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As Sociedades de Caçadores-

Recoletores Pré-Históricas.

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1- Introdução
A resposta a questões essenciais da humanidade tem afligido, pelo menos
desde o aparecimento dos primeiros membros da nossa espécie com
capacidade cognitiva para tal, a Humanidade. Uma das mais importantes é a
resposta à pergunta: “de onde viemos”. A ciência mais capaz para conseguir
chegar a uma resposta a esta inquietação intelectual é a Arqueologia, a ciência
dos princípios, principalmente quando se debruça sobre a Pré-história antiga.

Nesta cadeira vamos, em conjunto, tentar dar resposta a esta inquietação.

2- Enquadramento geológico e ambiental das


sociedades de caçadores recolectores
Tendo em atenção o tempo decorrido entre o aparecimento no registo fóssil
dos nossos primeiros antepassados e o final Paleolítico superior, cerca de 6
milhões de anos, é necessário perceber como se distinguem as diferentes
época geológicas e que diferenças apresentam.

2.1 As Eras geológicas

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2.1.1 O Quaternário

O quaternário define-se como a última subdivisão do tempo geológico


(período quaternário). Este período cobre aproximadamente os últimos
2,58 milhões de anos. A sua natureza e duração dentro da escala
cronostratigráfica foi ratificada em 2009 pela International Union of
Geological Sciences sob proposta da Subcomissão de Estratigrafia do
Quaternário da Internacional Commission on Stratigraphy (ICS), (IUGS)
(Gibbard y Head, 2009; Cohen y Gibbard, 2011). O período Quaternário
subdivide-se em duas épocas, o Pleistoceno e o Holoceno (últimos
11500 anos).

2.1.1.1 Definição, Cronologia e Divisão do quaternário.

O Pleistoceno e o Holoceno

• Pleistoceno- O termo Pleistoceno foi cunhado por Charles Lyell, em


1839, para descrever uma camada que aflora na Itália, cujos fósseis são
em cerca de 70% de animais ainda não extintos. É a primeira época do
Quaternário e a sexta do Cenozoico.

• O Holoceno é a última época do Quaternário que começa a cerca de


11,5 Ka com o fim da última idade do gelo e se mantém até a atualidade.

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2.1.1.2 Variabilidade Climática do Quaternário

• Durante o Pleistoceno existiram 11 períodos de aquecimento global


(interestádios) seguidos por períodos de arrefecimento (glaciações)

Episódios de Dangsgard-Oeschger- períodos de aquecimento repentinos,


mas de curta duração. Cada interestádio temperado está ligado a um
interestádio mais frio, o que se passou a designar por ciclos de Dansgaard-
Oeschger com uma duração média de cerca de 1500 anos.

Eventos de Heinrich- Em oposição aos interestádios existem curtos períodos


de frio intenso conhecidos como eventos de Heinrich. Estes eventos surgem
durante um panorama de clima glaciar e representam a resposta climática ao
aparecimento de uma enorme quantidade de icebergs no Atlântico Norte.

Estádios Isotópicos Marinhos- Os últimos 2.5 Ma caracterizam-se por um


grande número de oscilações climáticas entre períodos mais quentes e outros
mais frios. Neste período, cerca de 14 glaciações foram já identificadas. Estas
alternâncias entre estádios frios (glacial) e mais amenos (interglacial) têm uma
ciclicidade de cerca de 100 Ka, pelo menos nos últimos 900 Ka.

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3. Aspetos biológicos do processo de hominização.

3.1 A teoria da evolução.


Não se pode iniciar o estudo das sociedades de caçadores recolectores sem
antes ter em consideração todo um conjunto de conceitos e conhecimentos
adquiridos pela comunidade científica muito recentemente. São conceitos base
da Biologia, fundamentais, sem os quais qualquer construção que se elaboraria
sobre os nossos mais remotos antepassado estaria condenada a desmoronar-
se.

São recentes, estes conceitos e conhecimentos, porque até meados do século


XIX as ideias aceites sobre a origem da vida e do Homem estavam
intimamente ligadas à religião. Grande parte dos conceitos religiosos não
estava sujeita a crítica, sendo entendidos como princípios incontestáveis.

Nesse sentido, no Princípio era o verbo… (Genesis). A interpretação literal da


Bíblia apontava para uma criação instantânea, divina e completa do mundo e
do Homem.

Não é de estranhar que neste contexto mental, o bispo James Ussher (séc.
XVII) afirmou que a terra tinha sido criada no dia 23 de Oõutubro de 4004 a.C.
(domingo) recorrendo às genealogias apresentadas na Bíblia.

Esta crença de uma origem divina do Homem é, ainda nos nossos dias,
alimentada pelos seguidores do Desígnio inteligente (Intelligent design).

A teoria da Evolução - Charles Darwin


A Evolução humana consiste num processo lento de alterações morfológicas e
comportamentais, que se iniciou com os nossos antepassados biológicos, e
que continua a modelar a nossa espécie como todas as outras existentes no
planeta. Este processo não visa a perfeição nem é orientado para um fim. È um
simples processo onde se cruzam variação específica, hereditariedade dessa
variação e diferentes taxas de reprodução.

A primeira alteração morfológica registada resultou no bipedismo, seguiu-se o


aumento da capacidade craniana, a elaboração e uso de ferramentas, a
linguagem e, finalmente, complexas expressões simbólicas (arte, crenças…).

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Trata-se de uma teoria, o que em ciência corresponde a uma hipótese que se
pode comprovar ou refutar, porque que se baseia em factos científicos, em
observações empíricas e não metafísicas.

Charles Darwin-

A teoria da Evolução foi primeiro intuída por Charles Darwin e apresentada por
este naturalista em1859, no seu livro “A origem das Espécies por meio da
seleção natural”. O que despoletou esta teoria em Charles Darwin foi a sua
viagem a bordo do navio “Beagle”, que lhe permitiu conhecer as ilhas
Galápagos. Nestas ilhas verificou que existiam pássaros da mesma família com
alterações morfológicas distintas ao nível do bico. Tentou perceber porquê e
chegou a conclusão que era uma adaptação ao tipo de alimento que existia em
cada ilha. A partir deste exemplo verificou se as conclusões a que tinha
chegado poderiam ser aplicadas a outras espécies e seres vivos. Confirmou
que existe evolução em todos os seres vivos e que estes não são imutáveis.

Árvore da vida

Esta descoberta permitiu constituir a árvore genealógica de todos os seres


vivos já identificados anteriormente e de todos os que apenas nos chegaram
através de fósseis.

3.2 A classificação
A taxonomia é a ciência que define e nomeia os grupos de organismos
biológicos com base em características partilhadas. Foi iniciada por Carl
Linnaeus, com a sua obra “Systema Naturae” (1735).

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A cladística é uma ciência que pretende classificar os animais e as plantas não
só com base nas características partilhadas que se podem identificar como
tendo sido originadas num antepassado ou grupos de espécies comuns e não
por convergência. Iniciou-se com Willi Hennig e o seu livro publicado em 1950.

O que somos
• Reino • Animalia

• Filo • Chordata

• Classe • Mammalia

• Ordem • Primates

• Subordem • Haplorhini

• Família • Hominadae

• Género • Homo

• Espécie • H. sapiens

3.3 O processo de Hominização

3.3.1 A Origem
Até meados do século XX, considerava-se que a origem da nossa espécie
seria na Europa, ou na Asia. Esse ponto de vista assentava na descoberta de
espécimes fósseis humanos tanto na Europa (Neanderthal, Gibraltar, Spy)
como na Ásia (Java Man).

A Origem africana e os trabalhos dos Leakey.


Em 1924 Raymond Dart, professor de Anatomia do Universidade de
Whitewatersrand em Joanesburgo, descobriu, no meio de um conjunto de
fosseis que lhe foram enviados por um colega, um crânio que lhe despertou a
atenção. Embora com características muito arcaicas, o crânio da criança de
Taung, apresentava uma capacidade craniana muito superior ao que seria de
esperar para uma cria de chimpanzé ou Babuíno. Tinha sido descoberta o
primeiro exemplar de Australopithecus africanus. No entanto, como Raymond
Dart não fazia parte da comunidade científica que se dedicava à procura das
nossas origens e o fóssil tinha sido encontrado em África, o artigo que publicou

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sobre a criança de Taung não foi bem aceite e a sua teoria sobre a origem
africana da humanidade desvalorizada. Só em 1947, com a descoberta de mais
fósseis de Australopithecus africanus a comunidade científica começou a
aceitar esta teoria e os trabalhos de Raymond Dart foram reconhecidos. A
década de 1950 marca uma importante alteração de mentalidades.

