciência, e enquanto
técnico sua ação se reduz à utilização de decisões tomadas por outros especialistas”.
(ANDRÉ, 2012, p. 12).
A atividade teórica por si só não leva à ressignificação da prática. Por outro lado, o
saber docente não é formado apenas da prática, sendo também nutrido pelas teorias da
educação. Dessa forma, a teoria tem importância fundamental na formação dos docentes,
pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada, oferecendo
perspectivas de análise para que os professores compreendam os diversos contextos
vivenciados por eles.
Numa direção contrária, apareceram em algumas respostas diferentes marcas
textuais como “teoria ligada à prática”, “tematização da prática”, “prática reflexiva”, “análise de
práticas”, que trazem outro sentido às dimensões teoria e prática, configurando-se em um
discurso oposto ao da racionalidade técnica. Essas expressões circulam com mais
frequência nos modelos de formação da racionalidade prática e crítico-reflexiva.
Ao propor a estratégia “análise de práticas” uma coordenadora justifica sua escolha:
“mudanças de concepções, de práticas de ensino”. A aprendizagem profissional dos
professores envolve “mudanças internas – mudanças conceituais ou o estabelecimento de
novas teorias pessoais – que estariam estreitamente vinculadas às situações onde novas
aprendizagens podem ocorrer” (MIZUKAMI; REALI, 2002, p. 77). A análise de práticas ou de
situações didáticas que ocorrem em sala de aula podem oferecer quadros de referência ou
constituírem-se pontos de partida para interpretar e avaliar situações novas. “Nessa
perspectiva, as mudanças ocorrem quando os professores reconhecem discrepâncias entre
a sua própria visão e a de outros participantes sobre os componentes do processo de ensino-
aprendizagem” (idem, 77).
Como fica o tratamento da teoria no discurso da racionalidade prática e crítico-
reflexiva (ANDRÉ, 2016)? Pode ser na perspectiva mencionada na resposta de outra
coordenadora: “planejo a utilização da teoria ligada à prática”. A expressão ligada denota
ligação entre um ponto (teoria) e outro (prática). O verbo planejar deixa implícita a ação da
coordenadora: estudar a teoria, selecionar o referencial necessário que esteja relacionado
com alguma situação didática dos professores. Nesse movimento, não há uma mera
transposição didática, mas ao contrário, um processo de reflexão sobre a prática, teorizar a
prática. A dimensão prática deixa de ser compreendida como local de aplicação de teorias
técnico-científicas e se converte em ponto de partida e de chegada das investigações
educativas dos professores, resolvendo-se o velho dilema entre teoria e prática.

Considerações preliminares

Os dados do Survey adquiridos até o momento nos possibilitaram fazer um


levantamento das estratégias utilizadas pelos coordenadores das escolas públicas, bem
como analisar se as estratégias mencionadas por eles estão na perspectiva de formar
professores crítico-reflexivos.
Gostaríamos de destacar alguns aspectos que chamaram nossa atenção, até esse
momento, nas respostas dos sujeitos:
 A variedade de estratégias mencionadas;
 A incompreensão do que, de fato, se configura como estratégia, uma vez que foram
apontadas como estratégia de formação o diálogo, o respeito, a sensibilização, etc.
 A confusão em definir por estratégia a utilização de materiais como vídeos, poemas,
músicas, o que na verdade são recursos.
 A necessidade que os coordenadores têm em declarar suas angustias e desafios,
pois muitas respostas contemplam dizeres como “minha maior dificuldade ...”

Em nosso estudo nos preocupamos em analisar e não avaliar as respostas. Sem


entrar na discussão dos elementos que compõem uma boa formação, na perspectiva crítico-
reflexiva (ANDRÉ, 2016), é possível notar o que fica latente nos discursos dos
coordenadores: o reconhecimento e a necessidade de utilizarem, durante as reuniões
coletivas, estratégias que possam contribuir para o desenvolvimento do professor. De fato,
como apontou Shulman (2004), não basta apenas saber “o que fazer”, mas “como fazer”,
pois nisso reside o núcleo central do conhecimento profissional do coordenador.

Referências
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