Você está na página 1de 13

Comuna de Paris e a teoria da revolução em Marx:Do balanço na "Guerra civil

em França" às conclusões de Engels no "Testamento" de 1895

VALÉRIO ARCARY

Em 1895, pouco antes de sua morte, Engels reuniu sob o título de "As lutas de classe em
França" os artigos que Marx tinha redigido sobre a revolução francesa de 1848, e
escreveu a famosa Introdução que ficou conhecida como o seu testamento político: um
texto que associa um balanço de 1848 ao balanço da derrota da Comuna de Paris e se
encerra com uma reflexão sobre as possibilidades e perigos da experiência de cinco
anos de trabalho e atividade legal do SPD alemão. Nele, Engels retoma as apreciações
críticas que Marx tinha formulado no calor dos acontecimentos da Comuna sobre os
problemas da estratégia de luta pelo poder e apresenta algumas hipóteses novas.

A comemoração dos 130 anos da Comuna nos convida a refletir sobre o seu significado
histórico e sobre as lições que a primeira revolução operária que conquistou o poder,
ainda que de forma efêmera, nos legou, recuperando as conclusões que Marx e Engels
nos deixaram, mas recolocando, também, na perspectiva da História, o tema da
atualidade ou vigência do programa da revolução social anti-capitalista na aurora do
século XXI. A derrota dramática da Comuna teve, a seu tempo, incontornáveis
conseqüências para o movimento operário francês e para a vida da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT) - a I Internacional – porque, como sempre, as
derrotas históricas não passam impunemente: geram desânimo, desesperança e muita
dispersão e confusão. Mas das cinzas do massacre aos Comunnards, ao longo de um
intervalo de menos de duas décadas, nasceu e se reorganizou um novo movimento e a
corrente internacionalista, animada pela influência das idéias de Marx, viu a sua força
política se multiplicar por dezenas de países e o programa da revolução socialista veio a
ser assumido pela II Internacional e pelo mais influente partido no seu interior, o SPD
alemão.

A restauração capitalista já completada no Leste e na URSS, e o processo


essencialmente da mesma natureza que está em curso na China e em Cuba foram, na
última década, também, embora em uma outra proporção, uma derrota histórica. Diante
da derrota, no entanto, antes do que chorar, é preciso compreender. Neste ensaio
retomaremos o caminho que os fundadores do moderno movimento operário
percorreram diante da derrota histórica de sua época procurando inspiração para o
grande desafio do nosso tempo que ainda está por ser feito: diante da crise, reatualizar o
programa que o marxismo precisa apresentar diante das lutas e do novo movimento
anti-capitalista que nascerá da reorganização em curso.

Ocorre que um dos maiores perigos da investigação histórica é o anacronismo, sempre


anunciado, tantas vezes desprezado. Não é um erro incomum, porque é muito difícil o
pesquisador ou o militante se desembaraçarem das idéias do seu tempo: elas penetram o
universo de nossa reflexão, às vezes imperceptivelmente, e somos por elas conduzidos,
como crianças que brincando no mar, são arrastadas pela força das marés, e se
descobrem depois, surpreendidas, muito longe do local que na areia deveria ser o seu
ponto de referência. São uma parte inelutável do que nos define. Por isso, a perda do
sentido das proporções - que, em investigações históricas, se busca evitar recorrendo às
contextualizações e, inseparavelmente, ao método da comparação - é sempre um perigo.
A discussão sobre a teoria da revolução em Marx foi sempre, também por essa razão, a
força de pressão das ideologias do tempo presente, controversa.

Marx e a defesa da revolução permanente

Há que dizer, em primeiro lugar, que encontramos na teoria da revolução de Marx uma
reflexão histórica sobre o modelo da grande revolução francesa que teria revelado que
existem tendências internas à dinâmica dos processos revolucionários, que se
desenvolvem em permanência, conclusão que se traduzirá no Adresse de 1850 à Liga
dos comunistas, na defesa da necessária radicalização ininterrupta da revolução
democrática em revolução proletária, isto é, a perspectiva da revolução permanente:

"Mas essas reivindicações não podem satisfazer de nenhum modo ao


partido do proletariado. Enquanto os pequenos burgueses democratas
querem concluir a revolução o mais rapidamente possível,(...) os nossos
interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução
permanente até que seja eliminada a dominação das classes mais ou
menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o Poder do
Estado, até que a associação dos proletários se desenvolva, não só em
um país, mas em todos os países predominantes do mundo, em
proporções tais que cesse a competição entre os proletários desses
países, e até que pelo menos as forças produtivas decisivas estejam
concentradas nas mãos do proletariado. Para nós, não se trata de
reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de
atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se
trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma
nova."(grifo nosso)

Existe, entretanto, uma polêmica de interpretação histórica sobre as expectativas que


Marx mantinha, quando da redação do Adresse, em relação ao papel que a burguesia
poderia ou não cumprir no processo revolucionário então em curso, a última vaga da
revolução democrática no velho continente, mas já unida à primeira onda de
mobilização proletária independente. A leitura que parece ser mais amplamente
documentada e rigorosa nesta, como aliás, em outras controvérsias marxológicas é a de
Draper:

"The bourgeoisie refuses "to do its duty". We have seen with what
assurance Marx and Engels had predicted that the bourgeoisie had no
alternative to carrying through a political revolution that would put it in
power and introduce a constitutional-liberal regime. We have seen that
they were quite aware of how fainthearted this bourgeoisie was and how
much it feared the threat of the proletariat behind it; but this did not yet
lead them to conclude that the bourgeoisie might refuse to carry out its
historical task. It did suggest to them that the initial task of the
proletariat (or ''the people") might be to push the bourgeoisie from
behind. But one way or the other, the outcome was going to be "not what
the bourgeoisie merely want but rather what they must do. ''It was only
in the course of the revolution itself that they found out that the
bourgeoisie did not recognize the "must." (grifo nosso)
Ou seja, pelo menos durante os anos da revolução em 1848, alimentavam duas
perspectivas que estavam articuladas entre si: (a) a compreensão de que a luta contra o
absolutismo e pela democracia só poderia triunfar com métodos revolucionários, isto é,
a necessidade de uma revolução pela democracia que é analisada no Adresse, como a
ante-sala da revolução proletária, do que se deve concluir um programa de luta por duas
revoluções, ainda que com um intervalo abreviado entre ambas; (b) a compreensão de
que existia um desafio histórico a ser vencido: a construção da independência política
de classe, condição sine qua non, para que a engrenagem de radicalização que, grosso
modo, poderia ser qualificada como a "fórmula jacobina", não resulte em um
estrangulamento da revolução proletária, ou seja, em um novo thermidor, e ao contrário,
garanta a mobilização contínua dos trabalhadores pelas suas reivindicações e antecipe e
abrevie o intervalo entre as duas revoluções.

Em 1848-51, Marx ainda tinha expectativas no possível desenlace de uma revolução


democrática na Alemanha e, se a burguesia não ocupasse o lugar de força motriz,
trabalhava com a hipótese de que a pequena-burguesia a substituísse historicamente.
Nesse marco, a hipótese estratégica preferencial ainda era um projeto de revolução por
etapas: intuía, no calor do processo, que os tempos históricos da época das revoluções
burguesas se esgotavam e que, apesar do que hoje podemos considerar uma
superestimação da capacidade do proletariado alemão, haveria que manter prudentes
reservas sobre as possibilidades de triunfo prematuro de uma revolução proletária, que
não fosse preparada e precedida por uma revolução democrática:

"Desde que uma classe que concentre os interesses revolucionários da


sociedade se levante, encontra imediatamente em sua própria situação o
conteúdo e o material para a sua atuação revolucionaria: abater os
inimigos, tomar as medidas impostas pelas necessidades da luta. As
conseqüências dos seus próprios atos a empurram para a frente. Não
se entrega a nenhuma investigação teórica sobre sua própria missão. A
classe operaria francesa não havia chegado ainda a este ponto; ainda
era incapaz de levar a cabo sua própria revolução."(grifo nosso)

Na segunda metade do XIX o marxismo nasce em um intervalo histórico em que a


burguesia européia teme o recurso aos métodos revolucionários porque está consciente
de que quem semeia ventos colhe tempestades. Mas, por outro lado, a sua ascensão
econômico-social lhe permite encontrar outras vias para consolidar o seu domínio sobre
o Estado e a sociedade. Nesse sentido, quando as circunstâncias lhe permitiram evitar,
como na Alemanha, mergulhar no turbilhão de uma mobilização de massas, não hesitou.

A fórmula semi-etapista de Marx não era, no entanto, uma leitura determinista simples
por duas razões fundamentais: (a) porque considerava a possibilidade de que a pequena
burguesia viesse a substituir no calor do processo a demissão burguesa; (b) porque
sugeria que o intervalo entre as duas revoluções poderia ser abreviado. Foi, todavia,
prisioneiro do seu tempo, e sendo conscientes desta armadilha histórica viveu as
angústias do presente, como um inexorável dilema:

"Nada peor puede ocurrirle al jefe de un partido extremo que encontrarse obligado a
tomar el poder en una época en que el movimiento no está todavía maduro para la
clase que representa y para la ejecución de las medidas que exige la dominación de
esa clase(...)Lo que puede hacer está en contradicción con toda su actitud anterior, los
principios y el interés inmediato de su partido; lo que debe hacer no podría ponerse en
práctica. En una palabra, está obligado a representar no a su partido y a su clase,
sino a la clase para cuya dominación el movimiento se encuentra precisamente
maduro"(grifo nosso)