Em 1951 os paleoantropólogos Louis e Mary Leakey iniciaram uma campanha


de investigação no desfiladeiro de Olduvai no Quénia, tendo encontrado o seu
primeiro fóssil, o Paranthropus Boisei, em 1959. Em 1960, a unidade
estratigráfica onde foi encontrado este fóssil foi datado entre 1,89 e 1,75 ma.,
comprovando a antiguidade da presença do Homem em África. Na sequência
destes trabalhos aumentaram o número de expedições científicas que
desenvolveram investigações neste continente e principalmente no Rift, longa
depressão que se desenvolve junto ao “Corno de África”.

Como resultado do aumento dessa investigação, o número de espécies fósseis


descobertas desde essa altura cresceu exponencialmente,

3.3.2 O registo fóssil


3.3.2.1 Os primeiros antepassados

3.3.2.1.1 Sahelanthropus tchadensis

7-6 Ma

Encontrado no Chade, África central, em 2001.

Holótipo TM 266-01-0606-1.

Pequena capacidade craniana, prognatismo facial, arcada supraciliar espessa


e crânio alongado. Caninos de pequena dimensão, parte mesial da face curta e
a posição do forâmen magnum mais vertical.
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3.3.2.1.2 Orrorin tugenensis

~ 6 Ma

Hominídeo cujos restos foram descobertos em quatro locais da formação de


Lukeino, nas colinas Tugen no Quénia. Foram recolhidos treze espécimes
pertencentes, pelo menos, cinco indivíduos. Os fémures encontrados
demonstram que os hominídeos de Lukeino eram bípedes no solo, enquanto o
úmero e a falange indicam adaptações arborícolas. O incisivo central superior é
grande e robusto, o canino superior é grande para um hominídeo, mas do
tamanho de um de chimpanzé fêmea. O P4 é simiesco, os molares são
relativamente pequenos com o esmalte espesso. Fémur com cabeça esférica,
projectada para a frente, fossa digital profunda, col do fémur alargado e de
secção oval. A falange proximal da mão é curva. A dentição é de pequenas
dimensões em relação ao tamanho corporal.

Diferenças com australopitecíneos

Diferem em relação aos dentes jugais, menos alongados mesio-distalmente e


mais pequenos. Existem diferenças na morfologia do fémur.

O canino difere de Ardipithecus, Australopithecus e Homo mas semelhante aos


grandes símios miocénicos e atuais. A cabeça do fémur é menor que em Homo
sapiens mas maior que AL. 288.1.

3.3.2.1.3 Os Ardipithecus

Falta Ardipithecus kaddaba

Ardipithecus ramidus

~ 4.4 Ma

Encontrado em Aramis e possivelmente em Lothagan, Baringo e Tabarin


(formação Chemarom). O holótipo é ARA-VP-6/1. O Ardipithecus apresenta
uma mistura de caracteres. Caracteriza-se por caninos grandes em relação aos
dentes jugais. O esmalte dentário apenas ligeiramente mais espesso que o dos
chimpanzés. A fossa glenoíde, para inserção dos côndilos mandibulares é
muito pouca profunda. O osso temporal é muito pneumatizado. A. ramidus
apresenta características simiescas – os maiores caninos quando comparados
com os dentes jugais conhecidos em hominídeos. O tamanho do canal do

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ouvido médio é significativamente mais pequeno do que no posterior afarensis.
A. ramidus tem também um braço forte para subir às àrvores.

Características modernas do A. ramidus

Dentes – morfologia incisiforme dos caninos, falta de honing facet do P3

O foramen magnum está posicionado numa posição mais avançada na base do


crânio.

3.3.2.1.4 Os Australopitecíneos

Australopithecus anamensis

~ 3.9 – 4.2 Ma

Descoberto pela equipa de Meave Leakey.

Holótipo: mandíbula KNM ER 29281

Conhecido através de poucos fósseis isolados encontrados em Allia Bay, a


Este do lago Turkana, no Quénia e em Kanapoi a Sudoeste do mesmo lago.

Características arcaicas do A. anamensis


(parecenças com A. ramidus e chimpanzés)

Osso temporal muito pneumatizado, canal auditivo médio de pequenas


dimensões, fossa glenoide para inserção do côndilo mandibular é muito pouco
profunda, caninos largos e assimétricos. P3 inferior quase unicúspido.
O húmero e o rádio indicam que, como os A. ramidus e A. afarensis,
anamensis tinha braços potentes para facilitar a subida às árvores.

Características modernas
(semelhanças com A. afarensis)

Dentes – Esmalte relativamente espesso e molares largos. A forma da tíbia


revela um bipedismo inquestionável.

Diferenças entre A. anamensis e A. afarensis

Em termos de peso a estimativa para anamensis excede em pouco a


estimativa para afarensis. O dimorfismo sexual era maior em anamensis do que
em afarensis.

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Diferem ainda na forma do osso timpânico, raízes dos caninos mais longos e
robustos (pelo menos nos machos). Ramos mandibulares mais paralelos.
Sínfise mandibular (queixo) mais vertical.
Anamensis difere menos dos afarensis mais antigos (Laetoli) do que dos mais
recentes (Hadar /Central Awash.).

Australopithecus afarensis

~ 4-4.2 My- Fejej - Etiopia


~ 3.6 My- Afar – Etiopia
~ 3.3 Koobi Fora – Lago Turcana - Quénia

Em 1978 foram descobertos 300 fósseis por D. Johanson, T. White e Y.


Coppens. Fóssil mais conhecido – A.L. 288.1 – Lucy
Holótipo: mandíbula LH4 descoberta em 1975 na Tanzânia.

Australopithecus afarensis apresenta muitas características cranianas


primitivas.

- Capacidade craniana de 430/ 450 cm3


- Crânio de forma longa e baixa.
- Estruturas laterais da base do crânio muito pneumáticas
- Tendência para o desenvolvimento de cristas temporais e nucais que refletem
músculos mastigadores fortes
- Prognatismo facial, especialmente subnasal, maior do que em qualquer outro
hominídeo conhecido
- Transição abrupta ou degrau entre o final da cavidade nasal e os ossos pré-
maxilares
-O primeiro pré-molar tem uma cúspide única, as vezes distingue-se uma
segunda cúspide

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- Diastema entre o I2 e C superior e C e P3 inferior
- Incisivos superiores relativamente largos, incisivos centrais mais largos que
os laterais.
- Forte dimorfismo sexual

Diferenças entre A. bahrelghazali e A. afarensis.

- O A. bahrelghazali tem P3 superior totalmente bicúspide e os prés molares


com três raízes
- Sínfise mandibular mais plana e mais vertical.

Características arcaicas do A. afarensis

- Caixa craniana com cérebro de pequeno tamanho


- Frontal com torus supraorbital lateral e verticalmente espesso
- Pneumática extensa
- Morfologia da face refletindo as grandes dimensões dos dentes anteriores.
com raízes robustas e encurvadas.
- Os dentes estão projetados para além da arcada que é marcadamente
convergente.
- Aparelho mastigador potente

Características arcaicas pós cranianos

- Vértebras muito estreitas


- Braços muito fortes, antebraço muito comprido relativamente ao braço
- Falanges dos pés e mãos curvas e compridas
- Caixa torácica tronco-cónica
- A cavidade glenoíde da omoplata está orientada mais verticalmente sugerindo
que o A. afarensis podia trepar às árvores

Características bípedes do A. afarensis

- Foramen magnum localizado numa posição mais anterior no crânio e


orientado mais verticalmente.
- Estrutura do pé com arco plantar bem definido, característico do pé humano
moderno, estudos da articulação tarso-metatársica do hallux permitiu verificar
que este converge com os restantes dedos.
- O ângulo bicondilar ao nível do joelho (entre a parte distal do fémur e proximal
da tíbia) é pequeno, aproxima-se mais do homem moderno
-E, a principal, o ilium é baixo, largo e projeta-se externamente, o que permite
centrar o tronco sobre as ancas, reduzindo o cansaço aquando do caminhar.

Forte dimorfismo sexual

Esta característica levou alguns autores a porem a possibilidade de existência


de duas espécies. Na realidade as diferenças podem definir um forte
dimorfismo sexual, sendo os machos mais terrestres que as fêmeas.

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Australopithecus africanus

Espécie definida por Raymond Dart em 1925.


