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Fluidos Estáticos
1
conhecido e relacionado é a massa específica, que é na mesma a razão entre
a massa e o volume duma determinada substância. Este conceito aplica-se
correctamente apenas a porções homogéneas de matéria, mais comummente
a uma substância específica. Por exemplo, uma esfera de ferro sólida tem
uma densidade idêntica à massa específica do ferro, mas uma esfera oca de
ferro tem uma densidade inferior à massa específica do ferro. Como densi-
dade serve para todas as situações, só por distracção é que tornarei a falar
de massa específica.
Pressão
Para considerar as forças e as suas consequências quando estamos a tratar de
fluidos, é fundamental o conceito de pressão. Nos sólidos podemos considerar
as forças aplicadas num ponto. Nos fluidos as forças estão distribuídas sobre
superfícies. Por isso temos de pensar em termos de pressão, que como sabem,
é “qualquer coisa como força por unidade de área”. Vamos ver isto com um
pouco de cuidado.
Imaginem um recipiente com água. Para tornar o exercício mais efi-
caz, façam-no bonito. Pode ser um aquário, mas como ainda só estamos
a considerar fluidos estáticos, tirem de lá os peixes e desliguem os filtros,
etc. Agora imaginem um ponto onde a água encontra o vidro, pode ser a
meia altura, mas só se quiserem. Agora imaginem uma pequena área da
superfície vertical do vidro em contacto com a água em torno do ponto que
ainda estão a imaginar. A água em contacto com esta pequena área está a
exercer uma pequena força sobre a parede de vidro.1 A pressão que a água
exerce sobre o vidro na área em torno do ponto que ainda estão a imaginar
é a razão entre a valor da força que a água exerce sobre esta área de vidro
e o valor da própria área.
|F� |
p= (1.2)
A
A força de pressão é perpendicular à superfície de contacto. Sempre.
Nesta altura pode ser útil olhar para a Figura 1.1.
Agora vamos levar o argumento uns pontos mais adiante, pois todo este
trabalho de imaginação não foi para ficar só por aqui.
O vidro exerce uma força igual, mas oposta, sobre a água,2 (por isso é
que o aquário é um recipiente). Assim falamos também da pressão exer-
cida pelo vidro sobre a água, que tem certamente o mesmo valor. Agora
podemos deixar a superfície da água e mergulhar no interior. Apaguem da
mente o ponto na superfície, para poderem imaginar um ponto no meio da
água. Agora imaginem uma qualquer pequena superfície plana que contém
1
A palavra pequena aqui significa que podemos sempre considerar uma porção de
área aproximadamente plana, mesmo para superfícies menos regulares que a parede dum
aquário.
2
Isto é a terceira lei de Newton em acção, mas isso agora não interessa.
2
F
p ⇐⇒
Figura 1.2: No interior dum fluido, sobre superfícies com orientações dife-
rentes as forças de pressão exercidas têm orientações diferentes, mas sempre
o valor |F� | = pA.
3
contramos para a pressão. Outros conhecidos são a atmosfera (atm), o bar
(bar), o torr (Torr), o milímetro de mercúrio (mmHg), e vou parar por aqui.
Temos de saber o que são estas coisas, porque aparecem na vida real. Não
quer isto dizer que temos de saber de cor todas as conversões entre estas
unidades e o pascal, mas quer dizer que não é má ideia.
Uma noção importante a reter é que o pascal é uma unidade pequena. Na
realidade, uma atmosfera é pouco mais de 100 000 Pa. O bar é exactamente
100 000 Pa, pelo que os valores duma pressão expressa em bar e em atm
diferem pouco mais de 1%. A lista seguinte resume a situação.
O problema, por assim dizer, é que estas unidades são todas usadas
na vida real, dia-a-dia. Se estiver a tratar da pressão dos pneus do carro,
usará o bar, se referir o valor da tensão arterial, será em mmHg, e quantas
vezes não usou já atmosferas? Os meteorologistas normalmente exprimem
a pressão do ar em hPa, que antigamente chamavam de mbar. . . Veja-se o
mapa meteorológico da Figura 1.3. Notemos também que torr e mmHg
parecem também ser a mesma coisa.4
Vale mesmo a pena pensar no que significa o pascal ser uma unidade
pequena. Em comparação com o quê ao certo? Se a pressão atmosférica
é da ordem de 105 Pa, então sobre 1 m2 duma tampa de mesa o ar está a
exercer uma força de 100 000 N. Será possível? E sobre uma pessoa? A
área superficial de um ser humano varia muito de pessoa para pessoa claro,
mas 1,75 m2 é um bom valor indicativo. Então sobre uma imaginária pessoa
média, o ar estaria exercendo uma força de pressão de 175 000 N. Isto é o peso
de 12 automóveis relativamente grandes. Talvez é a pressão atmosférica que
afinal é bastante grande, ou talvez estes números sejam absurdos e é melhor
pensar mais no caso. Se fosse assim eu não seria esmagado? E de onde
poderia vir uma força tão grande?
4
Figura 1.3: Mapa meteorológico com indicação da pressão do ar, em hPa
(mbar)[1].
haverá lugar para algumas deduções simples, algumas outras deduções teóri-
cas mais sofisticadas, ou menos importantes, serão relegadas para apêndice,
onde podem seguramente ser ignoradas sem prejuízo para a continuidade da
leitura.
Ao mergulharmos alguns metros abaixo da superfície da água rapida-
mente notamos os efeitos do aumento da pressão, nomeadamente nos nossos
ouvidos. Suponham então que temos um líquido em equilíbrio estático.
Pode ser a mesma água do mesmo aquário que já usamos antes. Conside-
rem uma porção do interior desse líquido, que tem um formato cilíndrico,
porque dá jeito e é fácil de desenhar, como na Figura 1.4. Sobre este cilindro
de fluido actuam as forças devido à pressão da água circundante, e ainda o
seu peso, a atracção gravitacional da Terra. As forças de pressão exercidas
sobre os lados do cilindro anulam-se por simetria evidente, e por isso na
água não surgem espontaneamente correntes horizontais ou remoinhos, que
seriam contrárias à hipótese de equilíbrio estático. Podemos seguramente
considerá-las interessantes por existirem, mas irrelevantes para o que preten-
demos analisar, que é a variação da pressão com a profundidade. Realmente
o que tem interesse são as forças verticais, portanto. O peso, F�g , e as forças
de pressão exercidas sobre o topo, F�t e sobre a base, F�b , do cilindro. É claro
que tendo em conta os sentidos destas forças verticais, o equilíbrio significa
que
Ft + Fg = Fb
Sendo A a área comum do topo e da base do cilindro, e designando por pt
e por pb os valores da pressão da água no topo e na base do cilindro, os
5
valores das forças de pressão são Ft = pt A e Fb = pb A. Quanto ao peso, é
a massa da água contida no cilindro multiplicado pela aceleração gravítica,
Fg = mg.5 Mas a massa da referida água é o volume do cilindro, V = Ah
multiplicado pela densidade da água: m = ρhA. Então chegamos até
pt A + ρhAg = pb A
ou seja:
pb = pt + ρgh (1.3)
que já é a Lei de Stevin: A pressão aumenta duma quantidade Δp = ρgh
quando descemos h metros num líquido de densidade ρ.
É importante notar que a pressão depende apenas do nível, não varia
na horizontal num fluido em repouso. A razão pela qual esta lei de Stevin
não é verdadeira para gases, é que pressupõe que a densidade do fluido é
constante, não variando com a pressão. Ora este é o caso apenas para fluidos
incompressíveis - leia-se líquidos. No caso, muito comum, em que usamos
esta lei para considerar a pressão h metros abaixo da superfície da água,
ou outro líquido, podemos tomar a pressão no topo como sendo a pressão
atmosférica, p0 , e é habitual escrever
p = p0 + ρgh (1.4)
Vemos nesta Lei de Stevin, de forma clara, que o aumento da pressão com
a profundidade resulta do peso do fluido que está por cima. Na realidade,
é também esta a origem da pressão atmosférica: resulta do peso do ar que
está por cima de nós. São km de altura de ar. Embora não seja denso como
a água, o valor de 105 Pa significa que por cima de 1 m2 da Terra está uma
coluna de ar com vários km de altura e com 10 toneladas de massa (portanto
105 N de peso). Como disse Torricelli:
Assim talvez seja menos difícil acreditar nos tais 12 automóveis grandes
que temos em cima de nós.
