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Um simples pequeno almoço

A minha rotina para a escola sempre foi muito apressada mas nunca me
esqueço de cumprimentar a senhora do café. Sim, chamo-a de “senhora do
café” pois todos os dias que passo por lá, vejo sempre pela janela do carro
uma senhora pequena e arrojada a assoprar o seu café.
Num sábado ao amanhecer, decidi tomar o pequeno almoço naquele café
tão famoso da pequena aldeia onde moro. Enquanto me aproximava, o cheiro
do pão quente a sair do forno invadia o meu nariz, fiz o meu pedido ao
funcionário simpático que me atendeu e sentei-me na mesa á frente da
senhora do café. Não pude deixar de reparar que não estava bem apesar de
não a conhecer, logo a cumprimentei onde me respondeu acenando com a
mão lentamente com um sorriso fraco no rosto. Diferente da senhora que via
todos os dias pela janela do carro, esta não estava arrojada mas sim com
roupas escuras e tristes, com movimentos longos e lentos. Sem me aperceber,
estava a olhar diretamente para a mulher que me chamava com uma voz baixa
e trémula.
- Menina? – dizia quase a sussurrar.
Logo despertei dos meus pensamentos, arregalei os olhos e perguntei:
- Diga? – perguntei assustada.
Com um sorriso fez sinal com a mão para que lhe fizesse companhia na sua
mesa do costume. Rapidamente me sentei ao pé dela com mil pensamentos e
muito nervosa.
Fez-se um silêncio barulhento, a senhora apenas olhava para mim com
aquele sorriso ternurento e carinhoso que me fazia acalmar todo aquele
nervosismo e curiosidade que me invadia. Num movimento lento colocou a
mão por cima da minha e disse:
- Questiona sobre o que tens dúvidas. – Afirmou com um semblante
compreensivo.
Logo estremeci. Como poderia ter ela descoberto? Terá sido por ter estado a
olhar fixamente para ela?
- Como assim? – Perguntei, confusa.
- Minha querida, não precisas de falar para que eu perceba a confusão que
invade a tua mente. Apenas o teu olhar transmite tudo o que sentes.
Perguntei-lhe então o que se passava e porque estava com um semblante
tão triste e tão diferente do que o que eu costumava ver.
- Eu sou como uma folha de papel. – Respondeu-me debruçando os braços
em cima da mesinha de madeira.
Fiz uma expressão confusa pela comparação e logo de seguida explicou-
me.

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Disciplina: Português
- Se riscares ou pintares uma folha de papel essa ficará riscada para
sempre, por muito que apagues, ficará sempre lá uma marca. Conforme os
problemas da vida, desde que nasces, a tua folha vai ficando cada vez mais
riscada. Podem ser pessoas, acidentes, mortes, tudo pode riscar a tua folha.
Alguns riscos podem ser maiores que os outros e terás de aprender a viver
com isso. – explicava-me enquanto mexia o café.
- Então, o que aconteceu á sua folha de papel? – perguntei diretamente com
preocupação mesmo receando a sua resposta.
Respirou fundo, sorriu e seguiu a explicação.
- São 86 anos, já riscaram demasiado a minha folha, querida. Quando antes
era branca, leve e limpa, agora é preta, pesada e com alguns furos. Não
encares como algo negativo, chama-se experiência de vida. Mas nunca te
esqueças – apertou a minha mão – protege a tua folha ao máximo e deixa que
apenas risque a tua folha os erros necessários para viver.
Encarei-a com um sorriso agradecendo-lhe pelo conselho, levantei-me,
paguei e fui para casa com uma lágrima de emoção a escorrer-me pela face.
Era apenas um simples pequeno-almoço.

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Disciplina: Português

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