Todos os fósseis são da África do Sul.
~ 3.2 – 2.5 Ma – Holótipo crânio de Taung
Capacidade craniana de 430-550 cm3

Diferenças entre A. africanus e A. afarensis

- A. africanus tem um crânio menos pneumatizado que A. afarensis,


- Um frontal mais arqueado
- A linha temporal e nucal não se juntam formando uma crista nucal
- Os machos apresentam a tendência para uma crista sagital.
- Tem uma fossa mandibular (glenoíde) relativamente profunda
- A face é menor que em A. afarensis com menor prognatismo subnasal,
relacionado com a redução do tamanho da dentição anterior.
- O arco zigomático é longo e robusto, desenvolve-se verticalmente no maxilar
para permitir um suporte aos músculos masseter. Este músculo está situado
mais anterior que em A. afarensis
- O palato é relativamente profundo.

Características dentárias

- Os incisivos superiores médios e laterais são semelhantes no tamanho.

- Os caninos são relativamente pequenos. Há um pequeno ou quase nenhum


dimorfismo no tamanho dos caninos.

- É raro a existência de diastema entre o segundo incisivo e o canino superior e


canino e terceiro pré-molar inferior.

- Os dentes jugais são maiores com uma certa tendência para a


prémolarização

- O corpo mandibular é significativamente mais robusto que em A. afarensis,


com uma sínfese reforçada.

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Em resumo, a maioria das diferenças craniais e dentárias entre A. afarensis e
A. africanus podem ser explicadas por uma redução da ênfase na dentição
anterior e um aumento da importância dos dentes jugais na mastigação,
coincidente com a reorganização dos músculos temporais e masseter que
controlam os movimentos dos maxilares.

Por estas características, A. africanus parece divergir de A. afarensis e evoluir


para uma forma robusta.

Características pós-craniais

- Na generalidade, no esqueleto pós-craniano A. afarensis e A. africanus são


muito similares

- Membros anteriores mais compridos que os posteriores.

- Quatro ossos do pé encontrados em associação em Sterkfontein implicam


que africanus tinha hallux divergente.

- A forma e o tamanho dos canais do labirinto ósseo do ouvido interno indicam


uma vida mais arborícola, são mais simiescos.

Características modernas craniais

- Capacidade craniana maior

- Caninos de tamanho reduzido

- P3 totalmente bicúspide

-ângulo basicranial maior

-Fossa mandibular (glenoíde) mais profunda.

Australopithecus garhi

~ 2. 5 Ma – datações de Ar/Ar e bio cronologia

Encontrado em Hata, formação de Bouri – Awash Central.


O Holótipo é ARA-VP – 12130 a capacidade craniana é de 450 cm3

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Descrição do crânio

Degrau subnasal marcado, palato fino. Arcada dentária em forma de U


Constrição pos-orbital marcada, crista sagital bem marcada.

Esqueleto pos-craneano

Os dados existentes são inconcludentes. A razão úmero/fémur é de


características humanas

Diferenças com A. afarensis

Pela dentição post-canina, é muito mais larga e pela morfologia do terceiro


premolar superior.

Diferenças com Paranthropus robustus

Faltam-lhe o conjunto de características derivadas dentárias, faciais e


cranianas partilhadas por A. aethiopicus, A. robustus e A. boisé.

Diferenças com Homo

Frontal, facial e palatal mais primitivos. Diferenças na morfologia do subnasal.

Australopithecus aethiopicus

Espécie criada em 1967

Holótipo Mandíbula Omo 18 1967 18

~2.6- 2.5 Ma

Espécimen mais conhecido Black skull K.N.M. NT 17000

419 c.c. Representado apenas por restos cranianos

O Black Skull foi encontrado na jazida de Lakalelei, na formação Nachukui,


Oeste Turkana.Quénia

Características arcaicas (partilhadas com A. afarensis)

- Uma base craniana plana, apresentando uma crista composta na região nucal

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- Pneumatização extensiva das estruturas laterais do crânio

- Grande prognatismo facial subnasal prognatismo alveolar

- Fossa glenoíde muito pouco profunda

- Pequena capacidade craniana

Características modernas (diferenças A. afarensis)

- Face mais plana com zigomáticos posicionados mais anteriormente

- Transição ténue entre a abertura nasal e o osso pré-maxilar

- Palato fino

- A forma do foramen magnum

- O grande tamanho dos molares e especialmente dos prémolares, a


disposição linear dos incisivos e dos caninos.

- A mandíbula de A. aethiopicus encontrada é demasiado pequena para o


Black Skull, o que sugere um forte dimorfismo sexual.

- Não foi encontrado esqueleto pós-craniano certo do A. aethiopicus.

Dispersão geográfica dos Australophitecus

Até agora, os australopitecínios e os primeiros Homo apenas foram


encontrados em África, entre 27º Sul (Taung) E 16º N (Bahr el Ghazal).
Existiram em toda uma faixa desde o norte da África do Sul até à Etiópia do
Este e central. Este facto vem confirmar as suposições de Huxley e Darwin, de
que os homens tinham surgido em África, zona onde são visíveis os seus
parentes mais próximos, o chimpanzé e o gorila. Para além dos sítios onda
aparecem fósseis de australopitecos, existem jazidas fossilíferas onde eles
estão ausentes. A Norte, temos Sahibi (30º N) no golfo de Sidra No nordeste
da Líbia e Ahl al Oughlam (32º N) na costa Atlântica de Marrocos datado de 2.5
Ma. Estes dois sítios são ricos em faunas, mas não apresentam um único fóssil
de hominídeos. A sul, a jazida de Langebaanweg, na formação de VarsWater,
(33º S) perto da Cidade do Cabo, apresenta a mais rica e diversificada fauna
do Pliocénico até agora encontrada em África. No entanto não foram
identificados fósseis de hominídeos. O registo fóssil e arqueológico da África do

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Norte indicam que apenas apôs 1 Ma estas áreas foram colonizadas por H.
erectus.

3.3.2.1.5 Os “outros”

Kenyanthropus platyops

Encontrado em Lomekwi, Turkana, Norte do Quénia por Meave Leakey


Holótipo: crânio KNM – WT – 40 000
~ 3.5-3.2 Ma

Tem uma combinação única de caracteres

Pequeno buraco auditivo


Esmalte espesso nos dentes molares

Outras características são derivadas, distinguem-se de A. anamensis, A.


afarensis e A. africanus.

-Plano achatado abaixo do nariz


-Ossos zigomáticos altos e posicionados anteriormente
- Prognatismo subnasal moderado
- Pré molares superiores maioritariamente com três raízes
- Raízes dos I1 e I2 do mesmo tamanho
- E M1 e M2 pequenos

Diferenças com A. ramidus

- Esmalte espesso
- Osso temporal com côndilo mais cilíndrico
- E fossa mandibular maior

Paranthropus boisé

Espécie criada em 1959 por Luís Leakey, encontrada a este do Vale do Rift

Holótipo – OH 5

Capacidade craniana 475-530 cm3

~ 1.8 -1.2 Ma

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Paranthropus robustus

Espécie criada por R. Broom em 1938, encontrado na África do Sul

Holótipo – Crânio TM 1517 Kromdraai

Capacidade craniana 500-550 cm3

~ 2.2 – 1.5 Ma

- P. robustus e P. boisé foram contemporâneos.

- P. robustus e P. boisé partilham a maior capacidade craniana de todos os


australopitecos, o que implica um maior grau de encefalização, visto terem
aproximadamente as mesmas dimensões corporais.

- Tinham corpos robustos, mas eram de pequena estatura.

- No tamanho das mandíbulas e dos dentes jugais excedem os maiores gorilas


machos.

Diferenças entre P. robustus, P. boisé e A. afarensis

- Os incisivos e caninos são relativamente pequenos

- Os dentes jugais são de grandes dimensões

- Os pré-molares são totalmente parecidos com os molares.


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- O osso zigomático arranca muito à frente no maxilar originando um aspeto
côncavo à face

- Constrição pós orbital marcada

- Forte crista sagital e nucal que originam uma arquitetura craniofacial distinta
que sugere uma forte musculatura maxilar

- Os vestígios de microdesgaste nos molares indicam que P. boisé consumia


preferencialmente fruta, raízes e vegetais.

Características pós-cranianas

- Similares com A. africanus na generalidade, eram do mesmo tamanho


- Apresentam dimorfismo sexual.
- Todos os ossos das pernas e pés indicam um bipedismo inequívoco
- São conhecidos poucos ossos dos membros superiores, os poucos
fragmentos encontrados apresentam semelhanças com os ossos dos grandes
símios
- O canal circular do ouvido interno indica características simiescas. Os P.
robustus deveriam passar muito tempo nas árvores.

