Você está na página 1de 21

Culturas Clássicas 1

Ilíada, de Homero (Tradução de Frederico Lourenço)


CANTO 1
Após o saque da cidade de Eécion, os gregos dividiram entre si os espólios. A Agamémnon foi
presenteada Criseida, e a Aquiles, Briseida. Crises, sacerdote de Apolo, foi até o acampamento grego pedir
que lhe devolvessem sua amada filha, Criseida, em troca de um imenso tesouro. Agamémnon não concordou
e mandou Crises embora. Crises foi, mas Apolo ouviu suas preces e, de longe, lançou contra os gregos
flechas com uma peste/doença, matando muitos gregos. Um adivinho então interpreta um sonho e revela que
a doença os assolava porque Apolo assim queria, porque não tinha devolvido a filha de Crises.
Aquiles diz a Agamémnon que apazigue o deus e devolva Criseida. Agamémnon concorda, mas, em
sua arrogância, para não se sentir inferior a Aquiles, melhor guerreiro, diz que se ele terá de devolver seu
prêmio, então pegará o de Aquiles para si (Briseida). Aquiles fica extremamente ofendido e, depois de lhe
tomarem Briseida, chora e pede à mãe, a deusa Tétis, que ela peça a Zeus para que favoreça aos troianos, e se
recusa a continuar lutando.
Criseida é devolvida ao pai e sacrifícios e preces são feitos a Apolo, que para então de atirar flechas
contra os gregos.
Tétis pede a Zeus que favoreça os troianos e ele, mesmo contra a vontade de Hera, diz que assim o
fará.

CANTO 16
Sem Aquiles e os Mermidões a lutar, os gregos estão perdendo a guerra - estão quase encurralados
junto aos navios, os quais os troianos começam a incendiar para que eles não tenham como fugir.
Sensibilizado com a morte de tantos gregos e sedento de guerra, Pátroclo pede a Aquiles que o deixe lutar,
liderar os Mermidões usando as suas armas para que os troianos pensem que é Aquiles e se intimidem.
Aquiles permite, mas ainda com raiva de Agamémnon, diz que ele mesmo ainda não vai voltar à luta.
Aquiles pede a Zeus que favoreça os gregos e proteja Pátroclo, para que ele volte a salvo.
Pátroclo e os Mermidões voltam à batalha e levantam o moral grego. Os troianos começam a recuar
e muitos heróis e guerreiros morrem, inclusive Sarpédon, filho de Zeus, sob as mãos de Pátroclo. Zeus faz os
troianos recuarem, mas instiga em Pátroclo uma vontade de persegui-los, pois é isso que fará ele ser morto
(se apenas tivesse expulsado os troianos de perto das naus como havia dito Aquiles, teria ficado a salvo).
Pátroclo tenta tomar Tróia, mas é impedido por Apolo. Apolo dá coragem a Heitor para que volte à
batalha com os troianos. Escondido em meio a um nevoeiro, Apolo surpreende Pátroclo em combate,
retirando o seu elmo e armadura. Euforbo acerta Pátroclo com uma lança, mas não o mata. O grego tenta
recuar para junto aos seus, mas não consegue e Heitor o mata. Antes de morrer, Pátroclo diz a Heitor que ele
há de morrer logo, pelas mãos de Aquiles.

CANTO 22
O canto começa com os troianos de volta à cidade, afugentados por Aquiles. Fora das muralhas,
Aquiles corre atrás de Apolo, como se para o matar por ter auxiliado na morte de Pátroclo. Apolo relembra-o
de que ele é um deus, imortal, e a atitude é ridícula. Aquiles fala que se tivesse forças para isso, de Apolo se
vingaria, mas para de correr atrás dele e vai de volta em direção a cidade em busca de Heitor.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 2

Príamo vê Aquiles se aproximando e, sabendo que seu filho irá morrer e a cidade cairá, implora a
Heitor que não vá. A mãe também pede que ele fique dentro das muralhas, mas Heitor não se convence e vai
enfrentar Aquiles.
Assim que vê Aquiles, Heitor se amedronta e tenta fugir, apesar de não ser um covarde. Eles dão
voltas e voltas ao redor da cidade, um sem conseguir fugir e o outro sem conseguir alcançar. Atena então vai
até eles. Ela disfarça-se de Deífobo, irmão de Heitor, e convence Heitor a parar de fugir e combater com
Aquiles.
Antes de começarem a lutar, Heitor tentar acordar com Aquiles que ele devolva seu cadáver aos pais
caso o mate, mas Aquiles se recusa a acordar coisa alguma.
Aquiles arremessa a lança, mas erra. Atenas devolve-lhe a lança sem que Heitor perceba. Heitor
arremessa contra Aquiles, mas acerta seu escudo apenas. Heitor grita e pede a Deífobo que lhe dê outra lança
e então vê que o irmão não está ali e Atenas o tinha enganado e ele estava fadado a morrer. Ele porém se
recusar a morrer passivamente e investe contra Aquiles, que o mata com um golpe de espada no pescoço.
Heitor, moribundo, implora que Aquiles devolva o seu corpo aos pais em troca de um resgate, mas
Aquiles não se convence e diz que nunca o fará. Heitor diz em seus últimos momentos que Aquiles devolverá
sim o seu corpo, apenas não cabia a ele convencê-lo. Ele prevê ainda a morte de Aquiles por Páris e Apolo.
Os gregos mutilam o corpo de Heitor e Aquiles o amarra pelos tornozelos ao seu carro e o arrasta até
os navios.
Em Tróia, todos lamentam a morte de Heitor, o maior dos heróis, principalmente seus pais e a
mulher.

CANTO 24
Aquiles continua de luto por Pátroclo e continua flagelando o corpo de Heitor todas as manhãs, o
arrastando em torno do túmulo do falecido companheiro. Os deuses porém se compadecem de Heitor e
mandam que Tétis diga a Aquiles para que aceite o resgate e devolva o corpo do herói troiano a Príamo, seu
pai.
Ao mesmo tempo, a deusa Íris é enviada a Tróia, para falar a Príamo que vá buscar o corpo do filho.
Ele deverá ir sozinho, apenas com um idoso arauto para guiar o carro, mas deve ficar tranquilo, não será
morto, pois os deuses o acompanharão.
A rainha e os outros filhos de Príamo hesitam em deixá-lo ir sozinho para o meio dos gregos, mas
acabam aceitando a mensagem divina. No caminho, Hermes, disfarçado, ajuda Príamo a chegar em
segurança à tenda de Aquiles.
Príamo implora que Aquiles devolva o corpo de Heitor, lembrando-o do próprio pai, cujo filho
morrerá em Tróia e não poderá se despedir. Aquiles concorda e manda que banhem, unjam e vistam Heitor
antes que o pai possa vê-lo. Ele recebe o resgate e convida Príamo a dormir por algumas horas antes de
retornar a Tróia, prometendo refrear a guerra por 11 dias, enquanto duram as honras fúnebres a Heitor.
Quando os gregos já estão dormindo, Hermes aconselha Príamo a ir embora, antes que os outros
vejam-no ali e matem-no.
A Ilíada termina ao iniciarem queima da pira de Heitor.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 3

Odisséia, de Homero (Tradução de Frederico Lourenço)


CANTO 1
Num concílio dos deuses, Atena convence a Zeus e os demais deuses que eles se unam e permitam
que Odisseu (ou Ulisses) retorne para casa. Atena elabora um plano para que Telémaco amadureça -
enviando-o a Pilos e a Esparta para ter com Nestor e Menelau e saber notícias do pai.
A deusa disfarça-se de Mentes e chega à Ítaca para ser recebida como hóspede por Telémaco. Ele
explica que os pretendentes de Penélope são arrogantes e insolentes e estão a acabar com os suprimentos e
tesouros do palácio, pois nunca vão embora.
Ela diz que Odisseu ainda está vivo e profetiza a sua volta, aconselhando Telémaco a convocar uma
assembleia para conseguir uma nau e tripulação e que vá a Pilos e Esparta saber de notícias do pai.
Depois do jantar, o aedo canta sobre o regresso dos gregos à casa depois do saque de Tróia.
Penélope, sofre, pensando no marido e pede que ele pare. Telémaco diz que a culpa não é do aedo que canta,
mas do destino traçado pelos deuses. Penélope retorna aos seus aposentos e chora até adormecer, enquanto
Telémaco fala para os pretendentes irem embora, mas eles não obedecem.
Tendo reconhecido Atena em seu coração, Telémaco se prepara para sua jornada.

