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Por trás de um corpo esbelto e um rosto lindo e delicado como a neve, a persona de Violet

Vaccari poderia facilmente encantar o mundo com sua beleza e charme. No entanto, a garota
não só possui uma personalidade insuportável por trás de sua capa, como não faz esforço
algum para escondê-la, sempre se atrelando à sua frase favorita: “... essas coisas me cansam”.
Com suas manias insuportáveis e um diagnóstico de OCD, é difícil sentir pena de seus
transtornos quando ela os mascara em uma pose esnobe e arrogante, forçando o mundo a se
dobrar ao seu conforto.
Mas ainda assim, apesar de tudo, Violet tem um lado que confunde muitos de seus colegas,
algo que permanece um enigma por trás de sua personalidade asquerosa. Isso porque a garota
é incrivelmente altruísta e estranhamente articulada em seus meios. Por mais que seja uma
dor trabalhar ao seu lado e escutar suas preferências, o resultado final parece sempre nivelar o
conforto de todos, e toda aquela ideia de “ordem absoluta” parece de fato se pagar no fim.
Como dizem, os fins justificam os meios. Além disso, a garota é conhecida pelo seu estudo
avançado de medicina, algo que muitos interpretam como seu sonho, e está sempre ajudando
colegas na enfermaria depois de acidentes ou brigas, a pedido das próprias enfermeiras.
Embora sempre o faça reclamando e sob comentários ácidos, seu trabalho parece sempre
atingir um resultado de exímia competência... ainda que ao preço da saúde mental daqueles
ao seu redor.

Mas onde isso começou? Qual o enigma por trás de uma discrepância tão grande entre ações e
palavras?