Uma explicação última para as derrotas de 1848 e da Comuna

Enunciemos a nossa questão: as derrotas de 1848 e da Comuna colocaram ou não em


cheque, para Marx e Engels, a definição que reconhecia, pelo menos desde o Manifesto,
que uma época de revolução social estava aberta? Porque a concepção de história de
Marx o tinha levado à conclusão que seria indispensável, para que um processo de
transição pós-capitalista se pudesse conceber como um projeto político plausível para a
ação, que tivesse iniciado um período histórico de longa duração de confronto entre
revolução proletária e contra-revolução burguesa. Definia esse período, para resumir
"brutalmente", como uma época de crise do Capital, em que as forças produtivas
encontravam na forma jurídica da propriedade privada a expressão condensada de
relações sociais que, de fator de impulso, se tinham tornado em obstáculo para a
produção da riqueza social. Nesse sentido, as condições objetivas, no sentido de
condições materiais, econômico-sociais, estariam reunidas e maduras nos países mais
avançados, já em 1848, para que o proletariado se constituísse em classe politicamente
independente na luta pela sua revolução anti-capitalista? Ou, em outras palavras, teriam
sido os atrasos subjetivos e não a imaturidade das condições econômico-sociais, as
causas sobre as quais repousam a explicação última da derrota das revoluções
proletárias do século XIX, ou o inverso?

A resposta a essa questão não é simples: imaturidade subjetiva do sujeito social


(hesitações da direção política majoritária da Comuna, por exemplo), ou imaturidade
objetiva da agudização das contradições do próprio capitalismo? Nunca é demais
lembrar que grandes acontecimentos históricos como a derrota da vaga de revoluções
democráticas que se disseminou pela Europa em 1848, ou a fugaz conquista do poder
pelo proletariado parisiense em 1871 só podem ser compreendidas e analisadas através
da articulação de complexas cadeias de causalidades em que os elementos objetivos e
subjetivos se emaranham de forma freqüentemente indivisível. E, no entanto, ainda
assim o problema teórico permanece irredutível.

Se quisermos ser dignos do método de investigação histórica de Marx a conclusão


inescapável é que o primeiro prognóstico histórico do Manifesto, a defesa de que uma
época revolucionária anti-capitalista já se teria precipitado, não se confirmou. A
Segunda metade do XIX demonstrou que, se estava esgotada a época histórica das
revoluções burguesas, (com a possível exceção da guerra civil nos EUA que poderia,
com razão, não só pelo programa, mas sobretudo pelas forças sociais liberadas e pelos
métodos, ser interpretada como a segunda revolução democrática americana), a
revolução não era o primeiro, e estava muito longe de ser o único caminho para
burguesia.

As transições "tardias" encontraram uma alternativa histórica, pelo alto, para abrir um
caminho de deslocamento das relações pré-capitalistas e dos privilégios políticos
arcaicos, que só pode ser explicado, em última análise, pela vitalidade do crescimento
das forças produtivas em expansão, o que, em termos marxistas, caracteriza uma época
não revolucionária. Esse foi, por exemplo, o caso da Alemanha, entre outros: as
circunstâncias excepcionais da unificação nacional pelas mãos de Bismarck, na
seqüência da vitória sobre a aventura bonapartista do II Império, e sobre as ruínas da
Comuna de Paris, processo de transição burguesa que Lênin denominou a "via
prussiana".

As transições não revolucionárias foram a forma política de um pacto anti-operário e


anti-popular das classes proprietárias burguesas e aristocráticas, unidas, apesar dos seus
conflitos, pelo temor à revolução. O desenvolvimento proporcionado pela, denominada
por alguns, "segunda revolução industrial" (barateamento da produção do aço em altos
fornos, eletricidade, motor de combustão interna, indústria química a partir dos
derivados do petróleo, etc...) ofereceu as bases materiais para uma aceleração da
urbanização que, associada à elevação de salários que a migração de dezenas de milhões
de europeus para as Américas, Austrália, etc... também produziu, veio a se traduzir em
novas conquistas econômico-sociais para o proletariado como: escola primária pública e
gratuita (e laica, na França); direito crescente de voto, de associação sindical e de
organização de partidos na legalidade, etc.

Marx e Engels, portanto, em nossa opinião, se equivocaram na apreciação das condições


objetivas que determinavam, nos subterrâneos da vida política-social, os rumos dos dois
principais processos revolucionários do seu tempo. Mas só a espantosa capacidade de
antecipação histórica, o rigor de método que permite prognósticos visionários, unidos a
uma audácia teórica que está sempre alerta aos novos desenvolvimentos da realidade,
podem explicar que, em meados do XIX, tenham prefigurado alguns dos elementos que
serão chaves para compreender a dinâmica interna das revoluções do século XX.

