Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
© Penny Reed
Título Original: Neanderthal Seeks Human (Knitting in the City #1)
Editor-Chefe| Patrícia K. Azevedo
Assistente de Desenvolvimento| Jhenifer Barroca Tadutor| Roger Oliveira – Fênix Produções Editoriais
Revisor| Maira Andrezani – Fênix Produções Editoriais
Copidesque| Cristiane Coelho – Fênix Produções Editoriais
Diagramação| Cris Spezzaferro
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde
1° de Janeiro de 2009.
Os personagens e as situações desta obra são reais apenas o universo da ficção; não se referem a pessoas e
fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião.
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico,
mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão
expressa da Editora, na pessoa de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Todos os direitos desta edição
reservados para 3DEA Editora
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
R353 Red, Penny
Neandertal procura humano/ Penny Reid; tradução de Roger Oliveira Brasília: 3DEA Editora,2018
Nº de páginas ; 16x23 cm
Tradução de: Neanderthal Seeks Human (Knitting in the City #1
ISBN 978-85-93964-30-5
Fiel à sua palavra, não houve nenhuma gracinha. Mesmo que nós dois
consumíssemos bebidas alcoólicas adicionais, nenhum de nós iniciou qualquer
intimidade física, além de breves toques ocasionalmente. De vez em quando,
Quinn afastava meu cabelo dos meus ombros ou rosto, e colocava seu braço ao
longo das costas do meu assento.
Era estranho ouvir um concerto em vez de estar ativamente envolvido nele.
Nós não cantamos, nem dançamos ou aplaudimos. Na verdade, falamos durante
a maior parte dele. Poderia muito bem ter sido música de fundo em um sistema
estéreo. Em um ponto, nós ignoramos completamente e passamos quarenta e
cinco minutos debatendo minha filosofia sobre pessoa boa-ruim-estúpida-
preguiçosa.
Quinn acreditava que, se eu incluísse tanto o bem quanto o mal, eu deveria
acrescentar inteligente e motivado. Contestei que a ausência de estupidez
implicava inteligência, mas a ausência do mal não implicava bem.
Quando ele me pegou bocejando pela segunda vez, decidiu que era hora de me
levar para casa. Um Mercedes preto nos encontrou, quando chegamos lá
embaixo. Para meu espanto, fomos recebidos por um rosto familiar.
Foi Vincent — Vincent, o motorista da limusine que me ajudou a mover o
conteúdo de meus pertences do apartamento de Jon, e me levou ao apartamento
de Elizabeth no meu pior dia de todos os tempos —. Eu não pude acreditar nos
meus olhos no começo, mas então, quando ele segurou a porta aberta, piscou
para mim. Eu só pude encará-lo estupidamente.
Quinn e eu passamos a primeira metade do passeio de carro, em silêncio,
sentados em lados opostos do longo banco de couro. Meu cérebro doeu. Estava
cansado de tentar acompanhar tantas mudanças e avaliar a adequação de minhas
reações. No entanto, tentei classificar as últimas horas. Olhei de relance para a
parte de trás da cabeça de Vincent e, uma ou duas vezes, ele me chamou a
atenção no espelho retrovisor. Em algum momento, eu precisaria perguntar a
Quinn se ele arranjou a limusine que me levou para casa semanas atrás, ou se a
presença de Vincent hoje à noite era apenas um acaso.
Em um semáforo, Quinn me puxou para fora das minhas reflexões, soltando
meu cinto de segurança. Encontrei seu olhar, o azul claro de seus olhos
parecendo opalescente no carro escuro. Ele, silenciosamente, me puxou para o
centro do banco, passou os braços em volta de mim, guiou minhas costas até o
peito e prendeu a fivela do meio, em volta de mim. Me senti quente e segura, o
que, paradoxalmente, me fez tremer e fez meu coração disparar com apreensão.
Quando chegamos do lado de fora do meu prédio, Vincent, o motorista, abriu
a porta e ofereceu sua mão. Eu sorri, depois olhei para baixo enquanto saía.
— É bom ver você novamente.
— Você também. Você está muito bonita. — Seus olhos castanhos brilhavam
para mim sob a lâmpada da rua. Ele levou meus dedos aos lábios e deu-lhes um
beijo, assim como fez antes.
Quinn se levantou do carro atrás de mim e eu caminhei para frente, me
virando para continuar a conversa com o motorista.
— E como está sua esposa? Seus netos?
— Ah, os dias são longos, mas os anos são curtos. — Ele balançou a cabeça e
olhou para o céu.
Quinn olhou dele para mim, depois de volta para ele. Levantou uma
sobrancelha, mas não disse nada. Eu disse meu adeus a Vincent, e Quinn colocou
a mão nas minhas costas e me guiou para os degraus do meu prédio. Paramos na
minha porta e eu procurei minhas chaves dentro do estojo do portfólio.
— Como você conhece Vincent? — uma das mãos de Quinn estava em seu
bolso e a outra coçava o restolho de um dia no queixo.
— Eu queria mesmo te perguntar sobre isso — fiz uma pausa, enquanto
separava a chave da porta da frente das demais. — Vincent estava dirigindo a
limusine que me levou para casa no dia em que fui demitida.
Os olhos de Quinn estavam nublados e, então, sua sobrancelha se ergueu em
um entendimento súbito. Ele olhou para longe de mim, em direção a porta do
meu prédio.Olhei para ele com desconfiança antes de perguntar:
— Você providenciou o carro naquele dia?
Ele hesitou. Em seguida, assentiu, ainda não fazendo contato visual.
— Sim.
— Por que você fez isso?
Ele encontrou meu olhar.
— Você parecia... chateada. — Ele suspirou.
— Você nem me conhecia.
— Mas eu queria. — Ele respondeu se aproximando, levantando a mão e
enfiando um cacho atrás da minha orelha.
Engoli com esforço e levantei meu queixo para manter contato visual,
contendo o calor frenético torcido, no meu peito.
— Por que você não falou comigo? Me perguntou sobre um possível
encontro?
Os olhos de Quinn se estreitaram e me analisaram. Ele parecia particularmente
falante, quando disse:
— Eu não namoro.
Fiz uma careta para ele, mas antes que eu pudesse processar sua resposta, ele
se inclinou e me beijou pela terceira vez naquela noite. Este foi diferente. Não
tinha a doçura lenta e saborosa do nosso primeiro beijo e, definitivamente, não
foi uma carícia rápida entre nossos lábios, como no último. Este estava com
fome, imediato e exigente.
Ele enfiou os dedos no meu cabelo e me encostou na porta do prédio, me
prendendo no lugar. Foi o tipo de beijo que afastou todos os pensamentos
coerentes, como um lobo sanguinário perseguindo um coelho. Meu corpo
respondeu de uma maneira que eu não sabia que era possível, minhas costas
arqueando, querendo pressionar cada centímetro de mim contra a sua forma
tensa, com uma dor deliciosa no meu abdomen, revirando meus membros.
Tão repentinamente quanto começou, terminou. Ele se afastou mordendo meu
lábio inferior e esperando que eu abrisse os olhos para que ele pudesse me olhar.
Senti ele colocar algo no meu bolso.
Ele sorriu quase imperceptivelmente.
— Eu pedi a Jamal para que pegasse seu celular no escritório. Vou ligar para
você amanhã, para que possamos fazer as preparações para o jantar.
Abri a boca para responder, mas ele me parou com outro beijo rápido. Quinn
pegou as chaves da minha mão e abriu a porta. Ele me empurrou e me guiou
para dentro, colocando as chaves na minha mão.
Fiz tudo de forma mecânica, parando nos degraus para olha-lo, enquanto ele
pairava do lado de fora da porta. Ele ainda estava sorrindo daquele jeito secreto e
quieto dele. Então se virou e foi embora.
O jantar daquela noite começou com um dos silêncios mais difíceis que já
experimentei na minha vida. Tive que morder minhas bochechas, para não
encher o buraco negro de palavras não ditas. Depois que as apresentações foram
feitas, Jon se sentou ao meu lado, no sofá encostado na parede, e olhou zangado
para Quinn. Quinn, em sua cadeira em frente a nós, sorriu para Jon.
Era um sorriso presunçoso, tingido com certa quantidade de arrogância. Eu
não sabia como me sentir em relação a isso, então, apenas ignorei naquele
momento. Eu só esperava que meu excessivo engolir nervoso passasse
despercebido. Finalmente, sentindo como se eu fosse estourar, saí educadamente
da mesa e corri para o banheiro feminino. Fiquei lá até me sentir capaz de refrear
a lista transbordante de factoides relacionados a buracos negros, que davam
voltas na minha cabeça.
Quando saí do banheiro percebi, pela primeira vez, como o restaurante era
realmente agradável. Cheirava a alho e a roux, e as paredes eram de um amarelo
pálido, exceto pela moldura da copa, que era uma madeira escura e natural. As
janelas estavam emolduradas por cortinas cor de vinho. Belas paisagens a óleo,
que eu presumi ser o interior da França, adicionavam elegância íntima sem fazer
o lugar parecer desordenado, ou como um museu de arte.
As mesas estavam cobertas com toalhas brancas. As fileiras de garfos,
colheres e facas se espalhavam como pétalas, de cada lado de uma série de
pratos empilhados; os maiores no fundo, os menores no topo. Um guardanapo de
linho, delicadamente dobrado de maneira a parecer um cisne, saía de um copo de
água à direita dos pratos.
Eu estava tão distraída com o ambiente, que não percebi, até que voltei para a
mesa onde Quinn estava sentado, sozinho. Olhei ao redor do pequeno restaurante
e vi a forma recuada de Jon saindo pela porta. Sem pensar, o segui e chamei seu
nome.
Ele parou. Se virou devagar e voltou para o bistrô. Seus olhos se moveram
além de mim para onde Quinn estava sentado e, então, encontrou meu olhar
novamente. Sua expressão, geralmente tão aberta e desprotegida, era remota e
sombria.
— O que está acontecendo, Jon? Aonde você vai?
Ele bufou e, com os dentes cerrados, disse:
— Estou indo embora.
— Por que?
Os olhos verdes de Jon, olharam para os meus buscando algo e sua expressão
pareceu suavizar. Ele se mexeu e pegou uma das minhas mãos.
— Olha, Janie, não importa o que ele diga, quero que você saiba que eu te
amo. Apenas me prometa que você vai me ligar amanhã. Não importa o que
aconteça, você vai me ligar amanhã e vamos conversar.
Balancei a cabeça, confusa.
— Vocês dois se conhecem?
— Não. Nós nunca nos conhecemos.
— Sobre o que vocês conversaram?
— Não foi nada…
— Então, por que você está indo embora?
Ele apertou minha mão.
— Apenas me prometa, por favor?
Dei de ombros.
— Tudo bem, tudo bem. Prometo. Te ligo amanhã, mas isso é muito estranho.
Ele sorriu com firmeza, de um jeito que não combinou com seus olhos, e
soltou minha mão.
Rapidamente, em um movimento fluido, Jon se inclinou para frente, beijou
minha bochecha e, em seguida, se virou e saiu. Olhei para a porta por vários
minutos.
Quando me virei, encontrei Quinn me observando. Sua expressão era
indecifravel, como sempre, e, como era típico, seus olhos azuis celeste pareciam
estar mascarando um brilho travesso. Voltei para o sofá encostado na parede e
meus passos desaceleraram, tornando-se lento quando me aproximei. Olhei para
ele, perplexa, e deslizei para o sofá em frente a sua cadeira.
Como se nada tivesse acontecido errado, ele apontou para o copo de martini
na minha frente.
— Pedi um Lemon Drop.
Minha atenção se voltou para o líquido cor de uísque na frente dele, e para o
copo na minha frente. Havia apenas dois copos.
Fiz uma careta.
Olhei para Quinn, na esperança de transmitir a intensidade da minha suspeita.
— Sobre o que você e Jon conversaram? Por que ele saiu?
Quinn nem tinha decência suficiente para parecer envergonhado. Em vez
disso, me observou com seus olhos travessos, e tomou um longo gole de seu
uísque antes de responder.
— Você deveria perguntar a ele.
— Eu perguntei. Ele insistiu que não era nada. — Meu tom era monótono e
atado com a descrença que eu sentia.
Quinn deu de ombros.
— Então não deve ter sido nada... — ele disse, sua boca puxada para o lado
em um quase sorriso — A menos que Jon esteja mentindo.
Cruzei meus braços sobre o peito, e me inclinei para contemplar ele e sua
resposta insatisfatória. Ele encontrou meu olhar firmemente. Por fim, eu disse:
— Você não está sendo muito legal.
— O que eu fiz que não é legal?
— Acho que você está sendo meio esperto, e é por isso que você não está
sendo legal.
O sorriso dele desapareceu.
— Esperto não está no seu gráfico de dispersão de quatro quadrantes, da sua
matriz de personalidade.
Meus olhos se estreitaram ainda mais.
— Talvez deva estar. Talvez eu deva adicionar à honestidade como um eixo, e
torná-lo um modelo 3D.
— Você acha que eu estou sendo desonesto? — sua voz estava nivelada, mas
seus olhos pareciam brilhar com o desafio.
— Não. Eu acho que você está sendo, tecnicamente, honesto, o que é quase
pior.
Toda expressão evidente abandonou suas feições e seu olhar fixo, queimou
com intensidade. Senti minhas bochechas vermelhas sob sua inspeção, mas
mantive contato visual, mesmo quando meu coração começou a disparar e um
nervosismo torcido disparou no meu peito. Depois de um longo silêncio, ele se
levantou da cadeira. Sua forma imponente, se movia com uma facilidade
graciosa e elegante de uma pantera. Quinn sentou ao meu lado. Ele colocou o
braço atrás de mim, no encosto do sofá, e seu olhar passou pelo meu pescoço,
lábios e olhos.
Por um momento, pensei que ele fosse tentar me beijar. Em vez disso, ele se
aproximou e sussurrou:
— O que você quer saber?
Levou um tempo para eu concluir os pensamentos. As palavras vieram algum
tempo depois.
— Eu quero saber o que você disse a Jon quando fui ao banheiro.
Quinn me olhou especulando, e depois suspirou.
— Nós conversamos. E o que eu disse é, provavelmente, a razão pela qual ele
saiu. Não estou tentando ser evasivo, mas não é segredo meu para eu contar.
— O que você quer dizer com não ser segredo seu para você contar?
— Isso significa que Jon tem algo que deveria lhe dizer. Se você quer saber o
que é, então você deve perguntar a ele.
— Você não vai me dizer o que é?
Ele balançou a cabeça. Seu olhar era firme e sua voz era direta.
— Não. Não é o meu dever.
Mordi meu lábio superior o examinando, e finalmente decidi que acreditava
nele.
— Tudo bem — eu disse, com determinação. — Obrigada por ser honesto.
Ele assentiu uma vez.
— De nada. Agora eu posso fazer uma pergunta?
Não consegui impedir o meu revirar de olhos.
— Estamos jogando este jogo de novo?
Seu sorriso foi imediato e deslumbrante.
— Gosto deste jogo e, definitivamente, gosto de joga-lo com você.
Antes que ele pudesse fazer sua pergunta, fomos interrompidos pelo garçom,
perguntando se estávamos prontos para pedir. Quinn parecia tirar sua atenção de
mim com relutância, mas manteve o braço ao longo do encosto, nas minhas
costas. Peguei o cardápio para fazer rapidamente minha escolha, mas, pela
segunda vez em nossa curta relação, Quinn fez aquela coisa que se vê em filmes,
mas nunca acontece na vida real: Sem perguntar minha opinião, ele pediu para
mim.
— Vamos começar com o tarte aux champignons e dois salade au chevrotin. A
moça vai querer o Gigot D’Agneau au jus et Romarin, e eu o Steak Grillé au
Poivre, ao ponto. Também vamos querer uma garrafa do Chateauneuf du Pape, o
Cuvee de 2005.
O garçom inclinou-se ligeiramente, quando Quinn arrancou o cardápio da
minha mão e passou para ele. O garçom nos deu um sorriso contido e disse:
— Muito bem, senhor. — E saiu.
Quinn virou-se para mim e me deu seu sorriso lento e sexy. Aquilo causou
coisas esquisitas nas minhas entranhas, como se o calor causado pela minha
tontura, derretesse meus ossos. Meu cérebro também ficou confuso. Não me
aborreci por ele ter feito o pedido por mim.
Antes que ele pudesse seguir com sua pergunta, fiz uma das minhas.
— Por que você está sempre querendo tirar vantagem? — querendo fazer
alguma coisa com as minhas mãos, puxei meu guardanapo para fora do copo e o
cisne se desfez em um retângulo de linho branco e liso. O coloquei no meu colo.
Sua voz estava baixa quando ele falou e seus olhos acariciavam meus lábios.
— Em todo relacionamento ou interação, há vencedores e perdedores. Não
importa se são negócios, ou família ou... — ele fez uma pausa por apenas uma
fração de segundo, seus olhos queimando de um azul mais brilhante — …ou
envolvimento com o sexo oposto. Alguém sempre vence e alguém sempre perde.
Eu não gosto de perder.
Suas palavras foram um pouco decepcionantes. Minhas entranhas congelaram,
mas meu cérebro conseguiu sobressair do nevoeiro.
— Essa é uma teoria interessante — e foi. Foi uma teoria bastante
interessante. Vi mérito nisso, mas também senti que era fundamentalmente falha.
— E, supondo que o relacionamento seja entre duas pessoas que manipulam,
então você está certo. Haverá um vencedor e um perdedor. No entanto, se
ninguém está manipulando, então ninguém tira vantagem do outro.
Seus olhos se estreitaram para mim brevemente. Ele se inclinou para frente e
apoiou um antebraço na mesa.
— Só porque você não manipula, não significa que uma pessoa não esteja
atuando em algum momento do relacionamento, ou recebendo mais do que
doando. — Ele estendeu a mão sobre a mesa e pegou seu copo de uísque,
abandonado.
— Há muitas negações nessa frase. Não, não, não é... Talvez seja esse o seu
problema.
— Meu problema? — seus olhos se estreitaram ainda mais.
— Sim, seu problema. Talvez você esteja muito focado nas faturas negativas
da sua planilha de relacionamentos — dei risada. — Meu problema é que sinto
falta do óbvio, já o seu problema, é que você presta muita atenção nisso.
Ele parecia sorrir sem querer; uma risada relutante passou por seus lábios. Seu
olhar estava desprotegido e avaliando, enquanto dizia:
— Pode ser que você esteja certa. — Ele puxou seu lábio inferior com o
polegar e o indicador distraidamente, continuando sua avaliação evidente de
mim, com seu sorriso se alargando.
Me deliciei com o calor de seu olhar de aprovação, antes de cutucá-lo.
— Então, o que te levou a essa perspectiva pessimista? Seus pais te chamam o
tempo todo, querendo que você cuide do gato deles, ou instale as calhas? Eu
ajudei meu pai a instalar calhas em nossa casa, quando eu tinha dezesseis anos.
Foi realmente horrível.
Uma expressão, que só poderia ser descrita como melancolia sinistra, lançou
uma sombra sobre o rosto de Quinn. Ele engoliu com esforço e disse:
— Eu não falo com meus pais. Eu não falo com eles desde que meu irmão
morreu.
Meu próprio sorriso desapareceu imediatamente, e eu olhei para ele por um
bom tempo. Brinquei com meu guardanapo, em seguida, o ajeitei e apertei
minhas mãos no meu colo.
— Ah. Bem... — balancei a cabeça, sentindo que eu precisava oferecer algo
em troca, apenas no caso de ele estar manipulando fatos pessoais. — Falei com
meu pai há algumas semanas, quando perdi meu emprego. Nós realmente não
nos falamos muito, mas ele é um cara legal. Ele envia e-mails para mim, que
recebe dos outros. Ele nunca escreve nada que seja só para mim. Eu não falo
com nenhuma das minhas irmãs.
Ele me olhou de lado.
— Por que não?
— Na verdade, não temos nada em comum, e suas escolhas profissionais
dificultam a manutenção de um relacionamento significativo com elas.
— Meu pai e meu irmão eram policiais, em Boston. Eles não ficaram muito
felizes com a escolha da minha carreira.
— Com o que? Em ser um segurança, um consultor, ou, o que você é?
A boca de Quinn prendeu de lado e ele parou antes de responder. Seus olhos
se moviam sobre mim, e sua expressão estava entre confuso e divertido.
— Não, na verdade, quando eu era mais jovem, eu era uma espécie de hacker
invertido.
— O que você quer dizer?
— Ajudei as pessoas a protegerem seus computadores, sistemas, redes, ... esse
tipo de coisa.
— Por que seu pai não gosta disso?
— Porque a maioria das pessoas que me contratavam para fazer isso, eram
criminosos.
— Então você criou firewalls para chefes da máfia? Se eu começasse uma
banda. Máfia Boss Firewall seria um excelente nome. — Me chutei
mentalmente, por ter sido indelicada, o que fez com que eu me encolhesse.
— Não foi nada tão poético quanto isso — ele olhou para seu uísque quase
vazio e estudou o líquido âmbar. Seus ombros pareciam cair sob o peso de algo
que eu não conseguia ver. Depois de um longo minuto, ele continuou: — Na
verdade, o que eu realmente fiz, foi evitar que seus dados fossem usados contra
eles, caso seus computadores ou hardware fossem confiscados.
Isso não era algo que eu esperava ouvir. Antes que eu pudesse me dar conta,
perguntei:
— Onde você aprendeu a fazer isso?
Ele deu de ombros, sem olhar para mim.
— A maior parte foi como autodidata. Fui para a faculdade, em Boston, por
dois anos. Cursei Ciência da Computação, mas desisti quando os negócios
começaram a melhorar.
— Por que você parou? Digo, por que parou de fazer o hack reverso, para
criminosos?
Ele ergueu os olhos para os meus, sua expressão vazia.
— Como sabe que eu parei?
— Eu não sei se parou. Você parou?
— Parei.
— Por que? Se foi tão lucrativo, então por quê...
— Porque... — ele interrompeu, seus olhos olhando atentamente para os meus
e sua testa baixa, como se estivesse tentando, com muito esforço, decifrar um
mistério. Sua atenção mudou para o meu cabelo caindo sobre o meu ombro.
Com uma expressão distraída, ele pegou um cacho e o esfregou entre o polegar e
o indicador. Sua voz soava distante e distraída, quando ele respondeu: —
Porque, por minha causa, meu irmão morreu.
Eu não sabia o que dizer, então apenas o observei.
Os olhos de Quinn se voltaram para os meus. Ele parecia estar tentando
avaliar minha reação. Sorriu, mas estava cheio de amargura.
— Como o primeiro programa funcionava, qualquer tentativa para acessar os
dados na ausência de um transmissor de Radiofrequencia, seria executado um
script em segundo plano, o que limparia o disco rígido, tornando-o inoperante.
Depois, quando minha base de clientes cresceu, junto com a demanda por
sistemas de dados maiores, construí um desmagnetizador. Tive que adicionar
uma bateria de apoio, apenas para o caso do sistema ser desligado. Como você
pode imaginar, essa bateria tinha o péssimo hábito de pegar fogo.
Limpei a garganta e engoli, querendo falar que o risco de incêndio poderia ter
sido amenizado pelo isolamento e resfriamento do desmagnetizador. Em vez
disso, perguntei:
— Por que diz que seu irmão morreu por sua causa?
Sua boca se curvou em uma carranca, e ele suspirou.
— Porque um dos caras, digo, um dos ‘bandidos’ para os quais eu trabalhava,
atirou no meu irmão.
Pisquei.
— Eu não... não entendo.
— Meses antes de Des, meu irmão, ser morto, a polícia tinha um mandado de
busca e pegou todos os computadores desse cara, backups, tudo. O programa que
eu criei para o homem, funcionou perfeitamente e a polícia ficou sem nada. Se
eu não tivesse colocado o programa em seu computador, e se não o tivesse
ajudado a manter suas informações seguras da polícia, ele estaria preso, em vez
de...
Fechei minha mão ao redor da dele, não querendo que ele terminasse a frase.
Foi uma história horrível. Eu queria dizer que não era culpa dele, mas senti que
essa afirmação seria trivial e paternalista.
Em vez disso, eu disse:
— Eu entendo por que você se culpa.