3.3.2.1.6 O género Homo

O Homo habilis

Altura: media de 100 - 135 cm.


Peso: media 32 kg.
Origem: Africa, Tanzania
Idade: 2.4 ma até 1.4 ma
Descoberto pela equipa de Luis e Mary Leakey entre 1960 e 1963 na garganta
de Olduvai. O holótipo, OH 7, foi encontrado por Jonathan Leakey. Como este
fóssil apresentava características diferentes dos australopitecineos, foi-lhe
dado o nome de Homo habilis porque se pensava que era o fabricante das
ferramentas líticas que se encontravam na zona da descoberta.

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O Homo erectus (Homo ergaster)

Altura: entre 145 - 185 cm.


Peso: entre 40 - 68 kg.
Origem: Africa, Asia e Europa
Idade: 1.89 ma até 143,000 anos

Quando Eugène Dubois encontrou o primeiro fóssil desta espécie na


indonésia, em 1891, deu-lhe o nome de Pithecantropus erectus. Na altura, este
fóssil era o mais primitivo e com a menor capacidade craniana encontrado até
a data. Por esta altura ainda não tinham sido descobertos fósseis humanos em
África. O H. erectus é o primeiro fóssil a apresentar proporções corporais
similares ao Homem moderno com pernas compridas e braços mais curtos em
relação ao tronco.

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O Homo heidelbergensis

Europa; possivelmente na Asia (China); Africa (este e sul)


Idade: Cerca de 700,000 até 200,000 anos.
Altura: Macho: média de 175 cm; Fêmeas: média de 157 cm.
Peso: Macho: média de 62 kg; Fêmeas: média de 51 kg

Em 1908 perto de Heildeberg, na Alemanha, um trabalhador encontrou o


holótipo de H. heidelbergensis no arrieiro de Rösch situado a norte da aldeia de
Mauer. Esta mandíbula estava quase completa faltando apenas os pré-molares
e os dois primeiros molares esquerdos. Apresentava características robustas e
ausência de queixo. Foi o cientista Otto Schoentensack o primeiro a descrever
esta espécie e a dar o nome de Homo heidelbergensis.
Antes de se criar esta espécie os cientistas referiam-se aos primeiros fosseis
humanos que apresentavam traços similares tanto com o Homo erectus e os
humanos modernos como “Homo sapiens” arcaicos.

O Homo neanderthalensis

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Europa e Asia Central e Sudoeste
Idade: Cerca de 400,000 a 40,000 anos

Altura: Macho: média de 164 cm; Fêmeas: média de 155 cm.


Peso: Macho: média de 65 kg; Fêmeas: média de 54 kg

Neanderthal 1 foi o primeiro espécimen a ser reconhecido como um


fóssil humano antigo. Quando foi descoberto em 1856 na Alemanha, na gruta
Feldhofer situada no Vale de Neander (Neander thal, em alemão), deixou
apreensivos os cientistas devido às suas características morfológicas únicas.
Apenas em 1864 foi definitivamente aceita como sendo um antigo fóssil
humano e nomeado pelo geólogo William King como Homo neanderthalensis
(Johanson and Edgar, 2006). Alguns anos depois desta descoberta verificou-se
que os fósseis descobertos anteriormente em Engis (1829), na Bélgica e em
Forbes Quarry (1848) em Gibraltar, também eram neandertais.

Homo sapiens denisova ou Homo sp. Altai

Fósseis: Denisova 2,3,4,8 e 11

Descoberto, através de estudos genéticos, na gruta de Denisova, situada nos


montes Altai da Sibéria. Difere geneticamente dos neandertais, dos quais se
terá separado por volta dos 400 000 anos. Porém existem provas que se terão
cruzado sexualmente dando origem a híbridos (Denisova 11, “Denny”)

O Homo sapiens

Apareceu e evoluiu em África, agora em todo o planeta


Idade: desde há cerca de 300 000/200000 anos.

Embora Lineu tenha descrito a nossa espécie logo em 1758, ao invés


das outras espécies o Homo sapiens não tem um halótipo.

3.3.3 As linhas orientadoras do Processo de Hominização

3.3.3.1 O bipedismo

Uma das característica apresentada pelo Orrorin tugenensis, um dos


mais antigos fósseis até agora identificados, é o ângulo da cabeça do fémur
22
que indiciava uma forma de deslocação maioritariamente bípede. O bipedismo
parece ter sido, portanto, uma das primeiras alterações morfológicas
evidenciada pelos nossos antepassados. A primeira prova de bipedismo surgiu
em 1924 com a criança de Taung mas a primeira espécie indiscutivelmente
bípede foi o A. anamensis, que foi encontrado em habitats variados. Desde
Darwin que os investigadores têm sugerido que o motor original do bipedismo
teria sido uma mudança ambiental drástica. Amostras recolhidas em 95 locais
do vale do Rift demonstraram que durante os últimos 15 Ma o vale foi sempre
uma mistura de savana e floresta e que não há prova de uma mudança radical.
Muitos paleoantropólogos acreditam que o bipedismo é a adaptação chave dos
hominídeos. O bipedismo dos primeiros hominídeos derivou de um
antepassado que praticava o Knuckle walking e subia às árvores. As provas
encontram-se em características que se podem observar nos restos fósseis
dos primeiros hominídeos.

Hipóteses para o bipedismo

- Uso de armas e ferramentas. Apesar de alguns investigadores


defenderem que o bipedismo evoluiu associado à utilização de instrumentos, o
registo fóssil indica que os ancestrais do homem eram bípedes muito antes de
fazerem artefactos.

- Melhor Visão

- Alimentação. Wrangham (1980) sugere a dieta como factor


preponderante na adopção do bipedismo.

- Caça

Jablonski e Chaplin (1993) postulam que a postura bípede esteve


envolvida no controle da agressão intra-grupo, resolução de conflitos inter-
grupos e aquisição de pares. Hunt (1994) não considera estes fatores
suficientemente importantes para levarem ao bipedismo.

Desvantagens do bipedismo:

- Devido à gravidade, torna mais difícil o fornecimento de sangue ao cérebro

- Impõe um grande stress sobre a região lombar, pernas, joelhos e pés.

- Ineficiência da corrida humana.

23
Energética do Bipedismo

Os custos energéticos têm consequências potencialmente importantes para a


biologia de um animal.

A locomoção bípede será energicamente mais eficiente que a quadrúpede. Isto


poderá ter constituído um factor selectivo para que os nossos ancestrais
adoptassem uma postura bípede. Rodman e Mc Henry (1980) compararam os
custos de transporte (custos por unidade de distância, em vez de unidade de
tempo) entre humanos e chimpanzés. Verificaram que os Humanos são
capazes de viajar com menor custo. Hunt (1994) considera que apesar do
bipedismo ser mais eficiente que o quadrupedismo de um pongídeo, o
bipedismo dos primeiros hominídeos, incipiente, não o seria.

Hipótese da Termoregulação

Hipótese formulada por P. Wheeler sugere que a regulação da temperatura


corporal e a escassez de água terão constituído um problema para os primeiros
hominídeos e que o bipedismo terá sido crucial para ultrapassar esses
problemas.

O aquecimento do cérebro é um dos grandes problemas fisiológicos para os


mamíferos da savana. Os primatas como animais da floresta, não têm
mecanismos naturais de arrefecimento cerebral. A única forma que os
primeiros hominídeos tinham de manter o cérebro fresco era manter o corpo
fresco. O bipedismo seria, assim, uma adaptação termo reguladora. A bipedia
reduziria a área de superfície corporal exposta ao sol. Esta teoria explicaria
ainda a ausência de pelos: a distribuição das glândulas sudoríferas e a
escassez de pelos, são um mecanismo de arrefecimento corporal. A retenção
de pelos na cabeça seria uma forma de diminuir a quantidade de calor que
atinge o cérebro.

24
3.3.3.2 A encefalização

Uma das alterações morfológicas mais importantes observada durante o


processo de evolução humana corresponde ao aumento da capacidade da
caixa craniana. Esta última aumenta porque abriga um cérebro cada vez maior
e mais complexo, que permite o desenvolvimento de uma maior variedade de
tarefas cognitivas. Além das tarefas básicas de simples suprimento das
necessidades básicas esta nova capacidade vai permitir o surgimento de um
amplo leque de novas capacidades. Começa com a possibilidade de um melhor
aproveitamento dos recursos disponíveis, passando pela elaboração de
ferramentas cada vez mais complexas, pelo desenvolvimento de relações
sociais intergeracionais e de maior espetro demográfico.