6
Ft
A
h
Fg
Fb
pV = nRT (1.6)
7
m
����� ���������������
M
���������������
a
���������������
A
8
1.5 O Princípio de Arquimedes
Um corpo totalmente ou parcialmente submergido é actuado por
uma impulsão, dirigida verticalmente para cima, de valor igual
ao peso do fluido deslocado.
• O peso do cubo, de valor mg, vertical para baixo, claro. Este pode
parecer importante, por ser vertical, mas na realidade para efeitos da
análise da impulsão exercida pelo fluido sobre o cubo também não
interessa. Podemos esquecer isto até termos de considerar se o cubo
vai para o fundo ou se vai boiar.
– sobre o topo - Ft :
Ft = pt A,
onde pt é a pressão no fluido ao nível do topo do cubo, e A = l2
é a área duma face do cubo.
– sobre a base - Fb :
Fb = pb A,
sendo pb a pressão ao nível da base do cubo.
9
I
⇐⇒
Fg Fg
10
Capítulo 2
Fluidos em Movimento
Até aqui o nosso fluido esteve sempre estático. Ora a propriedade determi-
nante dum fluido é que pode fluir. . .
A1
A2
V
v1 V v2
Δ x2
Δ x1
11
ado, isto é V = A1 v1 Δt, o mesmo volume passou por A2 , correspondendo
ao cilindro com V = A2 v2 Δt. Assim:
A1 v1 Δt = A2 v2 Δt,
A1 v1 = A2 v2 (2.1)
O líquido flui com maior velocidade na secção mais fina do cano. Por isso
é que tapamos parte da saída duma mangueira com o dedo quando queremos
que a água saia num jacto veloz.
Deve ser claro que o produto Q = Av representa o volume de fluido
que atravessa uma secção na unidade de tempo, o que se pode chamar
de fluxo de volume, taxa de escoamento, ou em linguagem mais dia-a-dia,
caudal. Notar que as unidades mostram de forma clara o significado físico:
A · v → m2 · m/s = m3 /s. Outras unidades óbvias são L/min, cm3 /s, etc.
W1 = F1 Δx1 .
1
Recorde que o trabalho realizado por uma força que actua sobre um objecto (o nosso
fluido neste caso) traduz-se em energia mecânica transferida para o objecto. Trabalho
realizado por uma força que um objecto exerce, é energia mecânica que o objecto cede.
12
Esta força F1 corresponde à pressão p1 exercida sobre a área A1 , pelo que
F1 = p1 A1 , e o volume é V = A1 Δx1 . Assim
W1 = p1 A1 Δx1 = p1 V
W2 = p2 V
ΔE = W1 − W2 = p1 V − p2 V.
Como referido acima, esta energia tem correspondência com as variações nas
energias potencial e cinética do fluido, facilmente calculáveis (pois).
A energia potencial gravítica dum peso mg a uma elevação y é simples-
mente
U = mgy.
Como apenas variações nesta energia potencial têm significado físico, a esco-
lha do zero para a coordenada altura é indiferente. A energia cinética duma
massa m com velocidade v é
1
K = mv 2 .
2
O que mudou no nosso fluido durante o intervalo Δt correspondente aos
deslocamentos Δx1 e Δx2 foi:
Devemos igualar a soma das variações das energias potencial e cinética com
o balanço dos trabalhos:
W1 − W2 = ΔU + ΔK ⇐⇒ (2.2)
1 1
p1 V − p2 V = ρV gy2 − ρV gy1 + ρV v22 − ρV v12 (2.3)
2 2
13
p2 A2
y2 V
v2
Δx2
p1 A1
V
y1
v1
Δx1
Figura 2.2: O líquido flui duma secção larga para outra, mais estreita, a uma
elevação superior. A equação de Bernoulli relaciona as grandezas pertinentes
em diferentes secções do fluir
2.3 Viscosidade
Os fluidos reais não são perfeitos. Têm atritos internos - viscosidade - e por
isso oferecem resistência aos movimentos no seu interior, e também resistem
14
(a) (b)
15
Figura 2.4: Inicialmente laminar, o fluir do fumo do cigarro torna-se clara-
mente turbulento.
1 Pa · s = 10 Poise.
16
y F
D v0
v=0 x
A
D
Figura 2.6: As placas da figura anterior têm área A e estão separadas por
uma distância D.
líquido η (mPa·s)
acetona 0.32
gás η (10−4 Pa·s)
gasolina 0.6
ar 0.18
água 1.0
hélio 0.19
álcool etílico 1.2
metano 0.20
sangue (37o C) 4
azoto 0.18
óleos 50 - 700
oxigénio 0.20
glicerina 1490
ketchup ≈ 50000
17
água glicerina
T (o C) η (mPa· s) T (o C) η (mPa· s)
0 1.8 0 10000
20 1.00 20 1490
60 0.65 60 81
18
v=0
vmax
v=0
19
2.5 Número de Reynolds
Uma vez que os resultados anteriores apenas são válidos quando o regime
do escoamento é laminar, parece boa ideia termos um critério para deter-
minar quando é que este é o caso. Este é obtido considerando o número de
Reynolds:
2Rρvef
NR = (2.12)
η
Aqui ρ é a densidade do fluido, de viscosidade η, que flui num tubo de
raio R com uma velocidade efectiva vef . Outro exercício fácil e obrigatório:
constatar que é um número adimensional, sem unidades portanto. Para
a situação de escoamento num tubo que estamos a considerar se NR <
2000 o escoamento é seguramente laminar; se NR > 3000 o escoamento
é seguramente turbulento. Se 2000 < NR < 3000 a situação não é bem
determinada - está-se então num regime instável em que o escoamento pode
ser laminar ou turbulento, e pode variar de forma regular ou irregular entre
uma situação ou outra.
Se o regime for turbulento, não podemos aplicar a Lei de Poiseuille,
podemos sim concluir em geral que a diferença de pressão será superior
àquela prevista pela Lei de Poiseuille. Para fluidos não Newtonianos, que
se definem de seguida, este poderá não ser o caso, mas em quase todas
as situações de turbulência o valor de Δp será maior do que na situação
laminar.
20
2.7 Força de Arrasto. Velocidade Terminal
Devido à sua viscosidade os fluidos resistem aos movimentos no seu interior
com forças ditas forças de arrasto. O deslocamento dum objecto no interior
do fluido pode causar ou não turbulência. Novamente o critério simples que
se pode aplicar para distinguir as duas situações tem como base o número
de Reynolds, que pode ser definida para esta situação como:
vρD
NR =
η
onde ρ e η são a densidade e a viscosidade do fluido, respectivamente, v
é a velocidade do objecto (relativo ao fluido na qual se move, claro), e D
é uma dimensão característica do objecto. D é uma medida do tamanho
do objecto, por exemplo a aresta dum paralelepípedo, o comprimento ou o
diâmetro dum cilindro, etc. No caso mais exemplar, o de uma esfera, D é
o diâmetro, e resulta uma expressão idêntica para o número Reynolds à da
eq. (2.12):
2Rρv
NR = , (2.13)
η
mas note-se que o contexto é completamente diferente. Os valores a con-
siderar para determinar se estamos em regime laminar ou turbulento são
também muito diferentes: Se NR < 1 não há turbulência. Se NR > 1000,
o regime é puramente turbulento. Se 1 < NR < 1000 o regime é instável.
Para um dado objecto e um dado fluido torna-se claro que altas velocidades
implicam turbulência, ao contrário das baixas velocidades.
Numa primeira aproximação, podemos considerar que a força de arrasto
é proporcional ao quadrado da velocidade no caso da turbulência, e propor-
cional à velocidade no regime não turbulento.
2.7.1 Resistência do ar
Omisso nesta versão. Não vai ser preciso agora. . .
21
sendo b uma constante dependente de vários factores, como a viscosidade do
fluido e as dimensões e forma da partícula. No caso duma partícula esférica
de raio R temos b = 6πηR, e portanto podemos usar:
fa = 6πηRv (2.14)
resultado conhecido como lei de Stokes. Então temos o peso, mg, a puxar
para baixo, a impulsão, I, e o arrasto fa a empurrar para cima. Desta foram
a força resultante, por hipótese para baixo será:
F = mg − I − fa (2.15)
22
R (m) m (kg) vT (m/s) NR d em t = 1 s (m)
3
Na verdade o movimento das partículas mais pequenas é perturbado pelo movimento
Browniano, mas por agora podemos avançar sem considerar este assunto, a ser abordado
em capítulo posterior.
