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Desde os tempos de Marx e Engels, a história mostra a longa e cruenta luta dos
trabalhadores, arrostando a feroz resistência patronal-governamental, que culminou, tanto na
conquista do sufrágio universal (contra o voto censitário); como nas conquistas que, depois,
seriam qualificadas como direitos econômicos, sociais e culturais. Além disso, a partir da
segunda metade do século XX, outros setores sociais oprimidos bateram-se também, tanto pela
ampliação dos direitos civis (contra a discriminação racial, de gênero e de idade, pela
criminalização da tortura, proteção a refugiados e migrantes etc.), como pelas reivindicações
relativas a direitos indivisíveis concernentes a coletividades e a direitos difusos de toda a
humanidade, os chamados direitos da solidariedade (paz, desenvolvimento, preservação do
meio-ambiente, proteção de identidades culturais, resguardo do patrimônio cultural da
humanidade etc.). E, perpassando essas várias dimensões contemporâneas dos direitos humanos,
a tendência mais recente caminha no sentido de buscar a especificação de tais direitos, isto é, no
sentido de serem estabelecidas no direito internacional, e incorporadas ao direito interno dos
países, garantias que contemplem necessidades de grupos específicos avaliados como mais
vulneráveis: mulheres, minorias étnicas, idosos, crianças, portadores de necessidades especiais,
livre expressão sexual etc.
Contudo, malgrado o verdadeiro abismo que a separa de sua efetividade social, essa
concepção unificada representa, mesmo no estrito terreno formal, algo que seria certamente
inconcebível para a burguesia oitocentista. Não fazia parte das cogitações dessa classe, nem dos
seus pensadores liberais, universalizar o sufrágio, admitir direitos sociais aos trabalhadores,
reconhecer como iguais e “integralmente” humanos os negros, as mulheres, os povos coloniais
etc., ou mesmo, que a burguesia viesse algum dia a ser socialmente constrangida a procurar
alguma resposta, por pífia que fosse, à questão da degradação ambiental.
Mas, para além de quaisquer expectativas políticas irrealistas, deve ser levado em conta
que os diversos componentes dessa conquistas ou reivindicações civilizatórias mantêm uma
relação desuniforme com o movimento do capital. Um amplo segmento delas, aquele segmento
que não interfere (ou que deixou de interferir) na apropriação da mais-valia, na taxa de lucros e
na reprodução ampliada do capital, pode ser absorvido e incorporado às relações sociais do
modo de produção capitalista, malgrado remanesçam, na fração mais reacionária das classes
dominantes, resistências ideológicas arcaicas. Aquelas fantasias ideológicas de “inferioridade”
de raças, de “inferioridade” da mulher, do homossexualismo como conduta “ofensiva à
natureza” etc., decorrem de preconceitos anti-humanos multisseculares, que o liberalismo
clássico recolheu. Por longo período, cumpriram uma nada desprezível função social como fator
adicional de rebaixamento dos salários dos trabalhadores – ainda a cumprem, embora menos do
que antes.
É certo que essas são percepções gerais e que, ademais, aplicam-se mais
apropriadamente aos países capitalistas de desenvolvimento avançado ou médio. A análise
concreta de situações específicas poderá captar contra-tendências localizadas. Mas não há mais
como deixar de reconhecer que, tendencialmente, seja por sua composição poli-classista, seja
por não se chocarem mais com os interesses do capital, movimentos reivindicatórios tais como
os mencionados vêm sucumbindo à adaptação ao modo de produção dominante. Mesmo assim,
tendo em vista o seu conteúdo subjetivamente libertador (embora, mesmo no âmbito individual,
não possam avançar, sob o capitalismo, além de uma libertação parcial e relativa), a defesa
desses movimentos, dessas conquistas e dessas reivindicações não pode ficar estranha a um
programa marxista contemporâneo. Mas, pelas características apontadas, esses movimentos e
essas reivindicações não reúnem condições, sob o prisma da história vindoura, de constituir o
núcleo mais dinâmico desse programa.
[...] não nos deixemos dominar pelo entusiasmo em face de nossas vitórias
sobre a natureza. Após cada uma dessas vitórias a natureza adota sua vingança.
É verdade que as primeiras conseqüências dessas vitórias são as previstas por
nós, mas em segundo e em terceiro lugar aparecem conseqüências muito
diversas, totalmente imprevistas e que, com freqüência, anulam as primeiras. Os
homens que, na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e outras regiões
devastavam os bosques para obter terra de cultivo nem sequer podiam imaginar
que, eliminando com os bosques os centros de acumulação e reserva de
umidade, estavam assentando as bases da atual aridez dessas terras. Os italianos
dos Alpes, que destruíram nas encostas meridionais os bosques de pinheiros,
conservados com tanto carinho nas encostas setentrionais, não tinham idéia de
que com isso destruíam as raízes da indústria de laticínios em sua região; e
muito menos podiam prever que, procedendo desse modo, deixavam a maior
parte do ano secas as suas fontes de montanha, com o que lhes permitiam,
chegado o período das chuvas, despejar com maior fúria suas torrentes sobre a
planície. [...]. Assim, a cada passo, os fatos recordam que nosso domínio sobre a
natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o
povo conquistado, que não é o domínio de alguém situado fora da natureza, mas
que nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza,
encontramonos em seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que,
diferentemente dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e aplicá-
las de maneira adequada.
Essa situação tende a agravar-se com a expansão do “trabalho abstrato virtual”, que já
se manifesta ao menos de duas maneiras. Num caso, o empregador, não só se desvencilha de
qualquer vínculo jurídico com o empregado, como também transfere-lhe o encargo de manter os
seus próprios meios de trabalho: operando um computador ou um telefone a partir de sua
própria casa e à sua própria custa, o novo “trabalhador” perde a noção de “jornada”, e seu
“salário” fica na dependência das vendas virtuais que conseguir concretizar, ou de outras metas
virtuais que conseguir atingir. Noutro caso, o capitalista demite empregados e transfere ao
próprio consumidor a responsabilidade por “auto-serviços”: “Pense-se em alguém em sua casa,
acessando sua conta bancária pelo seu computador, fazendo o trabalho que antes cabia a um
bancário [...]”. Além do desemprego que disseminam, o auto-serviço virtual, o auto-serviço em
caixas eletrônicos, e os auto-serviços similares em outras atividades (cômodos aos
“consumidores”), configuram uma forma inédita de “[...] transformar todo o tempo de trabalho
em trabalho não-pago.
O que mais conta é que essas violações foram ou continuam sendo praticadas enquanto
as grandes potências as consideraram/considerarem “necessárias”, não importa quantos solenes
tratados internacionais de defesa dos direitos humanos hajam subscrito – o que, aliás, dá bem a
medida da “efetividade” do direito internacional quando, à frente dele, adiantam-se os interesses
políticos e econômicos dos centros mundiais do capital. E não pode passar despercebido que
todas essas violações contaram, no mínimo, com a complacência ONU, da comunidade
internacional e da grande mídia – exceto pelas denúncias das esperáveis ONGs. Aquele horror
mundial pelas atrocidades nazistas que, em junho de 1945, levara à celebração da Carta de São
Francisco, cede terreno a uma maré anti-humanista que se irradia das potências centrais e
desfruta internacionalmente do beneplácito cínico da ideologia dominante. O mesmo se aplica,
tanto em relação à permanência da violência policial, carcerária e institucional contra os
subalternos em geral, como face ao ressurgimento da xenofobia na Europa e nos EUA.