Fundamentos Sócio-filosóficos da Arte e da Educação Profa. Marlen de Martino
HOLANDA, Nestor Cavalcanti Neto. A Guerra de Tróia. Rio de Janeiro, Editora
Ediouro, 1970.
Por Yasmin Costa Corrêa
24 de junho de 2019 Graduanda de Artes Visuais Universidade Federal do Rio Grande
O livro A Guerra de Tróia de Nestor de Holanda conta a famosa história de
Ilíada atribuída ao Aedo grego Homero, os gregos eram ágrafos, não tinham escrita e por isso não existem registros sobre a autoria dessa e de outras epopeias gregas. Essas histórias eram contadas em forma de poesia, ou cânticos já que, era mais fácil decorar versos em rima, e foi dessa forma que esse conhecimento foi transmitido por muitos séculos, até a inicio do uso da escrita como forma de transmissão de conhecimento, segundo Hartog (2013 p.61) “a prosa substituiu o verso, a escrita se impôs: a Musa desapareceu”. A história inicia com a filha do rei Tíndaro de Esparta, a jovem Helena, que era a mulher mais bela de toda a Grécia, escolhendo com qual de seus muitos pretendentes iria se casar, ela escolhe o príncipe Menelau, filho do rei Atreu de Micenas e irmão de Agamenon. Temendo pelo futuro de Helena o rei Tíndaro faz com que todos os pretendentes jurem que se Helena fosse sequestrada eles se uniriam para resgatá-la. Menelau assume o trono de Esparta após a morte do sogro, ele e sua esposa vivem felizes até que o rei Príamo de Tróia envia a Esparta seu filho Páris, com o intuito de fazer relações de diplomáticas entre os dois reinos, porém, Páris se apaixona por Helena e segundo conta essa versão de Ilíada, ele a sequestra e junto leva também ouro e pedras preciosas. Para mim é mais provável que a Deusa Afrodite tenha feito Helena e Páris se apaixonarem, e então ela tenha decidido por sua própria vontade fugir com ele, uma vez que a Deusa Afrodite havia prometido o amor da mulher mais bela a Páris se ele a escolhe-se como vencedora em uma competição de beleza realizada pelos deuses, entre as deusas Afrodite, Hera e Atena. Afrodite que também era conhecida como a deusa dos amores proibidos e incestuosos deu a Páris o amor de uma mulher casada e comprometida não apenas com seu marido, mas com seu reino, já que ela era responsável também pelas decisões políticas junto com seu marido. Acredito que essa tenha sido a forma que a Deusa encontrou de cumprir a sua promessa a Páris. . Menelau e seu irmão Agamenon convocaram os príncipes da Grécia que haviam sido pretendentes de Helena e exigindo que cumprissem a promessa feita ao rei Tíndaro de resgatar Helena caso ela fosse sequestrada, outros Heróis também se juntaram a eles embora não tivesse prestado juramento, entre eles: Diomedes, Ajax o Grande, Ajax o Pequeno, Teucro, Nestor, Ulisses, Aquiles e Pátroclo. Esses heróis estavam em busca de fama e glória, além de espólios de guerra. Ser herói, para o grego, significava ser corajoso, e não necessariamente altruísta, e isso em nada tem haver com o conceito contemporâneo de heroísmo que hoje conhecemos. O cerco dos gregos a cidade de Tróia durou nove anos, porque não conseguiam ultrapassar as muralhas, durante esse tempo a única forma de obtenção de provimentos para os gregos era saqueando outras cidades ao redor de Tróia. Durante um desses cercos, Agamenon se apossou de uma moça chamada Criseida, durante o saque a cidade de Crises, ela era filha do sacerdote de Apolo, seu pai tentou pagar resgate e prometeu intervir junto ao Deus para que os gregos saíssem vitoriosos da guerra, mas em nada adiantou. Agamenon expulsou e destratou o sacerdote, o que enfureceu Apolo, ele lançou sob o acampamento dos gregos uma doença que primeiro matou os animais e depois adoeceu os homens. No décimo dia Aquiles e outros líderes convencem Agamenon a devolver Criseida para cessar a ira de Apolo. Apesar de aceitar e devolver a moça a seu pai, Agamenon se revolta e toma de Aquiles Briseida, uma jovem que Aquiles havia capturado como espólio. A atitude de Agamenon ofende profundamente Aquiles, porque, para um herói grego a honra era de extrema importância, o fato de ser ser desmoralizado por outro chefe grego na frente de seus homens, abala seu orgulho e isso se deve ao fato de ele não estár acostumado a ter sua vontade contrariada porque era um semideus. A raiva o leva a afastar-se da guerra, sua mãe a Deusa Tétis ao ver a tristeza de seu filho pela ofensa feita por Agamenon, vai a Zeus, e pede a ele que faça que os gregos percebam que não podem vencer a guerra sem a ajuda de seu