Ele piscou para mim, em seguida, estreitou seu olhar um pouco, como se
estivesse tentando me ver melhor. Desta vez, seus olhos e seu sorriso estavam
tristes.
— Você me culpa?
— Eu culpo o bandido, quem realmente puxou o gatilho e o matou. Nessa
situação, você parece uma pessoa que reconheceu o erro de seus caminhos e
tentou mudar. Se você se lembra, essa é a diferença entre um cara bom e um cara
mau.
Ele soltou um suspiro que eu não sabia que ele estava segurando. Seus olhos
ainda estavam tristes, mas sua expressão parecia nitidamente preocupada . Ele
olhou para mim com algo que parecia admiração, e com a voz baixa em um tom
calmo, disse:
— Não acho que manipularei você.
Fiel à sua palavra, Quinn me ligou precisamente às 11h29 para avisar que
estava lá embaixo. Suprimi uma onda de nervosismo e mexi nos meus óculos,
lembrando que eu frequentemente passava metade dos dias saindo com outros
amigos. Eu poderia passar metade do dia saindo com meu mais novo amigo. Não
havia nada de preocupante nisso. Absolutamente nada. Nadica de nada!
Roí minha unha enquanto olhava uma última vez no espelho, encontrando o
olhar preocupado de Elizabeth por cima do meu ombro. Ela não disse nada, mas
eu pude sentir sua preocupação comigo.
Admiti que estava bem. Bonita, até. Elizabeth me ajudou a enrolar meu cabelo
em um coque trançado. Eu estava usando um laço branco de seda e um vestido
branco transparente, de verão, com mangas de três quartos de comprimento. Um
toque de rendas de algodão simples envolveu minhas costelas, antebraços e ao
redor do decote quadrado. Ia até abaixo do joelho, e chinelos brancos
completaram o visual.
Nunca usei o vestido antes, porque era bem transparente por conta própria.
Elizabeth sugeriu usar um forro. O simples vestido de verão, destacava minhas
melhores características — seios, cintura e pernas —, mas era moderado, até um
pouco conservador, e era apropriado para um piquenique com um amigo.
Empurrei meus óculos mais para cima do meu nariz, os usando
propositalmente ao invéz de lentes, e virei para pegar meu suéter e minha bolsa.
A bolsa continha duas maçãs frescas e o último dos pêssegos de verão que
encontrei no mercado. Elizabeth se agitou e torceu as mãos, me impedindo de ir
até a porta.
— Ah, você deveria vestir outra coisa. Você está tão bonita. Quero fazer sexo
com você. Acredite, ele vai pular em cima de você, no carro!
— Ah, por favor! — dei risada quando ela me puxou para um abraço.
— Sério, Janie — disse ela, e me segurou pelos ombros. — Se toda essa
situação de Wendell Calças-Quentes te ensinou alguma coisa, deve ser para
aceitar o fato de que você é muito gostosa e muitas pessoas querem tirar sua
calcinha.
Bati as mãos dela e fui para a porta.
— O que você fará esta tarde?
— Eu? Ah, vou para a academia, depois tenho que ir para o trabalho fazer
alguns gráficos — ela se espreguiçou e bocejou.
Eu sabia que ela estava tendo menos de seis horas de sono. Mesmo assim, ela
insistiu em acordar uma hora antes do necessário, somente para ouvir a história
sobre o jantar de Jon e Quinn, e a discussão sobre sermos apenas amigos.
Ela disse que ficou impressionada com a forma como eu lidei com a situação,
e me parabenizou por ser corajosa e honesta, embora eu ache que ela,
secretamente, queria que eu cedesse à tentação de me tornar uma estepe de curto
prazo para Quinn Wendell.
Ela também pontuou que Quinn não concordou com o rótulo de amigo.
Pontuou várias vezes, por sinal.
Tive que me agarrar ao rótulo porque, sem ele, me sentia a deriva, em um mar
sem limites de incógnitas. Desci as escadas, animada em ver meu novo amigo
Quinn. Sim, era isso. Meu amigo, apenas meu amigo.
Saí do prédio e o encontrei de pé na calçada, bem próximo de mim. Estava
encostado ao final do corrimão da escada de cimento, presumivelmente lendo as
mensagens em seu celular. Ele era incrivelmente lindo e eu suspirei, baixinho.
Aquelas eram estepes de sorte. Coloquei meus óculos de sol.
O sol era brilhante e ofuscante. Era um dia perfeito de Setembro e,
possivelmente, um dos últimos dias quentes antes do início de Outubro. Ele deve
ter ouvido a porta fechar atrás de mim, porque ele olhou para cima, desviando o
olhar de seu telefone para onde eu estava, no topo da escada. Ele se endireitou e
ficou perfeitamente imóvel.
Peguei em minha bolsa enquanto descia.
— Eu sei que você disse para não trazer nada, mas peguei algumas maçãs e
pêssegos da feira de domingo — estendi uma maçã para ele como prova e, em
seguida, enfiei de volta na minha bolsa.
Ele gemeu e soou um pouco aflito.
— Você não está sendo muito legal — sua voz era baixa e grave.
Franzi o rosto em resposta.
— Ah, vamos. Eu posso levar frutas. Tenho permissão para traze-las — o
cutuquei e ele agarrou minha mão.
— Não estou falando sobre as frutas.
— Você não gosta de maçãs? Deveria. Em 2010, eles decodificaram o genoma
da maçã, o que levou a novos entendimentos sobre controle de doenças e
reprodução seletiva na produção de maçãs. Realmente tem ramificações mais
amplas…
Ele parou minha boca com um beijo suave, sua mão envolvendo minha
cintura e me puxando para ele. Tive a nítida impressão de que estava sendo
provada da mesma maneira que se aprecia um pêssego. Meu corpo, traidor,
reagiu imediatamente arqueando e pressionando o dele, e eu o beijei de volta, o
provando em troca. Não foi um beijo amigo. Pelo menos eu nunca beijei um
amigo assim.
Finalmente, depois de provarmos um ao outro, Quinn interrompeu o beijo,
apoiou a testa na minha e sussurrou:
— Oi.
Pisquei para ele. Meu coração e minha mente estavam competindo em uma
corrida difícil, mas consegui dar um pequeno “oi” em troca.
— Mudei de ideia sobre beijar você.
— Bem — eu disse. — Você me avisou — Uma sensação de zumbido quente
estava vibrando no meu peito.
Não falei muito no carro, mas me peguei diversas vezes puxando meu lábio
inferior. Quinn estava dirigindo. Era outro Mercedes preto e me perguntei se era
um carro da empresa. O pensamento de que ele estivesse usando propriedade da
empresa para o nosso encontro, me incomodou.
Ou talvez estivesse tudo bem, porque é o nosso não-encontro... o nosso dia
Wendell-estepe. Que seja. Permiti me preocupar com o uso do carro, pois isso
me dava algo em que me concentrar. Ele não fez nenhuma tentativa de conversa
e parecia contente em dirigir em silêncio. Por mais confuso que fosse, o silêncio
não era estranho ou desconfortável. Apenas normal.
Quando chegamos próximo ao parque, ele me surpreendeu ao estacionar em
um dos lotes privados de um prédio enorme. Entramos em um espaço numerado,
no subsolo. Me mexi no banco e olhei para ele, de canto de olho, quando ele
desligou o motor.
— Estamos no seu... você mora aqui?
Ele rapidamente saiu do carro e veio para o meu lado. Antes que eu pudesse
puxar o trinco, Quinn abriu a minha porta em uma inesperada, mas não
surpreendente, demonstração de boas maneiras. Estendeu a mão para me ajudar
a sair do veículo e não mais a puxou de volta. Ao invéz disso, entrelaçou seus
dedos nos meus, e me levou em direção ao elevador. Nesse momento, percebi
que estava bastante acostumada com a sensação da mão dele segurando a minha.
— Antes de fazermos nosso piquenique, quero te mostrar uma coisa.
Sem mais explicações, esperamos o elevador. Já dentro, ficamos ao lado um
do outro, de mãos dadas, enquanto o elevador subia. Tudo no momento me
pareceu estranho e surreal, e me perguntei como chegara a esse ponto.
Rebobinei meus pensamentos e revisei como cheguei até aqui: Tudo começou
naquela noite, semanas atrás, no bar e no sábado da manhã seguinte. Avançamos
para a quarta-feira passada, quando ele se encontrou comigo no Smith’s. Então, a
quinta-feira seguinte e o incidente do celular. A sexta-feira foi boa, normal. Mas
não foi normal. Mas, ainda assim, foi boa e ele me beijou três vezes. O sábado
foi esclarecedor e confuso, o que me trouxe ao domingo e outro beijo, e, neste
momento, de mãos dadas no elevador.
Apesar dos meus melhores esforços, agora eu estava à deriva em um oceano
sem rótulo, desconhecido e tentando encontrar minhas pernas marítimas sem
mapa, diagrama, ou figura com notas de rodapé. Me senti claramente apavorada
e excitada... principalmente apavorada.
Apesar de todo o meu cérebro rebobinar, o passeio de elevador foi, na
verdade, muito curto. As portas se abriram para um longo corredor branco com
quatro portas. Placas de plástico cobriam o chão de mármore e cheiravam a tinta.
Quinn colocou a mão na base da minha coluna e me conduziu até o final do
corredor. Retirou um conjunto de chaves, destrancou a porta, e me deu um
pequeno sorriso. Com expectativas, indicou que eu entrasse.
Atravessei a soleira com hesitação e pisei em um piso de madeira, de cor
cinza. Olhei em volta para o que, agora, reconheci como um apartamento muito,
muito bom. Não era mobiliado, de modo que os painéis de madeira se
espalhavam ininterruptamente e entrecruzavam com os feixes horizontais de luz,
que emanavam de três janelas grandes, do chão ao teto, saindo da sala de estar
que dava para o Millennium Park. Caminhei lentamente pelo grande espaço, em
direção às janelas, e notei a altura do teto da catedral quando me virei para
contemplar tudo. Meus passos eram altos e reverberavam. As paredes eram
pintadas de um branco liso, assim como as sancas e rodapés.
— A cozinha é aqui. — A voz de Quinn ecoou do meu lado.
Segui para onde ele apontava uma espaçosa cozinha em mármore cinza-
azulada. Todos os utensílios eram de aço inoxidável — forno duplo, fogão a gás,
lava-louças, geladeira gigante — exceto a pia, que era de porcelana branca e
enorme. Ela foi feita para ser usada.
A cozinha parecia um pouco triste sem eletrodomésticos, livros de receitas e
comida espalhadas pelas bancadas, como uma criança esperando para ser
escolhida para uma equipe de queimada.
Depois de me dar um minuto para examinar o espaço, ele colocou a palma da
mão nas minhas costas e, gentilmente, me levou para um corredor com dois
quartos. Eles eram muito semelhantes em tamanho e ambos tinham banheiros
privativos. A principal diferença, era que o maior também tinha uma vista para o
parque e, no banheiro, havia uma banheira de hidromassagem do tamanho de
uma cisterna.
Meus olhos se arregalaram quando vi a banheira. Era uma banheira
impressionante. Acho que nunca vou superar a vista daquela banheira, e as
imagens que ela criou sobre tomar banho com dezessete dos meus amigos mais
íntimos. Literalmente, eu poderia realizar uma noite de tricô na banheira.
Quinn pareceu sentir que eu precisava de algum tempo para absorver a
enormidade da banheira, então esperou por mim no quarto principal. Quando saí,
dei um último olhar de desejo à banheira, depois voltei minha atenção para
Quinn.
Banheira mais Quinn é igual Quinnheira ou Baninn. Decidi que Baninn
parecia mais atraente. Deixei esse pensamento passar por mim: Baninn com
Quinn.
Nem tentei lutar contra o rubor que se seguiu.
— Ei — ele estava sentado em um assento embutido na janela, o qual eu notei
que poderia ser usado para armazenamento.
— Oi — respondi, soltando um suspiro lento, tentando encontrar um assunto
diferente de Baninn para conversar.
— O que você acha? — ele perguntou, apontando com a cabeça para eu me
juntar a ele no banco de madeira.
— É muito bonito... — andei até ele lentamente, ainda inspecionando o
quarto. — Você está pensando em alugá-lo?
— Não, eu não. Estava pensando que seria bom para você e Elizabeth.
Parei a cerca de um metro de onde ele estava sentado.
— O que?
— Você mencionou que vocês estavam procurando por um lugar maior. Você
e Elizabeth.
— Sim, algo maior, não... — passei os braços em volta de mim, em um
movimento que imaginei parecer com o lento bater de asas. — ... não uma
Mansão de Rico Ricaço enorme.
Seu sorriso foi imediato.
— Não é tão grande assim.
Inclinei minha cabeça para ele da maneira que muitas vezes o vi fazer, as
mãos se movendo para o meu quadril.
— Estou bastante certa de que está bem fora de nosso orçamento.
Ele também inclinou a cabeça.
— Veja, é aí que está. Este andar e os quatro abaixo, pertencem à Cypher
Systems. Eles foram comprados especificamente para funcionários.
— Você quer dizer... você quer dizer que a empresa possui esses
apartamentos?
Ele assentiu.
— Mas, por que o chefe quer comprar apartamentos para os funcionários?
Ele encolheu os ombros.
— Na verdade, foi ideia da Betty. Ela e o marido estão à procura de um lugar
menor. Eles querem sair da casa, agora que todos os filhos foram embora e me
pediu para ajudá-la a encontrar um lugar perto do trabalho, para que não tivesse
que viajar.
— Ah — pensei a respeito. — E o chefe acabou por decidir em comprar cinco
andares em um arranha-céu, com vista para o Millennium Park?
— Se você pensar bem, faz sentido — ele se levantou, deu um passo, agarrou
minhas mãos nas dele e nos levou de volta para o assento da janela. — É um
bom benefício para os funcionários. Este é um ótimo lugar para se morar, perto
do Loop, do resto do centro da cidade e do parque. O principal negócio da
Cypher, é a segurança. Ter funcionários espalhados por toda Chicago, dificulta a
segurança de todos. Se todos morassem aqui, estariam perto do trabalho e seria
mais fácil ficar de olho neles.
— Você acha que o chefe quer ficar de olho nas pessoas?
— Sim e não. Não do jeito que você quer dizer.
— De que maneira, então? — eu estava franzindo a testa.
Ele suspirou, passou a mão pelo cabelo e estudou o chão por um momento,
tenso, antes de falar.
— Você não trabalha muito com as contas confidenciais.
Pisquei com aquela afirmação, imaginando onde ele queria chegar com essa
declaração aparentemente aleatória.
— Sim... então?
— Eu não posso explicar o que quero dizer, com muito detalhe.
Analisei essa declaração e cheguei rapidamente a uma conclusão.
— Isso tem algo a ver com os acordos de não divulgação?
— Algo parecido.
— Eles são... os clientes confidenciais... eles são bandidos?
Ele me deu um olhar de lado enquanto um lampejo de um sorriso iluminou
suas feições.
— Não, não exatamente bandidos. Apenas poderosos.
— Hm — comecei a puxar meu lábio inferior novamente, enquanto meus
olhos vagavam pelo apartamento sem enxergá-lo. Sem querer pronunciar as
palavras em voz alta, eu disse:
— Você vai se mudar para um dos novos apartamentos?
Ele hesitou e disse:
— Não, para nenhum dos novos apartamentos.
— Ah — olhei para a porta que dava para o banheiro. — Você sabe custa o
aluguel?
— Sim, eu tenho uma noção. Seria mais do que vocês duas estão pagando
agora. Provavelmente um pouco menos que o dobro.
— Ah. Bem, isso faz sentido. Não é muito, na verdade — cruzei as pernas e
meu pé começou a bater no chão. — Seria estranho viver e trabalhar em torno
das mesmas pessoas. E se eu sair do emprego? Teríamos que sair daqui?
— Você planeja sair do seu trabalho? — sua voz era monótona, mas tinha
apenas uma ligeira vantagem.
— Bem não. Não agora. Não tão cedo, na verdade.
— Você gosta de lá? Você ainda gosta do trabalho?
Assenti.
— Sim. É estranho, mas nunca gostei muito do gerenciamento de contas no
meu antigo emprego. Tudo o que eu conseguia pensar, era em me candidatar a
uma das vagas de arquiteta. Agora eu realmente gosto desse. É diferente.
— O que há de diferente?
Olhei para ele. Ele parecia tão interessado quanto demonstrava, então levantei
minha perna até o assento de madeira e o encarei. A visão do parque me distraiu
por um momento.
— É, bem, é apenas melhor. Estou aprendendo sobre um novo negócio, o que
é interessante. E Carlos e Steven estão realmente abertos às minhas ideias de
melhorias na estrutura e nas operações de faturamento, enquanto, em meu antigo
trabalho, eles não estavam interessados em novas ideias. Também gosto das
pessoas.
As sobrancelhas de Quinn se levantaram e ele me deu um largo sorriso.
— Ah, você gosta? Que pessoas?
— Bem, vamos ver. A Keira, claro; ela é muito legal, e o Steven. Dan também
é muito simpático. E o Carlos...
Quinn franziu a testa.
— E o Carlos? Ele não tem dado em cima de você, não é?
Dei risada. Na verdade, ri e dei-lhe um grande sorriso.
— Não, não, absolutamente. Não seja ridículo.
— Por que ridículo?
— Porque Carlos é meu chefe. Eu nunca estaria interessada no meu chefe.
O rosto de Quinn congelou. Ele piscou para mim como se eu tivesse dito algo
realmente perturbador.
— Por que não?
Foi a minha vez de franzir a testa.
— Você está tentando fazer com que eu saia com o Carlos?
— Não, não. Definitivamente, não. Mas, só porque alguém é seu chefe, não
deve colocá-lo na categoria de fora dos limites automáticos.
— Uh, sim deveria. Namorar seu chefe coloca você em uma desvantagem
distinta.
— Como namorar alguém que é rico?
Bufei.
— Sim, eu acho. É semelhante, mas pior.
— Por que pior?
— Quinn!
— Janie. — Seu tom e sua expressão eram de granito.
— Por que estamos tendo essa conversa?
— Porque eu quero.
— Mesmo eu, com minha falta de capacidade de entender o óbvio, entendo
esse conceito. — O cutuquei, não gostando da sua aparência séria, tentando
descobrir o que eu poderia ter dito para causar sua mudança abrupta de humor.
Seus olhos se estreitaram quando se concentraram em mim com intensidade, e
suas feições permaneceram impassíveis.
— Eu acho que você está sendo mente fechada.
Cruzei meus braços e endireitei minha espinha.
— Mesmo? Como assim?
— Por que você gosta de atribuir rótulo a tudo?
— Fazer isso, simplifica as coisas.
— As pessoas não são simples.
— Mas os rótulos ajudam a torná-las simples. Por que você não gosta de
rótulos?
Ele travou sua mandíbula enquanto seus olhos se moviam entre os meus.
— Usar rótulos como o único fator na definição de uma pessoa e, portanto,
como você as trata tendo isso como base, é chamado de estereótipo.
Abri minha boca, mas depois a fechei abruptamente e engoli. Meu peito
estava quente, com uma mistura pungente de desconforto e aborrecimento.
Estávamos nos encarando, e minha respiração ficou um tanto agitada.
— Eu não estereotipo pessoas. Estereótipos implicam que eu faça julgamentos
sem dados válidos, mas baseados em atalhos sociais ignorantes.
— Chefes não são para sair — ele disse. Notei seu tom deliberadamente
inexpressivo.
— Isso é apenas senso comum — me levantei e ele agarrou meu braço, não
com força, mas com firmeza, e me virou em direção a ele enquanto se levantava.
— Caras ricos são namorados ruins. Não é um rótulo?
— Isso não é um rótulo, é uma preferência — retruquei.
— Estepes e Wendells? — desafiou.
— Bem, se ele anda como um pato, grita como um pato e faz sexo com
múltiplos parceiros indiscriminadamente, então... — arregalei meus olhos com a
expressão, enquanto minha voz subia. Eu estava indo além do aborrecimento,
para outra coisa que, agora, reconheci como algo muito perto de raiva.
Ele rosnou e se mexeu, inquieto, como se enjaulado.
— Eu não gosto de ser categorizado.
— Não me diga que eu estereotipo pessoas, só porque você não gosta de seu
rótulo. Se você não gosta de ser um Wendell, então não seja um. São suas ações
que ditam como você é percebido e como você é tratado.
— Ou você pode decidir deixar de ser tão intolerante, crítica...
— E o que? — tirei meu braço de seu aperto. — Me tornar tão aberta, que
meu cérebro cairia? Dar tantas desculpas pelo mal comportamento das pessoas,
até ficar sem fôlego? Não, obrigada. Eu não tenho nenhum desejo de nutrir as
merdas de cada pessoa e chamar de “floco de neve bonito”. Eu não vou dar
desculpas para a maneira que tratam as pessoas ao seu redor como lixo. Se eu
quisesse isso, ainda estaria com Jon dando desculpas por sua traíção, ou
emprestando dinheiro às minhas irmãs para suas façanhas criminosas. Enquanto
isso, eu ainda estaria vivendo em um estado de decepção perpétua.
Seus dentes estavam cerrados.
— Não estou propondo que você permita que as pessoas tratem você como
lixo. Estou sugerindo que você faça um esforço para entender o comportamento
delas e as motivações por trás disso, em vez de simplesmente dispensá-las
porque elas atendem aos critérios de um de seus atalhos.
Eu não pude evitar o sarcasmo que se espalhou, embora as palavras me
fizessem arrepiar quando eu as disse.
— Então me corrija se eu estiver errada: imagino que a motivação por trás de
ser um Wendell, é querer fazer sexo sem ser limitado pelo número, variedade e
frequência dos parceiros.
Ele continuou como se eu não tivesse dito nada.
— E também esteja aberta à possibilidade de que, só porque alguém se
comportou de uma maneira no passado, não significa que é o que querem para si
agora e no futuro.
— As pessoas não mudam. — Eu disse as palavras sem pensar, mesmo que eu
realmente não quisesse dizer ou acreditar nelas, e imediatamente me arrependi
da afirmação. Depois do que eu soube, depois do que Quinn me confidenciou
noite passada sobre seu passado e seu irmão, eu queria me desculpar, mas, ao
invéz disso, comecei a morder meu lábio inferior.
Seus olhos brilharam perigosamente. Ele engoliu enquanto fixava seu olhar
em um ponto, acima do meu ombro esquerdo. O vi trocar seu peso como se
estivesse se preparando para passar por mim.
— Eu sinto muito — soltei, e estendi a mão para ele. Minhas mãos agarraram
seus pulsos para segurá-lo no lugar. Seus olhos encontraram os meus e dei um
pequeno passo em direção a ele. — Você está certo. As pessoas podem mudar e
as motivações são importantes. Não sei por que eu disse isso. É só... — soltei
seus pulsos, esfreguei minha testa com meus dedos e suspirei. — É só, crescer,
minha mãe... ela... — revirei os olhos, odiando que iria admitir para alguém que
as decisões da minha mãe tinham algum impacto sobre quem eu era como
pessoa e as decisões que tomei.
Quinn cruzou os braços sobre o peito e inclinou a cabeça para o lado.
— Você nunca mencionou sua mãe — disse como se tivesse acabado de
perceber.
Cerrei meus dentes.
— Eu, particularmente, não gosto de falar sobre ela.
— Por que não?
Suspirei novamente.
— Porque ela era inconsistente e não confiável, e era a versão feminina de um
Wendell.
Ele me observou visivelmente, seus belos lábios torcendo para o lado.
— A Wendellette?
Minha boca se curvou em um sorriso relutante e eu assenti.
— Ela era... — olhei em volta do quarto, para além dele, em direção a janela.
— Ela era muito bonita, e meu pai era apenas um capacho dela. Ela ia embora
por semanas ou meses com um cara e depois voltava, e meu pai a perdoava e era
esperado que fingíssemos que tudo estava bem.
Ele colocou as mãos no quadril.
— Ela traiu seu pai?
Assenti.
— Sim, muito. Na verdade, era ridículo. Perto do fim, ela ficava mais fora do
que em casa.
— Perto do fim?
Meus olhos voltaram para os dele.