23
Capítulo 3
Centrifugação
24
Vemos que o RCF é também a razão entre os valores da aceleração cen-
trífuga, ω 2 r e a aceleração gravítica, g. Se uma partícula estiver sujeito a
uma rotação muito rápida, o RCF pode tomar valores muito elevados. Em
centrifugadoras comerciais usam-se valores da ordem de 104 − 106 . Numa
situação destas deve ser claro que o peso deixa de ter qualquer influência
real no movimento: a força centrífuga é o que interessa.
Uma consequência desta consideração, não trivial, mas muito impor-
tante, é que análise que fizemos sobre velocidade terminal no capítulo an-
terior pode ser aproveitada substituindo a aceleração g - associada à força
peso, pela aceleração ω 2 r, associada à força centrífuga. As forças que im-
porta considerar serão a força centrífuga, a impulsão, e a força de arrasto.
Mas para a força de impulsão não é agora relevante o peso do fluído deslo-
cado, mas sim a força centrífuga sobre o fluído deslocado. Como resultado,
repetindo a dedução que fizemos usando as equações (2.14, 2.16, 2.17 e 2.18),
mas substituindo sempre g → ω 2 r, concluiremos que a velocidade terminal,
ou seja a velocidade de sedimentação em centrifugadora, obtém-se com a
mesma substituição na eq.(2.19):
2R2 ω 2 r(ρs − ρl )
vT = (3.3)
9η
Vale a pena insistir que a impulsão neste contexto é uma força dirigida para
o centro da rotação e que vale:
Ic = ρl Vs ω 2 r (3.4)
25
Figura 3.1: PMS 405 C Milk Separator... [2]
3.3 Separação
Para além de poder aumentar drasticamente a velocidade de precipitação
de substâncias em suspensão, a centrifugação tem a aplicação óbvia e im-
portante de separar componentes de misturas.
Como primeiro exemplo consideramos a separação de dois líquidos: Ao
centrifugar leite gordo, a nata (cerca de 3,5% do leite natural), menos densa
que a componente aquosa, irá migrar em direcção ao eixo de rotação (o
equivalente a ’boiar’). Na realidade este é o processo usado industrialmente,
com recurso a centrifugadoras como o da Figura 3.1, para “fabricar” leite
magro e natas.
3
Por vezes utiliza-se Sv como símbolo para o svedberg, o que considero pouco aconse-
lhável, porque este símbolo mais vulgarmente representa o sievert, uma unidade SI para
doses de radiação ionizante.
26
Figura 3.2: Separação de componentes de estrutura celular conseguida por
centrifugação diferencial. [3]
27
.
����� partículas de
�����
����� baixa densidade
azeite
partículas sólidas
�����
����� de densidade
intermédia
água
28
densidade
crescente
4
isopícnico significa igual densidade.
29
Figura 3.5: Representação esquemática duma separação de organelas [4].
30
Capítulo 4
Tensão superficial
Ar
Ar Ar
Vidro
Vidro
Vidro
θ
´
Agua θ
´
Liquido ´
Mercurio
31
θ
θ
1 2
32
Figura 4.4: A tensão superficial da água em contacto com o ar.
33
→
→ F
F
ΔΣ →
F
l
→
Δx
sua nova posição. Este processo só pode ocorrer à custa de fornecer energia
a uma fase cuja superfície aumenta. Criar superfície requer trabalho. A
razão entre o trabalho, W , e o aumento da área da superfície, ΔA, é exac-
W
tamente esta mesma tensão superficial: γ = ΔA . É fácil concluir que assim
é considerando o processo da Figura 4.6. Uma armação com um arame mó-
vel contém uma película de fluído (tipo água com detergente). Devido à
tensão superficial, a peça móvel é puxada para a esquerda com uma certa
força de valor F = 2γl (o factor de 2 vem do simples facto de a película
ter duas superfícies, tal como esta folha de papel tem frente e verso). Uma
força do mesmo valor é aplicada ao arame móvel, que se desloca Δ�x, sempre
em equilíbrio. O trabalho realizado sobre o sistema ‘película’ foi obviamente
W = F Δx. Com este trabalho aumentou-se a área superficial em 2ΔΣ (pois
a película tem duas superfícies). Então
W F Δx 2γΔΣ
= = =γ
ΔA 2ΔΣ 2ΔΣ
Uma vez que ΔΣ = lΔx.
Como o processo realiza trabalho positivo sobre o sistema, concluímos
que ao aumento da superfície do sistema corresponde um aumento da sua
energia interna. (Isto tem alguma analogia com a compressão dum gás, que
também causa um aumento da sua energia interna).
Torna-se assim claro que devido à tensão superficial as fases líquidas
tendem a minimizar a sua área superficial, pois trata-se de minimizar a
sua energia. Por isso as gotas são redondas, as bolhas de gás na água são
redondas, as bolas de sabão são redondas, etc. É que a configuração com
34
líquido γ líquido γ
BCl3 16.7 C 6 H6 28.88
C2 H5 OH 22.03 AlCl3 39.5
(CO3 )2 CO 23.7 H2 O 72.583
C6 H12 26.54 Hg 471.6
CHCl3 27.1
35
Figura 4.7: Variação da tensão superficial com a temperatura para alguns
líquidos. [7]
36
H2 O Hg
4.2.2 Capilaridade
Num tubo de vidro de raio interno pequeno (tubo capilar) com um extremo
mergulhado numa tina, a água sobe para um nível mais alto do que na tina.
Pelo contrário, o mercúrio ficará a um nível mais baixo no tubo capilar de
vidro do que numa tina. Figura 4.8. Este é o fenómeno da capilaridade,
e está directamente relacionado com a tensão superficial. Consideremos o
caso dum líquido com ângulo de contacto θ, densidade ρ e tensão superficial
γ, que sobe até uma altura h num tubo capilar de raio r. Figura 4.9. A
tensão superficial deve fornecer a força capaz de aguentar o peso do fluído
que sobe no tubo. O perímetro da superfície do líquido está em contacto
com o vidro. O líquido exerce forças de tensão superficial sobre o vidro,
ao longo deste perímetro, forças que são tangenciais à superfície do líquido.
Nesta situação, o vidro exerce forças iguais mas opostas (terceira lei de
Newton, pois) sobre o perímetro da superfície do líquido, que são as forças
ilustradas na Figura 4.10. Sobre cada comprimento Δ� é exercida uma força
de magnitude |f�| = γΔ�, fazendo um ângulo θ, igual ao ângulo de contacto,
com a vertical. Deve ser claro que as componentes horizontais dessas forças
f� se anulam mutuamente, e portanto a resultante da força que o vidro exerce
para sustentar a subida da água no tubo é |F� | = 2πrγ cos θ. O factor cos θ
projecta a componente vertical das forças, e 2πr é o perímetro em contacto
com o vidro (o comprimento da soma dos Δ� da Figura 4.10). Por outro
lado o fluído que subiu no tubo capilar pesa ρπr2 hg. Logo
2γ cos θ
2πrγ cos θ = ρπr2 hg ⇒ h = (4.3)
ρgr
Esta última igualdade é conhecida como a lei de Jurin.
37
→
F
r θ → r θ → θ
f f
r
h h h
→
P
a) b) c)
Figura 4.9: a) Subida dum líquido num tubo capilar. b) As forças de ten-
são superficial, f�, devem equilibrar o peso do da coluna de líquido. c) A
resultante vertical das forças de tensão ao longo do perímetro do tubo vale
|F� | = 2πrγ cos θ. O peso vale |P� | = πr2 hρg. |P� | = |F� | na situação de
equilíbrio.
θ
f�
Δ�
Figura 4.10: Forças de tensão superficial que o vidro exerce sobre o perímetro
da superfície da água em contacto com o vidro, que são iguais e opostas às
forças de tensão superficial que a água exerce sobre o vidro.
38
θ
R
θ
r
A
h
C
B
4.3 Interfaces
4.3.1 Tensão interfacial
É habitual usar o termo tensão superficial quando estamos a tratar dum lí-
quido exposto ao ar, ou em equilíbrio com o seu vapor (as duas coisas podem
6
Pela forma que foi deduzida, conclui-se que esta relação é válida se a superfície tem
uma curvatura esférica. No caso de outras superfícies curvas a relação entre as pressões
dos dois lados da interface é modificada, mas o lado côncavo tem sempre a pressão mais
alta.
39
A A
α α
WCα
A
2γ cos θ
(ρ − ρ� )gh =
r
Enquanto que a eq (4.5) mantém se.