CANTO 3
Telémaco, sua tripulação e Atena, disfarçada agora de Mentor, chegam a Pilos, que celebra um
festival em homenagem a Posídon. Como estrangeiros, eles são recebidos por Nestor e seus filhos, e depois
de um banquete, Telémaco explica que é filho de Odisseu e veio tentar descobrir notícias do pai. Nestor
conta que, após a guerra, Menelau e Agamémnon se desentenderam, pois Menelau queria voltar logo à
Grécia, enquanto Agamémnon queria oferecer sacrifícios aos deuses para que eles tivessem piedade dos
gregos durante o trajeto. Os gregos então dividiram-se, cada um tomando a decisão que achava mais
prudente, e Nestor chegou a Pilos a salvo, mas sem notícias do que teria acontecido com os demais. Já em
Pilos, ele teve notícias de outros gregos. Menciona inclusive o destino de Agamémnon, assassinado pela
mulher, Clitemnestra, que estava tendo um caso com seu primo, Egisto, e como ambos foram assassinados
por Orestes, filho de Agamémnon.
Nestor aconselha Telémaco para não se afastar por muito tempo de Ítaca, para que os pretendentes
não acabem com seus bens, mas recomenda que ele, mesmo assim, vá até Esparta para ter com Menelau e
descobrir notícias do pai. Telémaco dorme no palácio de Nestor, enquanto Atenas/Mentor diz a Nestor que,
pela manhã, dê a Telémaco cavalos e diga a um de seus filhos para acompanhá-lo no trajeto até Esparta.
Atena revela-se como uma deusa e Nestor fica espantado ao vê-la transformar-se em pássaro.
Na manhã seguinte eles fazem sacrifícios em honra de Atena e depois Telémaco e Pisístrato partem a
cavalo para Esparta.

CANTO 4
Quando chegam em Esparta, Menelau está dando uma festa nupcial pelas bodas de Hermione e o
filho de Aquiles. Menelau recebe Telémaco e Pisístrato como hóspedes e eles se admiram com a beleza do
palácio. Depois de comerem e beberem, Menelau conta brevemente dos anos que passou no Egito e lamenta
a morte de seus companheiros de guerra em Tróia. Ele menciona Odisseu e como ele parece ser o que mais
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 4

sofreu. Telémaco chora ao pensar no pai, fazendo com que Menelau perceba quem é. Surge Helena, rodeada
de escravas e nota logo a semelhança de Telémaco e Odisseu. Pisístrato apresenta-se como filho de Nestor e
confirma que aquele é mesmo o filho de Odisseu e que veio até ali para saber notícias do pai. Menelau
declara como era amigo de Odisseu e todos choram pela falta que sentem dele. Helena põe uma droga
novinho que inibe o luto, então eles falam um pouco mais dos feitos de Odisseu antes de irem dormir.
Na manhã seguinte Menelau conta a Telémaco, que quando estivera preso numa ilha devido à
ausência de ventos, o Velho do Mar lhe contou da morte de Ájax e Agamémnon e que Odisseu estava preso,
infeliz, na ilha de Calipso. Agora com notícias do pai, Telémaco recebe presentes de Menelau e se prepara
para voltar à Ítaca.
Em Ítaca os pretendentes armam uma emboscada para matá-lo ao regresso. Os planos são porém
entreouvidos por Médon, o arauto, que os relata à Penélope, contando também que Telémaco tinha ido a
Pilos e Esparta atrás de notícias de Odisseu. Ela se desespera, mas reza à Atena para que salve seu filho.
Os 20 melhores pretendentes se reúnem e lançam um navio ao mar, armando uma cilada e esperando
o retorno de Telémaco. Atena aparece para Penélope, disfarçada como sua irmã, e a tranquiliza dizendo que
Telémaco voltará para casa. Ela porém se recusa a dizer qualquer coisa do destino de Odisseu.

CANTO 5
Zeus fala a Atena que siga com o plano e guie Telémaco em segurança de volta à Ítaca. Ele manda
Hermes à Ogígia para falar a Calipso que deixe Odisseu ir embora. Ao sobrevoar a ilha, Hermes se admira
com a perfeição do lugar e entrega a mensagem à Calipso.
A Ninfa diz à Odisseu que ele está livre para ir (sem mencionar que o liberta a mando dos deuses e
não por vontade própria). Ela o instrui a construir uma jangada e dá a ele água, comida e vinho e promete
mandar ainda vento favorável para ajudá-lo na jornada. Ao comerem um último banquete juntos, Calipso
menciona que teria feito Odisseu imortal se ele tivesse aceitado ficar com ela, mas ele revela o seu caráter ao
preferir regressar à casa e à mulher ao invés da eternidade na ilha paradisíaca.
Quando Odisseu está quase chegando à terra dos Feaces, Posídon toma conhecimento da sua jornada
e manda tempestades contra ele (Posídon está se vingando contra a morte do filho, Polifemo). Ino, uma
deusa menor, se compadece dele e lhe dá de presente um véu que não o deixará se afogar. Ela fala para
Odisseu abandonar a jangada e ir nadando até a terra e para quando estiver em terra firme, devolver o véu à
água.
Odisseu fica meio relutante no início, mas segue os conselhos da deusa. Ele passa mais de dois dias à
deriva antes de finalmente se aproximar da terra dos Feaces. Quando ele está chegando, percebe que a maré
está jogando a água com muita força contra as pedras da costa. Odisseu quase morre, jogado pelas ondas
contra as pedras, mas consegue nadar até a foz de um rio, onde suplica que o deus do rio acalme as águas e o
deixe entrar a salvo. O deus se compadece e acalma as águas.
Odisseu devolve o véu de Ino e decide acampar na floresta, escondendo-se das bestas embaixo de
uma camuflagem de folhas.

CANTO 6
Enquanto Odisseu dorme, Atena vai a cidade e inspira Nausícaa, filha de Alcínoo, a ir lavar roupas à
beira do rio no dia seguinte. Ela pega um carro com o pai e vai com as escravas até o rio. Quando ela está
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 5

prestes a voltar para casa, Odisseu se aproxima, e apesar de seu mau aspecto devido à longa jornada, ela não
foge (Atena lhe dá coragem para falar com ele).
Odisseu princípio está extremamente confuso, sem saber onde está ou se fala com deusa ou mortal.
Nausícaa ordena às escravas que lhe dêem comida e bebida e que lhe dêem banho, mas Odisseu prefere
banhar-se sozinho.
Nausícaa dá instruções a Odisseu de como chegar ao palácio, pois chegarem juntos seria mal visto,
já que ela é uma mulher solteira. Ele reza a Atena, pedindo que ela faça os Feaces se compadecerem dele e
ela o escuta.

CANTO 16
Odisseu, já em Ítaca, está na casa do porqueiro quando Telémaco regressa do estrangeiro e vai lá ter
notícias da mãe. O porqueiro o recebe como a um filho e conta que Penélope permanece fiel a Odisseu no
palácio. O porqueiro conta-lhe então a historia do estrangeiro (Odisseu), e diz que ele é suplicante de
Telémaco, que promete dar presentes e oferecer um banquete ao estrangeiro, mas que tudo deverá ocorrer ali
na casa de Eumeu, pois receia que os pretendentes façam troça dele no palácio. Odisseu pergunta o motivo
da submissão de Telémaco aos pretendentes, e Telémaco explica que, antes de partir para o estrangeiro, ainda
era muito novo para expulsá-los. Os pretendentes tem influencia em Ítaca e cortejam Penélope, mas estão o
levando a ruína ao acabarem com os suprimentos do Palácio.
Telémaco pede que o porqueiro vá até o palácio e informe Penélope que ele está salvo e chegou bem.
Eumeu pergunta se deverá ir até a casa de Laertes e informar do retorno do neto. Telémaco diz que não, mas
que ele diga à sua mãe que mande uma escrava informar Laertes.
Do lado de fora da casa, Atena faz sinal a Odisseu e ele vai ter com ela, que o transforma em um
homem jovem novamente. Quando ele volta a casa de Eumeu, Telémaco acha que ele é um deus, mas
Odisseu se revela e o filho o abraça, chorando. Odisseu conta a verdade do seu regresso e os dois formulam
um plano para acabarem com os pretendentes. O pai também diz ao filho que não conte a ninguém do seu
retorno, para que assim possam avaliar quem lhes verdadeiramente é fiel.
Enquanto Telémaco e Odisseu conversam, chegam, ao mesmo tempo, ao palácio, Eumeu e o arauto,
comunicando o retorno do jovem. Os pretendentes ficam desanimados e os que tinham ido armar a
emboscada a Telémaco retornam. Eles deliberam se devem tentar matá-lo no caminho até o palácio ou não e
decidem esperar um sinal dos deuses.
Quando os pretendentes voltam para o palácio, Penélope revela que sabe que eles eram assassinar
seu filho. Eles o negam e ela retorna aos seus aposentos, chorando por Odisseu.
Na casa de Eumeu, Telémaco e o pai preparam o jantar. Antes que o porqueiro retorne, Atena
transforma Odisseu em velho novamente para que o homem não o reconheça e espalhe a notícia do seu
retorno. Eumeu informa-os da chegada dos pretendentes. Depois de comerem, vão todos dormir.

