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Copyright

© Penny Reed
Título Original: Neanderthal Seeks Human (Knitting in the City #1)
Editor-Chefe| Patrícia K. Azevedo
Assistente de Desenvolvimento| Jhenifer Barroca Tadutor| Roger Oliveira – Fênix Produções Editoriais
Revisor| Maira Andrezani – Fênix Produções Editoriais
Copidesque| Cristiane Coelho – Fênix Produções Editoriais
Diagramação| Cris Spezzaferro
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde
1° de Janeiro de 2009.
Os personagens e as situações desta obra são reais apenas o universo da ficção; não se referem a pessoas e
fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião.
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico,
mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão
expressa da Editora, na pessoa de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Todos os direitos desta edição
reservados para 3DEA Editora
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
R353 Red, Penny
Neandertal procura humano/ Penny Reid; tradução de Roger Oliveira Brasília: 3DEA Editora,2018
Nº de páginas ; 16x23 cm
Tradução de: Neanderthal Seeks Human (Knitting in the City #1
ISBN 978-85-93964-30-5

1. Literatura Estrangeira. I. Título.


Sumário
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo
CDD: 820
Dedicatória
Para o meu computador: eu não poderia ter escrito isso sem você.
Para os desenvolvedores de software responsáveis pela verificação
ortográfica: Vocês são meus heróis do dia a dia.
Para Karen: Espero que isso faça você rir e te deixe orgulhosa.
Aos meus leitores (todos os 3): Obrigada
Capítulo 1
Eu o perdi no banheiro
Sentada no vaso, comecei a entrar em pânico ao notar o cemitério de rolos de
papel higiênico acabados. Os cilindros pardos tinham sido intensionalmente
colocados na vertical, para formar uma metade oval no topo da superfície
brilhante do suporte de papel de aço inoxidável. Era como uma espécie de
Stonehenge reciclado em miniatura, no banheiro feminino. Um monumento
causado pelos movimentos intestinais dos últimos dias.
Na verdade, foi por volta das 14h30, quando meu dia saiu do “reino da música
Country ruim” e entrou no território vizinho da “péssima carta Natalina anual da
tia Ethel”. No ano passado, tia Ethel escreveu com uma sinceridade imensa sobre
a gota do tio Joe e do seu — não o primeiro, mas o segundo — acidente de carro.
Escreveu também, sobre o novo buraco no quintal, o despejo iminente do
estacionamento de trailers e o divórcio da prima Serena. Para ser sincera, Serena
se divorciava todo ano, então isso não contava para o cálculo das catástrofes
anuais.
Respirei fundo e alcancei o suporte. Minhas mãos procurando o papel, apenas
encontraram outro rolo vazio. Inclinando-me num ângulo extraordinariamente
desajeitado, tentei inspecionar as profundezas do suporte, esperando que
houvesse outro rolo escondido, na parte interna. E, para meu desespero, o
suporte estava vazio.
— Merda — eu disse. Meio sussurrando, meio gemendo e, subitamente, ri da
minha piada, que era apropriada dada a minha situação atual. Um sorriso amargo
permaneceu em meus lábios enquanto rangi meus dentes e, as quatro palavras
que estavam flutuando em minha mente durante todo o dia, ressurgiram “Pior.
Dia. De. todos.” Era, literalmente, um dia extremamente de merda.
Como toda boa música Country, tudo começou com uma traição boba. A
“traída” na música, obviamente não era outra, senão eu. E o “traidor” era o meu
namorado, Jon. A descoberta de sua canalhice chegou por meio de um pacote de
camisinha vazio, enfiado no bolso de trás de sua calça jeans, enquanto eu, a
respeitosa namorada idiota, fazia um favor a ele, lavando algumas de suas
roupas.
Refleti sobre a discussão que aconteceu depois que o pacote de preservativo
que encontrei bateu na testa dele, com a palma da minha mão junto. Eu não pude
deixar de pensar que Jon poderia ter um bom argumento. Estava chateada com
ele por ter me traído, ou estava decepcionada por ele ter sido tão idiota, a ponto
de colocar o pacote no bolso depois de tirar o preservativo? Forcei-me a pensar
sobre o que eu disse mais cedo, naquela manhã.
— Quero dizer, realmente, quem faz isso, Jon? Quem pensa “Vou trair minha
namorada, mas tenho muita consciência social para deixar a camisinha no chão.
O céu proíbe que eu jogue lixo no chão.”
Eu olhei para a porta de fórmica azul e branca da minha cabine, mordendo
meu lábio inferior, contemplando minhas opções e tentando decidir se ficar na
cabine pelo resto do dia, era realmente viável. Inferno! Neste momento, ficar na
cabine para o resto da minha vida parecia uma boa opção. Particularmente
porque eu realmente não tinha para onde ir.
O apartamento que Jon e eu dividíamos, pertencia a seus pais. Insisti em pagar
o aluguel, mas minha contribuição insignificante de US$500 mais metade das
contas, provavelmente não cobriu 1/16 do custo dos dois quartos e dois
banheiros, no centro da cidade.
Acho que parte de mim sempre soube que ele era um traste. De qualquer
forma, ele era bom demais para ser verdade. Parecia ser todas as coisas que
sempre pensei que eu queria em um homem (e ainda acreditava que queria).
Inteligente, engraçado, meigo, simpático com sua família, bonito e agradável, de
certo modo. Compartilhamos pontos de vista políticos parecidos, visões
ideológicas e valores quase idênticos. Tínhamos até a mesma religião.
Ele aguentou minhas excentricidades e até disse que eu era fofa, mesmo que
“estranha” fosse a palavra que eu mais estava acostumada a ouvir, sobre mim.
Ele tinha atitudes românticas. Era um galanteador, em uma época em que o
cortejo estava morto. Na faculdade, me escreveu poesia antes mesmo de
namorarmos. Foi uma boa poesia, relacionada aos meus interesses e ao atual
clima político. Gentilmente aqueceu meu coração, mas não fez meu coração
balançar. Porém, convenhamos, eu não era um tipo de garota que se deixava
abalar facilmente.
Uma grande diferença entre nós, no entanto, era que ele nasceu em berço de
ouro — tinha muito, mas muito dinheiro — Este foi um espinho em nosso
relacionamento desde o começo. Eu, cuidadosamente, media cada despesa e
cuidava do meu orçamento mensal. Ele comprava o que quisesse, sempre que
quisesse.
Por mais que eu detestasse admitir, achava que devia muito a ele. Sempre me
perguntei se ele ou o pai — que sempre quis que eu o chamasse de Jeff, mas a
quem sempre me senti mais à vontade chamando de Sr. Holesome — mexeram
os pauzinhos que me levaram à entrevista do meu emprego.
Mesmo depois da nossa “briga”, pois foi o mais próximo que já chegamos a
uma briga, esta manhã ele disse que eu poderia ficar, que deveria ficar, que ele
queria resolver as coisas entre nós. Também disse que queria cuidar de mim, que
eu precisava dele. Eu cerrei meus dentes, travei meu queixo e fiquei firme na
minha determinação.
Não havia como eu ficar com ele.
Não me importava quão inteligente, engraçado ou aceitável ele era. Não
importava o quanto minha cabeça dizia que a aceitação acolhedora às minhas
esquisitices, significava que ele era “o cara”, ou até mesmo como era bom não
ter o peso esmagador do aluguel de Chicago, fazendo sobrar dinheiro para gastar
com meus preciosos ingressos, revistas em quadrinhos e sapatos de marca. Não
havia absolutamente maneira alguma de ficar com ele.
De jeito nenhum, José.
Um calor desconfortável que eu suprimi durante o dia inteiro, começou a subir
no meu peito e minha garganta se apertou. O rolo de papel higiênico terminado,
que foi a gota d’agua, me encarou do suporte. Lutei contra a súbita vontade de
arrancá-lo de lá e exigir minha vingança, despedaçando-o. Depois disso, eu
cuidaria do “Stonehenge dos rolos vazios” .
Eu podia imaginar claramente a equipe de segurança do prédio, sendo
acionada para me tirar do banheiro feminino do segundo andar. Os restos mortais
do rolo de papelão ao meu redor, minha calcinha, ainda nos tornozelos, enquanto
eu apontava acusadoramente para meus colegas de trabalho e gritava “Da
próxima vez, substitua o rolo! Substitua o rolo!”
Fechei meus olhos. Anotação mental “meus ex-colegas de trabalho”.
A porta da cabine ficou turva enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas, ao
mesmo tempo em que uma risada estridente saia dos meus lábios. Eu sabia que
estava me aventurando no território desconhecido, da cidade dos loucos.
Como as músicas Country fazem, a tragédia do dia se desenrolou em um ritmo
cuidadoso e constante, enquanto eu, metodicamente, abri caminho através de
uma lista mental de tudo o que tinha acontecido “Nenhum condicionador, me
deixando com o cabelo selvagem, volumoso e parecido com um ninho —
Checado! Quebrar o salto dos sapatos novos, na grade de esgoto — Checado!
Estação de trem fechada, para uma construção não programada — Checado!
Perder as lentes de contato, depois de esbarrarem no meu ombro enquanto a
multidão saía do elevador — Checado! Derramar café na minha melhor (e
favorita) camisa de botão branca — Acho que posso acrescentar isso na minha
lista de desejos. E, finalmente, ligar para o escritório do chefe e informar que o
trabalho havia sido reduzido — Checagem dupla!”
Era exatamente por isso, que odiava insistir em problemas pessoais.
Exatamente por isso, que me esquivar de pensamentos e sentimentos crus, era
muito mais seguro do que a alternativa. Eu não tinha desmoronado — realmente
— desde a morte da minha mãe. E nenhum cara, emprego ou série de eventos
degradantes, poderiam me obrigar a fazer isso, agora. Afinal, de agora em
diante, eu poderia lidar com isso.
Ou é o que eu digo para mim mesma, para poder acreditar.
No começo tentei afastar a umidade dos meus olhos, mas depois os fechei e,
pelo menos pela terceira vez naquele dia, usei as estratégias de enfrentamento
que aprendi durante meu ano obrigatório de psicanálise adolescente.
Me vi envolvendo a raiva, mágoa e as bordas duras e desgastadas da minha
sanidade menta, em uma toalha de praia grande e colorida e, então, coloquei o
pacote enrolado em uma caixa. Eu tranquei a caixa. Coloquei a caixa na
prateleira de cima do meu armário imaginário, apaguei a luz e fechei a porta do
armário.
Eu ia tirar a emoção da situação, sem evitar a realidade. Depois de várias
tentativas de conter as lágrimas e conseguir com um esforço enorme, finalmente
reprimi o desânimo ameaçador e abri os olhos. Olhei para baixo e fiz uma
análise da minha aparência “chinelos cor de rosa emprestados para substituir
meu par de Jimmy Choos, saia cinza na altura do joelho e salpicada de café,
emprestada e apertada demais, usando um decote em V vermelho, para substituir
a minha camisa de algodão favorita; meu afro estridente e acidental.
Empurrei meus velhos óculos de aro preto, substituindo as lentes de contatos
que havia perdido, mais para o meu nariz. Me senti mais calma e controlada,
apesar da minha “não escolha” de moda questionável.
E agora, sentada na cabine, a dormência se instalando em mim como um
abismo fresco bem-vindo, eu sabia que o meu problema com o papel higiênico
era superável. Endireitei meus ombros com uma firme determinação.
Todos os meus outros problemas, no entanto, teriam que esperar. De qualquer
forma, não é como se eles fossem para algum lugar.

Quando me aproximei da minha mesa — retificando, minha ex-mesa — não


pude deixar de pensar no círculo de rostos curiosos que espreitavam em volta do
meu cubículo. Os olhos arregalados, lançando olhares em minha direção. Eles
ficavam em um lugar apropriado; perto o suficiente para ver minha vergonha se
desdobrando, mas longe o suficiente para passar por uma distância socialmente
aceitável. Me perguntava o que esse tipo de comportamento dizia sobre minha
espécie. Qual a comparação mais próxima que eu poderia usar, como uma
semelhança entre essa ação e as espécies menores no reino animal?
Eram tubarões, circulando em volta de uma gota de sangue? Imaginei nessa
analogia, que os tubarões estariam, ao contrário, desejando banquetear-se com
meu drama, meu desânimo e meu desconforto. Me entreguei à curiosidade
etnográfica e estudei o grupo que pairava, não sentindo realmente o
constrangimento que deveria ter precipitado a minha saída, mas sim observando
os curiosos. Tentei ler seus rostos, tentando descobrir o que eles esperavam
conseguir ou ganhar.
Eu estava envolvida no meu distanciamento e aproximei-me de mim.
Não percebi o barulho de passos se aproximando atrás de mim, nem percebi
que um silêncio havia caído ao redor do meu cubículo, até que dois dedos
grandes tocaram leve, porém firmemente, no meu ombro. Virei, me sentindo
segura e meio aturdida ao mesmo tempo, e olhei da mão — que agora estava em
meu cotovelo — passando para o braço forte, subindo pela curva do ombro
volumoso, mandíbula e queixo angulosos, até meus olhos encontrarem com os
penetrantes e de tirar o fôlego, olhos azuis do Sr. Bonitão Calças-Quentes
Eu me encolhi.
Na verdade, foi mais um estremecimento seguido de um retraimento. E o
nome dele não era ‘’Calças-Quentes’’. Eu não sabia o nome dele, mas sabia que
era um dos seguranças da tarde do edifício, o qual eu tinha, inofensivamente,
admirando — perseguindo — pelas últimas cinco semanas.
Nunca soube o nome dele, porque eu tinha um namorado. Sem mencionar que
‘’Calças-Quentes’’ estava quase vinte mil níveis acima do meu (pelo menos no
nível de aparências) e, segundo minha amiga Elizabeth, provavelmente ele era
gay. Uma vez ela me disse que homens que se parecem com Sr. Calças-Quentes,
geralmente queriam estar com outros homens que se parecessem com Sr. Calças-
Quentes.
Quem poderia culpá-los?
Com mais frequência do que eu me sentia confortável em admitir, refletia
sobre como ele era uma daquelas pessoas que tinham, decididamente, uma ótima
aparência. Sua perfeição não deveria ter sido possível na natureza. Não era que
ele fosse um cara bonito. Eu tinha certeza de que ele ficaria melhor vestido de
mulher, do que noventa e nove por cento das mulheres que eu conhecia.
Enfim, era tudo o que havia nele. Desde seu cabelo castanho-claro,
consistentemente penteado, até o maxilar estonteantemente forte. Sem contar a
boca perfeita, irresistivelmente impecável. Olhar para ele, fez meu peito doer.
Mesmo seus movimentos eram graciosos, sem precisar de esforço, como alguém
que estava habilmente confortável com o mundo e completamente seguro com o
seu lugar nele.
Ele me lembrou um falcão.
Eu, por outro lado, sempre pairava no espaço entre a autoconsciência e o
distanciamento estéril. Minha graça era semelhante à de uma avestruz. Quando
minha cabeça não estava na areia, as pessoas olhavam para mim e,
provavelmente, pensavam “que pássaro estranho”.
Nunca me senti confortável com as pessoas realmente lindas, da minha
espécie. Portanto, ao longo das últimas cinco semanas, fui incapaz de responder
ao seu olhar, sempre virando ou abaixando a cabeça muito antes de correr o risco
disso acontecer. Eu achava que deveria ser como olhar diretamente para algo
dolorosamente brilhante.
Sendo assim, eu o admirava de longe, como se ele fosse uma obra de arte
realmente incrível, como o tipo que você apenas vê em fotografias ou exibido
por trás de vitrines, em museus. Minha amiga Elizabeth e eu, nos referimos
carinhosamente a ele como. Bonitão Calças-Quentes. Mais precisamente, nós o
intitulamos Sr. Bonitão Calças-Quentes uma noite, depois de beber muitos
mojitos.
Agora, olhando para as profundezas infinitas de seus olhos azuis através dos
meus óculos de aro preto, os meus próprios olhos grandes piscaram e o manto
protetor do entorpecimento, começou a escorregar. A sensação de puxão que se
originou logo abaixo da minha costela esquerda, rapidamente se transformou em
um calor latente que irradiava para as pontas dos meus dedos, subindo até a
minha garganta, bochechas e atrás das minhas orelhas.
Por que tem que ser o Sr. Calças-Quentes? Por que eles não mandaram o
Coronel Bigode-de-Mostarda, ou a Senhorita Barrig-de-Geleia?
Ele baixou a mão para o lado e, então, limpou a garganta. Tirou os olhos de
mim e observou a sala ao redor. Senti meu rosto subitamente vermelho, uma
experiência incomum para mim e mergulhei meu queixo no meu peito enquanto
zombava de mim mesma, silenciosamente.
Finalmente senti vergonha.
Fiz um balanço do dia e minha reação a cada evento.
Sabia que precisava trabalhar. Em focar no presente, sem ficar sobrecarregada.
Eu percebi que estava demonstrando mais desespero sobre uma cabine com rolos
de papel higiênico acabados e a presença de um segurança lindo, do que
descobrir que meu namorado tinha me traído, o que levava ao meu estado atual
de falta de moradia, sem mencionar o meu recente estado de desemprego.
Enquanto isso, o Sr. Calças-Quentes parecia estar tão desconfortável com o
que estava acontecendo ao redor e com a situação, quanto eu deveria estar. Eu
podia sentir seus olhos se estreitando enquanto eles varriam a multidão suspensa.
Ele limpou a garganta novamente, desta vez mais alto e, de repente, a sala estava
viva, com todos desviando a atenção intencionalmente para o que deveriam
fazer.
Depois de examinar a sala mais uma vez, como se estivesse satisfeito com o
efeito, ele voltou sua atenção para mim. Os impressionantes olhos azuis
encontraram os meus e sua expressão pareceu suavizar. Imaginei que,
provavelmente, ele estaria com pena. Essa foi, que eu saiba, a primeira vez que
ele olhou diretamente para mim.
Eu o vigiava todos os dias, nas últimas cinco semanas. Ele foi o motivo pelo
qual eu comecei a almoçar mais tarde, já que seu turno começava às 13h30. Era o
motivo pelo qual eu, frequentemente, comia meu almoço no saguão. Foi por isso
que, às 17h30, nos dias em que Elizabeth me encontrava depois do trabalho,
comecei a perambular no saguão, junto aos arbustos e à fonte e olhava para ele
através dos troncos das árvores atarracadas e palmeiras tropicais, sabendo que
minha amiga não seria capaz de me encontrar no saguão antes das 18h.
Calças-quentes e eu paramos por um momento, inquietos, olhando um para o
outro. Minhas bochechas ainda estavam rosadas do meu rubor anterior, mas eu
me maravilhei de ser capaz de manter seu olhar, sem desviar meus olhos. Talvez
fosse porque eu já havia colocado a maioria dos meus sentimentos em uma caixa
invisível, em um armário imaginável, dentro da minha cabeça. Talvez tenha sido
porque percebi que era, provavelmente, o crepúsculo do nosso tempo juntos, o
último dos meus momentos de perseguição, devido ao recente rompimento do
meu emprego remunerado. Seja qual era o motivo, eu não queria desviar o olhar.
Finalmente ele colocou as mãos nos quadris estreitos e ergueu o queixo em
direção à minha mesa. Com sua voz grave e profunda, que estava um pouco
acima do sussurro, perguntou:
— Precisa de ajuda?
Balancei a cabeça me sentindo como um desastre natural, mudo. Eu sabia que
não estava lá para me ajudar. Ele estava lá para me levar para fora do prédio.
Bufei rejeitando sua oferta. Estava determinada a fazer minha caminhada da
vergonha. Eu me virei, empurrei meus óculos de aro preto no meu nariz
levemente sardento e percorri a curta distância até a minha mesa. Os chinelos
emprestados, faziam um som de bater contra o fundo dos meus pés a cada passo
apressado: flap, flap, flap.
Todos os meus pertences haviam sido colocados em uma caixa de arquivos
marrom e branca por alguns funcionários do departamento de recursos humanos,
enquanto eu esperava, como dito, em uma sala de reuniões. Olhei para a mesa
vazia. Notei que onde o copo que guardava os lápis tinha estado uma vez, havia
um círculo limpo cercado por um anel de poeira. Gostaria de saber se eles
removeram os lápis antes de colocar o copo na caixa.
Balançando a cabeça para limpá-la do meu devaneio ridículo e sem sentido,
peguei a caixa que, inacreditavelmente, continha os últimos dois anos das
minhas aspirações profissionais. Passei calmamente pelo Calças-Quentes, direto
para a recepção e até os elevadores. Não o olhei, mas sabia que ele estava me
seguindo mesmo antes dele parar ao meu lado, perto o suficiente para que seu
cotovelo roçasse no meu enquanto eu colocava a caixa no meu quadril e
apontava o dedo para o botão.
Podia sentir sua atenção ao meu lado, mas tentei não demonstrar.
Em vez disso, observei os números digitais vermelhos, anunciando o andar de
cada elevador.
— Você quer que eu carregue isso? — Sua voz grave, quase um sussurro,
soou da minha direita.
Balancei a cabeça e deslizei os olhos para o lado sem me virar. Havia outras
quatro pessoas esperando pelo elevador, além de nós.
— Não, obrigada. Não está pesado, já que eles devem ter pego os meus lápis.
Fiquei aliviada pelo tom da minha voz permanecer normal.
Muitos segundos silenciosos se passaram, dando ao meu cérebro uma
quantidade perigosa de tempo livre para viajar. Minha capacidade de foco estava
diminuindo. Este era um problema frequente para mim.
O tempo com meus pensamentos, especialmente quando estou ansiosa, não
funciona a meu favor.
Me disseram que a maioria das pessoas em situações estressantes, tem a
tendência a ficar obcecadas com sua situação atual. Eles se perguntam como
chegaram naquele momento e lutam com o que podem ,para evitar situações
parecidas no futuro.
No entanto, quanto mais estressante é a situação, menos penso sobre ou
qualquer coisa relacionada a ela.
Naquela hora, pensei em como os elevadores eram como cavalos mecânicos e
me perguntei se alguém os amava ou dava nome a eles. Pensei em como eu
poderia remover a palavra “hidratação” ou mesmo “hidratado”, do inglês. Eu
realmente odiava o jeito que soava e sempre tentava evitar dizer isso. Também
não gostava muito da palavra calça, mas me senti justificada recentemente
quando “Mensa” foi contra aquela palavra horrível em uma declaração oficial,
propondo que ela fosse removida da língua.
Sr. Calças-Quentes pigarreou novamente, interrompendo minha preocupação
com palavras com sons odiosos. Um dos elevadores estava aberto, a seta
vermelha apontada para baixo e eu continuei parada, perdida em meus
pensamentos, completamente inconsciente. Ninguém mais havia entrado no
elevador e eu podia sentir todo mundo me observando.
Me sacudi um pouco, tentando voltar para o presente. Senti Calças-Quentes
colocar a mão nas minhas costas, guiando-me para frente com uma leve pressão.
O calor da sua mão era sereno, mas deu um choque elétrico desconcertante na
minha espinha. Ele levantou a outra mão na porta, deslizando-a pela parede,
segurando o elevador para mim.
Rapidamente quebrei o contato e me acomodei em um dos cantos do elevador.
Sr. Bonitão me seguiu, mas ficou parado em frente a porta, bloqueando a
entrada. Apertou o botão para fechar a porta antes que alguém pudesse entrar. As
portas se juntaram e ficamos sozinhos. Ele puxou uma chave em um cordão
retrátil que estava em seu cinto e encaixou em um buraco na parte de cima do
painel de botões. Assisti, enquanto ele pressionava um círculo escrito “BB”.
Levantei uma sobrancelha e perguntei:
— Vamos ao porão?
Ele não me respondeu. Quando virou-se, me olhava de forma avaliadora.
Estávamos em cantos opostos e, por um momento, imaginei que éramos dois
boxeadores. O espaçoso elevador era o nosso ringue e os corrimãos ao redor,
eram as cordas. Meus olhos o avaliaram em resposta. Ele definitivamente
ganharia, se tivéssemos que lutar.
Eu era alta para uma mulher, mas ele tinha, facilmente, algo entre 1,95m ou
2m de altura. Não me exercitava com seriedade ou intensidade desde meus dias
de futebol, na faculdade. Ele, a julgar pela grande extensão de seus ombros,
parecia que nunca perdia um dia na academia e podia me esmagar tanto quanto a
caixa que eu estava segurando, mesmo que tivessem os lápis.
Seus olhos pararam de me examinar, mas fixaram-se ao redor do meu
pescoço.
A sensação de “puxar” debaixo da minha costela esquerda, voltou. Senti que
estava começando a corar novamente.
Tentei conversar:
— Não quis parecer vaga. Imagino que este prédio tem mais de um porão,
embora eu nunca tenha visto as plantas. Vamos a um dos porões e, em caso
afirmativo, por que vamos a um dos porões?
Ele me olhou abruptamente e seu olhar era indecifravel.
— Procedimento padrão — ele murmurou.
— Ah.
Suspirei e comecei a morder o meu lábio novamente. Claro que havia um
procedimento padrão. Esta foi, provavelmente, uma experiência comum para ele.
Me perguntava se eu era a única ex-funcionária que ele estaria acompanhando
hoje.
— Quantas vezes você fez isso? — Perguntei.
— Isso?
— Você sabe, escoltar as pessoas para fora do prédio depois que elas foram
demitidas. Isso acontece todos os dias? As demissões, geralmente, acontecem
nas tardes de sextas-feiras, a fim de evitar que os malucos voltem na mesma
semana. Hoje é terça-feira, então você pode imaginar como fiquei surpresa. Com
base no padrão internacional adotado na maioria dos países ocidentais, terça-
feira é o segundo dia da semana. Nos países que o domingo é o primeiro, a terça-
feira é definida como o terceiro dia da semana.
Cala a boca, cala a boca, cala a boca!
Respirei fundo. Fechei minha boca e cerrei o maxilar para não falar. Eu
percebi que ele me observava. Os olhos estreitando-se levemente e meu coração
bateu tão forte em meu peito, que notei — pela segunda vez naquele dia — que
estava com vergonha.
Sabia como eu parecia. Meus verdadeiros amigos suavizaram o apelido,
insistindo que eu era apenas uma pessoa bem instruída. Todos os outros diziam
que eu era o cuco do Cocoa Puffs..
Embora eu fosse louca em assistir repetidas vezes ao Jeopardy e era uma
parceira ideal e comprovada nos jogos de Trivial Pursuit, minha busca por
conhecimentos triviais e a avalanche de coisas sem sentido que eu vomitava sem
controle, pouco interessavam aos homens.
Um momento de silêncio passou e, pela primeira vez, tentei focar no presente.
Seus olhos azuis estavam perfurando os meus com uma intensidade
desconcertante, prendendo o habitual desejo de viajar do meu cérebro. Pensei ter
visto um canto de sua boca mexer, embora o movimento fosse quase
imperceptível.
Finalmente ele quebrou o silêncio.
— Padrão internacional?
— ISO 8601. Elementos de dados e formatos de alternação. Ele permite a
interação sem interrupções entre diferentes órgãos, governos, agências e
corporações. — Não pude evitar que palavras saíssem. Era uma doença.
Então ele sorriu. Era um sorriso pequeno, de lábios fechados, rapidamente
reprimido. Se eu tivesse piscado poderia ter perdido, mas o interesse falou mais
alto. Ele se inclinou contra a parede do elevador atrás dele e cruzou os braços
sobre o peito. As mangas do uniforme se esticaram nos ombros dele.
— Conte-me sobre essa relação perfeita. — Seus olhos desceram lentamente
para baixo e, no mesmo ritmo vagaroso, subiram para os meus, novamente.
Abri minha boca para responder, mas logo fechei. Eu estava, súbita e
inesperadamente, quente.
Sua observação secreta, mas escancarada e divertida sobre mim, estava
começando a me fazer pensar que ele era tão estranho quanto eu. Ele estava me
deixando extremamente desconfortável. Sua atenção era um holofote ofuscante,
do qual eu não pude escapar.
Mudei a caixa para o meu outro quadril e desviei o olhar de sua busca. Sabia
que agora havia sido esperta em evitar contato visual direto. Os costumes e
aceitabilidade do contato visual variam muito dependendo da cultura, como
exemplo: no Japão, crianças em idade escolar...
O elevador parou e as portas se abriram, me despertando de minhas
lembranças das normas culturais japonesas. Eu me endireitei imediatamente e
corri para a saída antes de perceber que não sabia para onde estava indo. Virei e
olhei para Sr. Bonitão por baixo dos meus cílios.
Mais uma vez ele colocou a mão nas minhas costas e me guiou. Eu senti o
mesmo choque de antes. Nós caminhamos por um corredor pintado de cinza e
bege indescritível, com luzes fluorescentes baixas.
O “flap” dos chinelos ecoou pelo corredor vazio. Quando acelerei o passo
para escapar da eletricidade do toque, ele apressou seu passo e a pressão
permaneceu. Me perguntei se ele achava que eu era um risco ou um dos loucos
que eu citei antes.
Nós nos aproximamos de uma série de salas com janelas e congelei quando
sua mão se moveu para o meu braço nu, logo acima do cotovelo. Engoli em
seco, sentindo que minha reação ao contato simples era realmente ridícula, afinal
de contas, era apenas a mão dele no meu braço.
Ele me levou para uma das salas e me guiou até uma cadeira de madeira.
Pegou a caixa das minhas mãos com um ar autoritário e a colocou na cadeira do
meu lado. Haviam pessoas nos cubículos e escritórios, ao redor. Uma longa
recepção e uma mulher vestida com o mesmo uniforme de segurança azul de
Calças-Quentes, que estava no meio do espaço. Olhei em seus olhos. Ela piscou
uma vez e franziu a testa para mim.
— Não se mexa. Espere aqui — ele ordenou.
Eu o vi sair e, em uma troca de olhares breve e com interesse, ele se
aproximou da mulher que endureceu e se levantou. Sr. Calças-Quentes se
inclinou sobre a mesa e apontou algo na tela do computador. Ela assentiu e olhou
para mim, sua sobrancelha subindo. Eu achei que era problema, até que ela
sentou e começou a digitar. Sr. Calças-Quentes virou e cometi o erro de olhar
direto para ele. Por um momento, ele fez uma pausa, com a mesma firmeza
inquietante no olhar, fazendo com que o mesmo calor subisse em minhas
bochechas. Tive vontade de cobrir meu rosto ruborizado com as mãos. Veio em
minha direção, mas foi parado por um homem mais velho em um terno bem-
feito, segurando uma prancheta. Assisti a conversa deles com interesse também.
Depois de tirar vários papéis da impressora, a mulher se aproximou de mim e
me deu um sorriso de boca fechada, que chegou aos olhos enquanto ela
atravessava a sala.
Levantei e ela estendeu a mão.
— Eu sou Joy. Você deve ser a Sra. Morris.
Balancei a cabeça uma vez, colocando uma mexa rebelde atrás da minha
orelha.
— Sim, mas, por favor, me chame de Janie. Muito prazer — eu disse.
— Acho que você teve um dia difícil. — Joy sentou ao meu lado e não
esperou que eu respondesse. — Não se preocupe com isso, hun. Acontece com
todos nós. Só tem esses papéis para você assinar. Preciso do seu crachá, da sua
chave e em seguida traremos o carro para você.
— Han... o carro?
— Sim, vai levar você aonde quer que você precise ir.
— Ah, ok! — Fiquei surpresa em conseguir um carro, mas eu não queria dar
muita importância para isso.
Peguei a caneta que ela ofereceu e folheei os papéis. Eles pareciam bons o
suficiente. Arrisquei olhar para o Sr. Bonitão e o vi me olhando enquanto ele
parecia ouvir o homem de terno. Sem realmente ler o texto, assinei nos lugares
que ela indicou, tirei meu crachá do pescoço junto com a minha chave e
entreguei a ela. Ela pegou os documentos e rubricou ao lado do meu nome, em
vários lugares.
Quando chegou no campo do endereço do formulário, ela parou.
— Este é o seu endereço atual e seu número de telefone residencial?
Eu vi onde preenchi o endereço de Jon quando fui contratada pela primeira
vez. Fiz uma careta.
— Não, não é. Por quê?
— Eles precisam de um lugar para enviar seu último pagamento. Além disso,
também precisamos de um endereço atualizado, caso eles precisem enviar algo
que possa ter sido esquecido. Preciso que você escreva seu endereço atual ao
lado desse.
Hesitei. Eu não sabia o que escrever.
— Eu sinto muito, eu... — Engoli com esforço e verifiquei a página. — Eu
apenas... na verdade, estou me mudando. Existe alguma maneira que eu possa
retornar com a informação?
— E quanto a um número de celular?
Cerrei meus dentes.
— Eu não tenho celular. Não acredito neles.
Joy levantou as sobrancelhas.
— Você não acredita neles?
Queria dizer a ela como eu realmente detestava telefones celulares. Eu odiava
o modo como faziam me sentir acessível vinte e quatro horas por dia. Era
semelhante a ter um chip implantado em seu cérebro, que rastreia sua
localização e lhe diz o que pensar e fazer até que, finalmente, você fica
completamente obcecado com a minúscula tela sensível ao toque, como a única
interface entre sua existência e o mundo real.
O mundo real existiria, se todos apenas interagissem pelo celular? Os Angry
Birds, um dia, se tornariam minha realidade? Eu era o porco desavisado ou o
pássaro explodindo? Essas reflexões baseadas em descartes, raramente me
faziam popular nas festas. Talvez eu tenha lido muita ficção científica e muitos
quadrinhos, mas os telefones celulares me lembraram dos implantes cerebrais do
romance Neuromancer. Como mais uma prova, eu queria contar a ela sobre o
recente artigo publicado na “Análise e Prevenção de Acidentes sobre direção de
risco”.
Em vez disso, eu apenas disse:
— Eu não acredito neles.
— O-o-o-o-k-a-y — disse ela. — Sem problema!
Joy enfiou a mão no bolso do paletó e retirou um papel branco, retangular.
— Aqui está o meu cartão. Só me ligar quando estiver resolvido e eu colocarei
você no sistema.
Peguei o cartão, prendendo as pontas nos meus polegares e dedos indicadores.
— Obrigada. Farei isso.
Joy veio até mim e pegou minha caixa, apontando com o ombro para eu segui-
la.
— Vamos. Vou te levar para o carro.”
Segui, mas como uma criança não muito obediente, me permiti olhar pelo
ombro para Sr. Bonitão Calças-Quentes Ele estava de lado, não mais olhando
para mim com aquele olhar desconcertante. Sua atenção estava totalmente fixa
no homem do terno.
Eu estava duas vezes aliviada e desapontada. Provavelmente esta foi a última
vez que o veria. Tive o prazer de poder admirá-lo uma última vez, sem a
intensidade ofuscante de seus olhos azuis. Mas parte de mim perdeu o calor que
revirava no meu peito e a sensação de consciência real que eu senti quando seus
olhos encontraram os meus.
Capítulo 2
O carro era uma Limusine.
Eu nunca estive em uma limusine, então é claro que passei os primeiros
minutos em choque, os próximos brincando com botões, e depois, vários
minutos tentando limpar a bagunça feita por uma garrafa d’água que explodiu.
Caiu das minhas mãos quando o motorista freou atrás de um táxi amarelo.
O motorista me perguntou aonde eu queria ir. Queria dizer a Las Vegas, mas
acho que não seria legal. No final, ele gentilmente concordou em dar uma volta
enquanto eu fazia algumas ligações do telefone do carro. Uma das coisas boas —
ou não tão legais, dependendo da sua perspectiva — em não ter um celular, é que
você precisa lembrar os números das pessoas.
Além disso, impede que você conheça gente insignificante.
É quase impossível, para a maioria das pessoas, lembrar de um número a
menos que use com frequência. Os telefones celulares, como as outras mídias
sociais do nosso tempo, estimulam a coleção de amigos e contatos assim como a
minha avó costumava colecionar xícaras de chá e colocá-las em sua cristaleira.
Só que agora, as xícaras são as pessoas e o armário de louças é o Facebook.
Minha primeira ligação foi para meu pai. Deixei uma mensagem pedindo para
ele não ligar ou enviar um e-mail para o apartamento de Jon, explicando muito
rápido que tinhamos terminado. Ligar para o meu pai, em retrospecto, foi mais
superficial do que crítico. Ele nunca ligou ou escreveu, exceto para encaminhar
e-mails. No entanto, era importante para mim que ele soubesse onde eu estava e
que estava em segurança.
A próxima foi Elizabeth. Felizmente, ela estava no intervalo quando liguei.
Foi por sorte, afinal, ela era residente do departamento de emergência do
Hospital Geral de Chicago. Eu comuniquei os fatos mais importantes “Jon me
traiu, eu estava sem casa, precisava comprar um condicionador, perdi meu
emprego”.
Elizabeth ficou indignada com Jon. Foi generosa ao oferecer seu apartamento
e seu condicionador. E foi simpatica em relação ao meu trabalho. Ela tinha um
bom apartamento no norte de Chicago; muito pequeno para longo prazo, mas
grande o suficiente para que eu não cheirasse a peixe depois de três dias.
Fiquei aliviada quando ela logo afirmou que eu poderia ficar na casa dela, já
que eu não tinha nenhum Plano B. Elizabeth também comentou que geralmente
tinha que dormir no hospital, então, provavelmente, eu ficaria no apartamento
mais do que ela.
Fizemos um plano de ação: eu passaria no Jon rapidamente, pegaria o
essencial e depois iria para a casa dela. Voltaria no Jon na semana seguinte, para
arrumar o restante das minhas coisas. Eu tinha bastante tempo, já que carga
horaria de trabalho não significava muito naquele momento.
Hesitei em pedir ao motorista para me esperar enquanto eu arrumava minhas
coisas, mas no fim, não precisei. Ele estava escutando minha conversa e se
ofereceu para voltar em duas horas.
Enquanto empacotava, fiquei chocada com as poucas coisas que eu tinha. Três
caixas e três malas foram o suficiente. Esse foi o total dos meus bens mundanos.
A maior mala estava cheia de sapatos. A caixa maior estava cheia de HQs. As
caixas, as malas e a minha caixa marrom e branca do trabalho, foram a soma de
toda minha vida.
Quando finalmente cheguei à casa de Elizabeth, algumas horas depois, o
motorista da limusine — Vincent! Ele tinha catorze netos e foi nascido e criado
no Queens — me ajudou a levar todas as coisas pelos dois lances de escadas até
o apartamento.
Elizabeth nos cumprimentou na porta e ajudou Vincent com as malas. Ela era
só sorrisos e palavrões.
Quando descarregamos a última caixa, Vincent me surpreendeu, pegando
minha mão e a beijando. Seus olhos profundos, cor de chocolate, olharam nos
meus. E ele disse, com um ar de sabedoria:
— Se eu tivesse traído minha esposa, ela teria arrancado minhas bolas. Se
você não quer castrar esse cara depois do que ele fez, então ele não te merece —
ele assentiu como se afirmasse a verdade em suas palavras e virou-se
rapidamente para a porta do lado do motorista.
Como o final de um filme barato, ele nos deixou na rua, vendo a limusine
partir para o pôr do sol.
Elizabeth contou a história várias vezes naquela noite para o nosso grupo de
tricô. Era a vez dela de ser anfitriã e eu a ajudei a comprar petiscos e vinho tinto.
Cada vez que contava, Vincent ficava mais jovem, mais alto, mais musculoso e
tinha cabelo mais grosso. Seu sotaque do Queens foi substituído por um sotaque
siciliano carregado e seu casaco preto foi removido, deixando apenas uma
camisa branca transparente, aberta até o meio do peito.
A última vez que ela contou, ele olhou ansioso nos meus olhos e me pediu
para fugir com ele. Eu, é claro, respondi que castrado ele seria inútil pra mim.
Eu não me importava que Elizabeth fosse tão aberta com elas sobre o meu dia.
Pensava nelas como nosso grupo de tricô, embora eu não soubesse um ponto de
tricô. Me senti muito mais perto de cada uma delas do que das minhas próprias
irmãs, por duas razões simples: nenhuma delas eram criminosas (que eu
soubesse) e eu gostei da companhia delas.
Amei o quanto elas eram abertas, solidárias e não julgavam. É coisa de
mulheres que gastam horas e horas tricotando um suéter com fios caros, quando
poderiam comprar um por bem menos, — sem mencionar o tempo poupado — o
que leva a aceitação e paciência para a condição humana.
— Quem coloca o pacote de preservativo no bolso? Digo, hola, Señor
Estúpito.
Sandra, uma ruiva mal-humorada com um sotaque texano leve, franziu os
lábios e ergueu as sobrancelhas, esperando, enquanto olhava pela sala. Ela era
uma residente de psiquiatria no Hospital de Chicago e gostava de se referir a si
mesma como Dra. Shrink.
— Exatamente.
Me senti um pouco justificada, então balancei a cabeça, assim como todas as
outras na sala. —— Eu acho que você está melhor sem ele. — Ashley não tirou
os olhos azuis do cachecol enquanto dava sua opinião. Seu cabelo castanho
longo e liso, estava com uma trança estilosa. Ela era uma enfermeira do
Tennessee e eu adorava ouvir o sotaque dela. — Eu nunca confio em um Jon
sem h. John deveria ser escrito J-o-h-n, não J-o-n.
Sandra apontou para Ashley e acrescentou:
— E o sobrenome Holesome? Devia ser Assholesome ou Un-holesome. Ele é
um bosta.
— Acho que devemos perguntar a Janie como ela se sente com o término.
Todas concordaram com a colocação prática da Fiona. Engenheira mecânica
formada, mãe e dona de casa por opção, Fiona era, sem dúvida, a líder do grupo,
e fazia todas se sentirem valorizadas e protegidas. Era dominante, mesmo com
seu um metro e meio de altura. Ela parecia uma fada, com olhos grandes e cílios
compridos bem encaixados em seu rosto pequeno e carrancudo, com um corte de
cabelo prático de fada que ela sempre usava. Elizabeth e eu a conhecemos na
faculdade. Ela era a Conselheira Residente no nosso alojamento do primeiro ano.
Sempre a mãezona.
Dei de ombros quando todas olharam para mim.
“Eu não sei. De verdade, não estou tão brava com isso. Apenas ... irritada.
Marie olhou para mim por cima do suéter de meia malha.
— Você parecia muito abalada quando eu cheguei. — Encarei seus grandes
olhos azuis antes dela continuar. — O lance com o Jon e ter perdido o seu
emprego... Acho que você está mais chateada do que quer admitir.
Marie era uma escritora freelance e artista. Eu invejava como seus cachos
loiros sempre pareciam se comportar. Toda vez que eu a via, ela parecia ter
acabado de filmar um comercial de xampu.
Suspirei.
— Não é isso. Quer dizer, sim, eu não queria perder meu emprego, porque
agora tenho que arrumar outro, mas eu não conseguiria fazer o que eu queria lá.
Estudei para me tornar uma arquiteta, não virar uma assistente contábil em uma
empresa de arquitetura.
— Pelo menos conseguiu em uma empresa. Os empregos estão escassos. —
Kat, a mais meiga do grupo, balançou a cabeça cheia de ondas castanhas.
Apresentei Kat a Elizabeth quando descobri sua paixão pelo tricô. Kat
também trabalhava na mesma empresa que eu — ex-empresa — como assistente
administrativa executiva de dois dos parceiros.
— Mas eles vão sentir sua falta, Janie. Você era, de longe, a mais competente
do grupo empresarial — continuou.
— Eles sempre dão limusines para os funcionários demitidos passar a tarde?
— Ashley perguntou a Kat, demonstrando interesse.
— Não que eu já tenha ouvido falar, porém as demissões sempre foram em
grupos de cinco ou mais. — Kat franziu o nariz. — Isso é muito estranho. Eu
vou ver.
Me perguntei isso na limusine também. O dia inteiro à beira do ridículo e, de
repente, a limusine e Vincent pareciam uma pequena subida na minha montanha-
russa de anomalias.
— Você tem alguma ideia do porquê eles fizeram isso? Por que a
dispensaram? — Sandra pegou seu vinho, perguntando para Kat e eu.
— Não, mas eu vou tentar descobrir o que eu puder. — Kat ergueu as
sobrancelhas, quando ela se virou para mim com olhos cerrados e suspeitos. —
Embora, ouvi dizer que você foi escoltada por um dos seguranças do andar de
baixo. Isso é verdade?
Balancei a cabeça me sentindo desconfortável e estudei minha taça de vinho
com um interesse profundo.
— Espera. O que? Segurança? — Elizabeth se inclinou para frente e colocou a
mão no meu braço. — Quem era?
Tomei um gole do vinho e levantei meus ombros de um modo evasivo.
— Uh, apenas um dos seguranças.
A sala estava em silêncio enquanto eu tentava me afundar mais no sofá.
Elizabeth jogou o tricô de lado e começou a saltar para cima e para baixo com
entusiasmo.
— AI... MEU... DEUS. Foi ele, não foi? Foi ELE! — Seu rabo de cavalo loiro
balançou para frente e para trás.
— Quem é ele? — Sandra parou de tricotar e cruzou os braços sobre o peito.
Olhava de Elizabeth para mim e para Kat. Seus grandes olhos verdes
percorrendo a sala, como uma bola de pingue-pongue.
Elizabeth se levantou de repente e correu para a cozinha.
— Espera! Eu tenho uma foto!
Meus olhos se arregalaram quando a observei sair. Eu a chamei:
— Como assim você tem uma foto?
Todo o tricô cessou, abruptamente. A última vez que todas pararam de tricotar
no meio da malha, foi quando um entregador de pizza bonitão chegou e todas
quiseram dar a gorjeta. Desta vez, todas começaram a falar ao mesmo tempo,
mas a conversa diminuiu quando Elizabeth voltou para a sala com o telefone e se
jogou no sofá, ao meu lado.
— Eu o Kineei algumas vezes — disse Elizabeth enquanto passava as fotos.
Ela olhou para os nossos rostos quietos e pálidos e levantou uma sobrancelha. —
Vocês sabem, Kinnear, tirar uma foto escondida de alguém sem que ele saiba.
Hello? Vocês não lêem o blog do Yarn Harlot?
— Ah sim, eu ouvi falar. A Yarn Harlot não fez isso com Greg Kinnear no
aeroporto ou algo assim? — Ashley colocou seu tricô no colo, apontando para
Elizabeth.
— Sim Sim. Ela escreveu sobre isso em seu blog e, em seguida, foi colocado
no Urban Dictionary e no New York Times como revisão anual ou algo assim.
— Elizabeth virou para mim e olhou, da minha boca aberta, para os meus olhos.
— Oh, não fique tão chocada com isso.
— Eu ainda quero saber quem ele é. — Sandra levantou e se inclinou sobre o
ombro de Elizabeth, quando parou na primeira das fotos de Sr. Bonitão Calças-
Quentes.
Bebi outro gole do meu vinho. Todas as mulheres se agruparam ao redor do
sofá quando Elizabeth passou o polegar pela tela do telefone. Apenas Fiona
ficou sentada, esperando o drama passar.
O grupo soltou um suspiro audível.
— Santa gostosura, Batman. Quem é esse? — Os olhos azuis de Ashley
estavam redondos como pires.
— Esse é Sr. Bonitão Calças-Quentes. — Elizabeth parecia quase orgulhosa.
— Ele é segurança no prédio da Kat e da Janie. Janie tem cobiçado ele desde que
ele começou, há algumas semanas. Não sei o nome real dele, talvez Janie saiba.
Kat assentiu e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Eu sei quem ele é. Janie não é a única que o notou.
Marie riu enquanto se endireitava e voltava para o tricô abandonado.
— Não admira que você esteja tipo “Jon quem?”
— Porra, Janie, ele te algemou? — Sandra deu um soco no meu ombro. —
Vocês se comeram com os olhos, no elevador? É por isso que você está
refletindo meu suéter vermelho?
Não percebi que estava corando, até aquele momento. Coloquei minha taça de
vinho de lado e pressionei minhas mãos nas minhas bochechas. Não é que eu
fiquei constrangida com os comentários delas, muito pelo contrário. Gostei das
provocações bem-humoradas.
Eu sabia que estava corando devido à lembrança de seu olhar e da intensidade
de seus olhos azuis, que se moviam sobre o meu corpo, e da força quente e
serena de sua mão nas minhas costas e braço. Me senti mais afetada por ele, do
que por todos os outros eventos que ocorreram antes da sua presença. Mesmo
depois de todo esse tempo; depois do inferno que foi o meu dia. Cobri meu rosto
com as mãos e balancei a cabeça.
— Janie, aconteceu alguma coisa? — Senti Elizabeth se mexer no sofá
enquanto se aproximava de mim. Sua voz era um misto de excitação e
preocupação.
— Não aconteceu nada. Acabei de falar com ele e vocês sabem muito bem
que isso sempre acontece. — Deixei minhas mãos no rosto e suspirei.
— Sobre o que você falou? — A voz suave de Fiona me fez sentir um pouco
mais calma.
— Eu ... eu falei sobre os dias da semana e o padrão internacional para atribuir
números a dias da semana. — Minhas mãos caíram do meu rosto e todas me
olhavam.
— Oh céus, Janie! O que te fez dizer isso? — Ashley bufou quando ela riu,
voltando sua atenção para a massa de fios tricotados em seu colo.
— Não, espere, me conte tudo — disse Elizabeth ao passar o telefone, para
Fiona poder ver as fotos. Elizabeth agarrou minhas mãos e me forçou a encarar
seus olhos azuis. — Não deixe nada de fora. Comece do começo e repita o que
aconteceu palavra por palavra, especialmente tudo o que ele disse.
Então eu fiz. Tentei manter o foco enquanto repetia a história, sem permitir
que minha mente vagasse e se expandisse em alguma tangente sem sentido.
Quando repeti a parte sobre a ISO 8601 e como ele me pediu para aumentar a
interação transparente entre os órgãos do governo, todas engasgaram.
— Ah! O que você disse? — Sandra estava inclinada em sua cadeira. — Eu
não posso acreditar que ele cantou você! Você respondeu a cantada?
— O que? Não, não, ele não estava flertando comigo! — Eu balancei a cabeça
com ênfase.
— Oh, Janie, au contraire mon frère, ele estava, com certeza, cantando você.
— Ashley balançou as sobrancelhas para mim, seus lábios deslizando para o
lado em um sorriso travesso.
Todas riram com o forte sotaque do Tennessee aplicado ao coloquialismo
francês.
— Ele parece um tipo forte e quieto. Você deve ter causado uma impressão
meio estranha e, mesmo assim, cantou você logo depois de ter sido demitida.
Kat assentiu.
— Eu concordo que seu timing poderia ter sido melhor, mas você deve ter
causado uma boa impressão.
— Claro que você causou. Olhe para você, você é deslumbrante. — O tom e a
expressão de Fiona eram práticos, enquanto ela gesticulava para mim com uma
mão.
Olhei para ela com os olhos arregalados.
— Você chama este grande fundo de poço, de deslumbrante?
Marie deu uma risadinha.
— Fundo de poço para alguns, é deslumbrante para outros. Não o critique por
gostar de curvas em uma mulher. Pensando bem, agarre-o.
A sala explodiu em risos e não pude evitar a risadinha sem fôlego que saiu dos
meus pulmões. Eu não conseguia entender que ele estava atraído por mim, muito
menos que me cantou. Tudo parecia estranho demais. Interrompi a alegria delas
para terminar a história e todo mundo franziu a testa quando expliquei que saí
com a segurança feminina e não falei com ele, nem me despedi.
— Mas ele disse para você esperar — disse Kat — por que você não esperou
por ele?
— Tenho certeza de que não foi isso que ele quis dizer. Ele quis dizer “espere
aqui” ou “espere pela papelada” — expliquei.
Ashley sacudiu a cabeça.
— Não, ele não disse. — Ela baixou a voz para um tom viril que realmente
parecia muito com o Batman. — Não se mexa. Espere por mim?
— Eu acho que você está fantasiando muito sobre isso. — Me levantei e
comecei a recolher as taças de vinho vazias, me esticando ao fazer isso. O peso
do dia fez meus ombros parecerem pesados. Eu estava cansada.
— Eu me pergunto. — Fiona me deu um olhar de lado. — Você sempre foi
sem noção com os caras?
— Ah, é mesmo? — respondi.
— Sim, é verdade — disse Elizabeth, entrando na conversa. — você é linda,
mesmo que você não acredite. Um monte de caras gostam de peitão, cintura fina,
bunda grande, pernas longas, tipo mulherão, que nem você. Inclua no pacote seu
cabelo ruivo encaracolado e olhos grandes, cor de avelã. Algumas pessoas,
inclusive eu, chamariam você de linda.
Tentei, sem sucesso, mudar de assunto até que a noite chegou ao fim. Todas
me amavam como eu era, claro. Elas diziam que eu era linda. A verdade é que eu
simplesmente não gostava da minha aparência e toda essa conversa não mudou
minha opinião.
Deitada no sofá de Elizabeth naquela noite, fiquei surpresa com a natureza dos
meus pensamentos. Não conseguia parar de pensar nele. Repassei a conversa do
elevador, tentando descobrir se ele realmente havia me cantado. Não que isso
fosse importante, já que nunca mais o veria de novo.
Me sentia quase normal, já que estava obcecada com algo tão mundano
quanto se um cara que eu gostava, embora baseado apenas em atração física,
achava que eu era atraente o suficiente para flertar comigo. No entanto, antes de
permitir acreditar que estava me comportando de maneira completamente
racional, lembrei a mim mesma que tinha acabado de terminar um
relacionamento de muito tempo com alguém com quem eu pensava que ia me
casar e perdi meu emprego no mesmo dia.
Uma pessoa normal teria ficado obcecada com um ou ambos os eventos que
alteram a vida.
Meu último pensamento antes de cair no sono, era pesquisar a definição de
Kinnear no Wikipédia.
Capítulo 3
Fui informada na manhã de sexta-feira, uma semana e meia depois do pior dia
de todos os tempos, que a noite seria bombástica. E por bombástica, significava
que Elizabeth tinha garantido convites VIP para um dos “clubes tops” mais
procurados, como ela dizia. Acho que era a maneira moderna dela dizer “vamos
a um novo bar”.
Eu estava muito empolgada para encontrar um novo emprego e um novo
apartamento, embora Elizabeth não tivesse feito nenhuma reclamação sobre a
minha presença. Na verdade, ela chegou ao ponto de mencionar que o contrato
de aluguel estava quase acabando, sugerindo que encontrássemos algo maior e
continuássemos a morar juntas.
A ideia me atraiu. Viver com Elizabeth seria uma excelente forma de me
prevenir contra minhas tendências naturais de viver reclusa, já que eu sofro de
agorafobia.
Mesmo no meu relacionamento com Jon, sabíamos que eu precisava de uma
quantidade generosa de espaço e de tempo sozinha, para me comportar com o
devido carinho quando estivéssemos juntos.
Talvez por isso ele tenha sentido a necessidade de me trair.
A ideia me acertou em cheio e arquivei essa informação na memória.
Nos últimos dias, eu vinha refletindo bastante referente ao meu atual estado de
“perdas” — falta de moradia, falta de emprego e falta de relacionamentos —.
Menos, nesse caso, não significava mais. Menos era um lugar instável e
desconfortável para se estar.
Jon foi meu primeiro namorado. Tive alguns encontros no ensino médio e na
faculdade, mas foram somente um encontro. Jon foi o primeiro que não pareceu
desconcertado com minha aleatoriedade desenfreada, pelo contrário, parecia
gostar. Me perguntei se ele seria o único.
O pensamento não me incomodou mais do que deveria. Na verdade, isso me
incomodou muito menos do que o pensamento de nunca experimentar algo como
o calor ardente da sensação que tive, durante os sete a doze minutos, com o
segurança de olhos azuis.
Falei só um pouco com Jon desde que terminamos e eu ainda precisava avaliar
o que realmente senti durante a nossa conversa. Ele estava com raiva de mim. Na
verdade, ele ficou indignado e gritou comigo nos primeiros minutos de conversa.
Disse que descobriu que perdi o emprego pelo pai dele e queria saber o porquê
de eu não pedir ajuda.
Não conseguia acreditar nos meus ouvidos e levei alguns segundos para
responder.
— Jon, é sério que perguntou isso? E como é que o Sr. Holesome, quero dizer,
como é que o seu pai sabe?
— Sim. É sério. Você precisa de mim, você é minha namorada...
— Não! — Balancei a cabeça como se estivesse me convencendo.
— Nada está decidido. Eu quero cuidar de você. Ainda te amo. Nós
pertencemos um ao outro. — Ele parecia decidido e um pouco sombrio.
— Você me traiu. Não estamos juntos. — Estava começando a ficar irritada,
que era o mais perto que cheguei de sentir raiva.
O ouvi suspirar do outro lado e então seu tom suavizou.
— Janie, você sabe que nada mudou para mim? Foi uma vez. Não significou
nada, eu estava bêbado.
— Você estava sóbrio o suficiente para colocar o pacote da camisinha no seu
bolso.
Ele meio que rosnou, meio que riu.
— Eu ainda quero cuidar de você. Me deixe cuidar de você.
— Esse não é o seu papel...
— Podemos ser amigos? — Ele me interrompeu. Sua voz era um pouco mais
gentil.
— Sim — eu quis dizer isso. Não queria perder sua amizade. — Sim. Nós
devemos ser amigos.
— Você vai me deixar cuidar de você? — Sua voz estava implorando. — Vai
me deixar ajudá-la?
Pensei sobre o que ele estava pedindo. Sabia que, com isso, ele queria dizer
“apoio financeiro”.
— Você pode me ajudar sendo um bom amigo.
— E se eu não puder ser apenas amigo? — Eu podia sentir novamente o seu
aborrecimento enquanto falava. — Não consigo pensar em nada além de você.
Foi a minha vez de suspirar. Eu não conseguia pensar em nada para dizer.
Bem, para ser mais exata, não consegui pensar em nada para dizer relacionado
ao assunto da nossa conversa, mas pude pensar em muitas coisas para dizer,
como o clima da Nova Guiné ou sobre os ancestrais pré-históricos do pássaro da
secretária africana.
Depois de um momento de silêncio, ele limpou a garganta. Quando falou de
novo, sua voz soou firme.
— Nada está decidido — disse novamente. — Quando posso te ver?
Marcamos um horário para nos encontrarmos no sábado de manhã, em um
local neutro. Nos despedimos e ele disse novamente que me amava. Eu não
respondi.
Pensei sobre tudo o que aconteceu. Não senti uma necessidade absurda de
lamentar a perda dele, ou dos cinco anos da nossa vida juntos. Para ter certeza
dos meus sentimentos, me certifiquei de que a porta do armário invisível na
minha cabeça estava aberta, a luz acesa e a caixa aberta, porém a indiferença
permanecia.
Eu sabia que minha preocupação com o trivial era uma consequência direta da
morte da minha mãe, assim como o que meu terapeuta chamava de uma
propensão natural a observar a vida ao invés de vivê-la. Chamou isso de
autopreservação.
Minha avó paterna, sempre uma fã de produtos farmacêuticos e intervenção
médica, insistiu que eu precisava de terapia quando minha mãe morreu, então
aos treze anos comecei a terapia.
Eu pensava que terapia significava sentar em um divã, observar borrões de
modo suspeito parecido com gotas de tinta e dizer que eu estava brava com
minha mãe por suas atitudes, ou seja, por fugir com seu último amante; por ter
morrido em um acidente de moto, por ela ter me deixado com meu pai — que é
um tanto mal humorado embora bem-intencionado — e meus dois irmãos,
ambos propensos a atividades criminosas; e com raiva dela por cozinhar tacos
vegetarianos nas terças-feiras, na minha infância, em vez dos cachorros-quentes
e batatas fritas que eu queria.
O terapeuta fez todas essas coisas, mesmo que eu não estivesse brava. Eu
apenas me sentia triste. Extremamente triste.
Foi por isso, disse o terapeuta, que meu cérebro sempre dava uma reviravolta
quando me deparava com situações emocionais difíceis ou desconfortáveis. No
entanto, durante esse ano, também com relutância, aprendi estratégias que
funcionavam. Aprendi que quando eu estava exausta, com estresse emocional,
pequenas coisas poderiam ser um gatilho, como encontrar um banheiro sem
papel higiênico. Minha vida tornou-se tão inacessível quanto o Monte Fuji.
Porém, eu tinha certeza de que estava fazendo o meu melhor para
simplesmente ficar em banho maria no final do meu relacionamento. A maior
emoção que pude sentir, foi uma melancolia ansiosa com a possibilidade de
perder a amizade de Jon. Admito que também senti uma pontada de
arrependimento, quando percebi que já havia comprado um presente de
aniversário para ele.
Talvez isso tenha me deixado superficial.
Elizabeth achou que eu estava em choque.
Seja o que for, ponderei, uma vez que se passasse tempo suficiente , a verdade
viria à tona . Eu gostava de pensar em mim como o Lancelote Gobbo, de “O
Mercador de Veneza”, de Shakespeare. Até mesmo um homem tolo produzirá
alguma sabedoria, dando tempo suficiente para continuar a manobrar em um
monólogo descontrolado. Como a maior parte do meu tempo foi gasto em
monólogos descontrolados, mantive a esperança de alguma sabedoria.
A procura de emprego estava no início. No entanto enviei, pelo menos, cem
currículos, me candidatei a todos os empregos no Craigslist, nos quais eu poderia
ser a menos qualificada e entrei em contato com todas as agências temporárias
que consegui encontrar na área de Chicago.
Estava determinada a arrumar um emprego.
Eu tinha uma poupança escassa, mas não era apenas o dinheiro em questão.
Não podia tirar uma licença sabática prolongada da classe trabalhadora, porque
meu temperamento exigia que eu fosse, em todos os momentos, empregada
remunerada.
O reconhecimento de que meu temperamento era menos do que ideal para
uma integração apropriada na sociedade, era a razão pela qual comecei a dar
aulas de matemática e ciências para as crianças do ensino fundamental, toda
quinta-feira à tarde e à noite. Evidentemente não foi por isso que continuei.
Continuei por razões egoístas: as crianças gostavam de histórias em quadrinhos,
eram engraçadas e eu gostava de fazer isso.
Se estivesse por conta própria, acabaria me tornando uma eremita, se não
fosse minha aula semanal no South Side. Eu sabia que, quanto mais tempo
estivesse sem trabalho, mais desanimada ficaria. Até considerei aprender a
tricotar. Acho que esta última revelação foi o que fez Elizabeth insistir em
passarmos algum tempo sem regras, nos permitindo.
E, portanto, estávamos destinadas a uma noite escandalosa, em uma balada
sensacional. Os únicos itens que ela aprovou no meu guarda-roupa, foram meus
sapatos. Na verdade, ela pegou emprestado um par de salto alto, que era imitação
de couro de crocodilo laranja com um laço azul-turquesa no dedão. Eu usava um
salto estampado de zebra e o resto da minha roupa veio do armário dela já que,
segundo ela, eu tinha roupas de radiologista e sapatos de ginecologista, que é o
mesmo que dizer que me vestia como uma bibliotecária com uma propensão a
usar botas “me come”.
Usávamos o mesmo tamanho de sapato, mas ela era, pelo menos, um tamanho
menor em tudo, exceto na cintura. Ela tinha apenas dois vestidos que realmente
se encaixavam no meu traseiro avantajado: um verde-oliva, de botão, estilo Mad
Men anos 50 e um vestido preto simples de cintura fina, aberto nas costas, que
caía muito bem nos seus ombros e quadris, mas que apenas esticavam e
enrugavam os meus.
O vestido preto ia até o meio da coxa. Me olhei no espelho. Depois olhei
ansiosa para o vestido verde-oliva, ainda pendurado no armário. Ele batia na
altura do joelho.
Elizabeth olhou nos meus olhos pelo espelho, com olhar ameaçador - em
desaprovação - por cima do meu ombro.
Viu minha atenção se desviando para o armário.
Ela ganhou. Usei o vestido preto. Mesmo com as meias até as coxas para me
cobrir, me senti exposta e, devo admitir, um pouco sórdida.
Conseguimos entrar no clube sem dificuldades, apesar de uma longa fila de
baladeiros cercarem o prédio. Elizabeth caminhou até a frente e entregou dois
convites grandes para um homem de óculos escuros com dois bonitões de cada
lado.
Até onde eu pude perceber, o homem de óculos escuros não olhou para os
bilhetes, mas tenho a nítida impressão de que ele estava nos secando por trás de
suas lentes. Acenou com a cabeça apenas uma vez e então se moveu para o lado,
para que pudéssemos passar.
Elizabeth me lançou um sorriso radiante e despreocupado, quando o barulho
de nossos saltos foi engolido pelos sons da selva do clube. Fiquei boquiaberta
com o que nos cercava, inquieta e intrigada. Definitivamente, seria “A”
experiência. Ela não me comunicou que o nome do clube era, na verdade,
Outrageous. Para ser honesta, o Overwhelming teria sido um nome melhor.
O interior do clube era, literalmente, uma selva. Réplicas de seis metros de
árvores nativas da floresta tropical se erguiam acima de nós, e eu segui a linha de
um dos troncos mais altos, que chegava até o teto. Havia sido pintado ou colado
para parecer o dossel de uma floresta tropical.
Luzes estrategicamente colocadas eram filtradas através dos pseudo-ramos,
criando o efeito do crepúsculo no coração da Amazônia. O chão se inclinava
para baixo da entrada e era impossível dizer o tamanho da sala. Imaginei em vez
de ver que a maioria das paredes estava coberta de espelhos, o que multiplicava
a atmosfera da selva em todas as direções.
Um total de 428 anfíbios e 378 répteis foram classificados na floresta tropical
brasileira. Me perguntei quantos foram representados no Outrageous naquela
noite, disfarçados de seres humanos.
Diferentemente da maioria dos clubes que tive a infelicidade de ir, a música
no Club Outrageous não era opressiva ou onipresente. Eu reconheci a música
tocando discretamente no som como The Mix-Up do The Beastie Boys,
especificamente a música B For My Name; misturado com o álbum premiado no
Grammy de 2007, transformado em pop instrumental com sons de animais
selvagens da floresta tropical brasileira.
Assim que o contrabaixo ressoou em um ritmo baixo, um chamado foi
arrancado do que eu imaginei ser a rã-gigante indígena das regiões oeste e norte
do Brasil.
Poderia ter sido uma espécie de sapo diferente, admito. Não estava
familiarizada com todas as chamadas de sapo da Amazônia, mas, desde que li
recentemente um artigo sobre a rã-gigante e o potencial medicinal de sua
secreção cerosa que leva à biopirataria da espécie, foi a primeira rã que veio à
mente.
No centro da ampla sala, havia um enorme arco que, obviamente, se
assemelhava a um desfiladeiro ou caverna de arenito corroído e, por baixo, havia
um bar impressionante que também parecia ter sido esculpido no arenito. Uma
cachoeira caía em cascata sobre o topo do arco, diretamente em uma piscina na
base do bar.
O chão em volta do bar estava iluminado por luzes azuis e, mesmo da entrada,
podíamos ver a água fluindo por baixo de telhas de vidro transparente. Um
movimento de pelos chamou minha atenção e me virei para uma jaula
despercebida, entre onde estávamos e o centro da sala.
— Olha. — Cheguei perto de Elizabeth e apontei para a gaiola. — Espera,
isso é uma pessoa. Tem uma mulher lá dentro com o macaco e ela está... ela está
nua! — Cobri a boca quando percebi que a mulher não estava sozinha. — Ai,
meu Deus, parece que... Ai, meu Deus!!
Elizabeth riu, aparentemente pela minha expressão e falta de capacidade de
falar. Em uma inspeção mais minuciosa, notei que o clube executou um trabalho
admirável ao fazer parecer que a mulher estava na gaiola quando, na verdade, ela
foi envolvida em uma concha de acrílico separada, dentro da gaiola. Haviam
várias gaiolas no clube. Algumas estavam no chão e outras estavam suspensas
nas árvores. Cada uma das gaiolas continha um ou mais primatas ou macacos
exóticos e um cilindro de acrílico no centro.
No entanto, a mulher não estava sozinha dentro do cilindro.
Dei meia volta ao redor da sala e fiquei impressionada. Meus olhos
arregalados, enquanto se moviam de gaiola para gaiola, e minha boca aberta.
Atrás, do lado, na frente ou ao redor de cada mulher nua, estava um homem
vestido com um terno peludo que, obviamente, deveria combinar com o primata
ou macaco na gaiola. A mulher e o homem estavam envolvidos no que eu só
pude chamar de demonstrações abertas de afeto. Era difícil dizer com certeza o
que estavam fazendo, sem se aventurar perto de uma das gaiolas e os observar
por um bom tempo. Me senti um pouco enjoada.
— Isso é angustiante. — Engoli seco, tentando olhar em qualquer lugar, além
do estranho teatro ao redor. Elizabeth apenas riu levemente quando me puxou
para o salão e eu lhe lancei um olhar firme. — Você sabia disso, não sabia?
Ela balançou a cabeça. Lágrimas de alegria se acumulavam nos cantos de seus
olhos, enquanto passeávamos ao redor das árvores.
— Não, não, juro que não! Acho que eles estão apenas se beijando. Eu não
acho que eles estão, você sabe, fazendo aquilo.
Paramos no bar e ficamos na frente de duas cadeiras que pareciam estar
cobertas de pelo. Não quis me sentar. Olhei para Elizabeth de baixo dos meus
cílios e não pude evitar o pequeno sorriso que formou na minha boca. Ela não
fez nenhum movimento para se sentar, também.
Eu não podia falar mais, devido ao meu extremo desconforto com a situação e
Elizabeth não podia falar, pois foi atingida por um novo tsunami de risos. Sua
diversão finalmente se tornou contagiosa demais para ignorar, quando a trilha
sonora dos ruídos da selva incluiu um breve chamado (som) de uma arara. Não
pude conter a risada e ela saiu do meu peito.
Elizabeth apoiou o cotovelo no balcão e virou os olhos sorridentes para mim.
— Eu não tinha ideia do que esperar, honestamente. Um dos meus pacientes
me deu os ingressos. Tudo o que ele disse foi “Esteja preparada para algo
escandaloso”. — Elizabeth virou para o bar e fez um sinal para o barman,
inclinando a cabeça brevemente em minha direção. — Acho que eles mudam
quase todos os meses e tentam se superar cada vez.
— É sempre um tema da selva? — Torci meus lábios para o lado em um
esforço para não rir, quando apontei minha cabeça discretamente em direção a
uma das gaiolas. — Sinto muito pelos pobres macacos. Eu não quero ver isso e
eu nem consigo imaginar como eles se sentem por estarem presos dentro dessas
gaiolas giratórias.
De repente, o cabelo da minha nuca estava em estado de alerta e eu tremi
inexplicavelmente. Tive a impressão esmagadora de que estava sendo vigiada.
Minha atenção percorria o chão do clube, enquanto tentava dominar a pressão
onipresente associada à incerteza e à expectativa nervosa, mas não consegui
encontrar nenhum olhar em minha direção. Tentei me livrar da sensação. Eu
esperava que fosse apenas a combinação de ser uma voyeur contra minha
vontade, com a angústia persistente que sentia em relação ao meu estado de
nudez.
O sorriso de Elizabeth desapareceu quando ela viu minha expressão e ela
franziu a testa. — Ei! — Ela colocou uma das mãos sobre a minha. — Nós não
temos que ficar. Por que não bebemos alguma coisa e saímos daqui?
Pressionei meus lábios e balancei a cabeça.
— Não, não, tudo bem. Eu estou bem. É só... — Suspirei e percorri a sala com
os olhos, permitindo-me olhar além das gaiolas, mas para a multidão de
frequentadores vestidos que, de alguma forma, deixei passar quando entrei.
Ninguém estava dançando, o que era compreensível já que a música era baixa
e imperceptível. Em vez disso, sentaram-se em grandes almofadas em forma de
círculo, que pareciam lírios gigantes. Outros grupos, principalmente pares,
estavam aconchegados juntos, em cabines construídas nas bases das árvores.
Todo mundo era lindo. Cada pessoa, naquele jeito brilhante, brilhante e
plástico. Era como estar em uma sala de manequins animados. Suas bocas se
moviam, mas raramente suas expressões mudavam. Tenho certeza de que havia
pessoas famosas presente, mas não reconheci, de imediato, nenhum rosto.
Comecei a sentir um conforto familiar me envolver, quando passei a observar o
local. Ninguém me notaria nesta sala de mulheres de plástico, com membros
perfeitos e vigorosos.
— Eu estou bem — Finalmente percebi o olhar preocupado de Elizabeth e
sorri quando o barman se aproximou.
Ela me olhou com uma simples contemplação e acenou uma vez.
— Está bem. Mas se você quiser ir, apenas me avise.
Antes que pudéssemos pedir, um garçom barulhento e loiro, com olhos
castanhos e grandes, colocou no balcão dois copos brilhantes que supus ser
champanhe. Nos deu um sorriso torto que, de alguma forma, estava
perfeitamente adequado ao seu sotaque australiano.
— Senhoras, estas são para vocês. Também fui instruído a colocar qualquer
outra coisa que vocês pedirem na mesma comanda. Sou o David. Me avisem se
precisarem de alguma coisa.
Elizabeth se recuperou mais rápido do que eu.
— Hum... não sei se podemos aceitar, sem saber primeiro quem o instruiu.
O sorriso dele se abriu e seus olhos se moveram em admiração evidente pelo
vestido turquesa sedoso dela.
— Não posso revelar.
— Então nós não queremos. — Elizabeth empurrou os copos de volta para o
barman, mas ele a parou, inclinando-se sobre o bar e aproximou seus lábios na
orelha dela. Sussurrou algo que eu não pude ouvir e fiz uma careta. Minha
atenção estava totalmente dividida entre o papo deles e o resto da sala.
Quando ele se inclinou para trás, os olhos dela seguiram seu movimento sutil.
Ele apenas sorriu o mesmo sorriso torto e piscou para ela. E acrescentou antes de
sair:
— Como disse, me avisem se precisarem de alguma coisa.
Vi sua expressão intrigante.
— O que ele disse?
— Ele me pediu para beber o champanhe. Disse que se eu não bebesse, ele
poderia se meter em encrenca. — Ela levou o líquido dourado aos lábios. Seus
cílios negros escondendo os movimentos de seus olhos enquanto eles,
sorrateiramente, observavam os habitantes do bar com interesse renovado.
— Isso é inesperado — eu disse, pegando meu copo obedientemente.
Uma risada curta escapou de sua garganta, seguida por uma bufada
extremamente imprópria.
— Na verdade, não. Nós estamos sexys. — Ela inclinou o copo contra o meu
e o levantou em um brinde. — Por estarmos sexys, conseguimos alguns agrados.
Batemos um copo contra o outro e tomamos um gole do champanhe.
Elizabeth continuou a observar o salão por cima do meu ombro quando, de
repente, vi seus olhos se arregalarem e ela quase engasgou com o líquido
borbulhante. Ela baixou a taça desajeitadamente e tossiu. Sua mão foi para o
peito, mas seu olhar ainda estava fixo no meu ombro.
— Janie. — Ela tossiu e tentou falar novamente. — Não vire... deixe-me
pegar um pouco de água. — Comecei a andar em volta dela, mas ela estendeu a
mão e me segurou no lugar.
— Não! — Ela tossiu, engoliu em seco e baixou a voz para um sussurro
rouco. Acrescentou — Não se mexa. Ele está aqui!
— Olá. — Uma voz masculina falou atrás de mim e soou estranhamente
familiar. Me virei em direção à voz e fui recebida pela forma deslumbrante do
Sr. Bonitão Calças-Quentes, vestido com um terno e camisa preta aberta no
pescoço. Seus surpreendentes olhos azuis dirigidos diretamente para mim.
Capítulo 4
Meu coração deu um sobressalto ao me virar e dar de cara com ele.
— Oh meu Deus, é você!
Percebi tarde demais que disse e pensei a mesma coisa, ao mesmo tempo.
Ele sorriu maliciosamente. Seus olhos azuis percorreram sobre mim, desde
lábios, pescoço, ombros, seios, até que encontrassem meus sapatos.
A liberdade com que me olhava, fez com que eu tremesse e ficasse com as
bochechas coradas e quente.
Levou um tempo olhando meus sapatos, antes de subir o olhar. Quando,
finalmente, seus olhos encontraram os meus novamente, ele, então, respondeu:
— Sim, sou eu.
Fiquei sem palavras. Foi como se meu cérebro apagasse e só consegui ficar
olhando para ele, muda. Felizmente a voz de Elizabeth soou atrás de mim.
— Olá. Sou Elizabeth.
Os olhos azuis dele se moveram para além de mim, onde ela estava.
Aproveitei esse momento para reorganizar minhas ideias e recuperar toda minha
inteligência, que havia se espalhado por entre o chão do bar, no teto, enfim, se
espalhado como o sangue de uma vítima baleada.
— Oi, eu sou o Quinn — Disse ele, sorrindo, mas sem mostrar seus dentes.
Dessa vez, um sorriso amigável, socialmente aceitável para a situação.
Enquanto apertavam as mãos, eu pensava em algo para dizer. Quinn! Esse é
seu nome. Devo me lembrar de chama-lo assim, e não de Sr. Bonitão Calças-
Quentes.
Com todo meu esforço, consegui apenas dizer:
— O que você está fazendo aqui? — Porém, percebi que falei de maneira um
pouco áspera, um tanto acusatória e me esforcei para não demonstrar minha
tensão.
— Estou trabalhando — Ele respondeu, virando-se para mim.
— Você é um dos seguranças? — Meu cérebro, como um disco riscado,
parecia estar preso em questões de fluxo de consciência.
— Minha empresa...— Fez uma breve pausa, como se considerasse algo e,
então, continuou — Minha empresa que faz a segurança desse lugar.
— Ah! A mesma empresa que faz a segurança do Edifício Fairbanks —
Afirmei. — O Edifício Fairbanks era onde eu trabalhava.
Aos poucos fui relaxando e me acostumando a estar perto dele, já que sua
presença no clube fazia sentido. No entanto, ainda era intrigante a presença dele
no bar, conosco. Sem pensar, perguntei:
— Estamos com problemas?
Surpreso, suas sobrancelhas se ergueram.
— Depende. Você está em apuros?
Eu assenti.
— O que quero dizer é se aconteceu algo de errado. Foi por isso que te
mandaram para cá?
Balançou a cabeça e não respondeu imediatamente. Confusão e algo parecido
com incerteza passaram pelo seu rosto.
— Não, ninguém me mandou para cá.
— Ah — eu disse e minha mente ficou em branco novamente.
Ele estava me observando do mesmo modo que me observou no elevador,
depois do meu episódio de tolice verbal. Um momento se passou até nos
olharmos novamente. Então, ele inclinou a cabeça em direção às nossas taças de
champanhe no bar.
— Vocês duas estão comemorando alguma coisa?
Olhei para Elizabeth pedindo ajuda, mas ela estava fingindo ler o cardápio de
bebidas. — Não.
Quando encontrei seu olhar novamente, o peguei me observando com um
certo interesse. Sua atenção me irritava e meu cérebro indiferente se sentiu
coberto em melaço. Meu corpo, no entanto, se sentia rígido e consciente. Senti
cada peça de roupa que estava usando, me tocando. Meu sutiã sem costas e sem
alças, parecia muito apertado; a maciez sedosa e acariciante do vestido, causou
arrepios ao meu pescoço e braços; o atrito das minhas roupas de baixo e meias
de renda, queimavam a parte interna das minhas coxas.
Engoli com um grande esforço e me forcei a falar, sem pensar muito no que
dizer.
— Um dos pacientes de Elizabeth deu a ela os ingressos e ela queria me levar
para sair, porque ela acha que estou desanimada.
— Por causa do seu trabalho? — Ele perguntou se aproximando de mim,
colocando a mão na barra entre nós.
Sua proximidade fez meu coração disparar, e meu cérebro começou a agir
lentamente, de novo. Palavras saíram sem controle.
— Sim, isso e eu acabei de terminar com meu namorado. Embora eu não saiba
se a separação é o termo certo para isso. É difícil encontrar palavras e frases que
realmente reflitam as ações. Eu acho que faltam verbos no idioma inglês. O que
eu realmente gosto são substantivos coletivos. A coisa boa sobre eles é que você
pode usar qualquer palavra no idioma inglês como um substantivo coletivo, que
permite atribuir os dois recursos, bem como os traços de caractere à coleção ou
ao grupo. Embora alguns substantivos coletivos estejam bem estabelecidos.
Como exemplo, você sabe como é chamado um grupo de rinocerontes?
Ele balançou a cabeça enquanto inclinava para o lado, me observando.
— É chamado de acidente. Eu gosto de criar meus próprios nomes coletivos
para as coisas, tipo, leve aquele grupo de mulheres para lá. — Eu indiquei por
cima do ombro dele e ele se virou para ver para onde eu apontava. — Vê aquelas
que parecem de plástico, perto do lírio roxo? Eu chamaria um grupo assim de
“látex de senhoras”, com a palavra “látex” sendo o substantivo coletivo. E essas
gaiolas com os macacos e os casais, as chamaria coletivamente de “gaiolas
vulgares”, com a palavra “vulgar” sendo o substantivo coletivo.
Ele levantou a mão para chamar a atenção do barman enquanto falava.
— Eu os mudaria. Eu chamaria as “gaiolas de látex” de “gaiolas” e as
mulheres de “mulheres vulgares”.
Considerei seu comentário antes de responder.
— Por que?
Manteve o olhar no mesmo nível que o meu e me presenteou com um pequeno
sorriso. — Porque o grupo de mulheres ali é mais vulgar do que o que acontece
nas gaiolas e os casais nas gaiolas estão usando látex.
O observei por um momento. Franzia testa, e então, olhei para uma das
gaiolas para observar o casal. Mordi meu lábio enquanto os estudava.
— As mulheres parecem completamente nuas e os homens estão de macacão.
Onde está o, o... — Respirei fundo, meus olhos arregalados voltando para os
dele. — Você está dizendo... eles são, são...?
Ele riu e balançou a cabeça. Um sorriso largo e radiante iluminou seus olhos
com diversão.
— Não não. Eu garanto que eles não estão envolvidos em qualquer negócio de
macaco. — Ele riu de novo enquanto me observava. — Sei que, de fato, tudo é
coreografado. É um show.
Estreitei meus olhos para ele.
— É um show?
Sua risada era profunda e aberta, e estava mexendo comigo, especialmente ao
suspeitar que ele estava rindo de mim. Meu estômago se agitou, devido a
sensação de constrangimento e apreensão. Estreitei meus olhos para ele,
tentando ignorar as reações exageradas do meu corpo.
— Ainda é constrangedor. Digo, você iria querer uma dessas gaiolas em sua
casa?
Ele continuou a sorrir com a minha incredulidade e respondeu:
— Não com o macaco dentro.
— O homem ou o primata? Rebati.
— Nem um, nem outro — Seu olhar se estreitou imitando o meu e ele se
inclinou ainda mais perto.
Engoli seco e consegui indagar:
— Mas você iria querer a mulher?
— Não aquela mulher. — Sua voz era tão baixa, que quase não ouvi sua
resposta. Seus olhos se moveram dos meus e, novamente, passearam pelo meu
cabelo, testa, nariz, bochechas e depois permaneceram nos meus lábios por mais
tempo do que eu achava necessário... ou apropriado.
Eu não sabia qual, mas tinha que haver uma palavra que transmitisse
adequadamente meu desconforto naquele momento.
— O que você precisa? — A pergunta educada do garçom soou à minha
esquerda, o que, para meu alívio e desapontamento, fez Quinn desviar sua
atenção dos meus lábios.
— Ei, David, por favor, coloque o que as duas pedirem na minha conta, esta
noite. — Disse Quinn.
David balançou a cabeça lentamente. Seus olhos piscando para cima, como
quem procura algo para dizer e, em seguida, de volta para Quinn.
— Eu não posso fazer isso, Sr. Sullivan.
Quinn franziu a testa.
— Por que não?
— Alguém já se ofereceu para pagar a conta. — O barman fez uma careta,
enrijecendo os ombros.
— Quem? — Quinn perguntou.
A voz de David estava com um leve toque de incerteza quando ele respondeu.
— Eu não posso te dizer.
A resposta do barman surpreendeu Quinn. Eu poderia dizer isso, ao notar o
estreitamento de seus olhos. Vi quando ele travou a mandíbula, antes que ele
murmurasse em voz baixa:
— Sim, você pode.
Me virei para Elizabeth, mas ela estava distraída com seu Pager, o qual eu não
havia notado até aquele momento. Eu dei a ela um olhar interrogativo enquanto
ouvia a discussão de Quinn e David.
Ouvi David suspirar.
— Tudo bem, escuta, eu vou te dizer, mas não olhe para eles, ok? Eles foram
generosos com a gorjeta.
— Quem é? — Quinn não levantou a voz, mas seu tom claramente era de
impaciência.
— São os caras do segundo andar, não olhem para lá. Os do Camarote. —
David suspirou novamente.
Senti mais do que vi, Quinn se aproximando de mim enquanto eu suprimia a
minha vontade de olhar para o segundo andar, antes, despercebido. Me perguntei
onde ficava o camarote. Antes que eu pudesse descobrir, senti um choque
quando Quinn colocou a mão no meu braço acima do cotovelo e me virou para
encará-lo.
Seu olhar não era mais quente e amigável. Na verdade, parecia quase hostil
quando se dirigiu a mim.
— Você precisa sair.
Seu toque, sua proximidade e a intensidade de seu olhar, fez com que minhas
entranhas parecessem lava. Eu não conseguia entender minhas reações confusas
e completamente involuntárias, causadas por ele. Era como se eu fosse outra
pessoa. Talvez impulsiva, ou descontrolada.
Resolvi me recompor e responder, mas, antes que pudesse abrir a boca,
Elizabeth falou atrás de mim.
— Sim, na verdade, nós precisamos ir — ela acenou com o Pager, deu um
passo para o meu lado e me fez uma careta de desculpas. — Acabei de ser
convocada. Eles precisam de mim no hospital. Desculpa Janie.
Eu olhei para Elizabeth e Quinn, com uma expressão confusa.
— Espere. Por que eu preciso ir?
A mão de Quinn desceu em direção as minhas mãos pelo meu braço nu,
fazendo com que eu estremecesse imediatamente. Seus dedos se entrelaçaram
aos meus. Ele me puxou impaciente e começou a me levar para a entrada
enquanto falava.
— Porque sua amiga está saindo e não é seguro estar em um clube como este
sozinha, considerando o jeito que você está.
— Mas... — gaguejei, tentando entender o que estava acontecendo e o
significado de suas palavras, mas meu corpo ainda estava dolorosamente
consciente, focando onde sua mão segurava a minha, e minha mente estava
completamente distraída.
Mais uma vez olhei para Elizabeth pedindo ajuda, mas ela já estava a alguma
distância atrás de nós e eu não tinha certeza de que ela podia ouvir nossa
conversa. Ele não estava se movendo muito rápido, então andamos de mãos
dadas, lado a lado.
Finalmente, eu disse:
— O que há de errado com a minha aparência? E eu não estou segura com
você? — Minhas perguntas repentinas e sem pensar estavam de volta.
Ele me olhou pelo canto dos olhos e hesitou um momento antes de falar, como
se estivesse prestes a contar um segredo, relutante.
— Não necessariamente.
— Eu não posso ficar aqui?
Ele soltou minha mão e colocou a sua nas minhas costas, me pressionando
para frente enquanto respondia:
— Não. Você não pode.
A pressão das suas mãos na base da minha espinha, lembrou de como ele me
acompanhou até o porão no meu pior dia de todos os tempos, e me senti
ofendida. Meu aborrecimento aumentou quando ele acrescentou:
— Alguém como você não deveria estar aqui, vestida dessa forma.
Me afastei dele abruptamente e parei de andar. Estávamos a cerca de três
metros da entrada. Suas palavras pareciam uma bola de neve indo de encontro
com a minha cara.
— Alguém como eu? — perguntei, ajeitando meus ombros, mesmo quando
senti um rubor irritante se espalhando pelo meu pescoço e pelas minhas
bochechas. Olhei em volta, para os manequins animados e perfeitos no clube e
sabia exatamente o que ele queria dizer.
Eu estava acostumada a falar sobre minha estranheza e há muito tempo resolvi
aceitar o constrangimento da minha aparência, mas o comentário improvisado
vindo dele — a fonte ignorante de minhas fantasias de perseguição de uma
semana atrás —, abriu uma ferida que meu pensamento havia se curado. Uma
cicatriz oculta há muito tempo.
Sua atenção seguiu meus movimentos quando me afastei, uma mistura de
surpresa, aborrecimento e confusão aparente em seu rosto. Ele deu um passo
para diminuir a distância entre nós e pegou minha mão, mas cruzei os braços
sobre o peito para evitar mais contato.
Me deparei com minhas emoções oscilando. Eu não gostei de como eu estava
desequilibrada, especialmente quando ele me tocou. Não gostei de ter dado a ele
algum poder estranho sobre minhas emoções e reações físicas, só porque ele era
bonito. Não gostei de como meu corpo parecia ter a intenção de sabotar meu
cérebro, especialmente porque meu cérebro era tão bom em se sabotar. A
queimação na boca do meu estômago foi substituída por um gelo na barriga. Eu
me senti enjoada e insensata.
— Acho que posso percorrer os últimos metros sem precisar de escolta. Eu sei
andar.
Tentei não notar o quão bonito ele parecia em seu terno preto e eu dei a ele o
que eu esperava que fosse um olhar fulminante, mas suspeitei que era
meramente um olhar bravo. Passei por ele e fui direto para a porta. Não olhei
para trás quando saí do clube e dei as boas-vindas ao vento da cidade de
Chicago.
Elizabeth deve ter ficado a uma boa distância atrás de mim, porque ela não se
juntou a mim durante alguns minutos. Isso me deu tempo suficiente para pensar
em um turbilhão de aborrecimentos e constrangimentos.
Quando ela finalmente chegou, estava em seu celular, obviamente falando
com o hospital. Me deu um imenso sorriso, cutucou meu cotovelo com o dela e
murmurou:
— Ai meu Deus!
Fiz uma careta para sua expressão radiante e balancei a cabeça. Elizabeth
cobriu o microfone do celular, para impedir que ouvissem nossa conversa do
outro lado do telefone. Uma ruga de questionamento estava entre as
sobrancelhas e seu sorriso foi substituído por uma sensata preocupação.
— Pensei que você estivesse nas nuvens — ela disse em um sussurro um tanto
alto, indicando o clube com um rápido aceno de cabeça. — Ele estava flertando
com você.
Suspirei e me afastei dela.
— Não, ele não estava.
— O que? Você está louca? Ele está completamente na sua. Ele... Sim. — Vi
quando Elizabeth voltou sua atenção para a voz do outro lado do telefone. —
Sim, eu ainda estou aqui.
Ignorei o resto de sua conversa ao telefone. Meus pensamentos eram uma
nuvem negra de mau humor focada no meu distúrbio de personalidade e
características gigantescas. Havia poucas vezes na vida em que eu realmente
desejava parecer outra pessoa. Simplesmente ser diferente da pessoa que eu sou:
a filha do meio de uma família de três garotas, e aquela que é universalmente
reconhecida como “a espertalhona do bando” .
Nós éramos as garotas Morris. Minha irmã mais velha, June Morris, era a
bonita, eu era a esperta e minha irmã mais nova, Jem Morris, era a louca. A
primeira prisão de Jem foi quando ela tinha nove anos, pouco depois da morte da
nossa mãe. Ela esfaqueou a mão de um de seus professores com uma faca de
cafeteria e disse à polícia que tinha uma bomba escondida na escola.
Mesmo quando jovem, eu estava em paz com minha família e meu lugar nela.
Nos últimos anos, tanto June quanto Jem se tornaram conhecidas, juntas, como
criminosas. June tinha acabado de ser declarada inocente, na Califórnia, por sua
parte em dirigir um “serviço de acompanhantes organizado”, como meu pai
chamava. Ele era educado demais para dizer que era seu negócio de prostituição.
A última vez que ouvi falar de Jem, ela estava comandando uma loja de chope
em Massachusetts, nos arredores de Boston. Para ser honesta, June e Jem eram,
ambas, líderes em seus respectivos projetos, mestres em seus ofícios. Enquanto
isso, fui para a faculdade para me tornar arquiteta, e o mais perto que cheguei,
foi perceber que meu sonho era manter um emprego — arranjado pelo pai do
meu namorado da época — como assistente contábil em uma empresa medíocre.
Eu nem sabia mais qual era meu sonho.
Elizabeth me puxou de volta para o presente com um puxão no meu braço,
enquanto ela me levava em direção a um táxi que estava me esperando.
— Aqui — ela colocou dinheiro na minha mão. — Basta ir ao apartamento.
Vou pegar um outro táxi para o hospital, já que é na direção oposta — ela me
deu um abraço rápido, enquanto eu olhava para o dinheiro na minha mão. — A
gente conversa, amanhã. Não estarei em casa até a tarde.
Assenti estupidamente quando ela me empurrou para a porta aberta, fechou,
acenou pela janela, depois se virou para chamar outro táxi.
O carro estava andando. Fiz uma careta para a pilha de notas na minha mão.
Me perguntava por que minhas irmãs eram tão destemidas. Me perguntei se eu
havia perdido esse gene, junto com o gene da beleza de June e o gene maluco de
Jem. Me perguntava por que todos — Jon, Elizabeth e até certo ponto o Sr.
Quinn Calças-quentes — sentiam que eu precisava de supervisão. Alguém para
me acompanhar, cuidar de mim, me dizer o que fazer e me apontar a “direção
certa”.
— Para onde? — o tom grave do taxista cortou minha preocupação atordoada,
e percebi que já tínhamos andado dois quarteirões. — Aonde vamos? — sua voz
soou novamente da frente.
Rapidamente considerei minhas opções. Eu poderia voltar para o apartamento,
ler meu livro novo sobre a história das infecções virais e abraçar minhas
tendências eremitas, ou pedir ao motorista que ligasse o táxi, me levasse de volta
ao clube e — apenas por uma noite — viver minha vida sem proteção enquanto
eu tentava destravar meu gene destemido de “Morris Girl”.
— Me leve de volta para o Outrageous.
Capítulo 5
Há momentos, depois de beber muito álcool, em que me pergunto o que os
proibicionistas estavam fazendo, quando criaram o termo “bebida demoníaca”.
Parecia que eu tinha um demônio dentro de mim, que estava apunhalando meus
olhos com um saca-rolhas, despedaçando meu cérebro com um garfo, enrolando
algodão na minha garganta e usando chuteiras enquanto pulava dentro da minha
bexiga.
Esta foi apenas a terceira vez que tive ressaca e, como todas as outras vezes,
prometi a mim mesma que seria a última vez. A primeira vez não foi minha
culpa. Minha irmã mais nova, Jem, diluiu meu café da manhã — que era um
suco de laranja — em vodca. Isso na manhã do vestibular. Ela disse que era uma
bebida proteica e manteria meu cérebro alerta. Acabei vomitando em todo o meu
exame e o inspetor gritou, alegando que arruinei seu registro perfeito de
administração de testes.
Na segunda vez eu estava com Jon em um barzinho perto da casa dos pais
dele, em Hamptons. Ele me pediu uma bebida chamada “The Hurricane”, que
não tinha gosto de nada além de suco de frutas. Acabei pedindo vários — gostei
dos pequenos guarda-chuvas e outros apetrechos que enfeitavam a borda do
copo — o que me levou a ficar enjoada na praia. Desmaiei na areia e Jon, sendo
apenas da minha altura e magro, não era forte o suficiente para me levantar. Ele
teve que chamar dois de seus amigos para ajudá-lo a me pegar e me levar de
volta para a pousada. Quando acordei, queria morrer.
Agora, deitada de bruços em uma cama estranha, com a boca saboreando o
que a ‘’Morte serviu no Dia de Ação de Graça’’ sabia três coisas: eu não estava
no apartamento de Elizabeth, eu estava usando apenas meu sutiã, meias até as
coxas e calcinha, e eu queria morrer.
Apertei meus olhos com mais força, querendo adiar minha colisão com a
realidade pelo maior tempo possível, e voltei a dormir. Não tinha certeza de
quanto tempo passou enquanto eu estava lá, esperando que minha fada madrinha
aparecesse junto com passarinhos e ratos falantes, me vestisse de jeans e
camiseta, me colocasse em uma carruagem de abóbora e me mandasse para o
Starbucks, para tomar um latte de soja. Quando finalmente abri meus olhos,
todas as minhas afirmações desagradáveis anteriores, se mostraram verdadeiras.
Eu não estava no apartamento da Elizabeth. Na verdade, eu não tinha a menor
ideia de onde estava. Engoli com muito esforço e, com minha boca livre de
saliva, lentamente olhei pelo quarto. Meus olhos estavam secos e tive que piscar
várias vezes, tanto em resposta ao brilho implacável do mundo, quanto à secura
resultante de dormir com minhas lentes de contatos.
Quando meus olhos ficaram adequadamente lubrificados, escaneei a minha
volta. Era enorme, com paredes de tijolos vermelhos expostos e estava pouco
decorado. O teto era de ladrilho, enferrujado em alguns lugares e bege em todos
os outros. Não havia luminárias suspensas. Raios de sol penetravam através de
altas janelas, ao longo de dois lados anexos do cômodo. Perto da cama havia
uma luminária de pé, que estava desligada. O chão era de cimento queimado.
Do meu ponto de vista, vi apenas cinco outros móveis além do colchão e da
luminária: uma mesa de desenho, uma cadeira alta, de madeira, para a
escrivaninha, uma estante de livros, um sofá de couro marrom e uma mesa
lateral. A mesa de desenho estava coberta de papéis e a estante estava cheia do
que parecia ser peças de máquinas.
Eu estava usando apenas meu sutiã, meias e calcinha. Confirmei isso ao espiar
sob o lençol branco, acumulado no meio das minhas costas. Olhei de novo ao
redor do quarto e encontrei o meu vestido dobrado ao meio, nas costas da
cadeira de madeira, e meus sapatos bem arrumados debaixo da mesa.
Lutei para me sentar e encontrar equilíbrio verticalmente. Minhas mãos
automaticamente foram para os meus seios, para ajustar o sutiã sem alças e
garantir que os cobrisse.
Meu cabelo caiu até a parte inferior da minha coluna, em um emaranhado de
cachos volumoso e insustentáveis. Deve ter se soltado em algum momento,
durante a noite. Elizabeth chamava minha juba, de cabelo. Eu chamava isso de
“a minha ruína de cabelo”. O mantinha comprido, porque parecia muito pior
curto, ficando para cima ou para fora, em ângulos estranhos. Pelo menos quando
estava longo, quase obedecia à gravidade.
Eu queria morrer. Quase na hora em que sentei no colchão, pouco antes que eu
conseguisse focalizar o mundo e minha situação atual, percebi o som da água
correndo, vindo de uma porta à direita da cama. Um súbito raio de pânico atingiu
meu coração e enrijeci, imediatamente lamentando o movimento deselegante que
resultou em uma pontada de dor nas minhas têmporas.
Fechei os olhos e respirei fundo. Respirei fundo várias vezes. Fui até o
armário invisível na minha cabeça e fiz os movimentos de embrulhar o pânico na
toalha de praia. Me atrapalhei com a tampa da caixa. Finalmente encontrei a
maldita chave da caixa e a coloquei na fechadura. Tentei ignorar o tremor das
minhas mãos, enquanto o fingimento em minha cabeça colocava a caixa na
prateleira de cima do armário, rapidamente apagava a luz e saia desse faz de
conta, correndo e gritando.
Eu precisava me concentrar. Eu realmente precisava.
Tinha que sair daqui antes que a pessoa misteriosa saísse do banheiro. Minha
memória estava desenhando uma completa lacuna. Eu não tinha ideia se a pessoa
misteriosa era um homem ou uma mulher. Neste momento, eu não tinha certeza
se eu realmente tinha uma preferência de gênero, mas fiquei um pouco aliviada
com o fato de não ver macacões jogados ao lado da cama, ou no chão.
Corri até a cadeira, peguei meu vestido e rapidamente coloquei pela cabeça.
Parecia tão inadequado à luz do dia quanto na noite anterior. Deslizei os pés em
meus sapatos, quando ouvi a água ser cortada no banheiro.
— Ai, Deus! — eu não encontrei minha bolsa.
Meu olhar varreu a mesa e a cadeira, mas não havia nenhuma bolsa. Meus
olhos dispararam para o sofá de couro marrom e a mesa lateral — mais uma vez,
sem bolsa. Fui na ponta dos pés até o colchão Queen e levantei os lençóis. O box
estava diretamente no chão e não precisei olhar por debaixo da cama.
Desisti da minha busca pela bolsa e, em vez disso, comecei a procurar por um
telefone, no quarto. No entanto, antes que eu pudesse iniciar minha primeira
busca, ouvi a maçaneta da porta do banheiro girar e respirei fundo.
Era isso.
Esta seria a minha segunda caminhada da vergonha, em duas semanas. Eu só
esperava que quem quer que estivesse do outro lado da porta, não insistisse em
um café da manhã com contato visual. A pior parte não foi apenas o fato de que
a noite tinha sido resultado de minha estupidez — e talvez uma infinidade de
doenças venéreas incuráveis —, ou meu constrangimento imediato com a
situação, mas sim que Jon e Elizabeth estavam certos: eu precisava de proteção.
Eu tinha tendências reclusas por um motivo: não podia confiar em viver no
mundo e tomar decisões, sozinha.
Engoli de novo. Pousei a mão no estômago e me virei para encarar a porta.
Quando ele emergiu, pensei que estava alucinando ou, no mínimo, ainda
desmaiada da minha noite de bebedeira desordenada. Eu tive que piscar várias
vezes para entender, e várias vezes mais para aceitar que o Sr. Calças Quente
estava parado na porta, vestido apenas com uma toalha branca enrolada em volta
da cintura, como se não importasse se ela continuasse no lugar ou caísse no
chão.
Eu voto no chão!
Mesmo com a dor persistente da minha ressaca, não pude deixar de olhar para
a perfeição dele, de seu peito nu, braços e barriga. Cada parte dele parecia
Photoshopada.
Por fim, depois do que pareceu uma hora mas que realmente poderia ter sido
quatro segundos, percebi que estava olhando para o rosto dele e o encarei. Ele
não estava sorrindo. Na verdade, a expressão dele não era fria, nem quente, nem
repugnada ou satisfeita, mas completamente ilegível. Ficamos de pé, olhando um
para o outro. Eu, com uma mistura não ardente de luxúria, mortificação e
completo espanto, e ele com uma máscara de mármore, calma. Este impasse
durou por um tempo indeterminável.
Ele foi o primeiro a desviar o olhar, passando seus olhos pela minha forma,
agora vestida. Tremi involuntariamente.
Finalmente ele tirou sua atenção de mim e andou para dentro da sala,
passando pela estante de livros.
— Acredito que você esteja procurando por isso.
Observei como os músculos de suas costas se moviam, ainda muda com sua
aparição repentina. Facilmente alcançou o topo da estante e pegou minha bolsa.
Seus pés descalços quase não fizeram barulho quando ele foi para onde eu estava
e me entregou. Peguei a bolsa e a enfiei debaixo do braço.
— Obrigada. — Minha voz estava surpreendentemente calma, dado o fato de
que meu cérebro, coração, pulmões, estômago e partes íntimas estavam todos se
alvoroçando. Eu estava determinada a não ficar instável. Não ia ser afetada por
ele.
— De nada — ele respondeu. Seus olhos deslizando pelo meu rosto. Sem
aviso, descaradamente estendeu a mão, puxou uma mecha grossa e fofa do meu
emaranhado de cabelos sujos e enrolou-a em torno de seu dedo indicador. —
Você tem muito cabelo.
Ignorando um enxame de borboletas no meu estômago, assenti e pigarrei.
— Sim, tenho. — Antes que eu pudesse me conter, continuei. — O cabelo é
uma das características que definem os mamíferos.
Rapidamente mordi meu lábio, para não contar a ele que havia apenas quatro
espécies de mamíferos ainda vivos que pusessem ovos. Entre eles, o ornitorrinco
e o tamanduá espinhoso (equidna) pouco divulgado. Todo mundo sempre se
esquece do tamanduá espinhoso (equidna).
Ele soltou a mecha de cabelo e cruzou os braços sobre o peito.
— Quais são as outras características dos mamíferos?
O observei atentamente por um minuto, prestes a lhe contar sobre as glândulas
sudoríparas e os ossos do ouvido, mas então, um lampejo de memória da noite
anterior penetrou em minha consciência. De repente, senti que ele estava tirando
sarro de mim. Lembrei-me do absurdo da minha resposta a ele. Lembrei-me da
maneira como meu cérebro e meu corpo estavam em completo conflito.
Lembrei-me de suas palavras pouco antes da primeira vez que saí do clube —
que lá não era lugar para alguém como eu —. Estava determinada a permanecer
no controle, objetiva, invulnerável à sua perfeição física e aos seus olhos azuis
cintilantes.
Me concentrei em sua provocação e não gostei, especialmente, de ser
provocada quando não podia ter certeza de suas intenções e dei de ombros.
— Não sei.
Seus olhos se estreitaram pelo mais breve dos momentos enquanto ele me
estudava, sua boca se curvou em uma carranca. Ele parecia descontente. Então
disse:
— O que você lembra sobre a noite passada?
Levantei meu queixo, rangendo meus dentes.
— Eu lembro de você me fazer sair do clube.
— Você se lembra de alguma coisa depois disso? — Seu tom estava
ponderado.
Minha atenção se desviou para a esquerda e pisquei, tentando descobrir
precisamente o que acontecera na noite anterior. Estava tão preocupada com a
minha ressaca e com a minha fuga, que não parei para pensar em como eu tinha
acabado no apartamento dele, na cama dele e de calcinha. Eu estava falando
enquanto pensava e, antes de perceber, falei:
— Não muito. Você estava lá e me lembro de sair do clube.
— Em que momento? — ele interpôs.
— Com Elizabeth. Saí com Elizabeth e ela me colocou em um táxi. Pedi ao
motorista para me levar de volta. Quando voltei, o homem de óculos escuros
acenou para mim, então eu... — meus olhos desfocaram, enquanto eu tentava
resgatar as lembranças. — Quando entrei, esbarrei em um homem e ele disse que
estava procurando por mim. Ele... — limpei minha garganta e apertei os olhos.
Tinha certeza de que era alguém que eu conhecia, um homem que reconheci,
mas não conseguia lembrar o rosto dele. — Acho que alguém me levou até umas
escadas. Na verdade, parecia uma árvore, no início. Uma casa na árvore, mas era
uma sala.
— O Camarote — a voz de Quinn era normal, mas uma nitidez velada em seu
tom, trouxe minha atenção de volta para ele.
Ele colocou suas mãos nos quadris, seus olhos azuis escuros com algum
pensamento ilegível.
— O que mais você lembra?
Estudei ele e aos meus próprios pensamentos por um momento, antes de
continuar.
— Não de muito — molhei meus lábios.
Era verdade. Eu não me lembrava de muita coisa. Lembrei de me oferecerem
algo e, quando bebi um gole, queimou. Não consegui distinguir o tamanho ou a
forma da sala, nem nenhuma de suas características físicas, de forma concreta.
Sabia que várias pessoas estavam presentes, porque me lembrava de ouvi-las
rindo, mas não conseguia lembrar como elas eram. Foi como se eu tivesse
entrado no quarto da casa na árvore e fosse engolida por uma névoa negra.
Um pensamento repentino me ocorreu e eu rapidamente passei meus braços
em volta do meu corpo.
— Isso acontece muito? Depois de beber?
— O que? Perder a memória? — ele perguntou.
— Sim — balancei a cabeça.
— Não, não depois de beber. Quando te encontrei no camarote, não muito
depois de pensar que você já tinha saído, você ainda estava acordada, mas não
estava falando nada com sentido, então te carreguei para fora.
— Espere, você me carregou? — meu corpo respondeu estranhamente a essa
informação.
Ele assentiu.
— Sim, um dos nossos... — ele parecia buscar as palavras certas. — Um dos
clientes do clube estava dançando com você, mas você não estava exatamente
cooperando, e sim, criticando seus movimentos. Acho que alguém deve ter lhe
dado alguma coisa — ele me examinou como se estivesse estudando
cuidadosamente minha reação, ou se preparando para um surto.
— Você quer dizer que alguém me deu bendothi... bethnzodiath...
benzodiazepid... — bufei. Cerrei os dentes, respirei fundo e falei a palavra
lentamente. — “Ben-zo-di-a-ze-pi-nas?”
— Sim, acho que alguém colocou benzodiazepinas no que você bebeu, no
Camarote.
— Ai — torci minha boca para o lado e pensei em alguém me dando uma
droga que servia para estupro. Parecia absurdo, mas não era impossível,
especialmente considerando a minha falta de memória. Senti que seria melhor ter
certeza. — Tem alguma farmácia nas proximidades?
Quinn acenou com a cabeça.
— Acredito que você pode tomar uma aspirina. Tem no banheiro.
— Obrigada, mas eu estava pensando em fazer um teste. Você sabia que as
farmácias os vendem, para detectar se você tem benzodiazepínicos no seu
organismo? — ele ergueu as sobrancelhas no que eu interpretei como confusão,
então senti a necessidade de esclarecer. — É um teste de urina, não uma punção
venosa.
Ele franziu a testa profundamente, seu tom incrédulo.
— Como você sabe disso? Isso já aconteceu com você antes?
— Não, não, eu nunca perdi minha memória e eu não sou muito de festa,
clube, bar... essas coisas. Uma vez minha irmã batizou meu suco de laranja antes
do vestibular, mas aquilo era apenas vodca. Outra vez que me embebedei,
também foi um acidente.
— A outra vez? Você já ficou bêbada duas vezes? — sua cara suavizou e ele
piscou para mim.
Notei novamente que seus olhos eram muito azuis e seu peito estava muito nu.
Não respondi imediatamente, pois não tinha certeza do que dizer,
especialmente porque eu estava me sentindo desconfortável sob a pressão de seu
peito nu. Por fim, encolhi os ombros usando uma tática que a Sandra me ensinou
— a psiquiatra residente do meu grupo de tricô — e respondi sua pergunta com
uma pergunta:
— Quantas vezes você ficou bêbado?
Ele deu um sorriso fraco.
— Mais de duas — seu olhar era indecifrável. Me perguntei como ele poderia
estar tão confortável não usando nada além de uma toalha, na frente de uma
completa estranha. — Você se lembra de como chegou aqui? — Quinn inclinou
a cabeça para o lado. O movimento me lembrou da nossa conversa no bar e do
jeito que ele inclinou a cabeça ontem à noite.
Busquei na minha memória. Minha cabeça começando a doer com o esforço,
antes de eu lentamente balançar a cabeça.
— Não, eu não me lembro de chegar aqui ou — eu disse e depois engoli antes
de continuar — ou qualquer outra coisa.
Ele se aproximou de mim e falou com a voz baixa:
— Nada aconteceu — meus olhos se arregalaram, não entendendo
imediatamente o que aquilo significava. — Não aconteceu nada ontem à noite.
Pisquei. Abri minha boca para falar e então a fechei novamente.
Nada aconteceu.
Meus olhos se moveram para o queixo e depois baixaram para o peito dele.
Nada aconteceu.
Claro, nada aconteceu.
Molhei meus lábios involuntariamente e balancei a cabeça.
— Eu sei. — Minha voz soou como um grasnido.
— Sério? — Ele perguntou.
Assenti novamente. Meu coração deu um doloroso aperto no meu peito e eu
me remexi. Não pude olhar em seus olhos. Não conseguia entender minha reação
à declaração dele. “Nada aconteceu”. Por que me senti subitamente desapontada,
quando deveria ter sentido apenas alívio? Não me entendi. Eu deveria saber que
nada havia acontecido entre nós, assim que o vi saindo da porta do banheiro. Por
que me senti surpresa?
Claro, nada aconteceu. Claro, ele não estaria interessado em mim. Claro, ele
está a cinquenta mil quilômetros da minha realidade.
— Como você sabe? — respondeu, soando defensivo.
Dei um passo para trás e tentei passar a mão pelo meu cabelo, mas meus
dedos encontraram emaranhados teimosos, de novo.
— Eu entendi, ok? Preciso sair daqui. Que horas são? — Me virei e comecei a
caminhar em direção ao sofá, procurando pela porta da frente.
— Não parece que acredita em mim. Este é o apartamento da minha irmã. Eu
juro, não aconteceu nada entre nós. — Ouvi a voz dele logo atrás de mim e
soube que ele estava me seguindo.
Me virei para encará-lo, não encontrando o seu olhar.
— Não, eu realmente acredito em você. Eu sei com toda certeza que nada
aconteceu — acrescentei recuperando o fôlego. — Claro que nada aconteceu.
Parecia que ele não tinha ouvido a última parte. Quinn parou na minha frente
novamente, estando a pelo menos alguns metros de distância desta vez.
— Bom — ele balançou a cabeça e segurou a toalha na cintura. — Vamos
tomar um café da manhã.
— Você quer ir tomar café da manhã? — não pude esconder a surpresa do
meu tom, quando finalmente encontrei seus olhos. Ele assentiu novamente e
gaguejei. — Como - assim?
Ele deu um sorriso cínico.
— Não, obviamente eu vou vestir uma roupa.
— Mas... — eu pisquei novamente, confusa. Precisava parar de piscar tanto.
— Mas por que?
Ele deu de ombros e, antes de voltar para o banheiro, disse:
— Estou com fome. Você precisa de ovos e bacon para essa ressaca, e espero
que você me conte mais sobre as características que definem os mamíferos.
Tenho certeza que você sabe mais do que deixa transparecer.
Capítulo 6
O Pancake House Giavanni era um restaurante extremamente pequeno, ao ar
livre, sem mesas. Uma bancada salpicada de cinza, em forma de L, na altura da
cintura, percorria toda a extensão do estabelecimento, e banquetas curtas e
circulares, estofadas com vinil vermelho, estavam presas no chão de madeira ao
longo da borda do balcão.
O lugar estava lotado.
A fila se estendia pelo quarteirão, virava a esquina e se perdia de vista. As
pessoas estavam, pacientemente, bebendo café do Dunkin ‘Donuts e lendo o
jornal enquanto esperavam por um lugar para tomar café da manhã. Ao invés de
ir para o final da fila, Quinn caminhou até duas banquetas visivelmente vazias,
na extremidade mais distante do balcão, puxou uma placa de RESERVADA do
topo de cada assento e fez sinal para eu sentar no banquinho ao lado da parede.
Antes de responder, perguntei:
— Você ligou e fez reservas?
Ele balançou a cabeça negativamente.
— Venha. Sente-se — disse ele, colocando a mão no meu braço acima do
cotovelo e me puxou para o assento de vinil vermelho. — Eu quero saber mais
sobre os mamíferos. — Sua boca torcida para um lado, em um sorriso mal
escondido.
Obedeci, franzindo a testa para ele e sua provocação.
Antes de sairmos do apartamento, no entanto, depois que Quinn terminou de
se vestir, sugeriu que eu olhasse nas roupas de sua irmã, caso eu quisesse usar
alguma coisa no café da manhã além do meu minúsculo vestido preto. Todas as
suas coisas estavam localizadas em uma sala próxima ao banheiro. Uma sala que
se parecia muito mais como um enorme closet. Tive que passar pelo banheiro
para chegar ao armário. Não me senti confortável em fuçar as coisas de outra
pessoa e peguei a primeira roupa casual que vi — uma saia azul, na altura do
joelho e uma camiseta preta com gola V — .
Seus pés eram um tamanho menor, ou seja, usei meu salto estampado de
zebra, no café da manhã. Felizmente a saia serviu perfeitamente. A camisa, no
entanto, estava confortável no meu peito. O sutiã sem alças que eu usava era
surpreendentemente favorável, mas também era push-up (sutiã que levanta e
deixa os seios menores). Portanto, em conjunto com meu decote em “V” —
normalmente meus decotes são discretos — ficaram audaciosos, visivelmente
amplos. Pensei em remover o sutiã push-up sem alças, mas eu nunca fui uma
daquelas garotas que ficam confortáveis sem sutiã. Sou muito agitada e me
movimento bastante.
Lavei o rosto e usei o dedo para escovar os dentes, depois parei para me olhar
no espelho. Minha cor, do norte da Europa, era especialmente pastel sob a luz
brilhante e fluorescente do banheiro. Pele pálida e queimada ao invéz de
bronzeada, um punhado de sardas, e cabelos, sobrancelhas e cílios ruivos.
Me senti ligeiramente melhor depois dos pequenos ajustes, mas meu cabelo,
no entanto, foi um desastre completo. Pensei em perguntar a Quinn se sua irmã
tinha laços de cabelo, presilhas, cordas ou qualquer coisa que eu pudesse usar
para domar a fera. No final, apenas usei a bagunça de nós, soltos nas minhas
costas, nos meus ombros e, às vezes, na minha cara. Percebi que, na pior das
hipoteses, poderia usá-lo para cobrir meus grandes seios.
Enquanto caminhávamos para o café da manhã, Quinn afastou uma mecha de
cabelos das minhas bochechas quando se tornou muito indisciplinada, o que,
involuntariamente, fazia minha pele queimar e passar de pastel pálido à
escarlate, e eu perdia todos os pensamentos ou foco. Aproveitei a brecha e falei
sobre o conceito de segundos-bissextos, nanotecnologia e o inevitável elevador
espacial que permitiria que a lua competisse com a Disney World, no quesito
turístico.
Quinn não falava muito, mas parecia ouvir com interesse enquanto eu
expunha esses vários tópicos. Ele fazia perguntas periodicamente. O elevador
espacial da lua, em particular, desencadeou uma avalanche de perguntas. Quando
não tinha todas as respostas, prometi enviar-lhe um link para a página do projeto
da NASA.
E agora aqui estávamos nós, sentados em silêncio, no balcão. Eu estava presa
entre ele e a parede, e olhei para o cardápio sem vê-lo. Talvez tenha sido o fato
de eu ter ficado em silêncio pela primeira vez desde que saí do apartamento, mas
me vi tentando ignorar a súbita, desconfortável, mas existente autoconsciência
que, como alternativa, me dava arrepios e fazia meu pescoço ficar quente.
Sua coxa encostou na minha e seu cotovelo roçou o meu de leve. Me inclinei
contra a parede para ganhar a maior distância possível, mas não consegui evitar
os pequenos toques no espaço apertado. Olhei para ele pelo canto dos meus
olhos. Ele parecia completamente à vontade, estudando seu cardápio, indiferente
à tortura gentil que sua proximidade descuidada me causava. Eu estava tão
absorta em meu desconforto, que quando a garçonete falou comigo, levei um
susto.
— E aí, Quinn. Cadê a Shelly? Quem é sua amiga? — uma mulher baixa, de
cabelos escuros, na casa dos cinquenta ou sessenta e poucos anos, me deu um
sorriso breve e amigável, enquanto colocava duas canecas de café na nossa
frente. Ela tinha o inconfundível pigarro de um fumante e, combinada com seu
forte sotaque do meio-oeste, soava como Mike Ditka.
— Shelly saiu cedo esta manhã e não pôde vir. Esta é Janie. Janie, esta é Viki.
Estupidamente estendi minha mão sobre o balcão e tentei parecer e soar mais
composta do que me sentia.
— Muito prazer, Viki.
Ela levantou as mãos.
— Oh, baby, minhas mãos estão cobertas de gordura. Você não vai querer
apertar, a menos que queira lavar as mãos com aguarrás. — Uma risada profunda
e rouca escapou de seus lábios quando ela tirou um bloco de notas e uma caneta.
— Mas com certeza é um prazer te conhecer. Você é amiga da Shelly?
Antes que eu pudesse responder que não conhecia Shelly, Quinn me
interrompeu.
— Ela está aqui comigo.
Viki levantou a sobrancelha — era realmente uma sobrancelha única — no
que imaginei ser surpresa, e sua boca formou um pequeno “O”. Senti seus olhos
se moverem sobre mim com renovado interesse, o que me fez corar ... de novo.
Segurei o cardápio com mais força e tentei engolir, mas essa simples ação foi
difícil.
— Isso é... — Viki piscou. Seus grandes olhos castanhos continuaram a me
examinar, e sua boca se moveu, mas ela parecia procurar por palavras.
Finalmente murmurou — Bem, isso é uma surpresa.
Minhas bochechas queimaram. Eu podia ouvir meu coração tamborilar e o
sangue correr entre as minhas orelhas. Sabia que essa Viki não queria ser
indelicada. Ela parecia sinceramente perplexa, e, se eu estivesse lendo seu
comportamento desajeitado corretamente, ela estava obviamente chocada com a
possibilidade de que Quinn e eu pudéssemos estar lá como um casal. Senti a
necessidade de me distanciar da ideia e ter certeza de que ela acreditava que isso
também estava além do ridículo para mim.
Preciso ter certeza de que ela sabe que eu sei que ele sabe que não está
interessado. Estava começando a me confundir.
Antes de perceber que estava falando, a diarreia verbal se espalhou.
— Ai, não estamos juntos. Quer dizer, estamos sentados juntos e viemos para
cá juntos, mas, obviamente, não estamos juntos. Como poderíamos estar juntos?
Eu provavelmente nunca mais vou vê-lo depois de hoje. Nós nem somos amigos.
Eu nem conheço ele. Quero dizer, você sabe, não realmente — inclinei minha
cabeça em direção a ela e uma pequena risada explodiu dos meus lábios. — Você
consegue imaginar? Seria como Planeta dos Macacos. Ele é Charlton Heston
com todos os músculos e tal, e eu sou aquela garota macaca. Eles nunca
poderiam estar juntos, porque seria como uma Neandertal com uma reprodução
humana e interespécies ... e isso não está certo. Embora os Neandertais estejam
intimamente relacionados com os humanos e são de fato parte da mesma
espécie. Se você quer precisão, eles são uma subespécie ou uma espécie
alternativa de humanos.
Olhei para ele e sorri sem mostrar os dentes. Eu esperava categoricamente que
isso transmitisse confiança e ambivalência à óbvia diferença em nossa
compatibilidade. Seus olhos, no entanto, se estreitaram enquanto me
observavam. Me perguntei se ele achava minha analogia imperfeita. Talvez ele
não tenha gostado de Charlton Heston por causa de seu envolvimento com a
NRA (National Rifle Assossiation).
Por outro lado, Quinn parecia o tipo que gostava de armas.
Limpei minha garganta e continuei:
— E por que Charlton Heston gostaria de estar com o macaco? Ninguém
gostaria, mesmo que ela tenha esse enorme… enorme… cérebro.
Viki piscou para mim e olhou para Quinn.
— Onde você onheceu essa daí?
Antes que Quinn pudesse falar, senti-me compelida a responder, na esperança
de compensar minha gafe.
— Eu o conheci na semana passada, e antes disso eu o vi algumas vezes no
meu prédio, onde ele trabalha como segurança. Eu era contadora antes de ser
demitida.
A “monocelha” de Viki se enrugou sobre o nariz até chegar a um ponto.
— Um segurança?
Eu engoli em seco e dei um sorriso apertado quando eu peguei meu café,
querendo mudar o assunto.
— Eu amo café. O Brasil é hoje o líder mundial na produção de café verde,
mas na África Oriental e no Iêmen, o café era usado em cerimônias religiosas
nativas que competiam com a Igreja Cristã. Por causa disso, a Igreja Etíope
proibiu o consumo secular de café por muitos anos — levei a caneca aos lábios e
bebi a bebida preta e amarga, principalmente para me impedir de falar. O café
queimou minha língua, mas ignorei. — Mmm, café.
Os olhos de Viki se moveram entre Quinn e eu, sua monocelha ainda suspensa
no rosto.
— C-e-r-t-o — ela finalmente disse, formando a palavra.
Ouvi Quinn limpar a garganta e fez o nosso pedido.
— Ela vai querer ovos na chapa, bacon, salsicha, batatas fritas e torradas com
manteiga extra. Eu vou querer o habitual.
Como ele pediu, ele puxou meu cardápio e o entregou para Viki junto com o
dele, e eu notei que sua voz soava diferente, distante. Viki nos deu um pequeno
sorriso zombeteiro, e então saiu.
Tomei mais do meu café preto e olhei novamente para Quinn. Ele não estava
olhando para mim. Sua boca era uma linha reta precisa, e sua têmpora marcava
enquanto ele flexionava sua mandíbula. Eu não consegui ler seus esculpidos
traços. Tive um pressentimento de que o envergonhei ou disse algo inapropriado.
Este não era um sentimento novo para mim, de lamentar minhas palavras, mas,
desta vez, senti remorso por ele.
Baixei o copo e suspirei.
— Sinto muito — tentei passar os dedos pelo meu cabelo, mas novamente
abandonei o esforço quando encontrei nós indisciplinados. — Tenho o péssimo
hábito de dizer o que estou pensando e...
Ele levantou a mão e balançou a cabeça.
— Não, não precisa se desculpar — me deu um sorriso apertado que não
chegou perto de seus olhos. — Você estava apenas sendo... honesta. Não é a
primeira vez que sou chamado de Neandertal.
— Você não é um Neanderthal — fiz uma careta para ele. — Você é muito
alto para isso. E eu estava “me” comparando a um Neandertal, devido as minhas
características físicas. Você sabe, o tamanho da minha cabeça, por exemplo.
— Então, você está dizendo que sua cabeça é maior que a minha?
— Sim. Não. O que eu quero dizer, é que eles têm a cabeça grande e estranha,
ou acredita-se que tiveram cabeças desajeitadas, que eram grandes demais para o
corpo. Então, há também o cabelo.
— Cabelo?
— Sim, cabelo. Acredita-se que cabelos ruivos... — fiz um gesto para meus
cachos malucos. — ... vem da cruzação dos Neandertais com os primeiros
humanos.
— Então os Neandertais e os humanos procriaram?
— Sim. As fêmeas e os Neandertais podem ter se desenvolvido com sucesso,
o que, se você pensar bem, não é tão absurdo, porque homens de cabeça grande e
mulheres de cabeça pequena — com cabeça normal — se reproduzem com
bastante frequência hoje em dia. Mas, atualmente, os cientistas acreditam que os
humanos do sexo masculino que se acasalaram com os Neandertais femininos,
criaram descendentes estéreis. Eles acreditam nisso, porque há uma falta de
DNA mitocondrial Neandertal presente nos humanos modernos. Então, se
refletir sobre isso, concluirá que se fêmeas desajeitadas acasalarem com machos
lindos de cabeças normais, será uma má ideia.
Ele piscou para mim uma vez, franziu a testa, depois voltou sua atenção para o
café. Um silêncio insuportável se fez presente, o que parecia um espesso manto
de nevoa à nossa volta. Percebi que ele estava se arrependendo de sua decisão de
me convidar para o café da manhã. Pensei em me comparar a um burro e ele a
um cavalo, mas mordi o lábio para não falar.
Notei que suas bochechas, pescoço e a ponte do nariz, estavam tingidos com
um leve tom de rosa, provavelmente devido ao aborrecimento com minha
conversa desajeitada. Procurei no meu cérebro por qualquer coisa que pudesse
distraí-lo. Um pensamento repentino me ocorreu e, por falta de uma estratégia
melhor, decidi recorrer a um truque de salão, que geralmente surpreendia as
pessoas, ou as agradava. Seria também uma excelente demonstração da minha
esquisitice, mas eu realmente não tinha nada a perder.
Molhei meus lábios antes de falar.
— Então, uh, quer ver um truque?
Ele encolheu os ombros, seu tom sem entusiasmo.
— Claro.
Me virei no lugar para encará-lo, colocando meu cotovelo e braço no balcão.
— Diga quaisquer dois números e eu dou o seu valor em adição, subtração,
multiplicação e divisão.
Ele se virou para mim e encontrou meu olhar, incrédulo.
— O que? Fará isso no seu cérebro gigante?
Notei que ele parecia mais interessado do que sarcástico, o que eu senti que
foi uma melhora, mas optei por ignorar seu comentário sobre o cérebro gigante.
— Sim, no meu cérebro. Não há papel.
Sua boca entortou só um pouco, de lado.
— Quaisquer dois números?
Eu balancei a cabeça uma vez.
— Me teste.
Ele virou seu corpo para mim completamente, e eu tentei ignorar como suas
pernas esbarraram em mim, o que fez que um de seus joelhos se ajustasse entre
os meus enquanto nos encarávamos.
— Hmmm... — seu olhar se estreitou, especulativamente. — Ok, quatrocentos
e setecentos.
Enruguei meu nariz.
— Aqui está: adição, 1100; subtração, menos 300; multiplicação, 280.000;
divisão, 57 yada yada yada. Ok, me dê uma difícil, agora.
Ele piscou para mim, sua boca ligeiramente aberta. Deu um pequeno sorriso,
embora real, e esfregou as mãos em suas coxas.
— Bem, um difícil então: vinte e um, e cinco mil e cento e vinte e quatro.
Soltei um suspiro de alívio. O clima pesado que causei anteriormente, havia,
aparentemente, sido esquecido.
— Ok, na mesma ordem de antes, as respostas são: 5145, 5103, 107,604 e
0,004 yada yada yada. Isso não foi difícil, também.
Ele meio que riu, meio que suspirou.
— Como você faz isso?
Dei de ombros.
— Sei lá. Sempre fui capaz de fazer isso. É útil às quintas-feiras.
— O que acontece às quintas-feiras?
— Sou professora de matemática e ciências no Kids ‘Club as quintas-feiras à
tarde. Às vezes, se eu não consigo focar, distraio-os com minha “excentricidade”
— usei aspas no ar para a palavra “excentricidade” e, em seguida, franzi as
sobrancelhas para mim mesma, por fazer isso. Odiava quando as pessoas usavam
aspas aéreas. Era como quando alguém diz “nós” em vez de “eu”. Como em:
“Nós” ficamos muito felizes... “nós” acabamos de lavar as roupas... “nós” temos
candidíase.
— Por que eles te demitiram? Parece que você era uma contadora incrível.
— Também não sei. Minha amiga Kat ainda trabalha lá. Ela tentou descobrir,
mas não conseguiu por algum motivo.
Ele tomou um gole de café e disse:
— Alguém mais foi dispensado?
— Não, fui a única, mas você tem que admitir que sou bem estranha. Talvez
eles estivessem apenas procurando uma desculpa para se livrar de mim. Eu tenho
uma tendência a deixar as pessoas desconfortáveis com você sabe, a infinidade
de fatos triviais — estava prestes a expor novamente a “esquisitice”, mas reprimi
com sucesso o desejo de fazê-lo.
— Hmm — seus olhos azuis claros se estreitaram, enquanto me observavam.
— Você está... — ele baixou sua xícara e se inclinou um pouco mais perto. —
Você tem memória fotográfica?
Ri, apesar de tudo. Principalmente do nervosismo causado pela proximidade
dele.
— Não. Deus, não. Eu poderia esquecer meu nome, se não estivesse na minha
carteira de motorista — fiz uma careta para a confusão do que eu disse. — Na
verdade, não tenho carteira de motorista desde que me mudei para a cidade, mas
meu nome está no cartão de crédito e no meu R.G., então isso ajuda.
Ele continuou a me examinar por um longo minuto, e, então, perguntou:
— Você já conseguiu outro emprego?
Balancei a cabeça e mordi meus lábios. Apesar de ter sido apenas uma semana
e meia, e eu merecia um descanso, fiquei ansiosa por estar sem trabalho.
Ele pegou o café e me observou através da borda da xícara, como se estivesse
considerando alguma coisa, ou mais especificamente, me considerando alguma
coisa. Quando ele colocou a xícara no balcão, enfiou a mão no bolso, tirou um
cartão de visitas e uma caneta.
— Acho que posso te ajudar. — Ele escreveu um nome e um número no verso
do cartão de visitas.
— Que? Você acha que eu deveria entrar para o setor de segurança? Eu sou
muito alta para uma garota e posso ser feroz quando preciso.
Ele inclinou a cabeça para o lado em um gesto que eu estava me acostumando,
e me entregou o cartão.
— Eu não duvido, mas minha empresa sempre precisa de alguém bom no
escritório — fechou a caneta e colocou-a no balcão. — Anotei o nome e o
número do nosso diretor de operações comerciais. Ligue para ele e envie seu
currículo. Posso fazer a entrevista, caso queira, mas terá que conseguir o
emprego sozinha.
Viki retornou com nossa comida, enquanto eu estudava o cartão virando-o
entre meus dedos e li a frente: “Quinn Sullivan. Cypher Systems, Inc.”
Sob o seu nome, estava seu número de telefone e endereço de e-mail
comercial. Virei o cartão e olhei para a caligrafia dele em vez do nome e número
que ele havia escrito. Suas letras eram todas maiúsculas, severas e precisas.
Colocou pequenos traços nos setes, mas não nos zeros. Suas palavras estavam
escritas em linha reta, ao invés de subirem ou descerem na ausência de papel
pautado.
Gostei de sua caligrafia. Imaginei ler uma carta escrita por ele e até pensei
sobre ele me escrever. Sobre ter tempo para pensar em mim o suficiente para
querer sentar e escrever algo para mim. Isso fez um vulcão de calor irromper no
meu estômago.
Quando olhei para cima, ele estava franzindo a testa para mim, com seu olhar
comedido.
— É claro que não precisa se candidatar, caso não lhe interesse.
Coloquei minha mão em seu braço, sem pensar.
— Ai, não. Eu irei me candidatar, sim. Obrigada. Obrigada por pensar em
mim.
Seus olhos se moveram para os meus dedos. Puxei minha mão rapidamente e
tentei enfiar meu cabelo atrás das orelhas, enquanto me virava para o prato de
comida gordurosa deixada por Viki. Olhei para o prato por um momento antes de
falar.
— Eu sou muito grata por tudo que você fez por mim ontem à noite e esta
manhã, e agora isso — fiz um gesto para o cartão no balcão. Encontrei e mentive
meu olhar no seu, quando acrescentei com um sorriso grato — Você é um cara
muito legal.
Sua carranca se aprofundou, como se eu tivesse acabado de insultá-lo. Sua
atenção percorreu meu rosto, cabelo e pescoço. Suspirou e olhou para cima em
um quase disfarçado revirar de olhos.
Resmungou duramente:
— Eu não sou tão legal.