25
3.3.3.3. Alteração morfológica da mão
Esta última alteração morfológica deriva das duas anteriores. O bipedismo vai
permitir a libertação das mãos para outras tarefas. O desenvolvimento cerebral
vai transformar as mãos num apêndice multifacetado capaz de materializar as
ideias elaboradas pelo cérebro. O polegar passa de uma posição paralela aos
outros dedos nos chimpanzés para uma posição perpendicular. Esta alteração
morfológica vai permitir a oponibilidade deste dedo com os outros quatro,
alargando as possibilidades apreensoras da mão.

26
3.3.4 A miscigenação Homo
neandertalhensis/Homo sapiens

As teorias cientificamente aceites até ao final do séc. XX assentavam na


substituição do Homo neandertalhensis por Homo sapiens, de uma forma
pacífica para umas e agressiva para outras sem, no entanto, se aceitar a sua
miscigenação. No final do século foi identificada e escavada uma sepultura do
início do Paleolítico superior que albergava uma criança de cerca de 4 anos, o
menino do Lagar Velho (ou Lapedo). A presença de ornamentos e ocre
assimilava este enterramento a muitos outros associados á última fase do
Paleolítico, que as datações vieram confirmar (± 24.500 anos). Porém, em
artigo publicado em 1999, tendo Cidália Duarte por primeiro autor, aparece pela
primeira vez a possibilidade de ter havido miscigenação entre estas duas
espécies, apresentando o menino do lagar velho características morfológicas
híbridas. Muito controverso à época, esta teoria foi posteriormente validada por
estudos genéticos realizados sobre os primeiros homens modernos. Foi
também o desenvolvimento da sequenciação genética que permitiu identificar a
espécie Homo sapiens denisova.

“Menino do Lapedo”
27
4. O Paleolítico

O que é o Paleolítico?

• Maior período da história da humanidade (3 300 000 a 10 000 anos)

• Período da “pedra antiga” ou “pedra lascada”

• Dividido em Paleolítico arcaico, inferior, médio e superior.

À medida que os vestígios materiais, resultantes das vivências das


comunidades do nosso passado longínquo, foram vendo a luz do dia, surgiu,
na mente dos primeiros pré-historiadores, a necessidade de os
compartimentar, catalogar e denominar. Os primeiros vestígios foram assim
armazenados em categorias, os seus conjuntos em culturas e essas culturas
em períodos. É ainda no século XIX que John Lubbock divide os períodos mais
antigos da história da humanidade em Paleolítico (período da pedra talhada) e
Neolítico (período da pedra polida). A subdivisão do Paleolítico consuma-se
pouco depois resultando numa distinção entre Paleolítico inferior, médio e
superior. O Paleolítico inferior englobaria o conjunto das indústrias onde se
registaram a presença de bifaces, o Paleolítico médio caracterizar-se-ia por
apresentar um método de produção de lascas e o Paleolítico superior pelo
aparecimento da técnica de talhe para a obtenção de lâminas. Embora esta
perspetiva inicial tenha de ser completada com os dados paleoantropológicos,
climáticos e mesmo arqueológicos entretanto divulgados, não deixa de ser uma
base ainda geralmente aceite pela comunidade científica.

4.1 Introdução à tecnologia lítica paleolítica

• Estudo das comunidades humanas do passado é realizado através da


análise dos seus vestígios materiais.

• Os primeiros vestígios materiais que chegaram até nós são as


ferramentas líticas e os restos da sua fabricação.

• Estas ferramentas são, muitas vezes a única testemunha que se


encontra no registo arqueológico do Paleolítico.

4.1.1 O que é a tecnologia lítica?

28
• Estudo do conjunto dos processos utilizados pelo Homem para produzir
ferramentas líticas (Texier, 1980).

• Estas ferramentas são, muitas vezes, o único vestígio que chegou até
nós.

• Além do processo que lhes deu origem as ferramentas podem, através


das marcas de uso, também fornecer pistas sobre a sua utilização.

No processo de talhe entram os seguintes elementos:

A Matéria-prima

O percutor

O conhecimento

(Schick and Toth,1993)

A Origem?

Alguns investigadores associam o aparecimento dos primeiros artefactos líticos


ao uso de martelos e bigornas por parte de chimpanzés (Pan troglodites) para
partir frutos de casca rija. Durante este processo podem saltar lascas do
martelo ou da bigorna apresentando gumes cortantes. Estas lascas poderiam
ter sido usadas como utensílios.

29
Evolução
© Noriko das indústrias líticas
Inoue-Nakamura

4.1.2- Como se estuda a tecnologia lítica?

4.1.2.1 -Tipologia

– “Ciência que permite reconhecer, definir e classificar as diferentes


variedades de utensílios que aparecem nas jazidas pré-históricas”. François
Bordes

Um conjunto diferenciado de utensílios vai caracterizar as “culturas”.


Alguns tipos de utensílios são característicos de determinadas culturas é o
denominado “fóssil diretor”,

4.1.2.2 - A tecnologia lítica

Para a elaboração de um utensílio lítico é necessário todo um conjunto de


passos técnicos que se dividem em diversas fases. Essas fases iniciam-se com
intenção do talhador, pela recolha da matéria-prima, pelo trabalho de
30
preparação, pelo processo de debitagem dos suportes, pela alteração do
suporte para o transformar numa ferramenta. Além desses processos são
ainda tidos em consideração a fase de uso e finalmente o abandono da peça.

Teoria da “Cadeia operatória”

Como resultado das análises tipológicas e tecnológicas foi possível


verificar que os processos tecnológicos e os suportes pretendidos vão variando
ao longo do tempo. Essas tendências levaram a distinção dos diferentes
períodos da Pré-história:

1- Indústrias sobre lascas, seixos talhados- Paleolítico inferior arcaico -


(Olduwaiense, Cheleense, Tayacense, Clactonense…)

2-indústrias sobre bifaces - Paleolítico inferior (Abbevillense, Acheulense…)

3- Indústrias sobre lascas pré-determinadas - Paleolítico médio (Levalloisense,


Mousteriense…)

4- Indústrias sobre lâminas retocadas- Paleolítico superior (Aurignacense,


Gravetense, Solutrense…)

5- Micrólitos (lamelas, geométricos) - Paleolítico superior final, Mesolítico


(Madalenense, Azilense, Tardenoisense…)

Como se pode verificar pela nomenclatura, os primeiros trabalhos de


análise e classificação surgiram na Europa e mais precisamente em França.
Com o intuito de poder comparar indústrias líticas de outros continentes, Clark

31
apresenta a teoria dos modos tecnológicos passando as indústrias
anteriormente referidas a ser entendidas como “modos”.

Teoria dos Modos tecnológicos


World Prehistory: A New
Outline (Clark ,1969)

4.2 -O Paleolítico inferior (em África: Early Stone Age- ESA)

• Arcaico ou Olduvaiense (3.3 /1.3 ma)

• Acheulense (1.4/0.3 ma)

4.2.1 O Paleolítico arcaico – “Olduwaiense”

Os sítios deste período aparecem maioritariamente em África. As primeiras


indústrias surgem há cerca de 2.5 milhões de anos (possivelmente até 3.3
milhões de anos) e vai perdurar até cerca de 1.6 milhões de anos. Caracteriza-
se pela presença de “Choppers e Chopping tools” e o aparecimento de
Indústrias sobre lasca. Não foram ainda identificados os autores destas
indústrias uma vez que por esta altura existiam várias espécies de hominídeos

32
(Paranthropus robustus, Australopithecus aethiopicus e Homo habilis) na área
onde aparecem estas indústrias.

Primeiras indústrias: Lokalalae


2C,West Turkana, Kénia

Delagnes, 2005
3.2.2 O Paleolítico inferior arcaico fora de África

4.2.2 O Paleolítico inferior fora de áfrica

33
Por volta de 1.8 milões de anos deverá ter tido lugar a primeira migração para
fora de África de populações de Homo erectus. Os vestígios mais antigos foram
identificados na Geórgia, mais precisamente na estação de Dmanisi. Estas
populações colonizaram rapidamente os continentes euroasiático.