WCα = 2γ α (4.6)
40
A A
β β
WAαβ
A
α α
ΔG = (γ β + γ αβ − γ α )A
S = γ α − γ β − γ αβ (4.8)
41
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
A
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
�
�
�
�
�
�
�
�
β
�
�
�
�
�
�
�
�
�
�
�
�
�
β
�
�
�
�
�
�
�
�
�
�
�
α α
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
� � � � � � � � � � � � � � � � � �
→
Fαβ →
β
Fα
→
α Fβ
γα , e puxada para dentro pelas forças F�β e F�αβ , devido às tensões das
interfaces β-ar e β-α. O líquido β espalhar-se-á sse Fα > Fβ + Fαβ . Dada a
relação entre tensão superficial e força, eq.(4.1), esta condição é equivalente
a S > 0.
S é o coeficiente de espalhamento. Na situação descrita α designa-se por
substrato.
É evidente que maiores e menores valores de coesão e adesão vêm reflec-
tidas nos valores das tensões interfaciais.
Valores de tensões e coeficientes de espalhamento para vários líquidos
sobre água estão na Tabela 4.2.
Por vezes surgem situações um pouco mais complicadas, um bom exem-
plo é dado pela evolução duma gota de benzeno colocada sobre água. Os va-
lores das tensões superficiais para água e benzeno puros são γ α = 72,5 mN/m
e γ β = 28,9 mN/m, respectivamente. A tensão interfacial é γ αβ = 35,0 mN/m.
Desta forma o coeficiente de espalhamento será:
S = γ α − γ β − γ αβ = 8,6 mN/m.
42
→
Fβ
→
θ → θ Fα
β Fαβ
α
θ Δ A cos θ
α ΔA
Figura 4.17: O líquido β avança sobre o sólido α e cobre uma área adicional
ΔA. Ao mesmo tempo a área da superfície β-ar apenas aumenta ΔA cos θ.
S = γ α − γ αβ − γ β cos θ. (4.9)
ΔG = SΔA,
43
onde S é o coeficiente na eq.(4.9).
Na realidade, se a tensão superficial dum líquido em contacto com um
gás é relativamente fácil de medir, já o mesmo não se passa para as tensões
das superfícies dos sólidos. Quer dizer, na expressão (4.9), a tensão γ β é
a única facilmente determinável por medição directa. Por outro lado, no
caso de se verificar um equilíbrio estático, i.e ser S = 0, uma vez conhecidas
a tensão γ β e o valor do ângulo θ, podemos então determinar o valor da
diferença γ α − γ αβ , pois nessa situação
γ α − γ αβ = γ β cos θ
Deve ser notado que estes resultados serão aplicáveis quando a gota
líquida é pequena, de modo a podermos desprezar o efeito do seu peso (como
fizemos).
44
Capítulo 5
Adsorção
45
90
80
c Δγ
Γ=− (5.1)
RT Δc
46
(o que já vimos teria também efeito sobre a tensão superficial). É por isso
conhecida como a isotérmica de Gibbs.
O sinal negativo em (5.1) confirma o que sabemos: Se a tensão superficial
diminui com o aumento da concentração, então a fracção Δγ Δc é negativa.
Assim a adsorção Γ é, neste caso, positiva, e vice-versa.
No caso de soluções aquosas vimos até aqui dois casos bem distintos:
um electrólito (sal) que aumenta (um pouco) a tensão superficial em relação
à água pura, e um caso típico duma molécula orgânica polar, solúvel em
água (ácido acético), onde a tensão superficial diminui, de forma moderada,
com a concentração do soluto. Existe uma terceira categoria de substância
no que diz respeito à sua acção sobre a tensão superficial da água. São
substâncias que, a serem adicionadas à água, ainda que em pequena concen-
tração, fazem diminuir drasticamente a tensão superficial. São denominados
de agentes tensoiactivos, (também escrito como tensoativos), ou surfactan-
tes (surface active agents = surfactants). Estes serão tema dum capítulo
próprio dedicado.
47
Figura 5.2: Silica gel [8].
superfície da sílica. Resulta então desta grande área superficial uma grande
capacidade para secar o ar - daí a sua utilidade comum como dessecante.
Bons adsorventes sólidos devem então ter grandes áreas de superfície.
Destacam-se, para além da sílica gel, os zeólitos - silicatos de alumúnio,
naturais ou sintéticos, e diversas formas de carbono activado - carvão tratado
por forma a maximizar a sua área superficial/capacidade de adsorção. A
figura 5.3 é uma imagem dum zeólito obtida num microscópio electrónico.
Ilustra bem como a superfície é grande.
Aumentar a pressão, e/ou diminuir a temperatura, aumenta a quanti-
dade de gás adsorvido. A Figura 5.4 representa o volume de azoto adsorvido
por 1 g de carvão como função da pressão. Cada curva corresponde a uma
temperatura diferente. Estas curvas denominam-se isotérmicas de adsorção.
O aumento da adsorção com a diminuição da temperatura indica-nos,
através do princípio de Le Châtelier - Braun, que trata-se dum processo
exotérmico (o contrário seria absurdo, pois. . . ) O calor libertado diz-se
calor de adsorção (pois claro). Com base nos valores desta energia libertada
no processo distinguimos dois mecanismos distintos de adsorção.
48
Figura 5.3: Zeólito ao microscópio electrónico [9].
49
gás Volume Ponto de
adsorvido ebulição (K)
SO2 380 263,1
NH3 181 239,7
HCl 72 188,1
CH4 16,2 111,7
O2 8,2 90,2
H2 4,7 20,3
Tabela 5.1: Volume (em ml) de adsorção física de gases por 1 g de carvão a
15o C e 1 atm, e respectivos pontos normais de ebulição [10].
Uma vez que as forças envolvidas são de Van Der Waals, não surpreende
que, sendo iguais a temperatura, pressão e adsorvente, são mais adsorvidos
os gases que mais facilmente são liquefeitos. Este facto é verificado nos
dados da Tabela 5.1. Vemos que os gases mais facilmente liquefeitos, isto é
com as maiores forças de coesão de Van der Waals entre as moléculas, são
os mais fortemente adsorvidos. A adsorção física é geralmente um processo
reversível - se reduzirmos a pressão dar-se-á a desorção percorrendo a mesma
curva isotérmica, agora em sentido inverso.
Na adsorção química, a energia libertada é superior, da ordem de 40 -
500 kJ, e até mais, por mole de gás adsorvido, correspondendo ao estabele-
cimento de ligações químicas entre gás e sólido. Assim não se observa senão
em gases e sólidos capazes de reagir, e a temperaturas suficientemente altas
para activar a reacção. Este processo não é reversível.
50
Figura 5.5: Isotérmicas de adsorção: (a) - de O2 sobre carvão a 90 K, e (b)
- de N2 sobre sílica gel a 77 K. (De [12]).
v = kpa , (5.2)
51
bem, sendo por isso muito aplicada. Tomando logaritmos à equação (5.2)
obtemos
ln v = ln k + a ln p. (5.3)
Nesta forma representa uma recta num gráfico ln v vs. ln p, bastando
dois pontos para a determinar. Veja um caso na secção 5.2.2, Figura 5.9.
Outra equação para a forma das isotérmicas do tipo I foi deduzida a
partir de algumas suposições simples por Langmuir6 em 1916, e tem a forma
bp
v=k , (5.4)
1 + bp
52
estado líquido do adsorvato. Assim não surpreende que na adsorção física se
possam depositar uma segunda, terceira,. . . camada sobre a primeira. Nesta
situação a forma das isotérmicas de adsorção é outra. Na Figura 5.5 (b) a
adsorção do N2 sobre sílica gel é de camada múltipla. A seguir à deposição
duma primeira camada de moléculas sobre o sólido, se aumentarmos mais
a pressão, tem lugar a deposição de mais moléculas do gás sobre a primeira
camada, e assim continua a aumentar o volume de gás adsorvido. As iso-
térmicas resultantes, ditas do tipo II, são as mais típicas para a adsorção
física.
Estas isotérmicas de adsorção em múltiplas camadas são descritas por
uma expressão analítica devido a Brunauer, Emmett e Teller8 - a isotérmica
BET [?]. A equação BET é:9
p 1 c−1 p
= + (5.5)
v(p0 − p) vm c vm c p0
53
5.5 (b) e da Figura 5.6 (a). A nossa hipótese é que E1 >EL - a adsorção
é energeticamente mais favorável do que a condensação (numa linguagem
menos científica, as moléculas do gás gostam mais do sólido do que umas
das outras). Neste caso c > 1 na eq. (5.5). Ora, quando c > 1 o gráfico v vs.
p obtido a partir da equação tem precisamente a forma em “S” característica
que acabamos de explicar.
Note-se que o aumento da pressão até valores vizinhos de p0 implica que
se passa dum processo de adsorção para um processo de condensação do gás.