— O fim é pouco antes dela morrer — mudei, de repente, me sentindo
inquieta. — Então, veja, ser o estepe de alguém, não me atrai. Também não
desejo ser um capacho. Gosto de coisas definidas, não gosto de surpresas, e eu
não gosto da falta de expectativas claras. — Minhas mãos se moveram para
minha cintura e endireitei minha coluna. — E se isso me torna um pouco mente
fechada, então acho que estou bem com isso. — Nos olhamos por um longo
momento, então ele se moveu abruptamente.
Tive uma sensação de vulnerabilidade quando ele diminuiu a distância entre
nós. Literalmente me fechou, pois não havia espaço entre nossos corpos e eu,
silenciosamente, contemplei a maneira como o meu corpo derretia contra o dele
sem o meu consentimento.
Ele deslizou as mãos pelos meus braços, em seguida ao redor da minha
cintura, apoiando no meu quadril, logo acima da minha bunda. Para minha
surpresa e apreciação um pouco envergonhada, senti cada parte firme de seu
corpo, incluindo um comprimento duro pressionando meu abdômen.
Mais uma vez, corei.
A cabeça de Quinn mergulhou e sua boca prendeu a minha em um beijo
devastadoramente suave. Minha ansiedade não se dissipou. Em vez disso, uma
nova emoção me envolveu em uma bola ardente que trepidava em meu peito e a
construiu. Não reconheci o sentimento. Tudo que eu sabia, era que isso me fazia
querer arrancar suas roupas.
Ele levantou a cabeça ligeiramente, com os olhos encobertos.
— Você está pronta para o nosso encontro?
Limpei minha garganta, suprimindo o desejo de me esfregar contra ele, de
repente desesperada pelo atrito. Pigarreei novamente.
— Pensei que você não namorasse.
A bochecha de Quinn se moveu contra a minha, de modo que suas palavras
sussurradas estavam quentes contra o meu ouvido.
— Eu gostaria de namorar você.
Tremi e meus olhos se fecharam. Minha voz estava tensa quando perguntei:
— Isso significa que você irá tirar as estepes de circulação?
O senti sorrir contra o meu pescoço enquanto ele dava um beijo demorado no
meu ombro.
— Elas já estão fora de circulação.
Ele deu outro beijo no meu ombro, ao lado de onde o laço encontrava minha
pele. Meu corpo, desleal, o pressionou com mais firmeza e minhas palavras
saíram num suspiro.
— Quando isto aconteceu?
Senti ele dar de ombros. O simples movimento fez seu peito se esfregar contra
o meu, e tive que morder meu lábio para não gemer.
— Um tempo atrás. — Ele se afastou. Um conjunto de dedos levantando do
meu quadril e, lentamente, traçando a borda do meu vestido no ombro, onde ele
me beijou, para minha clavícula, para o meu peito, depois para cima novamente.
Isso arrepiou toda minha pele. Meu couro cabeludo estava tenso.
Um tempo atrás.
Meus cílios se abriram e eu encontrei seu olhar. Eu estava com a cabeça
confusa e zonza, e queria saber mais sobre o desaparecimento das estepes. Em
vez disso, perdi minha locomotiva de pensamento quando ele deu um sorriso
lento. Os dedos, acima mencionados brincando com a borda do meu vestido,
escorregaram pelo meu ombro e desceram pelo meu braço, entrelaçando-se com
os meus.
Ele puxou minha mão.
— Vamos. Vamos fazer nosso piquenique.
Capítulo 14
Passamos o dia todo no parque. Vários jogos de Frisbee aconteciam, enquanto
eu conseguia manchas de grama no meu vestido branco.
Para minha surpresa, houve um show de Blues gratuito no Jay Pritzker
Pavilion, e decidimos ficar para assisitr depois do nosso dia juntos, de diversão.
Ficamos à beira do gramado, para deixar bastante espaço entre nós e os outros
usuários do parque.
Quinn se deitou no cobertor, com a cabeça descansando no meu colo como se
fosse a coisa mais natural do mundo e eu acariciei seu cabelo com meus dedos.
Eu teria parado para me beliscar e garantir que eu não estivesse sonhando, ou
que eu não tivesse sido sugado para um tipo de realidade alternativa de Matrix,
mas eu não queria saber. Não haveria pílula vermelha para mim.
Quinn adormeceu e eu não queria acordá-lo, então ficamos até o final do
último jogo. Eu observei, hipnotizada, as linhas e ângulos de seu rosto e a forma
de seus lábios. Eles se separaram um pouco e, com sucesso, lutei contra o desejo
de beijá-los.
O aplauso o despertou de seu sono. Ele franziu a testa, visivelmente confuso
com o seu entorno, e piscou para o meu rosto. A cor e a intensidade imediata de
seus olhos me reconhecendo, fizeram meu peito doer de um jeito muito bom.
Sorri para ele.
Por impulso, me inclinei e passei os meus lábios contra os dele com a intenção
de dar, ao meu belo sonolento, um pequeno beijo. No entanto, antes que eu
pudesse me retirar, as mãos de Quinn me seguraram no lugar; suas palmas
gigantes em minhas bochechas, seus longos dedos acariciando meu pescoço.
Ele aprofundou o beijo mesmo quando se sentou direito e se inclinou sobre
mim, de modo que eu estava ligeiramente reclinada, com a minha nuca contra o
seu joelho. Meus dedos passaram em torno de seus antebraços, para me
equilibrar. Sua língua era quente, suave e reverente, enquanto suave e,
enlouquecedoramente gentil, acariciava a minha. Eu estava sendo provada e
saboreada como um sorvete, ou uma sobremesa gourmet. O efeito foi inebriante.
Alguém que passava assobiou, presumivelmente, para nós e eu mergulhei meu
queixo no peito enquanto me endireitava, interompendo o beijo, achando difícil
respirar. Suas mãos se afastaram. Olhei para ele por baixo dos meus cílios e da
proteção que meus óculos de aros pretos proporcionavam. Ele estava de perfil,
olhando na direção do assobiador. Sua expressão severa o fez parecer resoluto e,
com isso, também o fez parecer poderoso, o que o fez parecer sexy.
Lambi meus lábios, o provando neles, e tentei chamar sua atenção de volta
para mim.
— Você dormiu bem? — minha voz estava levemente sem fôlego.
Ele encontrou meu olhar e tive a súbita sensação de estar paralisada. Meus
membros pareciam pesados e inúteis. Ele me fez uma pergunta, ignorando a
minha:
— Por que você usa óculos, ao invez de lentes de contato?
Eu devia estar embriagada pelo beijo, pois respondi com sinceridade.
— Porque eles fazem com que eu me sinta segura.
Sua boca torceu para o lado e ele piscou uma vez.
— É por isso que você usa seu cabelo assim? — indicou meu cabelo
repousado no topo da minha cabeça, em um coque severo. — Você se sente mais
segura com seu cabelo para trás?
— Não. Eu uso meu cabelo em um coque, porque, soltos, parece as cobras da
Medusa.
A marca registrada de Quinn, o sorriso lento e fácil, eclipsou suas feições.
— Não parecem as cobras da Medusa.
— Sim. Você sabia que a Medusa também tinha duas irmãs? Ela era filha do
meio, como eu. Mas a Medusa era a única mortal das três. A maioria dos mitos
dizem que ela foi morta por Perseus. Ele usou um escudo espelhado, para que
não tivesse que olhar diretamente para ela. Quando ela morreu, Pegasus, o
cavalo alado, saltou de seu corpo como um gigante, empunhando espadas.
Quinn torceu a boca para o lado, e então ele, gentilmente, tirou meus óculos e
os colocou no cobertor ao nosso lado.
— Isso parece improvável.
Dei de ombros, me sentindo letárgica e um pouco tonta por estar sentada em
um cobertor com ele, no parque, durante o crepúsculo. Também me senti um
pouco exposta, agora que meus óculos foram removidos.
— Alguns acham que ela estava grávida de Poseidon na época. Talvez o
esperma dele fosse do cavalo mágico e da variedade gigante, em vez de carregar
o habitual cromossomo X ou Y.
Peguei minha água, dei um longo gole e analisei Quinn por cima da borda da
garrafa de plástico. A luz do início da noite estava dando lugar à escuridão, mas
eu poderia dizer que ele ainda estava sorrindo. Eu ainda estava Quinn-beijo-
embriagada o suficiente para não sentir nenhuma vergonha quando perguntei:
— Se você pudesse ter esperma mágico, que tipo de criaturas você gostaria de
criar?
Seu sorriso se alargou. Ele balançou a cabeça enquanto olhava em volta, para
as pessoas se ajeitando para partir.
— Não sei o quão bem um esperma mágico me faria, sem uma garota de
cabelo de cobra para colocá-lo.
Quinn pegou sua própria água e tomou um gole, mas engasgou quando eu
disse:
— Você poderia me usar!
Ele colocou bruscamente a bebida no chão, recostou-se nos calcanhares e
pegou um guardanapo. Seus olhos estavam arregalados quando ele tossiu.
Estendi a mão e acariciei suas costas, suavemente.
— Você deveria beber mais água.
— Obrigado — ele resmungou. Me observou com cautela quando bebeu da
garrafa. Sentei descaradamente e esperei que Quinn se recompusesse.
Finalmente perguntei:
— Você está bem? Desceu pelo canal errado?
Ele assentiu com a cabeça, seus olhos seguindo meus movimentos enquanto
ele agarrava o guardanapo com um pouco de força demais, e então disse:
— Você estava dizendo algo sobre como eu poderia usar você?
— Ai sim. Nesta situação hipotética, você tem esperma mágico que pode criar
criaturas — apertei a tampa de volta na minha garrafa de água, a coloquei no
cobertor e comecei a soltar meu cabelo. — E já foi estabelecido que eu tenho
cabelo estilo Medusa — sacudi os cachos rebeldes e os deixei cair sobre meus
ombros, costas e seios. — Então, agora você tem o seu receptáculo de esperma
mágico com cabelo de serpente. Que criaturas criaremos?
Sua expressão só podia ser descrita como incrédula, mesmo quando seus olhos
se moviam sobre o meu amontoado de cabelo com um intensidade sombria.
— O que você colocou nessa água?
— É só água. O que? Por quê?
Quinn suspirou. Parecia áspero. Ele afastou o olhar de mim, como se fosse
doloroso ou forçado a fazê-lo. Se levantou e me ofereceu a mão rigidamente, me
puxando para cima com facilidade.
— Devemos ir jantar.
Inclinei a cabeça para o lado, considerando-o.
— Você não vai responder a minha pergunta?
Ele balançou a cabeça sem olhar para mim, enquanto recolhia a cesta, as
garrafas e o cobertor. Enfiou meus óculos no bolso da camisa. Mastiguei meu
lábio e torci meus dedos enquanto o observava. Não pude deixar de sentir como
se tivesse dito algo de errado. Enfiei meu cabelo atrás das orelhas e o ajudei a
arrumar.
Juntamos tudo e ele ainda não olhou para mim. Me senti ansiosa e, portanto,
minha mente começou a vagar. Peguei o lixo e caminhei até a lixeira,
imaginando se o lixo era recolhido diariamente, ou se era em dias alternados;
imaginando quanto lixo foi gerado pelo parque; imaginando se alguém pensou
em iniciar um programa de reciclagem nos parques da cidade; imaginando
quanto isso custaria à cidade; perguntando…
— Ah!
Trombei com alguém e imediatamente tentei dar um passo para trás, mas ele
agarrou meus ombros, sem gentileza alguma, e me impediu de me afastar. Olhei
para um rosto bastante desagradável. Não era uma pessoa feia. Na verdade, era
um rosto bastante bonito, mas fazia uma expressão desagradável e seus olhos
eram duros e frios.
O estranho era, talvez, um ou dois centímetros mais alto que eu e
extremamente musculoso. Sua cabeça estava raspada, seus olhos eram verde-
oliva, sua mandíbula, bastante angulosa, estava flexionada, tatuagens pretas
subiam da gola de sua camisa em volta do pescoço e sua boca carnuda, estava
curvada em uma carranca rígida.
Consegui dar um pequeno sorriso e esperava receber outro educado, mas ele
apenas me encarou com toda a flexibilidade do aço. Tenho a nítida impressão de
que ele não gostou de mim. Além disso, tive a nítida impressão de que ele queria
me fazer mal.
Engoli e novamente tentei me afastar.
— Desculpe, desculpe, não olhei por onde eu andava.
Ao invez de me soltar, ele me apertou dolorosamente e inclinou a cabeça para
frente. Sussurrou:
— Se você acha que vai se livrar dessa, não vai.
— Ei! — a voz de Quinn soou da minha esquerda, e o vi correr em minha
direção. Sua expressão era trovejante. Na verdade, ele também parecia
desagradável. Parecia que estava disposto a machucar muito alguém.
Antes que Quinn nos alcançasse, o homem soltou meus braços, me empurrou
para longe e ergueu as mãos, com as palmas para fora, como se tivesse se
rendido. Ele afastou os pés para trás.
— Ei cara, não tem nada acontecendo aqui.
Quinn imediatamente veio para minha frente, mas continuou a avançar sobre o
estranho.
— O que diabos você acha que está fazendo?
O tom de sua voz me fez interceder.
— Quinn, escute, não foi nada. Eu não estava olhando para onde estava indo e
ele...
— Ouça sua namorada.
Quinn afastou o homem mais forte e inclinou-se ameaçadoramente, seu tom
era estranhamente quieto.
— Não toque nela, não olhe para ela. Se eu o ver novamente, será a última vez
que alguém te verá.
Recuei. Não tive a impressão de que as palavras de Quinn fossem metafóricas,
ou transmitissem um tom dramático. Instintivamente, senti a verdade nelas e
estaria mentindo se dissesse que naquele momento ele não me assustou.
A disputa durou mais alguns segundos, até que o homem careca se mexeu
desconfortavelmente e baixou o olhar para a calçada. Parecendo satisfeito, Quinn
deu alguns passos para trás, depois se virou e, sem olhar para mim, pegou minha
mão e me puxou de volta para nossa cesta de piquenique abandonada. Meu
coração estava galopando no peito e eu estava um pouco trêmula. Sem conseguir
evitar, olhei por cima do ombro.
O careca ainda estava me observando.
Não nós.
Ele estava ME observando.
Olhou para mim como se me conhecesse, como se ele ainda quisesse me fazer
mal, como a única coisa que o impedisse de me rasgar ao meio, era o homem
muito grande e irritado ao meu lado. Movi meus olhos para longe e me
aproximei de Quinn.
Pela terceira vez em tantas semanas, tive a sensação distinta de que estava
sendo observada.
Só que desta vez eu sabia que estava certa.
Passei a confiar no meu grupo de tricô para ser minha bússola em todas as
coisas confusas e difíceis de compreender, o que geralmente se baseia em
relacionamentos e interações com outros humanos... er, pessoas. Minhas amigas
me ajudavam a lidar com tudo, desde políticas precárias de escritório, até lidar
com a mãe do meu ex. E é por isso que elas apoiaram e se empenharam, quando
expliquei a elas a minha situação atual com Quinn.
Era terça-feira à noite e estávamos reunidas no espaçoso apartamento de dois
quartos, da Sandra. Fiona era a única ausente, tendo que ficar em casa de última
hora, porque sua filha ficou gripada. A maioria de nós segurava uma bebida, e eu
acabara de pegar o maldito celular para que todas pudessem ler as mensagens.
Também dei a elas uma versão do Cliff Notes (guia de estudos em panfletos,
resumida) da semana passada.
Estavam todas em silêncio. Ashley estava olhando para o a sala, Marie estava
franzindo a testa para o suéter meio tricotado que fazia, Sandra estava de pé na
entrada da cozinha, encostada na parede como se estivesse contemplando algo,
Kat estava me observando, com uma mistura encoberta de introspecção e
agitação, e Elizabeth ainda estava lendo as mensagens de Quinn.
Ashley foi a primeira a se pronunciar. Seu sotaque carregado do Tennessee lhe
dava um ar encantador.
— Eu acho que ele estava incomodado com aquele cara no parque, e é por
isso que ele recusou seu atraente corpo.
Algumas delas concordaram com a cabeça e outras continuaram com um olhar
vago. Suspirei.
— Mas, como ele poderia estar interessado? Pelo poder de Thor, eu me joguei
para cima dele!
Elizabeth franziu a testa para mim.
— Você realmente acabou de dizer ‘pelo poder de Thor’?
— Estou tentando amenizar.
Novamente algumas concordaram com a cabeça e outras continuaram com um
olhar vago. Suspirei.
— Acho que estraguei tudo. Acho que ele pensa que eu sou patética e está
apenas tentando me evitar inventando uma viagem para não precisar falar
comigo.
Marie balançou a cabeça e seu cabelo loiro de comercial de shampoo, passou
em torno de seu rosto.
— Não. Não é isso — ela parecia tão segura. — Definitivamente não é isso.
Elizabeth assentiu, concordando.
— Concordo com Marie. O cara está louco por você.
Algumas concordaram e algumas continuaram com um olhar vago.
Suspirei.
— Então por que ele recusou minhas investidas?
Não pude disfarçar a frustração na minha voz. Eu sabia que parte se dava
devido à sua ausência. Sentia-me mimada por vê-lo quase todos os dias, na
semana passada, e agora sentia sua falta. No sábado passado, quando ele
inspecionou meu apartamento, achei que ele não pertencia à minha vida. Mas
agora, a ausência dele me faz sentir como se eu estivesse sempre tentando
recuperar o fôlego.
E foram apenas dois dias.
— Bem, que inferno garota! Ele apenas viu você ser maltratada por um
skinhead com tatuagem no pescoço — Sandra disse quando se desencostou da
parede e se juntou a nós, na sala de estar. — Se ele não estivesse interessado, não
encheria a caixa de entrada do seu celular com mensagens. Acho que ele está
preocupado com você.
— Além disso, você pode não ter sido tão transparente com seus avanços
como pensa. Posso afirmar que você não é uma sedutora habilidosa. Geralmente
é difícil te assistir. — Ashley fez uma careta.
Kat disse baixinho:
— Eu não entendo a reação dele com o cara do parque. Parece que ele
exagerou completamente. Janie, tem mais alguma coisa? O cara ameaçou você?
Eu balancei a cabeça.
— Não. Eu só esbarrei nele. Ele era assustador, mas, além de segurar meus
braços, não fez nada.
— Mas o Calças-Quentes não disse que conhecia o cara? — Sandra me
cutucou com uma cenoura, antes de mergulhá-la em um pote de molho blue
cheese e a morder com um sólido crunch.
— Foi vago. Algo como se ele achasse que parecia familiar. Eu não sei —
pressionei as palmas das minhas mãos, nas órbitas dos olhos e deixei que a parte
de trás da minha cabeça caísse contra a cadeira alta atrás de mim. — Quero
dizer, se pensar bem, a primeira vez que falei com Quinn foi apenas quatro
semanas atrás. Eu não o conheço completamente. Talvez o cara do parque
realmente o tenha assustado e eu esteja errada. Talvez ele simplesmente não
esteja afim de mim e eu esteja certa. Talvez Quinn seja um alienígena e tenha
terminado seu estudo da humanidade e eu não tenha mais utilidade como um
espécime.
Marie sacudiu a cabeça.
— Quatro semanas são longas o suficiente. Pessoas já caíram de quatro em
menos tempo que isso.
— Ele realmente colocou seguranças atrás de você? — Ashley direcionou a
pergunta para mim, mas seus olhos estavam em Elizabeth.
— Sim. colocou. — Fiz uma careta para isso. A primeira vez em que os vi, foi
na manhã de segunda-feira, quando eu estava de saída para o trabalho. Eles se
aproximaram de mim do lado de fora do prédio, ambos vestidos casualmente de
jeans e camisetas, parecendo caras comuns, e me disseram que trabalhavam para
a Infinite Systems. O Sr. Sullivan, ao que parece, solicitou duas equipes de
proteção 24 horas. Eles prometeram que eu não os notaria e estavam certos; nos
últimos dois dias, eu os esqueci. — Provavelmente estejam lá fora, agora.
Devíamos levar café ou algo assim
Elizabeth ergueu os olhos do celular e me devolveu.
— A mensagem da amizade, sobre fazer xixi, é engraçada. Acho que vou usar.
Peguei o odioso celular de Elizabeth e olhei para as duas últimas mensagens.
Quinn, fiel à sua palavra, continuou a me enviar piadas todos os dias, o que só
serviu para me confundir ainda mais.
Marie começou a tricotar novamente.
— O tempo vai dizer. Eu digo apenas que espere e veja. Se ele te ligar na
quinta-feira, ouça o que ele tem a dizer.
Levantei e espreguicei.
— Você está certa! Cansei de pensar nisso. Feito, pronto, acabou! — balancei
minha mão em um círculo e bati três vezes, em seguida, fui até o banheiro, na
esperança de que minha ausência mudasse o assunto.
Eu não estava no banheiro por muito tempo, apenas tempo o suficiente para
lavar as mãos, quando ouvi uma batida na porta.
— Só um minuto, estou quase terminando — respondi distraidamente.
— Janie, é a Kat. Posso entrar?
— Sim, estou quase acabando.
— Não... — a voz de Kat se tornou um sussurro. Eu poderia dizer que ela
tinha os lábios perto da fenda, na porta. — Quero dizer, posso entrar e me juntar
a você? Eu preciso te contar uma coisa.
Abri a porta e me virei para procurar uma toalha.
— E aí? Você está bem? — a voz de Kat estava carregada de hesitação. —
Eu... descobri... uma coisa.— O clique suave da porta se fechando me
surpreendeu, então eu me virei para encará-la, enxugando a umidade das minhas
mãos com uma toalha incrivelmente fofa e absorvente. Fiz uma nota mental para
perguntar à Sandra onde ela comprou suas toalhas.
Quando Kat não continuou, levantei minhas sobrancelhas.
— Sobre o que?
Ela parecia séria demais, como meu pai fez no dia em que me disse que Papai
Noel não era real. Eu tinha quinze anos.
— É sobre o seu trabalho — ela hesitou novamente, enfiando o cabelo
castanho ondulado atrás das orelhas enquanto reúnia seus pensamentos. — Eu
descobri o porquê eles terem te dispensado.
— Ah. — Agarrei a toalha, era tão macia. Esqueci que Kat concordou em
tentar descobrir a razão pela qual fui demitida. No momento, não me importei
particularmente.
— Janie...
Ela disse meu nome de uma forma que geralmente é seguida com algo do tipo
‘Onde você estava na noite do assassinato?’, ou, ‘é melhor você se sentar’. Eu
apertei ainda mais a toalha.
— Foi o Sr. Holsome.
Pisquei. O silêncio se estendeu. Os olhos de Kat continuaram a me olhar com
uma ampla cautela.
— Sr. Holsome? — repeti, confusa. — Você quer dizer, o pai de Jon? O pai do
meu Jon? Aquele Sr. Holsome?
Kat assentiu e encostou-se à porta fechada. Ela suspirou.
— Eu não... — pisquei para ela novamente e sentei na tampa do vaso
sanitário. — Eu não entendo. Por que o pai de Jon queria que eu perdesse o
emprego?
Ela parecia infeliz.
— Eu não sei o motivo, mas posso dizer, com cem por cento de certeza, que
ele foi o responsável. Ele ameaçou sair do projeto da South Side se eles não a
demitissem e insistiu que tinha que ser naquele dia.
Aquele dia.
Naquele dia, descobri que Jon me traiu. Naquele dia, terminei com ele antes
de sair para trabalhar.
Kat deve ter visto as rodas girando no meu cérebro frágil, porque ela disse:
— Você acha que Jon pediu para que ele fizesse isso?
Eu balancei a cabeça. Só pude bufar uma resposta.
— Não sei. Eu não consigo... — Minhas palavras sumiram. Pensei sobre a
acusação que Kat expressou, e que eu havia pensado.
Não parecia provável, mas fiquei perturbada ao perceber que aquilo era
plausível. Jon disse em mais de uma ocasião, quando estávamos juntos e desde
que terminamos, que queria que eu confiasse nele, que queria cuidar de mim,
que eu precisava dele. Eu não me sentia assim. Me perguntava por que ele fazia
aquilo. Talvez porque ele sentisse que era verdade.
Talvez porque o pai dele pudesse tirar meu emprego com um telefonema.
— O que você vai fazer? — Kat estava torcendo as mãos na frente dela,
nervosa e ansiosa por mim.
— Não sei — balancei a cabeça e disse novamente. — Não sei.