Engels e a polêmica sobre a "via inglesa" no Testamento de 1895:


democracia e revolução e a hipótese das "duas ondas"

A mesma questão ressurge (a angústia do revolucionário que vive na contracorrente da


época histórica), por um outro ângulo, na famosa e injustiçada Introdução de 1895, em
que Engels retoma o balanço de época e a discussão sobre a permanência da
mobilização no processo revolucionário. Às vezes interpretado como um texto com
cores reformistas, trata-se de um ensaio brilhante de reflexão sobre os tempos históricos,
sobre o atraso ou a antecipação das situações no interior das épocas, enfim sobre a
complexa dialética da alternância das etapas, as flutuações das relações de força entre as
classes, os fluxos e refluxos das conjunturas. Assim, nessa Introdução vale a pena
destacar duas reflexões profundamente agudas sobre épocas e situações:

a. Um balanço de época, recolocando com uma educativa honestidade intelectual,


os erros de apreciação sobre as possibilidades que ele e Marx tinham alimentado
em relação aos processos revolucionários de 48 e, também situando a Comuna,
como uma situação revolucionária no marco de uma época não revolucionária, e
estabelecendo, assim, uma referência metodológica para a reflexão sobre a
simultaneidade dos tempos históricos descontínuos, desiguais e até de sentidos
simétricos:

"A história nos desmentiu, bem como a todos que pensavam de maneira
análoga. Ela demonstrou claramente que o estado de desenvolvimento
econômico no continente ainda estava muito longe do amadurecimento
necessário para a supressão da produção capitalista; demonstrou-o pela
revolução econômica que, a partir de 1848, apoderou-se de todo o continente
(...)tornando a Alemanha um país industrial de primeira ordem, tudo isso em
bases capitalistas, o que significa que essas bases tinham ainda, em 1848,
grande capacidade de expansão.(...)."(grifo nosso)

b. Um balanço da engrenagem da permanência no interior do processo


revolucionário ainda inspirada no modelo francês, mas agora com a
interrogação, vital, sobre as diferenças que poderiam existir (como uma
especulação para o futuro) entre uma dinâmica diferenciada em revoluções de
minorias (a burguesa) e revoluções de maioria (proletária):

"Era derrubada uma minoria dominante e outra minoria tomava em suas


mãos o timão do Estado e transformava as instituições públicas de
acordo com seus interesses(...)Todavia, se abstrairmos o conteúdo
concreto de cada caso, a forma comum de todas essas revoluções era
serem revoluções de minorias. Mesmo quando a maioria prestava sua
colaboração o fazia – consciente ou inconscientemente – a serviço de
uma minoria; mas esta, seja pôr isso, seja pela atitude passiva e não
resistente da maioria, aparentava representar todo o povo."(grifo nosso)

A concepção de revolução nos anos de 48/50 tinha portanto no seu centro, um


pensamento que, pelo menos em relação ao continente, desenhava a perspectiva de um
processo de duas revoluções políticas encadeadas em duas ondas, seqüenciadas,
ininterruptas, a revolução permanente, que se inspirava no padrão dominante nos
círculos extremistas de meados do século passado que, por sua vez, derivava da
experiência histórica do modelo francês de 1789/93.

Pelo menos em relação ao continente, porque existem em alguns trechos, formulações


ambíguas e pouco conclusivas que alimentaram no passado, sob a pressão histórica da
estabilização da democracia no pós-guerra nos países centrais no pós-1945, e na última
década novamente, sob a pressão do desmoronamento de boa parte dos antigos partidos
comunistas na Europa ocidental, a idéia de que Marx não teria descartado a
possibilidade, mesmo que excepcional, de uma passagem pacífica, eleitoral e
democrática ao socialismo.

Essas passagens inconclusas, raciocínios especulativos em um pensamento em


construção, indicariam, segundo alguns comentaristas, uma hipótese estratégica distinta
em relação à Inglaterra e os EUA, uma estratégia não revolucionária, a chamada "via
inglesa": uma possibilidade de transição histórica, apoiada na extensão das liberdades
democráticas, ampliação irrestrita do direito ao sufrágio universal, e conquista do poder
político, sustentada no peso social do proletariado. Enfim, uma releitura dos termos da
relação entre democracia e revolução, na qual a segunda estaria subsumida na primeira.

A questão em Marx parece, no entanto, estar restrita à possibilidade de conquistar a


democracia, sem recorrer aos métodos da revolução, o que é evidentemente muito
diferente, de pensar a transição ao socialismo sem ruptura. O que certamente se
poderia afirmar com uma pequena margem de erro, é que: (a) ao contrário do
continente, em países, como a Inglaterra, os EUA e a Holanda, onde as resistências
históricas das forças sociais aristocráticas e das forças políticas absolutistas eram
menores ou residuais, Marx considerava razoável pensar, a partir da experiência do
cartismo, na conquista da democracia sem que uma revolução política fosse
necessariamente indispensável, hipótese esta, aliás, a da excepcionalidade, confirmada
pela história, embora curiosamente por um caminho inesperado. Inesperado porque nos
EUA, uma revolução foi finalmente indispensável para derrotar as forças defensoras do
escravismo e, excepcional, porque na Alemanha, foi finalmente imprescindível uma
revolução para derrubar o regime bonapartista-prussiano do Kaiser em novembro de
1918; (b) a hipótese de que o partido operário poderia chegar a vencer as eleições e se
constituir em força política majoritária, nos países mais desenvolvidos, se o sufrágio
eleitoral fosse alargado sem restrições censitárias, o que não deixaria de colocar o
desafio da revolução, no sentido de que os terremotos revolucionários continuariam se
precipitando em função das comoções econômicas trazidas pelas crises de super-
produção, mas o redefiniria necessariamente no terreno da tática.