Indústria lítica Dmanisi, Gabunia et al 2000

Há cerca de 1.2 milhões de anos já estariam presentes na Península Ibérica na


jazida de Gran Dolina.

indústria lítica de Gran Dolina


(Carbonell et al 1999)

34
4.2.3 Paleolítico Inferior

• Este período começa há cerca de 1 500 000 anos em África e acaba a


cerca de 250 000 anos com o aparecimento da cultura Moustierense. A
distinção com o período anterior assenta no aparecimento de
instrumentos bifaciais (vulgo bifaces). Na Europa este período
corresponde culturalmente ao Acheulense. No entanto continua-se a
recorrer a indústria sobre lasca para conseguir um grande número de
utensílios como raspadores, denticulados e entalhes. Durante a vigência
deste período são conhecidas duas espécies de hominídeos fósseis: o
Homo erectus e o Homo heidelbergensis.

O Acheulense

Melka Kunturé
Tufreau, 2004

35
Konso, Etiópia,
Beyene et al, 2012

4.2.3.1 O Acheulense fora de África

Por volta de 700 000 a 500 000 anos vamos verificar o aparecimento de
indústrias acheulenses na Europa e na Ásia.

Baseado em Tuffreau
et al, 2001 36
4.2.3.2 Acheulense na Asia

Norton, 2006

Indústrias com bifaces, China: Bose, Liantan e liangshan . Otte, 2010.

37
4.2.3.3. Acheulense na Europa

Somme França, Tuffreau et al 2001,2004

Boxgrove, Reino Unido

Atapuerca Garcia-Medrano et al,


2014

38
4.2.4 Economia, Sociedade e habitats

4.2.4.1 Economia

• Caçadores/recoletores

• Aproveitamento dos recursos disponíveis,

• Num período mais antigo os nossos antepassados deveriam dedicar-se


ao aproveitamento de carcaças caçadas por grandes carnívoros e à
recoleção. Embora essas carcaças apresentariam já pouca carne
aproveitável, poderiam fornecer um dos recursos mais valiosos, o tutano
presente no interior dos ossos longos, principalmente. Para extrair este
alimento rico em gordura, seriam utilizadas ferramentas líticas
(Choppers e bifaces).

Na estação de Ambrona, localizada no sul de Espanha, o Homo erectus


aproveitou as carcaças de elefantes para conseguir proteína e gordura.

Ambrona, Mendez et al, 2008

39
No final do Paleolítico inferior temos já provas irrefutáveis da existência da caça
como forma de se adquirir alimento. Na jazida de Shoningen, na Alemanha,
foram descobertas lanças em madeira associadas a ossos de cavalos. Esta
estação foi datada em 300 000 anos.

Caça Shöningen Foto- Nicolas J. Conard, U.Tubingen

40
Na estação de Gesher Benot Ya’akov, em Israel, foram identificadas
bigornas para aproveitamento de frutos de casca rija e raízes, indiciando não
só a recolha de espécies vegetais mas, também, o seu tratamento para facilitar
a sua ingestão.

Goren Inbar et al, 2002

41
Uso do Fogo

• Os registos mais antigos de associações entre grupos humanos e fogo


têm sido apresentados em sítios do Plio-Pleistocéno africano, datados
de entre 2.0 e 1.5 Ma. Porém, o uso controlado do fogo nestes locais
tem sido muito questionado, sendo apresentadas causas naturais para
justificar a presença de fogo. Fora de África, a presença de faunas,
vegetais e líticos queimados foram documentados no sítio de Gesher
Benor Ya’aqov, com uma cronologia de 790 Ka.

Goren Inbar et al, 2002

42
Aproveitamento de recursos: A Fauna

Galeria Pesada-Aroeira. Industria (Marks et al, 2002).

Esta estação (Galeria Pesada) corresponde a uma ocupação realizada em


gruta junto à nascente do Almonda perto de Torres Novas. Pela análise da
fauna foi possível definir um período de permanência no local durante a
primavera /verão. A presença de cervídeos completos indicia um acesso
primário às carcaças destes animais através da caça.

Nesse sentido estaríamos na presença de um acampamento sazonal ligado ao


aproveitamento de grandes herbívoros.

43
4.2.4.2 Sociedade

Atapuerca, Sima de los Huesos Des. Maurício Anton

Tratando-se de sociedades de caçadores –recoletores. Os grupos humanos do


Paleolítico Inferior seriam constituídas por populações nómadas, que no início
(Olduwaiense, Paleolítico inferior inicial) se deslocariam em busca do seu
sustento. Essas populações seriam constituídas por pequenos grupos
familiares ou supra familiares. As pegadas de Laetoli revelam a passagem de
um grupo de três indivíduos, dois adultos e uma criança, muito provavelmente
uma família, que se deslocava sobre uma camada de cinzas vulcânicas, há
cerca de 1 700 000 anos. Estes pequenos grupos deveriam reunir-se
sazonalmente com outros grupos supra-familiares.

44
Réplica das pegadas de
Laetoli, Africa.
45
4.2.4.3 Habitats

46
A grande maioria dos vestígios arqueológicos de que dispomos indiciam que as
populações do Paleolítico Inferior preferiam acampamentos de ar livre à
ocupação de grutas naturais.

Terra Amata. 400


000/380 000 anos

47
3.3 O Paleolítico Médio
Durante o Paleolítico médio vamos encontrar algumas variações culturais nas
áreas geográficas ocupadas por espécies diferentes do género Homo.
Enquanto na Europa a espécie presente quando nos referimos ao Paleolítico
médio é o Homem de Neandertal (Homo sapiens neanderthalensis), em África,
num período situado entre 300 000 e 200 000 anos aparece uma nova espécie:
o Homo sapiens, ainda arcaico, mas que irá dar origem ao homem moderno
(Homo sapiens sapiens). Em África o Paleolítico médio é conhecido como o
Middle Stone Age (MSA) na parte mais meridional e Ateriense na parte mais
setentrional. Em parte da Ásia, neste período existem ainda representantes de
Homo erectus. O que vamos apresentar de seguida é, portanto, apenas válido
para a zona que corresponde à Europa, Próximo Oriente e parte ocidental da
Ásia.

Atualmente, considera-se que a introdução do método Levallois no


registo arqueológico representa a inovação técnica que caracteriza o início do
Paleolítico médio. É com o surgimento e a diversificação de novos métodos de
talhe para a produção de lascas que vão levar ao menor protagonismo do
biface que se iniciaria o Paleolítico médio (Tuffreau, 2004). Com base neste
argumento e no registo arqueológico, o Paleolítico médio apareceria no norte
da Europa, durante a transição do MIS9/MIS8 por volta dos 300 ka (Monnier,
2006, Picin et al 2013). Para outros autores o aparecimento do talhe Levallois
dá-se ainda em contextos plenamente Acheulenses (Jaubert e Jarry, 2006).

Em termos de indústria lítica o conjunto cultural que caracteriza o


Paleolítico médio é o Moustierense. Nesta denominação vamos encontrar
várias formas diferentes de utensílios conseguidos com recurso a vários
métodos, mas que tem entre si o denominador comum de serem realizados
através do recurso a núcleos com características próprias de forma a serem
extraídas lascas com formas predeterminadas. São desta altura os núcleos
centrípetos, núcleos baseados no conceito Levallois, núcleos para produção de
pontas moustierenses. Vamos ainda encontrar utensílios que já vinham do
período anterior, mas que vão ser melhorados como as raspadeiras, os
denticulados e os entalhes. Ainda aparecem bifaces neste período, mas de
forma residual, nomeadamente na variante cultural denominada Micoquense e
no Moustierense de tradição Acheulense.

48
Existem diferentes definições de talhe Levallois mas que evidenciam, de
um modo geral, um fundo comum. A definição que se impôs de forma unânime
foi apresentada por François Bordes em 1961, introduzindo a noção de
predeterminação de uma lasca através da preparação prévia de superfícies.
Este método de debitagem consiste num conjunto de vários esquemas
operatórios cujo objetivo é a consecução de lascas, lâminas e pontas cujo
formato seria predeterminado (Boëda, 1988).

3.3.1 O Paleolítico Médio Europeu

Moustierense

3.3.1.2 Cadeias operatórias do P. médio

O método Levallois

Boëda, 1988
49
Texier, 1980.

50
Locht et al 2010

Locht et al 2010

51
3.3.1.3 As indústrias líticas do Final do Paleolítico Médio~

A transição entre o Paleolítico médio e o Paleolítico superior corresponde a um


período situado entre os 50 Ka e 40 Ka na Europa e coincide com o início da
substituição do Homo sapiens neanderthalensis e o Homo sapiens arcaico.
Para certos autores estas indústrias são produzidas por Neandertais sendo
resultante do contato com os primeiros homens modernos.