CANTO 21
Penélope recupera o arco de Odisseu e desafia os pretendentes. Aquele que o conseguir utilizar será
o que ela escolherá como esposo. Telémaco, sabendo que está ali, no meio de todos, Odisseu, concorda,
estimula as tentativas dos pretendentes e organiza o desafio.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 6

Um a um os pretendentes vão tentando e falhando em suas tentativas de manejar o arco. Quando o


boieiro e o porqueiro saem da sala, Odisseu os segue e averigua a sua lealdade. Quando percebe que eles lhe
são fieis, revela-se e pede que, quando voltarem para dentro, Eumeu dê-lhe o arco, mesmo contra a vontade
dos pretendentes, e diga às mulheres que se tranquem em seus aposentos e não saiam, mesmo que ouçam
gritos. Ao boieiro Filécio, pede que tranque os portões do pátio e ate bem os ferrolhos.
De volta a sala com os pretendentes, Eurímaco geme e proclama a vergonha que é nenhum deles
conseguir utilizar o arco. Altínoo sugere que eles pausem o desafio e que pela manhã façam sacrifícios a
Apolo para que ele lhos ajude. Odisseu pede que, antes de pausarem, lhe dêem uma tentativa. Altínoo nega e
Penélope tenta convencê-lo a dar o arco ao convidado de Telémaco, mas é este que por fim tem a última
palavra. Ele diz a mãe que cabe a ele decidir a quem dar o arco e fala para ela ir para seus aposentos, onde
Atena a faz adormecer.
Eumeu entrega o arco a Odisseu, apesar dos protestos dos pretendentes, e diz à ama Euricleia para
trancar as portas das salas e ela assim o faz. Filécio tranca os portões do pátio e Odisseu admira
cuidadosamente o arco. Os pretendentes se perguntam se ele é mercador de arcos ou algo parecido e torcem
para que não consiga armá-lo. Ele consegue, e assim que o faz, Zeus faz ressoar um trovão, e com esse sinal
de Zeus, Odisseu pega uma flecha e a faz passar por entre os machados, completando o desafio. Ele então dá
sinal a Telémaco, que pega as suas armas, preparando-se para massacrarem os pretendentes.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 7

Estudos da História e da Cultura Clássicas - Cultura Grega, de Maria Helena da Rocha Pereira

I - ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO

1. A Geografia. Civilização Minoica e Micênica.

A Civilização Minoica florescia em Creta desde cerca de 2500 a.C. (Idade do Bronze antigo). Por
sua vez, a Civilização Micênica floresceu em Micenas na Idade do Bronze Recente (c.1600-1200 a.C.). Nos
meados do século XV a.C os Micênicos conquistaram o palácio de Knossos, em Creta.
O período Minoico Recente coincide aproximadamente com com o período Micênico.
Ainda ignora-se a origem dos Minoicos, mas sabe-se, desde que se decifrou o Linear B, que os
Micênicos eram gregos.
O convívio dos Milênios com os Minoicos ensina-lhes um sistema de escrita, que adaptam à sua
língua, criando o Linear B, a arte da pintura (que conserva o mesmo estilo, apesar de introduzir temas
guerreiros) e de trabalhar as gemas ou metais preciosos. A religião, o gosto pela escultura monumental e a
arquitetura dos palácios são, porém, diversos.
Na Civilização Micênica nada a construção é fechada e se assemelha a uma fortaleza. Os Micênicos
são um povo guerreiro, na defensiva, que parece ter vindo do norte da Europa, a avaliar pelo seu tipo físico
(altos e loiros, em oposição aos Minoicos) e pela presença de grande quantidade de âmbar nos seus túmulos.
Em Micenas, fazem, além disso, sumptuosos monumentos funerários e se opõem aos túmulos em fossa.
Em 1100 a.C a chamada invasão dórica põe fiz a prosperidade micênica. Esta invasão se efetuou em
condições desconhecidas, mas deixou rastro na mitologia na lenda do Regresso dos Heraclidas.
Temos então a Idade Obscura, assim chamada por só a conhecermos vagamente através da cerâmica,
e que começa com a destruição das sociedades micênicas (c. 1200-1100 a.C.), e vai até c. 800 a.C..
No período geométrico (que tem este nome devido a predominância das figuras geométricas nas
cerâmicas), 875-700 a.C., já começam a fabricar-se belos vasos, especialmente em Atenas.
É precisamente neste século VIII a.C que surgem três marcos miliários a apontar para um
renascimento da cultura: (1) a realização da que ficou a ser considerada a primeira Olimpíada, em 776 a.C,
que marca a fixação do calendário; (2) a valorização do oráculo de Delfos; e a introdução do alfabeto, que
terá ocorrido na primeira metade do séc. VIII a.C..
Paradoxalmente, o maior de todos os monumentos à cultura micênica surge desta época obscura: os
Poemas Homéricos.

II - OS POEMAS HOMÉRICOS

1. A Questão Homérica

A falar-se em Questão Homérica, refere-se ao problema da autoria e data de composição dos Poemas
Homéricos. Diversas incongruências e repetições levaram a supor que deviam ter sofrido interpolações ou
acrescentos.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 8

No final do século XVIII, Wolf fundamentou cientificamente as dúvidas quanto a existência de um


autor único (Homero) da Ilíada e Odisseia. O debate entre analíticos (distinguem vários autores) e unitários é
constantemente enriquecido com novos argumentos.
As dificuldades de chegar a um consenso são muitas. Uma está na linguagem, onde há formas de
diversas épocas e elementos de quatro dialetos diferentes. Também não há concordância entre estratos
linguísticos e estratos arqueológicos.
A própria data de composição oferece as maiores dificuldades, pois os Poemas decorrem na época
micênica, entre heróis micênicos, e ignoram a chamada invasão dórica. Daqui o ter-se-lhes atribuído, a
princípio, uma dia muito recuada.
O americano Milman Parry concluiu em seus estudos que os Poemas Homéricos assentavam numa
técnica de improvisação oral, que explicaria as repetições e pequenas incongruências da narrativa. Eles
frequentemente repetem epítetos e até versos inteiros, porque eram obra de improvisação oral, que
necessariamente tem de ter pontos de apoio, frases armazenadas, que dêem tempo de pensar no verso
seguinte, enquanto se vai cantando o anterior.
Os epítetos (“Atena de olhos garços”, “Aquiles de pés velozes”, “Odisseu dos mil ardis”, etc.) não
são porém empregados ao acaso. Embora condicionados pela métrica (mas não exclusivamente), a sua
presença ajuda a caracterizar o herói e a insistir sobre qualquer qualidade sua, que naquele momento tem
relevância especial.
Outro aspecto da questão homérica é a da historicidade da Ilíada.
Em 1871, o alemão Heinrich Schliemann principiou a efetuar escavações na Turquia e encontrou aí,
não uma, mas sete cidades sobrepostas, das quais uma especialmente opulenta, ele chamou de Tróia II e
supôs ser a homérica. Mais tarde, outro arqueólogo acabou por se inclinar para a identificação de Tróia IV,
como a cidade de Príamo, devido ao tipo de cerâmica encontrado ali.
Mais tarde, nos anos 1930, novos trabalhos sugeriram a hipótese de se ter fundido na memória do
homens a riqueza da Tróia VI, de grandes muralhas, com a Tróia VIIa, destruída por um violento incêndio
cerca de 1230 a.C, o que daria uma diferença de poucos decênios sobre a data tradicional da Guerra de Tróia
(1184 a.C, segundo Eratóstenes). Esses trabalhos revelavam ainda que a civilização da Tróia VI trouxera
consigo a domesticação do cavalo (e os troianos são o único povo que Homero frequentemente qualifica
como domadores de cavalos) e parecia ter aguentado um longo cerco, a avaliar pelas precauções tomadas
para preservar alimentos.
Entretanto, na década de 50 e 60 foram-se decifrando textos hititas, que se referia ao ataque dos
aqueus a Mileto e a Ílion e Tróia. Esse acontecimento teria sido no século XIII a.C, precisamente na época do
grande poderio de Micenas.
Com todos estes fatos se levantara a Questão de Tróia. Historiadores, arqueólogos e linguistas põem
em causa todos os dados atrás referidos, incluindo dados dos registros hititas e o fundamento histórico de
alguns epítetos de Tróia e dos troianos.
Em 1981, o alemão Manfred Korfmann recomeçou as escavações na zona da Tróade. Obteve prova
de que o lugar sempre foi fortificado ao longo de três mil anos. A posição privilegiada para controlar a
entrada no Estreito de Dardanelos faz acreditar que devem ter acontecido muitas guerras entre o século XIV
e XII a.C na cidade.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 9