Apesar de mais um momento extremamente estranho, quando Quinn queria


me dar uma carona em sua motocicleta e eu me assustei um pouco, recusei
teimosamente, e insisti em pegar um táxi, o resto da nossa manhã juntos foi
realmente muito legal. Mais precisamente, foi tão bom quanto poderia ser,
considerando que passei a maior parte do tempo distraída, tentando pensar em
uma maneira de deixá-lo sem camisa novamente. Durante um momento de
fraqueza, pensei em jogar meu café nele.
Mais tarde, naquela noite, enquanto eu estava deitada no sofá do apartamento
de Elizabeth tentando me concentrar em ler meu livro —e falhar miseravelmente
—, pensei em meu debate com Quinn sobre a motocicleta. Se ele oferecesse para
me levar para casa em um carro, eu provavelmente diria que sim.
Entretanto, ele tinha uma motocicleta.
Nunca fui de moto e desde que minha mãe morreu em uma, nunca mais tive
absolutamente nenhum desejo em andar de moto. Obviamente, não contei isso a
ele. Não gosto de pensar e muito menos falar sobre a morte da minha mãe. Eu
duvidava que Quinn, que provavelmente já pensava que eu era uma maluca
completa, quisesse, de qualquer maneira, ouvir sobre isso.
— Janie? Janie, você está aqui? — ouvi Elizabeth irromper pela porta quando
eu estava me levantando para escovar os dentes, pela décima vez naquele dia, e
ir para a cama. Havia uma inesperada urgência em sua voz, então a encontrei no
corredor.
— Sim, estou aqui. Você está bem?
Quando ela me viu, recuou e fechou os olhos, a mão sobre o peito.
— Ai Deus. Eu vou matar o Jon.
Levantei minhas sobrancelhas, em confusão.
— Jon? Meu Jon? O que aconteceu?
Elizabeth suspirou e deixou a bolsa cair do ombro para o chão.
— Ele me ligou, tipo, mil e quinhentas vezes hoje e me mandou mensagens
também. Disse que vocês dois deveriam se encontrar hoje e você não apareceu.
Demorei cerca de cinco segundos para lembrar do encontro planejado com
Jon que eu, obviamente, havia me esquecido. A visão do peito nu de Quinn, deve
ter apagado minha memória.
— Oh, meu Deus, eu esqueci completamente!
Elizabeth revirou os olhos.
— Você precisa de um celular. Vou bloquear o número dele no meu aparelho.
— Sinto muito, Elizabeth. Lamento que ele tenha te incomodado no trabalho.
— Não se preocupe com isso. Eu estava mais era preocupada com você — ela
riu levemente enquanto tirava os sapatos de trabalho. — Mas você podia mandar
um email ou ligar para ele pelo Skype. Ele disse algo sobre dar queixa do seu
desaparecimento — ela parou para me dar um breve abraço antes de caminhar
para seu quarto. — Estou feliz que você esteja bem.
Balancei a cabeça e virei para o meu laptop. Já eram dez horas da noite. Eu
sabia que ele estaria acordado, mas eu, particularmente, não queria falar com ele,
então optei por enviar um e-mail. Quando abri minha conta, vi que ele já havia
me enviado cinco, com cada mensagem progredindo em nível de ansiedade. O
último foi enviado há menos de meia hora e lia-se:
Você poderia ligar e me dizer se você está bem? Estou ficando louco de
preocupação. Eu amo você, Janie, e só quero saber que você está bem. Entendo
que eu te machuquei e que você está com raiva, mas, por favor, não me castigue
assim. Esta não é você. Se você está tentando me deixar chateado, então você
conseguiu. Se você não quer me ver, apenas diga. Estou com muito medo de que
você esteja em algum lugar, machucada. Se você receber isso e está bem, então
nós realmente precisaremos falar sobre você ter um celular. Por favor me ligue.
Jon
Suspirei e cerrei meus dentes. Fiquei irritada com a sua presunção de que
“precisávamos” falar sobre “você ter” um celular (como se eu não pudesse fazer
isso sozinha, se eu quisesse), bem como com o aperto de culpa que senti quando
digitei minha resposta:
Jon, estou bem. Honestamente, esqueci de te encontrar hoje. Me desculpe, eu
não liguei, mas não há razão para se preocupar. Elizabeth acabou de chegar em
casa e disse que você estava ligando para ela no trabalho. Por favor, não faça
isso de novo. Você sabe que eu geralmente verifico meu e-mail pelo menos uma
vez ao dia, e você também sabe como me sinto sobre os celulares. Não tenho
nenhum problema em te encontrar, não quero te preocupar e não estou punindo
você. Eu realmente quero que sejamos amigos. Me avise se você quiser me
encontrar na semana que vem, em qualquer hora. Até logo, Janie.
Olhei para o meu cursor e reli meu e-mail. Decidi deletar o “Até logo” e
depois enviei. Não queria que ele pensasse que eu estava prometendo falar com
ele em breve. Tirei um momento para examinar a lista de e-mails na minha caixa
de entrada e notei, com um grande grau de frustração, que nenhum deles
continha respostas às centenas de vagas de emprego que eu havia me
candidatado.
Meus pensamentos voltaram para Quinn e lembrei do cartão que ele me deu,
no café da manhã. Alcancei a mesa de centro na minha frente e peguei o cartão,
deixando meu polegar acariciar seu nome, antes de virá-lo para ler as
informações de contato que ele havia escrito no verso. Minha boca se curvou em
um sorriso melancólico, quando meus olhos se encontraram com a imagem da
caligrafia de Quinn. Eu realmente era ridícula.
Cliquei no botão “Escrever” e digitei uma rápida carta de apresentação, me
certificando de anexar meu currículo à mensagem. Como uma reflexão tardia,
decidi enviar uma cópia para Quinn. Queria que ele visse que eu estava
realmente muito interessada no cargo e agradecida por sua recomendação.
Assim que cliquei em “Enviar”, no e-mail, minha conta soou com uma nova
mensagem de Jon. No assunto, ele escreveu:
Eu sinto Muito. Eu te amo.
Suspirei e cruzei meus braços sobre o peito. Balançando a cabeça, fechei meu
laptop sem abrir sua mensagem. Bufei. Eu estava cansada. Queria escovar os
dentes e ir para a cama. Não gostei do quão desconfortável e culpada Jon me fez
sentir, quando eu tinha certeza — bem, quase certa — de que ele era a razão pela
qual nós não estávamos mais juntos.
— Você continua suspirando. Posso te ouvir do meu quarto — Elizabeth deu a
volta no sofá e se sentou ao meu lado, enquanto esticava os braços sobre a
cabeça. — O que aconteceu com Jon?
Dei de ombros e, sem pensar, soltei outro suspiro alto.
— Enviei um email para ele. Eu realmente não quero falar com ele agora.
— Você precisa de um celular.
— Não. Se eu tivesse um celular, teria que falar com ele. Enquanto não tenho
um, prefiro encerrar essa conversa, até que eu esteja pronta para tê-la.
— Muito justo — Elizabeth levantou as mãos, em sinal de rendição. — Eu
não quero falar sobre o velho ‘‘calça molhada’’ de qualquer forma.
Eu ri e revirei os olhos. Elizabeth começou a chamar Jon de calça molhada
quando ele, acidentalmente, sentou em um assento molhado no cinema uma vez,
e passou o filme inteiro com a calça molhada, depois de confirmar que o líquido
era refrigerante.
— Então... — Elizabeth levantou as sobrancelhas, em minha direção. — Eu
tenho algo para você — ela levantou um cartão no ar, aparentemente fino, e
gritou quando o colocou na minha mão. — Veja! É o cartão do Quinn! Ele deu
para mim ontem à noite, antes de sairmos do clube.
Olhei para ele por um minuto, antes de responder.
— Ah. Você vai ligar para ele?
Elizabeth franziu a testa para mim e bateu no meu braço.
— O que? Não! Você saiu do clube tão rápido, que ele me parou e pediu para
dar a você — Ela me cutucou com o ombro. — Ele quer que você ligue para ele.
Ah! Janie e Sr. Calças-quentes, sentados em uma árvore, b-e-i-j-a-n-d-o e t-r-a-
n-...
— Espere! —exclamei, interrompendo-a. — Não, não. Ele te deu o cartão,
porque quer me ajudar a encontrar um emprego. Ele acha que pode haver uma
vaga na empresa de segurança que ele trabalha.
Elizabeth sorriu.
— Sério? Isso é absurdo! Por que você acha isso?
Puxei um cartão idêntico, do lado do meu computador e entreguei a Elizabeth.
— Porque ele me deu um também, escreveu o nome de um gerente de
negócios atrás e disse para me candidatar a uma vaga.
Elizabeth olhou de um cartão para o outro, perplexa, e depois perguntou:
— Espere, quando ele lhe deu isso?
— Hoje de manhã.
— Quando você…? Ok, do começo. O que aconteceu? Quando e onde você
viu Quinn esta manhã?
Disse à ela sobre voltar para o clube na noite passada e tudo o que aconteceu
depois: o apagão, ter acordado no apartamento da irmã de Quinn, sem roupas, o
fato de que ele queria ter certeza que eu sabia que ele não tinha feito nada
comigo, o café da manhã e o cartão de visitas. Elizabeth ouviu, franzindo a testa
em desaprovação e surpresa, mas, principalmente, confusa e não interrompeu,
mesmo quando eu sabia que ela estava ansiosa para chegar à origem do meu
cartão de visita.Ela me contemplou por um momento, depois que terminei.
— Então você pegou o teste para ver se você tinha sido drogada?
Balancei a cabeça.
— Não, eu pretendia, mas eu... — suspirei e deixei minha cabeça cair de volta
no sofá. — Estava tão cansada quando cheguei em casa.
— Oh! Graças a Deus, Quinn encontrou você! — ela apertou minha mão na
dela. — Espere. Aconteceu alguma coisa? Como ele te encontrou? Quando ele te
trouxe para casa? Alguém… você está bem? Você foi a um médico?
— Sim. Quero dizer, não — suspirei novamente. — Sim, eu estou bem. Não
aconteceu nada. Não, eu não fui a um médico. Acho que Quinn me achou antes
que qualquer coisa acontecesse.
— Oh! — ela apertou minha mão com mais força, em seguida, soltou e
esfregou os olhos. — Isso é muito para processar. Estou exausta. Não acredito
que você voltou ao clube. Ele obviamente gosta de você, e ele estava flertando
com você. Por que ele te levaria para a casa da irmã dele? Quem faz isso? E o
que havia com o assento reservado no café da manhã? Essa garçonete realmente
tem uma monoselha? Estou muito feliz por você estar bem.
Eu poderia dizer que ela estava cansada, porque seus pensamentos, geralmente
bem ordenados, estavam saltando de sua boca, aleatoriamente. Sorri para ela.
— Você precisa dormir, podemos conversar sobre isso de manhã — a puxei
para cima e ela me deu outro abraço.
— Estou feliz que você esteja bem. Jon realmente me assustou — ela me
soltou do abraço e segurou meus ombros, enquanto me prendia com seus pálidos
olhos azuis. — Se algo acontecesse com você, quem iria me ajudar a terminar o
jarro nas segundas-feiras do Mojito? Quem seria minha parceira no Trivial
Pursuit? Quem limparia meu banheiro?
Nós duas rimos quando eu a empurrei para o quarto dela.
— Você fez muito bem em limpar seu banheiro antes de eu me mudar.
— Não, eu não fiz. Limpei o banheiro vários meses antes de você se mudar.
Eu disse a todos que era o meu laboratório molhado de bactérias — Elizabeth
bocejou. — Boa noite, Janie. Eu te amo.
— Boa noite, Elizabeth. Também te amo.
Capítulo 7
Bing, bang, boom — consegui um emprego.
Para minha surpresa e, francamente, descrença total, recebi um e-mail de
Carlos Davies, Diretor de Operações Comerciais da Cypher Systems, no
domingo de manhã, seguido por uma série de eventos: Carlos respondeu à minha
mensagem e solicitou que sua secretária, Olivia Merchant, a qual ele incluiu no
e-mail, marcasse uma entrevista para a manhã de segunda-feira. Ela respondeu
na tarde de domingo, solicitando que eu estivesse no escritório às 10h da manhã.
Olivia mandou a localização do escritório por e-mail, um documento
informativo sobre os benefícios da empresa e instruções para minha chegada.
Notei imediatamente que a Cypher Systems estava localizada no Edifício
Fairbanks, o mesmo prédio do meu trabalho anterior. Respondi domingo à noite
confirmando minha presença na segunda-feira, às 10h da manhã.
O pacote de benefícios continha uma oferta de salário para o cargo de
coordenador sênior de projetos fiscais, que eu li três vezes antes de realmente
compreender que o número era real e que eu não estava interpretando mal o
posicionamento do ponto decimal em relação aos zeros. Tentei dar um Google
em Cypher Systems, mas, além de encontrar uma fachada de site com gráficos
muito pesados e um formulário de consulta para clientes em potencial, os
resultados da pesquisa foram inúteis.
A falta de informação disponível me deixou pensativa e despreparada para a
entrevista. Se eles me perguntassem por que eu estava interessada na vaga, não
tinha certeza de como deveria responder essa pergunta de forma honesta. Eu não
sabia nada sobre a empresa, a não ser que eles forneciam segurança para o
Edifício Fairbanks e para o Club Outrageous, e que o cargo, aparentemente,
pagava o dobro do meu salário anual anterior.
Ah, e eles contratavam seguranças supermodelo à la Quinn Sullivan.
A Cypher Systems estava localizada no último andar do Edifício Fairbanks.
As instruções de Olivia indicavam que eu deveria fazer o check-in com um
segurança no nível do lobby e depois um segurança me acompanharia até os
escritórios da Cypher Systems.
Parecia que era preciso muita experiência em acompanhar, para ser um
segurança na Cypher Systems.
O crachá da minha escolta o rotulava como Dan e ele era mais baixo do que
eu, especialmente porque eu usava saltos de seda azul-celeste. Ele parecia ter a
minha idade ou alguns anos mais velho, corpulento, e era de pescoço largo, com
tatuagens rodopiantes, apenas visíveis sob o colarinho azul de seu uniforme. Dan
me deu uma olhada enquanto me levava para um elevador. Quando chegamos,
ele não apertou um botão como normalmente faria, mas colocou a palma da mão
contra uma tela de vidro. A tela se retraiu para revelar um teclado. Dan, então,
digitou uma série de números e esperou.
— Você é muito grande — disse ele.
Eu lhe dei um sorriso superficial.
— Sim. Comi todos os meus vegetais quando criança — essa era a minha
resposta padrão quando alguém comentava sobre meu tamanho.
Por alguma razão, sempre me incomodava quando as pessoas achavam
necessário chamar atenção para a minha altura, como se eu não soubesse da
minha estatura maior que a média. Certa vez, respondi: “Sim, e você é muito
pequeno.” Isso não foi muito legal, embora fosse verdade.
Dan riu da minha resposta pronta e acenou para o elevador. Percebi que nunca
havia reparado nesse elevador antes. Quando entramos, notei ainda que havia
apenas um botão de destino. Dan ficou quieto durante o resto da viagem, embora
seus olhos continuassem a se mover sobre mim em uma avaliação oculta, e o
canto de sua boca se curvou em um sorriso amigável e desequilibrado. Fiquei em
silêncio e tive meio que bocejar para estalar meus ouvidos, enquanto subíamos.
As portas do elevador se abriram para uma impressionante vista da cidade,
que era vista por detrás da mesa da recepção, totalmente envidraçada. A luz
estava quase me cegando. Engoli nervosamente e esfreguei minha mão pelos
quadris, por cima da minha jaqueta bege e da minha saia, quando pisei no
patamar. Minha outra mão agarrou o portfólio do tamanho de uma carta, ao meu
lado, que continha cópias do meu currículo e cartas de recomendação de
professores universitários.
Dan não saiu do elevador, mas falou atrás de mim.
— Keira, na recepção, vai te ajudar.
Virei-me para agradecer-lhe, mas as portas já estavam fechadas. Me endireitei,
fui até a mesa de vidro e parei diante dela. A mulher, que eu presumi ser Keira,
estava no telefone.
Ela ergueu os olhos castanhos para mim, levantou um dedo e disse em seu
fone de ouvido:
— Um momento. Deixe-me rastreá-lo para você.
Pressionou uma série de botões em um telefone, que parecia muito high-tech.
A primeira coisa que notei em Keira, foi que seu cabelo preto estava em um
coque tão apertado que parecia doloroso. Parecia puxar os cantos dos olhos e da
boca, dando a ela a aparência de um gato constantemente sorridente.
Ela me deu um sorriso de Cheshire e disse:
— Posso ajudá-la?
— Uh, sim. Eu tenho hora marcada com o Carlos Davies.
— Hã? Hora marcada? Qual é seu nome?
Engoli novamente; minha boca estava muito seca.
— Sou Janie Morris. Estou aqui para uma entrevista.
Keira voltou sua atenção para um monitor incrivelmente grande em sua mesa
e assentiu.
— Sim aqui está. Hoje é o seu primeiro dia, certo?
Eu abri minha boca e um pequeno grunhido saiu, antes que eu dissesse:
— Não, não. Estou aqui apenas para uma entrevista.
Ela voltou sua atenção para mim, confusa em seus traços angulares.
— Mas o Sr. Sullivan não contratou você?
— Eu não fui contratada. Qui, quero dizer, o Sr. Sullivan recomendou a
entrevista.
Fui interrompida por uma nova voz.
— Ah, você deve ser Janie Morris.
Virei-me para a esquerda e tentei sorrir calorosamente para o homem que se
aproximava, mas fiquei sem palavras por um momento. De saltos, ele era
exatamente da minha altura, e era a definição do que minha amiga Ashley
gostava de chamar de “doce de açúcar mascavo”. Seus olhos escuros, cor de
chocolate, estavam emoldurados por longas pestanas negras, sua pele era de
oliva quente e ele tinha um sorriso tranquilo e leve, cercado por covinhas. Usava
um terno cinza, uma camisa branca e uma gravata prateada.
— Sim, eu sou Janie — meio que resmunguei enquanto estendi minha mão.
Ele colocou minha mão entre as suas e deu um aperto firme e profissional.
— Eu sou Carlos. Estou tão feliz que você possa começar tão rápido. Venha
comigo, vou te acomodar.
— Eu? Começar? — minha voz estava tensa e rouca, então precisei limpar
minha garganta. — Hum, espere. Eu, isto é, fiquei com a impressão de que hoje
seria uma entrevista.
Carlos piscou seus cílios bonitos para mim, seu sorriso minguando, mas não
desaparecendo.
— Ah, entendo — seus olhos se moveram entre os meus, seu olhar ainda
quente. — Certamente, podemos começar com uma entrevista, se assim desejar.
— Ele se virou e fez sinal para eu segui-lo pelo corredor.
Se eu desejar?
Acompanhei seu passo e tentei reprimir uma nova onda de incerteza enquanto
caminhava ao lado dele.
— Tenho cópias extras do meu currículo, se você precisar delas.
Ele riu baixinho.
— Não, não preciso. Nós fizemos uma verificação de antecedentes. Você é
muito qualificada e tem excelentes referências.
Meu rosto se aqueceu com o elogio, mas eu não tinha certeza se merecia. Ele
me conduziu por uma série de escritórios e notei a falta de cubículos. Ele parou
em um dos escritórios e me pediu para esperar um momento. O ouvi pedir para a
pessoa lá de dentro se juntar a nós, e depois continuamos.
O escritório de Carlos era de tamanho moderado, não enorme, mas também
não pequeno, e parecia ser apenas um pouco maior que o resto das salas pelos
quais passamos. Ele fez sinal para eu sentar em uma das duas poltronas de couro
marrom, enquanto ele contornava sua mesa.
— Então, Srta. Morris, por que não começa me contando sobre você? — sua
voz era muito suave, e seus olhos castanhos brilhavam quando ele se recostou na
cadeira.
Eu estava fazendo o meu melhor para dar uma boa impressão, escolhendo
minhas palavras cuidadosamente e tentando ficar no assunto, quando outro
homem entrou. Ele era alto e magro, e seu cabelo loiro estava despenteado,
como se ele tivesse passado a mão nele. Seus olhos cinzentos me olharam por
trás dos óculos pretos de armação de chifres, empoleirados em um nariz que era
um pouco pronunciado demais para seu rosto magro.
Imediatamente olhou para mim e estendeu a mão.
— Oh, graças a Deus você está aqui! Eu sou o Steven. Vamos ser grandes
amigos — ele apertou minha mão, e depois meio que afundou, meio que colou
na poltrona marrom vazia ao lado da minha. — Essas pessoas... Há muito o que
fazer. Passei esta manhã resumindo os projetos para você.
Carlos limpou a garganta e deu a Steven um sorriso amigável.
— Senhora Morris está aqui para uma entrevista. Eu não acredito que ela
tenha aceitado o cargo ainda.
Steven olhou entre Carlos e eu, seu rosto traindo seu horror interior.
— O quê?
Carlos baixou a cabeça.
— Steven! — sua voz estava cheia de aviso.
Steven direcionou toda sua atenção em mim.
— Janie. Posso te chamar de Janie?
Balancei a cabeça, mas ele não esperou que eu assentisse verbalmente antes
de continuar.
— Janie, eu preciso de ajuda. Como Carlos explicou, você é uma pessoa de
números. Tem experiência em gerenciar contas de clientes. Suas referências
dizem que você é uma baita contadora. Não tem antecedentes criminais. Ensina
as crianças uma vez por semana, o que significa que você é boa com bebês
grandes. Você parece uma versão escandinava de Diana Prince.
Tossi com a alusão de que eu era o alter ego da Mulher-Maravilha, mas Steven
continuou.
— E, supondo que consiga juntar três palavras, você será um grande sucesso
com nossos parceiros. Vou ser honesto, Janie, eles não gostam de mim. Não sou
bonito o suficiente para ter a atenção do público. Sou um trabalhador esforçado e
um assistente fiscal, mas deixo os clientes desconfortáveis. Você vai se sair bem.
— Steven, a Srta. Morris estava me contando sobre sua experiência de
trabalho.
Ignorando Carlos, Steven chegou mais perto de mim e chamou minha atenção
para um iPad em seu colo.
— Agora, essas são todas as contas correntes — disse ele, enquanto deslizava
o dedo por uma coluna de códigos numéricos, que indicavam nomes de contas.
Notei que as colunas não tinham títulos no cabeçalho. — E estas são as
condições de pagamento… os termos de apresentação… e aqui estão as despesas
estimadas para este trimestre e as despesas reais para o último trimestre. Este é o
saldo do projeto para o ano. Consegui?
Balancei a cabeça, olhando por cima da planilha.
— Por que você não usa cabeçalhos de coluna?
— Eles me atrasam.
— Hmm! — respondi. Sua resposta não fazia sentido.
Tentei não me concentrar no tamanho gigantesco dos números do dólar, mas,
em vez disso, analisei a veracidade dos valores calculados.
— Sua fórmula está errada aqui... — apontei para duas caixas separadas na
planilha. — …e aqui. Além disso, quando essa conta foi aberta? O saldo deve
ser negativo, se a coluna de despesa projetada estiver correta.
Quando olhei para Steven, vi que seus lábios finos estavam pressionados em
um sorriso trêmulo.
— Muito bem. Passou no teste. Acho que amo você, Janie. Vamos nos casar e
não ter filhos.
Meus olhos se arregalaram por um breve momento. Eu tinha certeza de que
ele estava me provocando, mas quando olhei em seus olhos cinzentos brilhando,
sabia que ele queria dizer isso como um elogio. Devolvi o sorriso a ele. Gostei
do Steven.
Carlos quebrou o silêncio.
— Srta. Morris, o trabalho é seu, se você quiser.
— Oh, por favor, diga sim — o sorriso de Steven se alargou.
— Para sua proposta, ou para o trabalho? — perguntei.
— Se você tiver que escolher um, que seja o trabalho — Steven entregou o
iPad para mim e, em seguida, estendeu a mão para apertar a minha novamente.
— Eu ronco e você é muito alta. Nós nos divorciaríamos dentro de um ano.
Eu ri, fiquei de pé e apertei sua mão, sem me importar que ele tivesse
observado minha altura.
— Tudo bem, então. Eu aceito o trabalho — me virei para Carlos, que
também estava de pé agora. — Embora eu gostaria de ver uma descrição do
mesmo. Gostaria de ter certeza de que posso realmente fazer o trabalho pelo qual
você, aparentemente, me contratou.
Carlos me deu outro sorriso, com covinhas e desarmado, que só poderia ser
descrito como adorável.
— Claro. Você se ajeita com Steven, e eu vou mandar Olivia lhe enviar — deu
a volta na mesa e, como antes, apertou minha mão com a dele. — E se você tiver
alguma dúvida, por favor, não hesite em me perguntar.