Não parecia justo que Jon pudesse, por um capricho petulante, decidir fazer
uma ligação para eu perder o emprego, um trabalho, lembre-se, que eu era
bastante habilidosa, mas que eu não sentia falta. Sinceramente, não sabia o que
faria. Parte de mim se perguntou se isso importava. Jon não podia fazer nada
comigo agora. Eu não o namorava mais. Ele e seu pai não tinham influência com
meu empregador atual. Dei um suspiro de alívio ao perceber. Me sentia segura
no meu novo emprego. Eu me sentia confiante e segura.
Talvez Jon tenha me feito um favor.
Capítulo 15
Na quinta-feira da minha terceira semana de trabalho, senti o primeiro tremor
de incerteza sobre meu emprego e, por tremor de incerteza, refiro-me a um raio
de horror.
Quinn tinha partido desde a noite de domingo, mas ele ainda me enviava
mensagens com piadas. Eu as lia, gostava delas, mas não respondia, pois estava
começando a me sentir boba com o meu comportamento. Quando ele me deixou
naquela noite, cedi à minha gangorra de insegurança e isso me deixou nauseada.
Por que ele continuava com as mensagens, se estava tentando me evitar?
Além disso, na noite de quarta-feira, ele me mandou um lembrete sobre nosso
telefonema do dia seguinte. Prometi a mim mesma que iria conversar com Quinn
no celular repugnante, e eu não permitiria ser nenhum brinquedo de playground
emocional.
No entanto, o incidente no domingo e o distanciamento subseqüente na
segunda, terça e quarta-feira me permitiram refletir: Eu realmente não sabia
muito sobre Quinn. Eu nem sabia qual era seu cargo na empresa, e eu trabalhava
com ele. Não entendia o papel ou o título de Quinn no trabalho já que ninguém
falava sobre ele e, quando se direcionavam a ele, sempre o chamavam de Sr.
Sullivan.
Portanto, reuni coragem para perguntar a Steven sobre Quinn.
Steven e eu estávamos almoçando na sala de descanso, que era mais um
corredor ao longo do perímetro do prédio com uma janela com vista para a
cidade, e discutindo minha próxima primeira viagem oficial de negócios, e a
reunião com o cliente.
Steven e eu voaríamos para Las Vegas na próxima segunda-feira. Ele explicou
que o cliente era dono do Club Outrageous — o que me fez pensar em Quinn —
e queria usar o Guard Security para outro clube em Las Vegas. O cliente também
queria discutir a organização da segurança pessoal por meio do Infinite Systems.
— A Cypher Systems tem um escritório em Las Vegas? — mergulhei o frango,
da minha salada de taco, em um pequeno pote de creme azedo e dei uma
mordida.
Steven sacudiu a cabeça no meio da mastigação.
— E quanto à Nova York? Temos algum outro escritório, além de Chicago?
Steven mergulhou o sushi picante no molho shoyo, e respondeu antes de
comer.
— Docinho, posso te chamar de docinho? Não. Somos apenas nós, os
lunáticos.
— Não me chame de docinho. E quanto a Quinn Sullivan? Onde é o escritório
dele? — tentei soar despretenciosa. Observei Steven com uma garfada de salada
de taco, enquanto tentava suprimir o rubor que ameaçava esmagar minhas
bochechas. Esperava que ele não percebesse.
Ele balançou a cabeça.
— Sr. Sullivan tem um escritório aqui no prédio, mas, como você
provavelmente notou, ele não usa muito durante o horário comercial normal.
Acho que ele prefere estar em campo.
— Por que todo mundo o chama de Sr. Sullivan?
Steven colocou uma porção generosa de gengibre raspado em seu sushi, e
ergueu as sobrancelhas para mim.
— Como você quer que o chame? Sully? Quinn, quindim?
— Não. O que eu quero dizer, é que chamamos o Sr. Davies de ‘Carlos’, e
todo mundo aqui é chamado pelo primeiro nome. Por que não chamamos o
senhor Sullivan de Quinn?
Steven deu de ombros.
— Eu não sei. Eu trabalho aqui há três anos e nós sempre o chamamos de Sr.
Sullivan — Steven pareceu pensar sobre o assunto enquanto mastigava seu
sushi. Com a boca meio cheia, acrescentou: — As únicas vezes em que o vejo,
são para as reuniões de clientes, e faz sentido chamá-lo de Sr. Sullivan. Na frente
do cliente, quero dizer. Talvez isso o faça parecer mais importante aos olhos
deles — Steven encolheu os ombros novamente e engoliu em seco. — Bem, eu
acho que ele é importante. Estranho, mas importante.
— O que você quer dizer com ‘estranho’?
— Bem, você passou um tempo com ele sexta-feira passada, certo? Quando
você teve que trabalhar até tarde? Tão típico. Ele insistiu em levá-la
pessoalmente “para treiná-la” — Steven usou aspas no ar para enfatizar as duas
últimas palavras. — Eu disse a Carlos que achava que ele só queria alguém para
encarar. Não posso acreditar que você tem sido tão boa nisso.
Franzi meu nariz para Steven.
— O que você quer dizer? Ele não me encara.
Steven me deu um olhar simpático.
— Só você seria tão graciosa, Janie.
Abaixei meu garfo e olhei para Steven, meu tom incrédulo.
— Sobre o que você está falando? Aprendi muito com ele. Eu achei que esse
tempo foi benéfico. — Senti a necessidade de defender Quinn. Eu não queria
que Steven pensasse que Quinn tinha sido rude, ou feito um mau trabalho me
treinando e, portanto, colocar Quinn em apuros.
— Oh, sério? — Steven ergueu as sobrancelhas.
— Sim, com certeza.
Steven franziu os lábios e me deu um olhar incrivelmente incrédulo.
— Uma vez passei vinte minutos a sós com ele, durante uma viagem de carro
do aeroporto até o local. Durante esse tempo, ele disse um total de três palavras e
seu rosto não mudou de expressão nenhuma vez... Não, espere, isso está errado
— Ele ergueu as mãos para impedir que eu interrompesse. — Ele tinha duas
expressões: no começo ele era indiferente, mas depois, no final dos vinte
minutos, sua expressão mudou para apática. Isso tudo apesar do fato de que
minha conversa foi obviamente emocionante.
— Indiferente e apático são sinônimos. — Tentei não rir quando imaginei
Steven e Quinn sozinhos, em um carro, juntos por 20 minutos: Quinn encarando
Steven, enquanto Steven preenchia o silencioso carro, com contos de suas
façanhas de final de semana e a mais recente compra de mobília.
— Claro, ele é muito bonito, devo admitir, mas você não pode me dizer que
não acha que há algo de errado nele — Steven olhou para ambos os ombros de
uma forma exagerada, em seguida, falou em um falso sussurro. — Você sabia
que às vezes ele se junta aos guardas de segurança no andar de baixo e age como
se fosse um deles?
Torci meus lábios para o lado, pensando se deveria dizer a Steven que eu,
originalmente, conheci Quinn quando ele me acompanhou depois de ser
demitida do meu último emprego. Em vez disso, eu disse:
— Bem, não é? Ele não é um deles?
Steven me estudou por um momento, antes de responder em um tom muito
seco.
— De uma maneira pequena, sim, ele é. De uma maneira muito maior e mais
correta, não. Ele definitivamente não é.”
— Hmm — peguei meu garfo novamente e cutuquei minha salada, me
sentindo pensativa. — Por que você só o vê durante as reuniões do cliente?
— Ele não vai à todas as reuniões com clientes, na verdade. Somente se
houver um problema, ou se ele estiver avaliando um novo cliente. Normalmente
ele manda o Carlos.
Meu garfo parou no meio do ar, entre meu recipiente de plástico e minha boca.
— Espere — eu quase podia ouvir o clique e o rangido das engrenagens na
minha cabeça. — O que você quer dizer com ‘manda o Carlos’? Não é o chefe
que decide quem vai para qual reunião?
Steven piscou para mim três vezes, as sobrancelhas levantadas para que
parecessem pequenos guarda-chuvas sobre os olhos cinzentos.
— Que bobagem você está falando? O Sr. Sullivan é o chefe.
O tempo parou.
Tudo parecia suspenso enquanto meu cérebro lutava para aceitar a realidade.
Foi um daqueles momentos em que você reflete, no futuro, e se pergunta como
seu cérebro poderia ter pensado tantos pensamentos, como seu coração poderia
ter sentido tantos sentimentos no pequeno espaço de um único segundo. A única
explicação era que o tempo devia ter parado.
Quinn é meu chefe.
Tentei pensar nas vezes em que estive com ele, e procurei pelas pistas.
Encontrei várias. Na verdade, encontrei mais que várias. Eu queria esconder meu
rosto em minhas mãos e chorar, mas resisti e mordi ferozmente meu lábio
inferior.
Como eu poderia deixar passar algo tão óbvio?
As palavras de Quinn da semana anterior, voltaram para mim: “Você é
completamente cega para o óbvio”.
Realmente, ele era mais do que apenas meu chefe, ele era o chefe. Ele era o
dono da empresa. Ele possuía uma empresa realmente impressionante e
lucrativa. Quaisquer balões de esperança anteriores que eu estivesse flutuando,
em minha versão de realidade alternativa do meu carnaval de sonhos, foram
imediatamente esvaziados, se não brutalmente explodidos. Esse cara com que eu
estivera fantasiando, que passei dois meses e com quem eu achava que estava
meio que namorando, talvez não estivesse apenas fora do meu padrão de atração
física, mas, sim, fora de todos os meus padrões.
Eu era a Neandertal de forma desajeitada, e ele estava na liga ninja de
milionários gostosos.
Como colega de trabalho, Quinn e eu estávamos em pé de igualdade. Mesmo
que nada de romântico se materializasse a longo prazo, no mínimo achei que
construiríamos uma amizade. Eu esperava que estivéssemos construindo uma
amizade, para que não fosse necessário explodir tudo. Eu realmente gostei dele.
Pensava nele com uma frequência alarmante. Ele era interessante e bom de
conversar, e eu queria ter uma conexão duradoura com ele.
Pelo menos, até este momento, era o que eu tinha pensado. Agora que pensei
em tudo o que havia acontecido recentemente — os eventos do fim de semana
passado, a chamada sessão de treinamento, as mensagens de piadas, nossas
conversas longas — e eu estava ficando cada vez mais à vontade. Achei que
nosso tempo juntos estivesse nos levando a algo permanente, algo compartilhado
entre duas pessoas, cujo relacionamento era mais do que ser apenas colegas de
trabalho.
Eu estava cega. Eu estava tão além da cegueira, fui idiota. Estava errada. Nós
não estávamos nos tornando amigos. Pessoas normais não têm relações
duradouras com milionários gostosos.
O que ele me disse naquela noite depois do show? Me disse que não
namorava. Uma vez que ele perdesse o interesse em mim, o que aconteceria
mais cedo ou mais tarde, eu iria vê-lo periodicamente, na melhor das hipóteses,
durante reuniões com clientes, onde ele era o Sr. Sullivan e eu era Janie Morris,
sua funcionária. Esses rótulos de chefe e funcionário definiam nosso
relacionamento, assim como os campos minados ao redor da Baía de
Guantánamo, em Cuba, definindo-o como uma Base Naval dos EUA.
Você não vai passear em um campo minado. Você não é amiga do seu chefe.
E você, certamente, nunca se prepara para ter fantasias sexuais com ele, ou
paixões longitudinais não correspondidas. Desejar seu chefe, era como ter uma
queda pelo seu professor de inglês no ensino médio. Isso te fazia mais do que só
um pouco patética.
Minha surpresa deve ter sido visível, porque o rosto de Steven mudou,
repentinamente, de confusão para compreensão relutante.
— Oh… aí meu. Você não sabia. Você não sabia que o Sr. Sullivan é o chefe?
Me esforcei para engolir, com a garganta de repente seca.
— Não — eu disse, categoricamente.
— Como você pode não saber? — era a vez de Steven parecer incrédulo. —
Ele recrutou você. Você passou o dia todo, na sexta, com ele. Tenho certeza de
que já falamos dele antes. De quem você achava que eu estava falando, quando
dizia “o chefe”?
Não ouvi o resto das reflexões de Steven. Eu estava na Matrix e simplesmente
tomei a pílula vermelha sem querer. Meus pensamentos ficaram agitados e
circulando, como uma lavadora de roupas no ciclo de centrifugação. Comemos
em silêncio por vários minutos e consegui evitar contato visual com Steven.
Depois de alguns minutos, Steven interrompeu minha avalanche interna de
angustia.
— Pensei que você soubesse, quando ele te contratou.
Encontrei seus olhos, com uma carranca.
— Ele disse... ele disse que poderia me conseguir a entrevista, mas eu
precisava conseguir o emprego sozinha. — Eu estava tendo dificuldade em
manter minha voz firme.
Quinn era rico. Na verdade, ele não era apenas rico. Ele era um rico filho de
uma p… um pudim. E, mais uma vez, permiti que outra pessoa fosse o Capitão
no meu mar do destino. Mais uma vez, fui uma espectadora acidental da minha
ilusão de sucesso.
Steven pareceu entender meus pensamentos.
— Você realmente conseguiu o emprego por conta própria — minhas feições
devem ter traído a minha dúvida e infelicidade, porque ele colocou os pauzinhos
na mesa e estendeu a mão sobre a mesma. Seus olhos cinzentos, suavizando. —
Não, sério, me escute, Janie. Eu admito, o Sr. Sullivan nunca recomendou
alguém para uma entrevista antes. Normalmente ele apenas os recrutam e eles
começam. Vou te dizer uma coisa, ele está sempre certo. Por exemplo, olhe para
mim. — Ele me deu um sorriso irônico.
Tentei retribuir, mas não pude evitar sentir uma mistura de devastação
angustiante e de aborrecimento comigo mesma. Eu acabara de descobrir que Jon,
ou o pai, haviam arrumado minha entrevista na última empresa e,
provavelmente, o trabalho em si, e veja só no que deu. Eu não gostava de pensar
que a única razão pela qual eu fui contratada na Cypher Systems, foi porque
Quinn Sullivan havia decidido, por um capricho, que ele queria me beijar, e eu
era boa com números.
— Pão de Mel. Posso te chamar de Pão de Mel? — ele não esperou que eu
respondesse. — Realmente me escute. Eu sabia que você seria ótima se o Sr.
Sullivan a recrutou. Mas, se isso faz você se sentir melhor, eu mostrei para você
aquela planilha no iPad com as fórmulas erradas no seu primeiro dia de teste, e
você passou por mérito próprio.
Suspirei. Rapidamente terminei minha salada. Eu não queria comer nunca
mais.
— Obrigada.
Ele me olhou com o que eu percebi ser um olhar especulativo.
— Essa é a empresa dele, o seu bebê. Você realmente acha que ele contrataria
alguém que não fosse incrível? Mais uma vez, você não precisa de mais provas
do que seu companheiro aqui, nessa mesa.
Eu tentei um meio sorriso e revirei os olhos.
— Não, você não pode me chamar de Pão de Mel. — O que eu não podia
dizer a Steven, era a verdadeira razão pela qual eu me sentia tão chateada. A
clareza do momento ardia. Meu peito doía e eu realmente não compreendia, até
certo ponto, que meus balões de esperança, acima mencionados, no carnaval dos
sonhos da realidade alternada, tinham sido bastante inflados apesar de todos os
meus melhores esforços para manter o pé no chão.
De repente, a ideia de ver Quinn novamente, me encheu de pavor. Meu
coração parou duas vezes, quando me lembrei da minha próxima viagem a Las
Vegas.
— Ele vai... uh... — pigarreei e limpei minhas mãos no guardanapo. — O Sr.
Sullivan estará na reunião do cliente em Las Vegas?
Steven voltou a comer seu sushi e balançou a cabeça.
— Sim. Como lhe disse antes, o chefe analisa todos os novos clientes para as
contas confidenciais. Ele vai viajar conosco. Deus nos ajude.
— Ah. — Refleti sobre aquilo por um momento. Ao me preparar para a
reunião em Vegas, eu estava elaborando propostas para o misterioso chefe, sem
saber que Quinn era o chefe. Na verdade, eu até contei a Quinn sobre uma de
minhas ideias, no dia em que ele interrompeu meu almoço, semana passada, no
Smith’s. Senti como se estivesse doente. Resmunguei minha próxima pergunta.
— Vamos todos no mesmo voo?
— Vamos no avião da empresa. — A voz de Steven era tão indiferente, que
era o mesmo que dizer que ele cortou as unhas dos pés na quarta-feira.
Deixei escapar:
— Existe um avião da empresa?
— Sim.
Minha frequência cardíaca aumentou, com a ideia de passar quatro horas em
um espaço fechado com Quinn.
— E todos nós vamos viajar juntos? Inclusive ele?
— Sim.
Eu vasculhei a mesa, como se isso pudesse me fornecer respostas, e tentei
reprimir o pânico na minha voz.
— Mas e se eu quiser pegar um voo comercial?
Steven levantou uma sobrancelha para mim.
— E por que iria querer fazer isso?
Bufei, não querendo dizer a verdade, mas reconhecendo a estranheza da
minha declaração. Eu só conseguia pensar em uma desculpa.
— Eu tenho programa de milhagens.
Os lábios finos de Steven se curvaram em um sorriso largo. Ele riu
abruptamente, com tanta força, que as lágrimas se juntaram nos cantos de seus
olhos. Eu podia sentir que estava ficando vermelha e depois roxa como uma
berinjela, de tanta vergonha. Sua risada foi, no entanto, contagiosa, e eu consegui
dar uma risada indiferente e autodepreciativa.
— Oh, Janie, você é uma figura — acho que ele quis dizer isso como um
elogio, mas ouvi que eu era uma bagunça. — Você não vai se importar de perder
algumas milhas, eu prometo. É uma maneira bem tranquila de viajar. E nós
vamos preparando o chefe e falando sobre a estratégia que virá. Então, na
verdade, existe uma boa razão relacionada ao trabalho, para viajarmos juntos.
Não é tão ruim, se você tratar apenas de modo profissional.
Eu não sabia o quão estressante seria. Já fiquei muito estressada só de pensar
nisso.
— Quem mais estará no avião?
Steven enxugou as lágrimas do riso, e me deu um largo sorriso.
— Bem, você, eu, Carlos, Olivia e o chefe. Sabe, o Quinn Sullivan.
Eu olhei para Steven.
— Obrigada. Agora eu entendi.
Ele me deu um sorriso doce.
— Apenas me certificando.
De repente, tive dor de cabeça.
Naquela noite, cancelei minha tutoria no South Side e liguei para Jon.
Eu não havia ligado para o Jon no domingo passado, como prometi que faria.
Primeiro por um descuido, mas, depois de conversar com Kat durante o nosso
ritual no banheiro, na terça-feira, eu estava o evitando propositalmente. Não
sabia o que dizer. Eu não tinha certeza de que ele tinha sido o motivo pelo qual
eu perdi meu emprego, e eu não queria que fosse verdade.
No entanto, por algum motivo, agora eu realmente queria vê-lo. Elizabeth não
disse nada sobre minha decisão repentina, mas ela me deu muitos olhares de
desaprovação antes de eu sair do apartamento e, enquanto calçava minhas botas,
disse:
— Quinn não vai te ligar hoje à noite, de Nova York?
Uma pontada aguda reverberou no meu peito. Suas palavras haviam
encontrado um alvo não intencional. Eu sentia falta de Quinn e queria falar com
ele. Sentia falta de conversar com ele, vê-lo, tocá-lo. Apesar da minha confusão
depois dele ter ido embora no domingo, eu estive ansiosa pela sua ligação a
semana toda. Engoli o nó na minha garganta e fixei meu queixo.
No momento, não pretendia contar a Elizabeth que Quinn era o chefe do meu
chefe. Eu precisava processar isso primeiro e decidir o que significava. Agora,
na minha cabeça, isso significava que Quinn e eu já havíamos terminado.Em
resposta a sua pergunta provocativa, encolhi os ombros e me levantei para sair.
Ela ergueu o queixo em direção ao meu celular.
— Você não está esquecendo isso?
Balancei a cabeça.
— Não. — E peguei meu casaco.
Ela cruzou os braços sobre o peito e pude sentir seu olhar pesado em minhas
costas, recuar.
— Bom, se ele ligar, vou deixá-lo ciente de que você está com seu amigo.
Fiz uma pausa na porta. Respirei fundo e encolhi meu ombro enquanto a
fechava atrás de mim.
— Não me espere acordada.
Pensei ter ouvido ela rosnar enquanto eu caminhava pelo corredor, mas não
pude ter certeza.
Quando saí do prédio e caminhei em direção à plataforma da estação de trem,
eu estava bem ciente dos dois seguranças atrás de mim. Me perguntei se eles
estavam em constante comunicação com Quinn. Me perguntei se diriam a ele o
que eu estava fazendo e quem eu estava encontrando. O pensamento fez meu
estômago ficar um pouco enjoado. Não gostei da sensação de ser controlada. O
celular parecia um albatroz no meu pescoço, e eu só o tinha a uma semana. Os
seguranças também estavam começando a me irritar.
Com um encolher de ombros, tentei afastar a irritação crescente e redobrei
meus esforços para me concentrar no atual objetivo. Acelerei meus passos.
Jon e eu nos conhecemos em um dos nossos habituais lugares de encontro. Era
um Restaurante Italiano no North Side, com cabines altas de couro cor de vinho,
iluminação fraca e um queijo frito, muito bom. Não o abracei de volta quando
entrei. Permiti deixar meus braços penderem frouxos ao meu lado, e não senti
saudade quando o cheiro inebriante de tomate, vinho e salsicha passou por mim.
Mas permiti que ele me levasse à nossa mesa de costume. Escolhemos nossas
bebidas. Eu só queria água, mas Jon pediu uma garrafa cara Sangiovese e dois
copos.
Assim que o garçom foi embora, perguntei:
— Por que você me enganou?
Não era exatamente o que eu queria perguntar. Na verdade, eu não me
importava com a resposta. Eu estava apenas sondando, antes de confrontá-lo
sobre as evidências de Kat. Queria saber qual era o papel do seu pai em minha
demissão. Além disso, por algum motivo, eu estava querendo um drama. Eu
desejava gritar com alguém.
— Janie... — Jon suspirou. Sua cabeça e seus ombros, caíram. — Isso foi um
erro. Foi o maior erro da minha vida.
— Jon, eu gostaria de saber toda a verdade.
— Isso vai parecer maluco. Você tem que... — ele estendeu a mão como se
fosse pegar as minhas, mas desistiu. — Eu vou te dizer, mas você tem que
prometer que vai continuar aqui. Você vai ficar e falar comigo. Não vai se
levantar e ir embora.
— Eu perguntei, não é? Eu quero saber. Eu quero falar sobre isso. —
Estremeci com a minha própria mentira. Sinceramente, eu só queria gritar com
ele por ser mentiroso e manipulador.
— Mas você pode não querer ficar, depois que eu lhe disser o porquê do que
eu fiz. Só me prometa que não vai sumir, depois. Não acho que eu consiga viver
com isso.
Franzi meus lábios e fiz uma careta.
— Tudo bem, eu prometo. Prometo que continuarei falando com você depois
que você me contar a verdade. Se sentirá melhor se eu acrescentar à promessa,
um tempo de conversa? Se eu prometer ficar e falar com você por uma hora,
depois que você me contar?
— Honestamente, sim. Isso me deixaria um pouco seguro. — Ele pareceu
aliviado e um pouco desesperado.
Pisquei para ele, incrédula, mas prometi o que eu sugeri.
— Tudo bem, prometo ficar e falar com você pelo período de uma hora,
depois de você me falar a verdade.
Ele suspirou novamente, assentindo. Parecia que ele ia ficar doente. Ele
engoliu em seco. Fixou seu olhar em um ponto da mesa, e começou. Sua voz era
tão baixa, que precisei me inclinar para frente para ouvi-lo.
— Você tem que entender — disse ele. — Eu te amei desde o primeiro
momento em que te vi. Eu sabia que você era a única mulher para mim. Se
lembra? — ele sorriu tristemente, ainda olhando para a mesa. — Você estava
discutindo com nosso professor, no primeiro dia, sobre o uso de equações
lineares como uma aproximação de equações não lineares. Você estava tão
brava.
— Eu não estava brava.