Outros resultados do trabalho de Korfmann são: a confirmação a existência de nove camadas


sobrepostas até uma altura de cerca de vinte metros; a extensão, dez vezes maior do que se supunha, das
muralhas da Tróia VI; a prova de que a última cidade é da época helenístico-romana; a primeira exploração
da zona a sul de Tróia VI, que se supõe muito maior do que aquela que até agora se conhecia; o
conhecimento da escrita.
Para o então diretor da escavações, não havia motivos para duvidar de que a Tróia Vi era a Tróia
homérica.
Tal conclusão não implica porém, necessariamente, que se confunda uma epopeia com um livro de
história. Nem impede que continue a estar em discussão uma relação entre a sociedade micênica e a
homérica.
Estão presentes os seguintes elementos micênicos nos Poemas Homéricos: as figuras e seus epítetos;
a riqueza de Micenas; a noção de deuses superiores aos homens; o fausto dos funerais de Pátroclo; a
arquitetura dos palácios; objetos como o elmo de presas de javali, a taça de Nestor, a espada cravejada de
prata de Heitor, a técnica de incrustações, o escuto de Ájax.
O aparecimento lado a lado de práticas e objetos que se supunham pertencer a períodos distintos
devem pôr-nos sobreaviso sobre a interpretação histórica de uma obra que é essencialmente literária.
A tendência que atualmente prevalece é para supor que as diferenças entre o mundo homérico e o
final da Idade do Bronze são demasiado grandes para se poder admitir a composição dos poemas nessa
época, ao passo que as semelhanças com a Idade do Ferro são mais números, embora insuficientes para
estabelecer uma data. Por outro lado, procura-se explicar a insistência com que os Poemas Homéricos
referem o uso de objetos de bronze como um processo de criar distanciamento entre a sua época e a do
tempo dos heróis cujos feitos evocam.
Repetidamente, volta-se a explicação da transmissão oral contínua, que preservara essa memória
pelo espaço de muitas gerações.
Por outro lado, ainda se preserva a tendência de analisar a composição dos Poemas, principalmente a
Ilíada, de molde a evidenciar a existência de uma estrutura cuidadosamente planeada, pressupõe um autor e
aponta se não para o uso da escrita, pelo menos para a já mencionada tese do ditado.
Nesta disparidade de teorias e no meio do constante aparecimento de novos dados, a unanimidade de
opinião continua longe de ser alcançada .

2. A Ilíada

Na Ilíada há um só fio condutor, uma só ação, que é retratada por diversos episódios. O uso da
narrativa alterna com o do discurso direto ou atributivo (que neste poema atinge cerca de metade do total de
versos) e o plano humano cede frequentemente ao plano divino. Além disso, como já os antigos notaram, são
numerosas e variada as figuras retóricas, como a apóstrofe, a onomatopéia, a anáfora, a metáfora, o símile,
etc.
Os símiles são considerados uma das glórias da Ilíada. Servem para cristalizar, numa esfera mais
próxima do entendimentos do ouvinte, um espetáculo, som ou estado de espírito; e para aliviar da dureza e
monotonia potencial da guerra, apresentando bruscamente uma cena diferente, pacífica, doméstica mesmo.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 10

A epopéia antiga só conhece a exposição linear, e o símile coloca uma nova linha paralela junto da
narrativa. Os símiles alargam o horizonte, parando momentaneamente a ação em curso, para intercalar uma
imagem de conjunto da situação.
Muitas vezes os símiles nos fornecem quadros mais próximos da época e do ambiente do poeta que
os compôs do que dos heróis que ele celebra.
O tratamento dado aos troianos e, principalmente, a Heitor, uma figura, ao mesmo tempo, heróica e
humana, revela a imparcialidade moral grega. E ao elevar o inimigo, acaba também por elevar a vitória e
superioridade grega.
A diferenciação das figuras da Ilíada é, por si só, uma prova da capacidade de análise psicológica.
Mas esta atinge o máximo em cenas como a despedida de Heitor e Andrômaca, no canto VI. E assim, alguns
episódios familiares ou pacíficos alternam com os grandes quadros bélicos que ocupam a maior parte do
poema.
Há um em particular que nos permite vislumbrar os aqueus em tempos de paz: é a descrição do
escudo de Aquiles, que, para nós, é o resumo de uma cultura. As cenas forjadas por Hefesto ilustram: (1) os
conhecimentos geográficos e astronômicos da época; (2) a cidade em paz com cenas (a) de bodas,
acompanhadas de música e dança e (b) de um esboço de um julgamento; (3) a cidade em guerra; (4)
trabalhos nos campos - lavra, ceifa, vindimas, pastoreio; e (5) divertimentos, danças.
Note-se a presença de música, tanto no trabalho, como nas ocasiões festivas, e a ausência de
navegação ou pesca, fato que se interpreta como prova de que as atividades marítimas ainda não podiam por-
se a par das agrícolas.
Neste escudo de Aquiles há uma cena a que chame-mos um esboço de julgamento. Mas lei positiva é
coisa que não existe ainda, nem tampouco uma ética dependente da religião, que a substitua. Por isso, as
boas maneiras têm nesta sociedade uma importância decisiva.
Devem salientar-se as manifestações de respeito por um igual ou superior.
Outras normas de maior alcance são as que dizem respeito aos suplicantes e hóspedes. Era de bom
tom atender e defender quem implorava a proteção de outrem, tomando a atitude clássica da súplica: tocar
com a dextra na barba e a esquerda nos joelhos. O suplicante é acolhido como hóspede e desde então passa a
gozar dos privilégios inerentes a essa qualidade: dá-se um banquete em sua honra e entregam-se-lhe os
presentes de hospitalidade. Se o hospedeiro passar pela terra daquele que acolheu sob o seu teto, receberá
idênticas regalias. Assim se cria um vínculo de ordem moral entre o que dá e o que recebe, que assume tal
importância que prevalece sobre os deveres militares e atravessa gerações, ao avaliar pelo encontro de
Glauco (troiano) e Diomedes (aqueu), no canto VI da Ilíada.
Deve-se reservar um lugar a parte para o que se passa no último canto da Ilíada. Aquiles, o guerreiro
de uma crueldade primitiva, que fizera sacrifícios humanos em honra de Pátroclo e rojara no pó o rosto do
príncipe troiano, humaniza-se ante a impotência de Príamo e entrega-lhe aquele trofeu por que tanto lutara.
Caminha-se para um abrandamento de costumes, de que este canto fornece o mais belo exemplo.

3. A Odisseia

Enquanto a Ilíada é um poema bélico, a Odisseia é, fundamentalmente, um poema de regresso. O


alvo agora é a paz, e pode dizer-se que a nostalgia da paz é a sua dominante.
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 11

A Odisseia é o poema das aventuras, das múltiplas histórias que excitam a atenção do ouvinte, e do
espírito aberto a todas as curiosidades de “Ulisses dos mil artifícios”, que vence todas as dificuldades graças
ao seu engenho. Nele podem ter lugar os grandes gestos de coragem e rasgos de heroísmo, mas a narração
oscila de preferência entre o romanesco, ou até o fantástico, e também o que é simplesmente natural.
Nesse poema temos dois fios condutores: as aventuras de Telémaco e de Ulisses. Há também duas
cóleras divinas a perseguir Ulisses: a de Posídon e a de Hélios, que não se cruzam e nem interferem uma na
outra.
Se encontra na Odisseia um grupo de histórias mais antigas, cheias de elementos fantásticos, como
os episódios dos Lotófagos e do Ciclope, no canto IX; da ilha dos Ventos e da ilha de Circe, no X; a
evocação dos mortos, no XI; as Sereias, Cila e Caríbdis, e a ilha onde pastam os rebanhos do Sol, no XII.
Essas histórias opõem-se às decorridas na terra dos Feaces, em Esquéria, que estão cheias de traços da
realidade quotidiana.
No conjunto, os sucessos ocorridos em Esquéria denotam uma cuidadosa e, por vezes, encantadora
observação do real. É perfeitamente natural a vida no palácio de Alcínoo, as relações entre os familiares, as
ocupações a que se dedicam.
Esses elementos fantásticos de que há pouco falamos devem provir, em grande parte, de uma velha
tradição poética. (Lendas do tipo de Polifemo e Ninguém têm paralelos às dezenas noutros povos).
De resto, o próprio Odisseu, fisicamente distinto dos demais heróis de Tróia (cabelos escuros e não
loiros) é talvez uma figura da saga mediterrânea, presumivelmente anterior ao período micênico, em volta da
qual se concentraram inúmeras lendas - embora já na Ilíada estivesse entre os chefes dos aqueus.
Além de Odisseu, destacam-se na Odisseia as figuras de Penélope e Telémaco.
Penélope, o modelo de perseverança e fidelidade, é não menos astuciosa do que o marido: sugere aos
pretendentes que é com presentes que devem demovê-la (Canto XVIII) e põe Odisseu a prova ao fingir
ignorar o segredo de construção do leito conjugal.
Telémaco, que do jovem amedrontado do início, se torna um príncipe consciente da sua posição e
deveres. Ele é a única personalidade em formação, e, portanto, tem um interesse muito especial.
A Odisseia nos descreve quatro ambiente palacianos diversos, quer política quer socialmente, o que
tem sido interpretado como referente a épocas distintas. Mas não precisamos sair da história contemporânea
para nos certificarmos de que os mais díspares regimes podem coexistir lado a lado.
O que aparece como uma verdadeira sobrevivência dos costumes aqueus é o de Esparta (Canto IV).
Politicamente, Menelau é um senhor absoluto, que pode dispor da vida dos seus súditos. A vida na corte é
faustosa, e não se processa sem um grande aparato de servidores. O palácio é de uma riqueza que surpreende
o próprio Telémaco e o filho de Nestor, apesar de serem príncipes.
Embora opulento também, o palácio da Esquéria está em flagrante contraste com ele, quer sob o
ponto de vista social ou político. Efetivamente, o título de rei cabe não só a Alcínoo, como a mais doze
anciãos que formam o seu conselho. Alcínoo é porém primus inter pares.
Essa organização política tem seu paralelo na extrema e surpreendente simplicidade de costumes.
Nausícaa, a filha do rei, vai ao rio lavar roupas com as escravas.
Os outros dois palácios, o de Nestor em Pilos e o de Odisseu em Ítaca, parecem ocupar uma posição
intermediária. Nestor senta-se num trono à porta do palácio, rodeado dos seus filhos, que constituem uma
espécie de conselho.
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 12