• Chatelperronense- Caracteriza-se pela produção de suportes alongados


usando lascas espessas como núcleos unipolares ou bipolares. As
lâminas resultantes são retocadas de um lado originado as chamadas
“facas” de Chatelperron. As lâminas mais espessas são transformadas
em raspadeiras e buris.

Roussel e Soressi, 2010

52
• Ulluziense- Caracteriza-se pela seleção de matérias-primas de forma
angulosa que permitam uma debitagem expeditiva. Esta debitagem é
unipolar ou bipolar originando suportes alongados, lâminas e lamelas.
Estas indústrias foram identificadas em Itália e Grécia.

Villa et al, 2018

3.3.2 Economia, Sociedade e habitats

3.3.2.1 Economia

• Caçadores/recoletores

• Aproveitamento dos recursos disponíveis,

• Caça e recoleção.

• Diferenciação na funcionalidade das ocupações;


53
• Dispersão geográfica das funcionalidades (expedições caça, produção
de ferramentas, acampamentos…);

• Definição de um território frequentado, de curto/medio alcance (matéria-


prima utilizada).

3.3.2.2. Sociedade

• Sociedades de caçadores –recoletores.

• -Populações nómadas

• -Pequenos grupos familiares ou supra-familiares.

• -Reuniões sazonais com outros grupos. Troca de elementos entre


grupos (El Sidron)

Des. Emmanuel Roudier

54
3.3.2 3 Habitats

Estruturação complexa do espaço , centrada no uso do fogo, desde o


Paleolítico médio

Predomínio claro de ocupações de ar livre para implantação de paragens de


média duração ou recorrentes.

Ocupação esporádica de abrigos e grutas –curta duração:

-principalmente durante episódios específicos ( expedições de caça?)

-associados a períodos climáticos mais frios?

55
La Folie, França, Bourguignon
et al, 2006

3.3.3 Arte e espiritualidade

Observa-se no registo arqueológico o aparecimento de Ocre e vestígios das


primeiras sepulturas

56
3.3.4. O Paleolítico Médio Africano - Middle Stone Age (MSA)

O Paleolítico médio em África corresponde ao aparecimento dos primeiros


fósseis de Homo sapiens e divide-se em duas grandes regiões:

-Zona norte-africana, onde prevalecem indústrias com conotação tipicamente


do Paleolítico médio europeu (talhe Levallois)

-Zona subsaariana , onde a partir de meados deste período vão aparecer


novos tipos de utensílios, frequentemente baseados em lamelas e material
oriundo de debitagem laminar/lamelar. Vão também aparecer vestígios de
possível arte móvel e da utilização de adornos, realizados com recurso a casca
de ovos de avestruz e conhas marinhas.

Soriano,2007

Soriano,2007

57
Henshildwood e Lombard ,2014

Henshildwood e Lombard ,2014

58
4.4 O Paleolítico Superior

O Paleolítico superior corresponde à última subdivisão do Paleolítico e tem


como fóssil associado o Homo sapiens sapiens, o homem anatomicamente
moderno. Começa na Europa ocidental a cerca de 37 000 anos e vai terminar
durante as alterações climáticas que darão origem ao Holoceno há cerca de 10
000 anos Durante este período vamos deparar com o recurso à debitagem
laminar como modo principal de conseguir suportes para as ferramentas. Já
existem núcleos para lâminas no Paleolítico médio, mas é neste período que a
sua utilização vai ser predominante. Num período de transição encontra-se
uma indústria que muitos autores pensam ter sido realizada por Homo
neanderthalensis: o Chatelperronense realizada já sobre lâmina ao invés das
indústrias sobre lasca do período anterior.

O quadro cronológico do Paleolítico superior foi definido, na primeira metade do


séc. XX, por Henri Breuil e Denis Peyrony baseando-se nas estratigrafias dos
sítios arqueológicos do sudoeste francês. È por essa razão que as culturas
deste período apresentam denominações francesas.

Zilhão, 1997

59
4.4.1 A globalização do Homo sapiens

Assistimos, no Paleolitico superior, à colonização do mundo por uma espécie, o


Homo sapiens, que se irá tornar dominante.

4.4.1.1 Transição Antropológica

Homo neanderthalensis/ homo sapiens na Europa

Homo erectus/ homo sapiens na Àsia

4.4.2 As “culturas” do Paleolítico superior

60
Transição Próximo-Oriente

As primeiras indústrias do Paleolítico superior aparecem no próximo –oriente,


distribuindo-se pela Europa na medida que o Homo sapiens vai substituindo o
Homo sapiens neanderthalensis

4.4.2.1 Aurinhacense

Período que se inicia acerca de 37 000 anos terminando por volta de 28 000
anos. Caracteriza-se pela presença de láminas retocadas em toda o seu perfil
(lâminas aurinhacenses) , lamelas de dorso retocado (Lamelas Dufour) e o
desenvolvimento da indústria sobre osso. Neste período priviligia-se os
utensilios realizados sobre a extremidade de lâmina.

61
Gravina et al, 2005

Zilhão, 1997
62
4.4.2.2 Gravetense

O Gravetense começa há cerca de 28 000 anos para terminar por volta de 22


000 anos. Nesta indústria além de alguns modelos que já existiam
anteriormente aparece um tipo de novo de utensílio a ponta gravetense (n.º 5)
que se caracteriza por ser uma lâmina pontiaguda de dorso abatido. Neste
período aparecem também elementos truncados, buris (de Noailles e de
Raisse). Este período apresenta pela primeira vez uma homogeneidade a nível
europeu.

Zilhão, 1997

63
Teyssandier, 2007

4.4.2.3 Solutrense

O Solutrense vai iniciar-se há cerca de 22 000 anos e terminar por volta de 18


000 anos. Corresponde ao período áureo do talhe lítico na Europa. A indústria
desta época assenta numa técnica de retoque plano com bordos sub-paralelos,
invasivo, que nalguns casos se distribui por toda a peça. São famosas as
folhas de loureiro e salgueiro realizadas durante este período. Também
característicos destas indústrias são as pontas carenadas e as pontas de face
plana.

64
Folhas de Loureiro

Pontas carenadas Aubry, 2009

65
Zilhão, 1997

4.4.2.4. Madalenense

Por volta de 18 000 anos o Solutrense é substituído pelo Madalenense. Este


período vai presenciar o desenvolvimento exponencial do recurso a novas
matérias-primas para a realização de utensílios. Assistimos a um grande
desenvolvimento do uso do osso e chifre para a realização de zagaias, de
agulhas e ornamentos. A indústria lítica caracteriza-se por uma panóplia
alargada de utensílios realizados sobre fragmentos de lâmina. Os geométricos
passam a ser recorrentes, servindo de raspadeiras furadores e armações de
zagaia

66
Zilhão, 1997
67
Com o final do Madalenense entre 12000 e 10 000 vai terminar o período
conhecido como Paleolítico e iniciar-se um período de transição conhecido
como Epipaleolítico /Mesolítico.

4.4.2.5. Azilense

Este período foi primeiro identificado na região franco-Cantábrica e sucede ao


Madalenense, caracterizando o Epipaleolítico. As indústrias caracterizam-se
pela presença de pontas azilenses (n.º 24 e 25), arpões planos em osso e
seixos pintados.

Adán Alvarez,2005

68
Arpões e seixos pintados

4.4.3 Economia, Sociedade e habitats

4.4.3.1 Economia

Neste período verifica-se o incremento da pesca, tanto através de vestígios


diretos (anzois) como indiretos (vertebras de peixe).

69
Vertebras de peixes e anzois

Aproveitamento secundário de recursos

As presas caçadas não deixar de ser apenas fonte de proteína e vão passar a
ser exploradas também pela pele, tendões e osso.

Agulhas e furadores em
osso, fios feitos de tendões.

70
Economia da matéria-prima

Verifica-se, no registo arqueológico, uma distribuição espacial das matérias-


primas utilizadas na confeção dos utensílios muito mais alargada. Num sítio
são identificadas matérias-primas originárias de jazidas situadas a centenas de
quilómetros.

Aubry, 2005

4.4.3.2 Habitats

Começam a surgir estruturas habitacionais complexas, variando nos elementos


construtivos e dimensões. Desde estruturas mais simples de unidades
unifamiliares a conjuntos maiores, mais complexos, correspondendo a um
grupo alargado de unidades familiares.