é por isso que o volume do gás depositado no sólido começa a divergir. . .
Existe outra possibilidade. Se a atracçãoo das moléculas do gás umas
pelas outras for maior do que a sua atracção à superfície do adsorvente, en-
tão tenderão a convergir sobre moléculas já adsorvidas, e não tanto sobre a
superfície ainda livre do sólido. Quer dizer, não há qualquer abrandamento
no processo de adsorção devido ao esgotamento de superfície livre do adsor-
vente. Antes pelo contrário, o desparecimento dessa superfície é favorável a
uma adsorção ainda maior! Assim devemos esperar uma curva como o da
Figura 5.6 (b). Após esta explicação não deve ser surpreender que o gráfico
correspondente à eq.(5.5) tem esta forma no caso em que c < 1. Isto é
quando a condensação liberta mais calor do que a adsorção (E1 < EL ).
Novamente, ao chegarmos a p0 o gás irá-se condensar. . . (restando apenas
vapor suficiente para manter a pressão de saturação p0 , claro).
Convém resumir estes resultados em poucas palavras:
54
II
Volume adsorvido
Volume adsorvido
III
vm vm
p0 p0
Pressão Pressão
(a) (b)
Figura 5.6: Isotérmicas BET. (a) Isotérmica do tipo II, aqui usei c = 25 na
eq. (5.5). (b) Isotérmica do tipo III, agora usando c = 0,25. Em qualquer dos
casos quando o gás aproxima-se das condições necessárias à sua condensação,
p = p0 para a temperatura considerada, o fenómeno de adsorção dará lugar
à condensação do líquido.
55
(a) (b)
56
Figura 5.9: Curvas de adsorção de ácido acético sobre carvão. I - Gráfico
v vs. c, que obedece bem à equação (5.6). II - Gráfico ln v vs. ln c, que
apresente uma forma linear. (De [10].)
v = kca , (5.6)
57
Capítulo 6
Agentes tensioactivos
6.1 Generalidades
Considere a seguinte experiência, facilmente realizável. Deitam-se umas
gotas de azeite sobre água numa tina. O azeite irá lentamente espalhar-se
sobre a superfície da água. Já sabemos (secção 4.3.2) que isto deve-se a um
valor positivo do coeficiente de espalhamento, eq. (4.8). Neste caso os valores
das tensões são, aproximadamente, em mN/m, 73 para a superfície livre da
água, 36 para a superfície livre do azeite, e 23 para a interface água-azeite,
supondo a temperatura ambiente. Resulta S = 73 − 33 − 23 = 17 > 0, e
dá-se o espalhamento.
Mas se acrescentarmos à água uma pequena quantidade (uma gota bas-
tará) de detergente, o azeite torna a juntar-se numa pequena área da su-
perfície. O espalhamento é invertido. Devido a um grande abaixamento na
tensão superficial da água, causado pelo detergente, deixou de ser favorável
a substituição de uma superfície água-ar pelas duas superfícies azeite-ar e
azeite-água. Na realidade, a dissolução duma pequena quantidade de deter-
gente bastará para diminuir a tensão na superfície água-ar para um cerca
de 25 ou 30 mN/m. É de referir que ao mesmo tempo a tensão na interface
água azeite também vai diminuir muito - para menos de 5 mN/m. Vemos
que ainda assim o coeficiente S passa ser negativo (a tensão azeite - água
não é afectada).
Às substâncias que têm a acção de diminuir a tensão superficial de forma
importante, mesmo estando presentes em pequenas quantidades, chamamos
agentes tensioactivos,1 ou surfactantes (de surface active agents). Os agen-
tes tensioactivos por excelência são os detergentes, pelo menos enquanto
o solvente em questão é água. Suporemos ser este o caso ao longo deste
capítulo. Outro exemplo de tensioactivo são os sabões.
A sua acção sobre a tensão superficial, por contraste com as substâncias
que consideramos até agora, está ilustrada esquematicamente na Figura 6.1.
1
Também escrito como tensoativos, mas não aqui. . .
58
γ
I
II
III
Aí vemos o caso dum electrólito (tipo NaCl), duma molécula orgânica polar
típica (tipo ácido acético), e também dum agente tensioactivo. Por vezes as
substâncias com estes efeitos sobre γ classificam-se do tipo I, II e III, respec-
tivamente. Note-se que até pequenas concentrações do tensioactivo causam
uma redução importante na tensão. Por outro lado, uma vez atingido um
valor relativamente baixo de γ, aumentar a concentração do tensioactivo já
não reduz significativamente mais a tensão.
γ α = γ αβ + γ β cos θ,
γ α − γ αβ
cos θ = . (6.1)
γβ
Seja água a fase líquida β, e α um sólido qualquer à qual a água não
adere muito. Por isso o ângulo θ é relativamente grande. Mas torna-se claro
pela equação que uma redução do valor de γ β resultará num aumento do
cos θ, o que corresponde a uma redução do ângulo θ. Aliás, quando o lado
direito de (6.1) tender para 1, o ângulo de contacto tende para 0, e a água
espalha-se cada vez mais. Adere cada vez melhor à superfície. Molha-o cada
vez mais. É claro que quando o lado direito de (6.1) ultrapassar a unidade,
a igualdade não é mais possível. Isto é equivalente a ter θ = 0.2
2
Talvez valha a pena notar que a diminuição da tensão superficial da água dá-se também
59
Este efeito da adição dum detergente à água é tem um resultado essenci-
almente mecânico: ao permitir um melhor contacto água - objecto, facilita
a lavagem deste.
60
ar
Cabeça Cauda
´
hidrofilica hidrofobica
´ água
(a) (b)
6.3 Micelas
Ao contrário do que talvez esperaríamos, os detergentes não são muito so-
lúveis em água, não no sentido habitual. Na realidade, em baixa concen-
tração dá-se a solução normal das moléculas de detergente em água, mas
quando a concentração começa a aumentar, as caudas hidrofóbicas come-
çam a encontrar-se, e preferem unir-se umas às outras do que à água. O
3
A união de gotículas pequenas reduz a superfície, e portanto é favorecida. Mas se a
tensão for muito reduzida, é muito menos favorecida.
61
Figura 6.4: Representação de micela formada por moléculas dum agente
tensioactivo (esquerda), e um nanotubo de carbono solubilizado pelo tensi-
oactivo. De [15].
62
Figura 6.5: A concentração de solução molecular estabiliza, e formam-se
cada vez mais micelas, a partir da cmc. Figura de [19].
63
Figura 6.6: Solubilização dos fosfolípidos e proteínas da membrana celular
levam à morte das bactérias. De [17].
64
Capítulo 7
65
+ − − + − − −
+ − − +
− + +
+
− + − − −
metal
+ −
− −
+ + + +
+ − + −
− − + +
+
− − +
+ − −
Camada ~
Soluçao
Camada difusa neutra
de Stern
´ de
Superficie
deslizamento
de carga (C/m 3)
Densidade
0
x
se para mais longe da interface, como uma nuvem com carga. Esta zona
é denominada de camada difusa. A concentração de iões negativos nesta
camada difusa vai diminuindo com o afastamento da interface, até se tornar
igual ao do volume da solução neutra.
Simultaneamente, nesta zona da camada difusa haverá um defeito de iões
positivos em solução, devido à repulsão electrostática sobre eles exercida.
Claro que, à medida que nos afastamos da interface a concentração de iões
positivos vai aumentando até se tornar igual ao do volume da solução neutra.
Se tivéssemos considerado o metal negativamente carregado, tudo se pas-
saria da mesma forma, com as óbvias trocas de sinal adequadas. Mais ainda,
uma das fases não precisa de ser metálica para a nossa descrição da distribui-
ção de cargas do lado da solução ser válida. Basta haver carga na superfície
sólida, que veremos, aparece na consequência de vários mecanismos.
Nesta altura será elucidativo consultar as Figuras 7.1. Creio que é óbvio
como se modifica a situação (e as figuras) para o caso duma substância
cuja carga superficial é negativa, com os iões positivos da solução a serem
atraídos à interface.
66
����������
�������� ����������
��������
F
����������
�������� ����������
��������
����������
��������
����������
�������� ����������
��������
����������
��������
��
����������
�������� ��
����������
��������
��
����������
�� ��
����������
��
����������
�� ����������
��
+ ����������
��
����������
− − ����������
��
����������
+
67
Figura 7.3: Uma partícula com carga negativa e a respectiva companhia
positiva, em camada fixa e móvel. . . De [18].
68
O último fenómeno electrocinético que descreveremos é o aparecimento
do potencial de sedimentação. Este é o inverso da electroforese.