Ele olhou para mim. Seus olhos verdes, ainda um pouco tristes, brilhavam
com diversão.
— Nem toda equação é solucionável. Se não usássemos equações lineares
como estimativas, ficaríamos com o caos.
Sorri de volta e balancei a cabeça.
— Não. Esse não é o assunto de agora. Além disso, não fico com raiva. Fico
chateada.
A sombra de diversão desapareceu de sua expressão.
— Mas é relevante o que você disse. Acabou de dizer que não fica com raiva.
Isso é verdade. Em todos esses anos em que estivemos juntos, nunca a vi além
do normal, sem perder seu autocontrole. Você nunca está animada. Nunca a vi
envergonhada. Nem mesmo quando bebeu demais, daquela vez em que
estávamos nos Hamptons. Você estava tão calma. Se você não tivesse vomitado,
eu não saberia que você estava bêbada.
— Ainda não vejo a relevância.
Ele limpou a garganta e olhou para a mesa novamente.
— Fiz isso para estar mais perto de você.
Esperei que ele continuasse. Quando ele não falou, me inclinei mais para
frente e cruzei as mãos sobre a mesa, incitando-o.
— O que? O que você quer dizer, em ficar mais perto de mim?
Ele respirou fundo e, em seguida, encontrou meu olhar. Seus olhos verde-oliva
estavam cheios de tristeza e arrependimento, e um toque de acusação.
— Fiz isso para estar mais perto de você. Às vezes você é tão... — sua mão na
mesa fechou em um punho. — Você é tão distante, quase apática sobre mim,
sobre nós. É como se você não se importasse com a minha presença, como se
fosse indiferente. Sabe como isso fazia eu me sentir? Eu te amo muito. Chego a
queimar por dentro. Sofro por você — ele alcançou a mesa e segurou minha
mão. A força da ação me assustou. — Só quero que você sinta algo por mim,
nem que seja apenas um décimo do que eu sinto. Não consigo parar de pensar
em você, e Janie...
Pela primeira vez, Jon fez meu coração bater mais rápido. Sua voz transmitia
suas emoções de maneira tão viva, que imaginei quase ser possível estender a
mão e tocar suas palavras. Em determinado ponto da minha vida, estava
convencida de que ele era a pessoa com quem eu me casaria. Com quem teria
um cachorro, uma casa e dois filhos. Pensei que fosse concreto, seguro e
confiável.
Agora, de repente, fui confrontada pela paixão.
Havia, por falta de uma palavra melhor, excitação. Algo parecido com quando
minhas pernas adormecem. Os movimentos não eram agradáveis ou
desagradáveis. Eles apenas eram. Mas eu tinha que ignorá-los. Eu precisava
classificar e compreender a explicação por ter me atrapalhado e por ter
trapaceado sobre o emprego, antes que eu pudesse me concentrar em definir a
profundidade do sentimento que pode, ou não, existir.
— Não entendo, Jon. Como seria possível nos aproximar, me traindo?
Apertou minha mão com mais intensidade e travou sua mandíbula. Soltou um
suspiro lento, que assobiou entre os dentes, antes de confessar.
— Eu dormi com Jem.
Meu queixo caiu e meus cílios tremeram. Acreditei ter escutado mal. Minha
voz era um sussurro, quando falei:
— O que você acabou de dizer?
O percebi engolir. Seus olhos ardiam e sua expressão era de agonia.
— Eu dormi com a Jem. Dormi com sua irmã.
Pude sentir as batidas do meu coração entre as minhas orelhas.
— Isso não faz nenhum sentido. Jem não é... Jem vive em... — suspirei. A
boca de Jon se mexeu, mas não consegui ouvir o que ele dizia. Pensei ter ouvido
meu nome. Busquei respostas pela mesa, e disse novamente: — Isso não faz
sentido.
Sua mão puxou a minha e me despertou do meu estado indefinível. Ele estava
no meio da frase, quando minha mente se recuperou.
— ... ela me ligou e disse que estava na cidade. Disse que queria te fazer uma
surpresa, então eu a encontrei — suas palavras eram uma avalanche aumentando
de ritmo, a próxima mais urgente que a anterior. — Não a via desde que ela nos
visitou uma vez na faculdade e, quando a vi, não conseguia acreditar, ela parecia
com você. Quer dizer, com você fisicamente. Ela está mais alta do que antes.
Tem a sua altura, e os cabelos e olhos são mesmo da mesma cor que os seus.
Pensei que era você a princípio, de longe, mas quando cheguei mais perto, vi as
diferenças. A voz dela não parece nada com a sua. Ela não é nada como você. Eu
sei disso agora, mas depois..., mas então ela estava tão interessada em mim, e ela
parecia tanto com você, mas era tão diferente, animada, desinibida, e eu pensei...
eu achei que...
Nós nos encaramos por um longo tempo, minha mente se atualizando com
suas palavras. Ele disse que ela se parecia comigo, mas só mencionou o cabelo e
a cor dos olhos dela. Não fazia o menor sentido. Jem e eu sempre fomos mais
parecidas do que June e eu, sim, mas Jem sempre fez tudo que estava ao seu
alcance para mudar isso. Ela cortou o cabelo curto, tingiu de roxo, ou clareou.
Usava lentes para mudar a cor dos olhos. Tinha piercing no nariz, piercing no
lábio e outros piercings. Era verdade que a última vez que eu a vir, foi há seis
anos, quando ela tinha dezessete anos e eu tinha dezenove. Eu parecia
basicamente a mesma.
O resto de suas palavras caiu sobre mim. Ela não é nada como eu. Ao invés
disso, ela é interessante e animada. Ela é desinibida. Quando pensava em Jem,
nunca foi nela interessada em outra pessoa, senão como um caminho para algum
fim, e ela nunca foi animada. Se possível, ela era ainda mais retraída do que eu.
Sempre pensei nela como friamente focada. No entanto, ela certamente era
desinibida.
Suspirei novamente. Apoiei minha testa na mão livre. Jon levou isso como um
sinal para continuar, e fechei meus olhos quando ele falou.
— Bebi demais, mas isso não é uma desculpa. Eu fui atraído por ela. Ela me
lembrou muito de você, mas foi diferente porque... — ele soltou um suspiro
instável. — Eu só queria você. Mas nunca pareceu que você me queria como eu
te queria, você sempre foi tão desapegada. Ela agiu como se me quisesse, e eu
gostei disso. — Ele engoliu a última palavra.
Levantei minha cabeça e o observei. Ele parecia verdadeiramente arruinado.
Limpei minha garganta e chamei sua atenção para mim.
— Jon, por que você nunca disse algo sobre isso quando estávamos juntos? Eu
nunca soube. Você nunca me disse que havia algo errado. Você nunca disse nada
sobre eu ser distante.
— Eu tentei. Realmente, eu tentei. Quando nós ficamos juntos pela primeira
vez, achei que você me procuraria. Quero dizer, eu fui seu primeiro namorado.
Eu fui o seu primeiro..., mas depois, achei que talvez você não estivesse
interessada nas coisas físicas. Achei que estivesse bem com isso. Eu pensei que
pudesse lidar com isso, se isso significasse estar com você — ele precisou tomar
fôlego de novo e quando falou, ele pareceu sufocado. — Mas agora, eu não
consigo parar de pensar em você. Quando disse que eu sofro por você, estava
falando sério. Todo dia é como se eu estivesse contando os minutos até te ver, e
penso que talvez hoje seja o dia. Talvez hoje ela mude de ideia e me perdoe. —
Seus olhos estavam cheios de lágrimas e avermelhados. — Janie, não podemos
tentar de novo? Você pode me perdoar?
Um pensamento repentino me ocorreu.
— É isso que te fez sair naquela noite, quando te apresentei a Quinn? Ele sabe
disso?
Jon, silenciosamente, me analisou antes de responder.
— Você está namorando com ele?
Pensei sobre a pergunta dele e respondi, honestamente.
— Não.
Seus olhos perfuraram os meus.
— Foi você ou ele que terminou?
Bufei, impaciente.
— Ele sabe? Quinn sabe sobre você e Jem?
Jon sacudiu a cabeça, lentamente.
— Não, não que eu saiba.
— Então, por que você foi embora na noite no jantar? O que ele disse para
você?
Se possível, Jon parecia ainda mais desconfortável.
— Não posso falar sobre isso ainda. Eu acabei de te contar... — ele passou a
mão no cabelo. — Não podemos passar por cima disso? Você ainda não me
respondeu, pode me perdoar?
Pressionei os lábios, um contra o outro, em uma linha firme antes de perguntar
novamente.
— O que você e Quinn discutiram sábado passado? Por que você saiu?
Jon balançou a cabeça, aparentemente não querendo encontrar o meu olhar.
Mas eu sabia. De repente tinha certeza.
— Foi a respeito do meu trabalho, não foi? Do qual você fez seu pai me
demitir.
Jon fechou os olhos e recostou-se na cabine. Sua cabeça bateu no encosto
almofadado de couro. Pensei ter ouvido um palavrão escapando de sua boca. Ele
parecia infeliz.
Tentei engolir, mas a confusão em camadas com uma emoção viscosa, fez
minha garganta parecer inchada.
— Como... — minha garganta trabalhou para engolir, e então eu comecei de
novo. — Como ele sabia? Como Quinn soube que seu pai me demitiu?
Jon balançou a cabeça, os olhos ainda fechados, e sua voz era muito suave
quando ele disse:
— Eu não sei. Ele apenas sabia.
Capítulo 16
— Quinn recrutou você, não é?
Pisquei para Olivia algumas vezes. Fiquei confusa com sua pergunta
repentina, mas me recuperei rapidamente.
— Sim, pode se dizer eu sim.
Era sexta-feira à tarde, antes da grande viagem de negócios a Las Vegas — (a
grande viagem de negócios a Las Vegas, que agora eu temia) —. Sexta-feira da
semana que estava se tornando a mais estranha de todas, e eu tentava funcionar
com apenas duas horas de sono agitado.
Não estava cansada quando cheguei ao apartamento naquela noite, apesar de
ter passado das 2:00h da manhã. Elizabeth estava dormindo. Eu podia ouvir seu
ronco suave, então, furtivamente, tirei minhas botas e fechei a porta para não
atrapalhar seu sono, ou causar uma ira adicional.
Minha mente estava ativa. Eu me sentia perturbada, mas estranhamente
entorpecida. Chequei meu e-mail, de repente curiosa sobre Jem. Queria ver se
ela havia respondido a mensagem que enviei no último sábado. Ela esteve na
cidade esse tempo todo? Por que ela dormiu com Jon?
Naveguei para o Gmail. Não havia novas mensagens.
Pensei em enviar outro e-mail, mas tudo que eu queria perguntar, apesar da
minha ambivalência em relação a Jon e o fim de nosso relacionamento,
provavelmente me faria parecer uma ex-namorada louca e ciumenta. Minha vida
estava perigosamente perto de se assemelhar a um episódio de Jerry Springer;
tudo o que faltava era uma questão de paternidade de alguém.
Comecei a digitar:
Oi Jem, estou apenas enviando um e-mail para perguntar se você está na
cidade. Jon mencionou algo sobre ter te visto a algumas semanas atrás. Em seu
último email, você disse que queria me ver. Você ainda quer me encontrar?
Janie.
Cliquei em enviar e, em seguida, olhei distraidamente a tela até que ela ficou
embaçada.
Jon estava certo sobre tantas coisas. Evitei a intimidade emocional. Odiava
confiar nos outros. Eu não era boa nisso, e me virava sozinha sempre que
encontrasse uma dificuldade. Por causa disso, me dediquei a coisas que
importavam para mim ou, usando Jon como estudo de caso, terminei
abruptamente os relacionamentos. Eu também entrei em nosso relacionamento
com expectativas extremamente baixas e, desde que eu mantivesse minhas
expectativas no mínimo, era capaz de justificar meu investimento pessoal um
tanto delinquente nele. Não foi justo com Jon.
Independentemente disso, ele me traiu com a minha irmã, e quando eu
terminei com ele, ele pediu ao pai que movesse alguns pauzinhos para que eu
fosse demitida. Nem sua motivação, nem seu desespero justificavam suas ações.
Eu não podia e não iria perdoar Jon.
E então havia o Quinn...
— Como você o conheceu? Parece que vocês dois se conhecem muito bem.
— Ela levantou as sobrancelhas para mim, com expectativa.
Olivia e eu nos encontramos para amarrar as pontas soltas antes da nossa
partida na segunda-feira, para Las Vegas. Até então, ela tinha sido um tanto
inútil, mas não era inútil de uma maneira específica o suficiente para eu ter uma
reclamação válida. Terminamos nossa reunião, mas ela ainda não havia saído. Eu
queria franzir o cenho para ela e lhe dizer para voltar ao trabalho. Ao invés
disso, eu disse:
— Por que você diz isso?
Olivia encolheu os ombros, seus olhos azuis, pálidos, me observando um
pouco de perto.
— Keira disse que ele te ligou umas três vezes hoje e você não atendeu
nenhuma das ligações dele. Qualquer outra pessoa seria demitida.
Quando cheguei em casa esta manhã, desliguei meu celular sem olhá-lo.
Tentei não ficar obcecada sobre o quão distraída eu tinha sido, ou sobre o quão
óbvia minha ignorância deve ter sido para ele. Eu não queria pensar sobre isso,
então não pensei.
Da mesma forma, quando cheguei ao trabalho hoje de manhã, configurei meu
telefone para o correio de voz automático. Quando Keira apareceu na minha
porta, indicando que o Sr. Sullivan estava ao telefone, ligando de Nova York e
precisava falar comigo, eu disse que estava prestes a entrar em uma reunião e
prometi ligar de volta. Eu fiz isso três vezes.
Era verdade, eu não queria falar com ele. Eu não sabia como falar com ele.
Em minha insônia pensativa na noite passada, percebi que ele nunca mentiu
exatamente sobre ser meu chefe. Mas agora eu sabia que ele era o chefe e tudo
era diferente.
Eu ignorei a implicação de que eu estava evitando as chamadas de Quinn, e
pensei em como responder à pergunta de Olivia com sinceridade, sem incluir
detalhes reais.
— Eu conheci o Sr. Sullivan no meu antigo emprego.
— Ele recrutou você de lá?
— Não.
— Hmm — Olivia pareceu me contemplar por um momento, com um olhar de
lado, antes de dizer: — Carlos me contratou. Eu sou a única pessoa na empresa
que não foi recrutada por Quinn.
— Ah? Eu não sabia disso. — Eu estava distraída com todas as revelações da
semana passada, e assim fui tentada a sucumbir ao agradável vazio de
entorpecimento apático, mas eu simplesmente não conseguia reunir energia
suficiente para fingir interesse naquilo que ela dizia.
— Eu acho que... — ela se inclinou para perto de mim e baixou a voz para um
sussurro conspiratório. — Eu acho que o deixo desconfortável.
Minhas sobrancelhas levantaram-se por conta própria e eu a observei, confusa.
— Quem? Carlos?
Olivia riu levemente e jogou as mechas de cabelo castanho chocolate por cima
do ombro.
— Quinn, claro!
Tentei não fazer careta quando ela usou Quinn em vez de Sr. Sullivan.
— Por que você acha isso?
— Bem, além do Carlos, você não percebeu que todo mundo que Quinn
contrata é tão... tão... — ela olhou para cima, como se tentasse procurar a palavra
certa. — Todo mundo é… você sabe, tão simples, ou são estranhos. — Ela fez
uma pausa, os olhos fixos no topo da minha cabeça. — Você é muito grande para
uma garota.
Entendi o que ela quis dizer. Na verdade, suas palavras atingiram em cheio o
meu estômago. Eu estava descobrindo que não era tão imune ao desprezo de
pessoas bonitas quanto pensava. Pisquei para ela e não disse nada, mas na minha
cabeça respondi: “Você é uma twatwaffle”.
Twatwaffle é uma nova palavra, que encontrei no Urban Dictionary.
Basicamente significa que uma pessoa é irritante. Eu ainda não tinha dito isso
em voz alta, mas gostei do jeito que soava na minha cabeça.
Ela continuou:
— Carlos insinuou que Quinn é realmente um paquerador terrível — sua boca
bonita, se curvou em um sorriso de conhecimento. — Eu acho que Quinn
contrata mulheres que são simples ou estranhas, para que ele não se distraia no
trabalho. Neste ponto, ele deve estar desesperado. Aposto que ele até flertou com
você.
Dei a ela a minha melhor imitação de um sorriso, mas eu tinha certeza que
parecia um cachorro descobrindo seus dentes.
— Essa é uma teoria interessante.
— Hmm — ela repetiu, se inclinando para trás. — Ele flertou com você?
Balancei a cabeça e olhei para o portfólio no meu colo.
— Não, a menos que você chame beijos, de flertar.
Os olhos de Olivia se abriram muito por uma fração de segundo, então ela riu.
— Você é engraçada! — ela bateu na minha perna com as unhas bem-feitas,
em seguida, virou o cabelo longo, brilhante e liso sobre um ombro magro. —
Bem — disse Olivia, em um suspiro audível — É bom que ele não tenha
interesse em você, caso contrário, provavelmente não teria te contratado em
primeiro lugar.
Eu meio que queria esfaqueá-la no pescoço.
— Janie, vocês duas já terminaram? — a forma de Steven apareceu na minha
porta e, imediatamente, pulei do meu lugar, grata pela distração da tentativa de
assassinato e pela chance de escapar. Fui até minha ampla mesa, para melhorar a
distância entre Olivia e a caneta na minha mão.
— Sim, tudo certo. Acho que Olivia tem o que ela precisa.
— Se eu tiver alguma dúvida, dou uma passada mais tarde para perguntar. —
Ela se levantou e deu a Steven um sorriso largo e amigável.
Steven sacudiu a cabeça, seus lábios estavam franzidos.
— Olivia, a Janie não tem mais tempo para trabalhar nisso com você. Ela
precisa se preparar para a próxima semana, e esse relatório precisa ser feito até
hoje à noite. É melhor você ver tudo o que precisa dela.
Os olhos de Olivia encontraram os meus e seu sorriso se alargou.
— Sim, acho que tenho tudo que preciso.
É verdade.
Fiz sexo muito intenso no meu escritório, com meu chefe, na minha mesa.
Isso aconteceu.
Já experimentei essas singularidades antes. Esses momentos surreais, onde
alguma combinação da iluminação na sala, a situação, o cheiro, as pessoas com
quem estou e as roupas que estou usando, me fazem sentir como se estivesse em
um filme.
De pé no meu escritório, simultaneamente tentando ajustar minha roupa
íntima e cabelos, enquanto abotoava minha camisa com Quinn em minha visão
periférica, me senti muito como se estivesse em um filme.
Nada no momento parecia muito plausível.
— Preciso vir ao escritório com mais frequência. — Podia ouvir a brincadeira
por trás de suas palavras, mas eu não sorri. Minhas mãos palpitaram para tocar
sua pele nua, e meu coração acelerou no meu peito.
Acabamos de usar um ao outro no meu escritório, literalmente na minha mesa,
e eu já não conseguia parar de pensar em quando eu teria a chance de subir em
cima dele novamente. Não era um sentimento com o qual eu tinha alguma
experiência, e a intensidade era um tanto perturbadora.
— Eu sei onde devemos jantar hoje à noite — disse ele. Sua voz veio de
algum lugar atrás de mim. Imaginei que ele estivesse de pé, perto da janela. —
Mas precisamos mudar de roupas primeiro.
Meus dedos começaram a tremer e, portanto, parei de abotoar minha camisa.
Colocando minhas mãos na cintura, me inclinei contra a minha mesa e abaixei
minha cabeça. Permiti que as espirais de cobre cobrissem meus traços, enquanto
eu tentava absorver o fato de que ontem à noite e alguns minutos atrás, foram
eventos reais em minha vida. Eles foram autorizados a serem minhas memórias.
Em meu cérebro, repeti: “Aconteceu, aconteceu, aconteceu, e está
acontecendo”
E desta vez, não pude culpar o vinho pelo meu julgamento prejudicado.
Eu o ouvi atravessar a sala. Através das mechas dos meus cachos, observei
seus sapatos de couro preto pararem diretamente na minha frente. Ele fez uma
pausa, em seguida, tirou meu cabelo e colocou atrás das minhas orelhas. O gesto
infinitamente gentil, fez com que eu me sentisse querida.
— Ei — disse ele.
Olhei para ele através dos meus cílios e nos encaramos. Sua ternura me
encheu de necessidade aguda de invadir o silêncio.
Limpei a garganta, encontrei seu olhar completamente e queria dizer algo que
aliviasse a crescente discórdia em meu triângulo das Bermudas — cérebro-
coração-vagina —. Finalmente, decidi por elogios e honestidade.
— Apenas para registrar, foi muito agradável.
Seus lábios se curvaram para o lado enquanto seu olhar se movia sobre
minhas feições.
— Existe um registro? Você tem mantido um registro?
Assenti.
— Sim. Eu mantenho um registro de tudo. Os dados são imensamente
valiosos e é por isso que existem políticas de acesso à dados tão rigorosas para
pesquisas médicas.
Notei que seus olhos se fixaram abruptamente aos meus, no meio da minha
declaração.
— Você... você... — ele lambeu os lábios. — Você realmente mantém um
registro escrito de cada vez que você fez sexo?
Fiz uma careta para ele.
— Não seja ridículo. Eu não escrevo. Mantenho um log operando na minha
cabeça; sabe, de coisas que eu gostei e que não gostei; coisas que você gostou ou
pareceu gostar, esse tipo de coisa.
Ele piscou uma vez, lentamente.
— Ah. — Seus olhos estavam cheios de pura diversão, uma expressão
incomum para ele.
Crescendo desconfortável sob seu escrutínio robusto, mergulhei meu queixo,
mais uma vez não querendo encontrar seu olhar diretamente. Talvez fosse cedo
demais para compartilhar minhas tendências bizarras com ele.
No entanto, ocorreu-me abruptamente que talvez fosse exatamente o momento
certo para compartilhar minhas tendências bizarras. Talvez agora fosse
precisamente o momento certo para mandá-lo correr, o que ele inevitavelmente
faria. Antes que eu realmente mudasse e algum processo bioquímico relacionado
à Quinn, provavelmente a metilação, transformasse todos os marcadores
genéticos de garota-fica-louca do meu DNA e eu começasse a persegui-lo
zelosamente, para obter minha próxima correção de Quinn.
— É como tamanhos de sapatos — eu disse, estudando-o de perto.
— Tamanhos de sapato — ele piscou devagar, novamente. — Do que você
está falando?
— Bem, eles fazem muitos tamanhos de sapato. Se os seus pés são maiores do
que o maior tamanho de sapato, então você é considerado com pés incrivelmente
grandes — toquei meu polegar e indicador nos botões da minha camisa,
garantindo que todos estivessem completamente presos e abotoando
rigidamente, principalmente os dois últimos. — Você deve saber que tenho
atributos esquisitos igualmente inevitáveis.
Quinn imediatamente sorriu, mas depois reprimiu. Limpou a garganta.
— Bem, e os palhaços? Eles usam sapatos incrivelmente grandes.
— E?
— Então, sapatos grandes têm o seu lugar.
— Sim, no circo... — cruzei meus braços. — Você sabe, com os esquisitos.
Ele imitou minha postura.
— Você não é uma aberração.
— Você deveria saber isso sobre mim, antes que isso, seja lá o que for, saia de
controle. Eu sou, de fato, uma aberração.
— Defina fora de controle.
Minhas bochechas arderam com a maneira como ele fez o coloquialismo soar
sórdido.
Independentemente disso, endireitei minha coluna e tentei parecer razoável e
lógica.
— Você sabe, antes disso se transformar em outra coisa e você achar que eu
sou de um jeito, quando na verdade sou de outro.
— Janie, você não é a única nesta sala que é bizarra.
— Não, você não é. Você é um falcão e eu sou um avestruz.
Parecendo muito predatório, ele estreitou os olhos.
— Primeiro, você está usando muitas analogias hoje, e segundo...
Interrompi.
— Veja? — apontei para mim mesma com as duas mãos para dar ênfase. —
Anormal!
Ele me ignorou.
— Bem, tenho que admitir que posso ver totalmente as semelhanças entre
você e um avestruz.
Isso me surpreendeu. Pensei que ele tentaria me defender contra meus
próprios insultos.