Bom, tudo começou aos seus doze anos de idade, quando a garota ficou terrivelmente abatida
por uma febre letal. Sua anemia a deixou de cama não por dias ou semanas, mas meses. Tendo
crescido num orfanato, a garota nunca teve figuras paternas ou maternas para prestar seu
carinho naquela situação, mas ela tinha sim diversos amigos e companheiros em seu lar. Até
aquele dia, a garota estava acostumada a tomar conta dos mais novos. Era uma regra
silenciosa, os mais velhos sempre tomavam conta dos mais novos, e por mais que fosse
cansativo, a garota era constantemente designada para tomar conta de sua pequena
irmandade, incluindo com serviços de enfermagem. Mas aquela febre abateu seu espírito mais
do que qualquer coisa. Subitamente, estava presa a uma cama por sabe-se lá quantos dias,
com a constante ameaça de morte em sua garganta devido à saúde precária que tinha. Seus
amigos, por mais que fizessem seu melhor para erguer seus espíritos, falhavam
miseravelmente em comparação ao peso que sentia. Todos os dias, enfrentava a ansiedade
agonizante daquele cenário incabível a uma criança. Sentia-se presa, sufocada, com a vida
sendo contada a cada minuto, e tudo o que tinha para se distrair quando não era visitada eram
jogos e programas que assistia completamente sozinha.
Com o tempo, a ansiedade se transformou em raiva, e a raiva se transformou em obsessão.
Aos treze anos, a garota finalmente recebeu alta de seu episódio horrível, depois de uma
vacina amenizar sua anemia de uma vez por todas. A vacina foi obra de uma arrecadação feita
pelo próprio orfanato, mas ainda não era hora de comemorar. Isso porque, assim que saiu do
hospital, teve que voltar a ele para um exame final, onde foi diagnosticada com seu OCD.
Desde então, um medo enorme se apoderou da garota. De forma paranoica, ela se mantinha
constantemente higienizada e enluvada, e fazia de tudo para pregar suas medidas de
segurança nas outras crianças. O que antes era uma figura de uma irmã mais velha, uma mãe
cuidadora, agora se tornava uma figura paranoica e extremamente irritante para a sua
irmandade. Uma completa ditadora. Lentamente, sua nova doença afastava a todos ao seu
redor... e dessa vez, não havia uma cura. Violet teria que simplesmente aceitar aquele fardo.
Com o tempo, a garota parou de tentar se impor aos outros. Para evitar seus medos,
negligenciaria tudo que poderia despertá-los, inclusive suas relações danificadas com seus
velhos amigos. Em um estalo mental, como um interruptor sendo ligado, a garota se forçou a
suprimir todos os seus sentimentos em uma bola odiosa em seu peito, e num piscar de olhos,
parecia que todos os seus nervos entravam num estado absoluto de paz. A garota mal fazia
ideia de que, naquele dia, havia despertado seus poderes.
Pelos anos que se seguiram, Violet se tornou uma pessoa simplesmente aborrecente, onde a
preguiça reinava suas ações e nenhum traço de seu altruísmo restava em seu corpo. Naquela
época, a única pessoa que a acompanhava constantemente era o doutor Frederick Vaccari, o
médico que a cuidou pelo ano inteiro em que permaneceu em sua febre, e o único homem
que chegou perto de se tornar uma figura paterna à garota. Embora entendesse pouco de
atividades terapêuticas, o doutor Vaccari julgava que a melhor forma de confortá-la seria com
atividades que combatessem os seus medos. E assim, adotando os dons naturais da garota
para enfermagem, ele passou a ensiná-la tudo o que sabia sobre medicina, fazendo a garota
encarar ainda mais de perto os medos virais em sua cabeça. Sendo o único homem que não
saía de seu lado, Violet não teve coragem de afastá-lo, e assim como uma filha, o obedeceu
acreditando que aquilo seria para o próprio bem.
Conforme seu aprendizado se passava naquelas atividades e o tempo que passava junto ao
homem, Violet foi cada vez mais percebendo os pequenos traços de seus poderes. Não só nos
pacientes que prestava assistência, como em eventos muito mais sobrenaturais, como sentir
seus diagnósticos e corpos com um simples toque. Em um mundo de vilões e heróis, a
conclusão não foi difícil de chegar. E com isso, ela percebeu: talvez, apenas talvez, houvesse
sim uma cura para o seu transtorno, e para tudo que o perturbava.
Quando completou quinze anos de idade, o cirurgião e médico a adotou de fato como sua
própria filha, finalmente a retirando do orfanato que agora só tinha memórias amargas á
garota. Naquela fase, Violet já percebia os muitos fatores que seu dom estava influenciando
em sua vida. Não só já tinha muito mais controle sobre suas habilidades especiais, como
descobriu que poderia usá-las para suprimir grande parte de seus sintomas. E assim, o fez.
Usando da “evitação” em um significado completamente novo, Violet passou a suprimir suas
emoções deturbadas e ansiosas, ao preço de uma persona asquerosa que vestiu como um
manto. Embora sua preguiça e negligência se mantivesse à todos, ela agora era capaz de
manter sua compostura e agir em prol de seu antigo espírito altruísta, um espírito recordado
pelo doutor que se tornou seu pai. Ainda que fosse arrogante, ainda que as vezes causasse
mais desagrado do que ajuda, o resultado final sempre prezava a mais absoluta competência
de seu trabalho. Como toda vacina, suas picadas doíam, mas eram necessárias para se curar
qualquer situação.
Com seu poder, seu intelecto e força de vontade se solidificaram em um gênio sem
precedentes, e apesar de esconder o lado sobrenatural de suas habilidades, Violet não tinha
humildade alguma na hora de se orgulhar de sua mente superior. Quando entrou no ensino
médio, a garota se tornou uma aluna modelo por seus gabaritos constantes de provas e
atividades, ainda que fosse vista como insuportavelmente preguiçosa para a maioria dos
projetos, ou zombasse das notas mais baixas por puro poder de autoridade. Seu pai, embora
fosse ciente desse lado da garota, sempre julgou ser uma fase de sua adolescência, e era com
ele que a garota mais prestava respeito e humildade. Afinal, seu verdadeiro objetivo com
aquilo era simplesmente instigar a competitividade e esforço daqueles ao seu redor, para que
um dia se tornassem de fato membros valiosos e eficientes para a sociedade “competente”
que ela visionava em sua mente.
Uma vez que começou a treinar a fundo seus poderes junto aos seus conhecimentos
medicinais, em especial a neurociência, Violet chegou à uma decisão em sua adolescência. Ela
queria trazer a cura a tudo que perturbasse a paz do mundo ao seu redor. Queria livrar o
mundo de medos banais, como gripes locais, e também de medos mais horripilantes, como
ataques terroristas de super-vilões. Ela queria trazer um fim a tudo aquilo, para que um dia
não precisasse mais suprimir seus medos. Para que um dia encontrasse paz e não tivesse mais
nada a se preocupar. Seria a cura para o mundo.
E assim, aos dezesseis anos, depois de se formar no primeiro ano do Ensino Médio, Neo
finalmente colocou seu plano em ação. Sim, Neo, esse era o nome que escolheu sob os dizeres
que “nomes longos me cansam”. Usando de toda a sua competência, sua precisão cirúrgica e a
impiedade de seu espírito rude, Neo começou seu combate ao crime em passos vagarosos e
cautelosos, usando de seu julgamento e intelecto superior para traçar a rota de sua própria
evolução. Muitas vezes, a garota nem sequer parava crimes ou ataques. Esperava-os
acontecer, para então lidar não só com os feridos como ter a certeza de que seria capaz de
derrotar os vilões certos. Quando se julgava despreparada, simplesmente fazia a parte do
tratamento e dava de costas. Seu egoísmo e altruísmo se balanceavam dessa forma, para que
não comprometesse a cura. Afinal, por mais que os reprimisse, seus medos ainda existiam em
seu coração, e a garota não seria o tipo de herói que se sacrificaria ou encararia a morte pelos
outros. Não por enquanto.
Hoje, Neo ainda busca evolução própria conforme sobe mais e mais os degraus de sua missão,
mas sempre mantendo o próprio ritmo e sedentarismo nos lugares certos. A garota que um
dia afastou e perdeu tudo que a fazia brilhar, agora é dotada de um lar cheio de riquezas que
seu pai a proporciona, um corpo belíssimo de cair o queixo, e um conhecimento que poderia
leva-la à fortuna em uma carreira próspera. Ainda assim, Violet jamais deu valor ou esforço à
nenhuma dessas coisas.
Eram caminhos fáceis demais, até mesmo para a sua preguiça. Por mais que fosse ter que se
esforçar, nenhuma cura viria sem a dor de uma picada, e sua arrogância nunca deixará que ela
desista de seu sonho.

=x=

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