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COLECIONADORES

Texto: Manuel Esteves


Col.: Paulo Bodmer

                Será mesmo, como disse alguém, que o primeiro


colecionador foi aquele sujeito solitário que, morando perto
do mar bravio e deserto e não tendo nada que fazer, vinha
todos os dias para a praia, quando fazia bom tempo, e aí
ficava a olhar vagamente as coisas...

               Ao largo não aparecia uma vela sequer que viesse


quebrar aquela monotonia azul de água e céu. E lá ficava
ele, horas e horas a fio, olhando ao longe, lá onde o céu se
confundia com o mar. Então para não morrer de tédio,
resolveu matar o tempo, ajuntando conchas do mar.

        Como diria Oswaldo Teixeira "colecionar é uma arte. É


a arte de perpetuar as coisas, de prolongar e dar maior
sentido de vida espiritual a tudo aquilo que, por vezes, aos
outros não tem valor algum...

Conchas marinhas de Angola de 1974. Série


com 20 valores, numeração Y vert et Tellier (582-
601). Malacologia é o estudo das conchas.

        Louvo sempre os colecionadores. Há os que


juntam objetos, outros há que reúnem legendas,
fantasias, sonhos...

        São os apóstolos da ficção, porém, são todos


colecionadores – almas relicários – guardando
religiosamente aquilo qu muitos, por vezes,
Pequenos objetos de coleção: cavalinhos de chumbo. desperdiçam".

        E vieram depois outros homens e colecionaram outras coisas, tais como, selos e moedas. Apareceram então
os numismatas e os filatelistas.

       Certa vez, um matutino, do Rio de Janeiro iniciou uma


reportagem muito curiosa. Entrevistava colecionadores de
coisas as mais extravagantes que se pode imaginar. Uns,
apaixonados por caximbos, reuniram milhares desses
objetos de todos os tamanhos e feitios.

                Outros colecionavam lápis e xícaras. Um deles


chegara a ajuntar, com paciência beneditina, todos os
dicionários de que tivera notícia. Possuía os grandes
demais e alguns tão minúsculos que só poderiam ser
consultados com lentes.

        Anatole France, em um dos seus livros mais famosos,


conta a história de um colecionador de... caixas de fósforos. Numismática: moedas do Brasil 
Filatelia: selos do Brasil

        Colecionar... E não existem, or aí, pessoas que


colecionam livros?!... Não pelo que o livro realmente
vale, no sentido de fazer biblioteca, mas, pelas suas
encadernações, muitas das quais assinadas por
verdadeiros mestres na arte de encadernar. Outras
vezes pelas ilustrações... Esses não serão os
verdadeiros bibliófilos, os amigos do livro – (de
"biblion" – livro – e "philos" – amigo), porque esses
gostam do livro que os outros querem do livro a sua
Etiquetas de caixas de fósforos: série brasileira de essência, ou, se assim podemos dizer, a sua
tipos regionais das marcas Kic e Universal imortalidade.

        Existem outros, ao contrário, que gostam do livro para guardá-lo como


coisa morta, porque as suas bibliotecas são como cemitérios. São os
bibliômanos – o reverso do bibliófilo – que procuram o livro, de preferência,
com as respectivas capas de brochura, que andam à cata das primeiras
edições, as edições "princeps", especialmente as erradas, as brochuras que
não passaram pela guilhotina, tudo isso para ser trancado à sete chaves. Não
gostam de mostrar os seus livros para não emprestá-los.

        Todo livro que lhes cai nas mãos é um livro perdido, como o dinheiro nas
mãos do avarento.

        Como já existisse colecionador para tantas coisas, claro que o ex libris


não poderia ficar esquecido. E, de fato, não ficou. Hoje, muita gente
coleciona estas marcas bibliográficas.

Estampa das flores do chá e do café, do livro da Kars/Delord


"La vida de las Flores", Barcelona 1878.
Ilustração inspirada na obra de J.J.Grandville.

                Colecionar ex libris não é futilidade como muitos pensam. Carece


mesmo de fundamento quem diz que colecioná-los é mania como outra
qualquer. De maneira alguma, quem os coleciona dá mostras de gosto
apurado, de vez que o ex libris é uma das belas manifestações de arte. E
muitos ex libris não são lindos quadros em miniatura?

                Encerraremos estas notas com as palavras de entusiasmo e de


animação, com que Marcel Moeder se dirige a todos os colecionadores e
bibliófilos.

                "Bibliophiles et Collectionneurs – mots qui evoquent un sourire tantot


dedaigneux, tatot indulgent, sur les uns. Sages, selon les outres! Qu' importe!
Vous qui en êtes comme je suis, vous le savez: "Hereux avant tout".

Fonte: Extratos do livro de Manuel Esteves "O Ex Libris". Ed. Gráfica


Laemmert Ltda, Rio, 1954, p. 95-101. Há uma 2ª ed. de 1956.

Ex libris comemorativo.

[Ensaios]
[Mucha] [Ruth] [Coca-Cola] [Figurinhas] [Bottons]

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