— Eu... uh... me explica? — foi a minha vez de piscar lentamente.
— Sim. — O lento sorriso sexy gradualmente reivindicou suas características.
— É porque eu sou um pássaro estranho, que enterra a cabeça na areia?
Ele riu enquanto esfregava o queixo levemente.
— Não, é porque você tem pernas longas, olhos grandes e... — Seus olhos se
moveram sobre o meu cabelo. — Muita plumagem.
Sem pensar, peguei os pavorosos montes de cachos e torci o grosso volume,
esperando amenizar o caos, mas sem sucesso.
Ele sorriu para mim.
A força total de seu sorriso pareceu quase dolorosa.
— Então, sobre o jantar...
— Eu... uh... não posso sair com você hoje à noite — eu estava um pouco
surpresa com o quão normal minha voz soava. — Você sabe, vou encontrar meu
grupo de tricô. Eu te disse antes, antes de nós... antes de você... — bufei.
Quinn inclinou a cabeça para o lado e levantou suas grandes mãos para cobrir
meus ombros. Era tão estranho pensar que ele poderia me tocar à vontade e que
queria fazê-lo, que agora estava subitamente ok e esperado, porque o selo havia
sido rompido; a linha havia sido cruzada.
Eu mantinha certas verdades como evidentes — verdades sobre mim mesma,
sobre as pessoas, sobre o mundo e sobre como tudo se encaixava — e elas
estavam mudando.
Tudo estava mudando tão rápido, tudo. A única coisa constante, era a
mudança.
Suas mãos desceram pelos meus braços e ele me puxou em sua direção, longe
da mesa. Permiti que ele me puxasse para seu peito enquanto ele varria a cortina
de cabelo do meu rosto. Ele inclinou meu queixo para cima e me beijou
suavemente na boca.
Ele não me libertou imediatamente. Seus longos dedos estavam agora sob meu
queixo, mas ele afastou a cabeça o suficiente para que sua testa e nariz
estivessem em foco. Os olhos de Quinn olhavam nos meus. Fiquei mais uma vez
impressionada com os quão azuis eram, e perdi um pouco da respiração quando
me esforcei para exalar.
Ele franziu a testa.
— Você ainda quer ir ao seu grupo de tricô hoje à noite?
Balancei a cabeça. Seu olhar percorreu minhas feições, como se estivesse
procurando a veracidade da minha resposta de cabeça.
— Você poderia faltar essa semana e passar algum tempo com o cara que você
está namorando. — Suas mãos se moveram para a minha cintura,
ostensivamente para me manter no lugar.
Engoli e pressionei meus lábios em um sorriso.
— Isso é muito tentador.
Sua boca enganchada para o lado; ele parecia esperançoso, uma expressão que
parecia estranha em todos os aspectos tipicamente reservados.
— Poderíamos pegar um cinema.
Eu queria. Não, eu precisava manter meu compromisso com o grupo de tricô.
De repente, senti que era muito importante que eu estivesse lá.
— É a minha noite de levar o vinho. Se eu não for, elas vão começar a passar
trotes nos idosos e depois me culpar pelas prisões subsequentes.
A verdade é que eu precisava de tempo para descobrir o que era isso. Eu
estava muito ligada a Quinn, mas me preocupei que fosse um pouco prematuro.
Para eu me apegar a alguém, normalmente levava anos. Eu o conhecia há menos
de seis semanas e já sentia mais por ele, e pensava mais nele, do que aconteceu
com Jon.
Pelo amor de Thor, eu estava sentindo falta dele mesmo quando estávamos na
mesma sala juntos. A força dos sentimentos e a natureza virtualmente
consumidora delas, me fizeram querer me esconder debaixo da minha mesa, até
que meu cérebro, meu coração e minha vagina chegassem a um consenso.
Portanto, eu o afastei, embora gentilmente, e insisti em encontrar minhas
amigas. Sua expressão se transformou em uma que era familiar: reservada. Notei
que a mandíbula de Quinn estava acentuada e sua boca se curvou para baixo.
Ele suspirou. Soou dolorido.
— Janie pensei que, depois de... — Quinn lambeu os lábios, soltou minha
cintura e se afastou. Ele cruzou os braços e ficou com os pés afastados, como se
estivesse aterrissando — O que foi? — seu tom estava quebrado.
Eu engoli antes de responder.
— O que foi o quê?
O olhar predatório retornou; o que parecia hostilidade reticulada através de
seu olhar.
— Nós apenas... — sua voz começou a subir e observei enquanto ele engoliu
com dificuldade, olhou para longe, olhou de volta para os meus olhos e suspirou
novamente. — Você quer ir passar um tempo com seu grupo de tricô, hoje à
noite, depois do que acabou de acontecer? Depois do que aconteceu ontem à
noite?
Comecei a segurar meu lábio com meus dentes, meus olhos arregalados de
sentimentos difíceis explicar.
— Sim?
— Sim? — suas sobrancelhas subiram com expectativa. — Isso é uma
pergunta?
— Não?
As sobrancelhas de Quinn se esticaram em um forte V.
— Estamos na mesma página, aqui?
— Não sei o que dizer. — Me abracei, rangendo os dentes.
Nós nos encaramos. O momento era prolongado e rígido, como uma camisa
pesadamente engomada. Seu olhar — cansado, acusador, mas penetrante — fez
eu me sentir uma imbecil. Talvez eu fosse.
Na verdade, sabia que era.
Eu tive a oportunidade de passar a noite com Quinn, que eu realmente gostei
em todos os sentidos, e eu estava recusando isso, porque estava com medo. Sim,
com medo.
Fi, fa, fo, fum, assustada.
Incapaz de segurar seu olhar penetrante, deixei escapar um suspiro lento.
Fechei os olhos e desviei o rosto dele, mas apenas o meu rosto, e balancei a
cabeça.
— Eu não sei o que dizer. — Minha voz soou estranhamente perdida aos meus
próprios ouvidos.
Eu o senti, ao invés de vê-lo se aproximar.
— Se você não está interessada em mim como algo permanente, então você
precisa me dizer agora.
Minha risada curta foi involuntária e imediata, assim como minhas palavras.
— Deus, Quinn, você não tem ideia de quão permanente eu gostaria que fosse.
Eu gostaria que fôssemos bolinho Ana Maria, e baratas, mortes e impostos. Mas
eu…
Suas mãos estavam em mim novamente, na minha cintura, escorregando para
as minhas costas, me pressionando contra o seu peito, me puxando para um
abraço. Automaticamente peguei em sua camisa e me agarrei a ele.
— Então fique comigo essa noite. — Suas palavras foram quentes contra o
meu ouvido, e a saturação anterior de irritação estava, agora, ausente. Ele parecia
quase aliviado.
— Eu só preciso... — minha respiração estava irregular. Viajei em águas
inexploradas e minha confissão não intencional, não acalmou meu desconforto,
mas também não intensificou.
Eu estava no limbo emocional.
Descansei minha cabeça contra seu ombro e o respirei; ele estava tão quente,
como uma fornalha. Eu fechei meus olhos.
Finalmente eu disse a única coisa que fazia sentido, o que foi facilitado pelo
anonimato da escuridão por trás das pálpebras fechadas.
— Eu não sei o que estou fazendo. Estou com medo. Não estou acostumada a
isso.
Eu o senti sorrir contra o meu pescoço onde ele mergulhou a cabeça, e seus
lábios roçaram no meu ombro. Se afastou, lentamente, com óbvia relutância.
Uma de suas mãos grandes acariciou minha bochecha; seus dedos puxaram
meu cabelo e forçaram minha cabeça para trás.
— Olhe para mim.
Respirei fundo, então abri meus olhos.
A maior parte de sua frustração anterior estava ausente e a maneira como ele
olhou para mim, me deixou desconfortável, mas deliciosamente ciente de que
estávamos pressionados da cintura para baixo.
— Vamos sair amanhã à noite, ok? — Ele manteve o polegar no meu rosto,
esfregando-o lentamente sobre a minha bochecha em círculos de indução de
transe.
Eu assenti.
— E você vai passar a noite toda comigo? — o queixo de Quinn caiu em seu
peito, de modo que ele estava olhando para mim através de suas sobrancelhas.
— Nenhuma organização feminista de quadrinhos? Nenhum clube de tricô com
vinho?
— É um grupo de tricô com beber vinho envolvido, mas sim: vou passar a
noite toda com você. — Meu queixo tremeu um pouco, fazendo minha voz
trêmula e não maquiada.
Ele pode ter detectado a fraqueza do meu limbo emocional, porque ele sorriu
para mim de uma forma que aliviou a pressão de sua frustração anterior e
começou a acalmar a convulsão confusa.
— Ok. — Seus dedos saíram do meu cabelo e, vagarosamente, ele deu um
passo para trás, suas mãos enfiando nos bolsos da calça como se precisassem ser
contidas. O sorriso cresceu um pouco melancólico, quando seus olhos se
moveram sobre o meu rosto. — Eu posso esperar.
Capítulo 23
Era a vez de Marie receber a noite de tricô. Quinn insistiu em me levar ao
encontro do grupo, não deixando espaço para discussão. Ele me acompanhou até
a porta do prédio de Marie e me deu um beijo de despedida. Foi um beijo
devastador e quando ele foi embora, senti parte de mim ir com ele.
Desnecessário dizer que foi uma sensação desconcertante.
Também insistiu, antes de partir, que eu prometesse ligar para ele enquanto
organizava meus quadrinhos mais tarde, naquela noite. Ele alegou estar
interessado em aprender tudo sobre como a segunda onda do feminismo
influenciou os quadrinhos do final do século XX.
De alguma forma, achei a afirmação duvidosa.
Elizabeth me encontrou na porta e passei pelo apartamento bem decorado de
Marie sem realmente ver nada, ou perceber alguém. Se eu tivesse sido mais
autoconsciente, poderia ter detectado os olhares que se seguiram à minha entrada
e os olhares inquisitivos trocados.
Minha mente estava envolvida no desejo de viajar e não na preferência por
vagar, porém vagava prazerosamente. Pressionei meus dedos nos lábios e
lembrei da forma com que Quinn me levantou na mesa, como se eu não pesasse
nada. Seus dedos quentes debaixo da minha saia, acima da renda da minha meia
calça e...
— Janie?
Pisquei várias vezes. Saí do meu transe e me concentrei na pessoa que estava
em minha frente, olhando para mim com o que parecia ser uma leve
preocupação.
Era Ashley.
— Sim?
— Sinceramente, garota onde sua mente acabou de ir e você precisa de um
companheiro de viagem? — o sotaque de Ashley, do Tennessee, foi silenciado.
— Você está bem?
— Eu... uh... — continuei a piscar para ela. Olhei ao redor da sala e aos seus
habitantes, como se os vissem pela primeira vez. Todas me observavam com
preocupação e uma nítida curiosidade; o único som que quebrava o silêncio era
Sandra comendo batatas fritas.
— Sinto muito — finalmente consegui dizer. — Você estava falando comigo?
Elizabeth estava sentada no sofá, os olhos arregalados e vigilantes. Deu um
tapinha no assento ao lado dela.
— Perguntei se você queria se sentar, mas você apenas ficou parada.
— Ah! Sim. Sim, claro, adoraria me sentar. — Abaixei a cabeça e me movi
para ocupar o assento ao lado dela, deixando minha bolsa cair do meu ombro
para os meus pés.
— Onde está sua mala? Já deixou no apartamento? — Elizabeth me olhou
com desconfiança, mas seu tom era leve e descontraido.
— Não, ainda não. Fui ao escritório depois que aterrissei.
Marie me entregou um prato com batatas fritas e cebola, e compartilhou um
olhar com Fiona sobre minha cabeça.
— Como foi sua viagem?
— Foi... — corei incontrolavelmente enquanto um sorriso gigante tomava
uma forma hostil no meu rosto. Enfiei meu queixo no meu peito e permiti que
meu cabelo caísse para frente e protegesse minha expressão.
Houve uma ingestão aguda de ar.
— Você não! — Elizabeth exclamou. — Meu Deus!
— Espere. O que? O que aconteceu? — Ashley disse, ouvindo a explosão de
Elizabeth.
Apertei meus olhos quando a sala explodiu em vozes. Elizabeth estava
pulando para cima e para baixo no sofá ao meu lado, espalhando minhas batatas
fritas para todos os lados. Ela estava cantando: “Você fez! Você fez!”
— O que? O que ela fez? — as palavras tranquilas, mas curiosas, de Kat
cortaram o barulho.
— Janie fez sexo selvagem com o Calças-Quentes! — as vibrações de
Elizabeth quase me fizeram cair do sofá.
Abandonei o prato de papel no colo e agarrei as almofadas ao meu lado, o que
provou ser uma coisa muito boa quando, um momento depois, fui abordada por
um abraço de urso.
— Louvado seja o Senhor! — Sandra me apertou com uma das pernas
cruzadas sobre o meu colo. Uma fração de segundo depois, dedos gordurosos de
batata frita estavam nas minhas bochechas, e ela levantou meu rosto para o dela.
Seu sotaque do Texas, foi ainda mais pronunciado do que o habitual. — Quando
Elizabeth nos disse que você estava dando um gelo nele, fiquei com muito medo
de nunca poder viver suas experiências sexuais, indiretamente. — Ela me deu
um beijo repentino, rápido e de boca fechada, em seguida, segurou minha cabeça
em seu peito, como se faz com uma criança. — Se você não subisse naquele
homem como se sobe em uma árvore, eu teria que te mostrar como se faz.
Nesse momento eu estava rindo e, reconhecidamente, bufei.
— O que isso significa? — Marie, também rindo, estava tentando me tirar do
abraço de Sandra. — E dê à pobre garota, espaço para que ela possa nos contar
tudo. Exatamente tudo. — Marie conseguiu puxar Sandra de cima de mim e
começou a juntar as batatas espalhadas. Tentei ajudar.
Elizabeth soltou um gritinho de novo e se mexeu no sofá para ficar de frente
para mim. Ela abraçou um travesseiro contra o peito, os olhos iluminados com
alegria animada.
— Comece do começo! Não deixe nada de fora e nos conte exatamente o que
aconteceu.
— E certifique-se de descrever tudo em polegadas. Eu não consigo fazer a
conversão métrica na minha cabeça. — Ashley acrescentou, se inclinando para
trás e tomando seu vinho.
Coloquei as mãos no rosto e balancei a cabeça.
— Gah! Eu nem sei por onde começar!
— Comece com a parte que tiraram as roupas! — a sugestão de Kat me fez
ficar um tom mais claro de vermelho.
— Vocês não entendem; muita coisa aconteceu — suspirei. Coloquei minhas
mãos na minha saia e segurei na barra. — Descobri que Quinn não é... bem, ele é
meu chefe, e então tem Jon com a minha irmã, e então Kat, e a razão pela qual
eu fui demitida...
— Dê a ela um minuto! — disse Fiona repreendendo o grupo, e então
acrescentou: — Deixe-a reunir seus pensamentos; caso contrário, ela pode deixar
as melhores partes de fora.
Tentei contar o que aconteceu e consegui transmitir os fatos, mas era uma
contadora de histórias totalmente inadequada quando se tratava de contar
detalhes complicados.
A certa altura, Ashley disse:
— Meu Deus, Janie. Como você pode fazer tudo parecer um relatório policial
chato?
— Ah, caramba... — Marie mordeu o lábio. Seus olhos azuis fixaram em mim
com preocupação. — Você está bem, querida? Não acredito que tudo isso
aconteceu em uma semana.
— Obviamente ela está bem — Sandra interrompeu, colocando seu tricô na
mesa e tomando um gole de sua cerveja. — O que eu quero saber, é quem
venceu o jogo de strip poker?
Elizabeth pegou minha mão.
— Não acredito que ele é dono da empresa. Por essa não esperava.
— Eu não acredito que Jon dormiu com sua irmã psicopata — Ashley entrou
na conversa. — Aquela safada é doooooida.
— Quem ganhou o pôquer, Janie? — a voz suave de Fiona chamou minha
atenção, e seus olhos perceptivos se estreitaram de um jeito que me deixou
enervada.
Engoli.
— Foi um empate.
— Hmm... — Fiona pressionou os lábios em uma linha contemplativa. —
Então vocês estão namorando?
Balancei a cabeça como se fosse limpá-la.
— Eu acho que sim.
— E é isso que você quer? — Fiona pressionou.
Balancei a cabeça antes de perceber que minha cabeça já estava se movendo.
— Sim — meu queixo tremeu um pouco. — Sim, mas é assustador, sabe?
— Oh, Janie. — Fiona sorriu para mim, seus olhos de elfos, brilhando. — É
assim que você sabe que é real.
Mandei uma mensagem para Quinn naquela noite, quando saí do tricô:
Não organizarei meus quadrinhos. Em vez disso, planejando desmaiar de
exaustão assim que chegar em casa.
Ele respondeu:
Está bem. Vou cancelar a ligação. Até amanhã depois do trabalho. Só para
você saber, os seguranças irão se certificar de que você chegue bem em casa.
Então, um minuto depois:
Estou com saudade. Você deveria passar a noite aqui amanhã.
E, trinta segundos depois:
Ou você pode vir agora. Eu prometo deixar você dormir.
Pensei nisso.
Pensei nisso; minha cabeça disse que não, mas minha vagina disse que sim e
meu coração disse que não sei! Estou emocionalmente inibida! Me deixe em
paz!
Reconheci os seguranças pela minha visão periférica, ciente de que estavam
me seguindo pelo caminho curto até em casa. Marie morava no nosso bairro há
apenas três quarteirões de distância. Elizabeth teve plantão a noite no hospital e
deixou o grupo um pouco mais cedo. Estava uma noite fria e minhas bochechas
arderam quando o vento de Chicago chicoteava contra o meu rosto, passando
pelo meu cabelo solto e o jogando violentamente ao redor dos meus ombros.
O ar frio parecia sóbrio. Respondi a última mensagem de Quinn:
Se eu for, não vou querer dormir. Vai deitar.
Coloquei meu celular no casaco e subi os degraus do prédio. Quase
imediatamente, senti o telefone tocar no meu bolso. Eu olhei para a tela
enquanto abria a fechadura e me dirigi para as escadas:
Você definitivamente deveria vir agora.
Eu sorri, minha pele aquecendo, minhas bochechas ficando rosa. Ele me fazia
corar, mesmo que por mensagem.
Ganhei altitude distraidamente, tocando a tela do meu telefone e digitando
uma resposta enquanto sorria como uma idiota.
Não. Nós dois precisamos dormir. Vai deitar.
Com segundas intenções, e antes que eu pudesse me conter, acrescentei um
último pedaço porque era verdade e, de repente, eu queria que ele soubesse:
Também estou com saudade.
Abri a porta do meu apartamento enquanto digitava no telefone. Fechei a
porta e tranquei a fechadura. Respirei fundo e me encostei na divisória. Permiti
que minha cabeça batesse contra ela, quando fechei meus olhos e me perguntei
como era possível que eu só estivesse longe de casa por menos de quarenta e
oito horas. Tanta coisa mudou desde a última vez que estive aqui.
— Que diabos há de errado com você?
Endureci. Meus olhos se arregalaram no tamanho de um pires, enquanto eu
procurava pela dona da voz. Mesmo antes de a ver, sabia quem era.
Jem.
Capítulo 24
Ela estava no corredor com o ombro contra a parede, de braços cruzados e seu
queixo estava levantado na maneira orgulhosa e teimosa que costumava
empregar quando se deparava com... bem, qualquer um.
Jem estava vestida com calça jeans escura, botas marrons e uma camisa
branca de mangas compridas — roupas consideravelmente mais decentes do que
ela usava normalmente —, no entanto, pensei, estava frio lá fora e fazia tempo
que não a via. Seu cabelo parecia com o meu: longo, encaracolado e geralmente
indisciplinado. Era até da mesma cor. Mesmo que ela fosse pelo menos dois
números mais magra do que eu, imediatamente entendi como eu poderia ser
confundida com uma sósia dela, especialmente à distância.
Pisquei para ela imaginando, a princípio, se ela era real ou imaginária, e
esperava que fosse a segunda opção. Antes que eu pudesse pensar em falar, a voz
rouca — de Patty Pimentinha — de Jem interrompeu meu debate interno.
— Bem?
Observei-a por um longo momento antes de perguntar:
— Como você entrou no apartamento?
Jem encolheu os ombros.
— Fingi ser você. Disse ao síndico que perdi minhas chaves e ele me deixou
entrar.
— Bem, que ótimo — suspirei pesadamente e entrei no apartamento. Tirei
minha jaqueta de lã marrom, pendurei no cabide e olhei para ela.
— Você não está feliz em ver sua irmãzinha? — ela mudou, seus lábios
pressionando em uma linha de irritação.
Passei por ela na sala de estar, em seguida, fui à cozinha. De repente eu
precisava de uma bebida. Jem me seguiu e parou no balcão, se inclinando sobre
ele. Ela me observou, enquanto eu servia suco de laranja e tequila.
— Tem certeza de que é uma boa ideia?
Ignorei a pergunta e misturei os líquidos com uma colher.
— Você aguenta beber mais agora? A última vez que vi você beber, desmaiou
com cinco doses de vodca.
— Eu não desmaiei. Vomitei no meu inspetor SAT — aquilo não me chateava
mais. Eu só sabia que quando Jem estava por perto, era importante ser o mais
correto e preciso possível.
— Tanto faz.
— Por que você está aqui? — tomei um longo gole da minha bebida.
— Eu disse que vinha te visitar.
Ficamos nos encarando por vários momentos e então perguntei de novo.
— Por que você está aqui?
Ela se endireitou lentamente e cruzou os braços.
— Estou passando por Chicago e preciso de um lugar para ficar por alguns
dias.
Balancei a cabeça.
— Você está em Chicago há semanas. Por que agora?
Seus olhos se estreitaram quase imperceptivelmente enquanto o queixo dela se
erguia.
— O que você sabe sobre isso?
Tomei outro gole do meu suco e o coloquei no balcão.
— Eu sei muito — Quando ela me estudou, notei que seu olhar era duro e
cauteloso, assim como eu me lembrava.
Ela falou devagar, como se escolhesse as palavras com cuidado.
— Quem te disse que eu estou em Chicago há semanas?
— Jon. — Rolei meu copo entre as palmas das minhas mãos para mantê-las
ocupadas, querendo me mover, querendo escapar, querendo dar um soco na cara
dela, querendo comer uma barra de granola.
Sua expressão não mudou; seu olhar nem sequer vacilou.
— Ele é um idiota, sabe.
— Você também é. — Essa barra de granola estava parecendo cada vez
melhor. Coloquei minha bebida no balcão e comecei a assaltar a despensa.
— Sim, mas eu não finjo sobre isso. Ele justifica todas as suas babaquices,
falando que é amor. Me dá um copo.
Olhei por cima do meu ombro e a observei destampar a tequila.
— Agora você vai beber minha tequila?
— Sim.
Dei de ombros e fui para o armário que continha os copos. Passei um para ela
e voltei minha atenção para a Caçada à Granola Vermelha.
— Qual era o plano, Jem? Por que você fez aquilo? — não me importo com o
motivo dela ter dormido com Jon. Em vez disso, não gostei do silêncio e parecia
um tópico razoável para conversa, dadas as circunstâncias.
— Chantagem, é claro.
— Claro. — Encontrei as barras de granola e tirei duas, passei uma para ela e
abri a outra com meus dentes. Sempre lutei com a abertura de itens de serviço
único, como embalagens de M&M’s ou preservativos.
— Ele, claro, fodeu tudo ao te dizer a verdade — Jem derramou uma grande
quantidade de tequila no copo, mas não bebeu.
— Por que a chantagem?
— Eu precisava de dinheiro.
— Por quê?
Jem segurou meu olhar por um longo momento, farejou e então moveu os
olhos sobre o conteúdo da pequena cozinha como se estivesse fazendo um
inventário. Ela tomou um gole da tequila, mas não fez uma careta.
Aproveitei essa oportunidade para estudá-la. Pela primeira vez que eu me
lembre, em muito tempo, Jem parecia evidentemente desconfortável. De repente,
descobri que estava gostando do silêncio. Gostava de bater meus lábios quando
eu tomava um gole da minha Tequila com suco de laranja, e gostei do jeito que a
alta trituração da barra de granola soava ampliada por sua inquietação tensa.
