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2ª série
Sociologia

Famílias plurais
As famílias da mídia
O que as famílias representadas na televisão podem revelar sobre a influência que a propaganda e o
entretenimento têm na cultura em que estamos inseridos?
A influência exercida pelos meios de comunicação de massa sobre os valores e comportamentos nas sociedades
contemporâneas tem sido estudada pela Sociologia desde a primeira metade do século XX, quando os
pensadores da chamada Escola de Frankfurt passaram a problematizar a padronização da arte e do
entretenimento. No Brasil, um dos produtos culturais mais consumidos e estudados ao longo das últimas
décadas foi a telenovela. Muitas vezes exibidas também em outros países, com índices elevados de audiência, as
novelas brasileiras tornaram-se foco da reprodução de padrões de comportamento e, ao mesmo tempo, de
debate sobre questões sociais, como a violência, a sexualidade ou os papéis de gênero.

Alçada à posição de principal produto de uma indústria televisiva de grandes proporções, a


novela passou a ser um dos mais importantes e amplos espaços de problematização do
Brasil, indo da intimidade privada aos problemas sociais. Essa capacidade sui generis de
sintetizar o público e o privado, o político e o doméstico, a notícia e a ficção, o masculino e o
feminino, está inscrita na narrativa das novelas que combina convenções formais do
documentário e do melodrama televisivo.
(LOPES, 2009)

Sui generis (locução adjetiva)


1. Expressão latina que significa algo singular, único e peculiar.

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A inserção de questões sociais na trama das novelas demonstra que essas produções vinculam-se aos valores e
costumes da sociedade brasileira, procurando acompanhar as transformações culturais e incorporá-las como
parte de suas narrativas. Contudo, apesar do movimento lento e gradual para debater as mudanças na sociedade,
as telenovelas convivem com a reprodução de estereótipos de gênero, raça e classe. Por exemplo, em 2018, a
Rede Globo de Televisão chegou a ser notificada pelo Ministério Público do Trabalho por produzir uma novela
que, apesar de se passar na Bahia (estado onde 80% da população é negra), tinha em seu elenco principal apenas
atores brancos. Segundo o Ministério, a escolha por personagens de maioria branca denotava o apagamento da
população negra e da diversidade racial baiana.
O significado de família também é fortemente influenciado por esses estereótipos. Este vídeo mostra a abertura
da novela Laços de família, transmitida pela TV Globo em 2000. Observa-se que as famílias representadas são
todas brancas, e que quase todas parecem ser formadas por casais heterossexuais.

Abertura da novela "Laços de família"


Abertura de novela mostra modelos estereotipados de famílias brasileiras - TV
GLOBO/YOUTUBE
Link: https://www.youtube.com/watch?v=jMCGfa4G4ww

Assim, a problematização da realidade social nas telenovelas coexiste e interage com uma tendência à
uniformização de valores e costumes, distanciando o que é representado na ficção e a realidade das famílias
brasileiras. Ainda, a diferença entre ficção e realidade também pode revelar narrativas sobre a identidade do país,
dado que muitas das contradições vistas nas telenovelas influenciam a vida no cotidiano brasileiro.

A inclusão do cotidiano, seus temas políticos, econômicos, sociais, seus comportamentos


mecânicos se dá numa lógica ficcional que tem por referência a lógica cultural daquela
sociedade. Assim, as transformações que ocorrem no nível ficcional, a solução de tensões, o
encaminhamento de soluções de problemas passa a sugerir soluções possíveis no nível do
real, pois estão todos imersos na mesma história cultural: dramaturgos e espectadores.
(BACCEGA, 2003)

A propaganda da família idealizada


Além das telenovelas, um dos produtos da indústria cultural que mais evidencia a idealização de modelos
familiares é a propaganda. Do ponto de vista da Sociologia, a reprodução desses padrões, além de estar
diretamente ligada aos valores da cultura em que estamos, também evidencia uma relação direta entre família e
consumo.
Isso ocorre porque a família, como instituição que ultrapassa o fenômeno meramente biológico da reprodução
humana, corresponde também a uma organização econômica. Famílias são instâncias de divisão do trabalho de
acordo com costumes específicos da cultura em que estão inseridas, assim como constituem um grupo que visa
a aquisição e o consumo de bens, organizando a distribuição de mercadorias entre seus membros.
Dessa forma, as famílias tornam-se alvo de propagandas que promovem valores relacionados ao consumo,
enquanto os produtos anunciados passam a representar a idealização de determinados modelos, especialmente
o modelo da família nuclear formada por um casal heterossexual e seus filhos.