filho, Tétis consegue convencer Zeus a satisfazer a vontade de seu Aquiles. E assim a guerra se torna ainda mais acirrada, pois alguns momentos Zeus favorece os troianos a pedido de Tétis e em outros momentos Hera e Atena ajudam os gregos, já que elas odeiam Tróia e querem vê-la queimar, as deusas ainda estavam iradas com Páris, porque ele escolheu Afrodite no concurso de beleza realizado pelos deuses para escolher qual das três deusas era a mais bela. Dentre os heróis troianos o que mais se destaca na história é Heitor, ele é príncipe, filho do rei Príamo e irmão de Páris, é conhecido como o melhor e mais forte guerreiro de Tróia. Heitor fez jus a sua fama, porque, em grande parte da história ele lidera o exército troiano enquanto Páris e Helena estão vivendo sua história de amor escondidos no do palácio. É que, ao contrário de Heitor Páris é odiado por Tróia inteira, já que, ele é o causador da guerra que castigou a cidade durante anos. Gregos e troianos lutam fervorosamente até que os troianos conseguem encurralar os gregos em seus navios. Pátroclo vendo o início de um incêndio em um navio grego implora a Aquiles que ao menos o deixe ir até a batalha usando sua armadura e levando seus homens para apenas afugentar os troianos. Aquiles então permite que Pátroclo ajude, mas ordena que não lute e retorne assim que os troianos escapassem, isso porque, ele desejava a glória por invadir Troia si. Aquiles e Pátroclo eram primos, eram amigos e confidentes, mas além disso é muito provável que eles tivessem um relacionamento amoroso, dado que, o companheirismo entre eles nos deixa claro a ligação forte que tinham. Pátroclo era fiel a Aquiles e por isso, era incapaz de desobedecer as suas ordens. Pátroclo parte para ajudar seus companheiros gregos, seu plano de se passar por Aquiles é bem sucedido, os troianos acabam recuando em direção a cidade e os navios gregos são salvo, porém Pátroclo tomado pelo calor da batalha desobedece a Aquiles e resolve ir atrás dos troianos a fim de liquidar Heitor e invadir Tróia. Ao avistar Pátroclo vestido com armadura de Aquiles se aproximando, Heitor percebeu o embuste, ele então incita seus companheiros contra Pátroclo, os dois duelam e Heitor assassina Pátroclo. Gregos e troianos iniciam uma disputa pelo corpo de Pátroclo. Ao saber do ocorrido Aquiles resolve retornar a guerra com seus homens para vingar a morte de seu melhor amigo e companheiro e também recuperar seu corpo para poder fazer os ritos funerais. No entanto, sua armadura havia sido saqueada do cadáver de Pátroclo pelo próprio Heitor e sem uma armadura Aquiles não poderia lutar. A deusa Tétis vai a oficina do deus artesão Hefesto e pede que ele confeccione uma nova armadura a Aquiles, para que no dia seguinte Aquiles possa regressar a batalha. Heitor é o único personagem masculino de Ilíada que demonstra ter consideração pelas mulheres da história, os outros personagens referem-se às mulheres como propriedade, elas são usadas como moeda de troca entre eles e sua vontade em momento algum é considerada. Os momentos antes de seu embate com Aquiles mostram a relação que Heitor tinha com essas duas mulheres, quando Heitor retorna ao palácio para despedir-se de sua mãe e esposa, ele primeiro encontra Hécuba, sua mãe, que de uma forma comovente súplica a seu filho que se resguarde dentro dos muros da cidade, Kibuuka (2011) diz que “ Neste momento, a Ilíada revela ser Hécuba uma mãe de dores, passional diante da tragédia que está prestes a acometer sua casa”, imagino o quão difícil deve ter sido para essa mãe quando percebeu que aqueles eram seus últimos momentos com seu filho. Após o encontro com sua mãe Heitor vai a procura de Andrômaca, ele a encontra nas muralhas da cidade com seu pequeno filho e uma serva, ela havia ido até lá para tentar ver marido no campo de batalha, o encontro entre os dois é um dos pontos altos dessa história para mim, porque Heitor e Andrômaca demonstram carinho e preocupação mútua, uma relação baseada em amor não era comum para a época.
(HOMERO, s/d. apud GUERRERO, 2000)
"O infortúnio futuro dos troianos, como Hécuba, rei Príamo e muitos dos meus bravos irmãos que caem na poeira nas mãos dos inimigos, eu não me importo como tanto quanto que você vai sofrer quando alguns dos aqueus bronzeado lorigas te levar, chorosa, privando-a de liberdade, e depois tece-ras tecidos em Argos às ordens de outra mulher ". "Heitor, agora você é meu pai, minha venerável mãe e meu irmão, meu marido florescente."