No caso da suspensão que estamos a considerar, se as partículas forem
suficientemente grandes e densas, ao fim de algum tempo irão sedimentar
sob o efeito do campo gravítico. A camada difusa tende a ficar para trás, na
solução, enquanto a fase suspensa sedimenta, levando consigo a sua carga
(e a da camada fixa). O resultado é o aparecimento duma ddp entre o
sedimento e a solução, dito potencial de sedimentação.
69
Bi +16 Au −58
Pb +18 Fe(OH)3 +44
Fe +28 As2 S3 −89
Ag −32
70
quando sabemos o pH a que corresponde. Como exemplo disto, é interes-
sante notar que nos meios ácidos as proteínas tenderão a ter ζ > 0, e nos
básicos ζ < 0. Existirá ainda uma pH para o qual ζ = 0, denominado de
ponto isoeléctrico. O ponto isoeléctrico é diferente para diferentes proteínas,
assim como a relação entre a variação do ζ e do pH. Assim torna-se um
meio valioso de identificação, e até de separação de proteínas, recorrer à
electroforese utilizando o pH como meio de controlar o potencial zeta.
71
Capítulo 8
Colóides
8.1 Introdução.
Um sistema onde uma substância está disseminada através de todo o vo-
lume de outra, sob a forma de partículas finas, chama-se dispersão. Em
geral consiste de duas (ou mais) fases - fase dispersa e fase dispersante. As
dispersões são portanto sistemas heterogéneos. Os colóides, ou sistemas co-
loidais, são dispersões em que as partículas da fase dispersa têm dimensões
entre as 10−9 m e 10−6 m.1 De forma “coloquial”, diz-se que as dispersões
coloidais são dispersões intermédias entre as soluções verdadeiras e os sis-
temas heterogéneos, em casos onde as partículas dispersas são maiores do
que as moléculas mas não suficientemente grandes para se depositarem pela
acção da gravidade. Devido ao reduzido tamanho das partículas que com-
põem a fase dispersa, a área superficial dessa fase é muito elevada, podendo
atingir centenas e até milhares de m2 /g. É esta tremenda interface que
determina os comportamentos específicos aos sistemas coloidais; em parti-
cular é de esperar que os processos de adsorção tenham grande importância
nestes sistemas, e que as duplas camadas eléctricas sejam importantes na
compreensão das suas propriedades.
Para ter uma melhor ideia do que estamos a falar, é interessante o se-
guinte texto extraído de [20] (Ortografia original):
Colóides no dia-a-dia
Sistemas coloidais estão presentes em nosso cotidiano desde as
primeiras horas do dia, na higiene pessoal, sabonete, xampu,
pasta de dente, espuma, creme de barbear, maquiagem, cosméti-
cos, no café da manhã, no leite, café, manteiga, cremes vegetais
1
Estes limites são apenas indicativos, não absolutos.
72
e geléias de frutas. No caminho para o trabalho podemos en-
frentar neblina, poluição do ar ou ainda apreciar a cor azul do
céu, parcialmente explicada pelo espalhamento Rayleigh da luz
do Sol ao entrar na atmosfera contendo partículas de poeira cós-
mica atraídas pela Terra (Walker, 1989). No almoço, temperos,
cremes e maionese para saladas. No entardecer, ao saborear cer-
veja, refrigerante ou sorvete estamos ingerindo colóides (Jafelicci
e Varanda, 1999). Os colóides também estão presentes em diver-
sos processos de produção de bens de consumo, incluindo o da
água potável, nos processos de separação nas indústrias de bio-
tecnologia e no tratamento do meio ambiente. Os fenômenos co-
loidais são encontrados com freqüência em processos industriais
como de plásticos, borrachas, tintas, detergentes, papel, análise
do solo, produtos alimentícios, tecidos, precipitação, cromato-
grafia, troca iônica, flotação, catálise heterogênea. São também
muito importantes os colóides biológicos, tais como o sangue, o
humor vítreo e o cristalino (Licínio e Delaye, 1987). Em medi-
cina terapêutica ortomolecular, conhecimentos de propriedades
de sistemas coloidais podem auxiliar na elucidação de doenças,
como o mal de Alzheimer (Lomakin et al., 1997), o mal de Par-
kinson (Conway et al., 2000) e o mal de Huntington (Heiser et
al., 2000). Acredita-se que o processo de agregação de proteí-
nas decorrente de alguma deformação em sua estrutura, quando
ocorre na região cerebral, cause os sintomas dessas doenças de-
generativas.
8.2 Classificação
Os sistemas coloidais classificam-se de acordo com os estados físicos dos
meios dispersantes e dispersos. Todas as combinações são classificadas, me-
nos o caso gás-gás, que nem faz sentido neste contexto.
Quando a fase dispersante é fluída temos um sol. Em particular, tratando-
se dum gás é um aerossol. Os nevoeiros são exemplo de líquido disperso no
ar. Já os fumos consistem de aerossóis com fase dispersa líquida e/ou sólida.
Quando ambas as fases são líquidas, o sol receb o nome emulsão, de que é
exemplo a maionese.
Também há casos onde a fase dispersante é sólida. Se a fase dispersa
for líquida tratasse dum gel. Exemplos são a gelatina (claro), o queijo, a
manteiga e as opalas (estas são SiO2 com água e outros minerais dispersos).
Quando um gás está disperso num líquido temos uma espuma. É de notar
que neste caso as dimensões das bolhas são habitualmente superiores, por
vezes muito, a 10−6 m. Todavia, a distância entre as bolhas é tipicamente
73
Sistemas Fase Dispersa
Coloidais
Gás Líquida Sólida
aerossol líquido aerossol sólido
Gás Não há (nevoeiro, (fumo)
Fase neblina)
espuma sol/emulsão sol
Líquida (chantilly) (maionese) (tinta,
Dispersante sangue)
espuma sólida gel sol sólido
Sólida (esferovite) (gelatina,
opala)
muito menor que isso, levando a que a área interfacial seja da ordem típica
dos colóides, justificando a classificação de espumas como sistemas coloidais.
O que se passa neste caso é que há uma grande área interfacial não tanto pela
fina divisão da fase dispersa (bolhas de gás são "grandes"), mas sim porque
a fase dispersante é, em grande parte, interface (existindo essencialmente
como paredes das bolhas). Existem também espumas sólidas, em que a fase
dispersante é sólida, como a pedra pomes e a esferovite.
Esta classificação está resumida na tabela 8.1
Isto é tudo muito interessante, mas o que queremos aqui focar são es-
sencialmente colóides onde a fase dispersante é líquida (um meio aquoso
na maior parte dos casos) e a fase dispersa é sólida ou líquida, i.e. sóis e
emulsões.
74
são as micelas dos detergentes/sabões em água: Como já vimos no capí-
tulo 6, em baixas concentrações estas moléculas, obviamente de dimensões
subcoloidais, formam uma solução normal em água. Porém, ao aumentar a
concentração para lá da concentração micelar crítica, formam-se em abun-
dância as micelas - grandes aglomerados das moléculas do tensioactivo que
já têm dimensão coloidal.
Um caso particularmente interessante é o da gelatina em água. Esta
proteína, solúvel em água, forma um sol liofílico típico a temperaturas altas.
Mas, ao arrefecer a mistura, formam-se ligações (de Van der Waals) entre
as moléculas de gelatina ao longo de todo o sistema, formando uma espécie
de rede compartimentada que retém toda a água. Nesta altura já se trata
dum gel - a água e a proteína trocaram de papel - agora é água dispersa na
gelatina sólida dispersante.
Os colóides liofílicos são termodinamicamente estáveis. A fase suspensa
gosta de estar dispersa pela fase dispersante. Neste aspecto são, como já
referi, como soluções comuns. Não há verdadeira distinção entre as fases e
consequentemente não há razão para a fase dispersa tender aglomerar para
minimizar a energia interfacial. Não se dá espontaneamente a separação.
75
É também esta a acção da albumina do ovo no fabrico da maionese. Nesta
situação a proteína é um emulsionante - permite a formação/estabilização
da emulsão maionese - que é uma mistura de água e óleo impraticável sem o
emulsionante. São inúmeros os exemplos da importância dos emulsionantes
para as indústrias alimentar e farmacêutica. Basta ler as letras pequenas
dos rótulos. . .
Estes sistemas coloidais são caracterizados pelas grandes áreas interfa-
ciais. Como sabemos, nestas interfaces interessa considerar a tensão, cargas
e adsorção. Esta última é um meio que temos de controlar as duas primeiras
propriedades, para dotarmos os colóides das propriedades que desejamos.