O poderio de Odisseu está longe de ser absoluto. Depois de matar os pretendente, tem de prestar
contas ao povo de Ítaca, e só a intervenção direta de Atenas consegue suster as hostilidades.
É notório o respeito que todos tributam a Penélope. E esta veneração pela mulher, sinal de progresso
nos costumes, igualmente se evidencia no país dos Feaces, a cuja rainha Ulisses se apresenta em primeiro
lugar como suplicante.

4. Comparação entre os dois Poemas

Entre as semelhanças, pode-se apontar que os conceitos éticos, as normas de convívio social, p
respeito pelos suplicantes e hóspedes são iguais. O fundo arqueológico e linguístico é parecido. Os processos
literários são idênticos; a ambos é comum a maneira quase visual de descrever as mais simples ações.
Mas há divergências de caráter religioso, ideológico, arqueológico e linguístico.
Os deuses são os mesmos na Ilíada e na Odisseia, mas o conceito de divindade depurou-se, no
sentido de um progressivo afastamento do humano.
Diverge também o conceito de excelência do homem. Na Ilíada a excelência é conquistada no campo
de batalha, glória pelo combate. Na Odisseia, valoriza-se a astúcia, a eloquência e a coragem.
Temos na Odisseia, pela primeira vez, as noções correlativas de aula, castigo e justiça. A justiça
parece equivaler ao temor aos deuses e a obediência ao direito.
Outra novidade é a presença de uma personalidade em desenvolvimento, que notamos em Telémaco.
É notável também a o gozo na contemplação da natureza e evolução no trato com os animais. O cão
na Ilíada é o animal selvagem, que dilacera os cadáveres juntamente com as aves de rapina. Na Odisseia, ele
é o companheiro do homem - o cão de Ulisses é o único que imediatamente o reconhece ao voltar para casa,
após 20 anos.
Quanto às diferenças arqueológicas, a principal é que o ferro é mais conhecido do autor da Odisseia.
Sob o ponto de vista linguístico, salienta-se em especial a presença de um maior número de abstratos
(como “coisa”, “esperança”, etc.), além de se notar a preferência por certas fórmulas e sufixos.
Tudo isto leva a aceitar a opinião de que os dois poemas se distanciam no tempo algumas décadas.

5. Concepção de divindade nos Poemas Homéricos

A decifração do Linear B permitiu descobrir que o panteão grego tinha origem micênica. Não se sabe
porém se as histórias a eles atribuídas por Homero eram antigas ou foram sua invenção.
De fato uma das tendências de investigação mais recente tem sido avaliar as inovações homéricas,
que parecem rejeitar versões tradicionais dos mitos, cheias de elementos mágicos. Investigações foram feitas
através de uma cerrada hermenêutica do texto da Ilíada, para tentar-se perceber até que ponto os próprios
deuses principais são moldados pelas exigências da história e como certos mitos foram criados para motivar
o seu desenvolvimento. Homero parece conhecer, mas rejeita, certos mitos cheios de elementos miraculosos,
que figuravam no Ciclo Épico e noutros autores.
Uma segunda tendência de investigação tem mostrado que algumas divindades têm características
que fazem supor que resultam de uma adaptação de figuras de religiões asiáticas, como Afrodite e Hefesto,
ao passo que outras são predominantemente helênicas, como Atena e, sobretudo Zeus. Este, embora conserve
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 13

atributos primitivos do deus atmosférico, começa a incarnar um princípio de autoridade e até de ética. “Pai
dos homens e dos deuses”, o deus supremo não é visto como um monarca, mas como um pater famílias; essa
constitui uma grande diferença entre a concepção homérica e a mesopotâmica, uma vez que a última
considerava os homens como escravos dos deuses, uma ideia inteiramente avessa à mentalidade helênica.
Em Homero os deuses são caracterizados como figuras luminosas e antropomórficas. Em vez de
potências ocultas e terríveis, temos formas claras, que se comportam e reagem como seres humanos
superlativados.
Se alguma vez houve teriomorfismo, tudo quant resta em Homero não passa de possíveis vestígios
(“Atena de olhos garços”, “Hera de olhos de vaca”). Neste mesmo contexto podem ainda incluir-se as
metamorfoses de Atenas em pássaro, águia marinha, andorinha, e de Atena e e Apolo em abutres. Deve ainda
notar-se que alguns deuses são forças da natureza, como Hélios (sol), Escamandro (rio de Tróia), os Ventos.
Na sua quase totalidade os deuses distinguem-se por uma superlativação das qualidades humanas.
São mais altos, mais fortes, mais belos. E, sobretudo, são os que existem sempre, não conhecem a velhice
nem a morte e a sua vida é fácil. Contudo, não existe ainda uma noção de eternidade, os deuses não têm fim,
mas tem começo no tempo.
Os deuses misturam-se com os homens na Ilíada, e algumas vezes aparecem-lhes disfarçados, mas
são reconhecidos. Combatem junto dos heróis que protegem e advertem-nos dos perigos.
O canto XX mostra os deuses no campo de batalha. No canto V, Afrodite e Ares chegam a serem
feridos por Diomedes. Mas no canto XX Apolo lembra que a raça dos deuses é distinta da dos heróis, afirma
que a vista de um deus é difícil de suportar.
Este reivindicar de direitos, esta afirmação de distância parece uma necessidade subitamente sentida
no meio da aparente confusão do plano humano com o divino. Efetivamente, os deuses têm também os
defeitos dos homens. Se, por um lado, há um princípio de hierarquia, pois Zeus está acima de todos, por
outro ele mantém a sua posição com alguma dificuldade que encontra paralelo na de Agamémnon perante os
outros chefes aqueus.
Estamos habituados que uma religião comporte uma ética, mas na Ilíada as duas estão desligadas.
Apenas pode falar-se dos rudimentos dessa relação, na medida em que Zeus castiga os perjuros e protege os
suplicantes. Na Odisséia já há mais do que isso: os deuses já não enganam os homens e esforçam-se por lhes
impor regras de procedimento moral. Assim, no canto VI, a expressão “temente aos deuses” caracteriza o
povo justo.
Existe, portanto, uma religião, embora não com uma forma superior. Tudo está cheio de deuses e se
justifica pela sua intervenção. Cada ato dos heróis é ajudado por uma divindade. O interesse dos deuses por
um mortal é símbolo da sua superioridade.
Tem sido reconhecido que às ações importantes assiste uma dupla motivação, humana e divina.
Não se trata, porém, de uma maquinaria divina, como acontecerá nas epopeias eruditas, mas sim de
uma crença religiosa bem definida. Prova disto está no fato de muitas vezes a ação divina ser supérflua para
explicar o sucedido, o que prova que ela não foi inventada para tirar o poeta de dificuldades.
Finalmente, deve acentuar-se que o modo de intervenção das divindades diverge de um para outro
poema. Na Ilíada são móbil de ação, como quando Atena, no canto I, desce do céu para fazer embainhar a
espada de Aquiles. Na Odisseia, estão mais distanciados, aparecem de preferência em sonhos ou disfarçados
e são tutelares (protetores, como Atena para Telémaco e Odisseu) ou então entidades perseguidoras, como
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 14

Hélios e Posídon. Os concílios dos deuses já não são tumultuosos e desordeiros, como no poema mais antigo,
mas calmos e hieráticos. Este progresso no sentido da idealização vai refletir-se na concepção da morada das
divindades. Em vez de ser numa montanha real, situada na Tessália, de muitos píncaros e alva neve, o
Olimpo passou a ser um lugar ideal onde não chove nem neva e onde fica dos deuses a eterna e segura
mansão. Se alguma vez os antigos epítetos reaparecem para o classificar, é porque se trata de fórmulas que a
tradição facilmente conservava. Além disso, se aceitarmos como antigo o canto I da Odisseia e as afirmações
de Zeus nele contidas, correlacionando-as com a vitória final de Odisseu e o castigo dos pretendentes, temos
ainda uma diferença muito mais profunda, uma vez que é o deus supremo que garante o cumprimento da
justiça.