Foi decidido que, em vez de nos encontrarmos no apartamento de Kat para a


noite de tricô já que era a vez dela de receber, nos encontraríamos para tomar um
drinque e depois um jantar no South Water Kitchen, para comemorar o “Janie-
ser-novamente-capaz- de-pagar-as-contas”. Era uma terça-feira, o segundo dia
no meu novo emprego, e eram exatamente duas semanas desde o meu pior dia de
todos os tempos.
Quase imediatamente depois de nos acomodarmos, Elizabeth apresentou o
tema “Quinn”, junto com a noite de sexta-feira, macacos, danças nuas em
gaiolas, café da manhã do Sr. Calças-quentes no sábado de manhã, e o cartão de
visitas que levou ao meu novo emprego.
— Vocês todas se lembram do Sr. Calças-quentes, o segurança? Bem, Janie e
eu o vimos naquele novo clube, onde as mulheres nuas dançam com os macacos.
Sim, aquele clube chamado Outrageous! De qualquer forma, o nome dele é
Quinn, e ela foi para casa com ele depois de ser drogada. Tomaram café da
manhã juntos, no sábado de manhã, e ele arrumou a entrevista do novo emprego.
Era como jogar revistas da Hustler em viciados em sexo. Depois de um
período de silêncio de dois segundos, todo mundo começou a falar,
animadamente, de uma só vez. Elizabeth me enviou um sorriso doce sobre sua
água gelada.
A primeira meia hora da noite foi consumida por mim, divertindo as senhoras
com os eventos do meu fim de semana, além da entrevista de emprego — que
não foi exatamente uma entrevista — na segunda-feira. Algumas perguntas
interromperam minha história, em grande parte, relacionadas a esclarecimentos
triviais, mas a maioria sentou e escutou com um silêncio grave e quase
reverente. Toda vez que o garçom vinha pegar nosso pedido, Sandra e Ashley o
espantavam, pedindo vinho com sussurros silenciosos e urgentes.
Quando me aproximei do final da minha história, pude sentir a tensão
crescendo no grupo. Senti que elas estavam inquietas, com algumas perguntas,
mas Elizabeth parecia ter uma agenda e, quando eu finalmente cheguei à minha
conclusão, ela interveio.
— Isso é o que eu não entendo. Como Quinn sabia que você estava no
Camarote? Ou ele não sabia? Ele foi até lá para pegar você, ou ele simplesmente
foi até lá e viu que precisava te resgatar? E é por isso que ele veio subitamente
com o “você precisa ir embora”, quando descobriu que as pessoas do Camarote
nos pagavam bebidas? Ele devia saber que as pessoas lá em cima eram sombrias.
Além disso, uma vez que suspeitamos que você vacilou, o que há para se fazer
em relação a isso?
Ela brilhou com uma satisfação quase de Sherlock Holmes e se recostou em
seu assento, enquanto o grupo especulava sobre suas perguntas. Inegavelmente,
Elizabeth parecia ter dado a todo o encontro, muito mais ênfase do que eu
pensava.
Embora eu tivesse tendência a ficar obcecada com assuntos como “o
vernáculo inglês, o auge da castanheira média e os padrões internacionais”, eu
tinha o hábito de ignorar detalhes importantes, como quem me drogara e como
eu me sentia sobre desmaiar e acordar principalmente nua, em um apartamento
estranho, com sete peças de mobiliário.
Tremi um pouco, finalmente sentindo o peso da minha imprudência e
realmente entendendo a situação perigosa que eu estava. Da mesma forma, meu
estômago revirou com a ideia de Quinn me encontrar, me tirando do camarote, e
me levando para a casa da sua irmã. Tudo isso enquanto eu estava desmaiada.
Talvez eu não precisasse ser resgatada, escoltada ou mimada, se eu me
concentrasse em detalhes realmente importantes, em vez de sonhar com um
substantivo coletivo apropriado para cada uma das eventualidades.
No final, prometi às senhoras que tentaria encurralar Quinn quando o visse no
trabalho, o questionaria sobre o Camarote, bem como as medidas tomadas para
garantir a segurança das mulheres inocentes no futuro.
O garçom reapareceu e, felizmente, todas fizeram seu pedido, me dando um
alívio da investigação de uma hora, no meu final de semana.
— Você já o viu? No escritório, quero dizer. — Marie perguntou, inclinando-
se para mim e me fixando com seus olhos azuis brilhantes.
— Quinn? Não, hoje foi apenas o meu segundo dia. Na maior parte do tempo,
preenchi a papelada, encontrei advogados e me instalei em meu escritório.
— Você se encontrou com advogados? — a voz firme de Fiona soou da minha
direita.
— Eu tive que assinar um acordo de não divulgação e um acordo de não
concorrência.
Fiona franziu a testa. Seus olhos encontraram os de Marie por um instante,
depois voltaram-se para mim.
— Por que você precisa assinar isso?
— Bem, basicamente, eu não devo divulgar a natureza do meu trabalho ou
com quem eu trabalho.
A expressão de Fiona se aprofundou.
— Você quer dizer, seus nomes? Você não tem permissão para falar sobre seus
colegas de trabalho?
Balancei a cabeça e terminei um gole sedento do meu vinho.
— Não, quero dizer, não posso discutir com nenhum dos clientes com quem
trabalho: seus nomes, quanto pagam, o que fazemos por eles ou que serviços
oferecemos. Esse tipo de coisa.
Lembrei-me da minha conversa com dois advogados no início do dia. Ambos
eram homens em forma de ovo, com trinta e poucos anos e me lembravam de
Tweedledee e Tweedledum, na aparência. Mas quando eles falaram, seus
sotaques franceses apagaram minha impressão anterior.
Le Dee e Le Dum deixaram claro que eu não deveria divulgar nenhum detalhe
sobre os clientes com os quais eu iria interagir em breve. Sem nomes, sem
características, sem impressões, sem nada. Também não fui autorizada a discutir
o que fazia no trabalho, incluindo a descrição ou deveres do meu trabalho ou os
serviços oferecidos pela Cypher Systems. Eu poderia, no entanto, comunicar o
meu cargo, se me perguntassem.
Foi a vez de Marie pedir. Aproveitei a oportunidade para olhar o cardápio,
mas Fiona me pressionou no assunto.
— Eu acho que faz sentido... — sua voz sumiu, como se ela esperasse que eu
preenchesse um espaço em branco.
Voltei minha atenção para ela e encontrei seus olhos élficos amolecidos de
preocupação. Dei a ela um sorriso reconfortante.
— Ah sim, faz sentido. Não é realmente um grande segredo. Eu até diria, mas
teria que matar vocês. É mais uma coisa proprietária, segredos comerciais e tal.
Essa resposta pareceu acalmá-la, porque ela devolveu meu sorriso e me
deixou voltar a estudar o cardápio.
Capítulo 8
Para meu duelo entre desgosto e alegria de menina, não tive que esperar muito
tempo para conversar com Quinn. Aconteceu durante minha segunda semana no
trabalho.A Cypher Systems era uma máquina extremamente eficiente e bem
lubrificada de empresa, e era muito sigilosa. Quase imediatamente, entendi a
necessidade do acordo de não divulgação que assinei no meu segundo dia e, ao
final da primeira semana, comecei a me sentir confiante na manutenção geral das
contas, sistemas e estrutura de trabalho, e escritório, aos quais eu era
responsável.
Amei meu novo trabalho.
Consegui o que Steven chamava de “todas as contas públicas”, que, em sua
maioria, eram empresas moderadamente grandes, que usavam uma subsidiária
da Cypher Systems, chamada Guard Security.
A Guard Security fornece segurança para várias propriedades e prédios
corporativos, bem como detalhes de segurança pessoal para os tipos de CEO.
Rapidamente entendi por que Steven não usava títulos de coluna em suas
planilhas. Steven me disse que o firewall da Cypher estava sob ataque quase
constante, por isso todos os arquivos de dados e identidades foram codificados.
Assim, até a primeira metade do mês seguinte, que seria durante a maior parte do
meu treinamento, não saberia em qual conta eu estava trabalhando, só saberia o
código. Steven disse que depois das duas primeiras semanas, ele me forneceria
um código chave em um pendrive e me daria apenas um dia para memorizar qual
código pertencia a cada cliente, para cada conta.
Steven gerenciava as contas privadas que, pelo que pude deduzir com base em
sua vaga descrição, eram contratos com indivíduos, cidadãos particulares e
famílias de alto nível. Além da segurança, os contratos também incluíam
trabalhos investigativos. Esta subseção da Cypher Systems também era uma
subsidiária e foi chamada de Infinite Systems.
Além dos sistemas Guard Security e Infinite, a Cypher Systems possuía outras
propriedades e era a empresa controladora de várias outras empresas, mas Steven
e eu éramos os únicos contadores da divisão de segurança. Na verdade, a Cypher
Systems era realmente muito pequena — se você não contasse todas as sub-
empresas —, com apenas dezenove funcionários no escritório.
Mesmo assim, minha empresa ocupava exclusivamente o último andar inteiro,
e todo escritório tinha janela ao longo do perímetro norte do prédio. Segundo
Steven, os escritórios e a localização eram novos. A empresa havia se mudado
para lá há apenas alguns meses.
Não havia vista do lago da minha janela, mas o escritório do canto direito
provavelmente tinha um panorama respeitável. Independentemente disso, parte
de mim queria se mudar para o meu escritório e morar lá. Me vi distraída pela
minha incrível visão do centro da cidade e, frequentemente, beliscava meu braço
para me lembrar que era real. O resto do espaço estava praticamente bloqueado,
com apenas uma porta pesada como entrada. Para conseguir entrar, você
precisava passar por um detector de identidade de cinco dedos e retina.
Quando perguntei a Steven o que havia dentro da sala, ele deu de ombros, sem
interesse e disse:
— Armazenamento de dados.
Eu conheci quase todo mundo no meu segundo dia. Contei Quinn entre meus
dezoito colegas de trabalho, embora eu não soubesse a função dele ainda. Não o
tinha visto ou falado com ele desde o sábado antes de eu ser contratada. Oito,
dos dezoito, eram contadores. Alguns deles compartilhavam do meu título de
Coordenador do Projeto Fiscal Sênior, e alguns foram nomeados simplesmente
como Coordenador de Projetos Fiscais.
Além de Carlos, havia apenas um outro Diretor no escritório — a Diretora de
Recursos Humanos —, e ela não parecia ter nenhum outro funcionário além de
seu assistente administrativo. O resto do grupo incluía Keira, que era a
recepcionista, uma telefonista, um cara de suporte técnico, chamado Joe, dois
programadores de informática e outra assistente administrativa, chamada Betty,
com quem eu nunca falava, mas via às vezes, quando ela passava pelo meu
escritório.
Betty trabalhava para o CEO da empresa, que também era o CIO, o CFO e o
COO, mas todos o chamavam de Chefe.
Ficou claro para mim que Betty e o Chefe, ou como Steven os chamava, B &
C, não interagiam muito com o resto da equipe. O Chefe, ao que parece, não
entrou muito no escritório. Ninguém pareceu surpreso com a ausência dele
durante toda minha primeira ou segunda semana de trabalho, então nunca o
conheci.
Betty era muito elegante e parecia estar em meados dos seus sessenta anos.
Ela tinha cabelos grisalhos e olhos negros, usava pérolas todos os dias, e um
conjunto de saia feita sob medida. Não parecia tão hostil. Ela parecia muito
ocupada, em tempo integral.
Meu encontro com Quinn ocorreu na quarta-feira, na minha segunda semana
na Cypher Systems.
Percebi que nunca vi Betty sair do escritório. Ela estava lá quando eu chegava,
não importava quão cedo fosse, e ela ainda estava lá quando eu saía, não
importava o quão tarde era. A ocupação perpétua de Betty, fez com que eu me
oferecesse para pegar o almoço para ela, naquele dia. Acho que a confundi, a
princípio, porque ela repetiu a palavra “almoço” várias vezes, como se fosse uma
coisa lendária de que ela já tinha ouvido falar em uma história para dormir, há
muito tempo.
Finalmente, com um sorriso claramente grato, ela aceitou a oferta e pediu uma
tigela de sopa de legumes, uma salada e um biscoito grande, de aveia, de uma
lanchonete chamada Smith’s Take-away and Grocery. Era uma lanchonete e
mercearia, que vendia sanduiches, bem conhecida, a apenas uma rua do nosso
prédio.
Saí cedo para poder comer fora e voltar antes do meio dia. A lanchonete tinha
algumas mesas ao longo de toda a parede. Eu estava sentada na mesa de canto,
relendo um dos meus quadrinhos favoritos, uma antologia de uma série
encadernada em brochura.
Quando a maioria das pessoas pensam em histórias em quadrinhos, elas
lembram o pequeno estilo de panfleto com apenas algumas páginas e, no início
de cada panfleto, a história começava onde a anterior parou, em outra revista em
quadrinhos, que sempre terminava para ser continuada. As maiores antologias
limitadas em brochura, são como assistir a uma temporada inteira de um
programa de TV no Netflix ou no Amazon Instant Videos. Você pode degustar
toda a série e mergulhar na beleza da novela gráfica, em uma sessão épica.
Eu tinha emprestado a antologia para uma das crianças que eu ensinava e ela
havia me devolvido na semana passada. Nos últimos dois anos de tutoria, me
tornei uma espécie de biblioteca de histórias em quadrinhos, para as crianças. Eu
não me importava. Eles cuidavam muito bem deles e adoravam discutir as
histórias depois de terminarem.
Meu polegar se moveu para frente e para trás no lugar que rasguei a capa, há
vários anos, quando mergulhei mais fundo na história. Minhas pernas estavam
enroladas embaixo de mim, e eu estava apenas chegando na parte em que o cara
realmente mau está prestes a sequestrar a namorada do mocinho, quando ouvi
uma voz imediatamente à minha esquerda.
— O que você está lendo?
Endureci, meu coração pulando e eu, automaticamente, me voltei para a voz.
Encontrei Quinn olhando para mim, sua expressão contida e neutra, exceto por
seus olhos. Seus olhos sempre pareciam ter uma tonalidade de azul malvado.
Lutei para entender sua presença e pisquei para ele várias vezes.
Percebi que minha boca estava aberta. A fechei e olhei para o lado,
habitualmente passando a mão pelo meu cabelo. Estava preso em um coque
severo e parecia estar bem comportado, o que era mais do que eu poderia dizer
para qualquer outra parte do meu corpo.
Limpei minha garganta e mostrei a capa do meu livro, em seguida o olhei
novamente. Notei que ele não usava uniforme de segurança. Em vez disso, ele
estava vestido com um terno de lã cinza, muito bonito, camisa branca e gravata
cinza com fios de seda azul. Se estivéssemos na Inglaterra vitoriana, eu o teria
chamado de pomposo, mas, como vivíamos no século XXI, tive que me
conformar com o caliente modelo da GQ.
— Hmm... — esticou o pescoço e se inclinou para ler a capa. Em seguida, se
endireitou, sua expressão impassível. Seus olhos deslizaram pelo meu rosto. —
Você lê quadrinhos?
Balancei a cabeça distraidamente, acariciando a capa. Como de costume, em
torno de sua aura de beleza masculina, minha boca ficou seca. Finalmente falei.
— Sim eu leio.
— Hmm — ele disse, novamente.
Nos observamos por um momento e, como um relógio, eu podia sentir o calor,
que sempre acompanhava sua presença, começar a se espalhar do meu baixo
ventre para o meu pescoço, ombros e dedos.
De repente, ele disse:
— Chega pra lá.
Abruptamente pegou minha bolsa, que estava em cima do banco ao meu lado,
e a colocou no banco oposto. Colocou sua comida ao lado da minha embalagem
vazia de sanduíche, tirou o paletó, dobrou-o com cuidado e colocou-o sobre a
minha bolsa.
— Eu-uh — murmurei.
Afobada, só pude me empurrar mais para o canto da mesa enquanto ele se
sentava ao meu lado, mas meus esforços não faziam muita diferença. O espaço
não era para duas pessoas. Era, talvez, por um e três quartos, o que significava
que, mesmo com minhas costas pressionadas contra a parede atrás de mim, um
cara grande como Quinn e uma garota de seios grandes como eu, mal se
encaixavam. Quando ele finalmente se acomodou, sua perna pressionou a minha,
da parte superior da coxa até o tornozelo.
Mastiguei meu lábio inferior e coloquei o HQ no meu colo. Deve ter sido o
efeito da graphic novel emparelhado, com a proximidade repentina de Quinn e
estar bastante presa por sua grande forma, ou qualquer que seja a causa, senti
como se desmaiasse.
— Um pouco apertado — ele comentou com um pequeno sorriso, virando-se
para mim, seu rosto a centímetros do meu, enquanto desembrulhava um
sanduíche.
— Sim. Bem, eu posso ir, se...
— Não, não. Fique. Está gostando do trabalho? — ele mordeu o sanduíche e
virou toda a sua atenção para mim.
— Estou.
Tive que me concentrar em respirar normalmente. Estar tão perto dele, era
enlouquecedor. Eu não conseguia olhar para qualquer lugar sem ver alguma
parte dele, então resolvi olhar para suas mãos. Uma segurava o sanduíche de
rosbife e a outra segurava um guardanapo.
— Eu gosto muito. Acabei de começar, e... uh... — fiz uma careta, então
respirei fundo.
Eu não tinha certeza se tinha permissão para falar com Quinn sobre o trabalho.
Não o tinha visto na empresa e, até onde sei, ele não tinha um escritório no meu
andar.
Devo ter refletido demais sobre a questão, porque, depois de alguns
momentos, Quinn perguntou:
— O que há de errado?
— Não é nada. É só… — encontrei o olhar dele. — Não tenho certeza do que
posso te dizer.
Seus olhos se estreitaram para mim.
— O que você quer dizer?
— Eu não deveria falar sobre o que eu faço, com ninguém.
Ele piscou para mim.
— O que?
— Eu assinei o acordo de não divulgação, na semana passada — dei a ele uma
careta de desculpas.
Ele colocou seu sanduíche na mesa e olhou para mim, com um ar parecido de
descrença. Abriu a boca para falar, mas depois fechou e deu uma risada curta.
— Janie, confie em mim. Você pode falar comigo, afinal, é a minha empresa.
Meus ombros caíram um pouco.
— Eu sei que você trabalha lá também. Sinto Muito, mas eu nunca tive que
assinar um acordo de não divulgação antes, e não quero cometer um erro.
Seu sorriso se alargou sutilmente, enquanto seu olhar se movia sobre mim.
Seus olhos se iluminaram com o que parecia ser uma risada, e então ele tirou o
celular do bolso.
— Vou ligar para o Carlos. Se ele disser que está tudo bem você falar comigo,
você fala?
Sem pensar, coloquei minha mão sobre a dele para acalmar seus movimentos.
— Não, não faça isso. Você está certo, estou sendo boba. Eu realmente não
quero estragar tudo, e todo mundo parece tão legal, tipo, bom demais para ser
legal de verdade, e o escritório é bom demais para ser verdade, e como eu
consegui o emprego é bom demais para ser verdade, e quando você acrescenta
tudo isso, só estou esperando o outro sapato cair — suspirei. — Não, o primeiro
ainda não caiu, então essa não é a expressão certa para usar, mesmo que tenha se
originado em cidades como Chicago.
Deslizei minha mão para longe dele e, nervosamente, peguei meu livro.
Quinn balançou a cabeça, e notei que o seu, geralmente, olhar objetivo de
falcão, parecia mais suave e desprotegido.
— Janie, do que estamos falando?
— Sobre a origem da expressão que acabei de usar: esperar que o segundo
sapato caia. Você sabia que se originou em cidades como Chicago e Nova York?
— Não, não sabia — ele inclinou a cabeça, sua boca indo para um lado como
se ele estivesse tentando não rir. — Me conte sobre isso.
Ele estava me provocando novamente.
— Bem, aconteceu. Assim…
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Só isso? Você não vai me dizer os detalhes específicos de como se
originou?
Balancei a cabeça.
— Eu não sei os detalhes.
Ele me imitou e balançou a cabeça em resposta.
— Você está mentindo. Você sabe.
— Não, eu não sei.
— É igual a historia dos mamíferos — suspirou e colocou o telefone na mesa.
Antes de dar uma mordida em seu sanduíche, continuou: —Você é mesquinha
com informação.
Minha careta se aprofundou.
— Não, não sou.
Suas palavras estavam um pouco truncadas ao falar enquanto mastigava.
— Você é uma provocadora da informação.
— O que?
— Ou talvez você não saiba realmente a origem e está inventando coisas para
me impressionar — ele deu outra mordida.
— Eu não estou! Origina-se da recente Revolução Industrial no final do
século XIX e início do século XX. Os apartamentos foram todos construídos
com a mesma planta e com um design semelhante, de modo que o quarto de um
inquilino ficava abaixo do de outro. Portanto, era normal ouvir um sapato cair no
chão, depois o outro, quando um vizinho do andar de cima se despia à noite.
— Me pergunto o que mais eles ouviam. — Seu olhar firme manteve minha
atenção e pareceu queimar com uma nova intensidade.
— Suponho que tudo era alto o suficiente.
Ele me deu um sorriso largo, seguido por uma profunda e contínuagargalhada.
Gostei do som de sua risada e sorri, relutantemente, em resposta. No entanto, eu
estava lutando contra os sentimentos de estar satisfeita por fazê-lo rir, mas
preocupada por estar sendo ridicularizada. A última sensação encobriu a
primeira. Franzi a testa e, em seguida, olhei para o meu colo e conscientemente
para a capa do meu HQ novamente. Eu podia sentir o calor de um rubor se
espalhando pelo meu pescoço.
A intensidade da minha reação a ele, continuou a me confundir.
Não era apenas sua boa aparência — que beirava os anjos cantando nos altos
milagrosos — que me irritava tanto. Não mais, pelo menos. Se ele fosse um
idiota lindo ou um idiota de boa aparência, minha reação teria esfriado e
normalizado rapidamente. Infelizmente ele não era um idiota e, definitivamente,
não era um babaca. Ele era atencioso, inteligente e confiante, e o cara mais
habilmente sexy que já conheci. Eu não gostava de pensar que ele estava rindo
de mim.
Ouvi sua risada vacilar subitamente, antes que ele dissesse:
— Ei, Janie, olhe para mim.
Levantei meu queixo, mas não consegui encontrar seus olhos. Um vestígio de
um sorriso ainda estava em seu rosto e ele continuou:
— Eu estava apenas brincando com você.
Forcei uma pequena risada e encolhi os ombros.
— Eu sei. Eu… uh… — olhei para o meu relógio, propositalmente. — Eu
tenho que voltar para o escritório. Minha pausa para o almoço acabou.
Seu sorriso desapareceu. Depois de um momento, ele pigarreou.
— Você ainda não me disse como o trabalho está indo.
— É ótimo, mas eu não quero me atrasar para voltar.
Ele engoliu e empurrou o sanduíche para o lado.
— Não se preocupe com o atraso. Vou ligar para Carlos.
— Não faça isso.
— Eu não me incomodo.
— Mas eu sim.
Ele me observou por vários instantes e, apesar do estrondoso bater do meu
coração, silenciosamente esperei enquanto ele me estudava. Me senti muito
quente, muito consciente de tudo. Quando finalmente encontrei seu olhar, notei
que o rosto dele havia se transformado em uma máscara impassível, mas, como
sempre, seus olhos azuis pareciam queimar intensamente. Finalmente se
levantou. Soltei um suspiro que eu não sabia que estava segurando. Quando me
mexi para ficar em pé, ele estendeu a mão e pegou a minha para me ajudar a sair
da mesa.
— Escute — ele disse e, depois, limpou a garganta novamente. Ainda estava
segurando minha mão e, com isso, me manteve no lugar. — Na próxima semana
você sairá comigo para alguns lugares. Faz parte do seu treinamento.
Abri minha boca, em surpresa. Uma pequena pontada de prazer e dor torceu
no meu peito, quando me dei conta de que passaria mais tempo com ele.
Finalmente, reunindo o suficiente da minha inteligência para formar palavras,
gaguejei:
— Que tipo de lugares?
— Vou levá-la para conhecer alguns dos nossas clientes.
— Steven não mencionou nada sobre isso em seu cronograma de treinamento
— eu disse.
— Ele deve ter esquecido.
— Isso não parece provável.
Quinn levantou as sobrancelhas, intrigado.
— Existe alguma razão para você não quer ir?
— Nós não vamos de motocicleta, vamos?
— Não, nós vamos com um carro da empresa.
— Ah. Ok.
Olhei para as nossas mãos, ainda juntas por ele me ajudar a sair da mesa, e
notei que a sua era muito grande, o que fazia a minha parecer mais pequena que
o normal, em comparação. Foi uma sensação estranha. Senti que qualquer parte
do meu corpo era pequena. Eu sempre me senti tão grande perto de Jon. Minhas
mãos eram do mesmo tamanho que as dele.
Quinn deve ter notado o meu olhar, porque, rapidamente, deixou minha mão
cair e estendeu a mão para o banco onde o paletó dele estava, em cima da minha
bolsa. Ele o puxou para o lado e pegou minha bolsa. Pareceu estudá-la por um
breve momento, antes de entregá-la para mim.
— Obrigada. — Peguei a bolsa, mas não fiz nenhum movimento para sair. Em
vez disso, dei-lhe um pequeno sorriso sem mostrar os dentes e me mexi,
pressionada pelo olhar firme dele.
— De nada. E obrigado por me deixar interromper o seu almoço.
Dei de ombros.
— Ah, sem problema. Fique à vontade para interromper a qualquer hora.
— Mesmo? A qualquer hora? — o canto de sua boca se inclinou para o lado e
ele afundou o queixo como se fosse me forçar a encontrar seu olhar. — Isso é
uma coisa perigosa para dizer se você não está falando sério. Eu poderia
interpretar isso de forma a incluir almoço, jantar e café da manhã.
Sua pergunta, a declaração e a maneira com que ambas foram colocadas,
fizeram meu coque se sentir muito apertado e meu pescoço, quente. Olhei para
ele através dos meus cílios, incerta de onde isso ia dar. Mesmo depois de nossos
vários, embora limitados, encontros, tudo sobre Quinn se tornou hipersensível e
autoconsciente.
Sem dúvida, se ele esperasse que eu retrucasse com algo enfeitado e divertido,
eu o decepcionaria completamente. Não sabia como me envolver em
brincadeiras de paquera. Minha mente vagou por conversas com Elizabeth, em
que ela insistia que Quinn estava interessado em mim e eu continuava achando a
afirmação ridícula. Portanto, diante de tal homem falando comigo de tal maneira,
me encontrei totalmente despreparada. Todas as tentativas anteriores em
situações semelhantes, principalmente referentes a faculdade, foram desastrosas
e dolorosamente desconfortáveis. Ou estavam na hora errada, ou os tópicos que
eu escolhi foram mal recebidos.
Por exemplo: as excreções de feromônios dos cupins.
Agora, de pé desajeitadamente, evitando contato visual, tentando adiar minha
resposta, eu nem sabia se brincadeiras de flerte eram o que Quinn esperava, ou
queria. Os homens, em geral, me perturbavam. Esse, em particular, transformou
minhas entranhas em uma confusão de caos, simplesmente por olhar em minha
direção.
Finalmente, enquanto ignorava os sentimentos de inquietação, decidi
responder com seriedade. Não havia nada de errado com a honestidade, e foi sua
escolha entender tanto, ou tão pouco, a minha resposta.
Um tanto incerta de encontrar seus olhos, finalmente respondi.
— Sim, eu quero dizer isso. Fique à vontade para se juntar a mim a qualquer
hora. — Fiquei surpresa com o quão tranquila minha voz soou.
Um sorriso lento e hesitante se espalhou por suas feições, e eu tive dificuldade
em respirar. Era um sorriso sexy — um sorriso muito sexy —. Seus olhos
desceram para minha boca e ele lambeu seus lábios quase imperceptivelmente.
Me senti um pouco zonza.
— Bom, farei isso — ainda me dando seu sorriso, Quinn estendeu a mão e
pegou seu paletó do banco. — Te levo de volta.

Quinn segurou o almoço de Betty enquanto caminhávamos a curta distância


até o Edifício Fairbanks. Eu estava no meio de explicar uma possível melhoria
na estrutura de faturamento do Guard Security para Quinn, quando nos
aproximamos do balcão de segurança. Dan, o guarda de segurança com
tatuagens no pescoço, que me acompanhou no meu primeiro dia de trabalho sem
entrevista, acenou para Quinn e piscou para mim.
Eu sorri e acenei calorosamente em troca, e então terminei de explicar a Quinn
o ímpeto para a análise de custos em que eu estava trabalhando.
— A melhor coisa na proposta, é que o software é gratuito.
Olhei para Quinn, para avaliar sua reação a esta grande notícia, mas para
minha decepção, ele estava franzindo a testa para mim. Paramos em frente ao
elevador e me virei para encará-lo.
— Você não acha que é uma boa ideia?
A expressão de Quinn era rígida e ele olhou além de mim, para o saguão.
Apontou para o balcão da segurança, com o queixo.
— De onde você conhece Dan?
— Quem? — olhei por cima do ombro para seguir o olhar de Quinn e
encontrei Dan olhando para nós, para mim. Lhe dei um sorriso de boca fechada,
em seguida, voltei para Quinn. — Ah, Dan, o segurança. Aqui do prédio,
mesmo. No meu segundo dia na Cypher Systems, ele me ajudou a trazer minha
caixa de parafernália.
— Vocês se falam muito? — Quinn ainda não estava olhando para mim e, por
isso, eu estava feliz. Parecia um gavião prestes a devorar um rato e, estando tão
perto, pude ver que seus olhos eram de um celeste ardente.
Eu balancei a cabeça.
— Na verdade, não. Apenas às vezes, quando chego de manhã, ou quando vou
almoçar. Por quê? Eu deveria estar preocupada? — hesitei, franzindo a testa. —
Há algo que eu deveria saber sobre ele? Ele é um cara mau?
Quinn voltou sua atenção para mim e fui tomada por um calor, do meu nariz
aos dedos dos pés. Sua expressão suavizou e ele pareceu pensar no que dizer em
seguida. Finalmente, ele suspirou e disse:
— Você lê muitos quadrinhos.
— O quê? — pensei em negar a acusação, mas, em vez disso, perguntei: —
Por que você diz isso?
O elevador abriu e ele segurou a porta. Em seguida, me seguiu.
— O cara mau e o cara bom. A maioria dos caras estão em algum lugar, no
meio.
Levantei uma sobrancelha para sua afirmação.
— Eu não concordo. Acho que você pode dizer que alguém é bom ou ruim,
com base em suas ações.
Este foi um assunto que eu passei muito tempo considerando. Ambas minhas
irmãs eram criminosas. Minha mãe era uma trapaceira em série, que abandonara
sua família. Eu gostava de rótulos. Gostava de colocar pessoas e coisas em
categorias. Isso me ajudou a ponderar minhas expectativas nas pessoas e nos
relacionamentos. Se eu não rotulasse minhas irmãs como ruins, eu seria uma
facilitadora do comportamento delas, assim como meu pai era. Não planejava
gastar minha vida como um capacho, ou viver na sala de espera de um
desapontamento eterno, esperando que eles mudassem.
— Então, uma ação ruim faz uma pessoa ruim? — Quinn colocou a palma da
mão contra a tela de impressão digital de cinco pontos e, então, digitou o código
para ligar o elevador.
— Não. Uma pessoa é a soma de suas escolhas e, portanto, é amplamente
definida por suas ações.
— Ninguém faz sempre boas escolhas, e todo mundo comete erros.
— Ah, ha! Sim, é por isso que também considero as intenções como o
denominador definidor, em meu intervalo de confiança entre pessoas boas e
pessoas ruins.
A boca de Quinn puxou para o lado.
— O que isso significa, “seu intervalo de confiança entre pessoas boas e
más”? — ele apoiou o ombro contra a parede do elevador.
— Bem, obviamente, todo mundo comete erros, mas se você só vê isso como
um erro porque foi pego, então, isso é ruim. No entanto, se você perceber que
cometeu um erro porque reconhece o erro dos seus caminhos e se esforça para
mudar, então, isso é bom. Há uma grande diferença.
— Então, realmente, você acha que uma pessoa é a soma total de suas
intenções, e não suas ações.
O elevador abriu e eu saí enquanto continuava a filosofar.
— Não. Sem ação, até as boas intenções são sem sentido.
Fiquei realmente impressionada com a confortável progressão da nossa
conversa. Estranhamente, os sempre presentes alfinetes e agulhas que eu
geralmente sentia perto do Quinn, pareciam se dissipar quanto mais nos
aventurávamos nesse assunto. Me senti quase relaxada. Passamos por Keira, que
acenou para mim, mas de repente parou de digitar quando viu Quinn.
Antes que eu pudesse pensar duas vezes e perguntar a Keira se ela estava bem,
Quinn perguntou:
— O que uma pessoa seria, se tivesse boas intenções e nenhuma ação? — sua
mão livre pressionou contra a parte inferior das costas, e continuamos pelo
corredor até meu escritório.
— Preguiçoso.
Bem na minha porta, ele me parou com uma leve pressão no meu cotovelo.
— E o que você chama de alguém que tem más intenções e boas ações, ou
boas intenções e más ações?
— Estúpido.
Ele ponderou por um longo tempo. Sua testa estava franzida, mas havia um
pequeno sorriso em seus lábios.
— Deixe-me ver se entendi. De acordo com você, existem quatro tipos de
pessoas: boas, más, preguiçosas e estúpidas. Isso está certo?
Meus olhos percorreram o rosto de Quinn enquanto eu contemplava seu
resumo da minha filosofia.
— Mais ou menos. Quase isso. Pense nisso como um gráfico de quatro
quadrantes.
Ele piscou para mim.
— Use uma analogia diferente. Eu não trabalho muito em gráficos de quatro
quadrantes.
Ri e caminhei até a minha mesa.
— Está bem. Imagine um mapa dos Estados Unidos. Divida-o em quatro
quadrantes: Norte, Leste, Sul e Oeste. Digamos que eu sempre faça viagens para
o Norte, mas às vezes eu vá para o Leste. Às vezes eu vou para o Nordeste e, em
raras ocasiões, vou para o Sul. Cada viagem que eu faço, é um ponto no mapa. O
quadrante com mais pontos, representa minha personalidade.
— Portanto, alguém poderia ser uma boa pessoa, com tendência a ser um
pouco estúpida.
Balancei a cabeça lentamente.
— Sim, precisamente. Eu, por exemplo. Eu me sinto confiante em dizer que
sou uma boa pessoa, com uma tendência a ser um pouco preguiçosa e uma
tendência precipitada de ser estúpida, especialmente quando se trata de decisões
e ações não relacionadas ao trabalho.
— E que tipo de pessoa você pensa que sou?
Meu olhar encontrou Quinn enquanto ele, vagarosamente, adiantou-se para
ficar na minha frente. Suas feições estavam com um ar de indiferença, mas seus
olhos estavam penetrantes e firmes. Os alfinetes e agulhas retornaram
imediatamente, meu coração acelerou e meu pescoço estava quente.
— Uh, bem — soltei um suspiro um pouco instável e descansei meus dedos
sobre a mesa, principalmente para me equilibrar.
Ele parou a menos de 30 centímetros de mim, de modo que nós dois
estivéssemos de pé atrás da mesa. Tive que inclinar a cabeça para trás, para
manter contato visual.
— Eu não acho que você é estúpido, ou preguiçoso.
— Hmm! — uma sombra de um sorriso passou brevemente por seu rosto. —
Então isso me leva ao bom ou mal.
— Eu acho que para o bom.
— E por quê?
— Porque você me ajudou no clube, e você me apoiou aqui — lambi meus
lábios, minha boca estava seca. — Ainda preciso devolver as roupas da sua irmã,
e eu não tive a chance de te agradecer por arranjar a entrevista.
Seus olhos perderam o foco e ele franziu a testa. De repente, ele deu um passo
para trás e fixou sua atenção no chão. Ergueu a mão que segurava o pedido para
viagem.
— Vou levar isso para Betty e parar no escritório de Steven para falar sobre
seu treinamento dessa semana. Eu vou... — ele esfregou a nuca com a mão livre.
— Até amanhã.
De repente, me lembrei da minha promessa à Elizabeth sobre o incidente no
Camarote e a suposta inclinação de desconhecidos para drogar mulheres. Sem
pensar, dei dois passos à frente.
— Espera! Antes de ir, preciso te perguntar uma coisa.
Ele parou, levantou os olhos mais uma vez e esperou eu continuar,
pacientemente. Tentei engolir, mas minha garganta ficou apertada. Eu não sabia
como dizer aquilo, então comecei a falar.
— Então, sobre o que aconteceu no clube na semana passada... queria
perguntar a você... o que eu quero dizer é... o que aconteceu com a pessoa que,
sabe, me drogou com benzodiazepínas?
— Ele foi preso. Respondeu com naturalidade.
Não pude esconder minha surpresa quando fiquei de boca aberta.
— Ele foi preso?
Quinn assentiu. Sua expressão era neutra e ilegível.
— Mas eu preciso fazer alguma coisa? Devo apresentar uma queixa?
— Não. Ele não foi preso por te drogar. Ele foi preso por outra coisa.
— Ah! — fiz uma careta e suspirei, enquanto pensava sobre isso.
— Quem é ele? Por que ele foi preso?
— Só um cara. Não se preocupe, ele não terá a oportunidade de te incomodar
de novo.
Com isso, Quinn se virou e saiu do meu escritório.
Olhei para a porta, confusa e aliviada, mas na maior parte confusa, sem saber
o que fazer com a última parte de nossa conversa. Antes que eu pudesse pensar
sobre isso com alguma exatidão, Olivia Merchant entrou no meu escritório. Ela
não estava olhando para mim, mas sim para o final do corredor, na direção que
Quinn seguiu.
— Era o Sr. Sullivan? — Olivia parecia tão confusa quanto eu me sentia.
Interagi com Olivia, a administradora de Carlos, várias vezes. Ela não me
pareceu boa, ou má, ou estúpida. Ela não era muito eficiente com o seu trabalho,
mas ela parecia fazer um bom show sempre que Carlos estava por perto. Não me
importava com ela, só precisava descobrir uma maneira de melhorar sua
capacidade de resposta aos meus pedidos, ou descobrir uma solução para sua
lentidão de trabalho.
— Sim, era ele.
Eu estava ao lado da minha mesa e me apoiei nela, um tanto confusa. Se eu
não estivesse tão aturdida, poderia ter me ocorrido que era a primeira vez que
Olivia se esforçava para falar comigo.
— O que ele estava fazendo aqui? — ela se virou para mim, colocando as
mãos nos quadris.
Mais uma vez, se eu não estivesse tão aturdida, teria notado a acusação e a
suspeita em seu tom.
— Levando o almoço para Betty.
Ela se endireitou e deixou as mãos caírem dos lados.
— Ah. Bem, isso foi legal da parte dele.
Eu assenti. Foi legal da parte dele. Foi legal da parte dele sentar comigo na
lanchonete, foi legal da parte dele me levar de volta ao trabalho e me satisfazer
com minhas filosofias idiotas. Ele não parecia exatamente seguro, agradável ou
acessível, mas Quinn Sullivan era um cara legal.
Ele era um cara bom.
Olivia murmurou alguma coisa sobre o check-in com Keira, e então ela saiu,
mas não prestei muita atenção nela. Eu estava animada, nervosa e desorientada.
Eu passaria parte de amanhã com Quinn.
Capítulo 9
Corri para casa, para contar à Elizabeth minhas novidades e me dedicar ao que
supus ser um comportamento feminino completamente típico: analisar cada
detalhe da minha conversa e do meu tempo com Quinn Sullivan, assim como Sr.
Calças-Quentes Quando cheguei em casa, encontrei um bilhete dizendo que ela
havia ido ao hospital para uma troca de turno inesperada, e que eu deveria
começar a procurar por apartamentos de dois quartos com preços razoáveis.
Em vez de me dedicar à conversa de garotas, tive que me contentar em assistir
a um drama de época para menininhas na BBC America e pesquisar um novo
lugar para morarmos, em sites de anúncio. Verdade seja dita, eu não estava com
muita pressa para desocupar o apartamento. Eu gostava de dormir no sofá, fazia
todas as noites parecer uma festa do pijama. Gostava dele não ser permanente.
No dia seguinte, fui atormentada por uma empolgação nervosa. Acordei muito
cedo, porém saí tarde do apartamento, justamente por experimentar cada peça de
roupa que eu tinha. Finalmente me conformei com uma camisa branca de gola
redonda, calça azul escura e salto alto combinando. Senti que tinha atingido meu
objetivo de “profissional executiva”, sem me esforçar muito, mas fiquei
preocupada enquanto esperava o trem, por não ter me esforçado o suficiente.
Me preocupei em parecer sem graça.
Quase que imediatamente tirei o pensamento da minha cabeça e reforcei a
ideia de que Quinn Herr Lindostein Sullivan é apenas meu colega de trabalho,
que ele não está interessado em mim e ele não se importa ou repara no que eu
estou vestindo.
Lembrar isso fez eu me sentir melhor, e um pouco pior.
Quando cheguei ao trabalho, parei na sala do Steven para perguntar se deveria
preparar, ou levar algo para o treinamento.
Steven apenas deu de ombros e disse:
— O Sr. Sullivan não me falou muito sobre isso, mas ele não fala muito, não
é? Provavelmente só vai te mostrar uma das propriedades e te trazer de volta em
uma hora. — Steven apertou um botão do telefone para fazer uma chamada e
depois me enxotou para fora da sala.
Esperei a manhã toda pela ligação de Quinn. Fiquei perto do meu telefone e
pulei toda vez que ouvia um telefone tocar. Por volta das três horas, olhei para o
relógio e franzi a testa pela quadragésima segunda vez naquele dia.
Ainda não havia ligação, e a hora almoço já tinha passado. Eu não tinha
comido desde o café da manhã — às seis horas da manhã —, e isso consistia em
dois ovos cozidos. Além disso, eu tinha que estar na Zona Sul em três horas para
a minha tutoria de quinta-feira à noite. Decidi acabar com minha decepção, em
um sanduíche de carne italiana da Smith’s Takeand e Grocery.
As coisas deram errado quando saí correndo para pegar o almoço para Betty e
para mim, já que éramos as únicas no escritório que ainda não tinham comido.
Nos dezessete minutos que levei para pegar a comida, Quinn deixou duas
mensagens no meu telefone.
A primeira foi um rude “me ligue de volta o mais rápido possível”.
A segunda foi menos detalhada.
Ele deve ter ligado assim que saí. Meu coração pulou ao som de sua voz
quando chequei minha caixa postal com uma mão e segurei minha refeição com
a outra. Então Keira entrou no meu escritório, com um fone de ouvido
Bluetooth, no ouvido. Ela me disse que o Sr. Sullivan ligou e queria que eu o
encontrasse no Starbucks da esquina.
Desisti de comer e imediatamente peguei o elevador para descer. Eu estava
agitada e tensa, dava para ver. Ambas as sensações foram justificadas. Meu
estômago despencou quando eu o vi. Notei sua expressão severa e percebi que
segurava um objeto.
Ao nos encontrarmos ao lado do balcão de café, pude ver meu destino na mão
dele: um pequeno retângulo preto e lustroso, com uma tela brilhante e apenas um
botão perceptível. Praticamente todo mundo na Cypher Systems tinha um celular
corporativo.
Eu sabia que fazia sentido, mas eu ainda não tinha que gostar disso.
Minhas mãos estavam nos meus quadris e eu olhei para o celular com
desprezo.
— O que é isso?
Seu sorriso era relutante, como se ele realmente quisesse manter uma máscara
impassível, mas foi impossível.
— Com o que se parece?
— Não acredito em celulares — eu disse.
Eu poderia muito bem ter dito que não acreditava nas leis da termodinâmica.
— Não entendo. — Seu olhar ficou notavelmente penetrante, e o sorriso
desapareceu de suas feições. Sua habitual máscara estóica de indiferença estava
tingida de confusão.
Me mexi desajeitadamente, apertando os dedos do pé.
— Isso significa que eu não quero ter um celular.
— Eu não estou pedindo — estendeu-o com suas mãos grandes e o colocou na
minha mão.
— E o Carlos? O que ele diz?
— Foi ideia dele.
Sua incoerência me deixou inabalável. Talvez porque eu tinha acordado no
apartamento de sua irmã seminua, ou porque nós podemos ou não ter flertado no
dia anterior, ou talvez tenha sido o meu real ressentimento com a ideia de ter que
carregar um celular. Fosse o que fosse, de repente eu parecia quase imune ao
tumulto habitual que sua proximidade causava em minhas entranhas. Respondi:
— Não, não foi ideia do Carlos. Foi ideia sua. Você provavelmente falou com
ele sobre isso.
— Tudo bem, foi minha ideia, e Carlos acha que é ótimo. Já que Carlos é seu
chefe... — ele ergueu as sobrancelhas e esperou que eu preenchesse o vazio.
O encarei em desafio, enquanto ele colocava minhas mãos entre as suas.
Tentei não me abalar pelo toque, mas a falta de harmonia entre a gentileza com
que ele segurava minha mão e a determinação de seu olhar, era irritante. Seu
polegar também estava se movendo, em círculos lentos, sobre as costas da minha
mão. Segurei minha raiva no peito, como um último par de Jimmy Choos do meu
tamanho.
Finalmente, eu disse a única coisa que veio à mente:
— É uma escolha pessoal. Eu não quero isso.
Ele suspirou, nitidamente irritado.
— Por que não?
— Porque... porque... — prendi a respiração, não querendo explicar a minha
repugnância nada comum pela tecnologia convencional, mas não pude evitar.
Sua proximidade, suas mãos segurando as minhas, o movimento circular de seu
polegar, até mesmo seu olhar levemente perturbado, rompeu as comportas da
minha redundância sem sentido.
— Porque... Estamos realmente aqui, vivos, se interagirmos com o mundo
através de uma pequena caixa preta? Eu não quero meu cérebro em um
recipiente. Não quero receber informações equivalentes a um implante cerebral
até que eu não possa distinguir a ficção da realidade. Você não vê essas pessoas?
— fiz um sinal, com a mão livre, para uma fila de clientes esperando para retirar
seus pedidos. — Olhe para eles. Para onde eles estão olhando? Eles não estão
olhando uns para os outros, eles não estão olhando a arte na parede ou o sol no
céu; eles estão olhando para seus telefones. Eles se prendem a cada bip de alerta,
mensagem, tweet e atualização de status. Eu não quero ser isso. Já sou distraída
o suficiente no mundo real, tangível e físico. Aceitei a eficiência de um
computador para trabalho e pesquisa, e até uso um notebook às vezes, mas me
recuso a usar um celular. Se eu quiser mídia social, entro em um clube do livro.
Eu não vou ser presa controlada e rastreada como uma Orca marcada no oceano.
Eu estava um pouco sem fôlego quando terminei e retirei meus dedos dos
dele, deixando o telefone em sua mão. Tentei olhar para todos os lados, menos
para ele e seus malditos olhos azuis escuros.
Ele colocou o telefone na minha mão mais uma vez.
— Por mais que a ideia de prender e controlar você pareça promissora, o
objetivo do telefone é conseguir entrar em contato com você.
Eu o interrompi.
— Você quer dizer a ideia de me manter amarrada e contida.
— Janie, se eu quisesse amarrá-la, eu usaria uma corda.
Quando ele falou, sua voz era baixa e suavizada, com o que só poderia ser
descrito como intimidade.
Eu o encarei de repente, assustada com seu tom, mas, por um momento, não
consegui interpretar o seu olhar. Ele se aproximou levantando-se sobre mim, e eu
tive que inclinar a cabeça para trás para olhar nos seus olhos. Sua boca se curvou
em um pequeno sorriso, que parecia mais ameaçador do que uma carranca. Eu
pisquei sob seu olhar ardente e apoei um cotovelo no balcão, para me equilibrar.
Senti o calor subir pela minha garganta e pelas minhas bochechas, enquanto
franzia a testa para ele.
— Eu sei o que você está fazendo. — Meu próprio aborrecimento reforçou
minha confiança.
Ele levantou uma sobrancelha e se encostou no balcão, me imitando.
— E o que é?
— Você está me provocando de novo, como ontem. Está tentando me distrair.
— Coloquei o telefone no balcão.
— Não estou tentando distraí-la. — Seus olhos passaram lentamente pelo meu
rosto.
Cerrei meus dentes para evitar meu blush natural, e manter a batida do meu
coração estúpido sob controle.
— Sim, você está, e não vai conseguir.
Seu sorriso cresceu, mas ainda era apenas uma curva pequena. Seu olhar
continuou a ler minhas feições bem devagar.
— E porque não?
Recuperando a voz, mas não totalmente no controle do meu cérebro, comecei
a falar sem realmente prestar atenção nas minhas palavras.
— Porque eles não usam cordas, eles usam redes. Eles rastreiam as orcas entre
o Alasca e as ilhas havaianas, para estabelecer rotas de migração, padrões de
acasalamento e indices de nascimento. É realmente fascinante. Você sabia que a
maioria das baleias assassinas que são criadas em cativeiro, cerca de sessenta a
noventa por cento delas, sofrem de colapso da nadadeira dorsal?
— Mesmo? Que interessante. O que é o colapso da nadadeira dorsal? — Sua
voz era inexpressiva, mas ele ainda estava me dando aquele sorriso perigoso.
Dei um passo para trás.
— É onde a barbatana dorsal, você sabe, a barbatana, geralmente dura nas
costas, inclina-se para o lado e eles não conseguem levantá-la. Os cientistas
acham que é porque, quando os machos estão em cativeiro, eles não conseguem
nadar até uma profundidade adequada e, assim, as barbatanas caem. É por isso
que eu não quero um celular. Eu não quero uma barbatana caída.
O carinho suave e proposital do olhar de Quinn, desapareceu durante a minha
falação, assim como o sorriso dele. Ele me encarou e piscou para mim como se
eu tivesse dito algo completamente louco ou horripilante. Quinn balançou a
cabeça e desviou o olhar, aparentemente para clarear seus pensamentos.
— Olha — disse, quase em um grunhido, e ele pegou o telefone do balcão e
colocou na minha mão mais uma vez. Rapidamente cruzou os braços sobre o
peito, as mãos se cerrando em punhos. — Você vai levar esse telefone. — Seu
tom deixou pouco espaço para discussão, mesmo quando ele ficou mais flexível,
mas seu olhar característico de menino-malvado, havia voltado. — Você não
precisa mexer nisso. Você só precisa atender quando tocar. Ninguém vai te
mandar uma mensagem, eu prometo. E se fizerem, você pode ignorar as
mensagens. Use apenas como um telefone fixo. Na verdade, você pode usá-lo
para ligações pessoais, se quiser.
Se era possível, ele me parecia ainda mais preocupado e indiferente do que o
normal.
— Mas você ainda pode usá-lo para me rastrear, então eu ainda serei como
uma baleia com... — engoli em seco quando minha mão fechou em torno do
Smartfone estúpido, aceitando o meu destino. — Ainda vou ficar com a
barbatana caída. Você quer que eu tenha uma barbatana caída? Você não pode
falar com o Carlos de que é uma má ideia? Diz para ele que você cometeu um
erro, ele vai te escutar.
Ele olhou para o meu pescoço e lá ficou. Então disse:
— Você sabe qual é o seu problema?
Sua pergunta me fez franzir a testa, instável na verdade, e, instintivamente,
cruzei meus braços.
— Eu tenho um problema?
— Sim. Você tem um problema.
Ele ergueu seu olhar penetrante e azul para minha cara carrancuda, e eu fiquei
um pouco chocada ao ver que ele não parecia mais perturbado. Ele parecia
atento e muito determinado. Isso me irritou.
Sem pensar, eu falei:
— Ah, é mesmo? Mal posso esperar para saber qual é o meu problema. Você
me conhece há três semanas e já diagnosticou. O suspense está me matando.
Bem, por favor, me esclareça, oh grande identificador de problemas.
Assim que as palavras saíram da minha boca, eu reprimi um suspiro engolindo
em seco. O nível do meu sarcasmo aborrecido estava atingindo massa crítica, e
eu não conseguia controlar isso.
— Você é incrivelmente talentosa e é uma das pessoas mais inteligentes que já
conheci.
Eu o interrompi:
— Sim, isso é realmente um problema de verdade. Eu entendo o que quer
dizer.
— Mas você é completamente cega para o óbvio.
Eu podia sentir o calor subindo nas minhas bochechas novamente. Cerrei os
dentes.
— Bem, obviamente você está certo. Obviamente eu deveria apenas ficar com
o celular — coloquei o celular no bolso. — Muito obrigada, Quinn, por apontar
o erro óbvio em mim. — Dei um sorriso doce e comecei a passar por ele, indo
para a porta.
Antes que eu pudesse me mover mais do que um passo, ele estendeu a mão e
me parou, segurando no meu braço, acima do cotovelo.
— Droga, eu não estou falando do celular.
— Eu preciso voltar ao trabalho. — Recuei e dei de ombros.
Ele deu um passo à frente, efetivamente me prendendo contra o balcão, e eu
me recusei a olhar nos seus olhos.
— Você está com raiva de mim. — Eu o ouvi suspirar.
— Não, não estou. Eu não fico com raiva.
— Então você finge muito bem.
Me perguntei se eu estava com raiva. Não me lembrava de já ter ficado
realmente com raiva. Nem mesmo quando minha mãe morreu, nem quando Jem
batizou meu suco de laranja antes da prova, nem quando Jon me traiu com uma
vagabunda qualquer. Eu estava perturbada, agitada e mais irritada que já me
senti na vida.
Coloquei a mão na testa e esfreguei a têmpora.
— Olha — bufei. Ele estava parado perto demais. Eu não conseguia usar a
cabeça, quando meu corpo queria trepar nele igual em uma árvore. — Eu não
estou brava. Eu só tenho um ódio completamente irracional de celulares. E você
é apenas o mensageiro.
— Não vai ser tão ruim quanto você pensa. — Ele parecia arrependido.
Olhei para ele então, com meus olhos estreitos e infelizes.
— Já é muito ruim.
— Poderei enviar uma mensagem diaria com piadas.
Mais uma vez sua voz era inexpressiva, mas seus olhos estavam iluminados
com a malícia. Ele colocou as mãos na minha cintura, minhas costas ainda
contra o balcão, e preencheu cada centímetro da minha visão.
Limpei minha garganta para me recompor. Meu aborrecimento estava se
derretendo por algo mais quente, mesmo quando eu tentava ficar focada.
— Pensei que você tivesse dito que eu não receberia mensagens.
— Só de mim e você não precisa responder.
— Eu não vou responder e nem ler suas piadas.
Então ele sorriu aquele sorriso sexy e lento, que me deixava sem defesas.
— Sim você irá. Você vai ler sim. — Ele assentiu devagar, apenas uma vez,
como se quisesse enfatizar sua certeza.
Tentei não sorrir, mas não consegui completamente.
— Eu ainda estou com raiva de você.
— Você disse que não estava com raiva.
— Pensando bem, acho que estava com raiva... — tentei dar um passo para o
lado e parei no seu braço forte. — …estou com raiva.
— E o que vamos fazer? — seus olhos se moveram entre os meus.
Tentei manter minha voz firme. Sua proximidade estava dando nós no meu
estômago. Ele não entendeu o conceito de espaço individual?
— Você pode começar saindo da frente. Já faz tempo que eu saí, e meu
almoço (atrasado) está frio agora.
Soltei um suspiro de alívio, com um tom quase subconsciente de decepção,
quando ele recuou. Ele se endireitou e abaixou os braços. De repente ficou claro
para mim que nosso curto tempo juntos, me ajudou a ficar um pouco mais à
vontade perto dele. Se ele tivesse me encurralado assim quando me acompanhou
no meu antigo emprego, acho que eu teria entrado em combustão espontânea de
luxúria ou entrado em coma de felicidade.
Parecia que estávamos nos tornando amigos ou, pelo menos, amigáveis. Eu
não o vi apenas como um delicioso pedaço de carne. Eu o vi como Quinn:
agressivo, inteligente e frustrante. O Quinn sexy, que gostava de me provocar e
achava que eu era inteligente e talentosa.
O canto da sua boca subiu apenas um pouquinho.
— Ontem você disse que eu poderia interromper suas refeições a qualquer
hora.
Eu grunhi uma não-resposta e passei meus braços em volta de mim. Sem sua
proximidade senti frio, e algo em seus olhos me fez tremer.
Ele suspirou, subitamente ficando sério.
— Escute, eu estava ligando mais cedo para cancelar hoje. Te busco amanhã
de manhã, às dez horas, para o treinamento. — Ele passou a mão no cabelo,
fazendo as mechas ficarem de um jeito adoravél antes de se voltarem para sua
perfeição despenteada. — Vá comer seu almoço frio. Eu tenho que ir à uma
reunião.
— Então vai — dei de ombros. — E caso você se tranque para fora do carro,
não me ligue. Eu não vou atender o celular.
Seus olhos se estreitaram de modo ameaçador, em resposta.
— Você vai atender. Além disso, vou de moto.
Fiz uma careta.
— Toma cuidado com essa coisa.
Ele assentiu uma vez, me deu um meio sorriso e saiu. Fiquei no lugar por
vários minutos depois que ele foi embora, imóvel, exceto por espasmos de
sorrisos e franzindo a testa, alternando minhas feições. Repassei nossa conversa
na minha cabeça. O telefone parecia pesado no meu bolso. Eu pensei em apelar
para Carlos sobre o telefone. Como Quinn disse, Carlos era meu chefe e se
decidisse que o telefone era desnecessário, talvez eu pudesse me livrar dele.
No caminho de volta ao escritório, no qual ainda comeria meu almoço frio,
senti o telefone vibrar contra a minha coxa. No começo, eu não sabia o que era e
pulei de susto e surpresa. Peguei o aparelho e olhei a tela. Fiel à sua palavra, ele
me mandou uma piada:
Existem 10 tipos de pessoas no mundo: aquelas que entendem códigos
binários e aquelas que não entendem.
Balancei a cabeça e falei sozinha:
— Que nerd.
Quando saí do elevador, no meu andar, eu tinha um sorriso bobo no rosto, e
qualquer pensamento de apelar para o Carlos, havia desaparecido.