Quando ficou claro que ela não tinha intenção de responder a minha pergunta,
decidi perguntar, com a boca cheia de aveia adoçada e crocante:
— Posso adivinhar? alguns dos pedaços soltos da barra de cereal voaram dos
meus lábios, caíram no chão e em cima do balcão. Foi desagradável e nojento, e
eu adorei.
Jem mudou seu peso de um pé para o outro, girando sua tequila limpa, ainda
não encontrando o meu olhar.
— Certo.
— Ok, eu vou tentar três palpites. — Coloquei minha comida no balcão,
engoli meu suco de laranja e estalei os nós dos dedos. — Tentativa número um:
Você precisa do dinheiro para ir para a faculdade.
Seus olhos se levantaram para os meus. Um pequeno sorriso genuinamente
divertido apareceu no canto de seus lábios.
— Sim, é isso. Entrei no MIT, mas preciso dos duzentos e cinquenta mil para
cobrir os livros do meu primeiro semestre.
Devolvi o sorriso dela. Eu não conseguia lembrar a última vez que sorri para
ela, de maneira sincera ou não. Balancei a cabeça lentamente.
— Não, não. Não é isso. Me deixe tentar de novo. — Limpei a garganta,
franzi os lábios e estreitei os olhos. — Você planeja iniciar uma organização sem
fins lucrativos e precisa do diretor de startup.
Ela assentiu.
— Ok, você me pegou. Eu quero ajudar órfãos a aprender a pescar lagostas.
Se eles não aprenderem sobre pesca de lagosta comigo, eles vão aprender sobre
isso nas ruas.
— Geralmente não é chamado de pesca de lagosta. O principal método para
capturar o lagostim é o arrasto, embora as grandes lagostas Homarus sejam
capturadas quase sempre com armadilhas para lagostas.
— Foda-se a besteira da Wikipedia, Janie.
Meu sorriso aumentou, mas pude sentir a amargura por trás disso; minha boca
tinha gosto de vinagre.
— Ah, mas acho que não é isso também. Ok — coloquei meu dedo indicador
no queixo. Fiquei surpresa por ela estar brincando, digo, brincando comigo, e me
ocorreu que Jem não esperava que eu acertasse. Inalei profundamente. —, deixe-
me pensar…
— Talvez sejam os dois. Talvez eu queira ir para a faculdade para que eu
possa começar uma ONG.
Estalei meus dedos, quase a surpreendendo.
— Entendi!
— Você me pegou. Eu quero adotar todos os dálmatas em Boston e
transformá-los em um casaco de pele — sua voz era, claro, inexpressiva quando
disse isso. Jem levou a tequila aos lábios.
— Não — hesitei e depois respirei fundo novamente. — Você está fugindo de
um skinhead chamado Seamus, que tem tatuagens no pescoço e quer matar você.
Jem ficou perfeitamente imóvel, seus olhos perfurando os meus, seu copo no
ar. Eu permiti passar vários segundos. Notei que ela não parecia mais se divertir.
Minha mão pegou e fechou a embalagem descartada da barra de granola. Eu a
amassei com meus dedos e continuei.
— E precisa do dinheiro para poder se esconder.
Jem tomou outro gole do líquido marrom e abaixou o copo. Sua expressão era
inescrutável. Esta era a Jem que eu conhecia. Eu não conseguia lembrar de uma
época em que ela não olhasse para o mundo — e para mim — com uma
inflexibilidade de granito. Seu peito se expandiu lentamente, como se ela
estivesse respirando calmamente.
— Como você sabe disso? — tão silenciosa; sua voz era tão baixa que quase
não ouvi as palavras.
Tentei espelhar sua máscara impassível, mas sabia que estava falhando. Eu
podia sentir o calor do ressentimento saindo dos meus dedos e olhos. Senti o
calor arrepiante em cada inspiração que tomei.
— Palpite de sorte. — Lambi meus lábios; eles tinham o gosto doce do suco
de laranja.
Nos encaramos em silêncio, por um longo tempo. Eu queria gritar com ela. Eu
queria perguntar se ela já pensou em alguém além de si mesma. Eu queria
perguntar à ela quando e por que ela decidiu ser a louca garota Morris, em vez da
doce, ou sociável, ou educada, ou qualquer outra versão de garota que ela
poderia ter escolhido além de louca.
Ela quebrou o silêncio.
— E preciso do dinheiro.
Suspirei e olhei para o meu copo quase vazio. Meus dedos esfregaram minha
testa.
Eu ia ter uma dor de cabeça.
— Eu sei.
— Não, Janie. Eu realmente preciso do dinheiro.
Meu olhar cintilou com o dela, e fiquei surpresa ao descobrir que o medo
havia substituído alguns, não todos, o pedregulho da inflexibilidade. Suspirei.
— Eu não tenho dinheiro.
— Mas Jon tem.
Eu balancei a cabeça.
— Duvido que ele te dê algum dinheiro.
— Mas vai dar para você. Se pedir, ele lhe dará qualquer coisa.
Mordi meu lábio superior para silenciar o meu desejo abrupto e inesperado de
gritar com ela. O impulso foi tão repentino, que tive que engolir. Minhas mãos
estavam tremendo.
Eu estava com raiva.
Eu não conseguia falar, então balancei a cabeça novamente.
— Porra, Janie! É o mínimo que ele pode fazer depois de te trair.
E então eu ri. No começo, foi uma explosão curta, completamente
involuntária. Então, quando eu encontrei seu olhar, outra risada histérica se
expeliu e eu estava perdida. Eu estava rindo tanto, que meu queixo e as laterais
doíam. Tive que cambalear até o sofá para não cair no chão.
Nada nessa situação era engraçado. Eu tinha certeza que tinha acabado de
desmoronar.
— E daí? Você não vai me perdoar por ter dormido com o babaca do seu
namorado?
Minha boca se abriu. Não achei que fosse possível que o comportamento dela
me surpreendesse nesse momento. Eu estava errada.
No entanto, eu era tão experiente em entorpecer meus sentimentos em torno
da minha família — na presença deles, quando eu pensava sobre eles, quando
me lembrava da minha infância — que minha surpresa foi de curta duração. Era
como olhar para eles e meu passado, através de um microscópio; eles foram um
desafortunado experimento científico.
— Jem — levantei as mãos do meu colo e pressionei as palmas das mãos no
meu peito. — Eu não consigo te perdoar se você não se arrepender.
Seus olhos verdes se estreitaram em fendas.
— Sim, acho que você está certa. — Sua cabeça balançou em um pequeno
movimento, e sua voz estava quieta. — Não sinto muito. Faria de novo. E se
você tivesse outro namorado rico que eu achasse que poderia conseguir dinheiro,
eu também dormiria com ele.
Suas palavras me fizeram recuar. Fechei os olhos para não ter que olhar para
ela. Sua voz rouca estava mais próxima quando ela falou em seguida.
— Não somos tão diferentes, sabe.
Não abri meus olhos com esta declaração ridícula. Em vez disso, me inclinei
ainda mais no sofá e quis que ela se fosse.
Ela continuou.
— Eu não acho que Jon seja o canalha. Ele acha que você é isso; você é a
única. Você não parece se importar que ele tenha te traído, e você não dá a
mínima para ele.
Bufei com isso.
— Um minuto você diz que ele é um idiota por me trair, e no minuto seguinte
você diz que eu sou a vilã por não me importar o suficiente com a traição dele.
Jem, terminei com ele.
— Sim, mas você não parece muito deprimida com isso.
Abri meus olhos, mas estava tão afundada no sofá que meu olhar não estava
mais alto do que a borda da mesa de café.
— Não vai funcionar. Ainda não vou pedir dinheiro ao Jon.
O rosto de Jem era sem surpresas, vazio de emoção.
— Você é como eu, Janie. Você deixou Jon, um cara irritantemente legal com
quem você namorou por anos e que ama você mais do que tudo, e agora você
não sente nada além de alívio. Estou certa? Você está aliviada por não precisar
mais se preocupar em levar em conta os sentimentos dele. Você tem os meios
para salvar sua irmãzinha da morte certa e você não pode sequer fingir
sentimentos suficientes para tentar. Você é incapaz de sentir qualquer
profundidade de emoção, Janie, assim como eu, e assim como a mãe.
Encontrei seu olhar calmamente, embora suas palavras encontrassem o alvo
pretendido com rapidez e precisão. A avaliação simplificada de Jem sobre a
situação de Jon estava muito próxima da minha visão atual da realidade, mas eu
ainda não tinha terminado de classificar todas as razões pelas quais esse
relacionamento terminou. Era verdade. Eu não estava tão ligado a Jon como ele
pode ter estado a mim. Também era verdade que eu estava sentindo
principalmente alívio sobre o fim do relacionamento. No entanto, ele me traiu,
depois tentou mentir sobre isso e depois me demitiu. Essas foram todas as suas
decisões.
Eu sabia que não era inocente, mas não fui a primeira garota na história a ficar
com um cara porque ele era ideal no papel. Pelo amor de Thor! Ele foi meu
primeiro namorado. Estava autorizada a cometer erros.
A outra acusação, de não fingir sentimentos suficientes para salvar Jem, foi a
que me deixou furiosa. Essa fúria me assegurou de que eu era capaz de
profundidade emocional.
Eu a odiava.
Desviei meu olhar do dela e quando falei, falei para o quarto.
— Você pode ficar aqui se quiser. Eu normalmente durmo no sofá, mas você
pode ficar com ele.
Ela ficou quieta por um longo momento e eu sabia que ela estava debatendo se
deveria me pressionar ainda mais. Para minha surpresa, ela não o fez.
— Onde você vai dormir?
Inalei, então soltei uma respiração profunda.
— Elizabeth está no hospital de plantão, então eu vou dormir na cama dela.
— Você ainda é amiga de Elizabeth?
Balancei a cabeça, hesitei e então levantei meus olhos para os dela. Sua
expressão era inalterada, ainda inflexível, mas seus olhos se moviam entre os
meus com um toque de interesse se aproximando. Foi uma demonstração sutil,
embora rara, de sentimentos.
Jem engoliu em seco, lambeu os lábios.
— Isso é bom. Ela parece se importar com você.
— Ela se importa. — Por razões que eu não pude entender imediatamente, as
palavras de Jem fizeram meus olhos arderem, então pisquei.
Jem virou os lábios para o lado e deixou os braços caírem do peito. Com um
pequeno suspiro, ela caminhou até a entrada e pegou uma jaqueta de couro preta.
— Não posso mais usar isso. Pode ficar com ela ou, que seja. Livre-se dela.
Não me importo. — Ela jogou para mim no sofá e eu automaticamente peguei;
cheirava como ela: cigarros, sabão e violência. Lembranças deslizaram por mim
tão repentinamente, que tive que segurar a jaqueta para me equilibrar.
Eu a amei uma vez.
Quando ela era pequena, talvez com três ou quatro anos de idade, eu
costumava levá-la para passear na nossa vizinhança, ou puxá-la em uma carroça
atrás da minha bicicleta. Ela gostava de tudo rápido.
Começou a fumar quando tinha onze anos. Não havia ninguém para lhe dizer
não, embora eu tenha tentado. Ela ria de mim. Crescendo na mesma casa, muitas
vezes senti que ela estava rindo de mim. Aquilo não me irritava. Aquilo me
deixava triste.
O ardor nos meus olhos se intensificou. Então prendi meu lábio superior entre
meus dentes. Não conseguia falar; havia um nó gigante na minha garganta. Eu a
observei quando ela pegou meu casaco de lã marrom da prateleira e o colocou
sobre os ombros.
— Vou levar esse.
Minha boca torceu para o lado e eu me inclinei contra o sofá, sua jaqueta de
couro preta ainda no meu colo.
— Tudo bem — respondi, mesmo sabendo que ela não estava pedindo minha
permissão.
— Vou embora. Eu não sei se... — Jem apertou o botão do meio do meu
casaco, os olhos rígidos, mas intensos. Ela abotoou o casaco.
Quando ela não continuou, limpei minha garganta e encontrei minha voz.
— Aonde você vai?
Jem encolheu os ombros e sacudiu a cabeça; ela enfiou as mãos nos bolsos
forrados de pele do meu casaco.
— Não sei.
Sem pausa, sem uma onda, ou um sorriso, ou um adeus, Jem se virou e saiu.
Minha porta fez um clique, suave e final, quando ela fechou.
Capítulo 25
Dormi mal e tive sonhos estranhos.
Os sonhos eram do tipo problemático em que eu achava que a ação e os
eventos eram genuínos, mas ao acordar e, em retrospecto, percebi que eles eram
obviamente totalmente inacreditável.
O que eu mais me lembrava ao acordar, era de perder os dentes. Os
fragmentos de ossos saíam da minha boca toda vez que eu abria para falar, e
fugiam, embora não tivessem pernas, o que, no sonho, me deixava em pânico.
Não há nada como ver os próprios dentes sem pernas, fugir. Os turistas
continuaram a pisar acidentalmente nos meus dentes. Fui forçada a perseguir
meus molares e caninos pela avenida Michigan enquanto desviava de turistas de
meias pretas usando bermudas, Keds brancos e viseiras de arco-íris. Quando
meu alarme tocou, passei a língua na parte de trás dos dentes para ter certeza de
que todos estavam ainda presentes na minha boca e em segurança.
Quando cheguei ao trabalho e cumprimentei Keira na recepção, os últimos
momentos do meu pesadelo dentário quase se dispersaram. No entanto, persistia
uma sensação de inquietação e um pressentimento completamente irracional.
Meu peito parecia apertado, pesado e desconfortável, como se eu tivesse uma
terrível combinação de bronquite e gastroenterite.
Durante a curta caminhada pelo corredor até a minha sala, em vez de me
debruçar sobre meus sentimentos cada vez mais complexos por Quinn, ou a
discussão desagradável com minha irmã, minha mente vagou. Imaginei e fiz
uma nota mental para verificar o conteúdo das fibras do carpete. Mais
precisamente, o que tornou a atual geração de carpetes resistente a manchas? As
abordagens ecologicamente corretas para a fabricação de tapetes, eram
atualmente a norma? Que país poderia reivindicar o título de líder em
exportações de carpetes de escritório?
Ainda estudando o tapete, abri a porta da minha sala e fui arrancada do meu
foco no chão pela presença de uma companhia inesperada.
Olivia estava dentro da minha sala, em pé, atrás da minha mesa. Suas costas
estavam rígidas e seus olhos estavam arregalados quando encontraram os meus.
Sua mão voou para o peito e ela respirou fundo.
Hesitei, franzi as sobrancelhas e olhei para o nome do lado de fora do
escritório, para confirmar se estava na porta certa. Quando confirmei que estava,
de fato, na minha sala, e que ela também estava, de fato, na minha sala, voltei
meu olhar para ela e esperei por uma explicação.
Um prolongado período de silêncio se esticou enquanto nos encarávamos. Ela
parecia muito bem vestida, como de costume, e, embora eu fosse a única a
encontrá-la inesperadamente em meu escritório com a porta fechada, ela parecia
estar esperando que eu explicasse minha presença.
Esperei dois segundos mais, então levantei minhas sobrancelhas enquanto
meu queixo afundava no meu peito.
— Bem? Posso ajudá-la?
Olivia cruzou os braços e encostou o quadril contra a minha mesa.
Pisquei para ela e me perguntei se eu ainda estava sonhando.
— O que você está fazendo na minha sala?
— Não é sua sala, não pertence a você. É o escritório da empresa — ela
bufou.
Ela realmente bufou.
Era um som ofegante, excessivamente exagerado e combinado com um bufo
exalado.
Cruzei meus braços e imitei sua postura, principalmente para esconder o fato
de que minhas mãos estavam cerradas em punhos.
— Olivia, o que você faz na sala que me foi atribuída pela empresa, onde
estão todos os meus documentos e relatórios confidenciais, com a porta fechada?
Ela levantou uma sobrancelha única e impressionantemente bem feita.
— Estou procurando o esquema atualizado do espaço de Las Vegas.
Balancei a cabeça.
— Ainda não nos foi enviado pelo grupo de Las Vegas; eles disseram que
enviariam por email na sexta-feira.
— Oh. Bem, então, apenas envie para mim quando você receber. Ninguém
pode seguir em frente com os novos planos até que você os envie para o grupo.
— O tom e os modos de Olivia eram tão petulantes, que quase senti que era
minha culpa que o cliente ainda não tivesse enviado o esquema.
Apertei meu queixo.
— Assim que recebê-lo do cliente, vou distribuí-lo ao grupo.
Olivia me lançou um não-sorriso de lábios apertados e passou por mim em
direção ao corredor, sem qualquer observação adicional.
Mas. Que. Merda.?
Com alguma relutância enraizada no lugar, incerta se eu queria levar a questão
pelo corredor, ou apenas simplesmente lamentar, a observei recuar enquanto
saía; seus passos se apressaram, seu ritmo quase correndo, frenético. Então, me
sacudindo, virei os olhos para o escritório e soltei um suspiro gigantesco; minha
inquietação anterior fora substituída, ou, mais precisamente, substituída por uma
imensa irritação.
Me aproximei da mesa e olhei para o conteúdo; todos os papéis e pastas
estavam empilhados, exatamente como os deixei ontem. Verifiquei as gavetas e
descobri que elas ainda estavam trancadas. Meu computador também estava
bloqueado. Se ela estivesse procurando por algo em particular, não pude ver
nenhum sinal externo de que algo havia sido remexido ou desorganizado.
O aperto no meu peito se contraiu e agora estava vacilando entre
aborrecimento e ansiedade. Caí na minha cadeira. Tentei clarear minha mente
olhando pela janela e, por alguns momentos, me deixei flutuar sobre nuvens
brancas e fofas visíveis à distância.
Pela primeira vez recentemente, me esforcei para sentar e ficar quieta e não
pensar em nada. Olhei para o céu até meus olhos ficarem secos.
Em algum momento indeterminado, após o ocorrido, o som de risada e
conversa normal no escritório me tiraram do meu transe. Pisquei, esfreguei as
pálpebras fechadas e opitei por uma tentativa honrosa de fazer meu trabalho. Eu
não pensava em carpete, nem em Quinn, nem em Jem, ou em Olivia. Em vez
disso, me agarrei ao entorpecimento impessoal da minha lista de tarefas.
Assim, ignorando a pilha de memorandos e relatórios impressos em minha
mesa, perdi-me em planilhas e tabelas dinâmicas, e em requisitos, documentos e
fluxos de trabalho de software de faturamento. A tensão em torno dos meus
pulmões diminuía a cada hora que passava com uma imersão mais profunda nos
números e nos gráficos das raias de natação Visio.
O som da porta do meu escritório, abruptamente trouxe minha atenção de
volta ao presente e ao homem que acabara de entrar.
Pisquei. Fiquei boquiaberta. Fiquei de pé.
Calor fervendo deslizou do meu estômago para as pontas dos meus ouvidos,
inexplicavelmente relaxando qualquer aperto restante no meu peito como uma
pomada, enquanto registrei que Quinn estava em pé na frente da porta fechada.
Ele estava sorrindo daquele jeito estranho e calmo, não com uma curva
perceptível de sua boca, mas sim com um brilho sutil nos olhos e uma elevação
do queixo.
Meu sorriso, muito óbvio para sua presença, ajudava tanto quanto eu
conseguia pegar os dentes errantes no meu sonho. Eu adorava que ele estivesse
vestindo jeans azul desbotado e uma camisa preta, de mangas compridas. Ele
não tinha se barbeado desde a última vez que o vi.
— Oi.
— Olá — respondi automaticamente; planilhas e tabelas dinâmicas
imediatamente esquecidas.
Ele cruzou em minha direção e me deu um beijo rápido e suave, antes que eu
pudesse discernir ou apreciar adequadamente sua intenção. Imediatamente ele se
endireitou e segurou um saco de papel entre nós. Era amarelo e manchado de
graxa, escrito em preto Al’s Beef.
— Trouxe carne italiana e batatas fritas.
Tirei minha atenção do saco e encontrei seu olhar azul, estreito. Mais uma vez,
um sincero sorriso automático abriu ainda mais minhas feições para ele.
— Você me trouxe Al’s Beef no café da manhã?
Seus lábios subiram do lado, seus olhos se movendo entre os meus e ele virou
a cabeça ligeiramente.
— Não, eu te trouxe o almoço. São quase 15:00h.
Minha boca abriu e olhei para o relógio no meu pulso. Era, de fato, quase
15:00h.
— Ah meu Deus.
Quinn colocou o saco de comida na mesa e começou a distribuir seu
conteúdo: sanduíche e batatas fritas para mim; sanduíche e batatas fritas para ele.
Até tirou duas cestas verdes de comida, aparentemente para que pudéssemos
desfrutar de uma autêntica experiência Al’s Beef no conforto do meu escritório.
— Sente-se. — Ele fez um gesto para a minha cadeira enquanto ocupava a
cadeira do outro lado da minha mesa. Obedeci, mas não desembrulhei minha
comida imediatamente. Em vez disso, optei por observá-lo, até que meu
estômago roncou exigindo minha atenção. Presumivelmente só agora percebi
que eu não tinha comido o dia todo. O cheiro de batatas fritas e carne assada fez
minha boca encher de água.
Imitando seus movimentos, joguei minhas batatas fritas na cesta e tirei o papel
da carne italiana, revelando um sanduíche deliciosamente encharcado. Ele já
estava comendo. O sanduíche desaparecia um quarto a cada mordida. Ele parecia
tão à vontade, como se sua aparição no escritório e me trazer o almoço fosse
uma ocorrência cotidiana. Como se fosse de se esperar.
Fechando a porta para a privacidade, dando um beijo rápido, trazendo o
almoço para comermos juntos, ... pessoas que namoravam faziam essas coisas.
Eu sabia disso. Eu costumava namorar com alguém. Mas com Quinn, tudo
parecia significativo de uma forma que nunca foi com Jon.
Peguei meu sanduíche e o levei à boca, mas não dei uma mordida.
Eu estava muito ocupada reparando nele, que não me lembro de me preocupar
em notar mais alguém. Eu estava ciente dos movimentos de Quinn, da colocação
de suas mãos no sanduíche, seu humor desprendido e despreocupado, como ele
estava vestido e a quantidade de pele que ele havia deixado exposta, assim como
o comprimento de seu cabelo. O número de detalhes parecia esmagador, mas eu
era ávida por detalhes, gananciosa em saber e memorizar tudo sobre ele.
Me sentia como uma chaleira pronta para ferver; a qualquer minuto eu ia
vaporizar todos os detalhes e começar a apitar.
Deixei escapar:
— Não tenho certeza de como fazer isso. — Abandonei o sanduíche
abruptamente na cesta e me inclinei para trás na minha cadeira.
Quinn esperou até terminar de mastigar para responder; moveu seu olhar de
mim para o sanduíche.
— Fazer o que?
— Ser a garota com quem você está namorando.
Sua boca se curvou para cima em um traço de sorriso.
— Você quer um manual para isso também? Porque eu gostaria de me
envolver nos esboços dos diagramas, se você quiser.
Pressionei meus lábios e o atingi com uma única batata frita. Ele riu,
obviamente incapaz de se conter, e meu rosto ardeu.
— Você sabe o que eu quero dizer. — Não olhei para ele. Em vez disso, olhei
para minha cesta de carne bovina italiana e batatas fritas temperadas.
Ele parou de rir, mas não de uma só vez; ele permitiu que se reduzisse
gradualmente. Eu o olhei através dos meus cílios. Um enorme sorriso ainda se
afirmava sobre suas feições e ele me olhava com uma expressão soturna e
despreocupada.
Ele parecia feliz.
Meu coração tremeu; sim, tremeu incontrolavelmente. A tremedeira se
transformou em uma monção agitada enquanto eu observava seu sorriso
desaparecer de largo para leve, e seu olhar escurecer, intensificar e queimar.
— Você é tão linda. — Foi dito em um suspiro, como se ele tivesse dito e
pensado o sentimento ao mesmo tempo, e não tivesse percebido que as palavras
foram ditas em voz alta.
Senti profundamente o elogio, mas de uma forma um pouco assustadora e
emocionante. Levantei minha cabeça e pisquei para ele, minha boca ligeiramente
aberta. Seus olhos percorreram meus lábios, cabelos, pescoço e depois
abaixaram. Notei que ele estava segurando o guardanapo como se alguém
estivesse disposto a roubá-lo.