71
Pincevent, França, Madalenense

Gönnesdorf, 12 500 anos Alemanha (Landschaftmuseum.de)

4.4.3.3 Sociedade

Sociedades do Paleolítico superior:

Identificação de movimentos de longo alcance:

72
-Real? Aumento da mobilidade dos grupos de caçadores-recolectores?

-Aparente? Aumento demográfico que potencia os contatos entre grupos e


consequentemente as trocas? (indivíduos, Matéria – prima, ideias)

• Núcleo central assente nas relações de parentesco base.

• Conjunto de vários núcleos centrais, constituindo um grupo.

• Reuniões regulares de vários grupos para troca, caça, entreajuda etc…

4.4.4 Arte e Espiritualidade

4.4.4.1 Arte

Uma das características deste período é o incremento do número de jazidas


onde se encontra representações artísticas de várias índoles. Os suportes vão

73
variar desde paredes de grutas a afloramentos ao ar livre. Nos acampamentos
verifica-se também a presença de arte móvel em vários tipos de suporte.

4.4.4.1.1 Em grutas

Grandes jazidas europeias

Altamira, Espanha (Museo de Altamira)

Gruta de Lascaux (França)

74
Gruta Cosquer, França.

4.4.4.1.2Arte Rupestre

A arte rupestre identificada no Vale do Côa representa o maior conjunto de arte


ao ar livre do período paleolítico existente no mundo. O Vale do Côa apresenta
mais de mil rochas com manifestações rupestres, identificadas em mais de 80
sítios distintos, sendo predominantes as gravuras paleolíticas.

.
Vale do Côa,Portugal

75
4.4.4.1.3 Arte móvel

Nalgumas estações do paleolítico superior recolheram-se abundantes vestígios


de arte móvel, representando principalmente animais. Também são recorrentes
placas e seixos gravados.

Grotte D’ Enlene,França Vogelherd, Alemanha

4.4.4.1.4 As “Vénus

Outra das representações recorrente em algumas estações deste período é a


denominada “Vénus”. As representações de mulheres, muitas vezes grávidas
são outro dos temas mais numeroso da arte móvel do Paleolítico superior

Brassempuy, França Kostenki, Russia

76
4.4.4.2 A espiritualidade

Além das “Vénus” anteriormente referidas e que para alguns investigadores


estão relacionadas com possíveis referências à fertilidade e a uma “Deusa
Mãe” Paleolítica existem outros vestígios que nos dão algumas informações
sobre a espiritualidade destas populações.

4.4.4.2.2 Os “Xamanes”

Existem alguns casos de representações, quer na forma de arte móvel como


pinturas, que indiciam algum tipo de culto xamânico, com representações de
seres com corpo humano, mas com cabeças e atributos de animais.

Trois-Fréres,França Hohlenstein-Stadel, Alemanha

4.4.4.2.3 Enterramentos

Embora já presente no Paleolítico médio, a presença de enterramentos torna-


se mais comum. Embora variando na forma de deposição do corpo, no
Paleolítico superior as sepulturas revelam a presença de ornamentos,
constituídos por conchas de moluscos e dentes de veado, que deveriam
enfeitar a roupa usada por estas comunidades. Também é frequente o uso de
ocre quer na sepultura ou diretamente sobre o corpo do inumado e objetos
pessoais e ofertas.

77
“Menino do Lapedo”

78
4.4.4.2.4 Música

É no Paleolítico superior que se registamos primeiros vestígios da presença de


instrumentos musicais. Trata-se de flautas realizadas sobre ossos longos. A
presença deste tipo de vestígios representa a prova mais evidente da
modernidade destas populações.

Flautas de Isturitz e Geissenklosterle

79
3.5 Dos caçadores-recoletores aos primeiros agricultores: o Mesolítico

3.5.1 Flutuações climáticas

O final do Paleolítico corresponde ao final do Pleistoceno e ao início do


Holoceno. O aquecimento do clima vai originar alterações na fauna e na flora
que se vão refletir drasticamente na forma de vida das últimas comunidades de
caçadores recolectores.

80
3.5.2 As indústrias líticas

Embora se mantenham as tipologias líticas do final do Paleolítico


verifica-se a redução no tamanho das armaturas pretendidas, na menor
qualidade das matérias-primas utilizadas, indiciando uma alteração nas
espécies caçadas e na redução dos territórios percorridos. Verifica-se a
utilização de lascas para a produção de lamelas e o incremento de material
lascar utilizado sem qualquer alteração secundária.

Aubry et al,1997, Bicho, 2000 e Araújo, 2013

Araújo 2005

81
Estações do mesolítico em Portugal. Araújo, 2016

82
Estação da barca do Xerez Baixo.

Nas margens do Guadiana foi identificada, durante os trabalhos de


minimização da construção da barragem do Alqueva, uma estação de
caçadores-recolectores. Datada do mesolítico. A indústria lítica diferencia-se da
indústria lítica do final do Paleolítico, consistindo na debitagem expedita de
seixos para a produção de lascas que depois são transformadas em utensílios.

Araújo e Almeida, 2013

Araújo e Almeida, 2013

83
Araújo e Almeida, 2013.

3.5.3 Economia

3.5.3.1 Concheiros

Uma das alterações comportamentais que mais se evidencia corresponde ao


aumento da utilização de recursos marinhos e fluviais, algumas vezes de forma
intensiva. Verifica-se no registo arqueológico o aparecimento de sítios com
grandes concentrações de conchas de bivalves aos quais se vai dar o nome de
concheiros.
84
Os concheiros definem-se da seguinte forma:

Exemplo de recursos marinhos explorados

Cerastoderma edule, Scrobilucaria plana, Venerupis decussata, Solen


marginatus, Olisinus lineatus, Mytilis sp., Patellas p., Ostrea sp., Thais
haemastoma

85
Localização dos principais concheiros do Tejo e do Sado

Como sítio de habitat, os concheiros vão apresentar também enterramentos

86
Cabeço da Amoreira

Odake, Japão

Resumindo o Mesolítico:

• Manutenção dos mesmos tipos líticos e estratégias de talhe mas com


diminuição da diversidade da tipologia de armações e com recurso a
cadeias operatórias mais expeditas.

• Caça das mesmas espécies terrestres, mas com diferença na


importância desta caça no total da alimentação consumida. Aumento do
consumo de veado e javali.

• Reutilização dos mesmos espaços, possivelmente com os mesmos fins.

No entanto verifica-se uma alteração comportamental importante: o incremento


do uso de recursos marinhos.

87
3.5.4. O fim do Mesolítico

• Os dados arqueológicos e paleo-ambientais sugerem uma crise


climática entre 8.0 e 7.3 cal BP, o que poderá ter originado um impacto
negativo nas populações dos dois lados do estreito de Gibraltar.

• Alteração e diminuição da composição da fauna marinha e terrestre


disponível para os caçadores-recoletores mesolíticos.

No mesmo momento verifica-se o aumento da aridez do Sahara e o abandono


de vários sítios neolíticos no próximo oriente. Estas condições poderão ter sido
favoráveis à expansão de uma nova forma das populações alcançarem o seu
sustento.

3.5.5 Os primeiros neolíticos.

Com base nesses dados mais recentes o declínio das populações de


caçadoras-recolectoras do Mesolítico, na Península Ibérica consumar-se-ia no
primeiro quarto do sexto milénio cal AC (antes de Cristo ou ± 6800 AP, Alday
Ruiz, 2009). O início da primeira fase de neolítico antigo arrancaria a partir do
segundo quarto do VI milénio cal AC e terminaria no último terço do mesmo
(±6800 AP). Em Portugal a primeira fase do Neolítico aparece representada em
88
duas regiões: a Estremadura (Almonda e Caldeirão) e o Algarve iniciando-se
por volta de 5500-5400 AC.

• Atendendo aos dados disponíveis o modelo apresentado por Zilhão


(1993,2001) da Colonização Marítima por Pioneiros é a mais viável
explicação.

• Os registos arqueológicos indiciam que as primeiras ocupações


neolíticas ocorreram na zona sul da Península Ibérica, com origem
norte-africana.

• Paralelismos formais na cerâmica e nos ornamentos entre o Norte de


África e Andaluzia.

• Indústria lítica: presença de segmentos e aquecimento do sílex.

• Recurso a um grande número de animais e plantas domesticados.

• Genética: proximidade genética entre um indivíduo inumado em Nerja e


populações do Magrebe.

89
FIM

90

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