Quando cheguei em casa naquela noite, depois da aula particular, Elizabeth


ainda estava fora e parecia que ainda não havia passado no apartamento. Isso era
bastante típico, e acho que foi uma das principais razões pelas quais ela e eu
fomos capazes de dividir um apartamento pequeno, de um quarto, sem
problemas ou dramas. Isso, e por não sermos dramáticas por natureza. Eu mexi
na minha comida chinesa, e abri meu notebook para começar a procurar por
apartamentos de dois quartos, obedecendo seu pedido.
Três horas depois e sem nenhum progresso real, abri meu e-mail. Como
sempre, recebi um email do meu pai, de alguma piada encaminhada. Era assim
que ele se comunicava comigo. Muitas vezes me perguntava se meu pai sabia
que ele podia mudar o conteúdo das mensagens, já que ele nunca me enviou
nada além de e-mails encaminhados.
Havia também um email de Jon.
Jon e eu conversávamos todos os dias e nos encontrávamos para tomar café,
almoçar ou jantar, desde seu surto, há uma semana e meia atrás. Era quase como
se estivéssemos namorando de novo, exceto que vivíamos separados e as noites
não terminavam com beijos e carinhos, mas sim despedidas desajeitadas e
olhares estranhos.
Cada vez que nos víamos, ele indiretamente, ou, às vezes, muito diretamente,
levantava a possibilidade de voltarmos. Eu esperava que, com o tempo, ele
percebesse que nosso passado romântico era exatamente isso: passado.
Este e-mail específico de Jon, foi para responder minha sugestão de mudar o
almoço para um jantar.
Jon e eu combinamos de nos encontrarmos para almoçar na sexta-feira, e eu
planejava levar o Steven. Um dia no trabalho, depois de analisar as estruturas da
conta corporativa e durante uma história particularmente engraçada sobre um
dos relacionamentos mais desastrosos de Steven, mencionei que Jon e eu ainda
éramos amigos. Steven quiz ver como era uma separação amigável. Estreitando
os olhos cinza em simples suspeita, ele insistiu que o conceito era tão mítico
quanto a caixa de areia para gatos sem odores.
No entanto, desde que Quinn me avisou — há menos de quarenta e oito horas
— que eu passaria as tardes conhecendo parceiros corporativos, escrevi para Jon
logo cedo e cancelei o almoço. Ao invéz disso, combinamos que Jon, Steven e
eu iríamos jantar amanhã em um novo restaurante etíope, perto da minha casa.
Antes de fechar meu email, outra mensagem apareceu. Pisquei várias vezes
antes que as palavras fizessem sentido.
Era da minha irmã Jem.
O corpo do e-mail estava em branco, mas o assunto dizia: “Estou indo te
visitar. Eu quero te ver.”
Capítulo 10
Na manhã seguinte levantei, tomei um banho e me vesti em dez minutos.
Após isso, levei vinte minutos para escolher meus sapatos. Cheguei cedo ao
escritório e comecei a trabalhar separando e-mails, tarefas pendentes e me
preparando para minha próxima viagem a trabalho, para Las Vegas, em menos
de duas semanas. Os minutos passavam em um ritmo lento e cruel . Lembrei do
e-mail estranho de Jem.
Eu estava tão distraída com meus pensamentos, que o toque do meu celular
me fez pular. De modo frenético e atrapalhado, atendi finalmente. Foi ridículo. O
telefone da minha sala nunca me deixou nervosa.
— Alô? — eu disse, quando finalmente o coloquei no meu ouvido.
— Oi, sou eu. Desce — ouvi o tom tenebroso de Quinn do outro lado.
Havia trânsito no fundo, e barulho de um caminhão grande.
Suspirei e levantei, pegando minha pasta da mesa.
— Por que você não ligou no telefone fixo? Eu estou na minha sala.
— Eu queria ter certeza de que você estava com o celular — eu podia ouvir o
sorriso em sua voz.
Me senti meio irritada.
— Da próxima vez, é só ligar no telefone da minha sala — desliguei antes que
ele pudesse responder e senti uma pontada de satisfação. Se ele podia me ligar
sempre que quisesse, então eu podia desligar sempre que quisesse.
Um Mercedes preto estava estacionado ilegalmente na esquina, e Quinn saiu
do banco de trás do carro assim que eu pisei para fora do prédio. Ele não estava
vestindo seu uniforme de segurança, ou um terno. Em vez disso, estava vestindo
botas pretas, jeans escuro e uma camiseta azul. Como de costume, seu cabelo
estava habilmente despenteado de maneira organizada, seu rosto parecia
indiferente e seus olhos estavam escondidos atrás dos óculos de aviador. Passei
um tempo admirando aquela vista. Ele estava uma delícia. Talvez eu tenha
suspirado, ou talvez tenha até lambido meus lábios, não tenho certeza.
Fui para o carro me sentindo um pouco evidente em minha camisa vermelha
de manga comprida, calça cinza e salto alto, de cetim vermelho. Optei por usar
óculos ao invéz de lentes. Por alguma razão, sempre me senti um pouco mais
invisível quando estava de óculos, como se eu fizesse parte do cenário atrás das
pinturas principais dos quadros. Estava com um coque apertado. Quando me
aproximei, vi meu reflexo em seus óculos, o que só me deixou mais
desconfortável. Pensei que ele ia reclamar por eu ter desligado, mas ele sorriu
quando me aproximei.
— Ei — acenou com a cabeça uma única vez.
— Oi — dei um meio aceno, segurando uma caderneta no meu peito, para
tomar notas caso precisasse. Nem Steven e nem Carlos me informaram, com
antecedência, sobre onde ou qual seria o treinamento. Pensei no comentário de
Steven ontem, quando perguntei se deveria preparar ou trazer alguma coisa para
o treinamento. Ele disse que iríamos visitar uma propriedade, mas deveria levar
apenas uma hora.
Steven estava meio certo. Quinn me mostrou uma das propriedades, mas não
estávamos de volta em uma hora.
O carro nos levou até o League Center. O League Center é um local de shows
em arena, e a Guard Systems faz consultoria para a empresa de segurança.
Houveram várias falhas na segurança física, nos últimos seis meses. A mais
recente foi um fã, incrivelmente entusiasmado, que fez serenata para o público
com uma versão de bêbado de uma canção pop adolescente, chamada Girl, I
Love You Hard.
Quando chegamos, fizemos um tour geral, e a visita acabou sendo parte de
uma reunião entre Quinn, o principal representante da Guard Security e o
supervisor local da empresa de segurança. Parte sessão de
treinamento/informações para mim, e parte revisão de medidas recém-
implementadas.
Quinn esteve muito quieto no caminho para o League Center, e muito
profissional, rude e autoritário, com todos que encontramos no local. Ele não era
o Quinn que eu conhecia do Club Outrageous, e nem o da manhã seguinte, no
apartamento da irmã dele, do Pancake Diner do Giavanni, ou o Quinn no Take-
away and Grocery do Smith, ou mesmo no Starbucks. Se ele não estava
entediado, também não parecia impressionado. As pessoas o chamavam de Sr.
Sullivan ou senhor. Cheguei a pensar que um dos funcionários iria bater
continênica pra ele.
Ele realmente intimidava bastante.
No entanto durante toda a visita, embora profissional, Quinn teve um cuidado
especial e tempo, para definir conceitos e siglas que achava que eu não
entenderia. Ele identificou e descreveu claramente os pontos fracos na segurança
do local, e deu suporte para compras, para a equipe e qualquer outro tópico que
fosse relacionado, especificamente, ao gerenciamento da conta.
Às ١٧h٣٠, meu cérebro se encheu e meu estômago estava roncando.
Acabamos de concluir uma inspeção nas instalações do servidor do local, e
Jamal, o contato da Guard Security, estava nos conduzindo por um corredor
estreito e com teto baixo, até o elevador.
Ele olhou para o celular e disse:
— Os portões estarão abertos para o show de hoje à noite em uma hora, então
agora está na hora de comer, caso estejam com fome. A primeira apresentação
será às 19h10.
Olhei implorando, de Jamal para Quinn. Além de estar com muita fome e
sofrendo de dores nos pés por causa dos saltos, eu tinha planos com Steven e
Jon, às sete horas.
— Hum, vamos ficar para o concerto?
Quinn assentiu com a cabeça, sua expressão de indiferença estava firme e
intacta.
Isso foi novidade para mim. Mordi meu lábio enquanto o elevador subia, e
pensei no que fazer a seguir. Eu estava com Quinn e, particularmente, não me
importava em ficar com ele por mais algumas horas, mesmo que fosse o Sr.
Sullivan Quinn, ao invés do Quin sem camisa, sorridente e provocante.
O elevador chegou ao nosso andar — o último andar —, e Quinn colocou sua
mão nas minhas, para me guiar para fora do elevador. Ele fez isso o dia todo e eu
ainda sentia o toque quente a cada vez. Estava tão concentrada na mão de Quinn
que não notei onde estávamos, até que Jamal abriu a porta para o camarote
particular e indicou para eu entrar .
— Aqui. Preparamos o jantar. Volto em uma hora para levá-los até os portões
de entrada, e depois mostrarei as novas medidas de controle de multidões que
instituímos — sem entrar na sala, Jamal foi embora antes que eu pudesse
agradecer. Ou me despedir.
Dei três passos pela impressionante sala e parei, passando os olhos pela a suíte
espaçosa, com uma admiração descontrolada. Era muito grande. Havia uma
cozinha completa, com um bar, várias mesas e banquetas redondas e altas, além
de cinco fileiras de arquibancadas em couro, de frente para uma janela
panorâmica grande com vista para o palco.
Um pequeno buffet de frutas, salada verde, cachorros-quentes, hambúrgueres,
condimentos, batata frita e refrigerante enlatado, foi colocado no bar. Este não
era, de forma alguma, o cardápio que eu havia imaginado, mas tinha duas das
minhas comidas favoritas: cachorro-quente e batata frita
Quinn passou pelos degraus que levavam à janela panorâmica, e examinou a
arena.
Olhei para o meu relógio e mexi na pulseira. Eu estava com o que minha irmã
Jem chama de “problema do champanhe”, isso é, quando algo de bom acontece,
mas interfere em outra coisa, geralmente planejada, que é muito importante ou
boa. Eu não sabia bem o que fazer.
Quinn deve ter notado minha inquietação, porque ele perguntou:
— Você está com fome?
Balancei a cabeça enquanto olhava a comida, e na confirmação, meu
estômago roncou alto.
— A comida está do seu agrado? Eu posso pedir outra coisa.
— É que... — torci minha boca para o lado. — É só que eu realmente tenho
planos para o jantar, esta noite.
— Com quem?
— Com Steven do trabalho, e meu amigo Jon.
— Jon! — Quinn repetiu o nome e mudou de posição. Seus olhos se moveram
entre os meus. — Não é esse o nome do seu ex?
Assenti.
— Sim, é a mesma pessoa. Nós íamos sair para almoçar, mas, ao invés disso,
mudamos para jantar, porque achei que eu perderia o almoço devido ao
treinamento hoje, e então...— suspirei, assumindo que a indiferença em sua
expressão, significava que eu era chata. — Desculpe, me desculpe. Você
provavelmente não quer saber de nada disso. De qualquer forma, só preciso ligar
para eles e cancelar o jantar.
Quinn me observou por um momento. Como de costume, suas feições
pareciam ser cuidadosamente inexpressivas. Ele disse:
— Você e Jon estão juntos?
— Ah não. Somos apenas amigos, agora. Mas Steven queria ver como era
uma separação amigável, então vamos sair juntos para reforçar a idéia.
— Você ainda vê esse cara, o Jon?
— Uhum.
— O tempo todo?
Parecia que eu estava sendo interrogada.
— Não, não o tempo todo. Apenas duas, ou três vezes por semana.
As sobrancelhas de Quinn se ergueram.
— Tem certeza de que você não está mais namorando esse cara?
— Sim, tenho certeza. Acho que eu saberia se estivesse fazendo sexo com
alguém — mordi o lábio assim que as palavras saíram da minha boca, me
sentindo muito envergonhada. Um rubor notável espalhou seus tentáculos
quentes no meu pescoço e atrás das minhas orelhas. Brinquei com o zíper da
pasta.
Ficamos em silêncio por um bom tempo, e eu tive que continuar mordendo
meu lábio para conter a maré de fatos aleatórios sobre sexo que ameaçavam
escapar. Fiquei nervosa com o interrogatório dele e fiquei ainda mais irritada
comigo mesma, por sentir a necessidade de responder.
Eu não gostava da idéia dele saber todos os detalhes da minha falta de uma
vida amorosa e eu não saber absolutamente nada sobre a dele, se ele estava
saindo com alguém, ou se tinha uma namorada, ou uma noiva, ou, quem sabe,
uma esposa.
Sem querer, olhei para a mão esquerda dele e vi que não tinha uma aliança em
seu terceiro dedo. Quando falei, fiquei surpresa com o som da minha voz.
— Você não é casado.
— Isso foi uma pergunta?
Levantei meu queixo e olhei nos seus olhos, esperando que, se eu parecesse
confiante, ele não notaria minha vergonha sem fim.
— Não... sim.
— Não. Eu não sou casado.
Sua resposta me irritou ainda mais. Eu já sabia que ele não era casado.
Quando ele não continuou, eu o pressionei.
— Bem?
— Bem o quê?
— E você? — ou meu estômago vazio, ou meu aborrecimento, aumentou
minha confiança.
— O que tem eu?
— Você está fazendo sexo com alguém?
Sua boca abriu em choque, óbvio, e ele gaguejou.
— Por que... Por que você quer saber?
— Bem, você sabe com quem eu não estou transando. Acho que é justo que
eu também saiba sobre você.
Ele estreitou os olhos igual a falcão, antes de responder.
— Eu não estou namorando.
Torci meu nariz para ele.
— Bem, isso não é uma resposta. Eu não perguntei se você estava namorando,
mas sim se você está fazendo sexo com alguém.
— Não neste momento.
Apertei meus lábios e dei o melhor olhar fulminante que consegui. Ele
respondeu me imitando. A única diferença, era que seu olhar estava realmente
murchando, e teria sido bastante eficaz se ele também não estivesse reprimindo
um sorriso.
Não foi o meu melhor momento, mas revirei os olhos e bufei de verdade.
— Tudo bem, não responda. Eu nem sei por que eu perguntei.
— Não. Eu não estou fazendo sexo com alguém.
— Ah. — Dei de ombros, indiferente, mas por algum motivo, sua resposta me
encheu de alegria. Era como se um unicórnio tivesse aparecido sob um arco-íris
duplo e começado a sapatear. Apesar dos meu grande esforço para manter uma
expressão neutra, podia sentir minha boca se curvando em um sorriso rebelde.
Quinn inclinou a cabeça, como se estivesse estudando a mim e a minha reação
sobre sua declaração. Então ele disse:
— Agora é a sua vez.
— Minha vez?
— Sim. Com quantas pessoas você já fez sexo?
Verdade, era a minha vez. Minha vez de ficar chocada!
Meu queixo caiu, mas nenhum som saiu por vários segundos. Minha mente
parou e, por um instante, eu não tinha certeza se tinha ouvido corretamente.
Quando finalmente falei, minha voz soou como um grito.
— Você poderia repetir a pergunta?
Ele riu e deu um passo para perto de mim.
— Você me ouviu da primeira vez.
— Isso não é da sua conta. — Dei um passo para trás.
— Não? Você me perguntou...
— Você perguntou primeiro.
Ele cruzou os braços sobre o peito.
— Não, não perguntei. Você se ofereceu.
— Você perguntou se eu ainda estava namorando Jon.
— Mas você é quem falou de sexo.
Abri a boca para argumentar, mas percebi que ele estava certo. Concordando
quando olhei para ele. Eu me perguntei se ele também responderia. Mas eu não
queria responder, porque Jon era o único cara com quem estivera. Eu não sabia
como me sentir em relação a isso. Sobre o quão normal — ou anormal — era
uma mulher de vinte e seis anos, que teve apenas um parceiro sexual. E eu não
queria dar mais munição a Quinn para continuar a me provocar.
— Tudo bem. — Comecei a morder meu lábio. Tentei ganhar tempo, na
esperança de um dos gerentes nos interromper novamente, ou, quem sabe, um
ataque de urso, ou um terremoto, ou cobras gigantes.
Quando demorei muito tempo, ele insistiu.
— Bem?
— Então, dormiu com... certo?
— Não. A questão era sobre quantas pessoas você fez sexo.
— Estamos usando a definição de Bill Clinton? — não que isso importasse.
— Não. A definição de Hillary Clinton sobre sexo.
— Ok, pare de usar a palavra sexo — procurei pela da sala algo para me
salvar dessa conversa. Eu nem sabia mais como chegamos a esse assunto.
— Bem?
— Então, como funciona? Se eu te disser, você terá que me dizer?
Quinn balançou a cabeça.
— Não a menos que você pergunte, o que me leva a te fazer outra pergunta.
— Ele realmente parecia se divertir. Foi impiedoso.
— Qual seria a sua próxima pergunta?
— Janie, pare de enrolar e responda.
— Tudo bem, tudo bem, ok? Uma pessoa e, para ser sincera, nem sei qual é o
grande problema. Se você me perguntar, a sociedade realmente faz muita pressão
com isso. É como se quiséssemos glorificar o processo de procriação. Tem esses
autores como Byron, que tornam a familiaridade física um sentido na vida
incrível, que consome a alma como uma coisa do fim do mundo, e não é assim.
É... — Balancei minha mão livre no ar, procurando as palavras certas. — É
como se outra pessoa assoasse seu nariz, ou passasse o fio dental nos seus
dentes. Requer muita coordenação e planejamento. Por exemplo, você não pode
fazer isso, a menos que tenha tomado um banho antes. Se quiserem isso na hora
errada, você tem que parar de ler quadrinhos, ou o que você está fazendo
atualmente, ir tomar um banho, se secar, vestir, blá, blá, blá. Que trabalhoso. Eu
acho que as bactérias estão certas. Os humanos deveriam procriar via fissão
binária (reprodução assexuada que a única célula se duplica).
Eu tinha certeza que minha camisa e meu rosto eram da mesma cor, vermelho.
Arrisquei olhar para ele, novamente, pelos meus cílios e o encontrei me
observando, sem nenhum traço de diversão anterior.
Não consegui decifrar sua expressão, que só serviu para me perturbar ainda
mais. Virei completamente para longe de Quinn e fui em direção à porta. O
único nó no meu estômago, se transformou em uma marcha de milhões de
homens, e eu não consegui mais olhar para ele.
— Preciso achar um telefone. Já volto. — Deixei minha pasta em uma mesa
alta e continuei em direção à saída.
Eu o ouvi dar um passo atrás de mim.
— Onde está o seu telefone?
Acenei para ele, andando ainda mais rápido.
— Deixei no escritório.
Eu estava quase fora da porta, quando senti sua mão perto da minha e me
virei.
— Janie, você deveria andar com ele.
Puxei minha mão da dele e dei meio passo para trás.
— Bem, você disse que era a única pessoa que me ligaria e, já que você e eu
estamos aqui, juntos, não há razão para eu carregá-lo.
Ele franziu a testa para mim.
— E você não pensou em pegá-lo, para o fim de semana?
— Não pensei. — Cruzei os braços sobre o peito.
— Isso significa que iremos passar também o final de semana juntos? — ele
deu um passo em minha direção, ficando bem próximo de mim. Fui forçada a
levantar o queixo para manter contato visual.
Com suas palavras, meu estômago parecia cheio de abelhas bebadas de mel.
Engoli com esforço e confirmei o que eu achei óbvio.
— Que eu saiba, não vamos trabalhar neste fim de semana. Por que você
precisaria me ligar fora do horário de trabalho?
Ele abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa, mas então fechou. Sua
mandíbula mexia enquanto ele rangia os dentes. Seus olhos estavam meio
fechados e penetrantes. Depois de um bom tempo, ele tirou o celular do bolso e
me entregou.
— Aqui, você pode ligar para o seu amigo do meu.
Olhei para ele, depois para o telefone e, depois, novamente de volta para ele.
Relutante, peguei o celular da sua mão.
— Obrigada — murmurei antes de me virar e digitei o número de Jon.
Por alguma razão, pareceu errado ligar para Jon do telefone de Quinn. Eu
deixei o desconforto de lado, me lembrando que Jon e eu estávamos separados, e
Quinn e eu éramos colegas de trabalho. Os colegas de trabalho podiam
emprestar seus telefones uns aos outros. Não era impróprio. Era normal.
O telefone de Jon tocou quatro vezes e, em seguida, ele respondeu um pouco
hesitante:
— Alô?
— Oi, Jon, sou eu, Janie — me afastei um pouco de Quinn, falando baixo,
embora eu não soubesse exatamente por quê.
— Oi, eu não reconheci o número. Desculpe demorar tanto para atender. Tudo
certo para hoje à noite?
— Hum, é por isso que eu estou ligando — olhei por cima do ombro. Pela
minha visão periférica, vi Quinn em pé ao lado do bar a poucos metros, de frente
para mim. — Escute, eu tenho que trabalhar hoje, então não vou conseguir ir.
Podemos remarcar para amanhã?
— Ah ok. Bom, isso é muito ruim... — quase podia ver a carranca de Jon. Eu
o ouvi suspirar. — Que horas, amanhã?
— Você já tem planos? Não cancele seus planos, a gente sempre pode...
— Janie, quero ver você. Claro que vou cancelar meu compromisso. Você
vem primeiro.
Senti minha garganta apertar, meio de frustração, meio de culpa, e me afastei
mais alguns passos de Quinn. Tive o cuidado de manter minha voz baixa, mas
ainda era alta para um sussurro.
— Jon, você não pode dizer essas coisas.
Eu estava ciente da presença de Quinn e, como se percebendo o meu
desconforto, o ouvi dizer baixinho:
— Volto logo. — Ele passou por mim e saiu do camarote.
— Quem era? Você está com alguém? — o tom de Jon mudou levemente e
sua voz estava subindo. — Janie, você está trabalhando de verdade?
Foi a minha vez de suspirar.
— Jon, eu estou em uma visita local, com um dos meus colegas de trabalho.
— Um colega do sexo masculino?
— Sim. Se você quiser, posso ser mais específica sobre isso. Estou aqui com,
literalmente, dezenas de colegas homens. — Revirei os olhos.
— E vocês estão todos trabalhando até tarde? Onde está voce?
— Eu não posso te dizer. Você sabe que eu assinei um acordo de não
divulgação. Não posso falar sobre qualquer um dos meus clientes. — Me virei e
fui para o outro lado da sala.
— Isto é ridículo. Ninguém trabalha até tarde numa noite de sexta-feira. Se
você me deixasse cuidar de você, eu iria...
— Jon. — Eu esperava que ele ouvisse o tom de advêrtencia na minha voz.
— Você sabe? Está bem. Está bem. Você tem que trabalhar até tarde e eu
entendo — ele parecia frustrado, mas conformado. — Ainda quero ver você
amanhã. Olha, me desculpe, Janie. Eu sinto muito. Podemos começar de novo?
Eu quero conhecer seu amigo Steven. podemos nos encontrar amanhã, para
jantar e nos divertir?
Olhei para a parede sem notar uma mancha. Minha culpa venceu minha
frustração.
— Sim — eu disse com um suspiro, e olhei por cima do ombro quando vi um
movimento de trás de mim. Quinn entrou de novo na sala, me deu uma olhada
breve e depois se virou para o buffet.
— Sim, assim está bom. Tentaremos fazer dar certo, amanhã. Vou ligar para o
Steven e ver se tudo bem por ele. Agora preciso ir.
— Ok, mas me avise se precisar de alguma coisa. Dinheiro ou qualquer coisa.
Te vejo amanhã.
— Está bem. Tchau Jon.
— Eu amo você, Janie. Não se esqueça disso.
Fechei meus olhos, minha boca virando uma carranca. Eu disse:
— Até amanhã — e, então, eu desliguei.
Digitei o número de Steven na tela e ele atendeu no primeiro toque.
— Sr. Sullivan?
— Não, não. É a Janie. Escute, ainda estamos na propriedade, e tenho que
trabalhar até tarde o que significa que o jantar de hoje está cancelado. — As
palavras saíram com pressa. Quinn passou na minha frente, para uma mesa, com
dois pratos na mão, e o cheiro de cachorros-quentes fez minha boca encher
d’àgua.
— Ah... — ouvi Steven juntar os papéis do outro lado da linha. — Espere um
minuto, onde você está?
— Eu estou...
— Quer saber, esquece. Eu não quero saber. Não tem problema sobre hoje a
noite. Nós remarcamos para depois da viagem de Vegas.
— Podemos jantar amanhã, em vez disso? — Sem realmente querer, eu andei
mais perto de onde Quinn estava comendo. Assisti ele dar uma grande mordida
em seu hambúrguer. Sua mandíbula flexionou, e os músculos em suas bochechas
e pescoço eram estranhamente hipnotizantes. Eu posso ter o encarado.
— Desculpe, não posso, docinho. Eu tenho um encontro quente.
O movimento da porta da suíte tirou a minha atenção de Quinn. Assisti, com
perplexo interesse, quando duas meninas entraram, ambas vestindo camisetas
justas, que mostravam a barriga, e shorts curtos demais. Cada uma carregava
uma bandeja com o que parecia ser vários copos de bebidas alcoólicas.
— Hum... — me distraí com a presença das meninas e tive que focar de novo
na minha conversa com Steven. — Hum... tudo bem. Nós remarcamos, então.
— Ok, docinho. Até segunda-feira. E não deixe o Sr. Bossy fazer você
trabalhar até muito tarde. Tchau.
Antes que eu pudesse responder, Steven desligou. Baixei a mão segurando o
telefone, e vi como uma das meninas, que eu chamarei de Garota #1, entregava
três copos grandes, cheios do que eu supunha ser cerveja, para Quinn. A outra
menina, a quem chamarei de Garota #2, deixou os outros copos das bandejas, no
bar. A Garota #1 sorriu para Quinn, que eu interpretei como um sorriso de “tira-
minha-calcinha”. Minha irmã, June, usava isso com frequência com os caras do
time de futebol americano, quando estávamos no ensino médio.
Isso me deixou furiosa.
Para minha surpresa e alívio, Quinn não pareceu notar o sorriso. Em vez disso,
ele deu um curto “obrigado” e, imediatamente, pegou uma cerveja e tomou um
longo gole. A Garota #1 passou pela mesa, o observando. Fiquei parada do outro
lado da sala, os observando. A Garota # 2 zanzava pelo bar, nos observando.
Depois de um breve momento, Quinn olhou da Garota #1 para a Garota #2 e,
em seguida, brevemente para mim. Ele se mexeu no assento e depois as
dispensou.
— Eu aviso o Jamal se precisarmos de mais alguma coisa.
Eu não desfiz minha cara desapontada para a Garota #1, quando ela saiu.
Também tive dificuldade em explicar a mim mesma, o sorrisinho nos meus
lábios quando a porta se fechou. Eu permaneci no lugar, o telefone de Quinn
ainda na minha mão, e continuei a observá-lo comer. Ele deu grandes mordidas.
Toda vez que ele dava uma mordida, um quarto do hambúrguer desaparecia. Eu
realmente acho que ele terminou em quatro mordidas.
O som de sua voz me tirou do transe, de repente.
— Então, você terminou suas ligações?
Pisquei para ele e então assenti.
— Sim. Sim, terminei — meu polegar se moveu sobre a tela lisa de seu
telefone. Fui até a mesa dele e coloquei o celular em cima. — Aqui está seu
telefone. Obrigada, novamente, por me deixar usar.
— Às ordens. — Seus olhos se moveram sobre mim, da mesma maneira que
ele às vezes fazia: uma avaliação clara e aberta. Ele fazia muito isso e sempre me
deixava desconfortável, calorosa e nervosa. Levantou o queixo em direção ao
bar. — Eu não sei o que você bebe, então pedi algumas coisas.
Voltei minha atenção para onde ele indicou e examinei os copos colocados no
final do bar.
— Deveríamos…? — limpei minha garganta e gesticulei com a mão em
direção aos três copos de cerveja na frente de Quinn. — Deveríamos beber em
horário de trabalho?
Quinn deu uma mordida em seu cachorro-quente e encolheu os ombros.
— Não estamos trabalhando agora.
— Mas não terminamos. Ainda temos a revisão das novas medidas de
controle de multidões.
Quinn me interrompeu com um aceno de mão.
— Falei com Jamal. Essa parte da visita está encerrada, então acabamos por
hoje. — Como que para enfatizar isso, Quinn tomou um longo gole de seu copo
e terminou o terço restante da cerveja. Colocou o copo na mesa com firmeza e
olhou para mim.
— Ah — pisquei. Eu estava confusa e, quando fico confusa, costumo falar
meus pensamentos à medida que me ocorrem, em vez de me envolver em um
diálogo interno, como uma pessoa normal. — Então, isso significa que eu não
precisava cancelar meu jantar?
A mandíbula de Quinn ficou tensa e sua boca se curvou em uma carranca.
— Acredito que não. — Ele colocou três batatas fritas na boca e fez um som
alto, crocante, enquanto mastigava. Seus olhos se fixaram em mim enquanto sua
mandíbula trabalhava, e eu senti uma ansiedade, agora familiar, sob o peso
penetrante de seu olhar.
— Bem, então — limpei minha garganta. — Eu deveria ligar de novo para o
Jon e ver se ainda podemos nos encontrar. — Eu disse as palavras, mas,
particularmente, não queria seguir adiante na ação. Parei e olhei para o meu
relógio.
— Ou — Quinn calmamente estendeu a mão, tirou o celular da mesa e, em
seguida, colocou-o no bolso. — Você poderia ficar aqui e curtir o show comigo.
Levantei meus olhos, arregalados, para ele.
— Você vai ficar para o show?
Ele assentiu.
Abri minha boca para perguntar se nós estávamos autorizados a ficar, mas
depois pensei melhor. Eu contemplei o atual estado das coisas. Observei Quinn
Ele parecia relaxado, mas de alguma forma, no limite. Me prendeu novamente
naquele momento do quão surpreendente, e até dolorosa, era sua beleza. Uma
nova pontada de consciência me cortou e eu, desesperadamente, queria algo para
beber. Tirando minha atenção dele, olhei para o copo de Martini no bar, cheio
com um líquido amarelo brilhante e guarnição de limão. A borda do copo foi
revestida com sal ou açúcar, ou uma combinação de ambos.
Fui até o bar e levantei o copo na direção dele.
— O que é isso?
— Isso é uma bebida chamada ‘‘gota de limão’’.
Eu peguei e cheirei. O cheiro era agradável.
— O que tem aqui?
— Suco de limão, açúcar e vodca.
— Vodca?
— Minha irmã, Shelly, diz que tem gosto de limonada. — Quinn tomou um
grande gole, terminando sua cerveja e pegou o segundo copo, ao lado de seu
prato.
Pensei em misturar vodca com Quinn. Faria Quodka, que soava para mim,
como uma espécie de jogo de cartas búlgaro, envolvendo gângsters e prostitutas.
Coloquei a gota de limão de volta ao balcão e fiz sinal para seus copos de
cerveja.
— Tem mais cerveja?
— Isto não é cerveja, é caldeireiro - cerveja e uísque.
Minhas sobrancelhas se ergueram, inconscientemente.
— Ah.
Considerando minhas opções, tomei um gole da gota de limão. Não tinha
exatamente gosto de limonada, mas estava delicioso. Fui até o buffet e peguei
um prato com a mão livre, mas, antes que eu pudesse começar a amontoar as
batatas fritas, a voz de Quinn me parou.
— Eu já fiz um prato para você. Está aqui em cima da mesa.
Me virei para encará-lo.
— Ah. — Novamente, foi tudo que eu consegui pensar em dizer.
Coloquei o prato vazio de volta em seu lugar, peguei um segundo copo de
Martini cheio do líquido amarelo brilhante, e fui para onde Quinn estava
sentado. Sentei no banquinho em frente a ele. O prato que ele tinha feito, tinha
dois cachorros-quentes com uma quantidade generosa de ketchup e mostarda,
um monte de frutas e uma porção perfeita de batatas fritas.
Sorri para o prato. Meu estômago roncou novamente, e eu tomei outro gole da
gota de limão antes de colocar os dois copos na mesa.
— É exatamente assim que eu gosto dos meus cachorros-quentes.
Sua boca virou para o lado.
— Fã de cachorro-quente, você?
Eu balancei a cabeça enquanto mordia a salsicha. Ainda estava quente e
delicioso. Terminei de mastigar e disse:
— Era meu jantar favorito, quando criança. Acho que viveria de cachorros-
quentes se minha mãe tivesse deixado.
— Mas ela não deixou?
— Não, ela era muito consciente com o corpo, mesmo quando éramos
crianças. — Lambi a mostarda do meu dedo indicador.
Quinn seguiu o movimento, e seus olhos ficaram na minha boca, quando ele
perguntou:
— Quantos irmãos você tem?
— Duas irmãs. Sou a do meio — dei outra mordida, lambendo o lado da
minha boca e, em seguida, lavando toda a bondade de nitrato com uma generosa
chafurda de gota de limão. Eu mal podia sentir o gosto do álcool.
— E quanto a você?
— Hum, uma irmã e... — Quinn tomou um gole de sua segunda cerveja.
Esperei que ele continuasse, mas quando vi que ele continuaria, falei:
— E?
Em seguida, ele deu uma mordida muito grosseira.
— E um irmão, mas ele morreu há alguns anos.
Parei de mastigar e, não pensando na minha boca muito cheia, disse:
— Erm serrie erbert er beerder.
Quinn meio que sorriu.
— O que é que foi isso?
Engoli minha comida, tomei outro gole da minha bebida e disse novamente:
— Eu sinto muito. Sinto muito pelo seu irmão.
Ele me observou por um momento, depois desviou o olhar. Tomou um grande
gole de cerveja, terminando o segundo e começando no terceiro.
Minha cabeça estava começando a parecer leve, provavelmente da adição de
vodca a um estômago vazio, mas tentei afastar a sensação e concentrar-me em
nossa conversa.
— Você estava muito perto?
Ele balançou a cabeça, em seguida, limpou a garganta. Ainda assim, ele não
olhou para mim e não disse nada. Sem pensar, estendi a mão e cobri a mão dele,
onde ela descansava na mesa com a minha.
— Isso é uma porcaria. — Terminei a minha gota de limão, coloquei o
cotovelo na mesa, e descansei meu queixo na palma da minha mão.
Ele encontrou meu olhar. Estava sério, procurando. Virou a palma da mão,
para que ficássemos de mãos dadas, e concordou bem baixinho.
— Sim.
Meus olhos se moveram sobre ele em estudando-o. Senti-me quente minha
boca estava anestesiada, provavelmente devido ao álcool, e por isso não pensei
duas vezes antes de perguntar, em rápida sucessão:
— Como ele era? Ele era como você? Ele era mais velho ou mais novo?
— Ele era mais velho. Ele não era como... — sua atenção se moveu para
nossas mãos unidas e ele franziu a testa, como se considerasse algo.
Notei sua expressão infeliz e tentei me afastar, mas ele segurou minha mão
com mais firmeza e olhou para mim. Puxou minha mão, como se para garantir
que eu não tentasse escapar novamente. Sem uma palavra, deslizei para o lado
dele. Quando me acomodei no banquinho, ele pareceu relaxar.
— Nós não éramos iguais — disse ele. — Ele era um policial, em Boston. —
Me encarou, de modo que uma de suas pernas estava entre as minhas e seu pé
descansou no degrau inferior do meu banco.
Tentei me concentrar em suas palavras, mas o mundo parecia confuso.
— Ele sendo um policial, significava que vocês dois não eram iguais? —
tomei outro copo de gota de limão, lambendo o açúcar residual dos meus lábios.
Seus olhos se moveram para minha boca, ficaram lá e pareciam perder o foco.
— Sim e não. Ele era honrado. Acho que ele queria ser policial, porque
sempre quis fazer a coisa certa.
Levantei uma sobrancelha para ele e inclinei minha cabeça da mesma maneira
que eu o testemunhei várias vezes antes.
— Eu ainda não entendo, você precisa ser mais preciso. — Consegui falar e,
principalmente, não me enrolar quando perguntei: — Você está dizendo que não
é como ele, porque você não se tornou um policial?
Seus olhos não se moveram dos meus lábios enquanto ele respondia.
— Não. Eu não sou como ele porque, geralmente, eu não quero fazer a coisa
certa.
Ou a proximidade dele, ou o meu copo com álcool e adocicado, eram
responsáveis pela deliberada excitação do meu coração palpitante. Eu imaginei
que era um pouco dos dois. O ar parecia mudar e se tornar mais lento, mais
denso. Senti que algo importante tinha acabado de acontecer, mas eu estava
muito confusa para entender isso. Eu sabia que o jeito que ele estava olhando
para mim, fazia meu ventre sentir-se deliciosamente dolorido e cheio.
No entanto, antes que eu pudesse pensar ainda mais sobre o momento, ele me
beijou.
Capítulo 11
Ele beijou minha boca, pressionando seus lábios nos meus, suavemente.
Depois inclinou a cabeça e foi repetindo, como se quisesse me provar de todos
os ângulos. Nós estávamos unidos, apenas por nossos lábios e nossas mãos
entrelaçadas. Isso durou apenas um pouco, antes de Quinn soltar minha mão para
cravar seus dedos nas minhas costas, me puxando do meu assento totalmente
contra ele. Eu estava entre as pernas dele, meio em pé e meio inclinada em seu
peito.
Sem pensar, inclinei-me para frente. Minhas mãos subiram e agarraram sua
camisa, em parte para me equilibrar e em parte porque a oportunidade apareceu.
Seus lábios estavam quentes e delicados. Ele me beijou gentilmente a princípio,
devagar, saboreando cada toque, mas o aperto dele em mim foi forte, me
espremendo contra ele como se eu fosse desabar, ou tentar afastá-lo.
Meu cérebro e meu corpo estavam desconectados, e eu não respondi
imediatamente à situação atual com o devido entusiasmo, o que, com toda a
honestidade, poderia ter sido um golpe de sorte. Se eu estivesse preparada para o
beijo e soubesse o que ia acontecer, provavelmente teria ficado atrapalhada,
ansiosa e acabado com metade do rosto dele na minha boca.
No entanto, por ter sido inesperado, um pequeno gemido involuntário escapou
de mim. Isso acabou sendo uma coisa muito boa porque, quase imediatamente,
senti a língua dele deslizar suavemente pela minha boca. Separei meus lábios e
ele respondeu com um rosnado baixo, seus braços deslizando completamente ao
meu redor enquanto ele reivindicava minha boca. Sua mão subiu pelas minhas
costas e segurou meu cabelo. Puxou meu coque para fora da sua torção, fazendo
cachos saírem em todas as direções. Enrolou uma mecha em torno de sua mão e
me segurou no lugar, enquanto ele explorava minha boca. O beijo ficou faminto,
e minhas mãos, presas entre nós, só podiam agarrar a frente de sua camisa.
Minhas reações foram inteiramente baseadas em medula oblonga. Eu estava
tão absorta nas sensações de Quinn — suas mãos, braços, boca, peito — que eu
não ouvi a porta se abrir atrás de mim, e não entendi por que Quinn endureceu
de repente e puxou sua boca da minha. Meus olhos ainda estavam fechados, meu
queixo ainda estava levantado, e meus lábios ainda estavam separados, quando
ele tirou a mão do meu cabelo e eu o ouvi falar.
— O que foi? — ele parecia zangado.
Meus olhos se abriram, não compreendendo o que ele queria dizer,
acreditando, inicialmente, que ele disse as palavras para mim. Até que percebi
que ele não estava olhando para mim, mas sim por cima do meu ombro. Com
isso, minha mente estava autorizada a se manifestar em mim. Desta vez,
reconheci a voz atrás de mim.
— Desculpe, não é nada. Merda. Achamos que você queria... não importa. —
Ouvi a porta se fechar enquanto Jamal saía da sala.
Foi nesse momento que eu soube que meus óculos estavam tortos. Tentei olhar
para o rosto de Quinn, mas as molduras dos óculos bloqueavam minha visão,
lançando linhas pretas com aros de chifre em todas as direções. Os braços de
Quinn ainda estavam em volta de mim, em um pseudo aperto, e eu contei até
seis para desfrutar de estar pressionada contra as formas duras de seu corpo.
Quando cheguei à seis, continuei contando até doze.
Quinn não fez nenhum movimento. Ele estava tão quieto, que pensei que
poderia estar prendendo a respiração. Gentilmente empurrei seu peito,
reajustando meus óculos tão graciosamente quanto fosse possível. Ele relaxou
um pouco, mas manteve as mãos na minha cintura enquanto eu me endireitei.
Deixei meu olhar piscar em seu rosto, e me esforcei para ler sua expressão
através dos meus cílios.
Seus olhos eram escuros, ilegíveis e meio fechados, observando-me. Sua boca
estava avermelhada e inchada do nosso beijo. Minhas pernas estavam
cambaleando e tentei, sem sucesso, me equilibrar quando levantei. Era provável
que eu teria caído para trás, se não fossem suas mãos em mim. Ele lambeu os
lábios. Tive que reprimir outro gemido. Fechei meus olhos novamente e
mergulhei meu queixo no meu peito.
O abrigo escuro proporcionado por minhas pálpebras, deveria ter me
permitido se concentrar em classificar a festa do pandêmonio e o banquete da
dúvida, duelando pela minha atenção. No entanto, a proximidade contínua de
Quinn, o peso de suas mãos enroladas em volta da minha cintura e seu peito sob
meus dedos, estavam, mais uma vez, afastando minha função cerebral superior.
Um pensamento galopou ao redor do meu cérebro: “Não posso acreditar que
acabou de acontecer.”
Por fim, foi acompanhado por outro pensamento: “como posso fazer isso
acontecer novamente?”
Uma vez que eu estava quase certa do meu equilíbrio, abri meus olhos e,
relutantemente, os ergui, mas só consegui chegar até o pescoço dele. Eu senti as
mãos de Quinn brevemente apertarem e cairem para os lados dele. Ele deu um
passo arrastado para trás, depois outro. Passou os dedos no cabelo, deixando
pequenos picos de desordem desgrenhada. Como se não soubesse o que fazer
com as mãos, Quinn colocou-as nos quadris. Ele disse:
— Isso não deveria ter acontecido.
Suas palavras sóbrias tiveram um efeito imediato. O álcool e o sistema
climático tropical, induzido por Quinn, que se espalharam pelo meu corpo,
foram cobertos por uma explosão ártica. Com destreza e velocidade
surpreendentes, consegui me distanciar de meus sentimentos de decepção antes
que se tornassem incontroláveis: caixa trancada, luz apagada, armário fechado.
Meus olhos levantaram e encontraram os dele por um curto período. Olhei por
cima do ombro dele.
— Bem, você tomou três copões — minha voz estava um pouco ofegante,
então eu engoli e cruzei os braços sobre o peito, na esperança de estabilizar o
meu fluxo de palavras. — O álcool é um calmante e os calmantes têm como
alvo, uma substância química chamada GABA (Ácido gama-aminobutírico), o
principal neurotransmissor inibitório dentro do cérebro. Também foi descoberto
que beber aumenta os níveis de norepinefrina, o neurotransmissor responsável
pela excitação, que se acredita ser responsável pela excitação aumentada quando
você começa a beber. A noradrenalina é o alvo químico de muitos estimulantes,
sugerindo que o álcool é mais do que apenas um calmante. Níveis elevados de
norepinefrina aumentam a impulsividade, o que, por sua vez, leva a
comportamentos que buscam prazer com os quais você provavelmente não se
envolveria sem a ingestão de álcool em seu sistema.
Mordi meu lábio, me sentindo em conflito sobre minha explicação muito
lógica. Explicar o beijo através da loucura induzida pelo álcool, fez minha
cabeça se sentir melhor, como se o mundo tivesse sido corrigido em seu eixo e
verdades inalienáveis ainda existissem. Isso também fez meu coração e todas as
minhas partes femininas se sentirem mal, como quando você descobre que Papai
Noel é um mito, ou que o Super-Homem não existe.
Durante toda a minha palestra sobre a culpabilidade do álcool, Quinn me
observou com uma satisfação ansiosa e, quando terminei, suspirou audivelmente.
— O que aconteceu não teve nada a ver com o álcool.
Decidi me apegar a verdades inalienáveis. Você não pode se decepcionar se
você se apegar a verdades inalienáveis.
— Você não tem certeza disso — me afastei dele, puxei a bainha da minha
camisa e procurei meu bloco de notas, especialmente não querendo ter essa
conversa. — Nosso controle de impulsividade ainda está comprometido pela
introdução de álcool em nossos sistemas. — Procurei no chão pelo meu laço de
cabelo.
— É por isso que você me beijou de volta? Porque seu controle de
impulsividade foi comprometido? — podia sentir seus olhos em mim, enquanto
eu parei de procurar o laço e caminhei até a mesa segurando meu bloco de
anotações caído e minha pasta. Eu os peguei.
— A lógica determina que, tanto a minha participação quanto a sua, se devam,
em grande parte, ao consumo de bebidas alcoólicas. — Olhei para meu relógio
sem ver e, em seguida, cruzei para a porta. Precisava sair e organizar os eventos
do dia e da noite. Quanto mais nós conversávamos, menos eu me sentia firme e
estável, apesar da minha diversão audaciosa.
Ele entrou na minha frente antes que eu chegasse à saída, impedindo minha
fuga e levantando as mãos. Tive que dar um passo para trás.
— Deixe-me ser claro sobre algo. Eu te beijei, porque eu quis. Penso em te
beijar desde a primeira vez que a vi, no saguão do Edifício Fairbanks, semanas
atrás.
Sua declaração, se é que se pode chamar assim, me pegou completamente de
surpresa e, portanto, um som pequeno e surpreso escapou da minha garganta.
Meu cérebro do andar de cima e meu cérebro do andar de baixo, se engajaram
em um jogo de risco e foi a vez do andar de baixo rolar os dados.
Mexi o pé sem saber o que dizer ou fazer, então respirei fundo, soltando o ar
lentamente, e encontrei seu olhar. Meu estômago se contorceu com a expressão
levemente cautelosa que ele fazia. Seus olhos pareciam estar procurando os
meus.
Pigarreei.
— Você acabou de dizer que não deveria ter acontecido.
Ele hesitou por um momento, como se considerasse um movimento de xadrez,
seus olhos ainda cautelosos.
— Isso não deveria ter acontecido.
Inclinei a cabeça para o lado, ignorando o fato muito óbvio de que eu estava
começando a pegar suas manias, e o desafiei.
— E você acha que teria acontecido, se não tivessemos bebido?
Ele deu outo suspiro alto. Observei seu peito se expandir e seu olhar caiu para
a minha boca.
— Eventualmente.
Pisquei para ele duas vezes.
— Eu... — não consegui soltar outra palavra. O norte desceu e o sul subiu. —
Eu não sei o que dizer.
Ele passou a mão pelo cabelo novamente e murmurou, de forma que mal
consegui distinguir suas palavras.
— Eu não tenho muita experiência com isso. — Suas feições eram sérias,
cautelosas.
— Com o quê? — soltei.
— Eu quero te levar para sair — ele engoliu e acrescentou: — Sair para jantar.
— Eu... — leste estava a oeste e oeste estava em algum lugar na galáxia de
Andrômeda. — Você quer me levar para jantar? — Aquilo era algum tipo de
engano. Meus olhos estavam arregalados de confusão e descrença. Eu tinha
certeza de que as próximas palavras da minha boca, resultariam em minha
completa humilhação, mas aceitando meu destino, eu as disse de qualquer
maneira, e minha voz falhou na última palavra.
— Como um encontro?
Ele não sorriu. Não parecia divertido. Apenas balançou a cabeça e repetiu:
— Como um encontro.
Olhei para ele por um tempo indeterminável, esperando que ele voltasse ou
esclarecesse que estava se referindo à encontro como quando duas pessoas se
encontram, e não à encontro de evento romantico, ou a alguém que me acordasse
desse universo bizarro e perpendicular. Finalmente eu disse, cerca de dez
decibéis mais alto:
— SIM!
Na verdade, eu gritei. Eu gritei a palavra sim.
Quinn soltou um suspiro.
— Bom.
— SIM, VOU SAIR EM UM ENCONTRO COM VOCÊ, QUINN
SULLIVAN, IREMOS À ALGUM LUGAR PARA JANTAR. — Eu não
conseguia parar as palavras gritadas. Estava tendo uma experiência fora do
corpo, o que, por alguma razão, me fez gritar a frase.
Ele riu levemente.
— Bom! Fico feliz em ouvir isso.
Balancei a cabeça, muda, até ter certeza de que tinha controle sobre o meu
volume.
— OK. É isso. — Não tenho certeza sobre o protocolo adequado em casos
como esses, então estendi a mão para ele apertar.
Ele examinou minha mão extendida e a envolveu na sua, me puxando para
frente em vez de apertar. Se inclinou e me beijou novamente, desta vez apenas
um rápido e breve esfregar de seus lábios contra os meus e, então, se endireitou.
Aquele pequeno, mas encantador beijo, fez meus dedos se curvarem, minha
espinha tremer e meu coração pular para a minha garganta. Instintivamente
balancei para frente quando ele recuou.
Corei pela septingentésima trigésima primeira vez.
— Eu tenho que ir.
— Você não quer ficar para o show?
— Ah. — Eu esqueci completamente do show.
Ele puxou o caderno da minha mão e apontou para a janela.
— O primeiro ato deve começar em breve.
Hesitei.
— Vamos terminar de comer, e assistimos o show. Podemos sair quando
quiser.
Olhei ao redor da sala. Muita coisa aconteceu, em um período extremamente
curto. Os eventos justificaram a análise.
Quinn puxou minha mão onde ele entrelaçou nossos dedos, até que eu
encontrei seu olhar. Seus olhos eram quentes e desprotegidos, até mesmo
brilhantes.
— Eu prometo! Nenhuma gracinha, e nada que comprometa o controle da
impulsividade... — seu, agora, sexy e sinuoso sorriso, brilhou em mim e então
acrescentou: — A menos que você queira.
Eu só pude acenar, muda pela intensidade cintilante de seu sorriso, e me
permitir ser levada na direção de sua escolha.

Fiel à sua palavra, não houve nenhuma gracinha. Mesmo que nós dois
consumíssemos bebidas alcoólicas adicionais, nenhum de nós iniciou qualquer
intimidade física, além de breves toques ocasionalmente. De vez em quando,
Quinn afastava meu cabelo dos meus ombros ou rosto, e colocava seu braço ao
longo das costas do meu assento.
Era estranho ouvir um concerto em vez de estar ativamente envolvido nele.
Nós não cantamos, nem dançamos ou aplaudimos. Na verdade, falamos durante
a maior parte dele. Poderia muito bem ter sido música de fundo em um sistema
estéreo. Em um ponto, nós ignoramos completamente e passamos quarenta e
cinco minutos debatendo minha filosofia sobre pessoa boa-ruim-estúpida-
preguiçosa.
Quinn acreditava que, se eu incluísse tanto o bem quanto o mal, eu deveria
acrescentar inteligente e motivado. Contestei que a ausência de estupidez
implicava inteligência, mas a ausência do mal não implicava bem.
Quando ele me pegou bocejando pela segunda vez, decidiu que era hora de me
levar para casa. Um Mercedes preto nos encontrou, quando chegamos lá
embaixo. Para meu espanto, fomos recebidos por um rosto familiar.
Foi Vincent — Vincent, o motorista da limusine que me ajudou a mover o
conteúdo de meus pertences do apartamento de Jon, e me levou ao apartamento
de Elizabeth no meu pior dia de todos os tempos —. Eu não pude acreditar nos
meus olhos no começo, mas então, quando ele segurou a porta aberta, piscou
para mim. Eu só pude encará-lo estupidamente.
Quinn e eu passamos a primeira metade do passeio de carro, em silêncio,
sentados em lados opostos do longo banco de couro. Meu cérebro doeu. Estava
cansado de tentar acompanhar tantas mudanças e avaliar a adequação de minhas
reações. No entanto, tentei classificar as últimas horas. Olhei de relance para a
parte de trás da cabeça de Vincent e, uma ou duas vezes, ele me chamou a
atenção no espelho retrovisor. Em algum momento, eu precisaria perguntar a
Quinn se ele arranjou a limusine que me levou para casa semanas atrás, ou se a
presença de Vincent hoje à noite era apenas um acaso.
Em um semáforo, Quinn me puxou para fora das minhas reflexões, soltando
meu cinto de segurança. Encontrei seu olhar, o azul claro de seus olhos
parecendo opalescente no carro escuro. Ele, silenciosamente, me puxou para o
centro do banco, passou os braços em volta de mim, guiou minhas costas até o
peito e prendeu a fivela do meio, em volta de mim. Me senti quente e segura, o
que, paradoxalmente, me fez tremer e fez meu coração disparar com apreensão.
Quando chegamos do lado de fora do meu prédio, Vincent, o motorista, abriu
a porta e ofereceu sua mão. Eu sorri, depois olhei para baixo enquanto saía.
— É bom ver você novamente.
— Você também. Você está muito bonita. — Seus olhos castanhos brilhavam
para mim sob a lâmpada da rua. Ele levou meus dedos aos lábios e deu-lhes um
beijo, assim como fez antes.
Quinn se levantou do carro atrás de mim e eu caminhei para frente, me
virando para continuar a conversa com o motorista.
— E como está sua esposa? Seus netos?
— Ah, os dias são longos, mas os anos são curtos. — Ele balançou a cabeça e
olhou para o céu.
Quinn olhou dele para mim, depois de volta para ele. Levantou uma
sobrancelha, mas não disse nada. Eu disse meu adeus a Vincent, e Quinn colocou
a mão nas minhas costas e me guiou para os degraus do meu prédio. Paramos na
minha porta e eu procurei minhas chaves dentro do estojo do portfólio.
— Como você conhece Vincent? — uma das mãos de Quinn estava em seu
bolso e a outra coçava o restolho de um dia no queixo.
— Eu queria mesmo te perguntar sobre isso — fiz uma pausa, enquanto
separava a chave da porta da frente das demais. — Vincent estava dirigindo a
limusine que me levou para casa no dia em que fui demitida.
Os olhos de Quinn estavam nublados e, então, sua sobrancelha se ergueu em
um entendimento súbito. Ele olhou para longe de mim, em direção a porta do
meu prédio.Olhei para ele com desconfiança antes de perguntar:
— Você providenciou o carro naquele dia?
Ele hesitou. Em seguida, assentiu, ainda não fazendo contato visual.
— Sim.
— Por que você fez isso?
Ele encontrou meu olhar.
— Você parecia... chateada. — Ele suspirou.
— Você nem me conhecia.
— Mas eu queria. — Ele respondeu se aproximando, levantando a mão e
enfiando um cacho atrás da minha orelha.
Engoli com esforço e levantei meu queixo para manter contato visual,
contendo o calor frenético torcido, no meu peito.
— Por que você não falou comigo? Me perguntou sobre um possível
encontro?
Os olhos de Quinn se estreitaram e me analisaram. Ele parecia particularmente
falante, quando disse:
— Eu não namoro.
Fiz uma careta para ele, mas antes que eu pudesse processar sua resposta, ele
se inclinou e me beijou pela terceira vez naquela noite. Este foi diferente. Não
tinha a doçura lenta e saborosa do nosso primeiro beijo e, definitivamente, não
foi uma carícia rápida entre nossos lábios, como no último. Este estava com
fome, imediato e exigente.
Ele enfiou os dedos no meu cabelo e me encostou na porta do prédio, me
prendendo no lugar. Foi o tipo de beijo que afastou todos os pensamentos
coerentes, como um lobo sanguinário perseguindo um coelho. Meu corpo
respondeu de uma maneira que eu não sabia que era possível, minhas costas
arqueando, querendo pressionar cada centímetro de mim contra a sua forma
tensa, com uma dor deliciosa no meu abdomen, revirando meus membros.
Tão repentinamente quanto começou, terminou. Ele se afastou mordendo meu
lábio inferior e esperando que eu abrisse os olhos para que ele pudesse me olhar.
Senti ele colocar algo no meu bolso.
Ele sorriu quase imperceptivelmente.
— Eu pedi a Jamal para que pegasse seu celular no escritório. Vou ligar para
você amanhã, para que possamos fazer as preparações para o jantar.
Abri a boca para responder, mas ele me parou com outro beijo rápido. Quinn
pegou as chaves da minha mão e abriu a porta. Ele me empurrou e me guiou
para dentro, colocando as chaves na minha mão.
Fiz tudo de forma mecânica, parando nos degraus para olha-lo, enquanto ele
pairava do lado de fora da porta. Ele ainda estava sorrindo daquele jeito secreto e
quieto dele. Então se virou e foi embora.

Entrei no apartamento de Elizabeth me sentindo como um zumbi. Eu


precisava raciocinar. A montanha russa de Quinn Sullivan, me deixou
completamente exausta. No entanto, em vez de dormir, tudo o que eu queria era
sentar, olhar para o espaço e ficar obcecada com tudo o que ocorrera. Eu abracei
esse desejo de ficar obcecada, porque sabia que era o que as pessoas normais
faziam.
Elizabeth estava deitada no chão acarpetado, com as pernas encostadas na
parede, em uma excelente pose de yoga Viparita Karani. Ela estava ouvindo
música em fones de ouvido grandes, que estavam conectados ao seu sistema
estéreo através de um cabo notavelmente longo.
Ela tinha uma coleção de discos impressionantemente estranha, e
freqüentemente relaxava ouvindo suas músicas enquanto se esparramava no
chão, contorcendo-se em posturas de yoga, tricotando ou lendo revistas médicas.
Elizabeth adorava boy bands, e tinha discos de vinil compondo a maioria de sua
coleção, começando com New Kids on the Block. Deve ter notado o movimento
da minha entrada, porque ela virou a cabeça e me deu um sorriso zombeteiro.
Ela tirou as pernas da parede, endireitou-se e tirou os fones de ouvido. Seus
olhos se moveram sobre mim, me avaliando deliberadamente.Franziu a testa.
— Você apenas estava com Jon?
Balancei a cabeça e então me sentei, aturdida, no sofá. Peguei um travesseiro
decorativo e agarrei-o em um abraço.
— Não, eu estava com Quinn.
Ela pulou e se sentou ao meu lado, no sofá. Eu podia ouvir os sons fracos de
um álbum do One Direction vindo de seus fones de ouvido.
— Meu Deus. O que aconteceu? Isso foi a trabalho? Onde vocês estavam?
Meu rosto caiu nas minhas mãos e eu balancei a cabeça.
— Elizabeth, você não tem permissão para fazer turnos simultâneos no
hospital, nunca mais.
Comecei contando à ela sobre esbarrar com ele na quarta-feira, no Smith’s, e
incluí os detalhes ambíguos, da prisão, que Quinn havia me dado sobre o suposto
homem das drogas, do Club Outrageous.
Contei sobre nosso encontro um pouco desagradável na quinta-feira, e o fato
de que, agora, eu estava forçada a carregar um celular.
Acabei com uma versão muito curta do nosso dia, sobre nossa sessão de
treinamento, e depois sobre a parte onde tudo passou da calma para uma
cavalgada de loucos.
Quando contei à ela sobre a conversa sexual, ela bateu no meu ombro e disse:
— Você não!
Contei sobre o beijo e ela engasgou. Seus olhos se arregalaram e ela cobriu a
boca.
Quando eu disse que ele me convidou para um encontro, ela começou a pular
de um lado para o outro no sofá.
— Quem convidou?
— Eu o chamei!
— É isso mesmo, uh huh!
Pulei a maior parte do show, e quando eu falei do Vincent e que Quinn
arrumou a limusine quando fui demitida, ela franziu a testa, piscou e disse:
— Acho que foi legal da parte dele, embora um pouco exagerado.
Então, contei a ela sobre seu último comentário da noite — que ele não
namora —.
Ela franziu a testa, se recostou no sofá e cruzou os braços. Ficou em silêncio
por um momento e depois suspirou.
— Você sabe, eu meio que imaginei isso sobre ele.
Foi a minha vez de franzir a testa.
— O que você quer dizer?
— Alguns caras simplesmente não são material para namorar.
— Bem, então, que tipo de material são eles? Camurça?
O canto da boca dela subiu quando uma das sobrancelhas ergueu e ela me deu
um olhar de quem entende do assunto. O problema era que eu não tinha como
entender o que eu não sabia. Balancei a cabeça para ela.
— O que? O que é isso procurar? O que eu não sei?
— Ele é um Wendell.
Um Wendell.
— O que é um Wendell?
Elizabeth rapidamente acrescentou:
— Ele é um jogador gostoso, um Wendell. Alguém com quem você não
namora.
— O que eu devo fazer com um Wendell?
Ela empurrou meu ombro.
— Janie! Você faz sexo alucinante com um Wendell! Você tem o seu
momento com ele. Passa horas no paraíso orgástico, aproveitando seu corpo duro
e cada parte fantástica e o instrumento causador de prazer, até se cansar dele.
Corei e olhei para as minhas mãos.
— Acho que eu não quero pensar sobre isso.
— Sim. Está certa. Não pense. Apenas aproveite os bons momentos — ela
cobriu minha mão com a dela e deu um tapinha, até que eu encontrei seu olhar.
— Você merece isso. Repita depois de mim: “ Eu, Janie Morris, mereço uma
terapia esplêndida de orgasmo, com Sr. Calças-Quentes.
Meus olhos se arregalaram e eu respirei com coragem.
— Isso é loucura.
Os olhos de Elizabeth se estreitaram.
— Diga!
Balancei a cabeça.
— Eu não posso! Eu não posso dizer isso!
— Você não vai apenas dizer isso, mas vai fazer isso e com frequência!
Eu ri apesar da situação.
— Você quer que eu tenha relações íntimas com um garanhão!
— Suposto garanhão. E sim, eu sei — o rosto dela ficou sério. — Você só
esteve com Jon e... — ela bufou. — E eu sei que ele não era tão bom nesse
departamento.
— Eu nunca disse isso.
— Nunca precisou. O fato de você não ter dito, não significa nada.
Mordi meu lábio. A verdade é que achava que Jon mandava bem. Bem! Ele
era... apenas... bom. E o que estava errado em ser apenas bom?
— Janie, sexo pode ser ótimo. Pode ser realmente ótimo, divertido e incrível.
Essa coisa com o Sr. Calças-Quentes... isso tudo pode ser um ótimo
acontecimento. Isso pode ajudá-la a se sentir mais confortável com os homens e
a experimentar o que o sexo e a intimidade física podem ser, quando realmente
são bons. Wendell, quero dizer, Quinn! Quinn está sendo honesto com você
sobre suas intenções. Quando você se cansar dele, não precisa se preocupar com
os sentimentos dele. Isso não é ótimo? Então, quando você conhecer um não-
Wendell, de quem gostar e que gostará de você também, saberá como fazer no
quarto.
Balancei a cabeça.
— Eu não acho que posso ser essa pessoa. Não acho que posso fazer sexo com
alguém, sem saber que esse alguém se importa comigo e quer estar comigo por...
sem algo mais. Eu sei que soa puritano, mas eu não quero sexo se não vier com...
— Amor? — Elizabeth sugeriu com um leve toque de sarcasmo na voz.
Torci meus lábios para o lado.
— Cuidado mútuo, respeito, compaixão e comprometimento. E, sim, espero
que tudo isso seja com algum tipo de amor.
A verdade era que essa pessoa, a pessoa que poderia valorizar mais o aspecto
físico de um relacionamento, do que o compromisso emocional e a consistência,
me assustou. A natureza indomável e imprevisível disso, me assustou. Isso me
lembrou da minha mãe, de como ela abandonava sua família com uma
frequência alarmante, em favor de parceiros sexuais temporários. Era importante
para mim que eu nunca tivesse nada em comum com aquela mulher. E, se isso
significasse que eu acabaria sem um parceiro, ou se eu passasse o resto da minha
vida em um relacionamento sério, sem paixão, embora confiável e seguro, então
eu estava realmente bem com isso.
Ela bufou.
— Você pode conseguir tudo isso com um cachorro, ou um gato. Você diz
essas coisas e pensa assim, porque nunca fez um ótimo sexo.
Ri de sua careta descontente.
— Então, ah, bem. Acho que nunca farei um ótimo sexo.
Ela bufou de novo e me puxou para um abraço.
— Eu amo você, Janie, e eu poderia te proporcionar um ótimo sexo, mas não
sou fã de garotas.
Eu sorri, com o rosto colado em sua camisa.
— Bem, me avise se mudar de ideia.
Ela se afastou e me segurou pelo braço. Seu rosto e sua voz eram sérios.
— Se você não quer um sexo ardente com um Wendell, então eu tenho que te
dizer que você precisa ter cuidado com esse cara. Ele está sendo honesto com
você, quando diz que não namora. Você deveria acreditar nele.
Balancei a cabeça e tentei não trair a tristeza que sentia.
— Eu acredito nele.
Ela me observou por um tempo, analisando-me.
— O que ele disse depois do comentário sobre não namorar?
Engoli em seco. Inconscientemente coloquei meus dedos nos lábios.
— Ele expulsou o inferno de mim, com um beijo.
Capítulo 12
Finalmente respondi ao e-mail da minha irmã, no sábado à tarde, depois de
muita procrastinação.
Dormi até nove e meia da manhã e depois fiquei no futon, por mais vinte
minutos, pensando nos lábios mágicos e misteriosos de Quinn Sullivan. Decidi,
por um capricho estranho, dar uma volta até o lago Michigan. O tempo ainda
estava bom, especialmente para o final de Setembro, e o vento estava
purificador. Me distraí com vistas do Millennium Park, do Aquarium, do Museu
de História Natural, e refleti sobre minha cidade.
Há algo realmente especial em Chicago.
Chicago é o notório filho do meio das grandes cidades dos EUA. Alguns
podem considerar essa analogia apenas em referência à localização geográfica de
Chicago, que fica no meio do país. No entanto, a analogia é multifacetada. Como
a maioria dos filhos do meio, e como livros entre os elaborados suportes de
livros, às vezes é fácil negligenciar Chicago. É inteligente e genuína, mas
sempre é comparada, para melhor ou pior, aos irmãos mais velhos e mais novos,
Nova York e Los Angeles. É a irmã menos notória, mas mais inteligente que
Nova York; é a irmã menos pomposa, mas consideravelmente mais genuína do
que Los Angeles.
É de tirar o fôlego. Bonita e, ainda assim, de alguma forma, ficou presa no
ponto cego da consciência popular.
Sempre me perguntei se Chicago preferiu se afastar do clima desagradável e,
geralmente, disfuncional da notoriedade. Suponho que seja mais do que
conteúdo ser inteligente, genuíno e de tirar o fôlego, sem atrair a atenção que
assola as cidades que são famosas e ostensivas.
No caminho de volta, peguei um café na Starbucks e me entreguei à obsessão
incessante de Quinn Sullivan. Eventualmente, parei do lado de fora do Utrecht
Art Supply e olhei as vitrines. Quando cheguei em casa, encontrei Elizabeth
limpando a cozinha. Me senti um pouco desapontada, afinal, eu estava
planejando passar o tempo procrastinando exatamente essa tarefa. Em vez disso,
tomei um banho e depilei tudo o que poderia ser raspado. Fiz minhas
sobrancelhas, e decidi fazer as unhas dos pés.
Elizabeth me olhou com desconfiança, quando me sentei no sofá e apoiei meu
pé na mesa de café. Tentei ignorar seu olhar aguçado.
Depois de um período de tenso silêncio, ela disse:
— Então, o que você precisa fazer que não quer fazer?
Bufei, gostando e não gostando que ela me conhecesse tão bem. Confessei.
— Jem me enviou um email.
— Jem? — Elizabeth não suprimiu sua surpresa. — Quando?
— Na quinta feira.
— O que ela quer?
Destampei o removedor de esmalte e encharquei uma bola de algodão.
— Ela quer fazer uma visita.
— Para quem?
— Suponho que a mim. Ela disse que queria me ver.
Elizabeth balançou a cabeça.
— Isso é tão estranho. Ela nem gosta de você.
Dei de ombros.
— Eu sei.
Era verdade. Minha própria irmã não gostava de mim. Não é que não nos
dávamos bem, Jem simplesmente não parecia gostar de ninguém. Às vezes ela
fingia gostar das pessoas, mas apenas pelo tempo que fosse necessário para obter
o que precisava. Eu senti que havia uma possibilidade distinta de que ela fosse
uma sociopata.
Abruptamente coloquei a tampa de volta no removedor e peguei meu laptop.
Eu precisava arrancar o Band-Aid de irritação e apenas responder ao maldito e-
mail dela. Respondi:
Jem, estarei na cidade na semana que vem, mas só parte da semana, depois
viajarei a negócios. Quando você pretende chegar? Quanto tempo você vai
ficar? Você quer ver, ou fazer alguma coisa em particular enquanto está aqui?
Me avise dos detalhes quando você puder. Até breve, Janie.
Parecia bastante amigável, mas eu tinha certeza que isso iria aborrecê-la.
Ela não gostava de contar seus planos, mesmo que afetassem diretamente
outra pessoa.
Com essa questão resolvida por enquanto, decidi enviar um e-mail para Jon,
sobre o jantar. Apesar de Steven não conseguir nos encontrar, me senti obrigada
a manter meu plano de jantar com Jon, especialmente depois de cancelar duas
vezes seguidas. Quando comecei a escrever um e-mail, algo em algum lugar
próximo começou a soar.
Parei de digitar e olhei para Elizabeth, confusa.
— O que é isso? Parece um caminhão de sorvete.
Elizabeth parou de acomodar a louça na máquina de lavar, segurando um
prato pingando.
— Na verdade parece com um celular. Não é o seu novo telefone?
Levei um susto, lembrando do telefone, e comecei a revirar a sala de estar
tentando encontrar a coisa maldita. Depois de um tempo parou de tocar, mas,
segundos depois, começou novamente. Eu estava xingando e era uma palavra de
duas sílabas e de quatro letras, quando encontrei a geringonça amaldiçoada.
Respondi, sem fôlego.
— Sim! Alô?
— Oi.
Externamente, meu corpo endureceu; internamente, meus ossos se
dissolveram.
— Ah! Oi-oi-olá! Como você está?
— Bem. Como você está? — Quinn parecia estar sorrindo. Uma imagem dele
sorrindo passou pela minha consciência, fazendo com que os cabelos na parte de
trás do meu pescoço, se arrepiassem.
— Eu estou bem. É... — olhei para Elizabeth. Ela estava fazendo gestos
sugestivos com as mãos ainda molhadas. Olhei para ela com raiva, e me virei
completamente. — É bom falar com você.
— Mesmo pelo celular?
Sorri contra minha vontade e respondi:
— Seria melhor se não fosse pelo celular.
— Concordo. Estou ligando por causa do jantar. A que horas te busco?
— Jantar?
— Sim, jantar.
— Hoje à noite?
— Sim. Jantar. Hoje à noite.
— Hum... — fiz uma careta e olhei para a mensagem, ainda aberta no meu
laptop, que eu estava digitando para Jon.
— Janie?… Você está desistindo?
— Não, não. Eu não estou desistindo. É só que não posso hoje à noite. Já
tenho planos.
O movimento de Elizabeth chamou minha atenção, e a peguei me encarando e
murmurando:
— Que diabos você está pensando?
Eu a enxotei para longe.
Quinn não respondeu, então afastei o telefone para longe da minha orelha e
olhei para a tela, tentando descobrir se eu tinha desligado o telefone. Nenhum
dos símbolos parecia indicar algo desse tipo, então falei novamente.
— Quinn? Você ainda está aí? Eu encerrei a ligação?
— Sim, ainda estou aqui — o ouvi suspirar. — Esses planos não são os
mesmos que você fez ontem, com o seu ex, são?
Por dentro, me encolhi e, externamente, também me encolhi.
— Sim.
Sua resposta foi o silêncio.
— Quinn?
— Eu também vou. — Não soou nada como um pedido.
— Hãn?
— Hã, o quê?
Sua voz era rigorosa e brusca.
— Você e eu vamos sair amanhã. Hoje posso conhecer seu amigo Jon.
— Você quer conhecer Jon? — Instintivamente, meu olhar procurou por
Elizabeth, e acho que devo ter parecido tão ferida quanto me sentia. Ela apenas
olhou para mim, com os olhos arregalados.
— Eu quero te ver.
Suas palavras fizeram meu coração pular. Tive dificuldade em formar um
pensamento coerente.
— Bem, eu acho, quer dizer, suponho que, quer dizer, não é que... Talvez
pudéssemos, eu simplesmente não acho que...
— Aonde vamos? A que horas vamos encontrá-lo?
— Eu estava mandando um email para ele, para acertar os detalhes.
— Ok. E que tal o Chez Jean? Te busco às 19:00h
— Não, te encontro no restaurante. — Eu não queria chegar com ele.
Pareceria um encontro e Jon se sentiria sobrando.
— Você sabe onde é?
— É a um quarteirão do Al’s Beef, certo?
Podia ouvir o sorriso em sua voz.
— Sua referência é o Al’s Beef?
— Como não perceber o Al’s Beef? É amarelo e preto, e tem um copo de
plástico gigante no centro da placa. Acho que eles têm oportunidades de franquia
disponíveis.
Ele riu.
— Te vejo às 19:00h horas.
Sua risada me fez sorrir como uma idiota.
— Ok. Às 19:00h vou te ver, então.
Quando a ligação acabou, olhei para o celular, sem realmente vê-lo, por um
momento. Me senti leve, como se meus pés não estivessem tocando o chão e eu
pudesse flutuar, caso o desejo me atingisse. Senti como se corresse e girasse por
um campo, enquanto uma orquestra tocava no fundo. Senti vontade de bater os
calcanhares e deslizar por um corrimão incrivelmente grande e íngreme. Senti
vontade de colher uma margarida enquanto recitava: “Bem me quer... Mal me
quer... Bem me quer.”
A voz preocupada de Elizabeth, me tirou dos meus devaneios sinuosos e me
trouxe para um pouco mais perto da realidade.
— Você está mal. Nunca te vi assim.
Com um sorriso patético, ainda estampado no rosto, suspirei. Sabia como eu
era e parecia. Uma pequena voz, nos recessos do meu cérebro hiperativo, gritou
comigo: “Você está apaixonada! Apaixonada, entendeu?!”
Eu nunca tinha percebido antes, como a paixão poderia ser gloriosa. Talvez eu
nunca tivesse sido apresentada à oportunidade, até Quinn aparecer.

O jantar daquela noite começou com um dos silêncios mais difíceis que já
experimentei na minha vida. Tive que morder minhas bochechas, para não
encher o buraco negro de palavras não ditas. Depois que as apresentações foram
feitas, Jon se sentou ao meu lado, no sofá encostado na parede, e olhou zangado
para Quinn. Quinn, em sua cadeira em frente a nós, sorriu para Jon.
Era um sorriso presunçoso, tingido com certa quantidade de arrogância. Eu
não sabia como me sentir em relação a isso, então, apenas ignorei naquele
momento. Eu só esperava que meu excessivo engolir nervoso passasse
despercebido. Finalmente, sentindo como se eu fosse estourar, saí educadamente
da mesa e corri para o banheiro feminino. Fiquei lá até me sentir capaz de refrear
a lista transbordante de factoides relacionados a buracos negros, que davam
voltas na minha cabeça.
Quando saí do banheiro percebi, pela primeira vez, como o restaurante era
realmente agradável. Cheirava a alho e a roux, e as paredes eram de um amarelo
pálido, exceto pela moldura da copa, que era uma madeira escura e natural. As
janelas estavam emolduradas por cortinas cor de vinho. Belas paisagens a óleo,
que eu presumi ser o interior da França, adicionavam elegância íntima sem fazer
o lugar parecer desordenado, ou como um museu de arte.
As mesas estavam cobertas com toalhas brancas. As fileiras de garfos,
colheres e facas se espalhavam como pétalas, de cada lado de uma série de
pratos empilhados; os maiores no fundo, os menores no topo. Um guardanapo de
linho, delicadamente dobrado de maneira a parecer um cisne, saía de um copo de
água à direita dos pratos.
Eu estava tão distraída com o ambiente, que não percebi, até que voltei para a
mesa onde Quinn estava sentado, sozinho. Olhei ao redor do pequeno restaurante
e vi a forma recuada de Jon saindo pela porta. Sem pensar, o segui e chamei seu
nome.
Ele parou. Se virou devagar e voltou para o bistrô. Seus olhos se moveram
além de mim para onde Quinn estava sentado e, então, encontrou meu olhar
novamente. Sua expressão, geralmente tão aberta e desprotegida, era remota e
sombria.
— O que está acontecendo, Jon? Aonde você vai?
Ele bufou e, com os dentes cerrados, disse:
— Estou indo embora.
— Por que?
Os olhos verdes de Jon, olharam para os meus buscando algo e sua expressão
pareceu suavizar. Ele se mexeu e pegou uma das minhas mãos.
— Olha, Janie, não importa o que ele diga, quero que você saiba que eu te
amo. Apenas me prometa que você vai me ligar amanhã. Não importa o que
aconteça, você vai me ligar amanhã e vamos conversar.
Balancei a cabeça, confusa.
— Vocês dois se conhecem?
— Não. Nós nunca nos conhecemos.
— Sobre o que vocês conversaram?
— Não foi nada…
— Então, por que você está indo embora?
Ele apertou minha mão.
— Apenas me prometa, por favor?
Dei de ombros.
— Tudo bem, tudo bem. Prometo. Te ligo amanhã, mas isso é muito estranho.
Ele sorriu com firmeza, de um jeito que não combinou com seus olhos, e
soltou minha mão.
Rapidamente, em um movimento fluido, Jon se inclinou para frente, beijou
minha bochecha e, em seguida, se virou e saiu. Olhei para a porta por vários
minutos.
Quando me virei, encontrei Quinn me observando. Sua expressão era
indecifravel, como sempre, e, como era típico, seus olhos azuis celeste pareciam
estar mascarando um brilho travesso. Voltei para o sofá encostado na parede e
meus passos desaceleraram, tornando-se lento quando me aproximei. Olhei para
ele, perplexa, e deslizei para o sofá em frente a sua cadeira.
Como se nada tivesse acontecido errado, ele apontou para o copo de martini
na minha frente.
— Pedi um Lemon Drop.
Minha atenção se voltou para o líquido cor de uísque na frente dele, e para o
copo na minha frente. Havia apenas dois copos.
Fiz uma careta.
Olhei para Quinn, na esperança de transmitir a intensidade da minha suspeita.
— Sobre o que você e Jon conversaram? Por que ele saiu?
Quinn nem tinha decência suficiente para parecer envergonhado. Em vez
disso, me observou com seus olhos travessos, e tomou um longo gole de seu
uísque antes de responder.
— Você deveria perguntar a ele.
— Eu perguntei. Ele insistiu que não era nada. — Meu tom era monótono e
atado com a descrença que eu sentia.
Quinn deu de ombros.
— Então não deve ter sido nada... — ele disse, sua boca puxada para o lado
em um quase sorriso — A menos que Jon esteja mentindo.
Cruzei meus braços sobre o peito, e me inclinei para contemplar ele e sua
resposta insatisfatória. Ele encontrou meu olhar firmemente. Por fim, eu disse:
— Você não está sendo muito legal.
— O que eu fiz que não é legal?
— Acho que você está sendo meio esperto, e é por isso que você não está
sendo legal.
O sorriso dele desapareceu.
— Esperto não está no seu gráfico de dispersão de quatro quadrantes, da sua
matriz de personalidade.
Meus olhos se estreitaram ainda mais.
— Talvez deva estar. Talvez eu deva adicionar à honestidade como um eixo, e
torná-lo um modelo 3D.
— Você acha que eu estou sendo desonesto? — sua voz estava nivelada, mas
seus olhos pareciam brilhar com o desafio.
— Não. Eu acho que você está sendo, tecnicamente, honesto, o que é quase
pior.
Toda expressão evidente abandonou suas feições e seu olhar fixo, queimou
com intensidade. Senti minhas bochechas vermelhas sob sua inspeção, mas
mantive contato visual, mesmo quando meu coração começou a disparar e um
nervosismo torcido disparou no meu peito. Depois de um longo silêncio, ele se
levantou da cadeira. Sua forma imponente, se movia com uma facilidade
graciosa e elegante de uma pantera. Quinn sentou ao meu lado. Ele colocou o
braço atrás de mim, no encosto do sofá, e seu olhar passou pelo meu pescoço,
lábios e olhos.
Por um momento, pensei que ele fosse tentar me beijar. Em vez disso, ele se
aproximou e sussurrou:
— O que você quer saber?
Levou um tempo para eu concluir os pensamentos. As palavras vieram algum
tempo depois.
— Eu quero saber o que você disse a Jon quando fui ao banheiro.
Quinn me olhou especulando, e depois suspirou.
— Nós conversamos. E o que eu disse é, provavelmente, a razão pela qual ele
saiu. Não estou tentando ser evasivo, mas não é segredo meu para eu contar.
— O que você quer dizer com não ser segredo seu para você contar?
— Isso significa que Jon tem algo que deveria lhe dizer. Se você quer saber o
que é, então você deve perguntar a ele.
— Você não vai me dizer o que é?
Ele balançou a cabeça. Seu olhar era firme e sua voz era direta.
— Não. Não é o meu dever.
Mordi meu lábio superior o examinando, e finalmente decidi que acreditava
nele.
— Tudo bem — eu disse, com determinação. — Obrigada por ser honesto.
Ele assentiu uma vez.
— De nada. Agora eu posso fazer uma pergunta?
Não consegui impedir o meu revirar de olhos.
— Estamos jogando este jogo de novo?
Seu sorriso foi imediato e deslumbrante.
— Gosto deste jogo e, definitivamente, gosto de joga-lo com você.
Antes que ele pudesse fazer sua pergunta, fomos interrompidos pelo garçom,
perguntando se estávamos prontos para pedir. Quinn parecia tirar sua atenção de
mim com relutância, mas manteve o braço ao longo do encosto, nas minhas
costas. Peguei o cardápio para fazer rapidamente minha escolha, mas, pela
segunda vez em nossa curta relação, Quinn fez aquela coisa que se vê em filmes,
mas nunca acontece na vida real: Sem perguntar minha opinião, ele pediu para
mim.
— Vamos começar com o tarte aux champignons e dois salade au chevrotin. A
moça vai querer o Gigot D’Agneau au jus et Romarin, e eu o Steak Grillé au
Poivre, ao ponto. Também vamos querer uma garrafa do Chateauneuf du Pape, o
Cuvee de 2005.
O garçom inclinou-se ligeiramente, quando Quinn arrancou o cardápio da
minha mão e passou para ele. O garçom nos deu um sorriso contido e disse:
— Muito bem, senhor. — E saiu.
Quinn virou-se para mim e me deu seu sorriso lento e sexy. Aquilo causou
coisas esquisitas nas minhas entranhas, como se o calor causado pela minha
tontura, derretesse meus ossos. Meu cérebro também ficou confuso. Não me
aborreci por ele ter feito o pedido por mim.
Antes que ele pudesse seguir com sua pergunta, fiz uma das minhas.
— Por que você está sempre querendo tirar vantagem? — querendo fazer
alguma coisa com as minhas mãos, puxei meu guardanapo para fora do copo e o
cisne se desfez em um retângulo de linho branco e liso. O coloquei no meu colo.
Sua voz estava baixa quando ele falou e seus olhos acariciavam meus lábios.
— Em todo relacionamento ou interação, há vencedores e perdedores. Não
importa se são negócios, ou família ou... — ele fez uma pausa por apenas uma
fração de segundo, seus olhos queimando de um azul mais brilhante — …ou
envolvimento com o sexo oposto. Alguém sempre vence e alguém sempre perde.
Eu não gosto de perder.
Suas palavras foram um pouco decepcionantes. Minhas entranhas congelaram,
mas meu cérebro conseguiu sobressair do nevoeiro.
— Essa é uma teoria interessante — e foi. Foi uma teoria bastante
interessante. Vi mérito nisso, mas também senti que era fundamentalmente falha.
— E, supondo que o relacionamento seja entre duas pessoas que manipulam,
então você está certo. Haverá um vencedor e um perdedor. No entanto, se
ninguém está manipulando, então ninguém tira vantagem do outro.
Seus olhos se estreitaram para mim brevemente. Ele se inclinou para frente e
apoiou um antebraço na mesa.
— Só porque você não manipula, não significa que uma pessoa não esteja
atuando em algum momento do relacionamento, ou recebendo mais do que
doando. — Ele estendeu a mão sobre a mesa e pegou seu copo de uísque,
abandonado.
— Há muitas negações nessa frase. Não, não, não é... Talvez seja esse o seu
problema.
— Meu problema? — seus olhos se estreitaram ainda mais.
— Sim, seu problema. Talvez você esteja muito focado nas faturas negativas
da sua planilha de relacionamentos — dei risada. — Meu problema é que sinto
falta do óbvio, já o seu problema, é que você presta muita atenção nisso.
Ele parecia sorrir sem querer; uma risada relutante passou por seus lábios. Seu
olhar estava desprotegido e avaliando, enquanto dizia:
— Pode ser que você esteja certa. — Ele puxou seu lábio inferior com o
polegar e o indicador distraidamente, continuando sua avaliação evidente de
mim, com seu sorriso se alargando.
Me deliciei com o calor de seu olhar de aprovação, antes de cutucá-lo.
— Então, o que te levou a essa perspectiva pessimista? Seus pais te chamam o
tempo todo, querendo que você cuide do gato deles, ou instale as calhas? Eu
ajudei meu pai a instalar calhas em nossa casa, quando eu tinha dezesseis anos.
Foi realmente horrível.
Uma expressão, que só poderia ser descrita como melancolia sinistra, lançou
uma sombra sobre o rosto de Quinn. Ele engoliu com esforço e disse:
— Eu não falo com meus pais. Eu não falo com eles desde que meu irmão
morreu.
Meu próprio sorriso desapareceu imediatamente, e eu olhei para ele por um
bom tempo. Brinquei com meu guardanapo, em seguida, o ajeitei e apertei
minhas mãos no meu colo.
— Ah. Bem... — balancei a cabeça, sentindo que eu precisava oferecer algo
em troca, apenas no caso de ele estar manipulando fatos pessoais. — Falei com
meu pai há algumas semanas, quando perdi meu emprego. Nós realmente não
nos falamos muito, mas ele é um cara legal. Ele envia e-mails para mim, que
recebe dos outros. Ele nunca escreve nada que seja só para mim. Eu não falo
com nenhuma das minhas irmãs.
Ele me olhou de lado.
— Por que não?
— Na verdade, não temos nada em comum, e suas escolhas profissionais
dificultam a manutenção de um relacionamento significativo com elas.
— Meu pai e meu irmão eram policiais, em Boston. Eles não ficaram muito
felizes com a escolha da minha carreira.
— Com o que? Em ser um segurança, um consultor, ou, o que você é?
A boca de Quinn prendeu de lado e ele parou antes de responder. Seus olhos
se moviam sobre mim, e sua expressão estava entre confuso e divertido.
— Não, na verdade, quando eu era mais jovem, eu era uma espécie de hacker
invertido.
— O que você quer dizer?
— Ajudei as pessoas a protegerem seus computadores, sistemas, redes, ... esse
tipo de coisa.
— Por que seu pai não gosta disso?
— Porque a maioria das pessoas que me contratavam para fazer isso, eram
criminosos.
— Então você criou firewalls para chefes da máfia? Se eu começasse uma
banda. Máfia Boss Firewall seria um excelente nome. — Me chutei
mentalmente, por ter sido indelicada, o que fez com que eu me encolhesse.
— Não foi nada tão poético quanto isso — ele olhou para seu uísque quase
vazio e estudou o líquido âmbar. Seus ombros pareciam cair sob o peso de algo
que eu não conseguia ver. Depois de um longo minuto, ele continuou: — Na
verdade, o que eu realmente fiz, foi evitar que seus dados fossem usados contra
eles, caso seus computadores ou hardware fossem confiscados.
Isso não era algo que eu esperava ouvir. Antes que eu pudesse me dar conta,
perguntei:
— Onde você aprendeu a fazer isso?
Ele deu de ombros, sem olhar para mim.
— A maior parte foi como autodidata. Fui para a faculdade, em Boston, por
dois anos. Cursei Ciência da Computação, mas desisti quando os negócios
começaram a melhorar.
— Por que você parou? Digo, por que parou de fazer o hack reverso, para
criminosos?
Ele ergueu os olhos para os meus, sua expressão vazia.
— Como sabe que eu parei?
— Eu não sei se parou. Você parou?
— Parei.
— Por que? Se foi tão lucrativo, então por quê...
— Porque... — ele interrompeu, seus olhos olhando atentamente para os meus
e sua testa baixa, como se estivesse tentando, com muito esforço, decifrar um
mistério. Sua atenção mudou para o meu cabelo caindo sobre o meu ombro.
Com uma expressão distraída, ele pegou um cacho e o esfregou entre o polegar e
o indicador. Sua voz soava distante e distraída, quando ele respondeu: —
Porque, por minha causa, meu irmão morreu.
Eu não sabia o que dizer, então apenas o observei.
Os olhos de Quinn se voltaram para os meus. Ele parecia estar tentando
avaliar minha reação. Sorriu, mas estava cheio de amargura.
— Como o primeiro programa funcionava, qualquer tentativa para acessar os
dados na ausência de um transmissor de Radiofrequencia, seria executado um
script em segundo plano, o que limparia o disco rígido, tornando-o inoperante.
Depois, quando minha base de clientes cresceu, junto com a demanda por
sistemas de dados maiores, construí um desmagnetizador. Tive que adicionar
uma bateria de apoio, apenas para o caso do sistema ser desligado. Como você
pode imaginar, essa bateria tinha o péssimo hábito de pegar fogo.
Limpei a garganta e engoli, querendo falar que o risco de incêndio poderia ter
sido amenizado pelo isolamento e resfriamento do desmagnetizador. Em vez
disso, perguntei:
— Por que diz que seu irmão morreu por sua causa?
Sua boca se curvou em uma carranca, e ele suspirou.
— Porque um dos caras, digo, um dos ‘bandidos’ para os quais eu trabalhava,
atirou no meu irmão.
Pisquei.
— Eu não... não entendo.
— Meses antes de Des, meu irmão, ser morto, a polícia tinha um mandado de
busca e pegou todos os computadores desse cara, backups, tudo. O programa que
eu criei para o homem, funcionou perfeitamente e a polícia ficou sem nada. Se
eu não tivesse colocado o programa em seu computador, e se não o tivesse
ajudado a manter suas informações seguras da polícia, ele estaria preso, em vez
de...
Fechei minha mão ao redor da dele, não querendo que ele terminasse a frase.
Foi uma história horrível. Eu queria dizer que não era culpa dele, mas senti que
essa afirmação seria trivial e paternalista.
Em vez disso, eu disse:
— Eu entendo por que você se culpa.
Ele piscou para mim, em seguida, estreitou seu olhar um pouco, como se
estivesse tentando me ver melhor. Desta vez, seus olhos e seu sorriso estavam
tristes.
— Você me culpa?
— Eu culpo o bandido, quem realmente puxou o gatilho e o matou. Nessa
situação, você parece uma pessoa que reconheceu o erro de seus caminhos e
tentou mudar. Se você se lembra, essa é a diferença entre um cara bom e um cara
mau.
Ele soltou um suspiro que eu não sabia que ele estava segurando. Seus olhos
ainda estavam tristes, mas sua expressão parecia nitidamente preocupada . Ele
olhou para mim com algo que parecia admiração, e com a voz baixa em um tom
calmo, disse:
— Não acho que manipularei você.

Nós conversamos. Conversamos e rimos, e passamos um tempo maravilhoso.