76
Capítulo 9
Difusão
Precisamos de saber o que são fluxo, e gradiente, para isto significar alguma
coisa.
O fluxo é a quantidade de “algo” que passa pela unidade de área na
unidade do tempo. Não sei se esta definição ajudou. Imaginemos uma
torneira de água com uma saída de área 1 cm2 . Se ao fim de 100 s a água
saindo da torneira tiver enchido um recipiente com 10 � de volume, podemos
então calcular o fluxo:
• Área = 1 cm2 .
• Tempo = 100 s.
10 kg de água
Fluxo =
1 cm2 de área × 100 s
= 0, 1 kg de água/cm2 · s
77
onde usamos o facto de um litro de agua ter 1 kg de massa. Neste exemplo
o “algo” foi medido em kg. O mesmo luxo poderia ter sido exprimido como
0,1 � de água/cm2 ·s O fluxo seria então encarado como um fluxo de volume
em vez dum fluxo de massa. E sem mais comentário, o mesmo fluxo pode
ser expresso na forma 5,56×105 mol/m2 ·s. Mostrar que assim é fica como
um exercício simples.
Os fluxos podem ser de matéria, como o exemplo anterior, mas outros
exemplos importantes são carga eléctrica - a intensidade da corrente resulta
proporcional ao fluxo, calor - condução de calor é fluxo de energia térmica,
e muitos outros. Como aqui estamos a considerar difusão de matéria, em
geral mediremos o “algo” em moles, e as unidades SI do fluxo são mol/m2 ·s.
Quanto ao gradiente, este significa variação espacial, isto é, como varia
dum lugar para outro. No caso que nos interessa, a concentração, vou exem-
plificar considerando uma situação um pouco idealizada. Suponhamos que
temos 2 recipientes, um com 1 � de água pura, outro com um litro de solução
de NaCl, contendo uma mole do soluto. Agora ligamos os dois por um tubo
com 1 cm de comprimento. Num extremo do tubo a concentração de sal é
nulo. No outro extremo é 1 mol/dm3 . A variação espacial da concentração
ao longo do tubo é então
Δc 1 mol/dm3
=
Δx 1 cm
(Deve ser notado que teríamos aqui mol/m4 em unidades SI). Se conside-
dc
rarmos o limite em que Δx → 0, a fracção torna-se na derivada dx . Para
problemas em que consideramos haver variação em apenas uma direcção, a
palavra “gradiente” significa derivada1 .
Claro está que a situação acima descrita não se vai manter. O sal co-
meçará a difundir para dentro da água pura a partir da solução. O que a
primeira lei de Fick nos diz é precisamente que a “velocidade” dessa migra-
ção (o fluxo) será proporcional ao gradiente da concentração. Isto é quase
óbvio. Se, na situação acima descrita, a concentração de sal na solução fosse
10 vezes superior, esperaríamos que houvesse 10 vezes mais moléculas de sal
a atravessar o tubo de ligação por unidade de tempo.
Em matematiquês a 1a lei de Fick escreve-se
dc
J = −D , (9.1)
dx
dc
onde J é o fluxo, dx é o já amplamente explicado gradiente da concentração, e
D é a constante de proporcionalidade entre estas duas coisas, que chamamos
de coeficiente de difusão. Demonstre para si próprio que as unidades de
D, no SI, são m2 /s. Mas será mais vulgar aparecer-nos em cm2 /s. O
1
Na verdade o gradiente é definido na matemática como uma generalização para três
dimensões do conceito da derivada. Fica a nota apenas.
78
fluxo no sentido
J>0
positivo
c
dc < 0 ’gradiente’
dx negativo
x
xA xB
sinal negativo deve ser óbvio, mas também será explicado. . . Consideremos
a Figura 9.1. Ilustra uma hipotética solução com variação de concentração
bem visível. Por baixo, num gráfico temos a concentração, representada
como função da posição. O declive da tangente à curva em cada ponto é o
dc
valor de dx nesse ponto. Está visto que no caso da Figura 9.1 as moléculas
(pontinhos) vão difundir da esquerda para a direita: o fluxo será no sentido
dc
positivo. Mas a derivada dx é negativa. Assim temos o sinal negativo da
eq.(9.1): O fluxo é no sentido em que a concentração decresce. Por outro
lado, sendo mais inclinada a curva em xA do que em xB , a concentração está
a diminuir mais abruptamente no primeiro destes pontos. É claro então que
o fluxo de moléculas através da superfície em x = xA será superior ao fluxo
em x = xB .
79
Gás (0o C) Líquido (25o C) Sólido (20o C)
Espécies D (cm2 /s) Espécies D (cm2 /s) Espécies D (cm2 /s)
H2 - H 2 1,5 LiBr em H2 O 1,4×10−5 Bi em Pb 10−16
H2 - O 2 0,70 NaCl em H2 O 2,2×10−5 Sb em Ag 10−21
N2 - N 2 0,15 açúcar em H2 O 0,52×10−5 Al em Cu 10−30
O2 - CO2 0,14 N2 em H2 O 1,6×10−5
CO - C2 H4 0,12
Xe - Xe 0,05
para os casos em que há difusão no meio sólido (um fenómeno que pode ter
importância sobretudo no interior dos metais), o coeficiente de difusão será
muito menor, correspondendo à tremenda lentidão desta difusão. Na tabela
9.1 apresentam-se alguns valores tirados de [12].
Confirmamos pelos valores no quadro a ordem de grandeza do coeficiente
de difusão para os diferentes estados físicos do meio. Também é notório
que o hidrogénio tem uma difusão muito mais rápida do que o Xénon, por
exemplo. É importante notar que para cada par de espécies gás-gás, só é
dado um coeficiente. A razão para isto, não óbvia, é que para a difusão de
O2 em CO2 consideramos o mesmo valor para o coeficiente de difusão que
para a difusão do CO2 em O2 . São recíprocos.2 Não é de surpreender que
a difusão do hidrogénio em oxigénio seja muito rápida. Pode não ser tão
claro que o oxigéniodeva difundir muito rapidamente em hidrogénio. Mas
é preciso não esquecer que uma molécula de hidrogénio não é uma barreira
significante para um molécula de oxigénio. Daí a difusão fácil.
Após estas considerações interessantes sobre gases e sólidos, convém no-
tar que aqui estamos mais interessados na difusão de moléculas através de
meios líquidos.
80
resolve.3 Agora que já olharam para equação de difusão, podem esquecê-la,
até “um dia”.
Quando abordamos a primeira lei de Fick, o que estávamos a ver era uma
‘fotografia instantânea’ do gradiente da concentração, como na Figura 9.1.
Mas passado algum tempo, devido à própria difusão, a concentração vai se
tornando mais uniforme. O fluxo deve ir diminuindo. Finalmente deve che-
gar um instante em que a difusão completou o seu trabalho - a concentração
é uniforme, e não há fluxo resultante. É desta evolução da concentração com
o passar do tempo, e consequentemente do fluxo de matéria, que dá conta
esta eq. de difusão.
Consideremos o seguinte problema: Um cano longo e de pequeno diâme-
tro está cheio de água. No instante t = 0 introduzimos uma certa quantidade
de açúcar (N moles), num certo ponto x0 .
Resolver a equação de difusão para esta situação resultará na seguinte
expressão para a concentração como função do tempo t, e da posição x, ao
longo do cano:
N 1 (x−x0 )2
c(x, t) = √ e− 4Dt . (9.2)
A 4πDt
Aqui A é a secção (área) do cano. Não nos preocupemos demasiado com o
aspecto da eq.(9.2). A representação gráfica tornará claro o seu significado.
Figura 9.2. Vemos que acontece exactamente o que seria de esperar: O
soluto começa a espalhar-se (leia-se difundir); com a passagem do tempo,
estará cada vez menos concentrado em torno do seu local de origem em
x = x0 , e cada vez mais espalhado. Na figura representa-se o perfil da
concentração para tempos de 1, 10, 100 e 1000 s. Vale a pena notar que a
área debaixo de cada curva é a mesma, e é proporcional ao número total
de moles de açúcar no cano, que não aumenta nem diminui em quantidade
total (apenas espalha-se). Uma situação essencialmente idêntica produz-se
no caso da difusão inicial dar-se num extremo do tubo, como por exemplo a
partir do fundo dum recipiente. Apenas com a diferença da difusão apenas
se dar num sentido, claro.
Lembrando a primeira lei de Fick, torna-se claro que a velocidade da
difusão (mais precisamente o fluxo de açúcar, neste caso), diminui à medida
que a concentração se vai uniformizando.