Segundo Guerrero (2000), escolher o próprio marido era um privilégio nesse
universo patriarcal descrito por Homero, o entendimento que temos hoje em relação ao amor é diferente do mostrado por Homero, para os gregos o amor apaixonado era perigoso, pois o ser apaixonado não estaria no seu pleno juízo. Quando Hefesto finalmente termina a nova armadura de Aquiles, ele regressa ao campo de batalha com tanta ira que amedronta aos troianos, que fugiram para dentro das muralhas, apenas Heitor permaneceu do lado de fora a sua espera, e mesmo ele que era o mais corajoso dos troianos acabou correndo com medo Aquiles. A deusa Atena inspirou medo em seu coração, e nesse momento Heitor temeu a morte, e por isso ele correu de Aquiles, chegaram a dar três voltas em torno das muralhas de Tróia até que Atena intervem outra vez, ela se disfarça como um dos irmãos de Heitor e o encoraja a encarar Aquiles, os dois duelaram e Aquiles saiu vencedor, ele prendeu o corpo de Heitor a seu carro pelos calcanhares e arrastou até sua tenda. Não poder prantear o próprio filho não foi o mais cruel para os pais de Heitor, Príamo e Hécuba assistiram das muralhas Aquiles arrastar o cadáver de seu filho durante dias em volta da sepultura de Pátroclo. O luto e os ritos fúnebres eram sagrados e negar a família esse direito era uma forma de punição cruel para o morto, que mesmo depois da derrota, continuava a ser punido pela morte de Pátroclo. “Na frente de uma cidade vítima de uma guerra absurda e injusta, ele perde todos os seus filhos um por um. E testemunha a morte do mais amado deles, a alma mais nobre: Heitor”. (CASTELO,2018). O rei Príamo queria desesperadamente procurar Aquiles em seu acampamento para pagar resgate pelo corpo do filho, mas seus parentes o impediram por temerem que algo o acontecesse. Príamo era um senhor de idade avançada e não poderia se defender, mas se Zeus se compadeceu de seu sofrimento e o ajudou a sair das muralhas de Tróia disfarçado, e chegar até o acampamento onde Aquiles se encontrava. O pai que sofre pela morte de seu filho e vai ao encontro de seu assassino, que por sua vez, pranteia um morto que lhe era muito caro e que foi morto por Heitor, fazem desse encontro um marco épico que simboliza o início do humanismo ocidental, conforme Lesky (1995). Aquiles aceitou o resgate pago pelo corpo de Heitor e garantiu a Príamo que respeitaria o período de luto de nove dias para a realização do funeral. Quando o período de luto acabou a batalhas retornaram Quando Aquiles matou Heitor sabia que de certa forma estava assinando sua sentença de morte, mas ao mesmo tempo, o feito de matar o grande herói troiano, foi o meio pelo qual Aquiles encontro a glória eterna que tanto ansiava, e fez justiça, segundo o entendimento dos gregos. Aquiles também acabou morrendo com uma flecha envenenada em seu único ponto fraco, o calcanhar pelo qual sua mãe o segurou quando o mergulhou no rio Estige, deixando apenas essa parte de seu corpo vulnerável. Logo depois os gregos arquitetaram um plano para tomar Tróia de uma vez por todas, construíram um cavalo de madeira enorme, os mais bravos guerreiros gregos se esconderam dentro, enquanto os outros levaram os navios gregos para uma ilha próxima. Felizes pensando que a guerra havia terminado os troianos levaram o cavalo para dentro da cidade, comeram e beberam para festejar, quando já estavam embriagados os gregos saíram de dentro do cavalo abriram os portões para o exército grego invadir a cidade, e assim mataram a maior quantidade que puderam e incendiaram a cidade, e Tróia sucumbiu no décimo ano da guerra. Ilíada inicia com uma história de amor, mas apesar disso, ao longo de seu desenrolar se torna uma história sobre uma guerra desumana onde aqueles que foram ditos heróis cometem crueldades, que hoje são consideradas hediondas pela sociedade contemporânea. Os conceitos de justiça e heroísmo presentes na história se diferem muito daqueles que estamos acostumados, e apesar do egocentrismo presente nos personagens, tanto os homens quanto os deuses, em alguns momentos a empatia humana fica presente na história, principalmente nas relações de Heitor e Andrômaca, e Príamo e Aquiles. Referências
HOLANDA, Nestor Cavalcanti Neto. A Guerra de Tróia. Rio de Janeiro, Editora
Ediouro, 1970.
HOMERO. Ilíada. Trad. Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
KIBUUKA, Brian Gordon Lutalo. A caracterização de Hécuba na Ilíada, no Ciclo
Troiano e no drama de Eurípides. Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília. Volume 4, julho de 2011.
GUERRERO, Patricia Baeza. Andrômaca na literatura grega: as versões de
Homero e Eurípides. Revista Signos, Valparaíso, Chile, vol. 33, n. 47, p. 39-50, ano 2000.
CASTELO, Miguel Didier. Antígona e Príamo: dois personagens atuais.
Byzantion nea hellás , Santiago, Chile, n. 37, p. 49-57, outubro de 2018.
LESKY, Albin. História da literatura grega. Trad. Manuel Losa. Lisboa-Portugal.