A conversa fluía como uma linda cachoeira, e meus sentidos estavam a flor da
pele. A comida veio e se foi. Vinhos foram servidos e apareciam do nada. O
tempo passou e eu não tinha lembrança ou consciência de ninguém, além de
Quinn, estar naquele restaurante. E, em algum momento, as borboletas no meu
estômago realmente cessaram pelo Bonitão Calças-Quentes, e foram total e
completamente para Quinn Sullivan.
Me contou histórias sobre sua família. Ele era o mais novo e passou sua
juventude sendo rebelde. Sua irmã, Shelly, era três anos mais velha e era uma
espécie de espírito livre e recluso, que preferia concertar carros clássicos e criar
esculturas de metal soldadas, do que interagir com a sociedade. Seu irmão
Desmond, Des, era o mais velho e responsável.
Minha história favorita, foi a que detalhou como, com treze e dezesseis anos,
Quinn e Shelly soldaram as portas do carro de Des, de vinte anos de idade,
exceto o banco traseiro do lado do passageiro. Des foi forçado a entrar e sair do
carro pelo banco de trás, por duas semanas, e nenhum deles contou a seus pais.
Em algum momento, o pai de Quinn pediu para usar o carro e Des tentou
convencer o pai de que as portas estavam enferrujadas, em vez de dedurar seus
irmãos.
Ele falava com tanto afeto de seu irmão, irmã e seus pais, que isso me fazia
gostar ainda mais de Quinn. Seus olhos brilhavam com a memória, e ele
começava a rir antes de chegar ao fim da história, o que me fazia rir e o levava a
rir , novamente.
No entanto, de vez em quando, ele fazia uma pausa e uma nuvem de tristeza
ou arrependimento — eu não conseguia decifrar —, escurecia suas feições. Me
encontrei querendo saber as causas específicas para cada um desses episódios.
Também me peguei querendo ser uma fonte de apoio e conforto para ele.
Esses não eram pensamentos com os quais eu estava acostumada, e eles
teriam ficado desordenados, se eu tivesse passado algum tempo me permitindo
debatê-los. Em vez disso, deixei os pensamentos irem embora e me apeguei as
emoções.
E então, houve o toque.
Ah. Deus. O. Toque.
Ele parecia encontrar qualquer motivo para me tocar. Era enlouquecidamente
maravilhoso. De vez em quando, ele se inclinava e sussurrava alguma coisa no
meu ouvido; sua bochecha roçava a pele lisa do meu rosto e pescoço, e fazia
com que meus dedos dos pés se contraíssem nos meus sapatos. Durante a maior
parte da refeição, sua perna encostou na minha. Ele tocava meu braço, ou meu
joelho quando eu dizia algo que achava engraçado, ou interessante, ou só porque
eu não tinha experimentado o vinho ainda.
Todos esses toques simples pareciam inofensivos, se não, insignificantes de
certo modo. No entanto, a reação que provocavam no meu estômago, era
semelhante à descida da queda mais íngreme de uma montanha-russa.
Então, quando nós comemos a sobremesa, ele, distraidamente, lambeu o
creme do meu dedo. Durante vários segundos, esqueci meu nome e onde nasci.
Meu nível de interesse em Quinn, minha vontade de estar com Quinn, minha
vontade de tocar e ser tocada por Quinn, minha vontade de prolongar nossa
conversa e, portanto, nosso tempo juntos, me pegou de surpresa. Pensei no
momento em que teria que dizer boa noite e isso me deixou triste, ansiosa e
deprimida.
Me apeguei nesses sentimentos e eles eram inquietantes. A força da minha
preferência, de querer estar com Quinn ao invés de manter a solidão, foi uma
sensação que eu nunca tinha experimentado. No passado, geralmente preferia
solidão à companhia, mas sempre reconheci a importância dos relacionamentos e
do contato humano.
Quando terminamos o jantar, me senti desinibida. Entre o coquetel de antes e
o vinho durante o jantar, fiquei sem expressão, sentindo um calor confortável e
aconchegante. Sabia que isso era causado por aquela quantidade ilusória de
álcool, onde você bebe um pouco a mais, fazendo você passar os limites de suas
inibições, mas não o suficiente para fazer você se sentir mal ou grogue.
Nós brigamos pela conta quando veio. Por briga, quero dizer que insisti em
pagar a metade e ele respondeu com um silêncio acalorado.
Ao invéz de discutir ou tentar se engajar em minha conversa unilateral, ele
colocou seu cartão de crédito, silenciosamente, no porta-comanda e o manteve
cuidadosamente fora do meu alcance, enquanto eu continuei listando todas as
razões pelas quais deveríamos dividir a conta. Não menos importante que as
outras, mas já havíamos concordado antes que esse não era um encontro. Depois
o entregou furtivamente ao garçom, quando ele passou. Eu ainda estava
compenetrada em convencê-lo, quando Quinn assinou o recibo.
— Espere, o que você está fazendo? — olhei para o papel.
Silêncio. Rabisco. Silêncio.
— Isso que você acabou de assinar, era a conta? — minha voz subiu uma
oitava, e meus olhos estavam arregalados, com uma exagerada indignação.
Ele olhou para mim, com algo parecido com uma falsa inocência iluminando
suas feições, e disse:
— Sinto muito. Você queria dividir?
Fiz uma careta para ele, mas não consegui manter a expressão de
aborrecimento quando ele sorriu. Eu tinha memórias ligadas ao seu sorriso
agora, e todas elas serviram para aumentar meu calor embriagante. Eu estava
bêbada de vinho bom, comida deliciosa e conversa fantástica.
Ele voltou a atenção para sua carteira. Um pequeno sorriso secreto ainda
estava dançando em seus lábios enquanto ele guardava seu cartão de crédito.
Meu olhar se derreteu, e eu me peguei olhando para ele, descaradamente. Eu
realmente olhei para ele.
Ele não era fisicamente perfeito, mas chegou perto. Tinha uma cicatriz que
cortava o centro da sobrancelha direita. Fiz uma nota mental, para depois
perguntar a ele a história por trás daquilo. Uma das orelhas era ligeiramente
maior do que a outra e o nariz era curvado, apenas um pouco, à esquerda. A
divisão do cabelo não era uniforme e seu cabelo era muito grosso; precisava ser
cortado e hidratado. Seus dentes inferiores estavam ligeiramente tortos, mas eu
não percebia ou os via, a menos que ele sorrisse com seu sorriso de mil watts.
Adorei olhar para ele e não ver mais a deslumbrante fachada de perfeição do
Calças-Quentes. Eu vi um cara bom, constantemente mandão, hilariamente
engraçado, irritantemente provocador, cativantemente inteligente e seriamente
sexy.
— Por que esse sorriso?
Pisquei para ele e balancei a cabeça ligeiramente, para clareá-la. Sua voz
parecia distante, enquanto me tirava das minhas reflexões. Eu percebi que estava
o olhando, mas no meu estado aconchegante, desinibido e confortável, não me
senti particularmente envergonhada. Respondi:
— Eu estava pensando em minhas primeiras impressões sobre você, e sobre
como você realmente é, ao contrário...
— Ao contrário de...? — ele ergueu as sobrancelhas.
— Ao contrário de um robô bonito.
Ele afundou o queixo e estreitou os olhos para mim.
— Você acha que eu sou bonito?
— Ah. Para. Você sabe que é bonito. — Revirei os olhos e o soquei na costela,
me comportando estranhamente melindrosa.
— Estou surpreso que você ache isso. Quando fomos ao Giavanni, pensei que
você fosse me fazer colocar um saco de papel na cabeça.
— O que? Por quê? Do que você está falando? — gaguejei, o cutucando
novamente.
— Quando a Viki perguntou se estávamos juntos, você...
— Isso porque ela olhou para mim como se eu fosse o filho do amor de
Cerberus com um Ciclope, quando você disse que eu estava com você. — Fui
cutucá-lo pela terceira vez, mas ele agarrou meu pulso e entrelaçou seus dedos
nos meus. Nossas mãos pousaram no joelho dele.
Ele deu de ombros e olhou para nossas mãos, franzindo a testa um pouco.
— Suponho que ela ficou surpresa.
Fiz minha próxima pergunta, incerta se eu queria uma resposta.
— Porque eu não sou seu tipo?
Seus olhos rapidamente se levantaram para os meus e suas feições perderam
parte de sua tranquilidade anterior.
— Você quem diz isso.
Não pude evitar minha própria carranca, ou parar com a sensação de afundar
no meu peito. Naquele momento, me senti uma garota de verdade; como uma
garota que quer ouvir que ela é linda, do garoto que ela gosta. Parecia um
sentimento adolescente, estranhamente doloroso e irritante, porque eu sabia que
era tolice.
— Então, qual o seu tipo? Bonita? Loira? Magra, do tipo modelo?
Sua boca erguida para o lado.
— Não foi isso o que eu quis dizer.
— Bem... o que você quis dizer?
Sua expressão endureceu ligeiramente.
— Shelly e eu vamos ao Giavani quase todo sábado. Viki não está acostumada
a me ver com mais ninguém.
— Você quer dizer que ela não está acostumada a ver você com uma garota
que não seja sua irmã? Nenhuma namorada?
— Eu não namoro — sua expressão entrou na máscara da indiferença que eu
tinha me acostumado ao longo da última semana. Ele acrescentou: — Eu deveria
esclarecer isso. Não tenho saido com ninguém.
Ele é um Wendell.
As palavras de Elizabeth, daquela manhã, estavam desfilando em minha
cabeça. Tentei cobrir o baque de decepção do meu estômago descendo para os
meus pés, com um sorriso corajoso e o pressionei sobre o assunto, fazendo outra
pergunta que eu não tinha certeza se queria a resposta.
— Então, por que você não namora?
— Não é um grande mistério. Eu apenas não tenho um por quê. — Seu tom
era prático.
— O que isso significa? Não ter um por quê?
Parecia que cada vez que ele falava, estava, relutantemente, me dando uma
peça de quebra-cabeça; a imagem finalizada parecia mais e mais como um
Wendell. Resistente, eu estava começando a aceitar que a avaliação de Elizabeth
sobre ele estava correta.
— Você sabe o que isso significa. — Sua voz era hesitante, como se ele não
estivesse convencido da afirmação.
Balancei a cabeça e o observei, com os olhos arregalados.
— Não. Eu realmente não sei. Você vai ter que explicar.
Ele pareceu me estudar por um momento, seu olhar firme e analítico. E então
perguntou:
— E você? Por que você e Jon terminaram?
— Primeiro quero saber o que “não tenho porque” significa. Você está... —
procurei uma explicação que fosse uma alternativa para Wendell e só consegui
chegar a uma coisa, feliz por minha audácia abastecida pelo vinho. — Você é
celibatário?
— Não — um sorriso pesaroso passou por seus lábios, mas não alcançou seus
olhos. — Tudo bem! Significa que eu nunca precisei namorar alguém para
passar bons momentos. Eu tenho... — limpou a garganta, coçou a nuca e olhou
para o lado como se quisesse evitar o meu olhar. — Eu tinha algumas garotas
com quem eu me divertia de vez em quando, mas nós não éramos exclusivos.
Pisquei, absorvendo essa informação.
— Você quer dizer... você quer dizer que tem certas garotas que você chama
apenas para fazer sexo com elas... você quer dizer, estepe?
Mesmo sob a luz de velas intimamente fraca, pude ver que seu pescoço e suas
bochechas estavam vermelhos. Ele não respondeu, mas suspirou. Soltou minha
mão, se levantou e pegou meu casaco; segurou-o e esperou que eu o vestisse.
Olhei para ele, tomando seu silêncio como confirmação. Sem palavras, ele
colocou a mão nas minhas costas e me guiou em direção à porta.
Achei que a sensação de estar afundando, pararia em algum momento. Mas
não parou. Quinn era um Wendell. Pior ainda, ele era um Wendell promíscuo,
com muitos estepes. Me senti triste, mas aceitei e, estranhamente, fiquei um
pouco irritada com Elizabeth por estar certa.
Quando saímos, foi bom quando o ar frio de Chicago passou por mim. Isso me
ajudou a limpar a mente. Olhei para Quinn e me permiti insistir no ridículo da
minha situação. Eu estava com um cara muito legal que, de acordo com
Elizabeth, queria me proporcionar um sexo alucinante. Mas era somente um
sexo alucinante, que eu rejeitaria já que, entre outras razões, ele já estava
fazendo o mesmo sexo com outras mulheres. Antes que eu pudesse me impedir,
me afastei e perguntei:
— Com todas ao mesmo tempo, ou uma de cada vez?
Ele parou de andar. Quinn encontrou meu olhar, o seu próprio, surpreso, o
traindo.
— O que? — provoquei.
Ele balançou a cabeça, quando um sorriso relutante se formou em seus lábios.
Sua mão encontrou a minha e começou a me puxar, até meus pés se moverem.
— Sua vez — disse ele, descaradamente, desviando minha pergunta.
— Ainda não. Quero saber mais sobre a logística disso — não pude evitar.
Todo o conceito parecia, de repente, tanto absurdo quanto estranhamente
eficiente. — De quantas estamos falando? Qual é a porcentagem de mulheres,
em Chicago, que estão dispostas a fazer sexo com você, agora? O que acontece
se uma delas precisa viajar? Elas têm uma rede de telefones? Existe um plano de
cobertura, ou um plano de backup para emergências?
Quinn cobriu a metade inferior de sua boca com a mão livre, enquanto seus
ombros começaram a tremer com risadas silenciosas.
Continuei, me sentindo um pouco melhor sabendo que ele era capaz de rir de
si mesmo.
— Existe critério de entrada? Um comitê de busca estabelecido? Um processo
de entrevista? Teste de habilidades? Qual o perímetro exigido? Você tem alguma
pela vizinhança, agora? Você sempre mantém uma por perto? Havia uma no
restaurante? No bar, talvez?
— Janie, sério, é a sua vez. — Seu tom era autoritário, mas eu podia ver que
seus olhos estavam iluminados com diversão, e ele estava se esforçando para
manter uma cara séria.
— Minha vez? — minhas sobrancelhas levantaram, em confusão. Apesar das
minhas tentativas de tirar sarro de seu esquema, eu ainda estava me sentindo
desanimada por confirmar a história sexual, um tanto sórdida, de Quinn. Bem,
era sórdido comparado com a minha história, o que o tornava sórdido em
comparação. — Você já sabe de tudo. Eu sou uma garota de um parceiro só.
— Por que você e Jon terminaram?
Pensei sobre a questão, mas eu estava distraída com a realidade da confissão
de Quinn. Quinn nunca namorou.
Não, ele disse que nunca precisou.
Eu estava bem com aquilo? O que era realmente um promíscuo? Seria tão
ruim, se toda a prática adquirida com as estepes, significasse que ele era bom na
cama? Se algum dia dormíssemos juntos, eu precisaria me embrulhar toda e de
um desinfetante Lysol, para me proteger contra sua infinidade de DSTs
contraídas? Ele tinha alguma DST? Nós iriamos dormir juntos? Se ele tivesse
acesso ilimitado a parceiras veteranas, estaria mesmo interessado em dormir
comigo, uma novata? Eu queria dormir com um Wendell, especialmente depois
de descobrir sobre os múltiplos estepes em espera? Eu ia me tornar uma dos seus
estepes?
Eu tinha certeza de que não queria me tornar uma das muitas parceiras de
Quinn Sullivan. Como um aparte, notei que One of Many Slamps faria um bom
nome de banda ou, no mínimo, um nome de álbum.
—Janie?
Meus cílios tremeram e olhei em torno da calçada, sem ver.
— Sim?
— Você e Jon. Por que vocês se separaram? — notei que sua voz era mais
baixa, quase persuasiva.
Começamos a subir a escada para o elevado.
Respondi sem pensar.
— Eu não sei ao certo qual foi a verdadeira razão para nossa separação, mas
tenho certeza que o catalisador foi ele me trair.
— Ele...” Quinn parou na escada e puxou minha mão, até que eu encontrei seu
olhar. — Ele te traiu?
Eu assenti.
— Sim. Mas, para ser justa, ele disse que estava bêbado e só aconteceu uma
vez.
Os olhos de Quinn estavam arregalados, com o que parecia ser descrença.
— Eu não acredito que ele tenha te traído.
— Sim, bem... eu acho que tenho algumas idéias do porquê, mas ainda estou
processando as possibilidades — puxei minha mão da dele e enfiei meu cabelo
atrás das orelhas. Comecei a subir as escadas novamente, evitando ter que olhar
diretamente para ele quando falasse. — Mas já havia outros problemas antes
disso. Por um lado, ele é rico. — Chegamos à plataforma e passamos nossos
bilhetes na catraca.
As sobrancelhas de Quinn se levantaram com a minha declaração.
— O que isso tem a ver?
— Por um lado, nossas prioridades nunca pareciam se alinhar. Ele podia, e
gastava, dinheiro com o que quisesse. Eu era, e sou, sempre cuidadosa com todas
as minhas despesas. Em segundo lugar, sempre senti que tinha uma
desvantagem, parecia que eu estava me aproveitando perpetuamente dele, ou
como se eu lhe devesse se aceitasse o que ele me desse: dinheiro, presentes,
ajuda. Se eu não aceitasse sua ajuda, isso sempre levava a um sentimentalismo
ruim e discussões desconfortáveis, onde eu sempre sentia que era o problema —
minha mente começou a se concentrar em nossa conversa atual, em vez da
conversa de dois minutos atrás. Decidi que iria focar em meus problemas com os
estepes, mais tarde. — Estou determinada a permanecer acima, em um desvio
padrão da minha própria esfera socioeconômica.
Nosso trem chegou e ele esperou para falar, até o trem diminuir a velocidade e
parar. A expressão de Quinn estava na borda tríplice da perplexidade,
determinação e alarme.
— Então... — ele disse, mas exalou o fôlego e fixou seu olhar em mim, com
intensidade súbita. Quando ele falou, fiquei surpresa com o tom argumentativo
em sua voz. — Você namoraria alguém que ganhasse menos que você? — Ele
me conduziu para o trem e depois para um assento, perto da porta de correr.
Quando estávamos sentados, o braço dele foi atrás de mim, ao longo das minhas
costas e contra a janela.
Balancei a cabeça imediatamente.
— Ah sim, com certeza. Eu não tenho problema com isso. Minha preocupação
é estar com o tipo de pessoa que tem riqueza suficiente para decidir, por
capricho, decolar da vida real e viajar por aí, e esperar que eu seja capaz de fazer
o mesmo, simplesmente porque ele tem os meios para financiá-lo. Ou que me
compra presentes extravagantes, como um carro, ou joias caras, sem motivo e
isso me incomoda.
Senti um arrepio repentino, como se alguém estivesse me observando. Virei
minha cabeça e examinei o trem. Olhei da esquerda para a direita e encontrei
apenas um grupo do que pareciam ser estudantes universitários. Foi a mesma
sensação inexplicável que eu experimentei no clube, semanas atrás.
— O que há de errado nisso? Se você está em um relacionamento com
alguém, por que ele não pode comprar coisas para você?
Quando voltei minha atenção para Quinn, levei um momento para pensar nas
palavras e no significado delas. Minha atenção ainda estava aguçada, com a
percepção de que alguém estava examinando meus movimentos.
Lambi meus lábios e balancei a cabeça ligeiramente, para limpá-la.
— Eu quero ser independente financeiramente. Quando estava com Jon, eu
não gostava de ter que justificar ou explicar isso o tempo todo. Uma vez, Jon me
comprou um carro. Um carro muito legal, por sinal, mas ele não conseguia
entender que não era apropriado fazer aquilo.
— Por que não era apropriado?
Eu ignorei a impressão persistente de que estava sendo observada, decidindo
que era minha imaginação hiperativa aleatória, e franzi os lábios em resposta à
pergunta de Quinn.
— Você sabe porque.
— Não. Eu realmente não sei. Você vai ter que me explicar. — Ele repetiu
minhas palavras ditas mais cedo, sua expressão estranhamente rígida.
Bufei.
— Por que, como eu posso retribuir? O que tenho para oferecer?
— Você mesma.
Franzi meu nariz.
— Assim parece que estou me vendendo.
Quinn inclinou a cabeça para o lado, me estudando abertamente, e então
perguntou:
— Agora quem está pensando em vantagens?
Abri minha boca para responder, fechei, engoli, e disse:
— Não é a mesma coisa, e eu não acredito que você está do lado dele nisso.
— É exatamente a mesma coisa — ele respondeu. — Se ninguém está tirando
vantagens em um relacionamento, então isso não importa, não é? Eu poderia te
dar o que eu quisesse, sem ter que me preocupar com você se sentindo culpada,
ou como se precisasse me retribuir.
Fiz uma careta, o estudando, realmente tentando absorver sua lógica.
— Relutantemente admito que você colocou um ponto válido — eu disse,
hesitante, mas antes que um olhar de triunfo pudesse reivindicar completamente
suas características, acrescentei: — Entretanto, vou demorar um pouco para
processar e potencialmente me ajustar a essa perspectiva.
O olhar de Quinn se moveu sobre o meu rosto, e um pequeno sorriso se
curvou em seus lábios.
— Eu prometo não tirar vantagem de você, se você prometer não fazer o
mesmo, comigo.
Dei a ele um longo olhar, de lado. Considerei sua proposta, parecia justa.
Balancei a cabeça apenas uma vez e estendi a minha mão.
— Bem. Combinado.
Um sorriso lento e um genuíno olhar de vitória, iluminaram sua expressão.
Seus olhos estavam tão travessos quanto sempre, quando ele apertou minha mão
e disse:
— O que eu deveria comprar primeiro?
Cutuquei sua costela.
Capítulo 13
Nós ainda estávamos envolvidos em uma conversa leve quando chegamos ao
meu prédio, o que, na verdade, não me fez ter vontade de desejar um boa noite a
Quinn, na porta. Falamos sobre sua próxima viagem de negócios a Nova York,
planejada para o final daquela semana o que, naturalmente, trouxe à tona o fato
de que Gotham City é baseada em Nova York. Também conversamos sobre
nossas cidades favoritas, tanto reais quanto fictícias.
No entanto, uma vez que estávamos subindo as escadas para o pequeno
apartamento que eu dividia com Elizabeth, senti um pouco de nervosismo com o
convite passivo que fiz.
Quinn estava subindo as escadas. Nós estávamos subindo, juntos.
Senti que devia avisá-lo que o lugar era pequeno, e que meus pertences
estavam todos espalhados e nada organizados. Queria explicar que eu estava
dormindo no sofá-cama de futon Ikea, no centro da sala, mas eu não sabia como
falar isso.
Também queria dizer a ele que não ia ser o seu estepe e, mesmo que o sexo
alucinante com ele parecesse muito tentador, eu tinha certeza que queria um
homem não-Wendell. Mesmo que o sexo fosse apenas surpreendentemente
monótono. O calor escarlate consumia meu rosto a cada degrau, e nossa
conversa se silenciou quando me aproximei da porta.
— Então — ele disse.
Parei de repente, na frente da porta, virei para encará-lo e sorri de boca
fechada. Ele se encostou ao batente da porta. Sem pressa, cruzou os braços e
permitiu que seus olhos acompanhassem calmamente meu rosto.
— Então — ele repetiu. Parecia calmo, confiante, confuso e sexy.
— Então... — suspirei. Em seguida, tirei meu olhar do dele e olhei para as
chaves em minhas mãos. — Olha, eu me diverti hoje à noite. Você é bom para
conversar e bastante agradável, mas gostaria de pagar meu jantar.
Suas mãos subiram entre nós.
— Janie, sem disputas. Lembra?
— Sim, mas não foi um encontro. E eu sei que não foi um encontro, e eu
entendo que você não namora, e eu gostaria de ser sua amiga, mas...
— Você quer ser minha amiga? — sua voz soava um pouco sombria e
perplexa.
— Sim — levantei meus olhos para ele, mas apenas brevemente. Sua
expressão combinava com o tom dele. Suspirei. — Escute, você deveria...
hum..., você deveria entrar, para que possamos conversar... — me virei para a
porta e a destranquei, com as mãos ligeiramente trêmulas. O calor escarlate
anterior se transformou em um inferno enquanto eu lutava com a fechadura. —
Podemos conversar sobre rótulos, Wendell jantar, estepes e... Graças a Deus —
A porta se abriu e eu me lancei para dentro, o chamando atrás de mim: — Entre,
entre. Vou fazer um café.
Acendi a luz do corredor e todas as outras luzes a caminho da cozinha. Ouvi o
fechamento da porta e passos hesitantes atrás de mim. Corri com o processo de
ferver a água e colocar o café, já moído, na cafeteira francesa. Quando tudo
estava preparado, caminhei até o sofá — ( minha cama ) — e notei que a jaqueta
de Quinn estava em um canto dele. A visão causou coisas estranhas no meu
estômago e, eu não vou mentir, nas minhas partes íntimas. Elas podem ter
rangido.
Apressadamente tirei minha jaqueta, quase suando nessa hora, e a joguei em
cima da dele. Ele estava andando devagar pelo pequeno espaço, olhando para as
estantes de livros, que continham meus quadrinhos e a coleção de discos de
Elizabeth. Pegou um LP dos Backstreet Boys e se virou para mim, com uma
expressão de questionamento.
Dei uma leve risada.
— Ah, isso é da Elizabeth. Eu moro com minha amiga, Elizabeth. Você a
conheceu naquele bar, na noite em que você... hum. Bem, este apartamento é
dela e estou apenas invadindo - o sofá, na verdade - até encontrarmos um lugar
novo, grande o suficiente para nós duas.
Seus olhos miraram o sofá enquanto ele substituía o disco. Coloquei meu
cabelo atrás das orelhas e limpei minha garganta. Era estranho ele estar no
apartamento.
Evidentemente, eu era apenas uma visitante transitória e a decoração e o estilo
não me representavam em nada. Mesmo assim, senti que ele não fazia parte de
lá, da minha vida. Era como se ele estivesse cercado por um brilho sobrenatural
que enchia o pequeno espaço e lançava tudo, menos ele, nas sombras, inclusive
eu. Ele era grande demais, bonito demais e gracioso demais. Não se encaixava
em nosso mundo pequeno e inadequado.
O pensamento me deixou triste e apertei meu lábio inferior com determinação.
Seus olhos encontraram os meus naquele momento, e ele franziu a testa com a
minha expressão. Sustentando meu olhar, ele veio até mim e eu cruzei os braços.
Ele pareceu hesitar com o movimento, mas continuou sua abordagem e parou a
apenas sessenta centímetros de mim.
O silêncio se estendeu quando seu olhar se moveu sobre o meu rosto.
Finalmente ele falou.
— Quem é Wendell?
Pisquei, assustada.
— Wendell?
— Você disse que queria falar sobre rótulos, jantar e Wendell.
— Ah, sim. Wendell — me virei, peguei nossas jaquetas e as coloquei no
braço do futon. Depois me sentei, com as pernas enfiadas debaixo de mim e o
meu braço ao longo das costas do sofá.
— Por favor, sente-se.
Ele se sentou com uma das pernas debaixo dele, para que nossos joelhos se
tocassem e seu braço cobrisse o meu. Sua grande mão repousou no meu cotovelo
e me concentrei na minha respiração.
— Então, quem é Wendell?
Balancei a cabeça e mordi meu lábio. Não tinha certeza de como ter essa
conversa sem expor todas as minhas esquisitices. Como de costume, minha boca
começou a se mover, antes que o cérebro pudesse emitir um sinal de alerta.
— Você é Wendell. Ou melhor, você é um Wendell e eu não posso ser um
estepe, então, o que eu gostaria de fazer, é conversar com você sobre o jantar e
os rótulos.
Uma de suas sobrancelhas se levantou e eu o senti enrijecer. Sua boca se abriu
como se ele fosse me interromper, mas eu, tendo dito tanto, reuni coragem e
continuei em tom de urgência.
— O negócio é... que gosto de você. Eu gosto muito de você e, na verdade, só
o conheço há algumas semanas. Menos de um mês, na verdade, mas você é
muito simpático. Eu gostaria de ser sua amiga, porque agradeço sua honestidade
sobre ser um Wendell. Portanto, eu gostaria de jantar com você. Não como um
encontro, mas acho que o rótulo aplicado ao nosso jantar deve ser amizade, e não
Wendell/estepe, porque não acho que estou pronta para isso. Mas eu entendo se
você não estiver interessado em ser meu amigo, especialmente porque você já
está fazendo malabarismos com uma carga pesada de estepes. Eu ficaria
desapontada, mas entenderia.
Eu o senti relaxar um pouco com o meu discurso, depois ficar tenso e, então,
relaxado novamente. Seus olhos estavam atentos. Se aproximou e perguntou:
— Ok! Primeiro, o que é um Wendell?
— Um Wendell é um cara... — apontei para ele. — Nessa situação, você é o
Wendell. Um cara que é de muito... boa… aparência e também muito… — Eu
não conseguia olhar para ele, então peguei um ponto na minha saia e o estudei.
— Um Wendell é muito habilidoso e/ou talentoso em certas áreas que estão
relacionadas com atividades adultas... no quarto, e que também tem uma grande
seleção de acompanhantes femininas para as atividades adultas no quarto, antes
mencionadas, para escolher em qualquer ocasião.
Meus olhos cintilaram em seu rosto e o encontraram me observando com um
sorriso confuso, obviamente aproveitando meu desconforto. Ele limpou a
garganta.
— Janie, apenas diga.
Suspirei e, de repente, queria segurar a mão dele, provavelmente porque eu
tinha certeza que seria a última vez que faria aquilo.
Entrelacei meus dedos com os dele e apertei. Olhei diretamente nos olhos dele
e imediatamente senti minha determinação enfraquecer, mas avancei.
— Bem, um Wendell é um homem extremamente bonito e que é ótimo na
cama. Os Wendells não têm relacionamentos sérios, isto é, não namoram e, sim,
saem com muitas mulheres. Eu não julgo os Wendells. Na verdade, aplaudo a
sua resistência e capacidade de prestar um serviço excelente à tantas mulheres.
Parece um uso muito eficiente e generoso de recursos. No entanto... — respirei
fundo e engoli em seco, olhando para os nossos dedos como uma covarde. — No
entanto, mesmo que essa relação possa ser tão justa, não estou interessada em
não namorar um Wendell. Como você é, na verdade, um Wendell, acho que
ficaria mais confortável se você e eu pudéssemos concordar com o rótulo de
amigos, sem beijar amigos ou amigos/estepes de Wendell; apenas amigos
normais.
Mais uma vez o silêncio se estendeu. Senti seu olhar em mim, o ouvi suspirar
e ele pediu:
— Por favor, olha para mim?
Levantei meus olhos para os dele. Ele não parecia aliviado, irritado ou
zangado como eu temia. Em vez disso, ele parecia extasiado e desconfortável.
Fez uma pausa antes de falar, e eu pensei ter visto um flash de dor passar por trás
de seus olhos, mas foi imaginado ou escondido instantaneamente.
— Não estou acostumado com isso, então você vai ter que me dar um tempo
para... refletir — ele disse baixinho.
— Você pode levar o tempo que precisar — ofereci essa garantia bravamente,
sem entusiasmo, tentando puxar meus dedos dos dele. A tentativa não foi bem-
sucedida; ele fechou seu aperto.
— Eu não quero... — ele suspirou pesadamente de novo e fechou os olhos
brevemente, e então ele encontrou o meu novamente, com compostura renovada.
— Eu agradeço sua honestidade.
Mordi meu lábio inferior e esperei. Quando ele não continuou, meus olhos se
arregalaram em confusão.
— Espera. É só isso? É tudo que você tem a dizer?
— Sim. Isso é tudo — ele assentiu.
Respirei fundo e, instintivamente, procurei pelo apartamento o que eu estava
deixando passar.
— Estou confusa.
— O que te confunde?
— Você... você acabou de concordar com o rótulo de amizade?
— Não!
Abri a boca para falar, fechei, abri de novo e depois lambi meus lábios muito
secos.
— Então, qual rótulo vamos usar?
Seu olhar baixou para minha boca. Ele passou a mão, que estava apoiada no
meu cotovelo, para meu cabelo e empurrou um punhado de cachos sobre o meu
ombro, seus longos dedos demorando no meu pescoço.
— Não vamos usar um rótulo.
Fiquei com a respiração instável. Neste momento, não me importei em me
envergonhar ainda mais. O que era mais um débito de vergonha, quando meu
balanço já estava no vermelho em centenas de milhares?
— Eu gosto de rótulos. Eu gosto de mapas com rótulos. Eu gosto de figuras
com rótulos e gosto de notas de rodapé. Não me dou bem sem saber as intenções
de alguém ou como calibrar minhas expectativas de acordo.
— É bom saber.
— Quinn!
Ele lutou, admiravelmente, contra um sorriso puxando seus lábios, e não
encontrou meus olhos.
— Você é tão bonita. Eu realmente quero te beijar agora.
Suas palavras me atingiram no estômago e causaram um tsunami quente, que
se espalhou para as pontas dos meus dedos e para as pontas das minhas orelhas.
— Isso não é justo. Você não está sendo muito legal.
— Eu já te disse, não sou legal — seu olhar pareceu intensificar, nunca
deixando meus lábios, quando ele se inclinou infinitesimamente para mais perto,
ficando quase encostado.
Sabia, naquele momento, que se ele quisesse me beijar eu não o pararia, mas,
porra, eu não ia dormir com ele.
Calcinha, calcinha, bem lá no alto, eu vou manter minha calcinha!
Sua mão, gentilmente, segurou meu rosto e seus longos dedos envolveram
meu pescoço e me puxaram para frente. Meus cílios tremeram e, pouco antes de
sua boca encontrar a minha, eu disse, sem fôlego:
— Você é legal. Pelo menos você é legal comigo.
Ele fez uma pausa. Ergueu os olhos para os meus, fez um som parecido com
um grunhido e pressionou os lábios na minha testa. Sorri com tristeza, tanto
aliviada quanto desapontada.
Depois de um bom tempo, ele me soltou e esfregou as mãos no rosto
sacudindo a cabeça, como se quisesse limpá-la.
— Droga — murmurou.
A água no fogão escolheu esse momento para começar a ferver e seu assobio
agudo cortou a tensão pesada da sala. Senti minhas pernas vacilarem um pouco
quando me levantei e apontei, sobre o ombro, com o polegar e perguntei.
— Você quer café?
— Você tem alguma coisa mais forte?
— Eu, hum, deixe-me ver.
Virei subitamente e fui para a cozinha enquanto a chaleira apitava, e fiquei
aliviada quando a tirei do fogão. Eu sabia que a única bebida que tínhamos no
apartamento, era tequila e eu não tinha intenção de beber tequila com ele.
Quinn mais tequila seria igual a Quinquila, e isso soou como algo que
acontece nas cadeias mexicanas.
Me permiti demorar um tempo e compor meus pensamentos antes de voltar
para a sala de estar. Quinn estava parado na entrada, olhando as fotos e notei,
com uma pontada de decepção, que ele estava de jaqueta. Ele foi até a porta
quando me aproximei, a destrancou e abriu. Deu um passo para o corredor e se
virou para mim.
Seu olhar finalmente encontrou o meu quando ele endireitou o colarinho do
casaco.
— Eu... — hesitou. Suas feições aumentaram suavemente, quando suas mãos
caíram para os lados e seus olhos calmamente se moveram sobre o meu rosto.
Depois de um momento, ele disse, baixinho: — Me reservo o direito de mudar
de ideia.
— Sobre o que? — me inclinei contra o batente da porta, olhando para ele.
— Sobre beijar você.
Conscientemente lambi meus lábios e me abracei, ficando vermelha igual
beterraba. Parecia que eu estava fadada a vários tons de escarlate sempre que ele
escolhesse fazer comentários moderadamente sugestivos. Quando falei, minha
voz estava tensa e fora do tom.
— Bem, ok! Obrigada pelo toque. Estou devidamente avisada.
Seu sorriso característico, lento e sexy, se espalhou deliciosamente por suas
feições e fez meu coração tremer. Secretamente o odiei por isso. Aquele sorriso
me deixou louca, mas suspeito que ele soube disso.
Ele se mexeu e colocou a mão contra o batente da porta, acima da minha
cabeça, ainda sorrindo para mim.
— Então, ainda iremos amanhã?
Dei de ombros.
— Claro, amigo. Onde você quer jantar?
Seus olhos se estreitaram com o meu sarcasmo mascarado, mas ele falou
como se não se incomodasse.
— Pensei que, ao invéz de apenas jantarmos , poderíamos almoçar e jantar.
— Hum, claro. Que horas?
Ele se afastou da parede e pegou seu telefone.
— Venho buscá-la às onze e meia da manhã. Vista-se para um piquenique.
Meus olhos se arregalaram de surpresa.
— Ah, ok. O que eu devo levar?
— Nada, apenas você mesma — ele recuou, pressionando a tela touchscreen
do telefone, não mais olhando para mim.
Dei um passo para o corredor.
— Me deixe levar algo. Ou, pelo menos, me deixe pagar o jantar. Não é justo
você...
Ele ergueu a mão livre quando se virou para as escadas, e me deu um sorriso
devastador.
— Sem contar pontos.
Resmunguei, mas só pude ouvir sua risada e o som de seus pés nos degraus
enquanto ele partia. Suspirando, voltei para o apartamento, fechei e tranquei a
porta, então deixei minha cabeça bater pesadamente na grossa divisória de
madeira.
Um ruído, que eu reconheci agora como o maldito celular, interrompeu meus
pensamentos. Virei para a sala e encontrei o aparelho na mesa de café. Olhei
para a mensagem. Era uma mensagem de texto. Era de Quinn.
“Citação do dia: A amizade é como fazer xixi nas calças. Todo mundo pode
ver, mas só você pode sentir.”

Fiel à sua palavra, Quinn me ligou precisamente às 11h29 para avisar que
estava lá embaixo. Suprimi uma onda de nervosismo e mexi nos meus óculos,
lembrando que eu frequentemente passava metade dos dias saindo com outros
amigos. Eu poderia passar metade do dia saindo com meu mais novo amigo. Não
havia nada de preocupante nisso. Absolutamente nada. Nadica de nada!
Roí minha unha enquanto olhava uma última vez no espelho, encontrando o
olhar preocupado de Elizabeth por cima do meu ombro. Ela não disse nada, mas
eu pude sentir sua preocupação comigo.
Admiti que estava bem. Bonita, até. Elizabeth me ajudou a enrolar meu cabelo
em um coque trançado. Eu estava usando um laço branco de seda e um vestido
branco transparente, de verão, com mangas de três quartos de comprimento. Um
toque de rendas de algodão simples envolveu minhas costelas, antebraços e ao
redor do decote quadrado. Ia até abaixo do joelho, e chinelos brancos
completaram o visual.
Nunca usei o vestido antes, porque era bem transparente por conta própria.
Elizabeth sugeriu usar um forro. O simples vestido de verão, destacava minhas
melhores características — seios, cintura e pernas —, mas era moderado, até um
pouco conservador, e era apropriado para um piquenique com um amigo.
Empurrei meus óculos mais para cima do meu nariz, os usando
propositalmente ao invéz de lentes, e virei para pegar meu suéter e minha bolsa.
A bolsa continha duas maçãs frescas e o último dos pêssegos de verão que
encontrei no mercado. Elizabeth se agitou e torceu as mãos, me impedindo de ir
até a porta.
— Ah, você deveria vestir outra coisa. Você está tão bonita. Quero fazer sexo
com você. Acredite, ele vai pular em cima de você, no carro!
— Ah, por favor! — dei risada quando ela me puxou para um abraço.
— Sério, Janie — disse ela, e me segurou pelos ombros. — Se toda essa
situação de Wendell Calças-Quentes te ensinou alguma coisa, deve ser para
aceitar o fato de que você é muito gostosa e muitas pessoas querem tirar sua
calcinha.
Bati as mãos dela e fui para a porta.
— O que você fará esta tarde?
— Eu? Ah, vou para a academia, depois tenho que ir para o trabalho fazer
alguns gráficos — ela se espreguiçou e bocejou.
Eu sabia que ela estava tendo menos de seis horas de sono. Mesmo assim, ela
insistiu em acordar uma hora antes do necessário, somente para ouvir a história
sobre o jantar de Jon e Quinn, e a discussão sobre sermos apenas amigos.
Ela disse que ficou impressionada com a forma como eu lidei com a situação,
e me parabenizou por ser corajosa e honesta, embora eu ache que ela,
secretamente, queria que eu cedesse à tentação de me tornar uma estepe de curto
prazo para Quinn Wendell.
Ela também pontuou que Quinn não concordou com o rótulo de amigo.
Pontuou várias vezes, por sinal.
Tive que me agarrar ao rótulo porque, sem ele, me sentia a deriva, em um mar
sem limites de incógnitas. Desci as escadas, animada em ver meu novo amigo
Quinn. Sim, era isso. Meu amigo, apenas meu amigo.
Saí do prédio e o encontrei de pé na calçada, bem próximo de mim. Estava
encostado ao final do corrimão da escada de cimento, presumivelmente lendo as
mensagens em seu celular. Ele era incrivelmente lindo e eu suspirei, baixinho.
Aquelas eram estepes de sorte. Coloquei meus óculos de sol.
O sol era brilhante e ofuscante. Era um dia perfeito de Setembro e,
possivelmente, um dos últimos dias quentes antes do início de Outubro. Ele deve
ter ouvido a porta fechar atrás de mim, porque ele olhou para cima, desviando o
olhar de seu telefone para onde eu estava, no topo da escada. Ele se endireitou e
ficou perfeitamente imóvel.
Peguei em minha bolsa enquanto descia.
— Eu sei que você disse para não trazer nada, mas peguei algumas maçãs e
pêssegos da feira de domingo — estendi uma maçã para ele como prova e, em
seguida, enfiei de volta na minha bolsa.
Ele gemeu e soou um pouco aflito.
— Você não está sendo muito legal — sua voz era baixa e grave.
Franzi o rosto em resposta.
— Ah, vamos. Eu posso levar frutas. Tenho permissão para traze-las — o
cutuquei e ele agarrou minha mão.
— Não estou falando sobre as frutas.
— Você não gosta de maçãs? Deveria. Em 2010, eles decodificaram o genoma
da maçã, o que levou a novos entendimentos sobre controle de doenças e
reprodução seletiva na produção de maçãs. Realmente tem ramificações mais
amplas…
Ele parou minha boca com um beijo suave, sua mão envolvendo minha
cintura e me puxando para ele. Tive a nítida impressão de que estava sendo
provada da mesma maneira que se aprecia um pêssego. Meu corpo, traidor,
reagiu imediatamente arqueando e pressionando o dele, e eu o beijei de volta, o
provando em troca. Não foi um beijo amigo. Pelo menos eu nunca beijei um
amigo assim.
Finalmente, depois de provarmos um ao outro, Quinn interrompeu o beijo,
apoiou a testa na minha e sussurrou:
— Oi.
Pisquei para ele. Meu coração e minha mente estavam competindo em uma
corrida difícil, mas consegui dar um pequeno “oi” em troca.
— Mudei de ideia sobre beijar você.
— Bem — eu disse. — Você me avisou — Uma sensação de zumbido quente
estava vibrando no meu peito.

Não falei muito no carro, mas me peguei diversas vezes puxando meu lábio
inferior. Quinn estava dirigindo. Era outro Mercedes preto e me perguntei se era
um carro da empresa. O pensamento de que ele estivesse usando propriedade da
empresa para o nosso encontro, me incomodou.
Ou talvez estivesse tudo bem, porque é o nosso não-encontro... o nosso dia
Wendell-estepe. Que seja. Permiti me preocupar com o uso do carro, pois isso
me dava algo em que me concentrar. Ele não fez nenhuma tentativa de conversa
e parecia contente em dirigir em silêncio. Por mais confuso que fosse, o silêncio
não era estranho ou desconfortável. Apenas normal.
Quando chegamos próximo ao parque, ele me surpreendeu ao estacionar em
um dos lotes privados de um prédio enorme. Entramos em um espaço numerado,
no subsolo. Me mexi no banco e olhei para ele, de canto de olho, quando ele
desligou o motor.
— Estamos no seu... você mora aqui?
Ele rapidamente saiu do carro e veio para o meu lado. Antes que eu pudesse
puxar o trinco, Quinn abriu a minha porta em uma inesperada, mas não
surpreendente, demonstração de boas maneiras. Estendeu a mão para me ajudar
a sair do veículo e não mais a puxou de volta. Ao invéz disso, entrelaçou seus
dedos nos meus, e me levou em direção ao elevador. Nesse momento, percebi
que estava bastante acostumada com a sensação da mão dele segurando a minha.
— Antes de fazermos nosso piquenique, quero te mostrar uma coisa.
Sem mais explicações, esperamos o elevador. Já dentro, ficamos ao lado um
do outro, de mãos dadas, enquanto o elevador subia. Tudo no momento me
pareceu estranho e surreal, e me perguntei como chegara a esse ponto.
Rebobinei meus pensamentos e revisei como cheguei até aqui: Tudo começou
naquela noite, semanas atrás, no bar e no sábado da manhã seguinte. Avançamos
para a quarta-feira passada, quando ele se encontrou comigo no Smith’s. Então, a
quinta-feira seguinte e o incidente do celular. A sexta-feira foi boa, normal. Mas
não foi normal. Mas, ainda assim, foi boa e ele me beijou três vezes. O sábado
foi esclarecedor e confuso, o que me trouxe ao domingo e outro beijo, e, neste
momento, de mãos dadas no elevador.
Apesar dos meus melhores esforços, agora eu estava à deriva em um oceano
sem rótulo, desconhecido e tentando encontrar minhas pernas marítimas sem
mapa, diagrama, ou figura com notas de rodapé. Me senti claramente apavorada
e excitada... principalmente apavorada.
Apesar de todo o meu cérebro rebobinar, o passeio de elevador foi, na
verdade, muito curto. As portas se abriram para um longo corredor branco com
quatro portas. Placas de plástico cobriam o chão de mármore e cheiravam a tinta.
Quinn colocou a mão na base da minha coluna e me conduziu até o final do
corredor. Retirou um conjunto de chaves, destrancou a porta, e me deu um
pequeno sorriso. Com expectativas, indicou que eu entrasse.
Atravessei a soleira com hesitação e pisei em um piso de madeira, de cor
cinza. Olhei em volta para o que, agora, reconheci como um apartamento muito,
muito bom. Não era mobiliado, de modo que os painéis de madeira se
espalhavam ininterruptamente e entrecruzavam com os feixes horizontais de luz,
que emanavam de três janelas grandes, do chão ao teto, saindo da sala de estar
que dava para o Millennium Park. Caminhei lentamente pelo grande espaço, em
direção às janelas, e notei a altura do teto da catedral quando me virei para
contemplar tudo. Meus passos eram altos e reverberavam. As paredes eram
pintadas de um branco liso, assim como as sancas e rodapés.
— A cozinha é aqui. — A voz de Quinn ecoou do meu lado.
Segui para onde ele apontava uma espaçosa cozinha em mármore cinza-
azulada. Todos os utensílios eram de aço inoxidável — forno duplo, fogão a gás,
lava-louças, geladeira gigante — exceto a pia, que era de porcelana branca e
enorme. Ela foi feita para ser usada.
A cozinha parecia um pouco triste sem eletrodomésticos, livros de receitas e
comida espalhadas pelas bancadas, como uma criança esperando para ser
escolhida para uma equipe de queimada.
Depois de me dar um minuto para examinar o espaço, ele colocou a palma da
mão nas minhas costas e, gentilmente, me levou para um corredor com dois
quartos. Eles eram muito semelhantes em tamanho e ambos tinham banheiros
privativos. A principal diferença, era que o maior também tinha uma vista para o
parque e, no banheiro, havia uma banheira de hidromassagem do tamanho de
uma cisterna.
Meus olhos se arregalaram quando vi a banheira. Era uma banheira
impressionante. Acho que nunca vou superar a vista daquela banheira, e as
imagens que ela criou sobre tomar banho com dezessete dos meus amigos mais
íntimos. Literalmente, eu poderia realizar uma noite de tricô na banheira.
Quinn pareceu sentir que eu precisava de algum tempo para absorver a
enormidade da banheira, então esperou por mim no quarto principal. Quando saí,
dei um último olhar de desejo à banheira, depois voltei minha atenção para
Quinn.
Banheira mais Quinn é igual Quinnheira ou Baninn. Decidi que Baninn
parecia mais atraente. Deixei esse pensamento passar por mim: Baninn com
Quinn.
Nem tentei lutar contra o rubor que se seguiu.
— Ei — ele estava sentado em um assento embutido na janela, o qual eu notei
que poderia ser usado para armazenamento.
— Oi — respondi, soltando um suspiro lento, tentando encontrar um assunto
diferente de Baninn para conversar.
— O que você acha? — ele perguntou, apontando com a cabeça para eu me
juntar a ele no banco de madeira.
— É muito bonito... — andei até ele lentamente, ainda inspecionando o
quarto. — Você está pensando em alugá-lo?
— Não, eu não. Estava pensando que seria bom para você e Elizabeth.
Parei a cerca de um metro de onde ele estava sentado.
— O que?
— Você mencionou que vocês estavam procurando por um lugar maior. Você
e Elizabeth.
— Sim, algo maior, não... — passei os braços em volta de mim, em um
movimento que imaginei parecer com o lento bater de asas. — ... não uma
Mansão de Rico Ricaço enorme.
Seu sorriso foi imediato.
— Não é tão grande assim.
Inclinei minha cabeça para ele da maneira que muitas vezes o vi fazer, as
mãos se movendo para o meu quadril.
— Estou bastante certa de que está bem fora de nosso orçamento.
Ele também inclinou a cabeça.
— Veja, é aí que está. Este andar e os quatro abaixo, pertencem à Cypher
Systems. Eles foram comprados especificamente para funcionários.
— Você quer dizer... você quer dizer que a empresa possui esses
apartamentos?
Ele assentiu.
— Mas, por que o chefe quer comprar apartamentos para os funcionários?
Ele encolheu os ombros.
— Na verdade, foi ideia da Betty. Ela e o marido estão à procura de um lugar
menor. Eles querem sair da casa, agora que todos os filhos foram embora e me
pediu para ajudá-la a encontrar um lugar perto do trabalho, para que não tivesse
que viajar.
— Ah — pensei a respeito. — E o chefe acabou por decidir em comprar cinco
andares em um arranha-céu, com vista para o Millennium Park?
— Se você pensar bem, faz sentido — ele se levantou, deu um passo, agarrou
minhas mãos nas dele e nos levou de volta para o assento da janela. — É um
bom benefício para os funcionários. Este é um ótimo lugar para se morar, perto
do Loop, do resto do centro da cidade e do parque. O principal negócio da
Cypher, é a segurança. Ter funcionários espalhados por toda Chicago, dificulta a
segurança de todos. Se todos morassem aqui, estariam perto do trabalho e seria
mais fácil ficar de olho neles.
— Você acha que o chefe quer ficar de olho nas pessoas?
— Sim e não. Não do jeito que você quer dizer.
— De que maneira, então? — eu estava franzindo a testa.
Ele suspirou, passou a mão pelo cabelo e estudou o chão por um momento,
tenso, antes de falar.
— Você não trabalha muito com as contas confidenciais.
Pisquei com aquela afirmação, imaginando onde ele queria chegar com essa
declaração aparentemente aleatória.
— Sim... então?
— Eu não posso explicar o que quero dizer, com muito detalhe.
Analisei essa declaração e cheguei rapidamente a uma conclusão.
— Isso tem algo a ver com os acordos de não divulgação?
— Algo parecido.
— Eles são... os clientes confidenciais... eles são bandidos?
Ele me deu um olhar de lado enquanto um lampejo de um sorriso iluminou
suas feições.
— Não, não exatamente bandidos. Apenas poderosos.
— Hm — comecei a puxar meu lábio inferior novamente, enquanto meus
olhos vagavam pelo apartamento sem enxergá-lo. Sem querer pronunciar as
palavras em voz alta, eu disse:
— Você vai se mudar para um dos novos apartamentos?
Ele hesitou e disse:
— Não, para nenhum dos novos apartamentos.
— Ah — olhei para a porta que dava para o banheiro. — Você sabe custa o
aluguel?
— Sim, eu tenho uma noção. Seria mais do que vocês duas estão pagando
agora. Provavelmente um pouco menos que o dobro.
— Ah. Bem, isso faz sentido. Não é muito, na verdade — cruzei as pernas e
meu pé começou a bater no chão. — Seria estranho viver e trabalhar em torno
das mesmas pessoas. E se eu sair do emprego? Teríamos que sair daqui?
— Você planeja sair do seu trabalho? — sua voz era monótona, mas tinha
apenas uma ligeira vantagem.
— Bem não. Não agora. Não tão cedo, na verdade.
— Você gosta de lá? Você ainda gosta do trabalho?
Assenti.
— Sim. É estranho, mas nunca gostei muito do gerenciamento de contas no
meu antigo emprego. Tudo o que eu conseguia pensar, era em me candidatar a
uma das vagas de arquiteta. Agora eu realmente gosto desse. É diferente.
— O que há de diferente?
Olhei para ele. Ele parecia tão interessado quanto demonstrava, então levantei
minha perna até o assento de madeira e o encarei. A visão do parque me distraiu
por um momento.
— É, bem, é apenas melhor. Estou aprendendo sobre um novo negócio, o que
é interessante. E Carlos e Steven estão realmente abertos às minhas ideias de
melhorias na estrutura e nas operações de faturamento, enquanto, em meu antigo
trabalho, eles não estavam interessados em novas ideias. Também gosto das
pessoas.
As sobrancelhas de Quinn se levantaram e ele me deu um largo sorriso.
— Ah, você gosta? Que pessoas?
— Bem, vamos ver. A Keira, claro; ela é muito legal, e o Steven. Dan também
é muito simpático. E o Carlos...
Quinn franziu a testa.
— E o Carlos? Ele não tem dado em cima de você, não é?
Dei risada. Na verdade, ri e dei-lhe um grande sorriso.
— Não, não, absolutamente. Não seja ridículo.
— Por que ridículo?
— Porque Carlos é meu chefe. Eu nunca estaria interessada no meu chefe.
O rosto de Quinn congelou. Ele piscou para mim como se eu tivesse dito algo
realmente perturbador.
— Por que não?
Foi a minha vez de franzir a testa.
— Você está tentando fazer com que eu saia com o Carlos?
— Não, não. Definitivamente, não. Mas, só porque alguém é seu chefe, não
deve colocá-lo na categoria de fora dos limites automáticos.
— Uh, sim deveria. Namorar seu chefe coloca você em uma desvantagem
distinta.
— Como namorar alguém que é rico?
Bufei.
— Sim, eu acho. É semelhante, mas pior.
— Por que pior?
— Quinn!
— Janie. — Seu tom e sua expressão eram de granito.
— Por que estamos tendo essa conversa?
— Porque eu quero.
— Mesmo eu, com minha falta de capacidade de entender o óbvio, entendo
esse conceito. — O cutuquei, não gostando da sua aparência séria, tentando
descobrir o que eu poderia ter dito para causar sua mudança abrupta de humor.
Seus olhos se estreitaram quando se concentraram em mim com intensidade, e
suas feições permaneceram impassíveis.
— Eu acho que você está sendo mente fechada.
Cruzei meus braços e endireitei minha espinha.
— Mesmo? Como assim?
— Por que você gosta de atribuir rótulo a tudo?
— Fazer isso, simplifica as coisas.
— As pessoas não são simples.
— Mas os rótulos ajudam a torná-las simples. Por que você não gosta de
rótulos?
Ele travou sua mandíbula enquanto seus olhos se moviam entre os meus.
— Usar rótulos como o único fator na definição de uma pessoa e, portanto,
como você as trata tendo isso como base, é chamado de estereótipo.
Abri minha boca, mas depois a fechei abruptamente e engoli. Meu peito
estava quente, com uma mistura pungente de desconforto e aborrecimento.
Estávamos nos encarando, e minha respiração ficou um tanto agitada.
— Eu não estereotipo pessoas. Estereótipos implicam que eu faça julgamentos
sem dados válidos, mas baseados em atalhos sociais ignorantes.
— Chefes não são para sair — ele disse. Notei seu tom deliberadamente
inexpressivo.
— Isso é apenas senso comum — me levantei e ele agarrou meu braço, não
com força, mas com firmeza, e me virou em direção a ele enquanto se levantava.
— Caras ricos são namorados ruins. Não é um rótulo?
— Isso não é um rótulo, é uma preferência — retruquei.
— Estepes e Wendells? — desafiou.
— Bem, se ele anda como um pato, grita como um pato e faz sexo com
múltiplos parceiros indiscriminadamente, então... — arregalei meus olhos com a
expressão, enquanto minha voz subia. Eu estava indo além do aborrecimento,
para outra coisa que, agora, reconheci como algo muito perto de raiva.
Ele rosnou e se mexeu, inquieto, como se enjaulado.
— Eu não gosto de ser categorizado.
— Não me diga que eu estereotipo pessoas, só porque você não gosta de seu
rótulo. Se você não gosta de ser um Wendell, então não seja um. São suas ações
que ditam como você é percebido e como você é tratado.
— Ou você pode decidir deixar de ser tão intolerante, crítica...
— E o que? — tirei meu braço de seu aperto. — Me tornar tão aberta, que
meu cérebro cairia? Dar tantas desculpas pelo mal comportamento das pessoas,
até ficar sem fôlego? Não, obrigada. Eu não tenho nenhum desejo de nutrir as
merdas de cada pessoa e chamar de “floco de neve bonito”. Eu não vou dar
desculpas para a maneira que tratam as pessoas ao seu redor como lixo. Se eu
quisesse isso, ainda estaria com Jon dando desculpas por sua traíção, ou
emprestando dinheiro às minhas irmãs para suas façanhas criminosas. Enquanto
isso, eu ainda estaria vivendo em um estado de decepção perpétua.
Seus dentes estavam cerrados.
— Não estou propondo que você permita que as pessoas tratem você como
lixo. Estou sugerindo que você faça um esforço para entender o comportamento
delas e as motivações por trás disso, em vez de simplesmente dispensá-las
porque elas atendem aos critérios de um de seus atalhos.
Eu não pude evitar o sarcasmo que se espalhou, embora as palavras me
fizessem arrepiar quando eu as disse.
— Então me corrija se eu estiver errada: imagino que a motivação por trás de
ser um Wendell, é querer fazer sexo sem ser limitado pelo número, variedade e
frequência dos parceiros.
Ele continuou como se eu não tivesse dito nada.
— E também esteja aberta à possibilidade de que, só porque alguém se
comportou de uma maneira no passado, não significa que é o que querem para si
agora e no futuro.
— As pessoas não mudam. — Eu disse as palavras sem pensar, mesmo que eu
realmente não quisesse dizer ou acreditar nelas, e imediatamente me arrependi
da afirmação. Depois do que eu soube, depois do que Quinn me confidenciou
noite passada sobre seu passado e seu irmão, eu queria me desculpar, mas, ao
invéz disso, comecei a morder meu lábio inferior.
Seus olhos brilharam perigosamente. Ele engoliu enquanto fixava seu olhar
em um ponto, acima do meu ombro esquerdo. O vi trocar seu peso como se
estivesse se preparando para passar por mim.
— Eu sinto muito — soltei, e estendi a mão para ele. Minhas mãos agarraram
seus pulsos para segurá-lo no lugar. Seus olhos encontraram os meus e dei um
pequeno passo em direção a ele. — Você está certo. As pessoas podem mudar e
as motivações são importantes. Não sei por que eu disse isso. É só... — soltei
seus pulsos, esfreguei minha testa com meus dedos e suspirei. — É só, crescer,
minha mãe... ela... — revirei os olhos, odiando que iria admitir para alguém que
as decisões da minha mãe tinham algum impacto sobre quem eu era como
pessoa e as decisões que tomei.
Quinn cruzou os braços sobre o peito e inclinou a cabeça para o lado.
— Você nunca mencionou sua mãe — disse como se tivesse acabado de
perceber.
Cerrei meus dentes.
— Eu, particularmente, não gosto de falar sobre ela.
— Por que não?
Suspirei novamente.
— Porque ela era inconsistente e não confiável, e era a versão feminina de um
Wendell.
Ele me observou visivelmente, seus belos lábios torcendo para o lado.
— A Wendellette?
Minha boca se curvou em um sorriso relutante e eu assenti.
— Ela era... — olhei em volta do quarto, para além dele, em direção a janela.
— Ela era muito bonita, e meu pai era apenas um capacho dela. Ela ia embora
por semanas ou meses com um cara e depois voltava, e meu pai a perdoava e era
esperado que fingíssemos que tudo estava bem.
Ele colocou as mãos no quadril.
— Ela traiu seu pai?
Assenti.
— Sim, muito. Na verdade, era ridículo. Perto do fim, ela ficava mais fora do
que em casa.
— Perto do fim?
Meus olhos voltaram para os dele.
— O fim é pouco antes dela morrer — mudei, de repente, me sentindo
inquieta. — Então, veja, ser o estepe de alguém, não me atrai. Também não
desejo ser um capacho. Gosto de coisas definidas, não gosto de surpresas, e eu
não gosto da falta de expectativas claras. — Minhas mãos se moveram para
minha cintura e endireitei minha coluna. — E se isso me torna um pouco mente
fechada, então acho que estou bem com isso. — Nos olhamos por um longo
momento, então ele se moveu abruptamente.
Tive uma sensação de vulnerabilidade quando ele diminuiu a distância entre
nós. Literalmente me fechou, pois não havia espaço entre nossos corpos e eu,
silenciosamente, contemplei a maneira como o meu corpo derretia contra o dele
sem o meu consentimento.
Ele deslizou as mãos pelos meus braços, em seguida ao redor da minha
cintura, apoiando no meu quadril, logo acima da minha bunda. Para minha
surpresa e apreciação um pouco envergonhada, senti cada parte firme de seu
corpo, incluindo um comprimento duro pressionando meu abdômen.
Mais uma vez, corei.
A cabeça de Quinn mergulhou e sua boca prendeu a minha em um beijo
devastadoramente suave. Minha ansiedade não se dissipou. Em vez disso, uma
nova emoção me envolveu em uma bola ardente que trepidava em meu peito e a
construiu. Não reconheci o sentimento. Tudo que eu sabia, era que isso me fazia
querer arrancar suas roupas.
Ele levantou a cabeça ligeiramente, com os olhos encobertos.
— Você está pronta para o nosso encontro?
Limpei minha garganta, suprimindo o desejo de me esfregar contra ele, de
repente desesperada pelo atrito. Pigarreei novamente.
— Pensei que você não namorasse.
A bochecha de Quinn se moveu contra a minha, de modo que suas palavras
sussurradas estavam quentes contra o meu ouvido.
— Eu gostaria de namorar você.
Tremi e meus olhos se fecharam. Minha voz estava tensa quando perguntei:
— Isso significa que você irá tirar as estepes de circulação?
O senti sorrir contra o meu pescoço enquanto ele dava um beijo demorado no
meu ombro.
— Elas já estão fora de circulação.
Ele deu outro beijo no meu ombro, ao lado de onde o laço encontrava minha
pele. Meu corpo, desleal, o pressionou com mais firmeza e minhas palavras
saíram num suspiro.
— Quando isto aconteceu?
Senti ele dar de ombros. O simples movimento fez seu peito se esfregar contra
o meu, e tive que morder meu lábio para não gemer.
— Um tempo atrás. — Ele se afastou. Um conjunto de dedos levantando do
meu quadril e, lentamente, traçando a borda do meu vestido no ombro, onde ele
me beijou, para minha clavícula, para o meu peito, depois para cima novamente.
Isso arrepiou toda minha pele. Meu couro cabeludo estava tenso.
Um tempo atrás.
Meus cílios se abriram e eu encontrei seu olhar. Eu estava com a cabeça
confusa e zonza, e queria saber mais sobre o desaparecimento das estepes. Em
vez disso, perdi minha locomotiva de pensamento quando ele deu um sorriso
lento. Os dedos, acima mencionados brincando com a borda do meu vestido,
escorregaram pelo meu ombro e desceram pelo meu braço, entrelaçando-se com
os meus.
Ele puxou minha mão.
— Vamos. Vamos fazer nosso piquenique.
Capítulo 14
Passamos o dia todo no parque. Vários jogos de Frisbee aconteciam, enquanto
eu conseguia manchas de grama no meu vestido branco.
Para minha surpresa, houve um show de Blues gratuito no Jay Pritzker
Pavilion, e decidimos ficar para assisitr depois do nosso dia juntos, de diversão.
Ficamos à beira do gramado, para deixar bastante espaço entre nós e os outros
usuários do parque.
Quinn se deitou no cobertor, com a cabeça descansando no meu colo como se
fosse a coisa mais natural do mundo e eu acariciei seu cabelo com meus dedos.
Eu teria parado para me beliscar e garantir que eu não estivesse sonhando, ou
que eu não tivesse sido sugado para um tipo de realidade alternativa de Matrix,
mas eu não queria saber. Não haveria pílula vermelha para mim.
Quinn adormeceu e eu não queria acordá-lo, então ficamos até o final do
último jogo. Eu observei, hipnotizada, as linhas e ângulos de seu rosto e a forma
de seus lábios. Eles se separaram um pouco e, com sucesso, lutei contra o desejo
de beijá-los.
O aplauso o despertou de seu sono. Ele franziu a testa, visivelmente confuso
com o seu entorno, e piscou para o meu rosto. A cor e a intensidade imediata de
seus olhos me reconhecendo, fizeram meu peito doer de um jeito muito bom.
Sorri para ele.
Por impulso, me inclinei e passei os meus lábios contra os dele com a intenção
de dar, ao meu belo sonolento, um pequeno beijo. No entanto, antes que eu
pudesse me retirar, as mãos de Quinn me seguraram no lugar; suas palmas
gigantes em minhas bochechas, seus longos dedos acariciando meu pescoço.
Ele aprofundou o beijo mesmo quando se sentou direito e se inclinou sobre
mim, de modo que eu estava ligeiramente reclinada, com a minha nuca contra o
seu joelho. Meus dedos passaram em torno de seus antebraços, para me
equilibrar. Sua língua era quente, suave e reverente, enquanto suave e,
enlouquecedoramente gentil, acariciava a minha. Eu estava sendo provada e
saboreada como um sorvete, ou uma sobremesa gourmet. O efeito foi inebriante.
Alguém que passava assobiou, presumivelmente, para nós e eu mergulhei meu
queixo no peito enquanto me endireitava, interompendo o beijo, achando difícil
respirar. Suas mãos se afastaram. Olhei para ele por baixo dos meus cílios e da
proteção que meus óculos de aros pretos proporcionavam. Ele estava de perfil,
olhando na direção do assobiador. Sua expressão severa o fez parecer resoluto e,
com isso, também o fez parecer poderoso, o que o fez parecer sexy.
Lambi meus lábios, o provando neles, e tentei chamar sua atenção de volta
para mim.
— Você dormiu bem? — minha voz estava levemente sem fôlego.
Ele encontrou meu olhar e tive a súbita sensação de estar paralisada. Meus
membros pareciam pesados e inúteis. Ele me fez uma pergunta, ignorando a
minha:
— Por que você usa óculos, ao invez de lentes de contato?
Eu devia estar embriagada pelo beijo, pois respondi com sinceridade.
— Porque eles fazem com que eu me sinta segura.
Sua boca torceu para o lado e ele piscou uma vez.
— É por isso que você usa seu cabelo assim? — indicou meu cabelo
repousado no topo da minha cabeça, em um coque severo. — Você se sente mais
segura com seu cabelo para trás?
— Não. Eu uso meu cabelo em um coque, porque, soltos, parece as cobras da
Medusa.
A marca registrada de Quinn, o sorriso lento e fácil, eclipsou suas feições.
— Não parecem as cobras da Medusa.
— Sim. Você sabia que a Medusa também tinha duas irmãs? Ela era filha do
meio, como eu. Mas a Medusa era a única mortal das três. A maioria dos mitos
dizem que ela foi morta por Perseus. Ele usou um escudo espelhado, para que
não tivesse que olhar diretamente para ela. Quando ela morreu, Pegasus, o
cavalo alado, saltou de seu corpo como um gigante, empunhando espadas.
Quinn torceu a boca para o lado, e então ele, gentilmente, tirou meus óculos e
os colocou no cobertor ao nosso lado.
— Isso parece improvável.
Dei de ombros, me sentindo letárgica e um pouco tonta por estar sentada em
um cobertor com ele, no parque, durante o crepúsculo. Também me senti um
pouco exposta, agora que meus óculos foram removidos.
— Alguns acham que ela estava grávida de Poseidon na época. Talvez o
esperma dele fosse do cavalo mágico e da variedade gigante, em vez de carregar
o habitual cromossomo X ou Y.
Peguei minha água, dei um longo gole e analisei Quinn por cima da borda da
garrafa de plástico. A luz do início da noite estava dando lugar à escuridão, mas
eu poderia dizer que ele ainda estava sorrindo. Eu ainda estava Quinn-beijo-
embriagada o suficiente para não sentir nenhuma vergonha quando perguntei:
— Se você pudesse ter esperma mágico, que tipo de criaturas você gostaria de
criar?
Seu sorriso se alargou. Ele balançou a cabeça enquanto olhava em volta, para
as pessoas se ajeitando para partir.
— Não sei o quão bem um esperma mágico me faria, sem uma garota de
cabelo de cobra para colocá-lo.
Quinn pegou sua própria água e tomou um gole, mas engasgou quando eu
disse:
— Você poderia me usar!
Ele colocou bruscamente a bebida no chão, recostou-se nos calcanhares e
pegou um guardanapo. Seus olhos estavam arregalados quando ele tossiu.
Estendi a mão e acariciei suas costas, suavemente.
— Você deveria beber mais água.
— Obrigado — ele resmungou. Me observou com cautela quando bebeu da
garrafa. Sentei descaradamente e esperei que Quinn se recompusesse.
Finalmente perguntei:
— Você está bem? Desceu pelo canal errado?
Ele assentiu com a cabeça, seus olhos seguindo meus movimentos enquanto
ele agarrava o guardanapo com um pouco de força demais, e então disse:
— Você estava dizendo algo sobre como eu poderia usar você?
— Ai sim. Nesta situação hipotética, você tem esperma mágico que pode criar
criaturas — apertei a tampa de volta na minha garrafa de água, a coloquei no
cobertor e comecei a soltar meu cabelo. — E já foi estabelecido que eu tenho
cabelo estilo Medusa — sacudi os cachos rebeldes e os deixei cair sobre meus
ombros, costas e seios. — Então, agora você tem o seu receptáculo de esperma
mágico com cabelo de serpente. Que criaturas criaremos?
Sua expressão só podia ser descrita como incrédula, mesmo quando seus olhos
se moviam sobre o meu amontoado de cabelo com um intensidade sombria.
— O que você colocou nessa água?
— É só água. O que? Por quê?
Quinn suspirou. Parecia áspero. Ele afastou o olhar de mim, como se fosse
doloroso ou forçado a fazê-lo. Se levantou e me ofereceu a mão rigidamente, me
puxando para cima com facilidade.
— Devemos ir jantar.
Inclinei a cabeça para o lado, considerando-o.
— Você não vai responder a minha pergunta?
Ele balançou a cabeça sem olhar para mim, enquanto recolhia a cesta, as
garrafas e o cobertor. Enfiou meus óculos no bolso da camisa. Mastiguei meu
lábio e torci meus dedos enquanto o observava. Não pude deixar de sentir como
se tivesse dito algo de errado. Enfiei meu cabelo atrás das orelhas e o ajudei a
arrumar.
Juntamos tudo e ele ainda não olhou para mim. Me senti ansiosa e, portanto,
minha mente começou a vagar. Peguei o lixo e caminhei até a lixeira,
imaginando se o lixo era recolhido diariamente, ou se era em dias alternados;
imaginando quanto lixo foi gerado pelo parque; imaginando se alguém pensou
em iniciar um programa de reciclagem nos parques da cidade; imaginando
quanto isso custaria à cidade; perguntando…
— Ah!
Trombei com alguém e imediatamente tentei dar um passo para trás, mas ele
agarrou meus ombros, sem gentileza alguma, e me impediu de me afastar. Olhei
para um rosto bastante desagradável. Não era uma pessoa feia. Na verdade, era
um rosto bastante bonito, mas fazia uma expressão desagradável e seus olhos
eram duros e frios.
O estranho era, talvez, um ou dois centímetros mais alto que eu e
extremamente musculoso. Sua cabeça estava raspada, seus olhos eram verde-
oliva, sua mandíbula, bastante angulosa, estava flexionada, tatuagens pretas
subiam da gola de sua camisa em volta do pescoço e sua boca carnuda, estava
curvada em uma carranca rígida.
Consegui dar um pequeno sorriso e esperava receber outro educado, mas ele
apenas me encarou com toda a flexibilidade do aço. Tenho a nítida impressão de
que ele não gostou de mim. Além disso, tive a nítida impressão de que ele queria
me fazer mal.
Engoli e novamente tentei me afastar.
— Desculpe, desculpe, não olhei por onde eu andava.
Ao invez de me soltar, ele me apertou dolorosamente e inclinou a cabeça para
frente. Sussurrou:
— Se você acha que vai se livrar dessa, não vai.
— Ei! — a voz de Quinn soou da minha esquerda, e o vi correr em minha
direção. Sua expressão era trovejante. Na verdade, ele também parecia
desagradável. Parecia que estava disposto a machucar muito alguém.
Antes que Quinn nos alcançasse, o homem soltou meus braços, me empurrou
para longe e ergueu as mãos, com as palmas para fora, como se tivesse se
rendido. Ele afastou os pés para trás.
— Ei cara, não tem nada acontecendo aqui.
Quinn imediatamente veio para minha frente, mas continuou a avançar sobre o
estranho.
— O que diabos você acha que está fazendo?
O tom de sua voz me fez interceder.
— Quinn, escute, não foi nada. Eu não estava olhando para onde estava indo e
ele...
— Ouça sua namorada.
Quinn afastou o homem mais forte e inclinou-se ameaçadoramente, seu tom
era estranhamente quieto.
— Não toque nela, não olhe para ela. Se eu o ver novamente, será a última vez
que alguém te verá.
Recuei. Não tive a impressão de que as palavras de Quinn fossem metafóricas,
ou transmitissem um tom dramático. Instintivamente, senti a verdade nelas e
estaria mentindo se dissesse que naquele momento ele não me assustou.
A disputa durou mais alguns segundos, até que o homem careca se mexeu
desconfortavelmente e baixou o olhar para a calçada. Parecendo satisfeito, Quinn
deu alguns passos para trás, depois se virou e, sem olhar para mim, pegou minha
mão e me puxou de volta para nossa cesta de piquenique abandonada. Meu
coração estava galopando no peito e eu estava um pouco trêmula. Sem conseguir
evitar, olhei por cima do ombro.
O careca ainda estava me observando.
Não nós.
Ele estava ME observando.
Olhou para mim como se me conhecesse, como se ele ainda quisesse me fazer
mal, como a única coisa que o impedisse de me rasgar ao meio, era o homem
muito grande e irritado ao meu lado. Movi meus olhos para longe e me
aproximei de Quinn.
Pela terceira vez em tantas semanas, tive a sensação distinta de que estava
sendo observada.
Só que desta vez eu sabia que estava certa.

Não conversamos enquanto caminhávamos. Quinn segurou minha mão


firmemente na dele, quase ao ponto de doer. Eu carregava a cesta e o cobertor,
ele segurava seu telefone, tocando a tela a cada poucos minutos, e olhava
atentamente ao redor do parque. Em vez de voltar para a garagem, Quinn nos
levou para a avenida South Michigan, ao lado da Face Fountain. Ficamos ali por
menos de trinta segundos antes que um SUV preto diminuísse e parasse na nossa
frente.
Quinn abriu a porta do passageiro traseiro e disse para eu entrar.
Envergonhada demais para interrogá-lo, sentei no banco de trás e coloquei o
cesto e o cobertor no banco ao meu lado, me acomodando no meio. Quinn veio
atrás de mim, bateu a porta e eu pude ouvir a fechadura. Levou um momento
para os meus olhos se ajustarem à escuridão do veículo. Olhei para Quinn, sua
perna estava pressionada contra a minha enquanto ele se contorcia em seu
assento e olhava pela janela, como se estivesse a procura de alguém.
O carro andou e tentei identificar nosso motorista. Tudo o que pude ver foi a
parte de trás de sua cabeça e o tamanho impressionante de seu pescoço. Não era
Vincent, a menos que Vincent tenha crescido 45 centímetros, regredido em trinta
anos e se tornado um afro-americano da noite para o dia. Minha atenção foi
trazida de volta para Quinn, quando ele colocou a mão na minha coxa e apertou.
Ele estava me estudando com cautela. Eu só pude olhar para ele confusa, com
os olhos arregalados. Não entendi o que tinha acabado de acontecer. Não entendi
porque o homem no parque olhou para mim com uma expressão tão sinistra. Não
entendi porque Quinn sentiu a necessidade de avisá-lo, com ameaças medievais.
Não entendi porque nós corremos para fora do parque, como se estivéssemos
sendo perseguidos. Eu estava completamente perdida.
Meu queixo pode ter vacilado.
Quinn deve ter pego o movimento, porque ele moveu o braço em volta dos
meus ombros e me puxou para o seu peito. Eu não estava a ponto de chorar, mas
não recusei seu colo. Foi bom estar envolvida em seus braços, então me permiti
descansar ali, absorvida pela força dele. Ele colocou o queixo na minha cabeça e
o senti suspirar.
— Você conhece aquele cara? — perguntei. Minha voz soou notavelmente
fraca no enorme carro.
Ele endureceu.
— Não. — Sua mão deslizou do meu ombro para o meu quadril, me puxando
para mais perto. Então ele disse: — Não conheço, mas ele me pareceu familiar.
Levantei minha cabeça de seu peito para poder olhar em seus olhos.
— Ele é um dos clientes confidenciais?
Quinn balançou a cabeça, seus olhos piscando brevemente para o motorista e,
em seguida, de volta para mim.
— Não. Definitivamente NÃO! Ele não se parece com alguém que eu
conhecesse.
— Ah.
Seu polegar acariciou meu quadril e seus olhos percorreram o meu rosto.
— Você está bem? Ele te machucou? — a voz de Quinn era áspera.
— Não, ele apenas me assustou. Provavelmente era apenas um estranho e,
lembre-se, eu esbarrei nele, então não é grande coisa.
Ele assentiu, mas percebi que ele não estava convencido. Coloquei minha mão
em seu peito e ele a cobriu com a sua, movendo para seu coração. Estava
batendo rapidamente. Ele limpou a garganta.
— Você, uh, quer ir para casa?
Dei a ele um pequeno sorriso.
— Casa?
Ele balançou a cabeça e disse:
— Você provavelmente deveria ir pra casa.
Uma nuvem negra de decepção se instalou na minha testa. Eu não estava
pronta para acabar a noite. Não entendi porque meu encontro desajeitado
significava que nossa noite tinha que terminar.
— Quais são as minhas opções? — olhei para nossas mãos entrelaçadas
cobrindo seu coração, então lambi meus lábios enquanto meus olhos se moviam
para sua boca.
— Casa — ele disse a palavra com firmeza.
Meu olhar encontrou o dele, e ele estava me admirando com um estoicismo
paradoxal e acalorado, me afastando e me esmagando perto. Algo me possuiu.
Chamei de instinto de mulher devassa e me pressionei a ele. O senti endurecer.
Deslizei meu corpo para cima, esmagando meu peito contra o dele. Eu senti sua
respiração prender. Minha perna se moveu entre as dele, e eu levei minha boca
para seu pescoço, em seguida, até sua orelha e sussurrei, esperando que as
palavras não saíssem desajeitadas e esquisitas.
— Estou com fome.
Outro suspiro irregular escapou dele, em tom similar ao do parque, e sua mão
se moveu para a minha coxa, onde meu vestido havia se levantado, expondo
minha perna. Permaneceu ali, a palma da mão aquecendo minha pele por um
segundo hesitante, antes de puxar a bainha da minha saia para baixo, para cobrir
meu joelho e se afastar de mim no banco. Senti a perda de seu intenso calor
quando ele desembaraçou nossos membros.
Quinn se inclinou para frente, em direção ao motorista.
— Precisamos levar a senhorita Morris para casa.
O observei, a princípio, surpresa, depois finalmente com o entendimento de
rejeição pungente soando em meus ouvidos. Um rubor intenso de vergonha tão
profundo, que me senti a ponto de ser consumida por sua incineração, que subiu
para o meu pescoço, para minhas bochechas e chegou até as pontas das minhas
orelhas. Cruzei meus braços sobre o peito e inclinei meus joelhos para longe dele
enquanto ele se acomodava ao meu lado.
Nos sentamos em silêncio por um breve momento, e eu podia ouvir o ruído do
sangue passando através do meu coração e entre as minhas orelhas. Meu cérebro
foi ultrapassado por uma montanha-russa de auto-dúvida adolescente, que eu
aceitei como fato: eu nunca serei aquela garota. Não está em mim ser sexy e
sedutora. Talvez, com várias dezenas de milhares de dólares em cirurgia plástica,
eu possa me tornar atraente o suficiente para que, com pouca luz ou depois de
vários tiros, eu possa despertar o interesse de um bioestatístico - ou um atuário.
Quando nos aproximamos do prédio, puxei minha bolsa da cesta de
piquenique. Quinn me surpreendeu, acariciando os cachos indisciplinados do
meu ombro. Me virei para olhá-lo. Ele estava segurando meus óculos entre nós.
Eu os peguei e desviei o olhar enquanto agradecia, e então os coloquei em
segurança no meu nariz.
Sua voz era suave quando ele respondeu “de nada.”
Quinn não abriu a porta imediatamente quando o carro parou, e eu podia sentir
seus olhos em mim. Em um esforço para evitar seu olhar, comecei a procurar
minhas chaves na bolsa. Finalmente ele saiu e eu passei por ele assim que ele
saiu da porta. Quando subi os degraus, o senti perto, bem atrás de mim.
— Você vai ficar bem?
— Sim. Muito bem. — Consegui acertar a chave na fechadura na primeira
tentativa e me senti grata pelo pequeno milagre.
Meu temperamento interno de birra, continuou: “atrair e manter o interesse de
alguém como Quinn Sullivan, terá que entrar na minha caixa de faz de conta
com o último remake Final Fantasy 7 com gráficos de PlayStation 3, ou
encontrar uma versão original e intocada de Detective Comics No 27, a estréia de
Batman. Todas as tentativas são fúteis. É apenas algo que terei que aceitar como
fantasia.”
Comecei a atravessar a porta e subir os degraus, sem esperar a porta se fechar
e nem olhar para trás por cima do meu ombro. Para minha decepção, ouvi seus
passos ecoando os meus pelas escadas. Eu subi mais rápido. Quando cheguei à
minha porta, me atrapalhei com as minhas chaves. Mais uma vez, fui bem-
sucedida em girar a fechadura. Ele ficou ao lado, um pouco distante, me
observando.
Eu olhei por cima do ombro, brevemente, para dar-lhe um aceno superficial.
— Bem, boa noite. Obrigada pelo... piquenique. — Quando eu estava prestes
a fugir para a segurança do meu apartamento compartilhado, senti sua mão
segurar rapidamente no meu braço, acima do cotovelo.
— Eu quero que você e Elizabeth pensem sobre mudar para aquele outro
apartamento.
Dei de ombros e abri a porta apenas o suficiente para que eu colocasse minha
bolsa e deslizasse até a metade.
— Sim, claro. Eu vou falar com ela a respeito. — Dei mais um passo para
dentro.
Quinn estendeu a mão e agarrou a porta, como se estivesse me impedindo de
fechá-la.
— Eu estou falando sério.
— Ok. — Balancei a cabeça novamente, meus olhos encontrando os dele
brevemente. Meu cérebro já estava a vários metros de distância, no meu
apartamento, a salvo dos sentimentos persistentes de rejeição, e lendo a nova
biografia da Madame Curie que peguei emprestado da biblioteca. Não estava no
presente, no corredor, onde eu era a patética rainha do pensamento positivo.
Ficamos na porta por vários segundos silenciosos. Eu podia sentir seu olhar se
movendo sobre mim. Lutei contra o rubor de vergonha, que ameaçava pintar de
vermelho as rosas das minhas bochechas.
Então ele disse:
— Eu terei que sair da cidade.
Assenti.
— Sim eu sei. Você tem essa viagem para Nova York, na quinta-feira.
— Não, eu vou sair hoje à noite. Não poderei fazer nossos treinamentos
programados esta semana, e talvez seja difícil chegar nos próximos dias, mas
você deve me enviar uma mensagem se precisar de algo.
Encolhi os ombros e, novamente, ouvi o som de sangue enchendo meus
ouvidos. Recuei para a escuridão do meu apartamento quando o rubor ganhou e
rastejou até o meu pescoço, marcando minhas feições e me queimando com
vergonha, como Sherman queimou Atlanta.
— Eu estarei em Boston primeiro, depois em Nova York, e voltarei no
domingo.
Espere, o que ele disse? Ele ainda está falando?
— Então, talvez possamos remarcar o jantar para a próxima semana? —
continuou.
Suspirei distraidamente, ainda incapaz de encontrar seus olhos.
— Sim claro. Por que você não me liga quando voltar? — eu não esperava
que ele ligasse.
Ele assentiu e começou a se inclinar para o meu apartamento, depois parou e
soltou a porta. Se arrastou de volta para o corredor. Quinn esfregou os dedos nos
cabelos em um movimento frustrado.
— Sinto muito por hoje à noite.
Olhei para ele. Ele parecia chateado. Fiz uma careta. Antes que eu pudesse
dizer qualquer coisa, ele se virou e me deixou, puxando o celular do bolso
enquanto ia. Eu esperei para fechar a porta, até que eu não conseguisse ouvir o
som dos passos dele descendo as escadas.
Não acendi nenhuma luz enquanto caminhava até o sofá. Na escuridão do meu
apartamento, permiti que minha mente vagasse.
Não entendia nada sobre esse cara.
Um minuto ele estava fingindo que queria namorar comigo, no minuto
seguinte ele estava recusando meus avanços óbvios, e agora ele estava
inventando uma viagem, na esperança de que eu não o incomodasse. Eu estava
tão confusa. Se ele quisesse me dispensar, não precisava inventar uma falsa
viagem de negócios.
Ouvi meu repulsivo celular gritar em algum lugar do apartamento. O som me
fez rosnar de frustração, mas, de repente, fiquei curiosa. Ele tocou novamente
antes de eu chegar ao balcão da cozinha, onde o aparelho estava carregando.
Olhei para a tela. Foi um texto de Quinn. Na verdade, haviam vários:
O primeiro: “Vou deixar alguns seguranças com você, você não vai nem os
notar, desculpe por tudo isso. “
A segunda: “Vou ligar para você quando chegar a NY, na quinta-feira. “
O terceiro: “Um nêutron entra em um bar e pergunta ao garçom: Quanto custa
uma cerveja? O barman olha para ele e diz: Para você, sem carga. “
Fiz uma careta para o telefone e as mensagens. Ele poderia muito bem ter me
enviado hieróglifos. Depois de um longo tempo, coloquei o telefone no balcão e
fui até o sofá. O olhei e sentei. Em seguida, deitei em exaustão súbita. Minha
cabeça estava girando. Eu não entendia os homens. Eles não faziam sentido e se
comportavam erraticamente.
Eu sabia que ainda estava com roupas de sair e percebi que não tinha
escovado os dentes, mas não conseguia me mexer. Me senti paralisada pela
confusão. Decidi, quando sucumbi ao sono, que os homens deveriam vir com
manuais, legendas e botões de reset.