É importante notar que existe uma relação bastante simples entre o
tempo de difusão e a distância média alcançada pelas moléculas em difusão.
Algumas moléculas terão se afastado bastante do ponto inicial quando outras
ainda estão lá. Tomando o quadrado das distâncias viajadas pelas partículas
em difusão, e calculando o valor médio desses quadrados, obtemos um valor
3
A equação é, para o caso mais simples a uma dimensão,
∂c ∂2c
=D 2
∂t ∂x
81
que
� 2�
é representativo do alcance da difusão num instante t. Usando o símbolo
x para esta média dos quadrados das distâncias é válida a equação:
� �
x2 = 2Dt (9.3)
inicial, ao fim do tempo t.
82
t=1
t=10
t=100
t=1000
Concentração
x0
Posição
83
ocorrem no sentido determinado pela variação da concentração da espécie
em transporte/difusão. Como tal, o seu motor essencial é o aumento da
entropia (leia-se maximização da uniformidade). Ao contrário, o transporte
activo é feito contra o gradiente da concentração. Requer então dispêndio
de energia. Iremos considerar em pormenor a difusão simples.
84
δ
c1
Concentraçao
~
c2
Fluxo
c�1 c�
K= = 2
c1 c2
Para aplicarmos a primeira lei de Fick a esta difusão, há ainda uma
condição que temos de supor cumprida: No movimento da molécula de fora
da célula para dentro desta, é a difusão através da espessura da membrana
que é o processo lento, e não qualquer das passagens pelas duas interfaces
entre fases aquosas e lípidas. (O contrário violaria a hipótese da ‘plena’
85
δ
c1 Interior da
Concentraçao
~
c´1 celula
´
c2
c´2
Membrana
Fluxo
Figura 9.4:
Δc� c� − c�1
= 2
Δx δ
Δc� c� − c�1
J = −Dm = −Dm 2 ,
Δx δ
86
Este resultado final simples mostra-nos que, como talvez seria de esperar,
o fluxo na difusão simples acaba proporcional à diferença de concentrações
no exterior e interior da célula. O coeficiente desta proporcionalidade, Pm ,
depende então do coeficiente de difusão das moléculas através do meio lípido
no interior da membrana, do coeficiente de partição, K, e, claro, da espessura
da membrana através da qual se dá a difusão.
87
Capítulo 10
Osmose
10.1 Osmose
Osmose é a difusão espontânea dum solvente para uma solução
mais concentrada, da qual está separado por uma membrana
semipermeável.
88
açucar
����������
�������� ����������
��������
����������
�������� ����������
��������
����������
�������� ����������
��������
����������
�������� ����������
�������� h
����������
��������
���������� ����������
��������
��������
���������� �� ����������
�������� ��
��������
���������� �� ����������
��������
���������� �� ´ +
´
agua pura ��´agua pura
���������� ´
agua pura �� agua
����������
���������� �� ���������� �� açucar
���������� �� ���������� ��
´
Membrana semipermeavel ´
Membrana semipermeavel
(a) (b)
Figura 10.1: Osmose. (a) Inicialmente não há diferença no nível dos dois
lados, pois contêm ambos água pura. (b) Adicionando açucar ao lado direito,
é provocada a difusão de água para o lado da solução - onde a concentração
da água é menor.
89
1. É independente do solvente, do soluto e da membrana (desde que esta
seja verdadeiramente semipermeável).
πV � = nRT (10.2)
onde V � é o volume de solvente. É evidente que para concentrações realmente
baixas a distinção não tem importância. Na realidade ambas as equações
podem ser justificadas como aproximações válidas para soluções diluídas no
âmbito dum estudo termodinâmico da osmoe. Esse estudo, válido também
para situações de concentração mais elevada, escapa ao âmbito deste curso,
mas sendo importante qualificar os conceitos de ‘boas aproximações’ e ‘baixa
concentração’, apresenta-se a tabela 10.1, elucidativa sobre a validade das
teorias referidas.
Ainda usando como guia a analogia com gases de Van’t Hoff, concluímos
correctamente que no caso de haver dissolução electrolítica do soluto, a
pressão osmótica será superior. Por exemplo, se dissolvermos uma mole de
sal em água, teremos 2 moles de partículas em solução: os iões Na+ e Cl− . À
partida devemos esperar uma duplicação na pressão osmótica. Na realidade
90
Pressão osmótica (atm)
Molalidade experimental Morse Van’t Hoff termodinâmica
0,1 2,47 2,47 2,40 2,47
1,0 27,22 24,7 20,4 27,0
2,0 58,37 49,5 35,1 58,5
3,0 95,16 74,2 45,5 96,2
1
Para água do mar o factor será de 1,8.
91
Apêndice A
Algumas deduções
92
Integrando a expressão (A.1) descobrimos que
p(y) Mg
ln = (y − y0 )
p0 RT
que é outra forma de escrever a equação barométrica:
Mg
p(y) = p0 e− RT (y−y0 ) (A.3)
• Pela terceira lei de Newton, a força que o fluido exerce sobre a placa
é igual mas oposta à força que a placa exerce sobre o fluido.
93
y
D v0
F
v=0 x
Figura A.1: A força F� é exercida pela camada superior de fluido (azul claro)
sobre a camada mais escura.
y A
v(y + dy)
−F
v(y)
F
Figura A.2: A camada de cima, mais veloz, exerce a força F� sobre a camada
de baixo, mais lenta. Por sua vez, a camada de baixo exerce a força −F�
sobre a camada de cima. O valor das forças é dada pela relação A.2.1.
A Figura A.2 ilustra as forças mútuas (iguais e opostas) exercidas pelas duas
camadas de fluido em contacto que escoam a velocidades �v (y + dy) e �v (y).
Então uma camada fluida é arrastada para frente se estiver em contacto
com outra camada mais veloz, e puxada para trás se estiver em contacto com
outra camada menos veloz, e em qualquer das situações o valor da força é
dada pela expressão (A.2.1).
É claro que no interior do fluido uma força resultante é uma expressão
duma variação na pressão.
94
R
v(r + dr)
v(r)
r + dr
r
p1 p2
Fp
Fi
Fe ℓ
Figura A.3: Figura útil para analisar escoamento laminar num tubo. Expli-
cação no texto.
95
Como por hipótese as forças estão em equilíbrio - a velocidade do fluido
não muda com o tempo,
Fe = Fi + Fp (A.10)
Substituindo as expressões para estas forças dadas em (A.7), (A.8), e (A.8),
resulta, recordando que v � (r + dr) − v � (r) = v �� (r)dr
96
Usando a equação (A.15) e integrando resulta
1
Q = πR2 vmax (A.17)
2
Concluímos daqui que identificando vef = 12 vmax e A = πR2 , temos
Q = Avef (A.18)
πR4 (p1 − p2 )
Q= (A.19)
8�η
que é a mesma lei de Poiseuille. (No texto principal foi usado L enquanto
aqui usei � para o comprimento de tubo considerado).
97
Apêndice B
C
Solido
´ Liquido
´
t
Vapor
98
Solido
´ Liquido
´
p
0
Vapor
Tf Te
99
p
Solido
´ ´
Liquido
1 atm
Vapor
0 100 T (°C)
2
Quantitativamente o declive das curvas é dado pela equação de Clapeyron, mas não
aprofundaremos mais este assunto.
100
Bibliografia
[1] http://www.metoffice.gov.uk
[2] http://www.polatas.com.tr/seperator-pms405c-en.php
[3] http://cellbiologyolm.stevegallik.org/node/74
[4] Molecular Cell Biology, 7th ed, Harvey Lodish et al. WHFreeman 2012
[5] http://bricker.tcnj.edu/tech/BIOL311centrifugation.html
[6] D. Vella and L. Mahadevan, The ‘Cheerios effect’, Am. J. Phys. 73, 814
(2005)
[7] V.Kireev, Physical Chemistry, 2nd ed. Mir Publishers, Moscow, 1977.
[8] http://en.wikipedia.org/wiki/Silica_gel
[9] http://www.mrsec.umn.edu/seed/projects.shtml
[12] Ira Levine Physical Chemistry, 4th ed. McGraw Hill 1995.
[13] http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Teller
[15] http://www.cmm.upenn.edu/research/current/MM/main.html
[16] http://www.rsc.org/chemistryworld/Features/2005/May/Beyondcleaning.asp
[17] http://users.utu.fi/ansmal/puhdistus.html
[18] www.zeta-meter.com/5min.pdf
101
[20] http://pt.wikipedia.org/wiki/Colóide
102