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Correspondendo a um conceito tipicamente burguês, a família nuclear, enquanto modelo,
adquire força ao longo do capitalismo moderno. Por ser reduzida (formada somente pela
união de um casal e sua prole), diferencia-se de outras configurações familiares (como a
família estendida). Apesar de não representar a realidade da maioria das famílias nas
sociedades contemporâneas, a presença predominante desse modelo nos produtos da
indústria cultural torna-se um padrão socialmente construído e idealizado pelo senso
comum.

Este vídeo mostra uma propaganda veiculada na televisão brasileira em 1994 que representa uma família
correspondente ao modelo nuclear e ajustada a estereótipos muito presentes no imaginário social: trata-se de
uma criança acompanhada pelos pais, um casal heterossexual, branco, magro e jovem. É relevante analisar como
esse modelo de família aparece diretamente relacionado ao costume de reunir-se no café da manhã, ligando o
consumo do produto anunciado a um estilo de vida específico.

Comercial All day


Propaganda dos anos 1990 relaciona o consumo do produto anunciado a um estilo
de vida específico
- PROPAGANDAS HISTÓRICAS/YOUTUBE
Link: https://www.youtube.com/watch?v=OEwPVfKreks

Em muitos casos, o modelo de família nuclear representado pelas propagandas revela também estereótipos de
gênero, atribuindo à mulher um papel específico no que se refere ao consumo e à administração da casa. De
acordo com Maria Aparecida Baccega (1943-2020), professora e pesquisadora na área de Comunicação, essa
atribuição de papéis relaciona-se diretamente com os valores da cultura dominante nas sociedades capitalistas
contemporâneas:

A publicidade “fala” de um lugar de poder e de saber em conformidade com os ideais do


projeto burguês e destina-se prioritariamente à mulher, sugerindo que o processo de
pedagogização do consumidor brasileiro desenvolveu-se durante quase todo o século XX
ancorado no público feminino. Elemento central na transformação dos hábitos e costumes
pelos ideais burgueses, caberia à mulher o lugar de administradora da economia doméstica.
(BACCEGA, 2008)

Nesse contexto, os estereótipos também exercem influência sobre a percepção que os indivíduos têm a respeito
de si mesmos, o que inclui a promoção de padrões de consumo e de beleza. Neste vídeo produzido pela TV
Câmara, é possível observar como a representação de relacionamentos amorosos e padrões de beleza relaciona-
se especialmente com os papéis socialmente atribuídos às mulheres.

A mulher na mídia
Vídeo fala sobre a falta de representatividade da mulher brasileira na televisão -
PNUDBRASIL/YOUTUBE
Link: https://www.youtube.com/watch?v=3U_Iak6ftcs

BACCEGA, M. A. A.. Narrativa ficcional de televisão: encontro com os temas sociais. Comunicação & Educação,
São Paulo, n.26, p.7-16, jan-abr. 2003.
____. (Org.). Comunicação e culturas do consumo. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
LOPES, Maria. Telenovela como recurso comunicativo. Revista Matrizes, São Paulo, n.1, ano 3, ago-dez. 2009. pp.

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VEJA. "MPT notifica Globo por falta de atores negros no elenco de ‘Segundo Sol’". São Paulo, 2018. Disponível em:
https://vejasp.abril.com.br/cultura-lazer/segundo-sol-representacao-racial-mpt/. Acesso em: 23 set. 2021.

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