Passei a confiar no meu grupo de tricô para ser minha bússola em todas as
coisas confusas e difíceis de compreender, o que geralmente se baseia em
relacionamentos e interações com outros humanos... er, pessoas. Minhas amigas
me ajudavam a lidar com tudo, desde políticas precárias de escritório, até lidar
com a mãe do meu ex. E é por isso que elas apoiaram e se empenharam, quando
expliquei a elas a minha situação atual com Quinn.
Era terça-feira à noite e estávamos reunidas no espaçoso apartamento de dois
quartos, da Sandra. Fiona era a única ausente, tendo que ficar em casa de última
hora, porque sua filha ficou gripada. A maioria de nós segurava uma bebida, e eu
acabara de pegar o maldito celular para que todas pudessem ler as mensagens.
Também dei a elas uma versão do Cliff Notes (guia de estudos em panfletos,
resumida) da semana passada.
Estavam todas em silêncio. Ashley estava olhando para o a sala, Marie estava
franzindo a testa para o suéter meio tricotado que fazia, Sandra estava de pé na
entrada da cozinha, encostada na parede como se estivesse contemplando algo,
Kat estava me observando, com uma mistura encoberta de introspecção e
agitação, e Elizabeth ainda estava lendo as mensagens de Quinn.
Ashley foi a primeira a se pronunciar. Seu sotaque carregado do Tennessee lhe
dava um ar encantador.
— Eu acho que ele estava incomodado com aquele cara no parque, e é por
isso que ele recusou seu atraente corpo.
Algumas delas concordaram com a cabeça e outras continuaram com um olhar
vago. Suspirei.
— Mas, como ele poderia estar interessado? Pelo poder de Thor, eu me joguei
para cima dele!
Elizabeth franziu a testa para mim.
— Você realmente acabou de dizer ‘pelo poder de Thor’?
— Estou tentando amenizar.
Novamente algumas concordaram com a cabeça e outras continuaram com um
olhar vago. Suspirei.
— Acho que estraguei tudo. Acho que ele pensa que eu sou patética e está
apenas tentando me evitar inventando uma viagem para não precisar falar
comigo.
Marie balançou a cabeça e seu cabelo loiro de comercial de shampoo, passou
em torno de seu rosto.
— Não. Não é isso — ela parecia tão segura. — Definitivamente não é isso.
Elizabeth assentiu, concordando.
— Concordo com Marie. O cara está louco por você.
Algumas concordaram e algumas continuaram com um olhar vago.
Suspirei.
— Então por que ele recusou minhas investidas?
Não pude disfarçar a frustração na minha voz. Eu sabia que parte se dava
devido à sua ausência. Sentia-me mimada por vê-lo quase todos os dias, na
semana passada, e agora sentia sua falta. No sábado passado, quando ele
inspecionou meu apartamento, achei que ele não pertencia à minha vida. Mas
agora, a ausência dele me faz sentir como se eu estivesse sempre tentando
recuperar o fôlego.
E foram apenas dois dias.
— Bem, que inferno garota! Ele apenas viu você ser maltratada por um
skinhead com tatuagem no pescoço — Sandra disse quando se desencostou da
parede e se juntou a nós, na sala de estar. — Se ele não estivesse interessado, não
encheria a caixa de entrada do seu celular com mensagens. Acho que ele está
preocupado com você.
— Além disso, você pode não ter sido tão transparente com seus avanços
como pensa. Posso afirmar que você não é uma sedutora habilidosa. Geralmente
é difícil te assistir. — Ashley fez uma careta.
Kat disse baixinho:
— Eu não entendo a reação dele com o cara do parque. Parece que ele
exagerou completamente. Janie, tem mais alguma coisa? O cara ameaçou você?
Eu balancei a cabeça.
— Não. Eu só esbarrei nele. Ele era assustador, mas, além de segurar meus
braços, não fez nada.
— Mas o Calças-Quentes não disse que conhecia o cara? — Sandra me
cutucou com uma cenoura, antes de mergulhá-la em um pote de molho blue
cheese e a morder com um sólido crunch.
— Foi vago. Algo como se ele achasse que parecia familiar. Eu não sei —
pressionei as palmas das minhas mãos, nas órbitas dos olhos e deixei que a parte
de trás da minha cabeça caísse contra a cadeira alta atrás de mim. — Quero
dizer, se pensar bem, a primeira vez que falei com Quinn foi apenas quatro
semanas atrás. Eu não o conheço completamente. Talvez o cara do parque
realmente o tenha assustado e eu esteja errada. Talvez ele simplesmente não
esteja afim de mim e eu esteja certa. Talvez Quinn seja um alienígena e tenha
terminado seu estudo da humanidade e eu não tenha mais utilidade como um
espécime.
Marie sacudiu a cabeça.
— Quatro semanas são longas o suficiente. Pessoas já caíram de quatro em
menos tempo que isso.
— Ele realmente colocou seguranças atrás de você? — Ashley direcionou a
pergunta para mim, mas seus olhos estavam em Elizabeth.
— Sim. colocou. — Fiz uma careta para isso. A primeira vez em que os vi, foi
na manhã de segunda-feira, quando eu estava de saída para o trabalho. Eles se
aproximaram de mim do lado de fora do prédio, ambos vestidos casualmente de
jeans e camisetas, parecendo caras comuns, e me disseram que trabalhavam para
a Infinite Systems. O Sr. Sullivan, ao que parece, solicitou duas equipes de
proteção 24 horas. Eles prometeram que eu não os notaria e estavam certos; nos
últimos dois dias, eu os esqueci. — Provavelmente estejam lá fora, agora.
Devíamos levar café ou algo assim
Elizabeth ergueu os olhos do celular e me devolveu.
— A mensagem da amizade, sobre fazer xixi, é engraçada. Acho que vou usar.
Peguei o odioso celular de Elizabeth e olhei para as duas últimas mensagens.
Quinn, fiel à sua palavra, continuou a me enviar piadas todos os dias, o que só
serviu para me confundir ainda mais.
Marie começou a tricotar novamente.
— O tempo vai dizer. Eu digo apenas que espere e veja. Se ele te ligar na
quinta-feira, ouça o que ele tem a dizer.
Levantei e espreguicei.
— Você está certa! Cansei de pensar nisso. Feito, pronto, acabou! — balancei
minha mão em um círculo e bati três vezes, em seguida, fui até o banheiro, na
esperança de que minha ausência mudasse o assunto.
Eu não estava no banheiro por muito tempo, apenas tempo o suficiente para
lavar as mãos, quando ouvi uma batida na porta.
— Só um minuto, estou quase terminando — respondi distraidamente.
— Janie, é a Kat. Posso entrar?
— Sim, estou quase acabando.
— Não... — a voz de Kat se tornou um sussurro. Eu poderia dizer que ela
tinha os lábios perto da fenda, na porta. — Quero dizer, posso entrar e me juntar
a você? Eu preciso te contar uma coisa.
Abri a porta e me virei para procurar uma toalha.
— E aí? Você está bem? — a voz de Kat estava carregada de hesitação. —
Eu... descobri... uma coisa.— O clique suave da porta se fechando me
surpreendeu, então eu me virei para encará-la, enxugando a umidade das minhas
mãos com uma toalha incrivelmente fofa e absorvente. Fiz uma nota mental para
perguntar à Sandra onde ela comprou suas toalhas.
Quando Kat não continuou, levantei minhas sobrancelhas.
— Sobre o que?
Ela parecia séria demais, como meu pai fez no dia em que me disse que Papai
Noel não era real. Eu tinha quinze anos.
— É sobre o seu trabalho — ela hesitou novamente, enfiando o cabelo
castanho ondulado atrás das orelhas enquanto reúnia seus pensamentos. — Eu
descobri o porquê eles terem te dispensado.
— Ah. — Agarrei a toalha, era tão macia. Esqueci que Kat concordou em
tentar descobrir a razão pela qual fui demitida. No momento, não me importei
particularmente.
— Janie...
Ela disse meu nome de uma forma que geralmente é seguida com algo do tipo
‘Onde você estava na noite do assassinato?’, ou, ‘é melhor você se sentar’. Eu
apertei ainda mais a toalha.
— Foi o Sr. Holsome.
Pisquei. O silêncio se estendeu. Os olhos de Kat continuaram a me olhar com
uma ampla cautela.
— Sr. Holsome? — repeti, confusa. — Você quer dizer, o pai de Jon? O pai do
meu Jon? Aquele Sr. Holsome?
Kat assentiu e encostou-se à porta fechada. Ela suspirou.
— Eu não... — pisquei para ela novamente e sentei na tampa do vaso
sanitário. — Eu não entendo. Por que o pai de Jon queria que eu perdesse o
emprego?
Ela parecia infeliz.
— Eu não sei o motivo, mas posso dizer, com cem por cento de certeza, que
ele foi o responsável. Ele ameaçou sair do projeto da South Side se eles não a
demitissem e insistiu que tinha que ser naquele dia.
Aquele dia.
Naquele dia, descobri que Jon me traiu. Naquele dia, terminei com ele antes
de sair para trabalhar.
Kat deve ter visto as rodas girando no meu cérebro frágil, porque ela disse:
— Você acha que Jon pediu para que ele fizesse isso?
Eu balancei a cabeça. Só pude bufar uma resposta.
— Não sei. Eu não consigo... — Minhas palavras sumiram. Pensei sobre a
acusação que Kat expressou, e que eu havia pensado.
Não parecia provável, mas fiquei perturbada ao perceber que aquilo era
plausível. Jon disse em mais de uma ocasião, quando estávamos juntos e desde
que terminamos, que queria que eu confiasse nele, que queria cuidar de mim,
que eu precisava dele. Eu não me sentia assim. Me perguntava por que ele fazia
aquilo. Talvez porque ele sentisse que era verdade.
Talvez porque o pai dele pudesse tirar meu emprego com um telefonema.
— O que você vai fazer? — Kat estava torcendo as mãos na frente dela,
nervosa e ansiosa por mim.
— Não sei — balancei a cabeça e disse novamente. — Não sei.
Não parecia justo que Jon pudesse, por um capricho petulante, decidir fazer
uma ligação para eu perder o emprego, um trabalho, lembre-se, que eu era
bastante habilidosa, mas que eu não sentia falta. Sinceramente, não sabia o que
faria. Parte de mim se perguntou se isso importava. Jon não podia fazer nada
comigo agora. Eu não o namorava mais. Ele e seu pai não tinham influência com
meu empregador atual. Dei um suspiro de alívio ao perceber. Me sentia segura
no meu novo emprego. Eu me sentia confiante e segura.
Talvez Jon tenha me feito um favor.
Capítulo 15
Na quinta-feira da minha terceira semana de trabalho, senti o primeiro tremor
de incerteza sobre meu emprego e, por tremor de incerteza, refiro-me a um raio
de horror.
Quinn tinha partido desde a noite de domingo, mas ele ainda me enviava
mensagens com piadas. Eu as lia, gostava delas, mas não respondia, pois estava
começando a me sentir boba com o meu comportamento. Quando ele me deixou
naquela noite, cedi à minha gangorra de insegurança e isso me deixou nauseada.
Por que ele continuava com as mensagens, se estava tentando me evitar?
Além disso, na noite de quarta-feira, ele me mandou um lembrete sobre nosso
telefonema do dia seguinte. Prometi a mim mesma que iria conversar com Quinn
no celular repugnante, e eu não permitiria ser nenhum brinquedo de playground
emocional.
No entanto, o incidente no domingo e o distanciamento subseqüente na
segunda, terça e quarta-feira me permitiram refletir: Eu realmente não sabia
muito sobre Quinn. Eu nem sabia qual era seu cargo na empresa, e eu trabalhava
com ele. Não entendia o papel ou o título de Quinn no trabalho já que ninguém
falava sobre ele e, quando se direcionavam a ele, sempre o chamavam de Sr.
Sullivan.
Portanto, reuni coragem para perguntar a Steven sobre Quinn.
Steven e eu estávamos almoçando na sala de descanso, que era mais um
corredor ao longo do perímetro do prédio com uma janela com vista para a
cidade, e discutindo minha próxima primeira viagem oficial de negócios, e a
reunião com o cliente.
Steven e eu voaríamos para Las Vegas na próxima segunda-feira. Ele explicou
que o cliente era dono do Club Outrageous — o que me fez pensar em Quinn —
e queria usar o Guard Security para outro clube em Las Vegas. O cliente também
queria discutir a organização da segurança pessoal por meio do Infinite Systems.
— A Cypher Systems tem um escritório em Las Vegas? — mergulhei o frango,
da minha salada de taco, em um pequeno pote de creme azedo e dei uma
mordida.
Steven sacudiu a cabeça no meio da mastigação.
— E quanto à Nova York? Temos algum outro escritório, além de Chicago?
Steven mergulhou o sushi picante no molho shoyo, e respondeu antes de
comer.
— Docinho, posso te chamar de docinho? Não. Somos apenas nós, os
lunáticos.
— Não me chame de docinho. E quanto a Quinn Sullivan? Onde é o escritório
dele? — tentei soar despretenciosa. Observei Steven com uma garfada de salada
de taco, enquanto tentava suprimir o rubor que ameaçava esmagar minhas
bochechas. Esperava que ele não percebesse.
Ele balançou a cabeça.
— Sr. Sullivan tem um escritório aqui no prédio, mas, como você
provavelmente notou, ele não usa muito durante o horário comercial normal.
Acho que ele prefere estar em campo.
— Por que todo mundo o chama de Sr. Sullivan?
Steven colocou uma porção generosa de gengibre raspado em seu sushi, e
ergueu as sobrancelhas para mim.
— Como você quer que o chame? Sully? Quinn, quindim?
— Não. O que eu quero dizer, é que chamamos o Sr. Davies de ‘Carlos’, e
todo mundo aqui é chamado pelo primeiro nome. Por que não chamamos o
senhor Sullivan de Quinn?
Steven deu de ombros.
— Eu não sei. Eu trabalho aqui há três anos e nós sempre o chamamos de Sr.
Sullivan — Steven pareceu pensar sobre o assunto enquanto mastigava seu
sushi. Com a boca meio cheia, acrescentou: — As únicas vezes em que o vejo,
são para as reuniões de clientes, e faz sentido chamá-lo de Sr. Sullivan. Na frente
do cliente, quero dizer. Talvez isso o faça parecer mais importante aos olhos
deles — Steven encolheu os ombros novamente e engoliu em seco. — Bem, eu
acho que ele é importante. Estranho, mas importante.
— O que você quer dizer com ‘estranho’?
— Bem, você passou um tempo com ele sexta-feira passada, certo? Quando
você teve que trabalhar até tarde? Tão típico. Ele insistiu em levá-la
pessoalmente “para treiná-la” — Steven usou aspas no ar para enfatizar as duas
últimas palavras. — Eu disse a Carlos que achava que ele só queria alguém para
encarar. Não posso acreditar que você tem sido tão boa nisso.
Franzi meu nariz para Steven.
— O que você quer dizer? Ele não me encara.
Steven me deu um olhar simpático.
— Só você seria tão graciosa, Janie.
Abaixei meu garfo e olhei para Steven, meu tom incrédulo.
— Sobre o que você está falando? Aprendi muito com ele. Eu achei que esse
tempo foi benéfico. — Senti a necessidade de defender Quinn. Eu não queria
que Steven pensasse que Quinn tinha sido rude, ou feito um mau trabalho me
treinando e, portanto, colocar Quinn em apuros.
— Oh, sério? — Steven ergueu as sobrancelhas.
— Sim, com certeza.
Steven franziu os lábios e me deu um olhar incrivelmente incrédulo.
— Uma vez passei vinte minutos a sós com ele, durante uma viagem de carro
do aeroporto até o local. Durante esse tempo, ele disse um total de três palavras e
seu rosto não mudou de expressão nenhuma vez... Não, espere, isso está errado
— Ele ergueu as mãos para impedir que eu interrompesse. — Ele tinha duas
expressões: no começo ele era indiferente, mas depois, no final dos vinte
minutos, sua expressão mudou para apática. Isso tudo apesar do fato de que
minha conversa foi obviamente emocionante.
— Indiferente e apático são sinônimos. — Tentei não rir quando imaginei
Steven e Quinn sozinhos, em um carro, juntos por 20 minutos: Quinn encarando
Steven, enquanto Steven preenchia o silencioso carro, com contos de suas
façanhas de final de semana e a mais recente compra de mobília.
— Claro, ele é muito bonito, devo admitir, mas você não pode me dizer que
não acha que há algo de errado nele — Steven olhou para ambos os ombros de
uma forma exagerada, em seguida, falou em um falso sussurro. — Você sabia
que às vezes ele se junta aos guardas de segurança no andar de baixo e age como
se fosse um deles?
Torci meus lábios para o lado, pensando se deveria dizer a Steven que eu,
originalmente, conheci Quinn quando ele me acompanhou depois de ser
demitida do meu último emprego. Em vez disso, eu disse:
— Bem, não é? Ele não é um deles?
Steven me estudou por um momento, antes de responder em um tom muito
seco.
— De uma maneira pequena, sim, ele é. De uma maneira muito maior e mais
correta, não. Ele definitivamente não é.”
— Hmm — peguei meu garfo novamente e cutuquei minha salada, me
sentindo pensativa. — Por que você só o vê durante as reuniões do cliente?
— Ele não vai à todas as reuniões com clientes, na verdade. Somente se
houver um problema, ou se ele estiver avaliando um novo cliente. Normalmente
ele manda o Carlos.
Meu garfo parou no meio do ar, entre meu recipiente de plástico e minha boca.
— Espere — eu quase podia ouvir o clique e o rangido das engrenagens na
minha cabeça. — O que você quer dizer com ‘manda o Carlos’? Não é o chefe
que decide quem vai para qual reunião?
Steven piscou para mim três vezes, as sobrancelhas levantadas para que
parecessem pequenos guarda-chuvas sobre os olhos cinzentos.
— Que bobagem você está falando? O Sr. Sullivan é o chefe.
O tempo parou.
Tudo parecia suspenso enquanto meu cérebro lutava para aceitar a realidade.
Foi um daqueles momentos em que você reflete, no futuro, e se pergunta como
seu cérebro poderia ter pensado tantos pensamentos, como seu coração poderia
ter sentido tantos sentimentos no pequeno espaço de um único segundo. A única
explicação era que o tempo devia ter parado.
Quinn é meu chefe.
Tentei pensar nas vezes em que estive com ele, e procurei pelas pistas.
Encontrei várias. Na verdade, encontrei mais que várias. Eu queria esconder meu
rosto em minhas mãos e chorar, mas resisti e mordi ferozmente meu lábio
inferior.
Como eu poderia deixar passar algo tão óbvio?
As palavras de Quinn da semana anterior, voltaram para mim: “Você é
completamente cega para o óbvio”.
Realmente, ele era mais do que apenas meu chefe, ele era o chefe. Ele era o
dono da empresa. Ele possuía uma empresa realmente impressionante e
lucrativa. Quaisquer balões de esperança anteriores que eu estivesse flutuando,
em minha versão de realidade alternativa do meu carnaval de sonhos, foram
imediatamente esvaziados, se não brutalmente explodidos. Esse cara com que eu
estivera fantasiando, que passei dois meses e com quem eu achava que estava
meio que namorando, talvez não estivesse apenas fora do meu padrão de atração
física, mas, sim, fora de todos os meus padrões.
Eu era a Neandertal de forma desajeitada, e ele estava na liga ninja de
milionários gostosos.
Como colega de trabalho, Quinn e eu estávamos em pé de igualdade. Mesmo
que nada de romântico se materializasse a longo prazo, no mínimo achei que
construiríamos uma amizade. Eu esperava que estivéssemos construindo uma
amizade, para que não fosse necessário explodir tudo. Eu realmente gostei dele.
Pensava nele com uma frequência alarmante. Ele era interessante e bom de
conversar, e eu queria ter uma conexão duradoura com ele.
Pelo menos, até este momento, era o que eu tinha pensado. Agora que pensei
em tudo o que havia acontecido recentemente — os eventos do fim de semana
passado, a chamada sessão de treinamento, as mensagens de piadas, nossas
conversas longas — e eu estava ficando cada vez mais à vontade. Achei que
nosso tempo juntos estivesse nos levando a algo permanente, algo compartilhado
entre duas pessoas, cujo relacionamento era mais do que ser apenas colegas de
trabalho.
Eu estava cega. Eu estava tão além da cegueira, fui idiota. Estava errada. Nós
não estávamos nos tornando amigos. Pessoas normais não têm relações
duradouras com milionários gostosos.
O que ele me disse naquela noite depois do show? Me disse que não
namorava. Uma vez que ele perdesse o interesse em mim, o que aconteceria
mais cedo ou mais tarde, eu iria vê-lo periodicamente, na melhor das hipóteses,
durante reuniões com clientes, onde ele era o Sr. Sullivan e eu era Janie Morris,
sua funcionária. Esses rótulos de chefe e funcionário definiam nosso
relacionamento, assim como os campos minados ao redor da Baía de
Guantánamo, em Cuba, definindo-o como uma Base Naval dos EUA.
Você não vai passear em um campo minado. Você não é amiga do seu chefe.
E você, certamente, nunca se prepara para ter fantasias sexuais com ele, ou
paixões longitudinais não correspondidas. Desejar seu chefe, era como ter uma
queda pelo seu professor de inglês no ensino médio. Isso te fazia mais do que só
um pouco patética.
Minha surpresa deve ter sido visível, porque o rosto de Steven mudou,
repentinamente, de confusão para compreensão relutante.
— Oh… aí meu. Você não sabia. Você não sabia que o Sr. Sullivan é o chefe?
Me esforcei para engolir, com a garganta de repente seca.
— Não — eu disse, categoricamente.
— Como você pode não saber? — era a vez de Steven parecer incrédulo. —
Ele recrutou você. Você passou o dia todo, na sexta, com ele. Tenho certeza de
que já falamos dele antes. De quem você achava que eu estava falando, quando
dizia “o chefe”?
Não ouvi o resto das reflexões de Steven. Eu estava na Matrix e simplesmente
tomei a pílula vermelha sem querer. Meus pensamentos ficaram agitados e
circulando, como uma lavadora de roupas no ciclo de centrifugação. Comemos
em silêncio por vários minutos e consegui evitar contato visual com Steven.
Depois de alguns minutos, Steven interrompeu minha avalanche interna de
angustia.
— Pensei que você soubesse, quando ele te contratou.
Encontrei seus olhos, com uma carranca.
— Ele disse... ele disse que poderia me conseguir a entrevista, mas eu
precisava conseguir o emprego sozinha. — Eu estava tendo dificuldade em
manter minha voz firme.
Quinn era rico. Na verdade, ele não era apenas rico. Ele era um rico filho de
uma p… um pudim. E, mais uma vez, permiti que outra pessoa fosse o Capitão
no meu mar do destino. Mais uma vez, fui uma espectadora acidental da minha
ilusão de sucesso.
Steven pareceu entender meus pensamentos.
— Você realmente conseguiu o emprego por conta própria — minhas feições
devem ter traído a minha dúvida e infelicidade, porque ele colocou os pauzinhos
na mesa e estendeu a mão sobre a mesma. Seus olhos cinzentos, suavizando. —
Não, sério, me escute, Janie. Eu admito, o Sr. Sullivan nunca recomendou
alguém para uma entrevista antes. Normalmente ele apenas os recrutam e eles
começam. Vou te dizer uma coisa, ele está sempre certo. Por exemplo, olhe para
mim. — Ele me deu um sorriso irônico.
Tentei retribuir, mas não pude evitar sentir uma mistura de devastação
angustiante e de aborrecimento comigo mesma. Eu acabara de descobrir que Jon,
ou o pai, haviam arrumado minha entrevista na última empresa e,
provavelmente, o trabalho em si, e veja só no que deu. Eu não gostava de pensar
que a única razão pela qual eu fui contratada na Cypher Systems, foi porque
Quinn Sullivan havia decidido, por um capricho, que ele queria me beijar, e eu
era boa com números.
— Pão de Mel. Posso te chamar de Pão de Mel? — ele não esperou que eu
respondesse. — Realmente me escute. Eu sabia que você seria ótima se o Sr.
Sullivan a recrutou. Mas, se isso faz você se sentir melhor, eu mostrei para você
aquela planilha no iPad com as fórmulas erradas no seu primeiro dia de teste, e
você passou por mérito próprio.
Suspirei. Rapidamente terminei minha salada. Eu não queria comer nunca
mais.
— Obrigada.
Ele me olhou com o que eu percebi ser um olhar especulativo.
— Essa é a empresa dele, o seu bebê. Você realmente acha que ele contrataria
alguém que não fosse incrível? Mais uma vez, você não precisa de mais provas
do que seu companheiro aqui, nessa mesa.
Eu tentei um meio sorriso e revirei os olhos.
— Não, você não pode me chamar de Pão de Mel. — O que eu não podia
dizer a Steven, era a verdadeira razão pela qual eu me sentia tão chateada. A
clareza do momento ardia. Meu peito doía e eu realmente não compreendia, até
certo ponto, que meus balões de esperança, acima mencionados, no carnaval dos
sonhos da realidade alternada, tinham sido bastante inflados apesar de todos os
meus melhores esforços para manter o pé no chão.
De repente, a ideia de ver Quinn novamente, me encheu de pavor. Meu
coração parou duas vezes, quando me lembrei da minha próxima viagem a Las
Vegas.
— Ele vai... uh... — pigarreei e limpei minhas mãos no guardanapo. — O Sr.
Sullivan estará na reunião do cliente em Las Vegas?
Steven voltou a comer seu sushi e balançou a cabeça.
— Sim. Como lhe disse antes, o chefe analisa todos os novos clientes para as
contas confidenciais. Ele vai viajar conosco. Deus nos ajude.
— Ah. — Refleti sobre aquilo por um momento. Ao me preparar para a
reunião em Vegas, eu estava elaborando propostas para o misterioso chefe, sem
saber que Quinn era o chefe. Na verdade, eu até contei a Quinn sobre uma de
minhas ideias, no dia em que ele interrompeu meu almoço, semana passada, no
Smith’s. Senti como se estivesse doente. Resmunguei minha próxima pergunta.
— Vamos todos no mesmo voo?
— Vamos no avião da empresa. — A voz de Steven era tão indiferente, que
era o mesmo que dizer que ele cortou as unhas dos pés na quarta-feira.
Deixei escapar:
— Existe um avião da empresa?
— Sim.
Minha frequência cardíaca aumentou, com a ideia de passar quatro horas em
um espaço fechado com Quinn.
— E todos nós vamos viajar juntos? Inclusive ele?
— Sim.
Eu vasculhei a mesa, como se isso pudesse me fornecer respostas, e tentei
reprimir o pânico na minha voz.
— Mas e se eu quiser pegar um voo comercial?
Steven levantou uma sobrancelha para mim.
— E por que iria querer fazer isso?
Bufei, não querendo dizer a verdade, mas reconhecendo a estranheza da
minha declaração. Eu só conseguia pensar em uma desculpa.
— Eu tenho programa de milhagens.
Os lábios finos de Steven se curvaram em um sorriso largo. Ele riu
abruptamente, com tanta força, que as lágrimas se juntaram nos cantos de seus
olhos. Eu podia sentir que estava ficando vermelha e depois roxa como uma
berinjela, de tanta vergonha. Sua risada foi, no entanto, contagiosa, e eu consegui
dar uma risada indiferente e autodepreciativa.
— Oh, Janie, você é uma figura — acho que ele quis dizer isso como um
elogio, mas ouvi que eu era uma bagunça. — Você não vai se importar de perder
algumas milhas, eu prometo. É uma maneira bem tranquila de viajar. E nós
vamos preparando o chefe e falando sobre a estratégia que virá. Então, na
verdade, existe uma boa razão relacionada ao trabalho, para viajarmos juntos.
Não é tão ruim, se você tratar apenas de modo profissional.
Eu não sabia o quão estressante seria. Já fiquei muito estressada só de pensar
nisso.
— Quem mais estará no avião?
Steven enxugou as lágrimas do riso, e me deu um largo sorriso.
— Bem, você, eu, Carlos, Olivia e o chefe. Sabe, o Quinn Sullivan.
Eu olhei para Steven.
— Obrigada. Agora eu entendi.
Ele me deu um sorriso doce.
— Apenas me certificando.
De repente, tive dor de cabeça.

Naquela noite, cancelei minha tutoria no South Side e liguei para Jon.
Eu não havia ligado para o Jon no domingo passado, como prometi que faria.
Primeiro por um descuido, mas, depois de conversar com Kat durante o nosso
ritual no banheiro, na terça-feira, eu estava o evitando propositalmente. Não
sabia o que dizer. Eu não tinha certeza de que ele tinha sido o motivo pelo qual
eu perdi meu emprego, e eu não queria que fosse verdade.
No entanto, por algum motivo, agora eu realmente queria vê-lo. Elizabeth não
disse nada sobre minha decisão repentina, mas ela me deu muitos olhares de
desaprovação antes de eu sair do apartamento e, enquanto calçava minhas botas,
disse:
— Quinn não vai te ligar hoje à noite, de Nova York?
Uma pontada aguda reverberou no meu peito. Suas palavras haviam
encontrado um alvo não intencional. Eu sentia falta de Quinn e queria falar com
ele. Sentia falta de conversar com ele, vê-lo, tocá-lo. Apesar da minha confusão
depois dele ter ido embora no domingo, eu estive ansiosa pela sua ligação a
semana toda. Engoli o nó na minha garganta e fixei meu queixo.
No momento, não pretendia contar a Elizabeth que Quinn era o chefe do meu
chefe. Eu precisava processar isso primeiro e decidir o que significava. Agora,
na minha cabeça, isso significava que Quinn e eu já havíamos terminado.Em
resposta a sua pergunta provocativa, encolhi os ombros e me levantei para sair.
Ela ergueu o queixo em direção ao meu celular.
— Você não está esquecendo isso?
Balancei a cabeça.
— Não. — E peguei meu casaco.
Ela cruzou os braços sobre o peito e pude sentir seu olhar pesado em minhas
costas, recuar.
— Bom, se ele ligar, vou deixá-lo ciente de que você está com seu amigo.
Fiz uma pausa na porta. Respirei fundo e encolhi meu ombro enquanto a
fechava atrás de mim.
— Não me espere acordada.
Pensei ter ouvido ela rosnar enquanto eu caminhava pelo corredor, mas não
pude ter certeza.
Quando saí do prédio e caminhei em direção à plataforma da estação de trem,
eu estava bem ciente dos dois seguranças atrás de mim. Me perguntei se eles
estavam em constante comunicação com Quinn. Me perguntei se diriam a ele o
que eu estava fazendo e quem eu estava encontrando. O pensamento fez meu
estômago ficar um pouco enjoado. Não gostei da sensação de ser controlada. O
celular parecia um albatroz no meu pescoço, e eu só o tinha a uma semana. Os
seguranças também estavam começando a me irritar.
Com um encolher de ombros, tentei afastar a irritação crescente e redobrei
meus esforços para me concentrar no atual objetivo. Acelerei meus passos.
Jon e eu nos conhecemos em um dos nossos habituais lugares de encontro. Era
um Restaurante Italiano no North Side, com cabines altas de couro cor de vinho,
iluminação fraca e um queijo frito, muito bom. Não o abracei de volta quando
entrei. Permiti deixar meus braços penderem frouxos ao meu lado, e não senti
saudade quando o cheiro inebriante de tomate, vinho e salsicha passou por mim.
Mas permiti que ele me levasse à nossa mesa de costume. Escolhemos nossas
bebidas. Eu só queria água, mas Jon pediu uma garrafa cara Sangiovese e dois
copos.
Assim que o garçom foi embora, perguntei:
— Por que você me enganou?
Não era exatamente o que eu queria perguntar. Na verdade, eu não me
importava com a resposta. Eu estava apenas sondando, antes de confrontá-lo
sobre as evidências de Kat. Queria saber qual era o papel do seu pai em minha
demissão. Além disso, por algum motivo, eu estava querendo um drama. Eu
desejava gritar com alguém.
— Janie... — Jon suspirou. Sua cabeça e seus ombros, caíram. — Isso foi um
erro. Foi o maior erro da minha vida.
— Jon, eu gostaria de saber toda a verdade.
— Isso vai parecer maluco. Você tem que... — ele estendeu a mão como se
fosse pegar as minhas, mas desistiu. — Eu vou te dizer, mas você tem que
prometer que vai continuar aqui. Você vai ficar e falar comigo. Não vai se
levantar e ir embora.
— Eu perguntei, não é? Eu quero saber. Eu quero falar sobre isso. —
Estremeci com a minha própria mentira. Sinceramente, eu só queria gritar com
ele por ser mentiroso e manipulador.
— Mas você pode não querer ficar, depois que eu lhe disser o porquê do que
eu fiz. Só me prometa que não vai sumir, depois. Não acho que eu consiga viver
com isso.
Franzi meus lábios e fiz uma careta.
— Tudo bem, eu prometo. Prometo que continuarei falando com você depois
que você me contar a verdade. Se sentirá melhor se eu acrescentar à promessa,
um tempo de conversa? Se eu prometer ficar e falar com você por uma hora,
depois que você me contar?
— Honestamente, sim. Isso me deixaria um pouco seguro. — Ele pareceu
aliviado e um pouco desesperado.
Pisquei para ele, incrédula, mas prometi o que eu sugeri.
— Tudo bem, prometo ficar e falar com você pelo período de uma hora,
depois de você me falar a verdade.
Ele suspirou novamente, assentindo. Parecia que ele ia ficar doente. Ele
engoliu em seco. Fixou seu olhar em um ponto da mesa, e começou. Sua voz era
tão baixa, que precisei me inclinar para frente para ouvi-lo.
— Você tem que entender — disse ele. — Eu te amei desde o primeiro
momento em que te vi. Eu sabia que você era a única mulher para mim. Se
lembra? — ele sorriu tristemente, ainda olhando para a mesa. — Você estava
discutindo com nosso professor, no primeiro dia, sobre o uso de equações
lineares como uma aproximação de equações não lineares. Você estava tão
brava.
— Eu não estava brava.
Ele olhou para mim. Seus olhos verdes, ainda um pouco tristes, brilhavam
com diversão.
— Nem toda equação é solucionável. Se não usássemos equações lineares
como estimativas, ficaríamos com o caos.
Sorri de volta e balancei a cabeça.
— Não. Esse não é o assunto de agora. Além disso, não fico com raiva. Fico
chateada.
A sombra de diversão desapareceu de sua expressão.
— Mas é relevante o que você disse. Acabou de dizer que não fica com raiva.
Isso é verdade. Em todos esses anos em que estivemos juntos, nunca a vi além
do normal, sem perder seu autocontrole. Você nunca está animada. Nunca a vi
envergonhada. Nem mesmo quando bebeu demais, daquela vez em que
estávamos nos Hamptons. Você estava tão calma. Se você não tivesse vomitado,
eu não saberia que você estava bêbada.
— Ainda não vejo a relevância.
Ele limpou a garganta e olhou para a mesa novamente.
— Fiz isso para estar mais perto de você.
Esperei que ele continuasse. Quando ele não falou, me inclinei mais para
frente e cruzei as mãos sobre a mesa, incitando-o.
— O que? O que você quer dizer, em ficar mais perto de mim?
Ele respirou fundo e, em seguida, encontrou meu olhar. Seus olhos verde-oliva
estavam cheios de tristeza e arrependimento, e um toque de acusação.
— Fiz isso para estar mais perto de você. Às vezes você é tão... — sua mão na
mesa fechou em um punho. — Você é tão distante, quase apática sobre mim,
sobre nós. É como se você não se importasse com a minha presença, como se
fosse indiferente. Sabe como isso fazia eu me sentir? Eu te amo muito. Chego a
queimar por dentro. Sofro por você — ele alcançou a mesa e segurou minha
mão. A força da ação me assustou. — Só quero que você sinta algo por mim,
nem que seja apenas um décimo do que eu sinto. Não consigo parar de pensar
em você, e Janie...
Pela primeira vez, Jon fez meu coração bater mais rápido. Sua voz transmitia
suas emoções de maneira tão viva, que imaginei quase ser possível estender a
mão e tocar suas palavras. Em determinado ponto da minha vida, estava
convencida de que ele era a pessoa com quem eu me casaria. Com quem teria
um cachorro, uma casa e dois filhos. Pensei que fosse concreto, seguro e
confiável.
Agora, de repente, fui confrontada pela paixão.
Havia, por falta de uma palavra melhor, excitação. Algo parecido com quando
minhas pernas adormecem. Os movimentos não eram agradáveis ou
desagradáveis. Eles apenas eram. Mas eu tinha que ignorá-los. Eu precisava
classificar e compreender a explicação por ter me atrapalhado e por ter
trapaceado sobre o emprego, antes que eu pudesse me concentrar em definir a
profundidade do sentimento que pode, ou não, existir.
— Não entendo, Jon. Como seria possível nos aproximar, me traindo?
Apertou minha mão com mais intensidade e travou sua mandíbula. Soltou um
suspiro lento, que assobiou entre os dentes, antes de confessar.
— Eu dormi com Jem.
Meu queixo caiu e meus cílios tremeram. Acreditei ter escutado mal. Minha
voz era um sussurro, quando falei:
— O que você acabou de dizer?
O percebi engolir. Seus olhos ardiam e sua expressão era de agonia.
— Eu dormi com a Jem. Dormi com sua irmã.
Pude sentir as batidas do meu coração entre as minhas orelhas.
— Isso não faz nenhum sentido. Jem não é... Jem vive em... — suspirei. A
boca de Jon se mexeu, mas não consegui ouvir o que ele dizia. Pensei ter ouvido
meu nome. Busquei respostas pela mesa, e disse novamente: — Isso não faz
sentido.
Sua mão puxou a minha e me despertou do meu estado indefinível. Ele estava
no meio da frase, quando minha mente se recuperou.
— ... ela me ligou e disse que estava na cidade. Disse que queria te fazer uma
surpresa, então eu a encontrei — suas palavras eram uma avalanche aumentando
de ritmo, a próxima mais urgente que a anterior. — Não a via desde que ela nos
visitou uma vez na faculdade e, quando a vi, não conseguia acreditar, ela parecia
com você. Quer dizer, com você fisicamente. Ela está mais alta do que antes.
Tem a sua altura, e os cabelos e olhos são mesmo da mesma cor que os seus.
Pensei que era você a princípio, de longe, mas quando cheguei mais perto, vi as
diferenças. A voz dela não parece nada com a sua. Ela não é nada como você. Eu
sei disso agora, mas depois..., mas então ela estava tão interessada em mim, e ela
parecia tanto com você, mas era tão diferente, animada, desinibida, e eu pensei...
eu achei que...
Nós nos encaramos por um longo tempo, minha mente se atualizando com
suas palavras. Ele disse que ela se parecia comigo, mas só mencionou o cabelo e
a cor dos olhos dela. Não fazia o menor sentido. Jem e eu sempre fomos mais
parecidas do que June e eu, sim, mas Jem sempre fez tudo que estava ao seu
alcance para mudar isso. Ela cortou o cabelo curto, tingiu de roxo, ou clareou.
Usava lentes para mudar a cor dos olhos. Tinha piercing no nariz, piercing no
lábio e outros piercings. Era verdade que a última vez que eu a vir, foi há seis
anos, quando ela tinha dezessete anos e eu tinha dezenove. Eu parecia
basicamente a mesma.
O resto de suas palavras caiu sobre mim. Ela não é nada como eu. Ao invés
disso, ela é interessante e animada. Ela é desinibida. Quando pensava em Jem,
nunca foi nela interessada em outra pessoa, senão como um caminho para algum
fim, e ela nunca foi animada. Se possível, ela era ainda mais retraída do que eu.
Sempre pensei nela como friamente focada. No entanto, ela certamente era
desinibida.
Suspirei novamente. Apoiei minha testa na mão livre. Jon levou isso como um
sinal para continuar, e fechei meus olhos quando ele falou.
— Bebi demais, mas isso não é uma desculpa. Eu fui atraído por ela. Ela me
lembrou muito de você, mas foi diferente porque... — ele soltou um suspiro
instável. — Eu só queria você. Mas nunca pareceu que você me queria como eu
te queria, você sempre foi tão desapegada. Ela agiu como se me quisesse, e eu
gostei disso. — Ele engoliu a última palavra.
Levantei minha cabeça e o observei. Ele parecia verdadeiramente arruinado.
Limpei minha garganta e chamei sua atenção para mim.
— Jon, por que você nunca disse algo sobre isso quando estávamos juntos? Eu
nunca soube. Você nunca me disse que havia algo errado. Você nunca disse nada
sobre eu ser distante.
— Eu tentei. Realmente, eu tentei. Quando nós ficamos juntos pela primeira
vez, achei que você me procuraria. Quero dizer, eu fui seu primeiro namorado.
Eu fui o seu primeiro..., mas depois, achei que talvez você não estivesse
interessada nas coisas físicas. Achei que estivesse bem com isso. Eu pensei que
pudesse lidar com isso, se isso significasse estar com você — ele precisou tomar
fôlego de novo e quando falou, ele pareceu sufocado. — Mas agora, eu não
consigo parar de pensar em você. Quando disse que eu sofro por você, estava
falando sério. Todo dia é como se eu estivesse contando os minutos até te ver, e
penso que talvez hoje seja o dia. Talvez hoje ela mude de ideia e me perdoe. —
Seus olhos estavam cheios de lágrimas e avermelhados. — Janie, não podemos
tentar de novo? Você pode me perdoar?
Um pensamento repentino me ocorreu.
— É isso que te fez sair naquela noite, quando te apresentei a Quinn? Ele sabe
disso?
Jon, silenciosamente, me analisou antes de responder.
— Você está namorando com ele?
Pensei sobre a pergunta dele e respondi, honestamente.
— Não.
Seus olhos perfuraram os meus.
— Foi você ou ele que terminou?
Bufei, impaciente.
— Ele sabe? Quinn sabe sobre você e Jem?
Jon sacudiu a cabeça, lentamente.
— Não, não que eu saiba.
— Então, por que você foi embora na noite no jantar? O que ele disse para
você?
Se possível, Jon parecia ainda mais desconfortável.
— Não posso falar sobre isso ainda. Eu acabei de te contar... — ele passou a
mão no cabelo. — Não podemos passar por cima disso? Você ainda não me
respondeu, pode me perdoar?
Pressionei os lábios, um contra o outro, em uma linha firme antes de perguntar
novamente.
— O que você e Quinn discutiram sábado passado? Por que você saiu?
Jon balançou a cabeça, aparentemente não querendo encontrar o meu olhar.
Mas eu sabia. De repente tinha certeza.
— Foi a respeito do meu trabalho, não foi? Do qual você fez seu pai me
demitir.
Jon fechou os olhos e recostou-se na cabine. Sua cabeça bateu no encosto
almofadado de couro. Pensei ter ouvido um palavrão escapando de sua boca. Ele
parecia infeliz.
Tentei engolir, mas a confusão em camadas com uma emoção viscosa, fez
minha garganta parecer inchada.
— Como... — minha garganta trabalhou para engolir, e então eu comecei de
novo. — Como ele sabia? Como Quinn soube que seu pai me demitiu?
Jon balançou a cabeça, os olhos ainda fechados, e sua voz era muito suave
quando ele disse:
— Eu não sei. Ele apenas sabia.
Capítulo 16
— Quinn recrutou você, não é?
Pisquei para Olivia algumas vezes. Fiquei confusa com sua pergunta
repentina, mas me recuperei rapidamente.
— Sim, pode se dizer eu sim.
Era sexta-feira à tarde, antes da grande viagem de negócios a Las Vegas — (a
grande viagem de negócios a Las Vegas, que agora eu temia) —. Sexta-feira da
semana que estava se tornando a mais estranha de todas, e eu tentava funcionar
com apenas duas horas de sono agitado.
Não estava cansada quando cheguei ao apartamento naquela noite, apesar de
ter passado das 2:00h da manhã. Elizabeth estava dormindo. Eu podia ouvir seu
ronco suave, então, furtivamente, tirei minhas botas e fechei a porta para não
atrapalhar seu sono, ou causar uma ira adicional.
Minha mente estava ativa. Eu me sentia perturbada, mas estranhamente
entorpecida. Chequei meu e-mail, de repente curiosa sobre Jem. Queria ver se
ela havia respondido a mensagem que enviei no último sábado. Ela esteve na
cidade esse tempo todo? Por que ela dormiu com Jon?
Naveguei para o Gmail. Não havia novas mensagens.
Pensei em enviar outro e-mail, mas tudo que eu queria perguntar, apesar da
minha ambivalência em relação a Jon e o fim de nosso relacionamento,
provavelmente me faria parecer uma ex-namorada louca e ciumenta. Minha vida
estava perigosamente perto de se assemelhar a um episódio de Jerry Springer;
tudo o que faltava era uma questão de paternidade de alguém.
Comecei a digitar:
Oi Jem, estou apenas enviando um e-mail para perguntar se você está na
cidade. Jon mencionou algo sobre ter te visto a algumas semanas atrás. Em seu
último email, você disse que queria me ver. Você ainda quer me encontrar?
Janie.
Cliquei em enviar e, em seguida, olhei distraidamente a tela até que ela ficou
embaçada.
Jon estava certo sobre tantas coisas. Evitei a intimidade emocional. Odiava
confiar nos outros. Eu não era boa nisso, e me virava sozinha sempre que
encontrasse uma dificuldade. Por causa disso, me dediquei a coisas que
importavam para mim ou, usando Jon como estudo de caso, terminei
abruptamente os relacionamentos. Eu também entrei em nosso relacionamento
com expectativas extremamente baixas e, desde que eu mantivesse minhas
expectativas no mínimo, era capaz de justificar meu investimento pessoal um
tanto delinquente nele. Não foi justo com Jon.
Independentemente disso, ele me traiu com a minha irmã, e quando eu
terminei com ele, ele pediu ao pai que movesse alguns pauzinhos para que eu
fosse demitida. Nem sua motivação, nem seu desespero justificavam suas ações.
Eu não podia e não iria perdoar Jon.
E então havia o Quinn...
— Como você o conheceu? Parece que vocês dois se conhecem muito bem.
— Ela levantou as sobrancelhas para mim, com expectativa.
Olivia e eu nos encontramos para amarrar as pontas soltas antes da nossa
partida na segunda-feira, para Las Vegas. Até então, ela tinha sido um tanto
inútil, mas não era inútil de uma maneira específica o suficiente para eu ter uma
reclamação válida. Terminamos nossa reunião, mas ela ainda não havia saído. Eu
queria franzir o cenho para ela e lhe dizer para voltar ao trabalho. Ao invés
disso, eu disse:
— Por que você diz isso?
Olivia encolheu os ombros, seus olhos azuis, pálidos, me observando um
pouco de perto.
— Keira disse que ele te ligou umas três vezes hoje e você não atendeu
nenhuma das ligações dele. Qualquer outra pessoa seria demitida.
Quando cheguei em casa esta manhã, desliguei meu celular sem olhá-lo.
Tentei não ficar obcecada sobre o quão distraída eu tinha sido, ou sobre o quão
óbvia minha ignorância deve ter sido para ele. Eu não queria pensar sobre isso,
então não pensei.
Da mesma forma, quando cheguei ao trabalho hoje de manhã, configurei meu
telefone para o correio de voz automático. Quando Keira apareceu na minha
porta, indicando que o Sr. Sullivan estava ao telefone, ligando de Nova York e
precisava falar comigo, eu disse que estava prestes a entrar em uma reunião e
prometi ligar de volta. Eu fiz isso três vezes.
Era verdade, eu não queria falar com ele. Eu não sabia como falar com ele.
Em minha insônia pensativa na noite passada, percebi que ele nunca mentiu
exatamente sobre ser meu chefe. Mas agora eu sabia que ele era o chefe e tudo
era diferente.
Eu ignorei a implicação de que eu estava evitando as chamadas de Quinn, e
pensei em como responder à pergunta de Olivia com sinceridade, sem incluir
detalhes reais.
— Eu conheci o Sr. Sullivan no meu antigo emprego.
— Ele recrutou você de lá?
— Não.
— Hmm — Olivia pareceu me contemplar por um momento, com um olhar de
lado, antes de dizer: — Carlos me contratou. Eu sou a única pessoa na empresa
que não foi recrutada por Quinn.
— Ah? Eu não sabia disso. — Eu estava distraída com todas as revelações da
semana passada, e assim fui tentada a sucumbir ao agradável vazio de
entorpecimento apático, mas eu simplesmente não conseguia reunir energia
suficiente para fingir interesse naquilo que ela dizia.
— Eu acho que... — ela se inclinou para perto de mim e baixou a voz para um
sussurro conspiratório. — Eu acho que o deixo desconfortável.
Minhas sobrancelhas levantaram-se por conta própria e eu a observei, confusa.
— Quem? Carlos?
Olivia riu levemente e jogou as mechas de cabelo castanho chocolate por cima
do ombro.
— Quinn, claro!
Tentei não fazer careta quando ela usou Quinn em vez de Sr. Sullivan.
— Por que você acha isso?
— Bem, além do Carlos, você não percebeu que todo mundo que Quinn
contrata é tão... tão... — ela olhou para cima, como se tentasse procurar a palavra
certa. — Todo mundo é… você sabe, tão simples, ou são estranhos. — Ela fez
uma pausa, os olhos fixos no topo da minha cabeça. — Você é muito grande para
uma garota.
Entendi o que ela quis dizer. Na verdade, suas palavras atingiram em cheio o
meu estômago. Eu estava descobrindo que não era tão imune ao desprezo de
pessoas bonitas quanto pensava. Pisquei para ela e não disse nada, mas na minha
cabeça respondi: “Você é uma twatwaffle”.
Twatwaffle é uma nova palavra, que encontrei no Urban Dictionary.
Basicamente significa que uma pessoa é irritante. Eu ainda não tinha dito isso
em voz alta, mas gostei do jeito que soava na minha cabeça.
Ela continuou:
— Carlos insinuou que Quinn é realmente um paquerador terrível — sua boca
bonita, se curvou em um sorriso de conhecimento. — Eu acho que Quinn
contrata mulheres que são simples ou estranhas, para que ele não se distraia no
trabalho. Neste ponto, ele deve estar desesperado. Aposto que ele até flertou com
você.
Dei a ela a minha melhor imitação de um sorriso, mas eu tinha certeza que
parecia um cachorro descobrindo seus dentes.
— Essa é uma teoria interessante.
— Hmm — ela repetiu, se inclinando para trás. — Ele flertou com você?
Balancei a cabeça e olhei para o portfólio no meu colo.
— Não, a menos que você chame beijos, de flertar.
Os olhos de Olivia se abriram muito por uma fração de segundo, então ela riu.
— Você é engraçada! — ela bateu na minha perna com as unhas bem-feitas,
em seguida, virou o cabelo longo, brilhante e liso sobre um ombro magro. —
Bem — disse Olivia, em um suspiro audível — É bom que ele não tenha
interesse em você, caso contrário, provavelmente não teria te contratado em
primeiro lugar.
Eu meio que queria esfaqueá-la no pescoço.
— Janie, vocês duas já terminaram? — a forma de Steven apareceu na minha
porta e, imediatamente, pulei do meu lugar, grata pela distração da tentativa de
assassinato e pela chance de escapar. Fui até minha ampla mesa, para melhorar a
distância entre Olivia e a caneta na minha mão.
— Sim, tudo certo. Acho que Olivia tem o que ela precisa.
— Se eu tiver alguma dúvida, dou uma passada mais tarde para perguntar. —
Ela se levantou e deu a Steven um sorriso largo e amigável.
Steven sacudiu a cabeça, seus lábios estavam franzidos.
— Olivia, a Janie não tem mais tempo para trabalhar nisso com você. Ela
precisa se preparar para a próxima semana, e esse relatório precisa ser feito até
hoje à noite. É melhor você ver tudo o que precisa dela.
Os olhos de Olivia encontraram os meus e seu sorriso se alargou.
— Sim, acho que tenho tudo que preciso.