De qualquer forma, alguns comentaristas de Marx têm retomado recentemente o tema


das relações do marxismo com a democracia, seja pelo ângulo mais filosófico da
concepção determinista da História, seja pelo ângulo de uma releitura do que seriam as
insuficiências de uma teoria política do marxismo.No que se refere ao Continente,
entretanto, não há muitas dúvidas: Marx pensava os deslocamentos colocados à escala
internacional, ainda depois da derrota da Comuna, a partir de duas premissas políticas
estratégicas:

(a) a identificação de um núcleo duro da contra-revolução na Europa, identificado no


absolutismo da Rússia dos Czares, que seria o centro da reação européia, inimiga
irreconciliável de uma revolução na Alemanha, país decisivo pelo peso social do
proletariado, e que se colocaria irremediavelmente, mais cedo ou mais tarde, a tarefa da
unificação nacional, irradiando como um rastilho de pólvora a revolução democrática
por toda a Europa central, sob as ruínas do Império austro-húngaro;

(b) um núcleo histórico da revolução social proletária, com três componentes


fundamentais, as três classes operárias com maior desenvolvimento, experiência e peso
social, a francesa, a alemã e a inglesa. Mas sempre articulava a reflexão sobre a dialética
da permanência da revolução em duas dimensões: como uma revolução européia e
como duas revoluções políticas ininterruptas, portanto duas etapas num mesmo
processo que unia a luta pela derrubada das monarquias com a luta pela emancipação
social do proletariado. A revolução democrática seria assim a ante-sala de uma nova
revolução política, que agora vai além dos limites republicano-democrático-burgueses e
desloca o poder de classe do Capital. E vai além da mudança de regime político, porque
a conquista do poder pelos trabalhadores é, por sua vez, a abertura de um processo de
revolução social.

As etapas surgem assim como um tempo histórico e um tempo político: um encontro de


temporalidades sobrepostas, pela pressão objetiva das tarefas, expressão das
necessidades históricas adiadas, e pela pressão das lutas de classes, impulso da iniciativa
dos trabalhadores, que se constituem politicamente como classe independente. Duas
revoluções com os seus próprios tempos, inseparáveis entre si porque, na verdade, são
duas ondas da mesma revolução, mas com um intervalo imprevisível entre si, mais
longo ou mais curto em função de inúmeras condições, entre elas a maturidade objetiva
e subjetiva do proletariado. Duas vagas muito diferentes entre si, ou, talvez melhor,
duas crises revolucionárias em seqüência da mesma situação revolucionária
ininterrupta: onde a primeira começou alegre cheia de auto-confiança, a segunda se
inicia nervosa e desconfiada, onde a primeira considera encerradas as suas tarefas, a
segunda inicia a sua obra, onde a primeira foi unitária e poli-classista, a segunda se
inicia proletária e rodeada de inimigos:

" De toutes les révolutions antérieures, ce sont les journées de Mars à


Milan qui témoignent de la lutte la plus chaude. Une population presque
désarmée de 170.000 âmes battit une armée de 20 à 30 000 hommes.
Mais les journées de Mars de Milan sont un jeu d'enfant à côté des
journées de Juin à Paris. Ce qui distingue la révolution de Juin de
toutes les révolutions précédentes, c'est l'absence de toute illusion, de
tout enthousiasme. Le peuple n 'est point comme en Février sur les
barricades chantant Mourir pour la patrie – les ouvriers du 23 juin
luttent pour leur existenoe, la patrie a perdu pour eux toute signification.
La Marseillaise et tous les souvenirs de la grande Révolution ont
disparu. Peuple et bourgeois pressentent que la révolution dans laquelle
ils entrent est plus grande que 1789 et 1793. La révolution de Juin est la
révolution du désespoir et c’est avec la colêre muette, avec le sang-froid
sinistre du desespoir qu'on combat pour elle; les ouvriers savent qu'ils
ménent une lutte à la vie et à la mort, et devant la gravité térrible de
cette lutte le vif esprit français lui-meme se tait. La révolution de Juin
est la première qui divise vraiment société tout entière en deux grands
camps ennemis qui sont représentés par le Paris de l'est et le Paris de
l'ouest. L’unanimité de la révolution de Février a disparu, cette
unanimité poétique, pleine d'illusions éblouissantes, pleine beaux
mensonges(...) Les combattants de Février luttent aujourd'hui eux-
mêmes les uns contre les autres, et, ce qu'on n'a encore jamais vu, il
n'y a plus différence, tout homme en état de porter les armes participe
vraiment à la lutte sur la barricade ou devant barricade." (grifo nosso)

Neste artigo de Engels, sobre o balanço de junho de 48, a primeira revolução operária
da História, o tema é retomado. Engels se detém em uma comparação entre as duas
revoluções, fevereiro e junho, a ruptura da "unanimidade" frentista, as diferenças sociais
entre as duas vagas, o aprofundamento da disposição de luta. A sugestão se revelou na
verdade premonitória. A Comuna também conheceu as suas duas vagas: a primeira
republicana, na seqüência da derrota de Napoleão III, e a segunda, operária e socialista,
depois da resistência da Guarda Nacional a entregar os canhões de Montmartre.