Ele também parecia ser ganancioso por detalhes.
Enfiei meu cabelo atrás das orelhas e esfreguei meu pescoço. Em todos os
lugares em que seus olhos passavam, eu formigava.
Limpei minha garganta.
— Você também.
Ele encontrou meu olhar e me estudou. Seu sorriso ainda era leve.
— É diferente com você, não é só sua aparência.
Em uma reviravolta surpreendente de eventos, o comentário sobre a minha
beleza interior me fez contorcer em um grau muito maior do que o elogio
destinado a minhas características físicas. Eu não tinha tanta certeza de que Janie
interior fosse uma pessoa bonita. As palavras de Jem da noite passada sobre o
aparente desinteresse insensível com que eu considerava o fim de meu
relacionamento com Jon, e minha relutância em ajudar minha irmã em seu
momento de necessidade, me fez duvidar se eu era outra coisa senão uma réplica
egoísta e insípida de minha mãe.
— Você está admitindo que sua beleza é apenas superficial? — inclinei minha
cabeça para o lado, querendo provocá-lo, em vez de me concentrar em quão alto,
em uma escala de um a dez, eu ficaria no medidor de interesse.
Quinn respirou pelo nariz, as sobrancelhas erguidas e sua atenção mudou para
suas mãos. Ele afrouxou o aperto no guardanapo e começou a girá-lo entre o
polegar e o indicador.
Ele não respondeu. Tomei seu silêncio como confirmação.
— Acho que você está errado.
Ele continuou a torcer o guardanapo, mudo, até que se parecesse com um
pequeno pedaço de corda.
Eu o observei por um longo período. Ainda havia muito que eu não sabia
sobre Quinn e, portanto, eu deliberava sobre a possibilidade dele estar certo. Ele
poderia ser uma concha virtualmente vazia de uma pessoa com uma fachada
impressionante, um intelecto impressionante e uma inteligência brilhante.
Fiz uma careta, porque a perspectiva parecia discordar com a realidade.
— Não, você é um cara legal — inclinei a cabeça para o lado e permiti que
meu olhar se movesse sobre os lábios, cabelos, pescoço, depois abaixasse até
onde seu coração estava batendo. — Vemos as forças e falhas nos outros, que
não reconhecemos ou não conseguimos reconhecer em nós mesmos.
— Janie. — Seu pequeno sorriso, quase uma careta, me pareceu frágil quando
nossos olhos finalmente se encontraram.
— Você está tentando me espantar?
Ele acenou com a cabeça, mas com um suspiro, respondeu:
— Não.
— Você tem algum plano nefasto no momento? Você está me dando carne
bovina italiana como parte de um plano maligno? — fiz um sinal entre nós e
perguntei: — Isso é uma mentira elaborada? Você está planejando me atrair para
uma falsa sensação de segurança, fazer o que quizer comigo, me acender e
depois me descarta como um fósforo, ou uma árvore de Natal?
Seu rosto estava sério.
— Não.
— Então por que você acredita que lhe falta beleza interior?
— Porque só faço coisas por razões egoístas.
— Como namorar comigo?
— Namorar você é completamente egoísta.
O comentário me deixou muda, mas me recuperei.
— Se... se você estivesse sendo egoísta, então você ainda seria um Wendell e
eu seria uma estepe.
Ele balançou sua cabeça.
— Se você fosse uma estepe, então não seríamos exclusivos e você poderia
estar com outras pessoas.
— E isso faz de você egoísta?
— Isso me torna egoísta. — Seus olhos me perfuraram e sua voz era baixa e
áspera.
Aproveitei a oportunidade para morder uma batata frita, agora fria, e ponderar
suas palavras.
— Vou dizer uma coisa — Quinn manteve os olhos em mim, sua expressão
ficando mais severa, como se estivesse pairando no precipício de uma confissão
significativa. — Você me faz querer ser menos idiota.
Meus olhos piscaram para ele.
— Mesmo? Uau — engoli em seco.
Foi uma espécie de confissão, mas foi o tipo de confissão que encorajou o
meu sarcasmo em vez da minha apreciação. A afirmação me pareceu o resumo
da autodepreciação descomprometida, pseudossutil. Fiquei espantada com seu
torpor definitivo.
— Isso é tão poético. Deveria escrever cartões: Querido papai, obrigado por
me ajudar a não ser tão idiota quanto você. Eu ainda sou um idiota, apenas não
um grande idiota como você.
Quinn riu novamente, mas desta vez com total abandono; era uma risada
profunda e estrondosa que, sendo que eu estava ao alcance da voz no raio da
explosão, era extremamente contagiante, e senti isso como um toque ao invés de
um som. Ele segurou a mão sobre o peito e minha atenção vagou no local.
Mesmo enquanto ria, senti uma reviravolta de desconforto emanando de uma
localização espelhada no meu próprio peito.
Sofri. Queria estar perto dele. Queria saber tudo a seu respeito.
A repentina dor me pegou de surpresa e fechei meus olhos contra ela,
expirando lentamente, me recompondo para não ceder ao meu desejo de subir na
mesa e pular para onde ele estava sentado com o sanduíche de carne italiana em
seu colo e guardanapo na mão.
— Janie — ele chamou. Meus olhos permaneceram fechados, mas dei a ele
um leve e evasivo sorriso de boca fechada. — O que você está pensando?
Engoli, mas não respondi. Meu coração estava acelerado. Eu queria dizer a ele
que estava pensando sobre o conteúdo de fibra no carpete resistente a manchas,
mas isso teria sido mentira. Mesmo que eu quisesse, e eu queria, não conseguia
me distrair da realidade de estar com ele, e de todo o terror, e da fome,
irresistíveis que o acompanhavam.
— Por que você está com tanto medo?
— Porque eu não estou pensando sobre o conteúdo de fibra nos carpetes
resistentes a manchas. — Meus olhos permaneceram teimosamente fechados.
— O que isso significa?
— Isso significa... — levantei minhas pálpebras e o encontrei me examinando
com simples curiosidade. Engoli bastante coisa na minha garganta, sabendo que
eu precisava dizer a verdade. — Significa que meu cérebro acha você mais
interessante do que todos os fatos triviais realmente interessantes que eu pudesse
pensar ou pesquisar no momento.
Seu sorriso de resposta foi vagaroso e medido.
— Eu acho que é a coisa mais legal que alguém já me disse.
Devolvi o sorriso dele embora eu me sentisse sóbria de repente; meus olhos
estavam inexplicavelmente cheios de água.
— Quinn... — fiz uma respiração profunda e firme. — Quinn, você precisa ser
um cara legal. Eu preciso que você seja um cara legal.
Ele assentiu com a cabeça, sua expressão reagindo e ecoando a minha súbita
seriedade.
— Eu sei. Eu quero ser — Quinn molhou os lábios enquanto seus olhos se
moviam para a minha boca. — Eu serei por você.
Capítulo 26
Saímos do trabalho juntos, pouco depois das 16h.
Quinn estendeu a mão e pegou a minha. Ele me deu um sorriso e gentilmente
o manteve enquanto caminhávamos pelo corredor, passando por Keira e
entrando no elevador, à vista do balcão de segurança e de quem estava lá, em
seguida direto para o saguão. Enquanto caminhávamos, dedos juntos, Quinn
acariciou as rugas dos meus dedos com a ponta do polegar e falou sobre o
dilema com o cliente corporativo de Las Vegas.
No começo eu estava bastante preocupada com a nossa demonstração pública
de afeto e conseguia apenas dar respostas monossilábicas. No entanto, uma vez
que nos instalamos em uma grande limusine preta, tentei me concentrar em suas
palavras, em vez dos olhares previsivelmente espantados de meus colegas de
trabalho.
Nos sentamos juntos no banco. Ele levantou minhas pernas de modo que elas
cruzassem as suas, e brincou distraidamente com o meu colarinho, seus olhos
nos botões da minha camisa social.
Eu observava seus lábios enquanto ele falava. Tentei encontrar o meu lugar na
conversa, mas a maneira como ele olhava para mim, a proximidade dele, a
sensação de suas mãos — uma na minha coxa e uma roçando no meu pescoço —
me fez sentir confusa e sem foco.
— Janie?
Pisquei Vi sua boca formar o meu nome antes de ouvir a palavra. Meus olhos
se arregalaram e depois encontraram os dele.
— Desculpa, o que?
— Você... você ouviu o que eu disse?
— Não — respondi com sinceridade, minha atenção se movendo para sua
boca novamente, o que, no momento, era uma atração importante.
Quinn apertou minha perna.
— Estou te entediando?
— Não. — Suspirei. Permiti que minha cabeça descansasse contra seu braço
atrás de mim, ainda focada na metade inferior de seu rosto. — Eu estava apenas
pensando em sua boca.
Ele lambeu os lábios e, para minha surpresa, seu pescoço e suas bochechas
estavam ligeiramente quentes.
— O que você estava pensando sobre minha boca?
— Eu gosto dela.
— O que você gosta nela?
Sem hesitar, respondi:
— Tudo. A forma, o tamanho dos seus lábios, o seu tubérculo, a curva do seu
filtro labial... você sabia que na medicina tradicional chinesa, a forma e a cor do
filtro labial, também chamada de fenda medial, devem ter uma correlação direta
com a saúde do sistema reprodutivo de uma pessoa?
Notei que seus olhos piscaram para o espaço entre meu nariz e a boca,
aparentemente sem o seu consentimento evidente, e depois voltaram
rapidamente para os meus olhos.
— Tipo isso.
Assenti.
— Há muitos estudos fascinantes e incomuns, que ligam a forma da boca de
uma pessoa a outras partes da anatomia humana e suas habilidades ou
tendências.
Notei que sua respiração havia mudado. Ele engoliu em seco.
— Como o quê?
Tracei meu dedo sobre o topo de seu lábio, apreciando o fato de que eu estava
realmente usando meu conhecimento de fatos aleatórios como uma espécie de
preliminares acadêmicas e inteligentes, e que Quinn parecia gostar e responder a
isso.
— Como o arco do cupido, a curva dupla do lábio superior. Um estudo na
Escócia concluiu que as mulheres com arco de cupido proeminente, têm mais
probabilidade de ter orgasmo durante o sexo.
A atenção de Quinn mais uma vez fixou nos meus lábios e, então,
prontamente gemeu.
— Você não deveria dizer coisas assim quando não posso fazer nada a
respeito.
Gostei do som torturado que ele fez e mais uma vez encontrou seu olhar, que
tinha escurecido consideravelmente.
Tentei manter meu rosto reto.
— Depois, há a distinção entre a musculatura extrínseca e intrínseca da língua.
— Você precisa parar de falar. — Quinn agarrou um punhado do meu cabelo e
puxou minha cabeça para trás, reivindicando minha boca com a dele e acabando
com a minha bolha involuntária de riso.
Quando ele levantou a boca, sussurrei:
— A maior parte do suprimento de sangue da língua, vem da artéria lingual.
Ele me beijou de novo, e de novo.
Se eu estivesse ouvindo a nossa conversa desleixada como observadora em
vez de participante, poderia ter revirado os olhos em demonstração de iritação.
Evidentemente, era improvável que citações de pesquisas médicas revisadas por
grupos e estudos correlatos de anatomia humana, pudessem fazer com que uma,
quanto mais duas pessoas, ficasse irritada e incomodada. Mas lá estávamos nós,
nos agarrando com crescente urgência, enquanto eu contava teorias ligando a
quantidade de pelos nos lóbulos das orelhas a estímulo genital.
No momento em que a limusine parou, estávamos meio vestidos e os botões
da minha camisa estavam espalhados por todo o chão. Naturalmente Quinn
rasgou a camisa com um grunhido, quando mencionei as glândulas mamárias.
Freneticamente me afastei e agarrei as bordas inúteis da minha camisa.
— Ah, droga!
Quinn ainda estava um pouco perdido em uma névoa de luxúria, e moveu a
mão ainda mais na parte interna da minha coxa, sua boca procurando a minha
novamente. Eu o afastei apesar do fato de todos os lugares em que ele me tocou,
protestarem em uma deliciosa agonia. Sem sentido, tentei alisar meu cabelo,
quando minha camisa se abriu novamente.
— O que vou fazer?
Quinn finalmente se afastou de mim e puxou um suéter sobre o peito nu, sem
nenhum traço de pressa. Ele ergueu uma sobrancelha enquanto ajustava as calças
e fechava o zipper. O som fez minhas costas endurecerem e percebi o quão
próximo nós estávamos de copular na parte de trás de um carro.
— Eu acho que você fica bem assim.
Olhei para ele por dois segundos, antes de bater com fúria em seu ombro bem
musculoso.
— Minha camisa está rasgada e... — freneticamente girei no banco e talvez
tenha gritado. — Onde está minha calcinha?
Não havia diversão em sua voz quando respondeu:
— Em um lugar seguro.
Meus olhos se arregalaram ainda mais e eu sabia que minha boca estava
aberta, estupefata. Eu estava prestes a perder a cabeça.
— Devolva.
— Você não precisa dela.
— Me devolva agora.
— Você deveria tentar coisas novas.
— Não vou sair da limusine sem calcinha!
A porta do passageiro no lado de Quinn se abriu e puxei a saia que eu estava
usando até o meio da panturrilha. Não senti falta do seu sorriso sombrio quando
ficou claro que, provavelmente, eu não iria levantar a questão da calcinha, ainda
mais até que ficassemos sozinhos. Até lá, provavelmente não importaria.
Quinn pegou sua jaqueta de couro e colocou em volta dos meus ombros,
fechando a frente até o meu pescoço. Nadei na grandeza dela, mas pelo menos
eu não estaria andando por aí com a minha camisa aberta. Ele saiu da limusine,
depois estendeu a mão para mim da ponta do banco. Me movi e permaneci o
mais recatada possível. Quando ele limpou a garganta, eu encontrei seu olhar e
ele piscou para mim, disfarçada mas sugestivamente, lambendo os lábios.
Segui para onde ele me levou.
Em algum momento nas últimas quarenta e oito horas, Quinn trouxe minha
mala da viagem de Vegas para seu apartamento. Portanto, felizmente pude vestir
roupas novas, com botões, antes de ir para o trabalho.
Aprendi um pouco mais sobre Quinn como consequência de passar a noite em
sua casa; ele realmente não dorme, se exercita toda manhã, come doces no café
da manhã.
Quinn levantou às cinco, e voltou de uma longa corrida às seis e meia.
Depois do banho, ele me acordou da maneira mais agradável que se possa
imaginar.
Sim. Dessa maneira.
Eu estava no balcão da cozinha, tomando um delicioso café com leite de uma
daquelas maravilhas da mecânica moderna — máquinas de café expresso de um
toque — e comendo uma cereja e queijo dinamarquês às 7h20. Às 7h40 da
manhã, estávamos caminhando para o trabalho, passeio curto de seis blocos, de
mãos dadas e falando sobre o dia.
Como eu tinha tutoria as quintas-feiras, combinamos de sair novamente na
sexta à noite. Ele me deu um beijo de despedida na entrada do prédio, me
deixando cambaleante e de joelhos às 7h58. Eu estava no elevador às 8:00h em
ponto.
Que diferença um dia faz.
Eu ainda estava sorrindo, aturdida, enquanto caminhava pelo corredor até a
minha sala, sem realmente notar alguém ou alguma coisa. Sentei-me atrás da
minha mesa e, sem pensar, embaralhei as pastas. Eu ainda não queria me perder
nas planilhas, então optei por ler a pilha de memorandos que ameaçavam cair da
minha mesa. Isso permitiria que eu continuasse a me deleitar com todos os
sentimentos quentes e sedosos da noite anterior e da manhã.
Os primeiros dez ou mais, foram realmente sobre o meu novo software de
faturamento. O último memorando implicou em mudar a conversa para o email.
Aquilo era típico. A maioria das conversas foi iniciada por meio de um
memorando impresso. Depois que foram determinados a serem benignos à
natureza, eles foram movidos para o e-mail. Todos os memorandos deviam ser
triturados depois de lidos.
Como Steven era responsável pelos clientes confidenciais, a maior parte da
correspondência interna dele era cópia impressa. Como eu era responsável pelos
clientes corporativos, a maioria dos meus era eletrônica.
Peneirei a correspondência rapidamente, mas então minha atenção foi
abruptamente envolvida, quando vi meu nome e o de Quinn listados em uma
cópia impressa de um e-mail. Nunca recebi uma cópia impressa de um e-mail
antes e meu olhar foi para o endereço de e-mail do remetente. Eu o reconheci
como um dos advogados franceses do Tweedle Dee que eu conheci no meu
segundo dia. No começo, eu passei o e-mail, mas depois da segunda frase, me
forcei a começar do começo e realmente o li:
Olá Betty,
De acordo com o pedido do Sr. Sullivan e como discutido durante
nossa conversa por telefone, Jean e eu deliberamos sobre a questão da
Srta. Morris. É nossa opinião que o melhor plano de ação para o Sr.
Sullivan, seria o desligamento da Srta. Morris assim que for viável
(sem interromper as operações). Em casos como esses, não é
incomum ou injustificado oferecer uma grande indenização e liberá-la
do acordo de não concorrência que ela assinou ao iniciar o cargo.
O motivo da rescisão não deve ser declarado explicitamente à Srta.
Morris, nem inferida/mencionada em qualquer documentação, à fim
de reduzir o risco de indenização futura. Além disso, aconselhamos
que o Sr. Sullivan não seja encarregado de conduzir a entrevista de
demissão. Tomei a liberdade de incluir o Sr. Davies e seu
administrador neste e-mail, pois é nossa recomendação que ele lide
com o assunto como o representante do Sr. Sullivan.
A outra opção é a Srta. Morris renunciar ao cargo. Em ambos os
casos, elaboramos um formulário de liberação que Morris deve
assinar, e que, independentemente dos resultados futuros, deve, tanto
quanto viável ou possível e na medida permitida por lei, absolver a
Cypher Systems de qualquer futuro relacionado a litígio. Eu
recomendo que ela assine a liberação como condição para receber a
indenização.
Por favor, nos avise se o Sr. Sullivan decide prosseguir para que
possamos passar a anular o acordo de não concorrência.
Provavelmente, Morris terá grande dificuldade em encontrar novos
empregos até que seja dispensada.
Henry LeDuc, JD
Capítulo 27
— Você mostrou isso a ele? Você perguntou a ele sobre isso?
Balancei a cabeça e mordi minha unha do polegar, olhando por cima do ombro
de Elizabeth para nada em particular.
Estávamos no Starbucks, a quatro quarteirões do meu prédio. Assim que
encontrei o email, usei o maldito celular para ligar à ela e implorar para me
encontrar no almoço. Acontece que eu à acordei e ela saiu imediatamente para
me encontrar e tomar café. Assim, ela usava pijama e botas.
— Tenho que ser honesta, Janie. Eu não falo em linguagem de advogado,
então não tenho certeza do que isso quer dizer. Mas — Elizabeth estendeu a mão
e segurou a minha, chamando minha atenção para ela. — Eu acho que você
deveria perguntar a ele sobre isso antes de chegar a conclusões precipitadas.
Engoli.
— Eu sei. Eu vou.
A carranca de Elizabeth se aprofundou.
— Como você conseguiu uma cópia disso? Eles enviaram acidentalmente a
você?
— Não, estava nos memorandos na minha mesa. Alguém deve ter... —
Pisquei, meus olhos perdendo o foco novamente e então fechei minhas
pálpebras.
Claro.
— O que? O que foi?
— Olivia. — Sangue escorreu do meu rosto, mesmo quando o calor se
espalhou pelo meu pescoço. — Encontrei Olivia, assistente de Carlos, na minha
sala ontem de manhã. Ela deve ter deixado lá.
— Aquela que te olha torto no trabalho? Alguma chance de ser falso, então?
— Acho que não — deliberei a teoria por um momento, mas descartei a
possibilidade. — É real. Ela queria que eu encontrasse.
Elizabeth virou os lábios na boca e entre os dentes, me examinando.
Finalmente, ela disse:
— Depois de tudo que você me contou sobre ele, sobre Quinn, duvido
seriamente que ele queira demitir você.
Balancei a cabeça e fiquei surpresa ao descobrir que eu concordava com a
avaliação de Elizabeth.
— Também não acredito.
Ela deu um sorriso irônico e esperançoso.
— Então isso significa que, apesar desse e-mail estranho e seu conteúdo
indecifrável, mas condenatório, você confia em Quinn?
Balancei a cabeça novamente, sem pensar, e falei meus pensamentos em voz
alta.
— Sim, confio — . Encontrei seus olhos azuis claros. — Confio nele. Acho
que deve haver uma explicação perfeitamente razoável.
— Yey! — O sorriso de Elizabeth estava cheio e imediato. Ela apertou minha
mão.
— Embora eu não defenda o amor como uma regra, posso dizer honestamente
Yey para você e Quinn!
Minha cabeça inclinou para o lado em um gesto muito parecido com Quinn
antes que eu pudesse parar o movimento.
— Do que você está falando?
— Você e Quinn. — Elizabeth tomou um gole de café preto. — Você está
apaixonada, Janie.
— Não estou apaixonada! Eu estou com luxúria, estou com um desejo
profundo, estou com — com — com muita vontade de Quinn, mas não estou...
Eu estava apaixonada?
Embora eu odiasse admitir, essa era uma possibilidade distinta.
Eu adorava estar perto de Quinn. Adorava conversar com ele. Amava sua
risada e, às vezes, seu jeito mandão. Amava sua insegurança e amava sua
determinação. Eu amava que ele parecia estar mudando, queria mudar, mesmo
quando eu estava mudando. Eu adorava que estávamos crescendo em algo novo
e juntos. Adorava confiar nele. Eu adorava fazer amor com ele. Eu realmente
amava fazer amor com ele!
Se anda como um pato, e grita como um pato, e ama como um pato... Bem,
Thor!
Meus ouvidos estavam, de repente, tocando.
Elizabeth se mexeu em seu assento e abanou as sobrancelhas.
— Você o a-a-a-a-a-a-a-ma.
— Você nem mesmo acredita no amor. — Me nivelei a ela com um olhar
severo, na esperança de acalmar o surgimento inesperado da percepção. Se eu
pudesse pensar um pouco mais, sem as sobrancelhas de Elizabeth balançando,
poderia analisar a situação com o pragmatismo que merecia.
Ela balançou a cabeça e desviou o olhar do meu.
— Você sabe que isso não é verdade. Eu acredito em apenas um amor, o
primeiro.
Eu não sabia pressioná-la nesse ponto, ou dissuadi-la dessa crença,
especialmente em relação a ela mesma. Eu conhecia a história de Elizabeth e não
queria magoá-la através de um tópico que era tão doloroso para ela.
Tentei tornar meu argumento relevante, apenas para a situação atual.
— E o Jon? Eu amava o Jon.
— Não, você não amava. Você tolerou Jon, da mesma maneira que a
tolerância é ensinada no local de trabalho ou na escola — sua boca se curvou
para baixo, como se ela sentisse algo desagradável. — Eu acho que você o
amava como um ser humano, mas nunca sentiu mais do que tolerância por ele.
— Mas Quinn quer... ele é meu chefe e agora ele é meu namorado. E depois,
há aquele apartamento em seu prédio. Prometi a ele que te levaria para ver.
Ela encolheu os ombros.
— Nós vamos amanhã à tarde, antes do seu encontro com Quinn. — Ela
novamente balançava as sobrancelhas.
Segurei a respiração por um momento e depois suspirei. Apoiei minha testa na
mão e dirigi minha pergunta para a mesa.
— O que eu vou fazer?
Elizabeth limpou a garganta, em seguida, passou as pontas dos dedos contra o
meu pulso.
— Bem, você vai voltar ao trabalho e não deixar a Srta. Olivia Von Maléfica
pensar que causou algum impacto no seu relacionamento com Quinn. Esta noite,
você tem tutoria no South Side. Amanhã veremos o apartamento chique. Então,
depois, quando você for ao encontro com o homem que você ama, também
conhecido como Quinn Sullivan, também conhecido como Senhor Calças-
Quentes, você vai perguntar a ele sobre o e-mail.
Ela fez soar tão simples, tão razoável e tão possível.
Eu só consegui assentir, concordar e esperar que ela estivesse certa.