Trabalhei no escritório no fim de semana, aproveitando a solidão. Isso me


permitiu ter o espaço que eu precisava, para evitar pensar em algo confuso e
desagradável.
Eu realmente não precisava ir ao escritório. Poderia ter feito no meu laptop, de
chinelos, no conforto de casa. No entanto, com toda a honestidade, evitar
Elizabeth foi o subproduto intencional do meu trabalho de dois dias longe do
apartamento. Eu ainda não tinha contado sobre as revelações de Kat, ou dito que
descobri que Quinn era o chefe, ou que Jem e Jon haviam se envolvido em coitos
extremos. Eu não sabia como contar à ela e parecia que era muito para lidar
agora. Eu não estava pronta para falar sobre isso e sabia que ela me faria falar.
Justifiquei minha ausência, insistindo para mim mesma, que precisava
concluir a apresentação de faturamento e que esperava que o chefe a adotasse
como a nova prática comercial da Guard Security. No entanto, agora que eu
sabia que me apresentaria para Quinn ao invés de alguma entidade desconhecida,
eu estava começando a ter dúvidas sobre a iniciativa. Eu tinha discutido isso com
Quinn anteriormente, no dia em que ele me encontrou no Smith’s Take-away and
Grocery, sem saber que ele tomaria a decisão, ou então, passaria a diante.
Agora, senti que precisava me por a prova. Meu trabalho não parecia ser meu,
ou que eu tivesse algum mérito sobre ele. A pressão, dada pela combinação de
me apresentar na reunião do cliente e provar que eu merecia trabalhar na Cypher
Systems, junto com o pensamento de ver Quinn pela primeira vez em uma
semana, agora o conhecendo como o chefe, fez meu estômago ficar como cabelo
preso em chiclete — um enorme emaranhado de nós hediondos e insustentáveis
—. Passei o tempo trabalhando incansavelmente na apresentação de
faturamento. Finalmente fui para casa e me perdi em histórias em quadrinhos até
1:00h da manhã, e então acordei cedo e me enterrei no trabalho mais uma vez.
Eu não sabia como iria encará-lo. O que eu diria? O que ele diria? Eu não
tinha um roteiro para essa situação. Nos abraçamos, nos beijamos e gostei muito.
Na manhã da segunda-feira da viagem eu estava tão exausta, que Elizabeth
teve que me acordar. Ela me informou que meu despertador estava disparando há
sete minutos, ao mesmo tempo em que, inconscientemente, eu apertava o botão
da soneca. Tomei banho, trancei meu cabelo e o torci em um coque no alto da
cabeça, e vesti meu terninho preto, distraidamente.
No último minuto, decidi usar os óculos ao invés das lentes. Eu disse, a mim
mesma, que isso era porque minhas mãos estavam tremendo demais para
conseguir colocá-las. Passei pelos exercícios de enfrentamento do armário da
minha cabeça várias vezes no táxi, a caminho do aeroporto, grata por me
encontrar quase desapegada quando cheguei.
Steven me encontrou em um lugar predeterminado, com café, um bolinho de
mirtilo e um sorriso tranquilizador. Me guiou até a pista de pouso particular,
enquanto me contava sobre um encontro desastroso do fim de semana, com uma
advogada chamada Deloogle, ou, pelo menos, foi assim que o nome soou.
Parecia que todos os nomes das mulheres com quem ele saía, rimavam com
Google ou Bing. Não era incomum que ele me agradasse com histórias às
segundas-feiras, sobre suas façanhas de final de semana. Normalmente, as noites
terminavam com alguma calamidade histérica.
Eu estava tão envolvida em sua história, que realmente não percebi para onde
estávamos indo. Quando embarcamos no avião, ele entregou minha bolsa para
um atendente e nos sentamos um ao lado do outro.
Ele chegou ao final de sua história.
— Foi tão repugnante, que eu precisei chamar os limpadores de carpetes para
irem arrumar o lugar no domingo — ele balançou a cabeça. — Essa é a última
vez que saio com alguém que usa um furão vivo como acessório.
Eu sorri e ri, em seguida, percebi abruptamente onde eu estava. A calma
dormente de antes, foi perfurada por uma pontada de consciência. Estávamos
sentados perto da frente, no jato da empresa, e lutei contra a vontade de guiar
minha cabeça para ver o resto da aeronave. Em vez de tentar discernir os
ocupantes, me concentrei no interior do avião.
Não tinha como comparar, já que nunca viajei em um avião particular, mas o
ambiente era impressionante, tudo parecia novo e brilhante. Os assentos eram de
couro bege, o acabamento e o carpete eram azul-marinho, e a parede era forrada
com painéis de madeira trabalhada. Os assentos foram agrupados em grupos de
quatro, frente a frente: dois voltados para frente, dois voltados para trás. Presumi
que isso fosse para facilitar a conversa durante o voo.
Uma comissária se aproximou de nós. Ela era muito bonita e, imaginei, com
quarenta e poucos anos.
— Gostaria de algo para beber, antes de decolarmos?
Limpei minha garganta.
— Não, obrigada, estou bem. Mas... uh... dá tempo de usar o banheiro antes
de sairmos?
Ela assentiu.
— Claro. Fica na parte de trás do avião.
Dei um sorriso e comecei a andar em direção aos fundos, quando fiquei cara a
cara, ou melhor, peito a peito, com uma parede sólida de homem.
— Ah, desculpe. — Recuei um passo e agarrei o assento para manter o
equilíbrio, meus olhos levantando automaticamente para o rosto da barreira.
Imediatamente me arrependi do movimento quando meu olhar encontrou o de
Quinn Calças-Quentes Sullivan.
Pelo poder de Thor!
Capítulo 17
Suas mãos estenderam-se para os meus braços, suponho que para me firmar, e
ficamos nos olhando por um longo minuto. Boquiaberto, me observando com
uma máscara impassível e olhos azuis flamejantes. Estava ainda mais devastador
e injustamente bonito, do que eu me lembrava. Não ajudou que ele estivesse
vestindo um terno preto bem cortado, obviamente sob medida, e uma camisa
branca com uma gravata de seda azul impressionante.
Fui a primeira a desviar o olhar.
Pisei para trás, ficando fora de seu aperto, deixando minha atenção cair no
tapete da marinha, enquanto brincava desnecessariamente com meus óculos.
Consegui reunir minha inteligência, tentando me focar no quanto estava irritada,
porém, a simples presença masculina, fez meus hormônios se transformarem em
uma enorme confusão.
Estiquei minha mão para frente, oferecendo um aperto de mãos.
— Sr. Sullivan, é muito bom ve-lo de novo. — Olhei para ele enquanto ele
apertava minha mão, tentando ignorar o quão agradável sua pele era contra a
minha, e esse estúpido — sim, estúpido, porque era inconveniente, e meu
vocabulário estava sofrendo com a sua presença — choque, que era uma dor
deliciosa, quando nos tocamos. Eu tentei lhe dar um aperto de mão profissional e
firme.
— Senhorita Morris. — Apesar de sentir um pequeno resquício de tristeza na
formalidade de sua saudação, sua voz causou pequenos arrepios pelas minhas
costas, o que me deixou ainda mais desequilibrada. Seus olhos se moviam sobre
mim, na mesma avaliação aberta e clara que ele sempre parecia empregar,
começando pelos lábios, passando pelo pescoço, ombros, até chegar nos meus
pés.
Nossas mãos ficaram suspensas entre nós, paralisadas, e lutei para evitar ficar
completamente enrubescida sob sua atenção. Continuei imóvel, pois não queria
romper o contato e nem queria ficar longe. Eu tinha certeza de que ele não tinha
ideia do que me causou, apenas por me olhar e por segurar minha mão. Em uma
fração de segundo, imaginei aquela mão em outra parte do meu corpo, e perdi a
batalha contra o meu rubor.
Tentei encobrir meu constrangimento e, como sempre, comecei a falar sem
pensar.
— É um bom avião esse que você tem — seus olhos se ergueram para os
meus, subtamente. — Não entendo muito sobre jatos corporativos ou privados.
Parece que a eficiência de combustível é um problema real, já que os aviões,
nessa questão, são menos eficientes.
Quinn inclinou a cabeça para o lado, prendendo minha atenção, com seu olhar
intenso.
— Você está dizendo que prefere dirigir até Las Vegas?
— Bem, os trens podem ser muito bons. Talvez você deva investir em um
trem corporativo. Houve um estudo, realizado pela AEA Technology, comparando
um trem Eurostar e uma viagem aérea entre Londres e Paris. Conclui-se que os
trens emitiram dez vezes menos CO2, em média, por viajante do que aviões. Não
se esqueça, os trens também têm vagões para dormir… dormitórios.
A boca de Quinn se curvou em um sorriso quase inexistente, e a sombra de
seus olhos pareceu escurecer.
— Os aviões podem ter camas, também. Talvez eu possa instalar uma nesse
avião, para a próxima vez que viajarmos.
— Como você decidirá quem ficará na cama, e quem ficará no assento? —
pisquei para ele.
Ele abriu a boca como se quisesse responder, mas rapidamente a fechou e
retirou a mão da minha, franzindo a testa para mim.
— Boa pergunta.
O som de alguém limpando a garganta, tirou minha atenção de Quinn. Olivia
Merchant e Carlos Davies estavam de pé ao nosso lado, observando nossa
conversa. Carlos me deu um pequeno sorriso, enquanto seus olhos se estreitavam
e se moviam entre Quinn e eu. Mas Olivia, que foi quem limpou a garganta,
franziu a testa. Não percebi quando eles se aproximaram. Na verdade, eu não
tinha notado nada além de Quinn, desde o momento em que colidi em seu peito.
— Com licença, Janie. Estamos tentando ir até nossos lugares. — Olivia fez
um gesto com a mão em direção aos assentos vazios, em frente a Steven e a
mim.
— Ah, desculpe. — Pisei para o outro lado, para que eles pudessem passar.
Em seguida, abaixei em torno de Quinn, com cuidado para evitar mais contato
visual ou físico, enquanto eu corria em direção ao banheiro, na parte de trás do
avião.
Uma vez na segurança do banheiro do avião, deixei minha cabeça bater contra
a parede atrás de mim e olhei meu reflexo no espelho. Admito, eu não estou
acima de falar comigo mesmo no espelho. Na verdade, faço isso com bastante
frequência. A imagem que encontrei olhando para mim, estava coberta de
manchas vermelhas, frutos de um rubor impressionante, e uma expressão
sombria.
Eu queria, não, eu precisava encontrar alguma maneira de desligar minha
intensa reação involuntária a Quinn. Ele esteve fora por uma semana, e todo o
progresso que eu fiz para me sentir confortável e conseguir agir com facilidade
na presença dele, havia se dissipado. Eu estava agindo como uma adolescente
ridícula.
Ok, Janie, lembre-se: Quinn é seu chefe. O chefe!
O chefe.
Eu gemi.
Respirei profundamente por um tempo e tentei acalmar a batida do meu
coração. Por que eu me senti tão dolorosamente autoconsciente? Será que, agora,
eu compreendia plenamente como estava fora dos limites, e como eu estava
infelizmente condenada a viver em um estado de perpetuação não
correspondida? Para meu total desespero, sua presença pareceu fazer a caixa
invisível, em minha mente, explodir instantaneamente durante o contato visual,
fazendo com que meus pensamentos e sentimentos, que estavam ordenadamente
dobrados no meu armário de calmaria, se espalhassem.
Não foi apenas a sua superioridade física que me deixou nervosa, não mais.
Inegavelmente, como demonstrado durante nosso encontro inicial, no elevador, a
grandiosidade de suas feições pareceu me tornar dolorosamente incapaz de
manter conversas normais. Agora eu o conhecia. Agora eu tinha memórias
ligadas a ele. Eu me lembrava, com detalhes vívidos, da maneira como ele
inclinava a cabeça quando me escutava, o som de sua voz, o som de sua risada,
suas respostas prontas às minhas perguntas hipotéticas, o jeito que ele me
provocava, o toque de seus dedos roçando meu cabelo sobre meus ombros, o
calor do seu olhar enquanto se movia sobre o meu corpo, o que seu peito parecia
depois de um banho.
O último pensamento me fez gemer novamente, quando uma nova onda de
formigamento constrangedor foi do meu estômago, para as pontas dos meus
dedos.
Olhei em volta do pequeno banheiro e fiquei pensando por quanto tempo mais
poderia ficar, sem levantar suspeitas quanto ao meu estado de saúde física ou
mental. Foi a segunda vez, em dois meses, que considerei morar em um
banheiro. Olhei para o meu relógio. Estávamos programados para partir em
menos de dez minutos. Eu precisava me recompor.
Fechei os olhos e passei pelos exercícios normais de dobrar meus sentimentos
imprudentes, mas todos pareciam tomar a forma de lingerie rendada, preta e
vermelha. Frustrada, mordi meu lábio inferior com força e resolvi lavar as mãos.
Se eu pudesse me concentrar em algo tão simples, como lavar e secar minhas
mãos, eu poderia passar pelas próximas quatro horas no jato particular de Quinn
Sullivan.
Dei minha última respirada significativa, em seguida, saí dos limites seguros
da cabine do banheiro, alisando minhas mãos sobre as minhas coxas para aliviar
meus estresse. Andei com cautela até a parte da frente do avião e tentei parecer
despreocupada, como um ser humano normal, capaz e confiante, ao invés da
neandertal desajeitada e cabeçuda que sou.
Quase corri de volta para o banheiro, quando vi que Carlos tinha tomado o
assento que eu havia ocupado anteriormente, ao lado de Steven, e Quinn estava
sentado em frente ao Carlos. Isso deixou uma vaga, no aglomerado de quatro
lugares, que era o próximo a Quinn. Engoli com esforço e hesitei. Eles ainda não
haviam me notado. Meus olhos percorreram o espaço e pararam na parte de trás
da cabeça de Olivia. Ela estava sozinha nos assentos próximos aos deles. A
poltrona em frente a ela poderia ter sido rotulada como a minha melhor opção.
Me convencendo, percorri a distância e me movi para pegar a minha melhor
opção, mas Steven — maldito Steven! — chegou primeiro.
— Janie, sente-se aqui — ele apontou para o assento ao lado de Quinn. —
Olivia fará algumas anotações. O Sr. Sullivan precisa que você revise as últimas
faturas. Eu estava contando a ele sobre seus pensamentos referente ao
gerenciamento das despesas da Guard Security, usando o software de
rastreamento faturável.
— Ah. Ok. — Olhei do sorriso de Steven, para a cara feia de Olivia, que, se
possível, parecia se intensificarr quando deslizei para o assento ao lado de
Quinn. Eu não olhei para Quinn, no entanto. Não o olhei quando expliquei o
propósito do software, como eu me deparei com o projeto de código aberto,
quando eu estava na pós-graduação, e como eu o usei como uma maneira eficaz
de rastrear o tempo gasto em tarefas e atribuir esforço a cada uma delas.
O avião percorreu a pista e decolou. O sorriso encorajador de Steven, os olhos
castanhos e quentes de Carlos e até o olhar um tanto hostil de Olivia, me
deixaram nervosa. Quando terminei de explicar como o sistema poderia ser
adaptado para melhorar a eficiência e a lucratividade dos faturamentos e das
cobranças, em um sistema atual, baseado em tempo que eles usavam, estava
quase calma.
— Com base em dados históricos, fiz uma análise que, embora hipotética,
demonstra que poderíamos aumentar os redimentos, mesmo em curto prazo.
Carlos, por favor, me dê meu iPad? Acho que está embaixo do seu assento. —
Mudei de posição e apontei para a minha bolsa.
— Mas é claro. — Carlos se inclinou para frente e conseguiu alcançar meu
case.
— É uma ideia interessante. — A voz de Quinn soou pensativa, e eu o senti se
aproximar de mim, inclinando-se para mais perto, enquanto eu abria o iPad na
lista com marcações que havia preparado, sobre o impacto da implementação do
software.
— Não poderemos usar o produto de código aberto, mas poderemos fazer com
que nossa equipe desenvolva algo semelhante, internamente — comentou
Carlos.
— É realmente um ótimo produto — rolei para baixo, para uma descrição do
sistema. — Verifiquei na semana passada, e eles acabaram de forçar um novo
lançamento.
A voz de Quinn estava muito perto do meu ouvido enquanto ele falava, e eu
pude sentir o ar ao meu redor mudar quando ele se inclinou sobre o meu ombro.
— Essa não é a questão. Tenho certeza de que é um ótimo produto, mas não
podemos usar software de código aberto.
— Nós também não poderiamos aplicá-lo ao grupo Infinite Systems — Steven
soou objetivo quando entrou na conversa, e encolheu os ombros. — Mas, para
nossos parceiros corporativos, responderia a muitas das perguntas deles sobre a
estrutura de faturamento.
Fiz uma careta, olhando de Carlos para Steven.
— O que estou perdendo aqui? Por que não podemos usar o código aberto?
Quinn colocou a mão sobre a minha e puxou o iPad entre nós, o que me fez ter
que virar para ele. Ele não estava olhando para mim, mas sim para a tela
enquanto murmurava:
— Problemas de segurança de dados.
Minha voz estava um pouco instável, enquanto eu tentava me concentrar em
algo diferente do sentimento de sua mão cobrindo a minha e me segurando no
lugar.
— Bem, por que não podemos usá-lo para o grupo Infinite Systems?
Quinn levantou o olhar para mim abruptamente. Seus olhos se estreitaram e o
silêncio se esticou. Eu pensei que ele não ia responder. Sua mandíbula parecia
estar travada e sua boca estava desenhada em uma linha particularmente fina,
como se ele estivesse refletindo sobre algo desagradável. Aproveitei a
oportunidade para olhá-lo, para realmente olhar para ele. Senti uma dor
contorcer logo abaixo do lado esquerdo da minha caixa torácica, que fez minha
respiração falhar. Senti falta de olhar para Quinn, e senti falta de conversar com
ele.
Mas ele não era o Quinn. Ele era o Sr. Sullivan, O Chefe.
Lambi meus lábios e quebrei o silêncio.
— Acho que isso realmente não importa, eu só achei... Eu só achei que seria
bom manter as coisas consistentes.
Um lampejo momentâneo de algo que parecia quase um alarme, cruzou as
feições de Quinn, e ele se virou para Steven. Sua voz parecia acusadora.
— Pensei que Janie só trabalhasse nas contas públicas.
Steven ergueu as mãos ligeiramente, como se estivesse se defendendo.
— Ela trabalha. Nós dividimos as duas. Eu cuido de todos os clientes
confidenciais na implementação, mas... — os olhos de Steven encontraram os
meus, por um breve momento, antes que ele continuasse. — Mas Carlos e eu
estávamos pensando que alguns dos clientes da Infinite Systems poderiam reagir
bem a ela.
— Achei que tivesse sido bem claro. — A voz de Quinn, embora tranquila,
teve a cadência de um rosnado e ele puxou o iPad completamente das minhas
mãos, colocou em seu colo, e voltou sua atenção para as figuras na tela.
Carlos pigarreou, e só pude assistir a estranha conversa, com olhos
arregalados e confusos.
— Sr. Sullivan, Janie é muito talentosa. Por favor, considere.
Quinn bufou.
— Não. Assunto encerrado.
Ele estava com raiva. Quinn parecia ainda mais incrível quando estava com
raiva. A tolice da minha prioridade no processo de pensamento, me ocorreu
lentamente, enquanto o observava revendo a informação que eu havia preparado.
Eu sabia que, ao invés de focar em sua beleza, eu deveria me concentrar no
motivo pelo qual fui excluída, propositalmente, de fazer parte da Infinite
Systems. Talvez tenha algo a ver com minha suspeita de que eu não merecia o
trabalho — que fui contratada por capricho, não por habilidade.
Desviei minha atenção dele e engoli em seco. Minha garganta parecia grossa e
apertada. Examinei o grupo. Steven encontrou meu olhar brevemente e me deu
um sorriso tenso, de desculpa. A expressão de Carlos era de uma frustração
tempestuosa, direcionada às suas mãos em seu colo. Olivia pareceu me olhar
com algo parecido com desaprovação e suspeita.
Antes que minha mente pudesse vagar, Quinn abruptamente soltou o iPad no
meu colo e sua voz estava distante quando falou.
— Envie o link da Web ao grupo de desenvolvimento e os façam usar o
produto de código aberto, para começar a elaborar os requisitos. Agora, antes de
pousarmos, quero revisar as faturas do Club Outrageous e a extensão do trabalho
das propriedades de Las Vegas.
Com o assunto do meu envolvimento com a Infinite Systems agora encerrado,
nos voltamos para o assunto da reunião que viria.
Durante o desafio de duas horas que se seguiu, fiz o meu melhor para ficar
focada nas perguntas de Quinn e onde ele apontava, e não na boca e nas mãos.
Juro que os feromônios secretados por Quinn Sullivan, eram o equivalente a
erva-de-gato da Janie.
Os momentos mais difíceis e perigosos, eram quando ele se aproximava de
mim e se inclinava no meu ombro. Me vi resistindo à vontade de me encostar na
gola do casaco dele e senti-lo. Uma hora fiquei um pouco obcecada com a
pulsação da veia na base do pescoço de Quinn, que quase perdi uma das
perguntas de Carlos.
Carlos pareceu aceitar minha resposta distraída, como sinal de fadiga. Ele
sugeriu que fizéssemos uma pausa. Todos concordaram imediatamente.
Felizmente, Quinn pediu licença, tirou o celular do bolso e foi até os fundos do
avião para fazer uma ligação.
Não permiti que meu olhar permanecesse em seu traseiro enquanto ele se
afastava, embora eu quisesse. Ao invés disso, levantei meus olhos para Steven e
ele piscou para mim. Seu pequeno gesto serviu para acalmar meus nervos e
forcei minhas mãos a relaxarem no case do iPad.
— Você realmente foi ótima. — Carlos foi o primeiro a falar. Seu tom estava
baixo. Não tinha certeza se ele estava tentando ser educado com a ligação de
Quinn, ou se ele simplesmente não queria ser ouvido.
— Obrigada — dei um sorriso de lábios apertados. — Ele é sempre assim nas
viagens?
Steven assentiu.
— Pode ser bem brutal, mas, você sabe, ele é o chefe. Ele faz o trabalho
acontecer, e nós precisamos acompanha-lo.
Olivia se inclinou para o corredor.
— Eu não ligo. Acho ele brilhante.
Steven murmurou algo em voz baixa, mas não consegui ouvir. Fiz uma careta
para ele, e ele disse:
— Te conto depois.
— Parece que estamos chegando. — Carlos comentou distraidamente,
enquanto olhava pela janela.
Coincidentemente, a comissária de bordo apareceu e nos disse para colocar o
cinto de segurança. Estávamos prestes a pousar. Quando prendi meu cinto, notei
que Quinn estava sentando em um dos quatro assentos no fundo do avião e ainda
não tinha terminado sua ligação. Seus olhos encontraram os meus brevemente e
pensei tê-lo visto sorrir — um de seus sorrisos leves — Então ele desviou o
olhar e fez uma das suas carrancas severas e ferozmente irritadas.
O avião começou a descer e eu ainda estava sentada firmemente na montanha-
russa da incerteza.
Que… ótimo.
Optei por me esconder no banheiro, até ter certeza de que todos tinham
desembarcado.
Assim que saí do avião e entrei no calor seco do aeroporto particular de Las
Vegas, me impressionei imediatamente com a paisagem colorida e pálida. O
deserto era rico em tons de marrom, vermelho e laranja, e mais nada além disso.
Era uma mistura profana de calor e areia e fogo e gasolina e cigarros. De repente
fiquei com sede.
Quando finalmente desci os degraus, vi duas limusines pretas estacionadas
próximas ao avião. Steven, Carlos e Olivia entregaram suas malas para um dos
motoristas, e Quinn estava de pé, ao lado da segunda limusine, imerso em uma
conversa em seu celular. Puxei minha bolsa atrás de mim e me dirigi para
Steven, na primeira limusine. No entanto, antes que eu pudesse entregar minha
bolsa, ouvi a voz de Quinn atrás de mim.
— Senhorita Morris, você vai aqui comigo.
Virei apenas a cabeça em sua direção e hesitei. Eu estava tendo dificuldade em
compreender que eu não iria na limusine 2, com Steven, Carlos e Olivia. Eu iria
na limusine 1, com o Sr. Sullivan Chefe Calças-Quentes.
Steven estendeu a mão, apertou a minha e me manteve no lugar por um breve
momento. Sua voz era baixa o suficiente para garantir que ninguém mais ouvisse
o comentário.
— Ele vai te submeter ao passeio de vinte minutos de silêncio infernal. Após a
reunião desta tarde, pediremos serviço de quarto e faremos uma festa do pijama.
Podemos lamentar e você pode chorar no meu ombro.
Levantei minhas sobrancelhas alerta, lembrando da história de Steven sobre
andar sozinho com Quinn, e me perguntando se, agora que estava estabelecido
que ele era meu chefe, Quinn pararia de falar comigo. Ele parecia tão diferente
no avião, tão distante e reservado. Imaginei que nos sentaríamos em silêncio na
limusine, enquanto sua expressão vacilava entre insensível e apática.
Meu estômago, de repente, doeu.
O motorista 1 pegou minha mala e eu o segui, obedientemente. Quinn ainda
estava ao telefone e andava de um lado para o outro, atrás da limusine, quando
cheguei à porta aberta do passageiro. Eu entrei no carro escuro e meus olhos
demoraram vários segundos para se ajustar.
Esta era a segunda vez que eu entrava em uma limusine. A primeira vez, foi
no meu pior dia de todos. Me perguntei o que Vincent, meu motorista, estava
fazendo naquele momento.
Esta limusine era significativamente maior que a primeira. Bancos de couro
preto, se estendiam em longas linhas, em ambos os lados do interior do carro. O
que parecia ser um bar totalmente abastecido, estava logo abaixo da janela de
privacidade, à frente. O interior tinha aquele cheiro de carro novo, mais o cheiro
espesso de terra de couro fino chique.
Ao invés de me sentar em um banco voltado para frente, optei por um dos
assentos laterais. Particularmente, não queria me sentar ao lado de Quinn. Achei
que a distância no espaço, poderia fazer do passeio infernal, um pouco mais
suportável.
Quinn entrou no carro do mesmo lado que eu. A porta se fechou atrás dele e
ele olhou para a direita, fez uma pausa e examinou o interior. Seus olhos
pousaram em mim quase imediatamente. Eu não retribuí seu olhar, mas o senti,
quando me concentrei nos decantadores de cristal na frente da cabine.
— Quer beber alguma coisa?
Balancei a cabeça, que não. Embora estivesse com sede, eu tinha dificuldade
para engolir. Ao invés disso, dobrei e coloquei minhas mãos no meu colo, em
seguida, apertei meus joelhos. O motor do carro ligou e a limusine saiu. Olhei
pela janela diretamente na minha frente, mas o vidro era tão escuro, que
embaçava a paisagem.
Vários longos minutos se passaram em silêncio e, por uma vez, acalmei o
desejo de vagar, da minha mente. Contei as luzes ao longo do painel de madeira,
no teto, e tentei imaginar o robô, na linha de montagem de fabricação,
responsável por tal trabalho detalhado. Eu gostava da ideia de robôs e esperava
viver para ver os robôs serem adotados pelos lares, como animais de estimação
ou companheiros. Totó se tornaria Robo-totó e os idosos poderiam ter um Robo-
pania.
A voz de Quinn estava calma quando ele interrompeu minhas reflexões.
— Sobre o que você está pensando?
Limpei minha garganta e encolhi os ombros. Me peguei respondendo com
honestidade, antes que eu pudesse pensar em me parar.
— Robôs.
— Robôs — eu o ouvi se mover no banco, em seguida, passar para o assento
em frente a mim. Nossos joelhos e tornozelos se tocaram, suas longas pernas
invadiram meu espaço. — Por que está pensando em robôs?
Meu coração pulou e, devido a sua proximidade, disparou. Dei de ombros e
concentrei minha atenção na seda azul de sua gravata. Parecia roxo na cabine
escura. Apesar das minhas melhores intenções e tentativas de autocontrole, o
contato físico de nossas pernas fez meu estômago explodir em um ninho de
vespas nervosas. Fiquei em silêncio, porque descobri que minha boca não
funcionava mais.
Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. Suas mãos
estavam entrelaçadas e suspensas pairando acima das minhas coxas.
— Janie, por que você não retornou minhas ligações? — sua voz soou
firmemente controlada, como se ele estivesse lutando para manter seu
temperamento sob controle.
Levantei meu olhar para o dele, surpresa com o uso do meu primeiro nome.
Engoli.
— Eu... Senhor Sullivan...
— Não faça isso. — Ele meio que gemeu, meio que rosnou, e cobriu minhas
mãos com as suas.
Eu o estudei por um momento. Um nó grosso estava na minha garganta e o
ninho de vespas rodopiava furiosamente em meu estômago, incitado pelo seu
toque. Finalmente consegui dar uma resposta sufocada.
— Não tenho certeza do que quer que eu diga.
Ele estreitou os olhos em uma ligeira indicação visível de frustração, e então,
eles mudaram para os meus lábios.
— Por que você desligou o celular?
Eu cerrei meus dentes. As vespas estavam se transformando em uma colônia
de abelhas africanas furiosas. Seus sentimentos de hostilidade, se espalharam por
mim e fizeram meu corpo cantarolar de ressentimento agravado. Fiquei surpresa
com o quão zangada eu estava quando respondi.
— Por que você não me disse que era o chefe?
Seu olhar encontrou o meu e me prendeu.
— Eu disse.
Endureci, em seguida, puxei minhas mãos das dele e segurei o assento em
ambos os lados das minhas pernas.
— Ah, eu estava dormindo durante essa conversa?
Ele franziu a testa.
— Você está brava comigo?
Pisquei para ele, talvez três vezes, possivelmente quatro, em confusão.
— Eu... não estou... — gaguejei e, então, finalmente consegui falar uma frase
completa. — Eu não estou brava com você.
— Bem, então você passa bem a impressão de raiva.
— Sr. Sullivan...
— Não me chame assim — ele me interrompeu novamente, mas sua voz era
mais suave agora. — Não me chame assim, a menos que você queira.
— Eu quero.
Minha declaração foi recebida com silêncio. Sua expressão era dura, frustrada,
determinada. Ele me observou, aparentemente, por vários minutos. Tentei, mas
não consegui encontrar o seu olhar. Minha ansiedade aumentou a cada segundo
e, portanto, minha mente começou a disparar em todas as direções. O carro
virou, e pensei comigo mesma que devia ter amortecedores excelentes, porque
parecia que estávamos deslizando. Imaginei o carro em patins de gelo deslizando
por um lago congelado, sendo empurrado por robôs.
Finalmente, bem calmo, ele disse:
— Por quê?
— Porque... — engoli em seco. Meu peito parecia incrivelmente apertado. —
Porque eu tenho o hábito de dizer algumas coisas inapropriadas, como sabe. E
você não é apenas meu chefe. Você é o C, em B e C, que é Betty e o Chefe. Me
lembro de, pelo menos, dezessete coisas que lhe disse e nunca deveria dizer ao
chefe. E, se eu continuar te chamando... — respirei fundo, meus dedos cravaram
no assento de couro. — E, se eu continuar o chamando de Quinn, vou dizer pelo
menos mais dezessete, se não mais trinta e quatro, ou mais duzentos e oitenta e
nove coisas.
— Então você, definitivamente, deveria continuar a me chamar de Quinn.
Suspirei e olhei para ele, cautelosamente.
De repente, ele se inclinou para a frente, gentilmente levantou uma das minhas
mãos do banco e seu polegar se moveu em câmera lenta sobre as costas dos
meus dedos enquanto ele segurava entre as palmas das mãos.
— Olhe. Eu realmente gostei de todas as dezessete observações inapropriadas
sem controle que você fez e, se você se lembra, eu mesmo disse pelo menos
dezessete delas.
A sensação de seu polegar se movendo sobre as costas da minha mão, estava
fazendo algo inesperado no meio do meu corpo. Em um esforço para mascarar o
efeito, engoli rigidamente, firmei meus lábios em uma linha rígida e não disse
nada. O que eu queria fazer, era desabotoar minha camisa e lhe pedir para imitar
esse movimento em outro lugar.
— Eu ficaria muito desapontado se você começasse a se comportar de
maneira diferente comigo. — Suas feições e seu tom eram sérios e implorantes.
Seus olhos eram um tom escuro e ardente de azul-cobalto, na limusine mal
iluminada, mas o polegar movendo em circulos era a minha ruína.
Me senti afobada e confusa, o que fez meu tom parecer mais acusador do que
eu pretendia, quando fiz a primeira pergunta que me veio à mente.
— Por que você me contratou?
Seu polegar parou, apenas brevemente, antes de responder.
— Porque, apesar de sua insistência do contrário, você tem uma memória
fotográfica, você tem uma abordagem extremamente analítica para a prática de
negócios, você é uma contadora fantástica, e suas pernas estavam incríveis
naqueles sapatos.
Tirei minha mão de seu aperto e, por falta de saber o que fazer com os
apêndices trêmulos, conhecidos como braços, eu os cruzei.
— Você não pode dizer essas coisas. Você é meu chefe.
Sua mandíbula flexionou e ele fechou as mãos vazias em punhos.
— Mas eu não sou apenas seu chefe, sou?
— Você está certo. Tecnicamente, você é o chefe do meu chefe. — Ele
ignorou meu comentário.
— Estamos namorando.
— Bem, eu não namoro com meus chefes, então... — Fechei os olhos e
suspirei. Eu queria que o passeio de carro acabasse. Se eu apenas fechasse meus
olhos, talvez todo o drama fosse embora.
Eu o ouvi suspirar, foi um som de raiva. Suas pernas ainda estavam
pressionadas contra as minhas e eu podia sentir seu calor através de nossas
camadas de roupa.
Meus olhos ainda estavam fechados quando eu perguntei:
— Por que não me disse quem você era?
— Eu disse. Mais de uma vez.
Soltei uma respiração lenta, antes de responder.
— Você sabe o que eu quero dizer — levantei minhas pálpebras e encontrei o
seu olhar fervendo. — Você sabia que eu não tinha entendido. Por que você não
me corrigiu?
Seus olhos brilharam com intensidade ofuscante. Quando ele falou, seu tom
era severo.
— Você teria ficado comigo no show, se eu tivesse contado? Você teria me
deixado te beijar? Você teria saído para jantar comigo? Ficado no parque? —
Seus olhos se estreitaram, e meu estômago se pôs de pé, quando vi sua expressão
deslizar com cada palavra, cada vez mais fundo em uma máscara de indiferença.
Eu balancei a cabeça lentamente, e respondi com honestidade:
— Não. Não, não teria. Mas você sabia que eu descobriria eventualmente.
Ele olhou para longe de mim e endireitou a gravata, alisando a mão pela seda
azul, seu tom de voz encharcado de sarcasmo superior.
— Até então, eu esperava que não fizesse diferença.
O carro diminuiu a velocidade e parou. Engoli um nó gigante, na garganta. Eu
não queria fazer a próxima pergunta, mas precisava saber. Era melhor saber.
— O que você vai fazer agora?
Sua voz e seu rosto estavam desprovidos de emoção, e ele quase parecia
entediado quando respondeu.
— O que você quer dizer?
— Quero dizer, ainda tenho um emprego?
Ele se encolheu, como se eu tivesse batido nele. Seus lábios se separaram e
suas sobrancelhas escuras se abaixaram sobre os olhos, que pareciam disparar
fogo em minha direção.
— O quê? — Por um momento, ele pareceu verdadeiramente atordoado.
Levantei meu queixo e agarrei o banco de couro, para firmar minhas mãos.
— Eu ainda tenho um emprego?
A porta do carro se abriu e meus olhos se moveram automaticamente para a
luz — minha fuga —. Quando ele não se moveu e nem respondeu,
relutantemente concentrei minha atenção nele novamente e percebi que ele não
parecia tão sério. Ao invés disso, seu olhar se suavizou consideravelmente. Se
possível, a compreensão tranquila de sua expressão me incomodava mais, do que
a frieza insensível que ele empregou anteriormente. Suspirei e me movi pelo
assento em direção à porta, mentindo para mim mesma que eu queria esquecer
esse passeio de carro e esquecer que Quinn já foi alguma coisa além de meu
chefe.
Eu saí primeiro e caminhei em direção ao porta-malas, esperando pegar minha
bolsa e desaparecer no grande saguão do cassino. Senti que eu poderia até
chorar. A limusine 2 estava manobrando no cassino, mas ainda estava um pouco
distante.
Senti Quinn parando atrás de mim, e então a mão dele segurou no meu braço,
bem acima do meu cotovelo. O calor de suas palavras na minha orelha e
pescoço, me fez tremer apesar do calor do sol de Las Vegas.
— Te encontro mais tarde.
Me virei para encará-lo, mas ele já tinha soltado meu braço. Ele andava em
direção ao saguão do hotel, e para longe de mim.
Capítulo 18
Eu era basicamente Rudolph, a rena do nariz vermelho, exceto que, ao invés
de um nariz vermelho piscando, eu tinha um rubor vermelho. Quinn Sullivan fez
minha luz piscar e apagar. Poderia guiar um trenó por ele, ou um jato particular.
Era um farol de constrangimento, mortificação, prazer, repugnância, consciência,
frustração e, sim, raiva.
No momento, no entanto, eu tinha um tom normal de bege esbranquiçado. Eu
estava atenciosamente ouvindo Quinn, quando ele terminou a apresentação que
nossa equipe organizou para a reunião. Foi uma visão geral da segurança
estabelecida para o Club Outrageous, um esquema do novo clube em Vegas,
sobrepondo as fraquezas identificadas nas operações atuais, uma comparação de
abordagens para gerenciamento de segurança de toda a propriedade, incluindo o
cassino, e assim por diante. Foi uma apresentação consistente. Eu sabia de cor.
Não ouvi nada. Em parte, porque eu sabia de cor e em parte, porque Quinn fez
a apresentação. Passei a meia hora inteira tentando parecer atenta ao conteúdo,
ao invés dos movimentos ágeis e finos do conferente, a cadência de sua voz, a
profundidade de seus olhos de cobalto, a forma de sua...
Pisquei intencionalmente e balancei a cabeça um pouco, na intenção de
redirecionar meus pensamentos. A sala estava escura para a apresentação e fiquei
grata por isso.
À tarde, até este ponto, tinha sido como um borrão. Depois que Quinn me
deixou do lado de fora da limusine 1, a limusine de Steven, Carlos e Olivia se
aproximou da nossa. Carlos não pareceu surpreso em me encontrar sozinha e me
acolheu de forma calorosa no grupo deles, me ajudando a fazer o check-in no
hotel. Realmente, tudo que eu precisei fazer, foi segui-lo até o cassino e ele fez
todo o resto. Ele até me entregou a chave e disse qual era o número do quarto e
como encontrar os elevadores.
Fomos dispensados, com instruções para nos encontrarmos no saguão do hotel
em uma hora. Fui para o meu quarto e não fiz muita coisa a não ser franzir a
testa, usar o banheiro, escovar os dentes, olhar para a lista de canais de TV no
quarto e depois descer para o saguão munida de meu portfólio e o iPad. Carlos e
Olivia estavam sentados de frente um para o outro, em grandes sofás dourados
incrustados de joias. Não estavam conversando, ao invés disso, estavam no
mesmo local, porém ausentes, absorvidos no conteúdo de seus próprios
celulares.
Olhei ao redor com um pouco de receio. Nem Quinn, nem Steven estavam
presentes no saguão. Carlos me notou primeiro, e ele e Olivia ficaram em pé ao
mesmo tempo em que eu me aproximava. Foi quando vi uma terceira pessoa,
também de pé em uníssono, que também estava absorto no telefone. Ele era de
estatura normal, um pouco mais alto do que eu, tinha cabelo loiro avermelhado,
olhos azulados normais e uma sutil quantidade de sardas, embora leves, nas
bochechas, mas, estranhamente, no nariz não.
Apresentações foram feitas rapidamente; o desconhecido era sobrinho do
dono do cassino e gerente do novo clube. Seu nome era Alex, ou Adrien, ou
Aiden, ou Allen, ou algo assim. Fui apresentada formalmente como a Srta.
Morris, Coordenadora Sênior de Projetos Fiscais e gerente da conta. Apertamos
as mãos. Pode ser que ele tenha sorrido e segurado minha mão um pouco
demais, como também pode ter piscado. Eu não estava com vontade de perceber
nada sobre ele.
Allen ou Aiden — ou quem quer que fosse — iria nos acompanhar e nos levar
a um tour pelo novo clube, o qual pretendíamos fornecer segurança, já que
havíamos preparado a apresentação para tal. Tentei me esforçar para sentir pelo
menos algum interesse profissional na visita, se não alguma curiosidade normal.
No elevador fui informada, por Olivia, que Quinn e Steven tinham uma
reunião separada com o cliente para revisar a conta confidencial. Uma reunião
para a qual eu não fui convidada a participar. Eu a poupei de um sorriso certeiro
e despreocupado.
O passeio foi bom. O clube era bom, embora parecesse peculiar, pois estava
vazio de foliões e era bastante iluminado por várias janelas viradas para o oeste.
Não parecia em nada com o Club Outrageous; parecia ser apenas uma boate
típica embora, em sua defesa, eles ainda não tivessem terminado a decoração.
Havia vários homens, reconheci como trabalhadores de construção, entrando e
saindo da área principal, mas não gastei energia mental percebendo-os.
Almoçamos em uma mesa preta, perto de uma das janelas. Não reparei na
vista da Las Vegas Strip, ou a paisagem de serras e cânions cobertos de ferrugem.
Passei por esses acontecimentos sem saborear minha comida, falando quando
falavam comigo, respondendo perguntas, mas sem perguntar nada. Eu estava
totalmente sem interesse, o que deveria ter me preocupado, mas não.
Houveram mais algumas visitas ao andar do cassino, ao cofre e a algumas
partições do subsolo. Finalmente, depois de uma quantidade de tempo
indeterminável e bate-papo banal, fomos levados para uma sala de conferência e
nos serviram café, chá e água de pepino. O gerente do clube saiu brevemente,
enquanto Carlos e Olivia se preparavam para a apresentação. Ele puxou um pen
drive, e ela colocou pastas com impressos na frente de cada uma das grandes
cadeiras de couro da mesa de conferência.
Então, Steven e Quinn chegaram e, de repente, meu cérebro se ativou.
Comecei a obsevar.
Na verdade, eu não conseguia parar de notar.
Percebi que ele não olhava para mim, ou falava comigo e ele pareceu se sentar
no banco mais distante do meu.
Percebi que Carlos fez todas as apresentações quando o cliente entrou: o Sr.
Northumberland, um homem alto, bronzeado e elegante, com cinquenta e poucos
anos, olhos negros e cabelos grisalhos. Ele era dono do cassino. Seu sobrinho,
que se chamava Aiden, ou Allen, ou Alex, ou algo começando com “A”, entrou
na sala atrás dele e uma comitiva de quatro homens e três mulheres o seguiu.
Presumi que seus nomes não importavam. Eles não tomavam decisões, podiam
muito bem ser cortinas.
Houve alguns detalhes iniciais, como comentários sobre o futebol
universitário, alguém comentou que estava quente lá fora, e me perguntaram se
tive a oportunidade de passar algum tempo apostando desde que chegamos. Eu
queria responder que a vida era uma aposta e que todos nós éramos perdedores.
Ao invés disso, suprimindo minha lentidão emocional, respondi negativamente e
sentei no meu lugar.
Então a apresentação começou. Embora minha cor estivesse normal o tempo
todo, eu sabia que era apenas uma questão de tempo antes que ele dissesse ou
fizesse alguma coisa que faria minha luz de Rudolph piscar. O homem possuía
meu botão e o apertava repetidas vezes.
Não pude deixar de notar que o Sr. Northumberland parecia muito impaciente
para começar a apresentação e então, durante a apresentação, impaciente para
garantir que a nossa implantação da segurança fosse concluída no próximo mês.
Ele interrompia Quinn com frequência, fazendo perguntas como:
— Quanto tempo isso vai levar? — e — Você já não tem tudo o que precisa?
— ou — Isso vai atrasar o projeto?
Quando a apresentação terminou, Olivia se levantou e ajustou as luzes da sala,
e Quinn pediu que o pessoal do cassino abrissem suas pastas com as
informações. Ele direcionou o grupo através do plano de implementação, o
cronograma, os recursos que forneceríamos, o custo, ... De repente ele me
surpreendeu e acredito que a toda nossa equipe, acrescentando:
— Esses números orçamentários são estimativas iniciais. Estamos planejando
uma revisão em nossa estrutura de faturamento, para fornecer aos clientes
corporativos um maior nível de detalhamento. Da próxima vez que visualizarem
as estimativas de custos e, por falar nisso, as faturas, elas terão detalhes dos itens
de linha.
O Sr. Northumberland acenou com o que eu imaginei ser uma apreciação,
porque ele disse:
— Isso é bom, isso é bom, contanto que não demore.
Quinn garantiu que as mudanças não impediriam que o projeto avançasse, e
então Quinn estava discutindo os requisitos de rede e de fiação do espaço. Eu só
podia observá-lo com uma incredulidade mistificada.
Senti o pé de Steven bater contra o meu, debaixo da mesa e virei o olhar para
encontrar o dele. Ele tinha a capacidade de ampliar e estreitar seus olhos
cinzentos ao mesmo tempo e isso sempre me impressionava. Steven me deu esse
olhar agora. Era para transmitir surpresa e suspeita. Balancei a cabeça quase
imperceptivelmente, esperando que ele entendesse minha comunicação
silenciosa. Eu não tinha ideia do porquê Quinn escolher aquele momento para
mencionar minha ideia sobre mudanças de faturamento, ou porque, ou quando
ele decidiu que a Cypher Systems iria se comprometer cem por cento com o novo
software.
Eu sabia que Olivia também estava me observando. As adagas que ela jogava
com seu olhar eram difíceis de ignorar, mesmo em minha visão periférica. Ao
invés de focar minha atenção nas intenções dela com a faca, ou na continuação
da conversa de Quinn sobre os detalhes do negócio, ou nos olhares de Steven,
olhei distraída para o diagrama bidimensional do espaço do clube dentro da
minha pasta. Foi uma coisa tão pequena, a nova técnica de faturamento.
Realmente era uma coisa pequena. Eu duvidava que o Sr. Northumberland, ou
qualquer um de seus subordinados, se importasse com detalhes de itens de linha
em informes de faturamento.
Mas por que ele fez isso? Por que Quinn mencionou isso?
Não foi nada. Não significava nada. Pare de se preocupar com isso.
Meus olhos seguiram as linhas do projeto. Me distrai estudando o design dos
tópicos digitalmente renderizado e comparando com a visita que tínhamos feito
no espaço antes. Isto, como se pode ver, foi uma distração muito eficaz.
Fiz uma careta, pisquei e chequei de novo a minha verificação. Minha careta
piorou.
O esquema na pasta não correspondia ao tamanho, layout ou características
reais do clube que visitamos naquela manhã.
Devo ter suspirado alto ou feito algum outro sinal evidente de desagrado,
porque a sala ficou em silêncio. Em algum lugar à direita, uma garganta foi
limpa. Olhei para cima. Todo mundo estava olhando para mim, incluindo Quinn.
— Senhorita Morris... — Quinn era muito Sr. Sullivan em sua expressão e
tom. — Existe algo que você deseja acrescentar?
Olhei de Quinn para Carlos, de Steven para Allen (ou Alex, ou Andrew, ou o
que seus pais o chamaram de tão esquecível) para o cliente, Sr. Northumberland.
Eu estava em um precipício. Foi a minha primeira reunião com o cliente, eu era
o membro mais jovem da equipe. Nem sabia se eu merecia o trabalho, ou se meu
salto fino Stiletto, estampado de zebra tinha sido o fator decisivo. Deveria sorrir
educadamente e pedir desculpas, ou tossir descontroladamente para encobrir o
som não intencional. Também poderia fingir sofrer da síndrome de Tourette.
Ou eu poderia anunciar publicamente, que todas as estimativas de custo da
equipe, tinham sido baseadas em uma compilação grosseiramente imprecisa do
espaço devido a um descuido, ou, o que é mais alarmante, o engano intencional
do cliente.
Bem, o que tenho a perder?
Molhei meus lábios e coloquei minhas mãos fechadas sobre a mesa.
— Sim. Existe. Antes de irmos além da renderização do AutoCAD, eu gostaria
de esclarecer por que o espaço que visitamos esta manhã não corresponde aos
planos enviados pelo cassino no mês passado, incluídos aqui em nossa pasta.
Baseamos todas as nossas estimativas de custo na renderização do AutoCAD.
Houve uma pequena pausa enquanto o grupo, aparentemente, absorvia essa
informação antes que todos se voltassem para o sobrinho —
AllenAlexAndrewAiden. Segui seus olhares.
Ele parecia totalmente desconfortável. Os olhos do homem passaram pela sala
de conferência, em seguida, se fixaram no Sr. Northumberland antes que ele
emitisse uma pequena risada nervosa.
— As diferenças são pequenas, na verdade. É basicamente o mesmo.
Fiz uma careta severa enquanto vários pares de olhos ricocheteavam de volta
para mim, mas me concentrei no sobrinho.
— Devo respeitosamente discordar. Existem duas partições e paredes sem
colunas de sustentação, que não estão presentes na renderização do design
digital. O espaço atual tem janelas voltadas para o oeste e um pátio externo, mas
o desenho não retrata as janelas nem o pátio. Além disso, a metragem quadrada
do espaço real é pelo menos mil e duzentos metros maior, não incluindo o pátio.
— Virei meu olhar para Quinn.
Eu não conseguia ler a expressão de Quinn, o que pode ter sido devido à
minha agitação atual em relação a todos os tópicos Calças-Quentes, e não por
qualquer tentativa, por parte dele, de omiti-las. Compreendi que seu olhar não
era nem hostil, nem quente. Na verdade, eu só poderia descrevê-lo como
atencioso.
O sobrinho se moveu de um lado para o outro em seu assento, como se não
conseguisse se sentir confortável.
— Isso é um absurdo. É claro que você não consegue ler esquemas
arquitetônicos.
— Na verdade... — Quinn fez uma pausa, afastando os olhos dos meus e
dirigindo-se ao Sr. Northumberland, que, pela primeira vez desde o início da
reunião, não sentiu a necessidade de interromper. — Na verdade, a Srta. Morris
está muito familiarizada com esses esquemas, já que se formou com honras na
Iowa State University, com dupla especialização em arquitetura e matemática.
Veja, A Iowa State é uma das melhores escolas do país em arquitetura.
Me encolhi um pouco, quase imperceptível para qualquer um que pudesse
estar me observando, quando Quinn recitou minhas qualificações. Eu não sabia
que ele estava tão familiarizado com minhas credenciais acadêmicas. Isso me fez
pensar o que mais ele sabia sobre mim e como ele se tornou um especialista.
A expressão de surpresa de Northumberland, se transformou em repentina
impaciência. Para meu alívio, esse olhar estridente foi dirigido ao sobrinho.
— Allen, isso é totalmente inaceitável! Se isso causar outro atraso em...
Quinn suavemente interrompeu.
— Sr. Northumberland, podemos modificar nossa estratégia de
implementação e cumprir o prazo, caso o tempo seja o problema aqui. No
entanto, o custo... — Quinn suspirou, fechou o maço de papéis na frente dele e
se recostou na cadeira. — Não posso garantir que o custo do projeto não seja
afetado.
Sem aberturas ou pretensões, o cliente se inclinou para frente e apontou um
dedo para Quinn.
— Se você puder cumprir o prazo, você pode ter o triplo do seu orçamento
original — então seu olhar negro se direcionou ao sobrinho. — Não posso ter
mais atrasos.
Quinn acenou com a cabeça uma vez e depois se levantou abruptamente.
Observei seus longos dedos apertarem o botão de cima do paletó.
— Nesse caso, terminamos por hoje. Não vejo mais necessidade de pretensão
e discussão. O importante agora, é começar.
Northumberland também estava em pé, quase ansiosamente. Sua comitiva
também ficou de pé, o que me fez lembrar nadadores sincronizados, só que em
trajes de negócios. Seu chefe disse:
— Bom homem. Eu não poderia concordar mais — ele estendeu a mão sobre
a mesa e apertou a de Quinn. — Você tem uma equipe impressionante.
Eu peguei Steven me dando um olhar significativo e retribuí com uma
sobrancelha levantada e um encolher de indiferença, embora interiormente eu
estivesse com a respiração irregular, ainda guardada, de alívio.
Eu tive uma chance. Só esperava que fosse o suficiente para provar que eu era
digna de manter meu emprego.
Carlos e Quinn desapareceram, juntos, logo após o encerramento da reunião, e
eu dispensei um jantar com Steven, alegando dor de cabeça. Claro, Steven ainda
ameaçou manter sua promessa da festa do pijama. Eu estava evasiva e ri de sua
provocação bem-humorada, mas eu não me sentia uma boa companhia. Só
queria relaxar no meu quarto, sozinha, com uma garrafa de vinho, um
hambúrguer e HBO.
Antes de fugir, Steven me lembrou que nossas reuniões no dia seguinte foram
canceladas e que o avião partiria às 15:00h . Ele sugeriu que nos encontrássemos
durante o dia e tentássemos ver um pouco de Vegas antes de partir. Eu estava,
novamente, evasiva. Me senti uma idiota.
Tive mesmo dor de cabeça. Tinha uma caixa de confusão para resolver. Eu
tinha que descobrir o que precisava, o que eu queria, o que era certo e onde tudo
se cruzava.
O que eu precisava, era manter distância dos humanos do sexo masculino —
Jon e Quinn, manter meu emprego, e reorganizar minha vida de modo que a
calma e a ordem fossem restauradas.
O que eu queria, era me jogar em Quinn e continuar me comportando como
uma adolescente apaixonada.
E não sabia o que era o certo.
Quando o serviço de quarto chegou, peguei a garrafa de vinho no banheiro e
tomei um banho de espuma. A banheira do hotel não estava nem perto do
espetacular e imponente monumento do apartamento que Quinn havia me
mostrado no último domingo, mas se adequava perfeitamente às minhas
necessidades atuais.
No entanto, depois de uma hora na banheira e bebendo sozinha, não me senti
mais perto de resolver o meu dilema. Em vez disso, fiquei com uma garrafa
vazia de vinho, dedos enrugados e mais perguntas.
Eu estava me vestindo, quando ouvi uma batida forte na porta. Já passava das
21h30. Naturalmente, eu supus que era Steven cumprindo sua ameaça da festa
do pijama. Devido a essa suposição perigosa, não verifiquei o olho mágico e abri
direto a porta.
Foi um erro crucial, se não monumental.
Se eu tivesse visto Quinn primeiro, através do olho mágico, eu teria tido
tempo para me recompor. Poderia ter decidido fingir que estava dormindo. Eu
poderia ter entrado debaixo de um pesado objeto imóvel ou pulado da janela do
trigésimo andar.
Assim, só pude devolver o seu calor com uma surpresa aturdida, embora
embriagada. Meus órgãos internos e os grandes grupos musculares foram
impotentes contra a reação química, reduzindo-os a uma gosma gelada, porém
gelatinosa. Meu coração, da mesma forma, saltou para a minha garganta. Eu
estava repentinamente ciente de que vestia apenas com uma regata branca, sutiã
e calcinha. Ou seja, basicamente de roupa intima.
Eu gostaria de dizer que, quando me deparei com os olhos azuis fumegantes
de Quinn Sullivan depois de uma garrafa de vinho, sua forma impressionante e
musculosa pairando do lado de fora da porta do meu quarto de hotel e mãos
grandes segurando o batente, mal me senti com vontade de dar uma intensa
resposta física ou emocional.
Se eu dissesse isso, seria uma mentirosa - uma grande, grande mentirosa.
Quinn, suspenso como uma metáfora no abismo entre dentro e fora do meu
quarto, ainda estava de terno preto, camisa branca e gravata de seda azul.
No entanto, ele estava enfaticamente desalinhado.
Sua gravata foi solta ao acaso e estava pendurada no pescoço, sua camisa
estava enrugada devido a horas de uso, seu cabelo estava para o lado e espetado
em ângulos estranhos, e o queixo e a mandíbula estavam sombreados com um
dia inteiro de barba por fazer. Claro, ele ainda parecia um modelo GQ, mas em
vez da variedade bem cuidada, ele parecia à variedade bem despenteada.
O fato de ele não dizer nada, não ajudou. Apenas... me olhava.
No início, ele segurou meu olhar por um longo momento; então olhou para
cima, olhou para baixo, olhou ao redor. Isso foi feito com uma insolência tão
deliberada e abatida, que me senti em oferta para compra. Culpei meu estado
levemente embriagado, quando fiquei tentada a perguntar se ele estava
procurando por algo em particular, ou apenas vendo vitrines.
Independentemente disso, seus olhos eram de touro, todas as minhas tentativas
anteriores de desapego eram a loja de porcelana, e ele estava quebrando em
pedaços — crash, crash, crash.
Consegui respirar fundo, mas não consegui soltá-lo. Talvez eu parecesse com
uma rena de nariz vermelho, iluminada pelos faróis.
Então ele se moveu.
— Posso entrar? — Quinn fez a pergunta como se fosse uma declaração e,
sem sequer fingir que minha resposta importava, ele entrou no meu quarto me
deixando lá, olhando para ele enquanto segurava a porta.
— Eu não... eu, bem, se você... eu acho... como... ok.
Enquanto ele passava, senti cheiro de uísque e da loção pós-barba, ou sabão
que ele usava, ainda agarrada a sua pele e ao seu terno.
Seu cheiro era delicioso. Crash, crash, crash.
Soltei a respiração que eu estava segurando há três ou quatro segundos, então,
no piloto automático fragmentado, fechei a porta hesitantemente. Eu ficava
mudando de ideia enquanto andava em câmera lenta, reconsiderando se foi
correto ou conveniente fechar a porta enquanto o chefe do meu chefe passeava
pelo meu quarto.
Meu diálogo interno foi algo assim: “Deixe aberta! Mas seria estranho se
alguém passasse. Quem se importa? Eu me importo! Por que eu me importo?
Apenas feche! Você não pode fechar, você está de calcinha! E se a porta estiver
fechada, você pode... fazer... alguma coisa. Aqui está a situação: estou de
calcinha no meu quarto com Quinn e minhas inibições carregadas de álcool são
baixas, baixas, baixas. É como se trancar em uma loja de chocolates Godiva; é
claro que você vai experimentar algo. Não prove nada! Nem cheire nada! Se
você sentir o cheiro, você vai querer experimentar. Não cheire mais... Não.
Cheire. Mais. Espero que ele não veja a garrafa vazia de vinho... Coloque
algumas roupas. É estranho se eu me vestir na frente dele? Quero de chocolate.
Ah! Roupas!!”
Finalmente a porta se fechou, embora eu não tivesse tomado uma decisão
consciente sobre isso. Respirei fundo. Em seguida, virei e o segui, me arrastando
a uma certa distância, atravessando para o lado oposto de onde ele estava
atualmente de pé. Vi a minha camisa de treino na cama e tentei colocá-la de
forma sorrateira.
Quinn estava de costas para mim e ele parecia estar vagando pelo espaço,
sem pressa. Parou por um breve momento ao lado do meu laptop e olhou para a
tela.
Ele parecia perdido e um pouco vulnerável. Crash, crash, crash.
Aproveitei esta oportunidade para puxar uma calça e uma blusa de moletom
da minha mala. O moletom estava ao contrario, com o pequeno V para trás e a
etiqueta na frente, mas ignorei. Peguei minha jaqueta no armário atrás de mim e
a coloquei também.
Ele caminhou até a janela e examinou a vista, enquanto eu, rapidamente,
empurrava meus pés em meias e chinelos tricotados à mão, que ganhei de
Elizabeth no último Natal.
Eu era um tornado de atividade frenética, indiscriminadamente e
silenciosamente, puxando roupas. Posso ter compensado demais o meu estado
anterior de semi-nudez. No entanto, até ele se virar para mim com movimentos
lentos e preguiçosos, eu finalmente parei de me vestir. Minhas mãos estavam na
minha cabeça enquanto eu colocava um chapéu branco, outro presente de
Elizabeth.
Quinn suspirou.
— Preciso falar com você sobre o seu sist… — mas então, ele parou de falar
quando olhou para mim.
Suas feições, se moldando em algo parecido com espanto estupefato, foram
lançadas em um brilho quente de uma lâmpada próxima.
Ele parecia sinceramente surpreso e um pouco infantil. Crash, crash, crash.
Seus olhos hipnotizantes se estreitaram enquanto olhavam para a minha
forma, agora, completamente coberta. A única pele que aparecia, era a do meu
rosto e mãos. Se eu estivesse pensando com clareza e sobriedade, poderia ter me
sentido ridícula. Em vez disso, como eu definitivamente não estava pensando
com clareza e definitivamente não estava sóbria, eu estava me amaldiçoando por
deixar minhas luvas em Chicago, e estava procurando por meus óculos.
Ele se mexeu, enfiou as mãos nos bolsos e me estudou com um divertimento
transparente e crescente.
— Você está indo a algum lugar?
Engoli e tentei dar de ombros, mas o movimento foi perdido sob as camadas
de roupa.
— Sim — levantei meu queixo, me sentindo subitamente quente, o que me
lembrou de como estava calor lá fora, mesmo às 21h30. Então, rapidamente
emendei. — Não — abaixei minhas mãos do chapéu e puxei as mangas da
jaqueta. — Não decidi.
Ele inclinou a cabeça, de um lado sua boca se curvava para cima e então ele
lentamente, começou a se aproximar de mim, como se estivesse perseguindo
uma presa, como se estivesse com medo de que movimentos súbitos me
mandassem para outro tornado de roupas.
— Onde você estava pensando em ir?
— Apostar — eu soltei. Era a única coisa em que eu conseguia pensar no meu
estado ligeiramente absorvido, afinal, estávamos hospedados em um cassino
mundialmente famoso, em Las Vegas.
— Sério? — ele perguntou em tom de conversa, como se eu estivesse
contando a ele sobre um bom negócio no Save-A-Lot. — O que você estava
pensando em jogar?
— Poker. — Eu queria cruzar os braços, mas devido a roupas, peitos e falta de
coordenação, encontrei muito volume e meus movimentos eram restritos.
— Poker — ele acenou com a cabeça uma vez, me segurou no lugar com uma
expressão claramente cética, se não divertida. — Está muito frio onde você vai
jogar poker?
Sem que eu realmente percebesse, ele havia me alcançado. Em um momento
Quinn estava do outro lado da sala, perto da janela, e no momento seguinte ele
estava parado na minha frente, com não mais de um metro de ar — e roupas —
nos separando.
— N-não. Não necessariamente. Eu só queria estar preparada.
— Preparada para temperaturas árticas?
— Preparada para qualquer eventualidade.
— Como o quê? Pôquer em um freezer?
— Como strip poker. — Eu disse as palavras antes do meu cérebro processá-
las e, devido à sua proximidade, vi algo oposto à calma piscar atrás de seus
olhos. Mordi meu lábio superior para garantir que eu não dissesse mais nada. Eu
sabia que meus próprios olhos estavam visivelmente grandes, atentos e muito
arrependidos pelos sons mais recentes da minha boca.
Quinn engoliu em seco e sua expressão havia mudado. Era menos provocante,
mas não menos intensa.
— Nós poderíamos... — seu olhar cintilou aos meus lábios, em seguida, parou
na minha testa. — Poderíamos jogar strip poker aqui.
Capítulo 19
Meus olhos, já bem abertos, se arregalaram ainda mais e pisquei várias vezes
em rápida sucessão.
— Eu-eu-eu... — procurei algo para segurar e acabei encostada na parede
atrás de mim. — Não posso, não podemos fazer isso.
— Mas você vai jogar strip poker com estranhos? — ele parecia estar me
analisando bem de perto.
— Bem, vou. — Esta foi uma conversa estranha de se ter, já que eu estava
falando no sentido teórico e literal. Teoricamente, eu jogaria strip poker com
estranhos, dependendo das circunstâncias e dos estranhos, mas não tinha
nenhuma intenção literal de fazê-lo.
Quinn respondeu rapidamente.
— E se por acaso eu estivesse jogando poker, strip poker, na única mesa do
cassino? Você ainda jogaria?
Eu hesitei. Senti como se estivesse sendo levada para uma armadilha que
envolvia Quinn ficando nu, o que realmente soava muito bem. Relutantemente,
disse:
— Não.
— Por que não?
— Porque eu... Você é você. — Me parabenizei por não atropelar as palavras,
mesmo com o suor no peito e na parte superior atrás das costas.
— Você confia em mim?
— Às vezes.
— Às vezes? — ele ergueu as sobrancelhas apenas um pouco, em desafio. —
Eu não fui sempre honesto?
— Você tem sido, tecnicamente, honesto.
— Você acha que eu já te magoei?
Suas perguntas foram rápidas. A maneira como ele me olhou, meu traje
quente, improvisado e a política questionável de beber sozinha, me deixaram
muito tonta.
Hesitei novamente, então disse:
— Não sei.
Ele franziu a testa para a minha resposta, mas não cedeu.
— Você não acha que todo mundo merece uma chance?
— Uma chance?
— Sim, uma chance.
— Qual... que tipo de chance? — minhas palavras estavam um pouco
instáveis, e sua expressão permaneceu inescrutável, mas seus olhos, seus olhos
estavam escuros, intencionados e quase ameaçadores em sua intensidade
brilhante.
Malditos olhos ardentes. Crash, crash, crash.
— Uma chance de se provar, desafiar atalhos e expectativas preconcebidas,
preferências… rótulos.
Pressionei os lábios um contra o outro. Essa foi uma daquelas perguntas que
são impossíveis de responder corretamente, como: “Quando você parou de bater
em sua esposa?” Eu acreditava que todos mereciam uma chance? Sim. Mas ele
sabia disso. Respirei pelo nariz, mas parei quando senti seu cheiro: uísque, loção
pós-barba e Quinn.
Cheirava muito bem. Crash, crash, crash.
Em um momento de fraqueza, provavelmente causado pelo meu olfato,
respondi com a minha voz baixa e com uma nota de resignação:
— Sim. Todo mundo merece uma chance.
Ele me deu um dos seus sorrisos mal contidos, apenas uma sugestão de
sorriso, e molhou os lábios.
— Então quero a minha chance.
— E como você propõe que eu dê a, hmm... Hmm... Chance que você
mencionou? — engoli a fim de corrigir o meu insulto. — … esta chance…
para… você? Que veículos você usará para a chance?
Dissemos tanto a palavra “chance”, que estava começando a soar distorcida e
engraçada: chance, chance, chance, chance, chans, chans, chanz, chanz... chnaz.
Sem rodeios, ele disse:
— Eu quero namorar com você, ser exclusivo. Quero que passemos um tempo
juntos, como fizemos antes de eu ter ido para Boston na semana passada. E, se
eu tiver que viajar, quero que você atenda o celular quando eu ligar, porque
quero ouvir sua voz.
A cada sílaba que saía da sua boca, senti meu botão sendo pressionado de
novo e de novo, e o rubor avermelhado resultante, era realmente enorme. Limpei
a garganta e disse:
— Ah, isso é tudo...?
— Não — ele balançou a cabeça, me interrompendo. — Isso não é tudo.
Quero tocá-la e beijá-la com frequência, e quero você... — ele se mexeu, como
se estivesse se equilibrando e esticando a mão. Se aproximou e segurou minha
bochecha na palma da mão. — Eu quero que você me toque.
Gah! Suas palavras!! Crash, crash, CRAAAAAASH!!!!!
— E... — ele disse, mas depois fez uma pausa, passando os dedos no meu
cabelo sobre a minha testa e sob o chapéu que cobria minha cabeça. Ele o
empurrou e nós dois o deixamos cair no chão. — Quero jogar strip poker com
você, agora.
Tomei o cuidado de tomar meu próximo fôlego pela boca. Eu não queria que o
“cheiro Quinn” influenciasse minha função cerebral, que já estava deficiente
devido ao vinho. Uma pequena voz na parte de trás da minha cabeça disse: “Não
confie nele! Você não é especial! Você é esquisita e desajeitada e uma aberração
de Neandertal com cabelo de Medusa! Ele te confundiu com outra pessoa!”
Quase imediatamente, disse àquela voz para comer merda e morrer.
Eu queria acreditar nele.
Minhas mãos estavam apoiadas na parede atrás de mim e levantei meu queixo,
para que eu pudesse realmente olhar para ele. Sua expressão se estendia entre
cautelosa e esperançosa. Eu reconheci isso tão intensamente, porque era como eu
me sentia desde que nos conhecemos.
Limpei minha garganta e tomei outro fôlego através da minha boca, soltando
lentamente antes de perguntar:
— E se eu disser não?
Quinn ficou muito quieto.
— Você está dizendo não? — seu tom parecia apenas um pouquinho perigoso.
Balancei a cabeça.
— Não... quero dizer, não estou dizendo não. Eu só quero saber o que
acontece se eu disser não.
Ele fez uma pausa novamente, olhando para mim como se a resposta estivesse
escrita no meu rosto. Ele não parecia mais esperançoso, mas apenas cauteloso. O
silêncio se estendeu por quase um minuto e ficamos ali, observando um ao outro.
Então ele piscou de repente, e uma expressão parecida com a compreensão do
amanhecer, fez seus olhos brilharem.
— Janie — Quinn se afastou. A mão dele caiu do meu cabelo e seu semblante
escureceu. — Você não vai perder seu emprego.
Torci minha boca para o lado e fiz um trabalho desleixado de cruzar os braços
sobre o peito.
— Você não vai ficar chateado?
— Sim, eu vou ficar chateado... — ele limpou a garganta, desviou o olhar
brevemente e, em seguida, encontrou meu olhar novamente. — Eu vou ficar
desapontado — ele disse a palavra “desapontado” com muito cuidado, medida,
como se fosse quatro palavras em uma. — Mas não vou prejudicar minha
empresa porque você não... — Ele ergueu as mãos entre nós, em seguida,
colocou em sua cintura. — Porque você não está interessada.
Eu o examinei por um momento e perguntei:
— Seria o mesmo trabalho que eu tenho agora? Ou seria outra coisa?
Sua mandíbula se acentuou.
— O mesmo trabalho.
Balancei a cabeça, distraidamente. Mesmo que ele estivesse parecendo cada
vez mais reservado e chateado, descobri que meus nervos se acalmaram
significativamente.
Dei um passo para frente e tirei o casaco.
— Seríamos amigos, ou apenas o Sr. Sullivan e a Srta. Morris? Ainda
poderíamos sair?
Ele soltou um suspiro profundo e não gostei da expressão dura que definia sua
boca em uma linha firme e infeliz, ou o modo como seus olhos, geralmente
ardentes, estavam ficando frios e distantes. — Ouça — ele disse lentamente,
como um rugido roncado. — Eu não sou um idiota arrogante, mas eu também
não sou masoquista. Então, não... eu não estou interessado em sermos amigos.
— Hmm — falei, o estudando. Se eu fosse honesta comigo mesma, teria que
admitir que a sua resposta me deixou feliz por algum motivo estranho. Eu não
entendi porque, então marquei o ponto de dados para análise futura. De qualquer
forma, isso me deixou feliz e eu me permiti um pequeno sorriso. A alternância
de fogo e gelo, a loucura emocional que tenho vivido desde o último domingo,
se estabeleceu como uma onda de desconforto.
— E se...
— Janie... — ele ergueu as mãos, hesitou e colocou-as em meus braços. Achei
interessante que às vezes ele parecia precisar me tocar, ou fazer contato entre nós
antes que pudesse falar. — O que posso dizer para convencê-la de que um
relacionamento entre nós não afetará seu trabalho?
— Mas e se nós terminássemos?
— Eu ainda não te demitiria.
— Como você pode ter certeza do que faria? E se eu sequestrar seu cachorro?
— O que? Por que você... — ele bufou impaciente e balançou a cabeça. —
Não tenho cachorro.
— Essa não é a questão. E se eu ficasse maluca no nosso relacionamento, mas
ainda assim fosse uma ótima funcionária?
— Sou profissional o suficiente para manter minha vida profissional e pessoal
separadas.
Suspirei, infeliz.
— Mas você não sabe...
Ele deslizou as mãos para baixo e as segurou.
— Você não pode se preparar para todos os cenários ou eventualidades da
vida.
— Mas e se eu ficar envolvida, se revelar um erro horrível?
— E se for a melhor decisão que já tomamos?
— Eu sou um risco adverso — mesmo quando eu disse as palavras, apertei
suas mãos com as minhas, com medo que ele as soltasse.
Ele me estudou com uma contemplação frustrada, a testa franzida
profundamente. Quinn se aproximou e se nivelou a mim com um olhar
cauteloso.
— Ok, e se não decidirmos? E se a gente deixar isso ao acaso?
Engoli.
— Como assim? Como fazemos isso?
— Vamos jogar poker.
— Uma mão?
— Não, vamos jogar até a meia-noite. Quem tiver mais roupas à meia-noite,
ganha.
— Ganha o quê?
Seus olhos piscaram para os meus lábios e ele lambeu os próprios.
— Se eu ganhar, nós namoramos por um mês, durante o qual eu posso
comprar o que eu quiser — comecei a protestar, mas sua voz subiu sobre a
minha e suas mãos me seguraram no lugar. — E você para de procurar razões,
ou rótulos, ou qualquer outro motivo pelo qual não deveríamos. Se você vencer,
então... — ele deu de ombros. — ... então você decide o que acontece a seguir.
Engoli de novo, olhei para ele com cautela, e então puxei minhas mãos de seu
aperto e dei um passo para o lado.
Ainda quente, puxei o moletom sobre a minha cabeça. A camisa de treino
também saiu ao mesmo tempo, e eu as joguei em cima da jaqueta caída. Isso me
deixou na minha regata, sutiã, calça de moletom, calcinha, meias e chinelos. Seis
peças de roupa. Nove, se você contasse as meias e chinelos separadamente.
O quarto inclinou um pouco e eu vacilei. Meu estado de intoxicação pairava
em torno de mim, como um casaco de pele e provavelmente continuaria por
várias horas. Todas as decisões que tomasse, provavelmente seriam prejudicadas.
Julgamento prejudicado — Verificado
Seu olhar se dirigiu para o meu pescoço, peito, estômago e depois para cima
novamente. O fogo habitual se espalhou pelos seus olhos, mas foi misturado com
outra coisa. Algo que eu não pude apontar ou, mais provavelmente, não
compreendi. Era como se eu tivesse acabado de dar um tapa nele, mas não
completamente.
Parei de tentar ler seus pensamentos e, em vez disso, contei suas roupas com
um olhar de lado. Ele usava gravata, camisa, paletó, camiseta, calças, meias,
sapatos e boxer ou cueca. Foram sete peças de roupa, ou dez, se contar as meias
e os sapatos como peças separadas.
— Não estamos nem empatados. — Apontei para a gravata dele, em seguida,
coloquei minhas mãos na cintura e imitei sua postura. Esperava que a
advertência e a neblina do vinho ajudassem na minha determinação. Por
enquanto, tudo bem.
Ele olhou para mim, parecendo ressentido, e sua voz era de aço quando ele
perguntou:
— O que, especificamente, te faz pensar isso?
Levantei meu queixo e indiquei sua gravata novamente.
— Sua gravata, Quinn. Eu tenho nove peças de roupa e, supondo que você
esteja vestindo algum tipo de roupa de baixo, você tem dez. Eu posso colocar
meu chapéu, ou tirar sua gravata.
Seu olhar se transformou em uma expressão de perplexidade enquanto eu
falava, mas quando cheguei ao final da última frase, suas feições se
transformaram em algo como uma compreensão petulante, mas divertida, e a
maior parte da rigidez deixou seus ombros e pescoço.
Nós nos encaramos novamente, por quase meio minuto, antes que eu
quebrasse o silêncio.
— Ou você poderia tirar seu paletó...?
A boca de Quinn puxou para o lado. Ele removeu a jaqueta e jogou-a na pilha
das minhas roupas descartadas. Começou a soltar suas abotoaduras, e a
respiração que ele soltou enquanto me fixava com um olhar irritado, pareceu
aliviada. Isso me fez sorrir.
— Você vai pagar por isso.
Arregalei os olhos.
— Pelo quê?
— Hmm... — ele lutou com um sorriso. — Você tem baralho, ou precisamos
arranjar um?
Passei instável em volta dele e rastejei pela cama até a minha mala.
— Eu tenho baralho. Gosto de jogar paciência quando viajo.
— Por que você não usa seu laptop ou o iPad? — ele se virou para me ver
buscar na minha bolsa.
— Gosto de segurar as cartas. — Eu as peguei e fui para o sofá. Havia uma
mesa contra a parede, mas nenhuma mesa perto do sofá. Havia, no entanto,
banco do tipo de um divã. Coloquei uma revista nele, decidi que seria uma
superfície plana o suficiente, e embaralhei as cartas.
Embaralhar ajudou. Isso impediu que minhas mãos tremessem quando a voz
fraca do meu eu, perguntou: “O que estou fazendo? Estou realmente fazendo
isso? “
Ele era... incrivelmente bonito e rico, e meu chefe. Todas eram realmente boas
razões pelas quais não era apropriado.
Mas eu realmente gostei dele. Ele era muito sexy, e interessante, e
incrivelmente inteligente, e irritantemente perspicaz. Tive que confiar que havia
algo em mim que ele viu e gostou o suficiente para abandonar seus estepes e seu
estilo de vida Wendell. Eu não gostava de confiar e não gostava de definir
expectativas mais do que moderadas, mas queria ter fé nele. Chame de vinho,
chame de obscuridade induzida pelo cheiro Quinn, mas me senti muito quente e
confusa para me inclinar para o lado assustador do strip poker.
Julgamento prejudicado... ainda verificado.
— Então... — ouvi a voz de Quinn atrás de mim. Parecia que ele ainda estava
no mesmo lugar. — Na verdade, vim aqui para falar com você sobre uma coisa.
Eu olhei por cima do meu ombro.
— Sobre o que?
Ele passou uma mão de maneira pesada pelo cabelo e, com a outra, colocou a
abotoadura no bolso da calça.
— Preciso falar com você sobre o domingo passado, sobre aquele, hum, cara
no parque.
Eu estava ajoelhada no chão, ao lado do banco, mas algo sobre o tom de sua
voz me fez sentar em meus calcanhares e virar todo o meu tronco em direção a
ele.
— Ok. — Coloquei o baralho na revista. Ele tinha toda a atenção possível,
dada a minha atual falta de sobriedade.
Quinn hesitou, passeou enquanto falava, sem olhar para mim.
— Então, quando deixei Boston anos atrás, eu não era muito popular com...
ninguém — ele mexeu no conteúdo da sala: um abajur, o minibar, as instruções
para conectar à Internet... — Fiz algumas cópias dos dados, para ter certeza de
que não seria… incomodado em Chicago.
Ele parou no minibar, tocando uma garrafa de Johnnie Walker do tamanho de
uma boneca.
— Cópias dos dados?
— As pessoas para quem trabalhei. Fiz cópias de seus dados quando instalei o
limpador de script e o desmagnetizador.
— Você quer dizer, os homens maus?
Ele me deu um pequeno sorriso e assentiu.
— Sim, os homens maus — Quinn caminhou até o sofá, hesitou por um
momento e se sentou. Ele colocou as mãos nos joelhos, como se fosse levantar a
qualquer momento. — Janie... — ele me avaliou com um olhar vacilante e
indeciso.
— Sim...?
Ele ficou quieto por tanto tempo, que senti a necessidade de incentivá-lo. Eu
estava começando a sentir uma sensação renovada de ansiedade. Foi um longo
preparo para ele e ele, geralmente, era um tipo direto. Suspirou e perguntou:
— Você teve contato com sua irmã Jem recentemente?
Tenho certeza de que parecia cômica, boquiaberta, em resposta à sua pergunta.
Ele poderia ter me perguntado: “Você quer absorventes interno ou externo para o
seu Bat Mitzvah?” E receberia uma reação menos estupefata.
Respirei com dificuldade e respondi com as primeiras palavras que me
ocorreram.
— Como você conhece Jem?
Ele balançou a cabeça, os olhos focados e atentos às expressões que deviam
ter sido caleidoscópicas no meu rosto.
— Eu realmente não a conheço. Mas, em um esforço para ser mais do que
tecnicamente honesto, posso dizer que sei quem ela é.
— O que você quer dizer com saber quem ela é?
— Quero dizer que pouco antes de deixar Boston, há seis anos, eu a conheci
quando estava em uma… casa de um sócio. Ela estava, estava envolvida com ele
e foi...e nos apresentaram brevemente.
— Seis anos atrás? — fiz uma careta para isso. Jem tinha dezessete ou dezoito
anos na época. — Tem certeza? E você se lembra dela?
— É difícil esquecer alguém que tenta incendiar seu carro.
Minha boca se abriu e lentamente soltei um suspiro, do tipo desleixado e
exagerado, que você só consegue quando está quase bêbada.
— Isso parece a Jem.
Quinn desviou o olhar do meu, se inclinou para frente e pegou as cartas. Ele
começou a distribuí-las para o nosso jogo de poker.
— Logo antes de deixar Boston, antes de Des morrer, eu estava protegendo
sistemas para um grupo que, bem, os detalhes não são importantes. Não foi uma
operação típica, no entanto. O cara principal, chamado Seamus, era basicamente
um skinhead, um bandido, mas por acaso ele era um bandido muito inteligente.
— Quinn recolocou o baralho, pegou suas cartas e começou a reorganizá-las,
franzindo a testa ao fazê-lo. — Todos os membros de confiança, tinham essas
tatuagens no pescoço. — Quinn gesticulou para sua garganta, desenhando linhas
curvas de seu colarinho até a orelha e ao redor de sua nuca.
Respirei fundo.
— O cara no parque, no último domingo, tinha uma tatuagem no pescoço.
— Além disso, Dan, o líder do grupo de segurança no edifício Fairbanks, era
um deles.
— O que Jem fez para irritá-lo tanto assim? — franzi meu nariz, o que
imaginei ser um exagero, porque o olhar de Quinn suavizou quando ele olhou
para mim, e sorriu.
— Isso importa?
— Não... sim — coloquei meu lábio superior entre os dentes e o mordi. —
Não, acho que não, mas gostaria de saber.
— Ela ajudou um de seus rivais a invadir uma das casas dele.
— Por que ela faria isso? — continuei mordendo meu lábio.
— Porque ela queria irritá-lo. Porque ela é louca. — Seu tom era claro, como
se a explicação fosse simples, óbvia.
— Não acredito que você trabalhava com essas pessoas. — Mudei os lábios e
comecei a mordiscar a parte de baixo.
Os olhos de Quinn encontraram os meus.
— Quando vi o cara no parque, na semana passada, achei que estava lá por
minha causa. Mas quando fui a Boston e me encontrei com Seamus...
Vacilei.
— Você se encontrou com ele? O líder skinhead em Boston?
Ele assentiu, com a mandíbula flexionada.
— Quando me encontrei com Seamus...
— Ele não é perigoso? Por que você faria isso? — o interrompi novamente.
Ele ignorou minhas interrupções e continuou.
— Seamus disse que estava procurando por Jem. Aquele cara no parque achou
que você era ela.
Uma nova sequência de expressões espelhando meus pensamentos, deve ter
acontecido em minhas feições, porque Quinn rapidamente acrescentou:
— Coloquei seguranças com você desde a semana passada, e eu disse a
Seamus que você não é Jem. Ele também sabe que você trabalha para mim e não
é uma opção viável para... — ele fez uma pausa, como se escolhesse suas
palavras com cuidado. — Acho que ele acredita em mim, que você não é uma
opção viável para iniciar o contato com Jem. Mas, para me assegurar, quero
deixar seguranças com você quando voltarmos a Chicago.
Balancei a cabeça, até parecer que eu estava subindo e descendo em um barco,
e limpei minha garganta. Minhas mãos estavam rígidas no meu colo e notei que
elas estavam em punhos apertados. Com esforço, relaxei meus dedos, peguei
minhas cartas e me forcei a olhar para elas: ás de copas, dois de paus, três de
ouros, dez de paus e nove paus. Era uma mão de merda.
— Por que? Como? — abri minhas cartas e as coloquei no meu colo. — Por
que Jem colocou fogo em seu carro?
Quinn deu de ombros, não encontrando o meu olhar.
— Não lembro. Não acho que houve um motivo. Só lembro que ela era louca.
Senti pena de mim mesma; por ter recebido uma mão de merda e por ter uma
irmã, cuja característica mais reconhecível, era a criminalidade. Algumas
pessoas têm parentes chatos, que bebem demais durante as festas de fim de ano e
enchem a todos com teorias de conspiração unilateral sobre o governo ser tão
terrivelmente incompetente e capaz de encenar fraudes elaboradas como o pouso
na lua, ou Pearl Harbor, ou a teoria da relatividade.
Eu tinha uma irmã que não limitava suas travessuras aos feriados, e ela
gostava de dormir com meu namorado, e/ou tentava um assassinato quando se
entediava.
Não me permiti morar na terra do derrotismo por muito tempo. Eu não podia
fazer nada a respeito da mão que recebi. Eu só poderia aproveitar ao máximo,
esperar o melhor e aceitar meu destino.
Ou eu poderia trapacear.
— Você... você... — peguei minhas cartas novamente, mas não olhei para elas.
Mantive minha atenção fixa em Quinn, pisquei duas vezes para que ele entrasse
em foco. — Você acha que pareço com ela? Com a Jem? Você achou que eu era
ela?
Quinn franziu as sobrancelhas para suas cartas, em seguida, encontrou meu
olhar.
— Sim.
Esperei. Quando ele não continuou, estiquei meu pescoço para frente e
arregalei meus olhos em descrença.
— Sim? Apenas sim?
Ele assentiu.
— Qual parte? Sim para qual parte?
— Você se parece com ela. Pensei que você fosse Jem quando a vi pela
primeira vez. — Parecia que ele preferia discutir qualquer outra coisa, inclusive,
talvez, o ciclo menstrual dos coalas ou os regulamentos que cercam a fabricação
de manteiga de amendoim.
Deslizei meus dentes para o lado.
— É por isso que você queria me beijar? Porque você pensou que eu era ela?
— citei a admissão de Quinn na noite do nosso primeiro beijo. Algo duro se
instalou no meu estômago e fez minha boca ficar azeda, como vinho velho e
selos postais.
Ele balançou a cabeça.
— Não. Deus, não. Acho que notei você no começo, por causa da semelhança.
Posso dizer, honestamente, que nunca quis beijar sua irmã.
— Quando você descobriu que não éramos a mesma pessoa?
Ele juntou a mão de cartas, as segurou no colo, e se inclinou para frente com
os cotovelos nos joelhos.
— O dia depois que te vi pela primeira vez, semanas antes de falarmos. Fiz
uma verificação profunda e completa sobre você, para me certificar de que você
não era Jem. — Fiquei impressionada com a severidade de seu tom, embora
admitir isso pareceu que lhe custou alguma coisa. Seus olhos estavam cansados.
Eu também fiquei impressionada com sua honestidade mais do que técnica,
mesmo que parecesse que eu estava arrancando as respostas dele.
Considerei a informação assim como o considerei.
— É por isso que você me acompanhou quando fui demitida? Você pensou
que eu poderia explodir alguma coisa?
— Não. Como disse, sabia que você não era ela.
— Então, por que você se passou por segurança?
— Não me passei. Gosto de passar um tempo junto com a minha equipe,
especialmente quando assumimos um novo projeto. Tinhamos acabado de
assumir a segurança do prédio e nos mudamos para o último andar. Eu queria...
— ele olhou para longe, suspirou e encontrou meus olhos novamente. — Queria
ter uma noção das outras pessoas que trabalhavam no prédio.
— E você me acompanhou porque queria ter uma noção de quem não
trabalhava mais no prédio?
— Não — ele disse.
— Não? — perguntei.
— Não — disse, desta vez um pouco mais firme e pronunciado.
— Hmm... — eu o examinei por um longo momento, e nós entramos em uma
competição antiquada. Ele tinha uma vantagem injusta, porque eu estava
basicamente intoxicada.
Finalmente falei.
— Por que você me acompanhou?
Ele flexionou a mandíbula, embora seus olhos estivessem iluminados com
malícia. Um sorriso de Mona Lisa surgiu nos cantos de sua boca.
— Quantas cartas você precisa?
— Não evite a pergunta.
— Não estou evitando. Escoltei você porque... — ele engoliu e em seguida,
bufou — Quando o pedido veio, reconheci seu nome e queria... ver... como você
era. — Quinn olhou para suas cartas.
Eu sorri, um grande sorriso bobo:
— Você queria ver como eu era?
Ele não respondeu. Colocou três de suas cartas na pilha de descarte e pegou
três do topo do baralho.
— Você estava me observando? — A grandeza e a imbecilidade do meu
sorriso aumentaram.
Ele olhou para mim, os cantos de sua boca voltados para cima.
— Só para constar, eu sei que você também me observava.
Pisquei para ele.
— Observava você?
Ele assentiu, seus olhos se estreitaram maliciosamente.
— No saguão, se escondendo atrás das plantas. Você vinha com seu almoço e
me observava enquanto eu trabalhava.
Botão pressionado, corei até as orelhas e silenciosamente voltei minha atenção
para as minhas cartas. Depois de um longo momento, dei a ele todos os quatro,
menos o ás. Senti como se tivesse sido pega de calças baixas, me sentindo
envergonhada, mas feliz por ele ter notado (e parecer gostar disso).
— Eu não estava te observando — murmurei.
— Sim, estava.
Olhei para ele por um breve momento e o encontrei me observando, com um
olhar que beirava ameaça. Pressionei meus lábios para não sorrir.
— É melhor você ter um ás. — ele me deu mais quatro cartas.
— Eu tenho um ás — arranquei de sua mão estendida, com cuidado para não
tocá-lo. — Quer ver?
— Oh, vou ver em breve.
Olhei por cima das minhas cartas novas e encontrei o olhar firme de Quinn,
com o meu instável.
Ardente e picante. Seus olhos possuíam uma intensidade tão grande, que me
perguntava se seria melhor simplesmente tirar a roupa e ficar nua agora. Eu sabia
que a única maneira de ganhar este jogo, era trapacear.
Meu maior problema, era que eu não tinha certeza se queria ganhar.
Capítulo 20
Eu olhei para ele.
Através da neblina induzida pela garrafa de vinho, eu estava contando as
cartas e soube que ele estava trapaceando nas últimas mãos. Mas eu não podia
admitir a contagem de cartas, caso contrário, teria que admitir que estive
roubando o tempo todo. Além disso, eu estava de calcinha, blusa, sutiã e uma
meia. Enquanto isso, ele estava com a gravata, cueca boxer e uma meia.
Esta última mão significava que estávamos empatados.
Ele riu enquanto embaralhava as cartas, seus olhos azuis realmente dançando
de alegria.
— Então, meia ou camisa?
Eu estava sentada no chão, de costas para a cama. Ele estava sentado no sofá,
e o banco estava entre nós, servindo de mesa.
Pensei em qual peça de roupa remover, mesmo quando deixei meus olhos
passarem pelo seu peito, aprovando. Sonhava com esse peitoral há semanas,
desde que ele fez sua entrada sem camisa na manhã da minha ressaca. Eu pensei
sobre o que eu faria quando, ou se, eu realmente tivesse aquilo em minha posse.
Pisquei com força e tentei me concentrar no banquinho que estávamos usando
como mesa. Pressionei minhas coxas, uma na outra, sem qualquer motivo e
ignorei o calor crescendo no meu ventre.
A voz suave de Quinn me tirou do frenesi sem rumo.
— Janie, meia ou camisa?
Encontrei seu olhar abruptamente e me perguntei se ele sabia o que eu estava
pensando, mas olhar seu rosto era quase pior. Nós estávamos a dois minutos da
meia-noite. Ele fazia uma expressão muito séria e seus olhos estavam em
chamas novamente, se movendo entre os meus com o que parecia ser uma
concentração violenta.
Bufei, impaciente.
— Bem. Nem.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Nem?
Inclinei minha cabeça para o lado e desviei meu olhar do dele, permitindo que
meu cabelo cobrisse meu rosto. Me inclinei para frente, puxando as alças do
sutiã dos meus ombros e passei pelos meus braços em um movimento rápido.
Então soltei o sutiã e, como mágica, tirei o sutiã branco, de renda, do meu corpo
sem tirar a camiseta.
Não importa que minha regata fosse branca, fina, praticamente transparente.
Eu não queria que ele pensasse que tinha ganhado ainda, ou que pudesse
adivinhar meus movimentos. Eu estava aprendendo rapidamente que uma
garrafa de vinho me convencia de todos os tipos de coisas fantásticas e, não
menos importante, de que eu tinha alguns truques.
Joguei o sutiã por cima do meu ombro e me encostei do lado da cama.
— Ok, dê as cartas — disse sem olhar para ele. Ele era muito bonito, a ponto
de distrair. Ao invés, passei os dedos pelo meu cabelo enquanto me esticava e
arqueei minhas costas.
Ouvi sua respiração aumentar.
Olhei para cima.
Seus olhos já não ardiam. De repente eles estavam, agora, com uma força
flamejante, e ele estava rangendo os dentes, me observando enquanto eu me
esticava. Seu olhar me disse que eu era carne e ele era um tigre, e isso me tornou
jantar e sobremesa.
— Você não deveria fazer isso. — O calor escuro em seu olhar, o conjunto de
sua mandíbula e os nós dos dedos brancos de seus punhos traíram a força de sua
concentração. Ele estava se concentrando... com muito, muito esforço.
Parei meus movimentos e congelei no meio do alongamento.
— Fazer o que?
— Isso — suas palavras estavam irregulares. — Não faça isso, a menos que
termine o jogo comigo.
Lambi meus lábios, de repente descobrindo que estavam secos, e meus olhos
se moviam avidamente sobre a forma de Quinn.
Na verdade, naquela hora, não me lembrava que estávamos jogando, o que
explicava por que, de repente, eu perdi a vontade de continuar no jogo.
Então, novamente, poderia ter sido o julgamento prejudicado.
Deixei minhas mãos caírem gradualmente para o tapete ao lado das minhas
coxas. Meu cabelo caiu sobre meus ombros e minhas costas. Molhei meus lábios
novamente, enquanto observava a ele e a sua reação fortemente controlada, com
os olhos arregalados. Devagar, devagar, me endireitei e fiquei de joelhos e, sem
planejar ou premeditar, empurrei o banquinho para o lado. Apesar do que eu
achava que eram movimentos calculados, as cartas se espalhavam da mesa
improvisada e caíam no chão.
Seus olhos me seguiram com atenção intensamente cautelosa, enquanto ele
sentava perfeitamente imóvel no sofá. Me arrastei até ele e me ajoelhei entre
suas pernas. Coloquei minhas mãos levemente em suas coxas nuas para me
equilibrar e me levantei. Ele se encolheu quando minha pele entrou em contato
com a sua.
— Quinn — sussurrei o nome dele. Eu não sei por que eu estava sussurrando,
mas eu suspeitava que minhas cordas vocais eram incapazes de cooperar. —
Quinn.
De repente, ele envolveu os longos dedos de uma das mãos em volta da minha
nuca, segurando-a, e antes que eu pudesse pensar ou reagir, ele passou sua boca
sobre a minha e me sentiu. Ele estava fervendo, molhado e quente, e o calor no
meu estômago se agitou e torceu até a pressão entre as minhas coxas ficarem
insuportáveis. Pressionei meus joelhos novamente e os firmei.
Sua boca se afastou da minha e começou a morder alternadamente, chupar, e
beijar meu pescoço. A pele do seu rosto não barbeado era agradavelmente
dolorosa e cada golpe hábil de sua língua, acalmava os arranhões deixados pela
barba por fazer.
Fechei meus olhos contra as sensações de suas mãos e sua boca em todos os
lugares ao mesmo tempo, e acho que perdi a consciência.
Deixe-me esclarecer essa última declaração. Acho que meu prosencéfalo
saturado de álcool, perdeu a capacidade do pensamento consciente. A parte
inferior do meu cérebro — o Id, a parte que está associada a reações automáticas
e instinto e comportamentos de busca de prazer e que querem sorvete no jantar
todas as noites — pode ter consumido alguns benzodiazepínicos para que
pudesse assumir o controle e fazer o que quisesse com meu corpo. Para
simplificar, vou chamar essa parte do meu cérebro de Ida.
E Ida fez o que quis com o meu corpo. Permita-me deixar isso bem claro.
Na longa e distante jornada até a cama, Ida se acomodou no sofá, no chão e na
cômoda. Em certo momento, Ida se posicionou contra a parede.
Talvez, pela primeira vez na minha vida, minha mente passou uma quantidade
significativa de tempo sem perambular, porque não conseguia engatar nem
ganhar tração. Todas as superfícies do prosencéfalo eram escorregadias; tudo e
nada era uma distração imediata. Eu estava totalmente focada no momento, no
sentimento e na sensação de estar com, sobre, ao lado, embaixo, e contra Quinn.
Fui esmagada, agarrada, acariciada, admirada, saboreada, e, por Deus,
despertada. Eu estava excitada como se estivesse saindo de moda e à venda. Em
um ponto, pensei que iria me dividir em duas e entrei em pânico, da mesma
forma que um animal feroz entra em pânico quando abordado com uma gentileza
desconhecida.
Para minha surpresa, Quinn parecia compreender profundamente o que eu
precisava. Ele sabia quando eu precisava de ternura e quando eu ansiava, bem,
não de ternura. Ele calibrou seus movimentos, carícias e beijos, como o
contraponto aos desejos que eu não tinha ideia que existiam dentro de mim, mas
que, agora, eu estava certa de que nunca poderia viver sem. Com um olhar
arrebatador, um olhar devastadoramente bruto, que roubou minha respiração e
me manteve cativa, um momento de conexão, ele me deixou destemida.
A parte dissonante, porque existe uma, é que Quinn parecia estar tão perdido
quanto eu, e meu corpo, minhas mãos, minha boca e meus olhos pareciam saber
como ser seu contraponto, como tranquilizar, inflamar, mover, e responder. Se
meu cérebro anterior estivesse comprometido, tenho certeza de que não teria
reconhecido essa criatura repentinamente destemida que encontrou ousadia e
bravura, e que acabou com a covardia dentro da perfeição caótica e sonhadora da
intimidade física.
Quando Ida — saciada, satisfeita, presunçosa Ida — permitiu que a cortina
fosse puxada para trás, ainda que brevemente, Quinn e eu estávamos
sucumbidos, um contra o outro, em um nó chinês de membros e lençóis. Eu
estava um pouco menos bêbada de álcool, mas muito bêbada da euforia que
aparentemente acompanha o sexo alucinante.
Ida sussurrou no meu ouvido que Quinn era quente, bom e muito, muito certo.
Concordei com essa afirmação, mesmo quando uma pequena dor originada em
meu coração, tornou subitamente difícil respirar. Suprimi a sensação, engoli, e
coloquei isto em uma prateleirra para pensar depois.
De repente, tive três pensamentos rápidos:
Quinn ainda está com a gravata.
Me pergunto se ele vai me deixar ficar com ela.
Me pergunto se ele vai me deixar usá-la para...
E então, desse jeito, Ida estava no controle novamente.
Capítulo 21
A vida é engaçada.
E eu não quero dizer apenas “ha-ha engraçado”. Também quero dizer astuta,
curiosa, caprichosa e, “A piada é você, Batman”. Engraçado.
O sono gradualmente recuou e pisquei contra a luz implacável. A primeira
coisa que vi, foi o firme e quase branco travesseiro e lençóis vazios ao meu lado.
Aos meus olhos, ainda sonolentos, os lençóis não pareciam familiares e a sala
estava muito clara. Fiz uma careta, fechei os olhos e os abri novamente, e então
me lembrei.
Nua.
Em uma cama.
Em um hotel.
Em Las Vegas.
Tendo acabado de passar a maior parte do início da manhã fazendo amor
despreocupado e complacente com Quinn Sullivan.
Me sentei abruptamente e sem pensar. Meus olhos não estavam mais
sonolentos. Fiquei chocada e desperta, como se uma corrente elétrica tivesse
acabado de passar pela minha espinha. Meu olhar tentou absorver tudo de uma
só vez: a sala, a janela, a porta, o relógio, a cama, minha nudez, as pilhas de
roupas espalhadas em pontos pelo chão como formigueiros, e a pilha de cartas
igualmente descartadas ao lado do banco.
Rigidamente, eu ouvia atentamente os sons — passos, respiração, chuveiro,
torneira — e passei vários segundos prendendo a respiração, até estar
convencida de que estava sozinha. Soltei a respiração que estava segurando,
lentamente, e permiti que meus músculos relaxassem um pouco. Permiti que
meu cérebro voltasse sua atenção para pensamentos e sentimentos além de
alarme e prontidão de batalha, enquanto meus olhos lentamente vagavam ao
redor. Olhei para os detalhes, em vez de verificar se corria ou não perigo
imediato de encontrar Quinn.
Porque, impulsivamente, ao reconhecer e perceber onde eu estava e o que
tinha feito, foi assim: perigo.
Desde que passei grande parte da minha infância sendo deixada para trás e
ignorada, pode-se pensar que, como um adulto, momentos de abandono são bem
conhecidos. A verdade é que, como adulto, estou sempre à espera de ser deixada
para trás. Estou sempre pronta para ser descartada e, portanto, gasto uma
quantidade significativa de tempo me preparando para essa eventualidade.
Diminuo minhas expectativas, não busco relacionamentos significativos e não
me envolvo em nenhum tipo de intimidade real, física ou não.
Envolver é a palavra-chave aqui.
Exceto quando me envolvo mesmo. Quando acontece, quando sou deixada
para trás, não me sinto o chapéu velho. Parece que foi a primeira vez, e isso me
pegou de surpresa.
Então não deixo acontecer.
Engoli em seco, lambi meus lábios e, distraidamente, puxei o inferior através
dos meus dentes com preocupação. Olhei ao redor da sala e notei, com uma fria
indiferença, que o relógio marcava 9h31. As únicas roupas espalhadas, me
pertenciam. Eu estava sozinha.
Havia, no entanto, um bilhete.
Um pedaço de papel branco estava na cama, ao meu lado. Reconheci o
logotipo do hotel no topo e a escrita eficiente de Quinn abaixo. O bilhete era
ilegível de onde eu estava sentada, então eu olhei para ele.
Eu olhei para ele.
E eu olhei para ele.
Então, eu olhei para ele.
Depois, eu olhei para ele.
Levando minha atenção para outro lugar, empurrei meu cabelo longo e pesado
para longe dos meus olhos e atrás do meu ombro, em seguida, descansei minha
testa na mão; meu polegar e indicador esfregaram minhas têmporas. Memórias
tangíveis, não apenas fragmentos iniciais espalhados, do que ocorreu antes de
adormecer, do que eu tinha feito e dito, do que fizemos juntos, mergulhada em
foco, e uma pequena dor levemente familiar, originada em meu coração, tornou
repentinamente difícil respirar.
Julgamento prejudicado.
Não foi ansiedade ou medo. Era algo como desejar, ou ansiar, ou esperar. A
sensação me lembrou de quando minha mãe realmente estaria presente em um
dos meus aniversários quando eu era criança, ou quando meus pais nos
sentavam, as três meninas, e nos diziam que minha mãe ficaria daquela vez.
Eu estava desconfortável com a sensação, e isso fez eu sentir desanimada e
cansada. Então afastei aquilo, como eu tinha feito ontem à noite depois que
fizemos amor pela primeira vez, e fui até o banheiro para tomar meu banho.
Encorajei minha mente a vagar, a pensar em algo diferente do que dizia o bilhete
de Quinn, e o que ou se alguma coisa havia mudado por causa da noite passada;
se, à luz do dia, minhas decisões foram boas, então onde Quinn estava; ou
quando eu veria Quinn novamente.
No entanto, para minha decepção, apesar do meu desejo de sonhar com
qualquer coisa e tudo mais, tudo em que eu conseguia pensar era no que, ou
onde, ou quando Quinn. Isso pode ter algo a ver com o fato de que sinais dele
estavam em toda parte; e, por toda parte, quero dizer em todo o meu corpo.
Eu estava dolorida do... esforço, e evidentemente pelas marcas de unhas,
marcas de mordida e marcas de barba por fazer. Olhei para o meu reflexo no
espelho por um tempo indeterminado e, rangendo os dentes, liguei o chuveiro.
Não era só o fato de nunca ter experimentado nada como a ligação, a
intimidade, ou as sensações da noite anterior. Pelo contrário, eu nunca percebi
que o desejo existia.
Me senti totalmente desconcertada pelo fato de que, o que antes era uma falta
não identificada, agora parecia mais uma necessidade, como água e respiração,
quadrinhos e sapatos. Não gostei que algo tivesse sido despertado em mim. Eu
preferia estar no controle dos meus desejos. Além disso, preferia apenas ter
desejos que pudesse satisfazer sem a exigência ou a assistência de outra pessoa.
Afinal, essa era a definição de autoconfiança.
Tentei me lembrar de que estava bêbada, então nada do que aconteceu na noite
passada realmente contava ou importava.
Julgamento prejudicado.
Certamente, ele perceberia que eu estava demonstrando julgamento
prejudicado.
Depois do banho, me enxuguei e passei creme de cabelo para cachos. Minhas
bochechas estavam vermelhas e tinha mais a ver com a lembrança da noite
anterior do que com o vapor do chuveiro.
Entrei na sala principal e, ainda evitando o bilhete, escalei o perímetro da
cama, peguei minhas roupas descartadas e as dobrei em uma pilha ao lado da
minha mala.
Peguei outro terno do armário e comecei a me vestir no piloto automático.
Já eram 9h47 e o avião deveria partir às 15h00.
Eu iria enfrentar cinco horas sozinha com o bilhete. Eu olhei
desesperadamente.
A outra percepção desconcertante originada da noite passada, foi o momento
no qual eu pensava ser confiança compartilhada. Dei a ele algo naquele
momento, quando nossos olhos se encontraram e eu fiquei corajosa; era uma
parte de mim mesma. E agora, na luz do dia, eu não tinha certeza se tinha
tomado uma decisão especialmente sábia.
Ele não ganhou essa confiança. Dei a ele com base na fraqueza chamada fé, e
a fé tinha sido baseada no julgamento cebrebral deficiente pelo vinho.
Eu não queria ler o bilhete. Tinha certeza de que sabia o que dizia. No fundo
ele era, afinal de contas, um Wendell, e eu acabei de me tornar uma de suas
estepes. Engoli em seco com o pensamento.
Mas eu não era. Não era uma estepe.
Em vez de ser controlada pela Janie menininha-dramática-histérica, a Janie
mais lógica se esforçava para fazer sua presença ser reconhecida: Fazer sexo
intenso ao longo de várias horas não faz de você uma estepe.
Esses pensamentos não ajudaram também.
Com um bufar, fui até a cama e peguei o bilhete. A Janie menininha-
dramática-histérica tinha certeza de que aquilo era uma bomba. Janie lógica
decidiu reservar o julgamento até que o bilhete fosse lido.
Janie,
Eu voltarei com café da manhã e café. Me ligue assim que você acordar.
Quinn
Olhei para o bilhete.
Olhei para ele.
E olhei para ele.
Então, olhei para ele.
Depois disso, olhei para ele.
O desejo estava de volta, junto com a esperança. Ele se espalhou como um
incêndio através do meu coração, cérebro e corpo tão rápido, que quase perdi o
fôlego. Portanto, fiz a única coisa que fazia sentido.
Entrei em panico.
Capítulo 22
Me perguntei se Quinn arruinou para mim tudo que era não-Quinn, da mesma
maneira que seu avião particular arruinou as viagens comerciais.
Saí de Las Vegas às 11h35, em um voo direto de Alliantsouth para Chicago. A
linha de segurança me fez sentir como refugiada e a partir daí, foi só queda.
Enquanto esperava na sala com vista para a pista, uma tartaruga de estimação
foragida roubou meus óculos e os quebrou no meio da armação. Fui empurrada
severamente quando embarcava no avião, e eu tinha certeza que o homem atrás
de mim me apalpou. Quando me sentei perto da janela, a mulher ao meu lado
tirou os sapatos.
O cheiro dos pés de pântano foi tudo o que eu vivi e respirei por duas horas.
Me perguntei se a tartaruga larapia apreciaria o aroma.
Misericordiosamente, mais de mil milhas e uma viagem de táxi depois, eu
estava sentada à minha mesa, checando meu e-mail, tomando café e modificando
o plano original do projeto para o clube de Las Vegas. Passava das 18:00h e o
escritório estava quieto. Permiti me perder em planilhas, cálculos, fórmulas e
tabelas dinâmicas.
O telefone do meu escritório tocou e, depois de inspecionar um valor
calculado na tela para confirmar, levei o fone ao ouvido.
— Janie Morris.
— Que diabos, Janie.
Choque elétrico, isso é o que foi.
Ele estava irado e o som de sua voz causou essa sensação de choque ao viajar
pela minha espinha e através dos meus membros, até que picou meus dedos das
mãos, dos pés e orelhas.
— Oi. Oi, Quinn. — Meu peito estava apertado e eu estava com dificuldade
para respirar; mesmo assim, esforcei-me para parecer firme e calma.
Silêncio.
— Como foi sua viagem?
Silêncio.
— É bom ouvir sua voz... — a frase saiu como uma pergunta, como se eu
estivesse jogando Jeopardy e tivesse escolhido minha categoria.
Eu o ouvi suspirar. Quase pude ver seu lindo rosto e a frustração que estragava
suas feições.
Finalmente, ele disse:
— O que está acontecendo?
Peguei no plástico do meu calendário de mesa com a unha do polegar e não
senti nada além de remorso.
Fechei meus olhos.
— Sinto Muito.
Sua voz estava menos irritada.
— Por que você sente muito?
— Eu só... — hesitei e apoiei minha testa na palma da minha mão.
Eu não podia dizer a verdade. Não podia dizer a ele que eu sentia muito por
expor o julgamento induzido pelo vinho e dormir com ele, porque eu não sentia.
Não me arrependi. Eu estava feliz por ter sido embriagada, porque isso me
permitiu fazer algo que era muito, muito imprudente. Fiquei contente que meu
julgamento tenha sido prejudicado.
Eu não poderia dizer a ele que saí, porque eu era um idiota que estava
confundindo sexo fantástico com profundidade de sentimento.
Eu não poderia dizer que estava esperando por um futuro com ele. Não podia
admitir que estava desesperada por isso.
Então eu menti.
— Fiquei pensando sobre o voo com todos e você, e não acho que há um
manual para isso, mas se houver, por favor, me envie, porque eu não queria dizer
algo errado na frente de todos. Quer dizer, nós não conversamos sobre como isso
funciona. Trabalhamos juntos e, você sendo você e eu sendo eu, e eu... eu não
quero arriscar minhas relações de trabalho com a equipe…
Ele me interrompeu quando parei para respirar.
— Janie, Janie... tudo bem. Ok? Entendo.
Parei, hesitei, mordi meu lábio inferior e me perguntei o que ele entendia,
porque eu não tinha certeza se entendia.
— Mesmo?
— Sim. Mesmo. Eu sei que você gosta de rótulos e criou expectativas. Eu
posso fazer isso quando se trata de trabalho. Podemos colocar em prática algum
tipo de acordo que defina expectativas e tal, no trabalho.
— Então você também acha que precisamos disso?
—Sim, se isso fizer você se sentir mais confortável e, definitivamente sim, se
isso impedir você de desaparecer novamente.
Soltei as palavras antes que meu cérebro pudesse para-las.
— Por que você está mesmo interessado em mim?
Fechei meus olhos e franzi o rosto enquanto a minha vergonha e quietude dele
complementavam minha pergunta. Minha autorrecriminação foi rápida: não faça
essa pergunta; ele pode não ter uma resposta.
Ouvi um clique-clique suave e depois silêncio.
Abri os olhos e olhei para o relatório na minha mesa, sem realmente prestar
atenção.
— Quinn? — não houve resposta. Engoli em seco. — Quinn? Você ainda está
aí?
— Isso não é uma conversa que eu quero ter pelo telefone. — A voz de Quinn
veio da minha esquerda.
Minha cabeça disparou para cima. Procurei e encontrei a fonte das palavras.
Quinn estava lá, encostado na moldura da porta do meu escritório, o telefone
ainda na mão. Lentamente coloquei o telefone na mesa enquanto estava de pé.
Meu rosto decidiu dar a ele um sorriso tímido e estúpido. Foi uma resposta
incontrolável à sua presença.
— Oi... — respirei a palavra.
— Oi — seu sorriso foi sem pressa e o calor em seus olhos faziam coisas
estranhas comigo, como querer mordê-lo.
Passou pela porta, fechou e trancou. Colocou uma sacola no chão e o celular
no bolso quando entrou. Ele estava vestindo uma camisa branca e uma gravata
estampada, mas sem paletó. Nós nos olhamos. Eu estava com medo de que ele
pudesse se dissolver, provando ser uma invenção da minha imaginação se eu me
movesse ou falasse. Não queria que ele desaparecesse.
Então, como se fosse a coisa mais natural e esperada do mundo, ele atravessou
a sala até onde eu estava e me beijou. Imediatamente me disse que ele tinha
sentido minha falta e que passou o dia pensando em me beijar.
O beijo também me fez querer mordê-lo.
Depois que ele ficou satisfeito, se endireitou e inclinou a cabeça para o lado;
seus olhos estavam meio fechados enquanto ele estudava meu rosto. Olhei para
ele com outro sorriso tímido, reivindicando minhas características sem nenhuma
decisão consciente do meu cérebro, e me permiti apreciar a visão.
— Você não está usando óculos. — Seu tom era de conversa, mas sua voz era
profunda, rude, quieta e muito íntima. Eu amei.
— Não, eles foram levados.
— Levados?
— Longa história, envolvendo uma tartaruga.
Ele sorriu para mim, seus olhos cheios de alegria masculina.
— Uma tartaruga? Sério?
— Sim. — Respirei ele. Ele cheirava bem. Eu amei.
— O que vai fazer essa noite?
— Vou encontrar meu grupo de tricô, às 19:00h.
— Não sabia que você tricotava. — Ele ergueu as sobrancelhas.
— Não tricoto.
Suas sobrancelhas levantaram ligeiramente mais alto.
— Ah ok. Bem, que tal depois?
Respondi com sinceridade.
— Estava planejando classificar meus quadrinhos com base no nível de
influência feminista da segunda onda.
— Ao contrário da influência feminista da primeira onda?
— Sim. Bem, Susan B. Anthony criou as bases para aqueles que viriam depois
dela. É tudo realmente inter-relacionado, mas ela não teve influência direta sobre
os quadrinhos do final do século XX.
Ele fechou os olhos e balançou a cabeça. Um sorriso relutante tomava sua
boca.
— Por quê? O que você fará essa noite? — perguntei sonhadoramente.
Naquele momento, me senti uma garota tão fraca.
Ele encontrou meu olhar de novo, com uma das suas pálpebras pesadas.
— Esperava te mostrar uma das razões pelas quais estou interessado em você,
porque há muitas. Mas, se você precisa classificar seus quadrinhos, então acho
que eu poderia apenas te mostrar agora. — Suas mãos deslizaram pelos meus
braços até a minha cintura, meus quadris e, em seguida, minha bunda.
Ele não segurou tão firme a ponto de cravar no meu corpo, mas o suficiente
para me pressionar contra ele enquanto acariciava meu traseiro.
O movimento fez minhas entranhas explodirem. Senti uma explosão nuclear
de consciência, tão intensamente, que quase perdi o fôlego.
Eu disse:
— Ah — porque era tudo que eu conseguia dizer.
Ele sorriu e baixou a cabeça. Me beijou logo atrás da minha orelha e depois no
meu pescoço. Eu, claro, inclinei a cabeça para o lado para lhe dar melhor acesso.
E então perdi a consciência — e com a consciência perdida, quero dizer que
Ida acordou e firmou seu domínio —.