6. Concepção do Homem nos Poemas Homéricos

A partir dos meados do século XX, com a publicação do livro A Descoberta do Espírito de B. Snell,
tem-se considerado que, nos poemas homéricos, não existe uma concepção unitária de personalidade, que
faltam a noção de vontade e de livre arbítrio, que só naquela pode originar-se, e entre o psíquico e o
somático, de tal modo que qualquer função intelectual é considerada como um órgão.
Esta e outras questões foram abordadas por muitos autores, mas tem especial relevo a abordagem
semântica e a investigação hermenêutica feitas por Th. Jahn e Arbogast Schmitt, respectivamente, de quem
utilizaremos várias conclusões a que chegaram.
Primeiramente devemos falar da palavra thymos, que aparece três vezes no episódio da Ilíada em que
Aquiles, prestes a desembainhar a espada contra Agamémnon, tem a visão súbita de Atena. No primeiro uso,
thymos designa a vida; no segundo e terceiro é a sede dos afetos, equivalente ao sentido popular de
“coração”.
Posteriormente, thymos é empregada no sentido popular de vontade, aplicado ao desejo de comer. Do
sentido desse lexema está muito próximo o sentido de phren. Estes e outros vocábulos de sentido afim
parecem localizáveis no corpo.
O lexema noos aparecem como denotativo da capacidade intelectual. Porém, a função intelectual é
várias vezes atribuídas também a phren.
A diferença entre noos e thymos ou phren não é muito clara, esta terminologia é demasiado flutuante.
Quanto a psyche, em Homero significa vida, ou sopro vital. Mas só se fala dela quando alguém
morre, do mesmo modo que também só se emprega soma para designar o corpo do herói caído. Quando um
herói morre, a psyche escapa pela boca ou por uma ferida - identificação da vida com a respiração ou sangue.
A psyche tem forma, a mesma da pessoa quando viva, mas não possui consistência e não tem
phrenes.
Este sentido de psyche, que de modo algum corresponde ao moderno sentido de alma (embora o
prenuncie, ao aplicar-se àquilo que fica depois da separação do corpo), não impede de aceitar a existência de
uma concepção unitária de personalidade.
Há ainda intervenções psíquicas, que o homem homérico atribui a fatores que lhe são externos. Está
neste caso a ate, desvario momentâneo mandado por Zeus, que leva uma pessoa a cometer atos de que depois
se arrepende.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 15

A palavra menos designa um estado de espírito em certa medida comparável a este. É um misterioso
acesso de energia que faz sentir novas forças ao herói a quem os deuses o insuflaram.
O homem homérico depende, em última análise, do destino, a Moira ou Aisa, que tudo parecem
dominar. Moira significa parte ou lote, é aquilo que a cada um cabe em sorte na vida, ou seja, o destino.
O destino é fixo e inamovível, e nem os próprios deuses podem alterá-lo. Há, porém, passos da Ilíada
que mostram uma especial relação existente entre o deus supremo, e a Moira, como quando ele considera
tirar Sarpédon da batalha para que não fosse morto por Pátroclo, mas não o faz para que outros deuses não
queiram proteger seus filhos. Os próprios deuses estão subordinados à Moira.
Haviam duas crenças, nos deuses e no destino. Os deuses não estavam livres das paixões, mas
poderiam fazer o que quisessem, pelo que tinha de haver um limite que restaurasse a ordem. Sem haver
Moira, a história não atingiria o seu termo.
Se aceitarmos que a noção de responsabilidade moral já existe em Homero e que se encontra nos
Poemas uma área indefinida entre livre escolha e forças sobrenaturais, compreenderemos melhor as cenas de
dupla motivação.
O conceito de arete denota a excelência, a superioridade, alvo supremo do herói homérico. Significa
comportar-se como o primeiro, ter especial força ou coragem ou habilidade para qualquer fim superior. É
sobretudo no campo de batalha que se revela, através da coragem e da força. Mas pode também exercitar-se
na assembleia, através da arte de persuadir.
Esta é a arete da Ilíada. A da Odisséia é um pouco mais ampla, como pode deduzir-se do seu herói,
Odisseu, que é a força, coragem e eloquência junta da astúcia, a habilidade de se desvencilhar, pela finura do
seu espírito, das mais intrincadas situações.
A arete feminina em Helena e Penélope é a beleza, em Andrômaca o cuidado com os trabalhos e
ordenação de sua casa.
Estas são as coordenadas em que se desenvolve a atividade do homem homérico, adentro de uma
sociedade aristocrata no puro sentido etimológico do termo: a convergência de honrarias e altos cargos sobre
aqueles que os merecem pela sua dedicação e valentia.
O complemento natural desta axiologia é o horror de se tornar desprezado pela sua covardia.
O grande motivo da queixa de Aquiles no canto I é precisamente o terem.lhe roubado o público
reconhecimento da sua superioridade, e é a restituição dessa honra que Tétis vai impetrar de Zeus. É ainda o
amor da honra que leva Aquiles a preferir a morte gloriosa a uma vida longa.
Do morto não restava senão a psyche, sem phrenes nem consistência. A mísera condição dos mortos
no Hades é sublinhada pela Odisseia no canto XI, quando na catábase (descida ao Mundo Inferior) de
Odisseu, ele parabeniza Aquiles pela sua posição régia no reino das sombras. Aquiles é rei no Hades, porque
essa sobrevivência é imaginada como uma continuação incolor da vida que se levara sobre a terra. Mas a
amargura de suas palavras traduz as saudades sem esperança do homem que abandona a luz do dia.
É esta perspectiva sombria, de aniquilamento, que espera o herói homérico. A exceção é ser
arrebatado para os Campos Elísios, lugar aprazível, dotado de clima ideal, como anunciado no canto IV da
Odisseia por Pisístrato a Menelau. Trata-se porém de um caso único, privilégio reservado ao genro de Zeus.
A regra é, portanto, ter como destino último a precária sobrevivência no Hades, sem consideração co
valor que distinguira as pessoas em vida, uma vida que fora por sua vez transcorrida no meio do perigo.
Efetivamente, o homem é o mais frágil de todos os seres da terra; mas conforma-se com a sorte vária que
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 16

Zeus lhe manda. Seja por intervenção direta ou indireta, a ação da divindade é omnipotente. Mas, por outro
lado, como já dissemos, o valor dos homens afere-se pelo interesse que por eles tomam os deuses.
Paradoxalmente, este ser extremamente frágil é feito para a luta, e sente-se feliz por medir as suas
forças contra todos os obstáculos. O espírito agónico grego não falta nunca. A ele se associa uma viva
curiosidade pelo desconhecido e, um interesse nunca afrouxado pelo mundo circundante - que não são menos
característicos do homem homérico.

7. Homero educador da Grécia

A influência do Poemas Homéricos é tão grande que não se pode compreender a cultura grega quem
deles não tenha algum conhecimento.
Muito cedo começou a sua difusão. A princípio eram transmitidos oralmente e escutados em ocasiões
festivas. Para isso, havia os aedos e os rapsodos. Os primeiros eram cantores acompanhados da lira, os
segundos apenas os recitavam (provavelmente não eram poetas, apenas reproduziam o que tinham
aprendido).
Este tipo de transmissão tinha caráter apenas ocasional.
Mas já no século VI a.C um filho de um tirano ateniense deu ordem de que fossem recitados
integralmente os Poemas, por rapsodos que se revezavam, no festival das Panateneias.
Podem ouvir-se em concurso e são aprendidos nas escolas e influência em matéria religiosa.
Por tudo isto é que Platão, na República, dá como opinião corrente no seu tempo que Homero fora o
educador da Grécia.
Homero era o mestre de todos, autoridade suprema em qualquer assunto. O texto homérico servia até
para apoiar reivindicações territoriais. A partir dos Sofistas, a Ilíada e a Odisseia eram consideradas uma
espécie de enciclopédia. E os filósofos e mestres caem no exagero de as interpretar alegoricamente.
Deixando de lado estes excessos, temos que reconhecer que a sua influência sobre a cultura grega,
donde passa à latina, e desta a todas as outras culturas ocidentais delas derivadas, é um fato que não é de
mais sublinhar.
Resumidamente, os Poemas Homéricos influenciaram os seguintes domínios:
- religião
- poesia: são o modelo, direto ou indireto, de toda a poesia épica subsequente e influem consideravelmente
na lírica, os processos literários que usam, como os epítetos, os símiles, a apóstrofe, o lançar da narrativa
in media res, precedendo-a de proposição e invocação, não mais desaparecem das epopeias
- língua
- costumes e ideias: o respeito pelas normas da súplica e da hospitalidade, que se manteve em toda a
Antiguidade grega; é sabido que Alexandre sempre trazia consigo os Poemas Homéricos, queria imitar
Aquiles, e só lamentava não ter um cantor igual para o celebrar; o Telémaque de Fénelon é ainda uma
homenagem do século de Luís XIV ao jovem príncipe
A influencia nas ideais, propondo à admiração dos ouvintes à coragem indefectível de Aquiles, que
sacrifica a sua vida à moral heroica da honra, ou a urbanidade do jovem Telémaco, que se mantém sempre
ante a insolência dos pretendentes.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 17

V. A Época Clássica

1. Esquema do condicionalismo político dos séculos V e IV a.C

No século V a.C. pela primeira vez se defrontaram o Ocidente e o Oriente.