Uma aposta na aceleração da História

Certamente toda a obra de Marx nos permite concluir que ele estava solidamente
convencido que os intervalos das transições históricas tinham uma tendência de
aceleração: a transição socialista seria mais breve do que foi a transição do feudalismo
ao capitalismo. Logo, a permanência da revolução pode ser entendida em uma dupla
dimensão, o abreviamento dos intervalos entre a revolução democrática e a revolução
dos trabalhadores mas, também, como uma extensão européia relativamente rápida.
Assim, se um processo de revolução social se iniciaria dentro de fronteiras nacionais,
inaugurado por uma revolução política, a conquista do poder pelo proletariado em um
país não seria senão o primeiro ato de um drama histórico, que se decidiria na arena
internacional. Mais importante, esta dimensão internacional assumida pela luta de
classes seria o fator chave para a análise sobre a aceleração dos tempos históricos.

Assim, se hoje é claro que os prognósticos políticos sobre as possibilidades de 1848


estavam errados, ou ainda, se as expectativas sobre a Comuna de Paris em 1871 se
demonstraram infundadas, também parece certo que o critério teórico estava certo: (a)
os tempos das relações entre as revoluções sociais e as revoluções políticas não seriam
mais os mesmos tempos do processo da revolução burguesa, em que as primeiras (o
desenvolvimento de relações econômico-sociais capitalistas nos poros do modo de
produção feudal) precederam as segundas (a conquista do poder político); (b) o espaço
do processo só poderia ser a arena mundial, ainda que o desenvolvimento desigual do
processo estabelecesse dinâmicas nacionais diferentes.

Assim, quando da redação do Manifesto em 48 (e ainda do Adresse de 50), tanto Marx


quanto Engels, tinham a expectativa da iminência de uma vaga revolucionária na
Europa e, nesse sentido, o conceito de época é simultânea e indistintamente utilizado
também como conceito de iminência de uma situação revolucionária. Quando, ao final
de As lutas de classes em França, Marx sugere que uma nova crise revolucionária só se
pode esperar de uma nova crise econômica é porque considera que a situação aberta
pela revolução de fevereiro de 48 se encerrou, mas a época revolucionária continuava
aberta. A questão é central, e ainda hoje provoca avaliações apaixonadas, como
podemos conferir neste fragmento de Texier:

"Or ce qu'Engels nous dit en 1895, c'est que Marx et lui,(...) pensaient de
façon tout à fait illusoire, lorsqu'ils s'imaginaient en 1848, et non
seulement en 1848, mais plus de vingt ans plus tard, en 1871, que la
transformation révolutionnaire de la société bourgeoise en société
communiste était à l'ordre du jour.(...)Ce qui était alors à l'ordre du
jour, c'était la révolution industrielle capitaliste. En 1895, cette
révolution industrielle a déjà largement produit ses effets en Allemagne;
on peut donc y parler dorénavant de «la puissante armée du prolétariat
» et de la tactique qu'elle doit mettre en oeuvre. C'est l'occasion d'un
jugement rétrospéctif sur la tactique appliquée en 1848.La période qui
va du coup d'État de Louis Bonaparte à la victoire de Bismarck dans la
guerre franco-allemande de 1870, est celle où les révolutions par en-
haut succèdent aux révolutions d'en-bas.(...) Le type de jugement
rétrospectif qu'on trouve dans cette « Introduction» d'Engels implique
qu'on a changé d'époque et que celui qui parle a la capacité de
reconnaître qu'une page est tournée.(grifo nosso)

Texier encontra, portanto, no balanço do Testamento, um ponto de apoio para concluir


que Engels estendia a apreciação de época para o período posterior a 1895. Assim o
velho Engels que nos é apresentado por Texier, não só rompia com as "influências
blanquistas de 48" como rompia com a caracterização de época revolucionária,
retroativamente ao período 48/95 (o que parece uma interpretação razoável), mas
também, prospectivamente, o que de alguma forma faria de Engels, nesta questão, um
bernsteiniano "avant la lettre". Acrescentemos que a sugestão não é inocente e tem
imensas conseqüências políticas ainda na realidade atual: se o capitalismo não atravessa
um período de crise crônica, então decorre desta conclusão que as forças produtivas
estão em crescimento ininterrupto e qualquer projeto revolucionário pós-capitalista
trata-se de uma veleidade utópica e sem sustentação histórica. Esta conclusão sobre
época, contudo, não parece ser sustentável. Insinua como conclusão o que Engels nem
sequer baralhou como premissa. A nova hipótese estratégica, apresentada para a
Internacional, inspirada nos êxitos do partido alemão tem, na verdade, outros
fundamentos. Vejamos, também neste caso, o que nos diz Draper, quase "hemorrágico"
pela erudição:

"This is the view that the movement for proletarian revolution should
not begin until there is a present possibility of victory, before which
time it is "utopian" and "unrealistic"(...) In any case, there is no way of
determining when the historical possibility of victory has arrived in this
sense: on s'engage et puis on verra. Anyone could see that proletarian
revolution was premature in 1848, if one waits a half century; and
when Engels wrote this opinion down in 1895 he was not under the
impression it was a great revelation. This (...)was for some- not Engels -
a condemnation of the Forty-eighters for failing to possess a crystal
ball."(grifo nosso)

Em poucas palavras, não é possível avaliar se uma revolução é prematura, senão


depois que a sorte foi lançada. Um exercício histórico legítimo, mas um procedimento
político impossível.