Em progressiva expansão de seu império, rei da Pérsia formula o plano de conquistar as cidades da
Europa. Mas, no ano de 490 a.C, os Ateniense, quase sem auxilio de qualquer outro povo helênico) ganham
uma vitória inesquecível em Maratona. (A corrida tem essa distancia e nome como uma homenagem à antiga
lenda grega do soldado ateniense Fidípides, um mensageiro do exército de Atenas, que teria corrido 42km
entre o campo de batalha de Maratona até Atenas para anunciar aos cidadãos da cidade a vitória dos exércitos
atenienses contra os persas e morreu de exaustão após cumprir a missão).
Dez anos depois, Xerxes passa o Helesponto com um interminável exército de terra, flanqueado por
uma não menos poderosa armada. Mas os gregos tinham se preparado para uma inteligente resistência. E
assim, apesar de ter falhado a espera que Leónidas e os seus trezentos Espartanos lhes opusera no
desfiladeiro das Termópilas, e apesar de a Ática, e com ela a Acrópole Ateniense, terem ficado expostas ao
saque dos persas, estes foram atraídos, por um estratagema, aos estreitos de Salamina, para aí sofrerem uma
clamorosa derrota naval (480 a.C). A independência grega foi confirmada em 479 a.C.
O perigo iminente tinha unido - embora por pouco tempo - a maior parte dos helenos, e o papel
desempenhado por Atenas conferia-lhe uma indiscutível supremacia.
A crescente prosperidade de Atenas traduz-se politicamente na criação da Confederação de Delos.
Tal Liga destinava-se, nominalmente, a preparar as cidades do Mar Egeu para resistirem a qualquer eventual
ataque persa. Mas em breve as ilhas vão sendo sucessivamente submetidas ao poderio ático, fato de que a
remoção do tesouro comum de Delos para Atenas, em 454, é um símbolo bem claro. Em 443 a.C., Péricles
leva a assembleia a votar a reconstrução dos templos destruídos pelo saque persa, nomeadamente, os da
Acrópole de Atenas, com o dinheiro desse fundo.
Deste modo sucedeu a construção do Pártenon, dos Propileus, do templo de Atena Nike e do
Erectéion, bem como das estátuas monumentais de Atena, por Fídias - a Promachos, no centro da Acrópole,
e a Parthenos, no interior do grande edifício.
Ao mesmo tempo, solucionou-se uma incidente crise econômica, provocada pela baixa na procura de
homens para o serviço naval, empregando-os nestes longos trabalhos. Por outro lado, Atenas obrigava os
aliados a apresentar-se a julgamento nos seus tribunais, aumentando assim as oportunidades de obter meios
de vida para os seus próprios cidadãos, que eram pagos para servirem como jurados.
Todos estes atos aparecia a outros estados gregos como outras tantas demonstrações do imperialismo
ateniense. A hostilidade de Esparta, revelada desde os acontecimentos de 459-445, vai manifestar-se de novo
a pretexto de fidelidade à sua aliada, Corinto, cuja colônia de Corcira entrara em conflito com Epidamno.
Epidamno pedira auxílio a Cotinro e Corcira a Atenas. Desencadeou-se a Guerra do Peloponeso, em 431. O
ano 405 marca a derrota da arma ateniense e admissão da sua dependência a Esparta, que lhe impõe o
governo dos Trinta Tiranos.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 18

2. A Tragédia

O século V a.C. foi o século do apogeu da lírica, que tem a sua mais alta expressão na tragédia. Os
grandes problemas das relações dos homens (piedade, insolência para com a divindade, justiça) são
equacionados perante os milhares de espectadores que assistem todos os anos às Grandes Dionísias.
Os três maiores tragediógrafos gregos foram Ésquilo, Sófocles e Eurípedes.
As tragédias eram apresentadas por cada autor em grupos de três, ligada ou não pelo tema, e
seguidas de um drama satírico. Cada uma delas compreendia geralmente as seguintes partes: prólogo, párodo
(entrada do coro), episódios, estásimos (odes corais), êxodo. Episódios e estásimos repetem-se em
alternativa, num número variável de vezes.
Circunstâncias de representação da tragédia: enquadrada numa série de cerimônias de caráter cívico
e religioso simultaneamente, a ela assiste toda a polis, pois até os pobres podem levantar bilhetes numa
espécie de fundo comum. Os assentos, é claro, eram distribuídos hierarquicamente. Não é divertimento e
distração para o espírito cansado pelas tarefas quotidianas. O cuidado em que tais atos se efetuem
anualmente com toda a regularidade era uma das grandes preocupações atenienses, que encerravam tribunais
e paravam a guerra nesse período.
Muitos poetas consideravam parte da sua tragédia reafirmar ou rever os padrões morais, sociais e
religiosos do seu tempo.
Não há atualmente consenso sobre qual poderia ser, exatamente, melhor maneira de definir ou
compreender a tragédia. Aristóteles, na Poética, definiu a tragédia como “uma imitação de uma ação, elevada
e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada, por formas diferentes em cada uma das suas
partes, que se serve da ação e não da narração, e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a katharsis
de tais paixões”.
À definição de Aristóteles, e, especialmente, o uso da palavrada katharsis, existem as mais variadas
explicações. As mais populares são: (1) a moralista ou didática, segundo a qual a tragédia ensina, pelo
exemplo, a dominar as paixões que conduzem ao sofrimento.; (2) a que vê na katharsis a aquisição de
fortaleza emocional, diminuindo a nossa susceptibilidade à comiseração e temor, em face das desgraças
alheias; (3) a da moderação, que liga a katharsis à noção aristotélica da justa medida; (4) a que encontra na
katharsis uma função terapêutica de tipo homeopático, e que é a doutrina mais difundida modernamente.
Todas essas interpretações vêem na katharsis uma experiência emocional. Segundo intérpretes mais
recente, a katharsis trágica de algum modo conduz a um alinhamento ético entre as emoções e a razão:
porque a tragédia suscita comiseração e temor por meios apropriados, não rega ou alimenta emoções, como
alegou Platão, mas tende a harmonizá-las com as percepções e juízos do mundo.
Se distinguem as espécies da tragédia em simples e complexas e as situações em que os fatos
imitados causam as necessárias emoções do temor e da comiseração. O herói trágico é tal que não se
distingue nem pela sua virtude nem pela sua justiça; tampouco cai no infortúnio devido à sua maldade e
perversidade, mas efeito de qualquer harmatia, e pertence ao número daqueles que que gozam de grande
fama e prosperidade, como Édipo e Tiestes. A mudança é do bem-estar para a desventura, e isso por efeito,
não da perversidade, mas de uma harmatia de importância.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 19

Harmatia significa errar, interpretar erradamente ou cometer uma falta moral, que pode atingir a
dimensão do crime. Harmatia não é criminoso nem voluntário. Provém de um erro de juízo. Não deverá dar-
se-lhe, portanto, uma interpretação moralizante. A harmatia resulta de um desconhecimento.
A melhor tragédia tem então como herói alguém que, não sendo perfeito nem perverso, gozava de
grande fama e prosperidade (pois assim é mais evidente a sua queda) e, por efeito de qualquer harmatia,
passa da felicidade à desventura.
Havia figuras famosas que melhor exemplificavam estas situações, as quais eram tiradas de um
passado geralmente distante (com algumas exceções, de que a mais notável é Os Persas, de Ésquilo, que
decorrem nas Guerras Medo-Persas.
A tragédia é composta de seis elementos: fábula (mythos), personagens, elocução, reflexão,
espetáculo e música. O mythos é a alma da tragédia. Era uma forma de arte que, numa ligação do mythos
com o logos olhou de frente e representou a problemática do Ser.
Até que ponto é dado ao homem decidir por si, num mundo complexo e adverso, dominado por
poderes superiores e constituído segundo uma ordenação que não lhe é totalmente inteligível? Existe um
destino que tudo condiciona, mas com o qual o homem teima em se medir? Até que ponto é dado ao ser
humano decidir por si? Ou é simplesmente o acaso que determina os acontecimentos?
A questão é admiravelmente exposta, em relação a Ésquilo, por Pohlenz: “Um contraste entre a forte
necessidade de autodeterminação do Heleno e o sentimento da existência prévia de poderes sobre-humanos
que externamente o limitam e atravessa (..). A problemática do Ser começa para o tragediógrafo só quando o
homem reconhece como seus antagonistas esses poderes (…). Para os Gregos, era evidente imaginar o
mundo da Natureza como um cosmos bem ordenado, sujeito a leis estáveis (…). É trágico (…) o conflito
entre a vontade individual e a ordenação do mundo”.