Engels e a defesa da "tática alemã": as possibilidades e os perigos da


utilização da legalidade pelo SPD

A derrota da Comuna tinha levado a uma situação em que a preservação da I


Internacional era insustentável. À virada histórica da relação de forças na França
correspondeu também um deslocamento do eixo de organização do movimento à escala
internacional para a Alemanha, onde a corrente marxista se uniu a corrente de Lassale
no congresso de Gotha. Mesmo sob a repressão das leis anti-socialistas de Bismarck o
partido de Bebel e Liebknecht conseguiu estender a sua influência e a partir de 1890
passou a disputar as eleições sob as suas próprias bandeiras como SPD, com resultados
promissores. No Testamento Engels insiste na importância da nova "tática alemã" para
todas as seções da II Internacional:

"No entanto, utilizando tão eficazmente o sufrágio universal, o


proletariado praticara um método de luta inteiramente novo que se
desenvolveu com rapidez. Ocorreu então que a burguesia e o governo
chegaram a ter mais medo da atuação legal que da atuação ilegal do
partido operário, mais temor aos êxitos das eleições que aos êxitos da
rebelião. Pois também quanto a isso haviam-se modificado
substancialmente as condiç5es da luta. A rebelião de antigo estilo, o
combate nas barricadas que, até 1848, fora decisivo em toda parte,
estava consideravelmente ultrapassado.Não nos iludamos a respeito:
uma verdadeira vitória da insurreição sobre as tropas nos combates de
ruas, uma vitória como em batalha entre dois exércitos, é coisa das mais
raras."(grifo nosso)

O entusiasmo com o partido alemão, com sua vigorosa implantação social e sucessos
eleitorais, por um lado, e talvez o balanço histórico amargo da derrota da Comuna,
pareceriam indicar que o velho Engels (de quem se disse que nos anos 90 viveu uma
velhice feliz) acreditava que, pelo menos na Alemanha, a questão de poder se
enfrentava diante de novas e mais profundas possibilidades e dificuldades.
Possibilidades abertas pelo crescente peso social do proletariado e sua capacidade de
elevar a consciência de classe a novos patamares de auto-organização permanente
através de sindicatos que filiavam milhões, com a utilização hábil das margens
ampliadas de liberdade, a participação eleitoral, enfim a escola de aprendizagem
sindical-parlamentar. Dificuldades que resultavam do esgotamento histórico das
revoluções burguesas, da acomodação bastarda da burguesia com os regimes
bonapartistas ou semi-bonapartistas, do deslocamento e divisão inexorável das camadas
médias, ou seja, a ruptura da frente de "todo o povo pela democracia", tal como ocorreu
na primeira fase de fevereiro de 48.

Por último, dificuldades que nasciam das novas necessidades políticas subjetivas que
surgiam como obstáculos para o proletariado, que não podia contar com triunfos fáceis
nas barricadas. Por outro lado, ocorre que Engels sequer considerava o regime
bismarquista senil do Kaiser uma democracia. Ao contrário, considerava que as
limitadas liberdades estavam ameaçadas justamente pelo crescente peso do SPD, e por
isso, baralhava a hipótese de uma revolução em legítima defesa contra uma aventura
neo-bonapartista do regime, ou seja, uma revolução democrática defensiva, tendo como
sujeito social o proletariado, contra um golpe bonapartista. Assim explicava Engels as
suas conclusões sobre os novos desafios da experiência da tática alemã:

"O direito à revolução é o único "direito histórico" real, o único sobre o qual
repousam todos os Estados modernos sem exceção,(...) Mas, ocorra o que ocorrer nos
outros países, a social-democracia alemã tem uma situação particular e, em
decorrência pelo menos no momento, uma tarefa também particular. Com dois milhões
de eleitores que ela envia às urnas, neles incluídos os jovens e as mulheres que estão
por detrás dos sufragantes na qualidade de não eleitores, constituem a massa mais em
numerosa, mais compacta, a "força de choque" decisiva do exército proletário
internacional.(...)Ora, só há um meio de poder conter durante certo prazo o
crescimento continuo das forças combatentes socialistas na Alemanha, e mesmo de
fazê-las regredir momentaneamente: um choque de grande envergadura com as
tropas, uma sangria como a de 1871, em Paris."(grifo nosso)
Engels

alertava, portanto, para uma reação burguesa contra-revolucionária impiedosa, com


recursos renovados, bases sociais de apoio ampliadas, capacidade de iniciativa política e
até um dispositivo militar moderno, muito superior aos que se abateu sobre a Comuna.
Mas ponderava também que seria fundamental aprender as lições do período histórico
anterior, sendo a principal, a necessidade de conquistar o apoio entre a maioria das
camadas dominadas e oprimidas, e escolher o momento político do confronto, evitando
a qualquer preço um combate prematuro, sem que as melhores condições estivessem
reunidas, e conclui:

"Só poderão conter a subversão social-democrática, que no momento se


dá tão bem respeitando a lei, mediante a subversão dos partidos da
ordem, os quais não podem viver sem violar as leis(....) ensinaram-lhes o
único caminho pelo qual talvez possam pegar pelo gasganete os
operários, que simplesmente se recusam a deixar-se arrastar aos
combates de rua. Violação da Constituição, ditadura, volta ao
absolutismo,(...) Não vos esqueçais, porém, de que o Império Alemão,
como todos os pequenos Estados e, em geral, todos os Estados
modernos, é produto de um pacto; primeiramente, de um pacto de
príncipes entre si e, depois, dos príncipes com o povo. Se uma das partes
quebra o pacto, todo ele é nulo e a outra parte está desobrigada.
Bismarck demonstrou Isso brilhantemente em 1866. Portanto, se violais
a Constituição do Reich, a social-democracia ficará livre para fazer o
que lhe parecer melhor a vosso respeito. Mas o que fará então não há
de vos dizer hoje." (grifo nosso)

Destes fragmentos se conclui, portanto: (a) que sendo revoluções de maioria, as


revoluções proletárias seriam, paradoxalmente, socialmente mais poderosas mas, ao
mesmo tempo, politicamente mais difíceis que as revoluções burguesas; (b) que a
conquista da democracia repousaria agora nas mãos do proletariado, superando a
hipótese de 48 das duas revoluções, ainda que naquelas circunstâncias pensadas como
um processo ininterrupto de revolução em permanência; (c) que a nova hipótese
estratégica exigiria a capacidade dos partidos de utilizar os espaços de legalidade, por
reduzidos que fossem, para acumular forças, estimular a auto-organização e elevar o
nível de atividade, confiança e consciência de classe, mas também evitar, em particular
na Alemanha, um confronto precipitado; (d) que a luta pelo poder deveria ser buscada
no melhor momento e, se possível, em condições de legítima defesa, em resposta
defensiva à iniciativa contra revolucionária do regime que seria incapaz de conviver de
forma perene com um forte movimento operário na legalidade.

Destes quatro postulados somente o último não sobreviveu à prova do balanço


histórico. O que não é irrelevante (sabemos como esta premissa teve razoável
importância nas formulações "quietistas" de Kautsky que enfureciam Rosa Luxemburgo
no SPD). Em que medida, a leitura que Kautsky posteriormente fez da herança deixada
por Engels para justificar a sua defesa de uma política de adaptação do SPD aos limites
da legalidade da democracia monárquica do Kaiser são outros quinhentos.

Poder-se-ia, por último, afirmar que uma teoria dos tempos da revolução em Marx e
Engels, um pensamento sobre época, situação e crise revolucionária, com distintos
ritmos, desigualmente desenvolvidos, mas entrelaçados em circunstâncias históricas
únicas, foi-se construindo como expressão de uma dualidade tensionada de fatores.

No seu centro está uma ênfase na pulsação circular da crise econômica, como um tempo
de movimento e inércia do capital, que se desenvolve à escala do mercado mundial e
encontra refrações nacionais em cada país; e outro é o tempo das lutas de classes:

"A primeira prova ocorreu quando Marx, a partir da primavera de 1850,


encontrou lazeres para se entregar a estudos econômicos e empreendeu,
primeiramente, o da História econômica dos dez últimos anos. Desse
modo, ele extraiu, com toda clareza, dos próprios fatos, o que até então
não fizera senão deduzir, semi-aprioristicamente, de materiais
insuficientes, isto é, que a crise do comércio mundial, ocorrida em
1847, fora a verdadeira mãe das revoluções de fevereiro e de março e
que a prosperidade industrial, que voltara pouco a pouco, (...) foi a
fôrça vivificante na qual a reação européia hauriu renovado vigor (...)
Não é possível uma nova revolução senão em conseqüência de uma
nova crise. Mas esta é tão certa quanto aquela".(grifo nosso)

Esses dois tempos são distintos, mas estão articulados, em formas que são,
para o essencial, imprevisíveis, porque amadurecem em ritmos que lhes são
próprios, únicos e discordantes.

E, no entanto, essas duas forças motrizes do processo histórico estão


amalgamados no sentido de uma unidade substantiva do tempo. Assim como a
crise econômica incide sobre as lutas de classes, porque abre e precipita a
crise social, a lutas de classes, a maior insegurança ou maior determinação de
cada classe social na defesa de seus interesses, também incide sobre o
processo econômico aprofundando as tendências à crise ou favorecendo a
recuperação.

Você também pode gostar