ÉSQUILO
Os Persas, de Ésquilo é a mais antiga tragédia conservada, e desenvolve, como já dissemos, um
tema da história contemporânea. O inimigo aparece como dignificado, como não podia deixar de ser, se se
queria realçar o valor da vitória grega, e como, aliás, estava na boa tradição homérica. Além disso, a cena é
colocada capital persa, pois só vista deste ângulo a história poderia ser trágica.
Das setes tragédias sobreviventes de Ésquilo, entre as muita dezenas que compôs, uma das mais
cercadas de problemas é o Prometeu Agrilhoado, incluindo o da cronologia e da autenticidade. É porém
perigoso tentar estabelecer normas fixas de composição para um autor de quem temos tão pouco.
Em 458 a.C, Ésquilo ganhou o primeiro prêmio das Grandes Dionísias com a última tetralogia que
compôs, a Oresteia, da qual se perdeu apenas o drama satírico. Atentamos sobretudo a contextura ideológica
da obra.
O mythos já estava em grande parte na odisseia, onde se lê que Agamémnon, durante a sua ausência
em Tróia, fora usurpado o lugar de rei e de marido por Egisto, que o assassinou no dia do regresso,
juntamente com a sua cativa Cassandra; e que Orestes, o filho do casal, uma vez chegado a idade viril, se
cobriu de glória, matando Egisto e recuperando seus direitos reais. Numa obra perdida de Hesíodo
acrescentava-se que a vingança de Orestes se estendera a mãe. A grande novidade de Ésquilo está na solução
do problema.

Lenir Costa - 2019/2020


Culturas Clássicas 20

Efetivamente, o costume prescrevia que o filho varão vingasse a morte do pai. Logo, a Orestes
incumbia o dever sagrado de matar o assassino de Agamémnon. Se este fosse apenas Egisto, a questão estava
resolvida. Mas Clitemnestra também era culpada, e, para vinga o pai, Orestes tinha de matar a mãe. Uma vez
consumado este ato, o jovem príncipe é perseguido pelas Fúrias, divindades terríveis, encarregadas de punir
os crimes de sangue. O caso é levado à presença de Atena, que constitui um júri especial para decidir. O
número de votos é para ambas as partes iguais (o que simboliza a insolubilidade do problema), mas Atena,
que dera o seu a favor do réu, proclama que a equivalência de sufrágios concede a absolvição. E doravante os
casos desta natureza serão decididos, não pelo interessado, mas por um tribunal.
Ésquilo soluciona o problema com a criação de uma nova ordem social: o tribunal Areópago.
A longa ode do coral do párodo, em Agamémnon, vale ser discutida. Os doze anciãos em rios
recordavam como, antes da partida da expedição, se tinham visto duas águias a devorar uma lebre prenhe (os
dois Atridas a destruir Tróia e seus habitantes); segue-se o hino a Zeus; e depois a evocação do sacrifício de
Ifigênia.
Aqui se contém a parte mais significativa e mais discutida da tragédia. Primeiro, compreendemos
que Agamémnon vai desagravar a ofensa feita ao deus patrono da hospitalidade, Zeus. Por isso mesmo é
chamado de o “grande exator da justiça”. Depois, o prodígio sugere os perigos em que pode envolvê-los a
vitória - a insolência na revindita - ofendendo o princípio do “nada em excesso”. O hino a Zeus toca um dos
pontos mais vitais do pensamento que enforma toda a tragédia: que se aprende sofrendo.
A evocação do sacrifício de Ifigênia é menos clara. Por um lado, afirma-se que Agamémnon, se não
consentir na morte da filha, para obter ventos propícios que levem a expedição a Tróia, falara ao seu dever
militar. Mas mal a sua decisão é tomada, o coro não hesita em qualificada de “ímpia, impura e sacrílega”.
Ártemis é que exigia o sacrifício de Ifigênia para mandar ventos favoráveis. Agamémnon não tinha
escolha, o que se explica, porque não se trata de uma história de crime e castigo, mas da tragédia do destino
do homem, que é mais impressionante, se a vítima é envolvida nele contra vontade (como Agamémnon) ou
sem saber (como Édipo). É um retrato muito realisticamente observado do comportamento humano perante a
ordem de praticar um ato extraordinário e desagradável, dada por um agente respeitado. Além disso, o coro
mantém-se para o sacrifício, numa atitude de cuidado, dúvida e ambivalência, em tudo o que respeita à
responsabilidade por ele como ato, mas manifesta uma repulsa inequívoca quando o encara como
acontecimento.
A situação pode ser reduzida ao seguinte dilema: ou a partida para Tróia (com a cessação dos ventos)
e consequente aniquilação dos habitantes da cidade, com a condição de sacrificar Ifigênia, ou abandono da
expedição, evitando aquelas duas consequências. Ártemis impusera uma condição tal à obtenção de uma
vitória da qual havia de resultar a destruição de uma cidade (fato que ela não queria), que era de esperar da
parte de Agamémnon que não ousasse aceitá-la. Mas não é isso que sucede.
A sentença do coro surge logo na estrofe seguinte, francamente condenatória. Mas a posição de
Agamémnon ante o terrível dilema não é nítida.
As personagens vão sendo sucessivamente instrumentos da justiça de Zeus e objetos da mesma, e a
larga sequência de crimes e castigos do palácio dos Atridas se explica como uma série de culpas contraídas
pelos seus membros numa fatalidade cega.
Opõe-se distintamente duas formas de pensar: a tradicional, de que o excesso de ventura atrai a
desgraça; a refletida, que o autor apresenta como opinião pessoal, de que tal desgraça ºe castigo de
Lenir Costa - 2019/2020
Culturas Clássicas 21

impiedade. Esta impiedade é a insolência, o orgulho, que leva o homem a querer ultrapassar a sua condição e
a medir-se com os deuses.
Dela se tornara realmente culpado Agamémnon, quando se excedera no saque de Tróia, destruindo
altares e templos das divindades, e toda a raça do país. E a culpa repete-se, agora com todo o aparato
simbólico, quando, cedendo aos rogos de Clitemnestra, entra em casa pisando um tapete de púrpura, honra
que só aos deuses convinha.
O significado do caminho de Agamémnon é-nos desvendado por Cassandra. O canto de Cassandra
evoca o crime de Atreu e anuncia o assassínio de Agamémnon. Egisto buscava vingar-se do descendente de
Atreu, que dera de comer a Tiestes a carne de seus próprios filhos (sendo Egisto o único que escapara, por
ser o mais novo). Também Clitemnestra revela tardiamente o seu desejo de vingar a morte de Ifigênia.
Quando a tragédia termina, a situação do palácio não melhorou. Cassandra profetizara a vinda de um
justiceiro.
Esse justiceiro aparece em As Coéforas, por ordem de Apolo, que o manda vingar o assassinato do
pai. Mas Orestes não se limita a obedecer à divindade. O coro identifica o seu querer com o do deus, e assim
ele se torna responsável. A atitude de Orestes é simultaneamente dever religioso e crime, e é daqui que sai a
profundidade do conflito.
Quando, depois de ter matado Egisto, se prepara para punir a mãe, Orestes hesita, e é preciso que seu
amigo Pílades lhe lembre as ordens de Apolo. Porém, depois de cometido o ato nefando, Orestes avista as
Fúrias.
À terceira tragédia cumpre dar solução ao caso. Dela desaparecem já as figura humanas. A ação
decorrerá entre os deuses, e, como tal, haverá muito de simbólico em tudo o que se fizer e disser. Orestes
apresenta-se como suplicante no templo de Delfos, onde as Fúrias que o perseguiam adormeceram. Apolo
promete-lhe proteção e retira-se, enquanto Hermes leva Orestes. Mas o fantasma de Clitemnestra desperta as
Fúrias. Estas, expulsas por Apolo do seu santuário, vão ameaçar o culpado a Atenas, onde ele abraça,
suplicante, a estátua da deusa protetora da cidade. Atena interroga ambas as partes, e convoca um júri
especial para o caso. A votação é igual. É o voto da própria deusa que permite a Orestes sair liberto. Mas
Atena tem ainda de apaziguar as Fúrias, que se sentem lesadas nos seus direitos, oferecendo-lhes especiais
honrarias na sua cidade.
Tem se visto nesta peça: (1) o progresso do direito, a substituição da vingança de sangue por um
processo jurídico regular; (2) a vitória dos Olímpicos sobre a religião de terrores de tempos primitivos; (3) o
nascimento da polis.
A grande lição d’As Eumênides é: o caminho para a paz deve alcançar-se pela persuasão, não pela
força. Opõe-se assim a civilização à barbárie, e é um símbolo da politeia ateniense.
Os últimos versos revelam-nos ainda que o destino (Moira) se conciliara com Zeus - o deus
supremo, que a trilogia identifica com a justiça perfeita.

Lenir Costa - 2019/2020

Você também pode gostar