É verdade.
Fiz sexo muito intenso no meu escritório, com meu chefe, na minha mesa.
Isso aconteceu.
Já experimentei essas singularidades antes. Esses momentos surreais, onde
alguma combinação da iluminação na sala, a situação, o cheiro, as pessoas com
quem estou e as roupas que estou usando, me fazem sentir como se estivesse em
um filme.
De pé no meu escritório, simultaneamente tentando ajustar minha roupa
íntima e cabelos, enquanto abotoava minha camisa com Quinn em minha visão
periférica, me senti muito como se estivesse em um filme.
Nada no momento parecia muito plausível.
— Preciso vir ao escritório com mais frequência. — Podia ouvir a brincadeira
por trás de suas palavras, mas eu não sorri. Minhas mãos palpitaram para tocar
sua pele nua, e meu coração acelerou no meu peito.
Acabamos de usar um ao outro no meu escritório, literalmente na minha mesa,
e eu já não conseguia parar de pensar em quando eu teria a chance de subir em
cima dele novamente. Não era um sentimento com o qual eu tinha alguma
experiência, e a intensidade era um tanto perturbadora.
— Eu sei onde devemos jantar hoje à noite — disse ele. Sua voz veio de
algum lugar atrás de mim. Imaginei que ele estivesse de pé, perto da janela. —
Mas precisamos mudar de roupas primeiro.
Meus dedos começaram a tremer e, portanto, parei de abotoar minha camisa.
Colocando minhas mãos na cintura, me inclinei contra a minha mesa e abaixei
minha cabeça. Permiti que as espirais de cobre cobrissem meus traços, enquanto
eu tentava absorver o fato de que ontem à noite e alguns minutos atrás, foram
eventos reais em minha vida. Eles foram autorizados a serem minhas memórias.
Em meu cérebro, repeti: “Aconteceu, aconteceu, aconteceu, e está
acontecendo”
E desta vez, não pude culpar o vinho pelo meu julgamento prejudicado.
Eu o ouvi atravessar a sala. Através das mechas dos meus cachos, observei
seus sapatos de couro preto pararem diretamente na minha frente. Ele fez uma
pausa, em seguida, tirou meu cabelo e colocou atrás das minhas orelhas. O gesto
infinitamente gentil, fez com que eu me sentisse querida.
— Ei — disse ele.
Olhei para ele através dos meus cílios e nos encaramos. Sua ternura me
encheu de necessidade aguda de invadir o silêncio.
Limpei a garganta, encontrei seu olhar completamente e queria dizer algo que
aliviasse a crescente discórdia em meu triângulo das Bermudas — cérebro-
coração-vagina —. Finalmente, decidi por elogios e honestidade.
— Apenas para registrar, foi muito agradável.
Seus lábios se curvaram para o lado enquanto seu olhar se movia sobre
minhas feições.
— Existe um registro? Você tem mantido um registro?
Assenti.
— Sim. Eu mantenho um registro de tudo. Os dados são imensamente
valiosos e é por isso que existem políticas de acesso à dados tão rigorosas para
pesquisas médicas.
Notei que seus olhos se fixaram abruptamente aos meus, no meio da minha
declaração.
— Você... você... — ele lambeu os lábios. — Você realmente mantém um
registro escrito de cada vez que você fez sexo?
Fiz uma careta para ele.
— Não seja ridículo. Eu não escrevo. Mantenho um log operando na minha
cabeça; sabe, de coisas que eu gostei e que não gostei; coisas que você gostou ou
pareceu gostar, esse tipo de coisa.
Ele piscou uma vez, lentamente.
— Ah. — Seus olhos estavam cheios de pura diversão, uma expressão
incomum para ele.
Crescendo desconfortável sob seu escrutínio robusto, mergulhei meu queixo,
mais uma vez não querendo encontrar seu olhar diretamente. Talvez fosse cedo
demais para compartilhar minhas tendências bizarras com ele.
No entanto, ocorreu-me abruptamente que talvez fosse exatamente o momento
certo para compartilhar minhas tendências bizarras. Talvez agora fosse
precisamente o momento certo para mandá-lo correr, o que ele inevitavelmente
faria. Antes que eu realmente mudasse e algum processo bioquímico relacionado
à Quinn, provavelmente a metilação, transformasse todos os marcadores
genéticos de garota-fica-louca do meu DNA e eu começasse a persegui-lo
zelosamente, para obter minha próxima correção de Quinn.
— É como tamanhos de sapatos — eu disse, estudando-o de perto.
— Tamanhos de sapato — ele piscou devagar, novamente. — Do que você
está falando?
— Bem, eles fazem muitos tamanhos de sapato. Se os seus pés são maiores do
que o maior tamanho de sapato, então você é considerado com pés incrivelmente
grandes — toquei meu polegar e indicador nos botões da minha camisa,
garantindo que todos estivessem completamente presos e abotoando
rigidamente, principalmente os dois últimos. — Você deve saber que tenho
atributos esquisitos igualmente inevitáveis.
Quinn imediatamente sorriu, mas depois reprimiu. Limpou a garganta.
— Bem, e os palhaços? Eles usam sapatos incrivelmente grandes.
— E?
— Então, sapatos grandes têm o seu lugar.
— Sim, no circo... — cruzei meus braços. — Você sabe, com os esquisitos.
Ele imitou minha postura.
— Você não é uma aberração.
— Você deveria saber isso sobre mim, antes que isso, seja lá o que for, saia de
controle. Eu sou, de fato, uma aberração.
— Defina fora de controle.
Minhas bochechas arderam com a maneira como ele fez o coloquialismo soar
sórdido.
Independentemente disso, endireitei minha coluna e tentei parecer razoável e
lógica.
— Você sabe, antes disso se transformar em outra coisa e você achar que eu
sou de um jeito, quando na verdade sou de outro.
— Janie, você não é a única nesta sala que é bizarra.
— Não, você não é. Você é um falcão e eu sou um avestruz.
Parecendo muito predatório, ele estreitou os olhos.
— Primeiro, você está usando muitas analogias hoje, e segundo...
Interrompi.
— Veja? — apontei para mim mesma com as duas mãos para dar ênfase. —
Anormal!
Ele me ignorou.
— Bem, tenho que admitir que posso ver totalmente as semelhanças entre
você e um avestruz.
Isso me surpreendeu. Pensei que ele tentaria me defender contra meus
próprios insultos.
— Eu... uh... me explica? — foi a minha vez de piscar lentamente.
— Sim. — O lento sorriso sexy gradualmente reivindicou suas características.
— É porque eu sou um pássaro estranho, que enterra a cabeça na areia?
Ele riu enquanto esfregava o queixo levemente.
— Não, é porque você tem pernas longas, olhos grandes e... — Seus olhos se
moveram sobre o meu cabelo. — Muita plumagem.
Sem pensar, peguei os pavorosos montes de cachos e torci o grosso volume,
esperando amenizar o caos, mas sem sucesso.
Ele sorriu para mim.
A força total de seu sorriso pareceu quase dolorosa.
— Então, sobre o jantar...
— Eu... uh... não posso sair com você hoje à noite — eu estava um pouco
surpresa com o quão normal minha voz soava. — Você sabe, vou encontrar meu
grupo de tricô. Eu te disse antes, antes de nós... antes de você... — bufei.
Quinn inclinou a cabeça para o lado e levantou suas grandes mãos para cobrir
meus ombros. Era tão estranho pensar que ele poderia me tocar à vontade e que
queria fazê-lo, que agora estava subitamente ok e esperado, porque o selo havia
sido rompido; a linha havia sido cruzada.
Eu mantinha certas verdades como evidentes — verdades sobre mim mesma,
sobre as pessoas, sobre o mundo e sobre como tudo se encaixava — e elas
estavam mudando.
Tudo estava mudando tão rápido, tudo. A única coisa constante, era a
mudança.
Suas mãos desceram pelos meus braços e ele me puxou em sua direção, longe
da mesa. Permiti que ele me puxasse para seu peito enquanto ele varria a cortina
de cabelo do meu rosto. Ele inclinou meu queixo para cima e me beijou
suavemente na boca.
Ele não me libertou imediatamente. Seus longos dedos estavam agora sob meu
queixo, mas ele afastou a cabeça o suficiente para que sua testa e nariz
estivessem em foco. Os olhos de Quinn olhavam nos meus. Fiquei mais uma vez
impressionada com os quão azuis eram, e perdi um pouco da respiração quando
me esforcei para exalar.
Ele franziu a testa.
— Você ainda quer ir ao seu grupo de tricô hoje à noite?
Balancei a cabeça. Seu olhar percorreu minhas feições, como se estivesse
procurando a veracidade da minha resposta de cabeça.
— Você poderia faltar essa semana e passar algum tempo com o cara que você
está namorando. — Suas mãos se moveram para a minha cintura,
ostensivamente para me manter no lugar.
Engoli e pressionei meus lábios em um sorriso.
— Isso é muito tentador.
Sua boca enganchada para o lado; ele parecia esperançoso, uma expressão que
parecia estranha em todos os aspectos tipicamente reservados.
— Poderíamos pegar um cinema.
Eu queria. Não, eu precisava manter meu compromisso com o grupo de tricô.
De repente, senti que era muito importante que eu estivesse lá.
— É a minha noite de levar o vinho. Se eu não for, elas vão começar a passar
trotes nos idosos e depois me culpar pelas prisões subsequentes.
A verdade é que eu precisava de tempo para descobrir o que era isso. Eu
estava muito ligada a Quinn, mas me preocupei que fosse um pouco prematuro.
Para eu me apegar a alguém, normalmente levava anos. Eu o conhecia há menos
de seis semanas e já sentia mais por ele, e pensava mais nele, do que aconteceu
com Jon.
Pelo amor de Thor, eu estava sentindo falta dele mesmo quando estávamos na
mesma sala juntos. A força dos sentimentos e a natureza virtualmente
consumidora delas, me fizeram querer me esconder debaixo da minha mesa, até
que meu cérebro, meu coração e minha vagina chegassem a um consenso.
Portanto, eu o afastei, embora gentilmente, e insisti em encontrar minhas
amigas. Sua expressão se transformou em uma que era familiar: reservada. Notei
que a mandíbula de Quinn estava acentuada e sua boca se curvou para baixo.
Ele suspirou. Soou dolorido.
— Janie pensei que, depois de... — Quinn lambeu os lábios, soltou minha
cintura e se afastou. Ele cruzou os braços e ficou com os pés afastados, como se
estivesse aterrissando — O que foi? — seu tom estava quebrado.
Eu engoli antes de responder.
— O que foi o quê?
O olhar predatório retornou; o que parecia hostilidade reticulada através de
seu olhar.
— Nós apenas... — sua voz começou a subir e observei enquanto ele engoliu
com dificuldade, olhou para longe, olhou de volta para os meus olhos e suspirou
novamente. — Você quer ir passar um tempo com seu grupo de tricô, hoje à
noite, depois do que acabou de acontecer? Depois do que aconteceu ontem à
noite?
Comecei a segurar meu lábio com meus dentes, meus olhos arregalados de
sentimentos difíceis explicar.
— Sim?
— Sim? — suas sobrancelhas subiram com expectativa. — Isso é uma
pergunta?
— Não?
As sobrancelhas de Quinn se esticaram em um forte V.
— Estamos na mesma página, aqui?
— Não sei o que dizer. — Me abracei, rangendo os dentes.
Nós nos encaramos. O momento era prolongado e rígido, como uma camisa
pesadamente engomada. Seu olhar — cansado, acusador, mas penetrante — fez
eu me sentir uma imbecil. Talvez eu fosse.
Na verdade, sabia que era.
Eu tive a oportunidade de passar a noite com Quinn, que eu realmente gostei
em todos os sentidos, e eu estava recusando isso, porque estava com medo. Sim,
com medo.
Fi, fa, fo, fum, assustada.
Incapaz de segurar seu olhar penetrante, deixei escapar um suspiro lento.
Fechei os olhos e desviei o rosto dele, mas apenas o meu rosto, e balancei a
cabeça.
— Eu não sei o que dizer. — Minha voz soou estranhamente perdida aos meus
próprios ouvidos.
Eu o senti, ao invés de vê-lo se aproximar.
— Se você não está interessada em mim como algo permanente, então você
precisa me dizer agora.
Minha risada curta foi involuntária e imediata, assim como minhas palavras.
— Deus, Quinn, você não tem ideia de quão permanente eu gostaria que fosse.
Eu gostaria que fôssemos bolinho Ana Maria, e baratas, mortes e impostos. Mas
eu…
Suas mãos estavam em mim novamente, na minha cintura, escorregando para
as minhas costas, me pressionando contra o seu peito, me puxando para um
abraço. Automaticamente peguei em sua camisa e me agarrei a ele.
— Então fique comigo essa noite. — Suas palavras foram quentes contra o
meu ouvido, e a saturação anterior de irritação estava, agora, ausente. Ele parecia
quase aliviado.
— Eu só preciso... — minha respiração estava irregular. Viajei em águas
inexploradas e minha confissão não intencional, não acalmou meu desconforto,
mas também não intensificou.
Eu estava no limbo emocional.
Descansei minha cabeça contra seu ombro e o respirei; ele estava tão quente,
como uma fornalha. Eu fechei meus olhos.
Finalmente eu disse a única coisa que fazia sentido, o que foi facilitado pelo
anonimato da escuridão por trás das pálpebras fechadas.
— Eu não sei o que estou fazendo. Estou com medo. Não estou acostumada a
isso.
Eu o senti sorrir contra o meu pescoço onde ele mergulhou a cabeça, e seus
lábios roçaram no meu ombro. Se afastou, lentamente, com óbvia relutância.
Uma de suas mãos grandes acariciou minha bochecha; seus dedos puxaram
meu cabelo e forçaram minha cabeça para trás.
— Olhe para mim.
Respirei fundo, então abri meus olhos.
A maior parte de sua frustração anterior estava ausente e a maneira como ele
olhou para mim, me deixou desconfortável, mas deliciosamente ciente de que
estávamos pressionados da cintura para baixo.
— Vamos sair amanhã à noite, ok? — Ele manteve o polegar no meu rosto,
esfregando-o lentamente sobre a minha bochecha em círculos de indução de
transe.
Eu assenti.
— E você vai passar a noite toda comigo? — o queixo de Quinn caiu em seu
peito, de modo que ele estava olhando para mim através de suas sobrancelhas.
— Nenhuma organização feminista de quadrinhos? Nenhum clube de tricô com
vinho?
— É um grupo de tricô com beber vinho envolvido, mas sim: vou passar a
noite toda com você. — Meu queixo tremeu um pouco, fazendo minha voz
trêmula e não maquiada.
Ele pode ter detectado a fraqueza do meu limbo emocional, porque ele sorriu
para mim de uma forma que aliviou a pressão de sua frustração anterior e
começou a acalmar a convulsão confusa.
— Ok. — Seus dedos saíram do meu cabelo e, vagarosamente, ele deu um
passo para trás, suas mãos enfiando nos bolsos da calça como se precisassem ser
contidas. O sorriso cresceu um pouco melancólico, quando seus olhos se
moveram sobre o meu rosto. — Eu posso esperar.
Capítulo 23
Era a vez de Marie receber a noite de tricô. Quinn insistiu em me levar ao
encontro do grupo, não deixando espaço para discussão. Ele me acompanhou até
a porta do prédio de Marie e me deu um beijo de despedida. Foi um beijo
devastador e quando ele foi embora, senti parte de mim ir com ele.
Desnecessário dizer que foi uma sensação desconcertante.
Também insistiu, antes de partir, que eu prometesse ligar para ele enquanto
organizava meus quadrinhos mais tarde, naquela noite. Ele alegou estar
interessado em aprender tudo sobre como a segunda onda do feminismo
influenciou os quadrinhos do final do século XX.
De alguma forma, achei a afirmação duvidosa.
Elizabeth me encontrou na porta e passei pelo apartamento bem decorado de
Marie sem realmente ver nada, ou perceber alguém. Se eu tivesse sido mais
autoconsciente, poderia ter detectado os olhares que se seguiram à minha entrada
e os olhares inquisitivos trocados.
Minha mente estava envolvida no desejo de viajar e não na preferência por
vagar, porém vagava prazerosamente. Pressionei meus dedos nos lábios e
lembrei da forma com que Quinn me levantou na mesa, como se eu não pesasse
nada. Seus dedos quentes debaixo da minha saia, acima da renda da minha meia
calça e...
— Janie?
Pisquei várias vezes. Saí do meu transe e me concentrei na pessoa que estava
em minha frente, olhando para mim com o que parecia ser uma leve
preocupação.
Era Ashley.
— Sim?
— Sinceramente, garota onde sua mente acabou de ir e você precisa de um
companheiro de viagem? — o sotaque de Ashley, do Tennessee, foi silenciado.
— Você está bem?
— Eu... uh... — continuei a piscar para ela. Olhei ao redor da sala e aos seus
habitantes, como se os vissem pela primeira vez. Todas me observavam com
preocupação e uma nítida curiosidade; o único som que quebrava o silêncio era
Sandra comendo batatas fritas.
— Sinto muito — finalmente consegui dizer. — Você estava falando comigo?
Elizabeth estava sentada no sofá, os olhos arregalados e vigilantes. Deu um
tapinha no assento ao lado dela.
— Perguntei se você queria se sentar, mas você apenas ficou parada.
— Ah! Sim. Sim, claro, adoraria me sentar. — Abaixei a cabeça e me movi
para ocupar o assento ao lado dela, deixando minha bolsa cair do meu ombro
para os meus pés.
— Onde está sua mala? Já deixou no apartamento? — Elizabeth me olhou
com desconfiança, mas seu tom era leve e descontraido.
— Não, ainda não. Fui ao escritório depois que aterrissei.
Marie me entregou um prato com batatas fritas e cebola, e compartilhou um
olhar com Fiona sobre minha cabeça.
— Como foi sua viagem?
— Foi... — corei incontrolavelmente enquanto um sorriso gigante tomava
uma forma hostil no meu rosto. Enfiei meu queixo no meu peito e permiti que
meu cabelo caísse para frente e protegesse minha expressão.
Houve uma ingestão aguda de ar.
— Você não! — Elizabeth exclamou. — Meu Deus!
— Espere. O que? O que aconteceu? — Ashley disse, ouvindo a explosão de
Elizabeth.
Apertei meus olhos quando a sala explodiu em vozes. Elizabeth estava
pulando para cima e para baixo no sofá ao meu lado, espalhando minhas batatas
fritas para todos os lados. Ela estava cantando: “Você fez! Você fez!”
— O que? O que ela fez? — as palavras tranquilas, mas curiosas, de Kat
cortaram o barulho.
— Janie fez sexo selvagem com o Calças-Quentes! — as vibrações de
Elizabeth quase me fizeram cair do sofá.
Abandonei o prato de papel no colo e agarrei as almofadas ao meu lado, o que
provou ser uma coisa muito boa quando, um momento depois, fui abordada por
um abraço de urso.
— Louvado seja o Senhor! — Sandra me apertou com uma das pernas
cruzadas sobre o meu colo. Uma fração de segundo depois, dedos gordurosos de
batata frita estavam nas minhas bochechas, e ela levantou meu rosto para o dela.
Seu sotaque do Texas, foi ainda mais pronunciado do que o habitual. — Quando
Elizabeth nos disse que você estava dando um gelo nele, fiquei com muito medo
de nunca poder viver suas experiências sexuais, indiretamente. — Ela me deu
um beijo repentino, rápido e de boca fechada, em seguida, segurou minha cabeça
em seu peito, como se faz com uma criança. — Se você não subisse naquele
homem como se sobe em uma árvore, eu teria que te mostrar como se faz.
Nesse momento eu estava rindo e, reconhecidamente, bufei.
— O que isso significa? — Marie, também rindo, estava tentando me tirar do
abraço de Sandra. — E dê à pobre garota, espaço para que ela possa nos contar
tudo. Exatamente tudo. — Marie conseguiu puxar Sandra de cima de mim e
começou a juntar as batatas espalhadas. Tentei ajudar.
Elizabeth soltou um gritinho de novo e se mexeu no sofá para ficar de frente
para mim. Ela abraçou um travesseiro contra o peito, os olhos iluminados com
alegria animada.
— Comece do começo! Não deixe nada de fora e nos conte exatamente o que
aconteceu.
— E certifique-se de descrever tudo em polegadas. Eu não consigo fazer a
conversão métrica na minha cabeça. — Ashley acrescentou, se inclinando para
trás e tomando seu vinho.
Coloquei as mãos no rosto e balancei a cabeça.
— Gah! Eu nem sei por onde começar!
— Comece com a parte que tiraram as roupas! — a sugestão de Kat me fez
ficar um tom mais claro de vermelho.
— Vocês não entendem; muita coisa aconteceu — suspirei. Coloquei minhas
mãos na minha saia e segurei na barra. — Descobri que Quinn não é... bem, ele é
meu chefe, e então tem Jon com a minha irmã, e então Kat, e a razão pela qual
eu fui demitida...
— Dê a ela um minuto! — disse Fiona repreendendo o grupo, e então
acrescentou: — Deixe-a reunir seus pensamentos; caso contrário, ela pode deixar
as melhores partes de fora.

Tentei contar o que aconteceu e consegui transmitir os fatos, mas era uma
contadora de histórias totalmente inadequada quando se tratava de contar
detalhes complicados.
A certa altura, Ashley disse:
— Meu Deus, Janie. Como você pode fazer tudo parecer um relatório policial
chato?
— Ah, caramba... — Marie mordeu o lábio. Seus olhos azuis fixaram em mim
com preocupação. — Você está bem, querida? Não acredito que tudo isso
aconteceu em uma semana.
— Obviamente ela está bem — Sandra interrompeu, colocando seu tricô na
mesa e tomando um gole de sua cerveja. — O que eu quero saber, é quem
venceu o jogo de strip poker?
Elizabeth pegou minha mão.
— Não acredito que ele é dono da empresa. Por essa não esperava.
— Eu não acredito que Jon dormiu com sua irmã psicopata — Ashley entrou
na conversa. — Aquela safada é doooooida.
— Quem ganhou o pôquer, Janie? — a voz suave de Fiona chamou minha
atenção, e seus olhos perceptivos se estreitaram de um jeito que me deixou
enervada.
Engoli.
— Foi um empate.
— Hmm... — Fiona pressionou os lábios em uma linha contemplativa. —
Então vocês estão namorando?
Balancei a cabeça como se fosse limpá-la.
— Eu acho que sim.
— E é isso que você quer? — Fiona pressionou.
Balancei a cabeça antes de perceber que minha cabeça já estava se movendo.
— Sim — meu queixo tremeu um pouco. — Sim, mas é assustador, sabe?
— Oh, Janie. — Fiona sorriu para mim, seus olhos de elfos, brilhando. — É
assim que você sabe que é real.

Mandei uma mensagem para Quinn naquela noite, quando saí do tricô:
Não organizarei meus quadrinhos. Em vez disso, planejando desmaiar de
exaustão assim que chegar em casa.
Ele respondeu:
Está bem. Vou cancelar a ligação. Até amanhã depois do trabalho. Só para
você saber, os seguranças irão se certificar de que você chegue bem em casa.
Então, um minuto depois:
Estou com saudade. Você deveria passar a noite aqui amanhã.
E, trinta segundos depois:
Ou você pode vir agora. Eu prometo deixar você dormir.
Pensei nisso.
Pensei nisso; minha cabeça disse que não, mas minha vagina disse que sim e
meu coração disse que não sei! Estou emocionalmente inibida! Me deixe em
paz!
Reconheci os seguranças pela minha visão periférica, ciente de que estavam
me seguindo pelo caminho curto até em casa. Marie morava no nosso bairro há
apenas três quarteirões de distância. Elizabeth teve plantão a noite no hospital e
deixou o grupo um pouco mais cedo. Estava uma noite fria e minhas bochechas
arderam quando o vento de Chicago chicoteava contra o meu rosto, passando
pelo meu cabelo solto e o jogando violentamente ao redor dos meus ombros.
O ar frio parecia sóbrio. Respondi a última mensagem de Quinn:
Se eu for, não vou querer dormir. Vai deitar.
Coloquei meu celular no casaco e subi os degraus do prédio. Quase
imediatamente, senti o telefone tocar no meu bolso. Eu olhei para a tela
enquanto abria a fechadura e me dirigi para as escadas:
Você definitivamente deveria vir agora.
Eu sorri, minha pele aquecendo, minhas bochechas ficando rosa. Ele me fazia
corar, mesmo que por mensagem.
Ganhei altitude distraidamente, tocando a tela do meu telefone e digitando
uma resposta enquanto sorria como uma idiota.
Não. Nós dois precisamos dormir. Vai deitar.
Com segundas intenções, e antes que eu pudesse me conter, acrescentei um
último pedaço porque era verdade e, de repente, eu queria que ele soubesse:
Também estou com saudade.
Abri a porta do meu apartamento enquanto digitava no telefone. Fechei a
porta e tranquei a fechadura. Respirei fundo e me encostei na divisória. Permiti
que minha cabeça batesse contra ela, quando fechei meus olhos e me perguntei
como era possível que eu só estivesse longe de casa por menos de quarenta e
oito horas. Tanta coisa mudou desde a última vez que estive aqui.
— Que diabos há de errado com você?
Endureci. Meus olhos se arregalaram no tamanho de um pires, enquanto eu
procurava pela dona da voz. Mesmo antes de a ver, sabia quem era.
Jem.
Capítulo 24
Ela estava no corredor com o ombro contra a parede, de braços cruzados e seu
queixo estava levantado na maneira orgulhosa e teimosa que costumava
empregar quando se deparava com... bem, qualquer um.
Jem estava vestida com calça jeans escura, botas marrons e uma camisa
branca de mangas compridas — roupas consideravelmente mais decentes do que
ela usava normalmente —, no entanto, pensei, estava frio lá fora e fazia tempo
que não a via. Seu cabelo parecia com o meu: longo, encaracolado e geralmente
indisciplinado. Era até da mesma cor. Mesmo que ela fosse pelo menos dois
números mais magra do que eu, imediatamente entendi como eu poderia ser
confundida com uma sósia dela, especialmente à distância.
Pisquei para ela imaginando, a princípio, se ela era real ou imaginária, e
esperava que fosse a segunda opção. Antes que eu pudesse pensar em falar, a voz
rouca — de Patty Pimentinha — de Jem interrompeu meu debate interno.
— Bem?
Observei-a por um longo momento antes de perguntar:
— Como você entrou no apartamento?
Jem encolheu os ombros.
— Fingi ser você. Disse ao síndico que perdi minhas chaves e ele me deixou
entrar.
— Bem, que ótimo — suspirei pesadamente e entrei no apartamento. Tirei
minha jaqueta de lã marrom, pendurei no cabide e olhei para ela.
— Você não está feliz em ver sua irmãzinha? — ela mudou, seus lábios
pressionando em uma linha de irritação.
Passei por ela na sala de estar, em seguida, fui à cozinha. De repente eu
precisava de uma bebida. Jem me seguiu e parou no balcão, se inclinando sobre
ele. Ela me observou, enquanto eu servia suco de laranja e tequila.
— Tem certeza de que é uma boa ideia?
Ignorei a pergunta e misturei os líquidos com uma colher.
— Você aguenta beber mais agora? A última vez que vi você beber, desmaiou
com cinco doses de vodca.
— Eu não desmaiei. Vomitei no meu inspetor SAT — aquilo não me chateava
mais. Eu só sabia que quando Jem estava por perto, era importante ser o mais
correto e preciso possível.
— Tanto faz.
— Por que você está aqui? — tomei um longo gole da minha bebida.
— Eu disse que vinha te visitar.
Ficamos nos encarando por vários momentos e então perguntei de novo.
— Por que você está aqui?
Ela se endireitou lentamente e cruzou os braços.
— Estou passando por Chicago e preciso de um lugar para ficar por alguns
dias.
Balancei a cabeça.
— Você está em Chicago há semanas. Por que agora?
Seus olhos se estreitaram quase imperceptivelmente enquanto o queixo dela se
erguia.
— O que você sabe sobre isso?
Tomei outro gole do meu suco e o coloquei no balcão.
— Eu sei muito — Quando ela me estudou, notei que seu olhar era duro e
cauteloso, assim como eu me lembrava.
Ela falou devagar, como se escolhesse as palavras com cuidado.
— Quem te disse que eu estou em Chicago há semanas?
— Jon. — Rolei meu copo entre as palmas das minhas mãos para mantê-las
ocupadas, querendo me mover, querendo escapar, querendo dar um soco na cara
dela, querendo comer uma barra de granola.
Sua expressão não mudou; seu olhar nem sequer vacilou.
— Ele é um idiota, sabe.
— Você também é. — Essa barra de granola estava parecendo cada vez
melhor. Coloquei minha bebida no balcão e comecei a assaltar a despensa.
— Sim, mas eu não finjo sobre isso. Ele justifica todas as suas babaquices,
falando que é amor. Me dá um copo.
Olhei por cima do meu ombro e a observei destampar a tequila.
— Agora você vai beber minha tequila?
— Sim.
Dei de ombros e fui para o armário que continha os copos. Passei um para ela
e voltei minha atenção para a Caçada à Granola Vermelha.
— Qual era o plano, Jem? Por que você fez aquilo? — não me importo com o
motivo dela ter dormido com Jon. Em vez disso, não gostei do silêncio e parecia
um tópico razoável para conversa, dadas as circunstâncias.
— Chantagem, é claro.
— Claro. — Encontrei as barras de granola e tirei duas, passei uma para ela e
abri a outra com meus dentes. Sempre lutei com a abertura de itens de serviço
único, como embalagens de M&M’s ou preservativos.
— Ele, claro, fodeu tudo ao te dizer a verdade — Jem derramou uma grande
quantidade de tequila no copo, mas não bebeu.
— Por que a chantagem?
— Eu precisava de dinheiro.
— Por quê?
Jem segurou meu olhar por um longo momento, farejou e então moveu os
olhos sobre o conteúdo da pequena cozinha como se estivesse fazendo um
inventário. Ela tomou um gole da tequila, mas não fez uma careta.
Aproveitei essa oportunidade para estudá-la. Pela primeira vez que eu me
lembre, em muito tempo, Jem parecia evidentemente desconfortável. De repente,
descobri que estava gostando do silêncio. Gostava de bater meus lábios quando
eu tomava um gole da minha Tequila com suco de laranja, e gostei do jeito que a
alta trituração da barra de granola soava ampliada por sua inquietação tensa.
Quando ficou claro que ela não tinha intenção de responder a minha pergunta,
decidi perguntar, com a boca cheia de aveia adoçada e crocante:
— Posso adivinhar? alguns dos pedaços soltos da barra de cereal voaram dos
meus lábios, caíram no chão e em cima do balcão. Foi desagradável e nojento, e
eu adorei.
Jem mudou seu peso de um pé para o outro, girando sua tequila limpa, ainda
não encontrando o meu olhar.
— Certo.
— Ok, eu vou tentar três palpites. — Coloquei minha comida no balcão,
engoli meu suco de laranja e estalei os nós dos dedos. — Tentativa número um:
Você precisa do dinheiro para ir para a faculdade.
Seus olhos se levantaram para os meus. Um pequeno sorriso genuinamente
divertido apareceu no canto de seus lábios.
— Sim, é isso. Entrei no MIT, mas preciso dos duzentos e cinquenta mil para
cobrir os livros do meu primeiro semestre.
Devolvi o sorriso dela. Eu não conseguia lembrar a última vez que sorri para
ela, de maneira sincera ou não. Balancei a cabeça lentamente.
— Não, não. Não é isso. Me deixe tentar de novo. — Limpei a garganta,
franzi os lábios e estreitei os olhos. — Você planeja iniciar uma organização sem
fins lucrativos e precisa do diretor de startup.
Ela assentiu.
— Ok, você me pegou. Eu quero ajudar órfãos a aprender a pescar lagostas.
Se eles não aprenderem sobre pesca de lagosta comigo, eles vão aprender sobre
isso nas ruas.
— Geralmente não é chamado de pesca de lagosta. O principal método para
capturar o lagostim é o arrasto, embora as grandes lagostas Homarus sejam
capturadas quase sempre com armadilhas para lagostas.
— Foda-se a besteira da Wikipedia, Janie.
Meu sorriso aumentou, mas pude sentir a amargura por trás disso; minha boca
tinha gosto de vinagre.
— Ah, mas acho que não é isso também. Ok — coloquei meu dedo indicador
no queixo. Fiquei surpresa por ela estar brincando, digo, brincando comigo, e me
ocorreu que Jem não esperava que eu acertasse. Inalei profundamente. —, deixe-
me pensar…
— Talvez sejam os dois. Talvez eu queira ir para a faculdade para que eu
possa começar uma ONG.
Estalei meus dedos, quase a surpreendendo.
— Entendi!
— Você me pegou. Eu quero adotar todos os dálmatas em Boston e
transformá-los em um casaco de pele — sua voz era, claro, inexpressiva quando
disse isso. Jem levou a tequila aos lábios.
— Não — hesitei e depois respirei fundo novamente. — Você está fugindo de
um skinhead chamado Seamus, que tem tatuagens no pescoço e quer matar você.
Jem ficou perfeitamente imóvel, seus olhos perfurando os meus, seu copo no
ar. Eu permiti passar vários segundos. Notei que ela não parecia mais se divertir.
Minha mão pegou e fechou a embalagem descartada da barra de granola. Eu a
amassei com meus dedos e continuei.
— E precisa do dinheiro para poder se esconder.
Jem tomou outro gole do líquido marrom e abaixou o copo. Sua expressão era
inescrutável. Esta era a Jem que eu conhecia. Eu não conseguia lembrar de uma
época em que ela não olhasse para o mundo — e para mim — com uma
inflexibilidade de granito. Seu peito se expandiu lentamente, como se ela
estivesse respirando calmamente.
— Como você sabe disso? — tão silenciosa; sua voz era tão baixa que quase
não ouvi as palavras.
Tentei espelhar sua máscara impassível, mas sabia que estava falhando. Eu
podia sentir o calor do ressentimento saindo dos meus dedos e olhos. Senti o
calor arrepiante em cada inspiração que tomei.
— Palpite de sorte. — Lambi meus lábios; eles tinham o gosto doce do suco
de laranja.
Nos encaramos em silêncio, por um longo tempo. Eu queria gritar com ela. Eu
queria perguntar se ela já pensou em alguém além de si mesma. Eu queria
perguntar à ela quando e por que ela decidiu ser a louca garota Morris, em vez da
doce, ou sociável, ou educada, ou qualquer outra versão de garota que ela
poderia ter escolhido além de louca.
Ela quebrou o silêncio.
— E preciso do dinheiro.
Suspirei e olhei para o meu copo quase vazio. Meus dedos esfregaram minha
testa.
Eu ia ter uma dor de cabeça.
— Eu sei.
— Não, Janie. Eu realmente preciso do dinheiro.
Meu olhar cintilou com o dela, e fiquei surpresa ao descobrir que o medo
havia substituído alguns, não todos, o pedregulho da inflexibilidade. Suspirei.
— Eu não tenho dinheiro.
— Mas Jon tem.
Eu balancei a cabeça.
— Duvido que ele te dê algum dinheiro.
— Mas vai dar para você. Se pedir, ele lhe dará qualquer coisa.
Mordi meu lábio superior para silenciar o meu desejo abrupto e inesperado de
gritar com ela. O impulso foi tão repentino, que tive que engolir. Minhas mãos
estavam tremendo.
Eu estava com raiva.
Eu não conseguia falar, então balancei a cabeça novamente.
— Porra, Janie! É o mínimo que ele pode fazer depois de te trair.
E então eu ri. No começo, foi uma explosão curta, completamente
involuntária. Então, quando eu encontrei seu olhar, outra risada histérica se
expeliu e eu estava perdida. Eu estava rindo tanto, que meu queixo e as laterais
doíam. Tive que cambalear até o sofá para não cair no chão.
Nada nessa situação era engraçado. Eu tinha certeza que tinha acabado de
desmoronar.
— E daí? Você não vai me perdoar por ter dormido com o babaca do seu
namorado?
Minha boca se abriu. Não achei que fosse possível que o comportamento dela
me surpreendesse nesse momento. Eu estava errada.
No entanto, eu era tão experiente em entorpecer meus sentimentos em torno
da minha família — na presença deles, quando eu pensava sobre eles, quando
me lembrava da minha infância — que minha surpresa foi de curta duração. Era
como olhar para eles e meu passado, através de um microscópio; eles foram um
desafortunado experimento científico.
— Jem — levantei as mãos do meu colo e pressionei as palmas das mãos no
meu peito. — Eu não consigo te perdoar se você não se arrepender.
Seus olhos verdes se estreitaram em fendas.
— Sim, acho que você está certa. — Sua cabeça balançou em um pequeno
movimento, e sua voz estava quieta. — Não sinto muito. Faria de novo. E se
você tivesse outro namorado rico que eu achasse que poderia conseguir dinheiro,
eu também dormiria com ele.
Suas palavras me fizeram recuar. Fechei os olhos para não ter que olhar para
ela. Sua voz rouca estava mais próxima quando ela falou em seguida.
— Não somos tão diferentes, sabe.
Não abri meus olhos com esta declaração ridícula. Em vez disso, me inclinei
ainda mais no sofá e quis que ela se fosse.
Ela continuou.
— Eu não acho que Jon seja o canalha. Ele acha que você é isso; você é a
única. Você não parece se importar que ele tenha te traído, e você não dá a
mínima para ele.
Bufei com isso.
— Um minuto você diz que ele é um idiota por me trair, e no minuto seguinte
você diz que eu sou a vilã por não me importar o suficiente com a traição dele.
Jem, terminei com ele.
— Sim, mas você não parece muito deprimida com isso.
Abri meus olhos, mas estava tão afundada no sofá que meu olhar não estava
mais alto do que a borda da mesa de café.
— Não vai funcionar. Ainda não vou pedir dinheiro ao Jon.
O rosto de Jem era sem surpresas, vazio de emoção.
— Você é como eu, Janie. Você deixou Jon, um cara irritantemente legal com
quem você namorou por anos e que ama você mais do que tudo, e agora você
não sente nada além de alívio. Estou certa? Você está aliviada por não precisar
mais se preocupar em levar em conta os sentimentos dele. Você tem os meios
para salvar sua irmãzinha da morte certa e você não pode sequer fingir
sentimentos suficientes para tentar. Você é incapaz de sentir qualquer
profundidade de emoção, Janie, assim como eu, e assim como a mãe.
Encontrei seu olhar calmamente, embora suas palavras encontrassem o alvo
pretendido com rapidez e precisão. A avaliação simplificada de Jem sobre a
situação de Jon estava muito próxima da minha visão atual da realidade, mas eu
ainda não tinha terminado de classificar todas as razões pelas quais esse
relacionamento terminou. Era verdade. Eu não estava tão ligado a Jon como ele
pode ter estado a mim. Também era verdade que eu estava sentindo
principalmente alívio sobre o fim do relacionamento. No entanto, ele me traiu,
depois tentou mentir sobre isso e depois me demitiu. Essas foram todas as suas
decisões.
Eu sabia que não era inocente, mas não fui a primeira garota na história a ficar
com um cara porque ele era ideal no papel. Pelo amor de Thor! Ele foi meu
primeiro namorado. Estava autorizada a cometer erros.
A outra acusação, de não fingir sentimentos suficientes para salvar Jem, foi a
que me deixou furiosa. Essa fúria me assegurou de que eu era capaz de
profundidade emocional.
Eu a odiava.
Desviei meu olhar do dela e quando falei, falei para o quarto.
— Você pode ficar aqui se quiser. Eu normalmente durmo no sofá, mas você
pode ficar com ele.
Ela ficou quieta por um longo momento e eu sabia que ela estava debatendo se
deveria me pressionar ainda mais. Para minha surpresa, ela não o fez.
— Onde você vai dormir?
Inalei, então soltei uma respiração profunda.
— Elizabeth está no hospital de plantão, então eu vou dormir na cama dela.
— Você ainda é amiga de Elizabeth?
Balancei a cabeça, hesitei e então levantei meus olhos para os dela. Sua
expressão era inalterada, ainda inflexível, mas seus olhos se moviam entre os
meus com um toque de interesse se aproximando. Foi uma demonstração sutil,
embora rara, de sentimentos.
Jem engoliu em seco, lambeu os lábios.
— Isso é bom. Ela parece se importar com você.
— Ela se importa. — Por razões que eu não pude entender imediatamente, as
palavras de Jem fizeram meus olhos arderem, então pisquei.
Jem virou os lábios para o lado e deixou os braços caírem do peito. Com um
pequeno suspiro, ela caminhou até a entrada e pegou uma jaqueta de couro preta.
— Não posso mais usar isso. Pode ficar com ela ou, que seja. Livre-se dela.
Não me importo. — Ela jogou para mim no sofá e eu automaticamente peguei;
cheirava como ela: cigarros, sabão e violência. Lembranças deslizaram por mim
tão repentinamente, que tive que segurar a jaqueta para me equilibrar.
Eu a amei uma vez.
Quando ela era pequena, talvez com três ou quatro anos de idade, eu
costumava levá-la para passear na nossa vizinhança, ou puxá-la em uma carroça
atrás da minha bicicleta. Ela gostava de tudo rápido.
Começou a fumar quando tinha onze anos. Não havia ninguém para lhe dizer
não, embora eu tenha tentado. Ela ria de mim. Crescendo na mesma casa, muitas
vezes senti que ela estava rindo de mim. Aquilo não me irritava. Aquilo me
deixava triste.
O ardor nos meus olhos se intensificou. Então prendi meu lábio superior entre
meus dentes. Não conseguia falar; havia um nó gigante na minha garganta. Eu a
observei quando ela pegou meu casaco de lã marrom da prateleira e o colocou
sobre os ombros.
— Vou levar esse.
Minha boca torceu para o lado e eu me inclinei contra o sofá, sua jaqueta de
couro preta ainda no meu colo.
— Tudo bem — respondi, mesmo sabendo que ela não estava pedindo minha
permissão.
— Vou embora. Eu não sei se... — Jem apertou o botão do meio do meu
casaco, os olhos rígidos, mas intensos. Ela abotoou o casaco.
Quando ela não continuou, limpei minha garganta e encontrei minha voz.
— Aonde você vai?
Jem encolheu os ombros e sacudiu a cabeça; ela enfiou as mãos nos bolsos
forrados de pele do meu casaco.
— Não sei.
Sem pausa, sem uma onda, ou um sorriso, ou um adeus, Jem se virou e saiu.
Minha porta fez um clique, suave e final, quando ela fechou.
Capítulo 25
Dormi mal e tive sonhos estranhos.
Os sonhos eram do tipo problemático em que eu achava que a ação e os
eventos eram genuínos, mas ao acordar e, em retrospecto, percebi que eles eram
obviamente totalmente inacreditável.
O que eu mais me lembrava ao acordar, era de perder os dentes. Os
fragmentos de ossos saíam da minha boca toda vez que eu abria para falar, e
fugiam, embora não tivessem pernas, o que, no sonho, me deixava em pânico.
Não há nada como ver os próprios dentes sem pernas, fugir. Os turistas
continuaram a pisar acidentalmente nos meus dentes. Fui forçada a perseguir
meus molares e caninos pela avenida Michigan enquanto desviava de turistas de
meias pretas usando bermudas, Keds brancos e viseiras de arco-íris. Quando
meu alarme tocou, passei a língua na parte de trás dos dentes para ter certeza de
que todos estavam ainda presentes na minha boca e em segurança.
Quando cheguei ao trabalho e cumprimentei Keira na recepção, os últimos
momentos do meu pesadelo dentário quase se dispersaram. No entanto, persistia
uma sensação de inquietação e um pressentimento completamente irracional.
Meu peito parecia apertado, pesado e desconfortável, como se eu tivesse uma
terrível combinação de bronquite e gastroenterite.
Durante a curta caminhada pelo corredor até a minha sala, em vez de me
debruçar sobre meus sentimentos cada vez mais complexos por Quinn, ou a
discussão desagradável com minha irmã, minha mente vagou. Imaginei e fiz
uma nota mental para verificar o conteúdo das fibras do carpete. Mais
precisamente, o que tornou a atual geração de carpetes resistente a manchas? As
abordagens ecologicamente corretas para a fabricação de tapetes, eram
atualmente a norma? Que país poderia reivindicar o título de líder em
exportações de carpetes de escritório?
Ainda estudando o tapete, abri a porta da minha sala e fui arrancada do meu
foco no chão pela presença de uma companhia inesperada.
Olivia estava dentro da minha sala, em pé, atrás da minha mesa. Suas costas
estavam rígidas e seus olhos estavam arregalados quando encontraram os meus.
Sua mão voou para o peito e ela respirou fundo.
Hesitei, franzi as sobrancelhas e olhei para o nome do lado de fora do
escritório, para confirmar se estava na porta certa. Quando confirmei que estava,
de fato, na minha sala, e que ela também estava, de fato, na minha sala, voltei
meu olhar para ela e esperei por uma explicação.
Um prolongado período de silêncio se esticou enquanto nos encarávamos. Ela
parecia muito bem vestida, como de costume, e, embora eu fosse a única a
encontrá-la inesperadamente em meu escritório com a porta fechada, ela parecia
estar esperando que eu explicasse minha presença.
Esperei dois segundos mais, então levantei minhas sobrancelhas enquanto
meu queixo afundava no meu peito.
— Bem? Posso ajudá-la?
Olivia cruzou os braços e encostou o quadril contra a minha mesa.
Pisquei para ela e me perguntei se eu ainda estava sonhando.
— O que você está fazendo na minha sala?
— Não é sua sala, não pertence a você. É o escritório da empresa — ela
bufou.
Ela realmente bufou.
Era um som ofegante, excessivamente exagerado e combinado com um bufo
exalado.
Cruzei meus braços e imitei sua postura, principalmente para esconder o fato
de que minhas mãos estavam cerradas em punhos.
— Olivia, o que você faz na sala que me foi atribuída pela empresa, onde
estão todos os meus documentos e relatórios confidenciais, com a porta fechada?
Ela levantou uma sobrancelha única e impressionantemente bem feita.
— Estou procurando o esquema atualizado do espaço de Las Vegas.
Balancei a cabeça.
— Ainda não nos foi enviado pelo grupo de Las Vegas; eles disseram que
enviariam por email na sexta-feira.
— Oh. Bem, então, apenas envie para mim quando você receber. Ninguém
pode seguir em frente com os novos planos até que você os envie para o grupo.
— O tom e os modos de Olivia eram tão petulantes, que quase senti que era
minha culpa que o cliente ainda não tivesse enviado o esquema.
Apertei meu queixo.
— Assim que recebê-lo do cliente, vou distribuí-lo ao grupo.
Olivia me lançou um não-sorriso de lábios apertados e passou por mim em
direção ao corredor, sem qualquer observação adicional.
Mas. Que. Merda.?
Com alguma relutância enraizada no lugar, incerta se eu queria levar a questão
pelo corredor, ou apenas simplesmente lamentar, a observei recuar enquanto
saía; seus passos se apressaram, seu ritmo quase correndo, frenético. Então, me
sacudindo, virei os olhos para o escritório e soltei um suspiro gigantesco; minha
inquietação anterior fora substituída, ou, mais precisamente, substituída por uma
imensa irritação.
Me aproximei da mesa e olhei para o conteúdo; todos os papéis e pastas
estavam empilhados, exatamente como os deixei ontem. Verifiquei as gavetas e
descobri que elas ainda estavam trancadas. Meu computador também estava
bloqueado. Se ela estivesse procurando por algo em particular, não pude ver
nenhum sinal externo de que algo havia sido remexido ou desorganizado.
O aperto no meu peito se contraiu e agora estava vacilando entre
aborrecimento e ansiedade. Caí na minha cadeira. Tentei clarear minha mente
olhando pela janela e, por alguns momentos, me deixei flutuar sobre nuvens
brancas e fofas visíveis à distância.
Pela primeira vez recentemente, me esforcei para sentar e ficar quieta e não
pensar em nada. Olhei para o céu até meus olhos ficarem secos.
Em algum momento indeterminado, após o ocorrido, o som de risada e
conversa normal no escritório me tiraram do meu transe. Pisquei, esfreguei as
pálpebras fechadas e opitei por uma tentativa honrosa de fazer meu trabalho. Eu
não pensava em carpete, nem em Quinn, nem em Jem, ou em Olivia. Em vez
disso, me agarrei ao entorpecimento impessoal da minha lista de tarefas.
Assim, ignorando a pilha de memorandos e relatórios impressos em minha
mesa, perdi-me em planilhas e tabelas dinâmicas, e em requisitos, documentos e
fluxos de trabalho de software de faturamento. A tensão em torno dos meus
pulmões diminuía a cada hora que passava com uma imersão mais profunda nos
números e nos gráficos das raias de natação Visio.
O som da porta do meu escritório, abruptamente trouxe minha atenção de
volta ao presente e ao homem que acabara de entrar.
Pisquei. Fiquei boquiaberta. Fiquei de pé.
Calor fervendo deslizou do meu estômago para as pontas dos meus ouvidos,
inexplicavelmente relaxando qualquer aperto restante no meu peito como uma
pomada, enquanto registrei que Quinn estava em pé na frente da porta fechada.
Ele estava sorrindo daquele jeito estranho e calmo, não com uma curva
perceptível de sua boca, mas sim com um brilho sutil nos olhos e uma elevação
do queixo.
Meu sorriso, muito óbvio para sua presença, ajudava tanto quanto eu
conseguia pegar os dentes errantes no meu sonho. Eu adorava que ele estivesse
vestindo jeans azul desbotado e uma camisa preta, de mangas compridas. Ele
não tinha se barbeado desde a última vez que o vi.
— Oi.
— Olá — respondi automaticamente; planilhas e tabelas dinâmicas
imediatamente esquecidas.
Ele cruzou em minha direção e me deu um beijo rápido e suave, antes que eu
pudesse discernir ou apreciar adequadamente sua intenção. Imediatamente ele se
endireitou e segurou um saco de papel entre nós. Era amarelo e manchado de
graxa, escrito em preto Al’s Beef.
— Trouxe carne italiana e batatas fritas.
Tirei minha atenção do saco e encontrei seu olhar azul, estreito. Mais uma vez,
um sincero sorriso automático abriu ainda mais minhas feições para ele.
— Você me trouxe Al’s Beef no café da manhã?
Seus lábios subiram do lado, seus olhos se movendo entre os meus e ele virou
a cabeça ligeiramente.
— Não, eu te trouxe o almoço. São quase 15:00h.
Minha boca abriu e olhei para o relógio no meu pulso. Era, de fato, quase
15:00h.
— Ah meu Deus.
Quinn colocou o saco de comida na mesa e começou a distribuir seu
conteúdo: sanduíche e batatas fritas para mim; sanduíche e batatas fritas para ele.
Até tirou duas cestas verdes de comida, aparentemente para que pudéssemos
desfrutar de uma autêntica experiência Al’s Beef no conforto do meu escritório.
— Sente-se. — Ele fez um gesto para a minha cadeira enquanto ocupava a
cadeira do outro lado da minha mesa. Obedeci, mas não desembrulhei minha
comida imediatamente. Em vez disso, optei por observá-lo, até que meu
estômago roncou exigindo minha atenção. Presumivelmente só agora percebi
que eu não tinha comido o dia todo. O cheiro de batatas fritas e carne assada fez
minha boca encher de água.
Imitando seus movimentos, joguei minhas batatas fritas na cesta e tirei o papel
da carne italiana, revelando um sanduíche deliciosamente encharcado. Ele já
estava comendo. O sanduíche desaparecia um quarto a cada mordida. Ele parecia
tão à vontade, como se sua aparição no escritório e me trazer o almoço fosse
uma ocorrência cotidiana. Como se fosse de se esperar.
Fechando a porta para a privacidade, dando um beijo rápido, trazendo o
almoço para comermos juntos, ... pessoas que namoravam faziam essas coisas.
Eu sabia disso. Eu costumava namorar com alguém. Mas com Quinn, tudo
parecia significativo de uma forma que nunca foi com Jon.
Peguei meu sanduíche e o levei à boca, mas não dei uma mordida.
Eu estava muito ocupada reparando nele, que não me lembro de me preocupar
em notar mais alguém. Eu estava ciente dos movimentos de Quinn, da colocação
de suas mãos no sanduíche, seu humor desprendido e despreocupado, como ele
estava vestido e a quantidade de pele que ele havia deixado exposta, assim como
o comprimento de seu cabelo. O número de detalhes parecia esmagador, mas eu
era ávida por detalhes, gananciosa em saber e memorizar tudo sobre ele.
Me sentia como uma chaleira pronta para ferver; a qualquer minuto eu ia
vaporizar todos os detalhes e começar a apitar.
Deixei escapar:
— Não tenho certeza de como fazer isso. — Abandonei o sanduíche
abruptamente na cesta e me inclinei para trás na minha cadeira.
Quinn esperou até terminar de mastigar para responder; moveu seu olhar de
mim para o sanduíche.
— Fazer o que?
— Ser a garota com quem você está namorando.
Sua boca se curvou para cima em um traço de sorriso.
— Você quer um manual para isso também? Porque eu gostaria de me
envolver nos esboços dos diagramas, se você quiser.
Pressionei meus lábios e o atingi com uma única batata frita. Ele riu,
obviamente incapaz de se conter, e meu rosto ardeu.
— Você sabe o que eu quero dizer. — Não olhei para ele. Em vez disso, olhei
para minha cesta de carne bovina italiana e batatas fritas temperadas.
Ele parou de rir, mas não de uma só vez; ele permitiu que se reduzisse
gradualmente. Eu o olhei através dos meus cílios. Um enorme sorriso ainda se
afirmava sobre suas feições e ele me olhava com uma expressão soturna e
despreocupada.
Ele parecia feliz.
Meu coração tremeu; sim, tremeu incontrolavelmente. A tremedeira se
transformou em uma monção agitada enquanto eu observava seu sorriso
desaparecer de largo para leve, e seu olhar escurecer, intensificar e queimar.
— Você é tão linda. — Foi dito em um suspiro, como se ele tivesse dito e
pensado o sentimento ao mesmo tempo, e não tivesse percebido que as palavras
foram ditas em voz alta.
Senti profundamente o elogio, mas de uma forma um pouco assustadora e
emocionante. Levantei minha cabeça e pisquei para ele, minha boca ligeiramente
aberta. Seus olhos percorreram meus lábios, cabelos, pescoço e depois
abaixaram. Notei que ele estava segurando o guardanapo como se alguém
estivesse disposto a roubá-lo.
Ele também parecia ser ganancioso por detalhes.
Enfiei meu cabelo atrás das orelhas e esfreguei meu pescoço. Em todos os
lugares em que seus olhos passavam, eu formigava.
Limpei minha garganta.
— Você também.
Ele encontrou meu olhar e me estudou. Seu sorriso ainda era leve.
— É diferente com você, não é só sua aparência.
Em uma reviravolta surpreendente de eventos, o comentário sobre a minha
beleza interior me fez contorcer em um grau muito maior do que o elogio
destinado a minhas características físicas. Eu não tinha tanta certeza de que Janie
interior fosse uma pessoa bonita. As palavras de Jem da noite passada sobre o
aparente desinteresse insensível com que eu considerava o fim de meu
relacionamento com Jon, e minha relutância em ajudar minha irmã em seu
momento de necessidade, me fez duvidar se eu era outra coisa senão uma réplica
egoísta e insípida de minha mãe.
— Você está admitindo que sua beleza é apenas superficial? — inclinei minha
cabeça para o lado, querendo provocá-lo, em vez de me concentrar em quão alto,
em uma escala de um a dez, eu ficaria no medidor de interesse.
Quinn respirou pelo nariz, as sobrancelhas erguidas e sua atenção mudou para
suas mãos. Ele afrouxou o aperto no guardanapo e começou a girá-lo entre o
polegar e o indicador.
Ele não respondeu. Tomei seu silêncio como confirmação.
— Acho que você está errado.
Ele continuou a torcer o guardanapo, mudo, até que se parecesse com um
pequeno pedaço de corda.
Eu o observei por um longo período. Ainda havia muito que eu não sabia
sobre Quinn e, portanto, eu deliberava sobre a possibilidade dele estar certo. Ele
poderia ser uma concha virtualmente vazia de uma pessoa com uma fachada
impressionante, um intelecto impressionante e uma inteligência brilhante.
Fiz uma careta, porque a perspectiva parecia discordar com a realidade.
— Não, você é um cara legal — inclinei a cabeça para o lado e permiti que
meu olhar se movesse sobre os lábios, cabelos, pescoço, depois abaixasse até
onde seu coração estava batendo. — Vemos as forças e falhas nos outros, que
não reconhecemos ou não conseguimos reconhecer em nós mesmos.
— Janie. — Seu pequeno sorriso, quase uma careta, me pareceu frágil quando
nossos olhos finalmente se encontraram.
— Você está tentando me espantar?
Ele acenou com a cabeça, mas com um suspiro, respondeu:
— Não.
— Você tem algum plano nefasto no momento? Você está me dando carne
bovina italiana como parte de um plano maligno? — fiz um sinal entre nós e
perguntei: — Isso é uma mentira elaborada? Você está planejando me atrair para
uma falsa sensação de segurança, fazer o que quizer comigo, me acender e
depois me descarta como um fósforo, ou uma árvore de Natal?
Seu rosto estava sério.
— Não.
— Então por que você acredita que lhe falta beleza interior?
— Porque só faço coisas por razões egoístas.
— Como namorar comigo?
— Namorar você é completamente egoísta.
O comentário me deixou muda, mas me recuperei.
— Se... se você estivesse sendo egoísta, então você ainda seria um Wendell e
eu seria uma estepe.
Ele balançou sua cabeça.
— Se você fosse uma estepe, então não seríamos exclusivos e você poderia
estar com outras pessoas.
— E isso faz de você egoísta?
— Isso me torna egoísta. — Seus olhos me perfuraram e sua voz era baixa e
áspera.
Aproveitei a oportunidade para morder uma batata frita, agora fria, e ponderar
suas palavras.
— Vou dizer uma coisa — Quinn manteve os olhos em mim, sua expressão
ficando mais severa, como se estivesse pairando no precipício de uma confissão
significativa. — Você me faz querer ser menos idiota.
Meus olhos piscaram para ele.
— Mesmo? Uau — engoli em seco.
Foi uma espécie de confissão, mas foi o tipo de confissão que encorajou o
meu sarcasmo em vez da minha apreciação. A afirmação me pareceu o resumo
da autodepreciação descomprometida, pseudossutil. Fiquei espantada com seu
torpor definitivo.
— Isso é tão poético. Deveria escrever cartões: Querido papai, obrigado por
me ajudar a não ser tão idiota quanto você. Eu ainda sou um idiota, apenas não
um grande idiota como você.
Quinn riu novamente, mas desta vez com total abandono; era uma risada
profunda e estrondosa que, sendo que eu estava ao alcance da voz no raio da
explosão, era extremamente contagiante, e senti isso como um toque ao invés de
um som. Ele segurou a mão sobre o peito e minha atenção vagou no local.
Mesmo enquanto ria, senti uma reviravolta de desconforto emanando de uma
localização espelhada no meu próprio peito.
Sofri. Queria estar perto dele. Queria saber tudo a seu respeito.
A repentina dor me pegou de surpresa e fechei meus olhos contra ela,
expirando lentamente, me recompondo para não ceder ao meu desejo de subir na
mesa e pular para onde ele estava sentado com o sanduíche de carne italiana em
seu colo e guardanapo na mão.
— Janie — ele chamou. Meus olhos permaneceram fechados, mas dei a ele
um leve e evasivo sorriso de boca fechada. — O que você está pensando?
Engoli, mas não respondi. Meu coração estava acelerado. Eu queria dizer a ele
que estava pensando sobre o conteúdo de fibra no carpete resistente a manchas,
mas isso teria sido mentira. Mesmo que eu quisesse, e eu queria, não conseguia
me distrair da realidade de estar com ele, e de todo o terror, e da fome,
irresistíveis que o acompanhavam.
— Por que você está com tanto medo?
— Porque eu não estou pensando sobre o conteúdo de fibra nos carpetes
resistentes a manchas. — Meus olhos permaneceram teimosamente fechados.
— O que isso significa?
— Isso significa... — levantei minhas pálpebras e o encontrei me examinando
com simples curiosidade. Engoli bastante coisa na minha garganta, sabendo que
eu precisava dizer a verdade. — Significa que meu cérebro acha você mais
interessante do que todos os fatos triviais realmente interessantes que eu pudesse
pensar ou pesquisar no momento.
Seu sorriso de resposta foi vagaroso e medido.
— Eu acho que é a coisa mais legal que alguém já me disse.
Devolvi o sorriso dele embora eu me sentisse sóbria de repente; meus olhos
estavam inexplicavelmente cheios de água.
— Quinn... — fiz uma respiração profunda e firme. — Quinn, você precisa ser
um cara legal. Eu preciso que você seja um cara legal.
Ele assentiu com a cabeça, sua expressão reagindo e ecoando a minha súbita
seriedade.
— Eu sei. Eu quero ser — Quinn molhou os lábios enquanto seus olhos se
moviam para a minha boca. — Eu serei por você.
Capítulo 26
Saímos do trabalho juntos, pouco depois das 16h.
Quinn estendeu a mão e pegou a minha. Ele me deu um sorriso e gentilmente
o manteve enquanto caminhávamos pelo corredor, passando por Keira e
entrando no elevador, à vista do balcão de segurança e de quem estava lá, em
seguida direto para o saguão. Enquanto caminhávamos, dedos juntos, Quinn
acariciou as rugas dos meus dedos com a ponta do polegar e falou sobre o
dilema com o cliente corporativo de Las Vegas.
No começo eu estava bastante preocupada com a nossa demonstração pública
de afeto e conseguia apenas dar respostas monossilábicas. No entanto, uma vez
que nos instalamos em uma grande limusine preta, tentei me concentrar em suas
palavras, em vez dos olhares previsivelmente espantados de meus colegas de
trabalho.
Nos sentamos juntos no banco. Ele levantou minhas pernas de modo que elas
cruzassem as suas, e brincou distraidamente com o meu colarinho, seus olhos
nos botões da minha camisa social.
Eu observava seus lábios enquanto ele falava. Tentei encontrar o meu lugar na
conversa, mas a maneira como ele olhava para mim, a proximidade dele, a
sensação de suas mãos — uma na minha coxa e uma roçando no meu pescoço —
me fez sentir confusa e sem foco.
— Janie?
Pisquei Vi sua boca formar o meu nome antes de ouvir a palavra. Meus olhos
se arregalaram e depois encontraram os dele.
— Desculpa, o que?
— Você... você ouviu o que eu disse?
— Não — respondi com sinceridade, minha atenção se movendo para sua
boca novamente, o que, no momento, era uma atração importante.
Quinn apertou minha perna.
— Estou te entediando?
— Não. — Suspirei. Permiti que minha cabeça descansasse contra seu braço
atrás de mim, ainda focada na metade inferior de seu rosto. — Eu estava apenas
pensando em sua boca.
Ele lambeu os lábios e, para minha surpresa, seu pescoço e suas bochechas
estavam ligeiramente quentes.
— O que você estava pensando sobre minha boca?
— Eu gosto dela.
— O que você gosta nela?
Sem hesitar, respondi:
— Tudo. A forma, o tamanho dos seus lábios, o seu tubérculo, a curva do seu
filtro labial... você sabia que na medicina tradicional chinesa, a forma e a cor do
filtro labial, também chamada de fenda medial, devem ter uma correlação direta
com a saúde do sistema reprodutivo de uma pessoa?
Notei que seus olhos piscaram para o espaço entre meu nariz e a boca,
aparentemente sem o seu consentimento evidente, e depois voltaram
rapidamente para os meus olhos.
— Tipo isso.
Assenti.
— Há muitos estudos fascinantes e incomuns, que ligam a forma da boca de
uma pessoa a outras partes da anatomia humana e suas habilidades ou
tendências.
Notei que sua respiração havia mudado. Ele engoliu em seco.
— Como o quê?
Tracei meu dedo sobre o topo de seu lábio, apreciando o fato de que eu estava
realmente usando meu conhecimento de fatos aleatórios como uma espécie de
preliminares acadêmicas e inteligentes, e que Quinn parecia gostar e responder a
isso.
— Como o arco do cupido, a curva dupla do lábio superior. Um estudo na
Escócia concluiu que as mulheres com arco de cupido proeminente, têm mais
probabilidade de ter orgasmo durante o sexo.
A atenção de Quinn mais uma vez fixou nos meus lábios e, então,
prontamente gemeu.
— Você não deveria dizer coisas assim quando não posso fazer nada a
respeito.
Gostei do som torturado que ele fez e mais uma vez encontrou seu olhar, que
tinha escurecido consideravelmente.
Tentei manter meu rosto reto.
— Depois, há a distinção entre a musculatura extrínseca e intrínseca da língua.
— Você precisa parar de falar. — Quinn agarrou um punhado do meu cabelo e
puxou minha cabeça para trás, reivindicando minha boca com a dele e acabando
com a minha bolha involuntária de riso.
Quando ele levantou a boca, sussurrei:
— A maior parte do suprimento de sangue da língua, vem da artéria lingual.
Ele me beijou de novo, e de novo.
Se eu estivesse ouvindo a nossa conversa desleixada como observadora em
vez de participante, poderia ter revirado os olhos em demonstração de iritação.
Evidentemente, era improvável que citações de pesquisas médicas revisadas por
grupos e estudos correlatos de anatomia humana, pudessem fazer com que uma,
quanto mais duas pessoas, ficasse irritada e incomodada. Mas lá estávamos nós,
nos agarrando com crescente urgência, enquanto eu contava teorias ligando a
quantidade de pelos nos lóbulos das orelhas a estímulo genital.
No momento em que a limusine parou, estávamos meio vestidos e os botões
da minha camisa estavam espalhados por todo o chão. Naturalmente Quinn
rasgou a camisa com um grunhido, quando mencionei as glândulas mamárias.
Freneticamente me afastei e agarrei as bordas inúteis da minha camisa.
— Ah, droga!
Quinn ainda estava um pouco perdido em uma névoa de luxúria, e moveu a
mão ainda mais na parte interna da minha coxa, sua boca procurando a minha
novamente. Eu o afastei apesar do fato de todos os lugares em que ele me tocou,
protestarem em uma deliciosa agonia. Sem sentido, tentei alisar meu cabelo,
quando minha camisa se abriu novamente.
— O que vou fazer?
Quinn finalmente se afastou de mim e puxou um suéter sobre o peito nu, sem
nenhum traço de pressa. Ele ergueu uma sobrancelha enquanto ajustava as calças
e fechava o zipper. O som fez minhas costas endurecerem e percebi o quão
próximo nós estávamos de copular na parte de trás de um carro.
— Eu acho que você fica bem assim.
Olhei para ele por dois segundos, antes de bater com fúria em seu ombro bem
musculoso.
— Minha camisa está rasgada e... — freneticamente girei no banco e talvez
tenha gritado. — Onde está minha calcinha?
Não havia diversão em sua voz quando respondeu:
— Em um lugar seguro.
Meus olhos se arregalaram ainda mais e eu sabia que minha boca estava
aberta, estupefata. Eu estava prestes a perder a cabeça.
— Devolva.
— Você não precisa dela.
— Me devolva agora.
— Você deveria tentar coisas novas.
— Não vou sair da limusine sem calcinha!
A porta do passageiro no lado de Quinn se abriu e puxei a saia que eu estava
usando até o meio da panturrilha. Não senti falta do seu sorriso sombrio quando
ficou claro que, provavelmente, eu não iria levantar a questão da calcinha, ainda
mais até que ficassemos sozinhos. Até lá, provavelmente não importaria.
Quinn pegou sua jaqueta de couro e colocou em volta dos meus ombros,
fechando a frente até o meu pescoço. Nadei na grandeza dela, mas pelo menos
eu não estaria andando por aí com a minha camisa aberta. Ele saiu da limusine,
depois estendeu a mão para mim da ponta do banco. Me movi e permaneci o
mais recatada possível. Quando ele limpou a garganta, eu encontrei seu olhar e
ele piscou para mim, disfarçada mas sugestivamente, lambendo os lábios.
Segui para onde ele me levou.

Algum tempo depois, perto da meia-noite, Quinn devolveria minha calcinha


se eu prometesse que usaria apenas roupas íntimas até o amanhecer. A única
outra opção era ficar como vim ao mundo, quando ele confiscou todas as minhas
outras roupas e as escondeu em algum lugar dentro da enorme cobertura, que ele
chamava de lar.
Claro, ele morava na cobertura.
Era o mesmo prédio onde o chefe havia comprado cinco andares para a equipe
da Cypher Systems. Primeiro, quando chegamos, achei que estávamos indo para
o apartamento que ele havia me mostrado antes. Minha imaginação se encheu de
imagens de nós juntos na banheira gigante.
A banheira de Quinn, como se viu, era muito superior, assim como a vista e a
cozinha, e os quartos eram mais espaçosos.
O apartamento estava quase tão escassamente decorado quanto o apartamento
sem mobília e inacabado no térreo, que visitamos semanas atrás. Não havia sofá
nem cadeiras na sala de estar, nem mesa na sala de jantar, e apenas uma cômoda
e uma cama no quarto. O box e o colchão estavam no chão; não havia nenhum
estrado. Não havia fotos também.
Eu estava enrolada com um lençol e, me afastando dele, olhei para minha
calcinha. Era branca de algodão e, como eu pensei, não era nada sexy. A maioria
das minhas roupas intima foram escolhidas por conforto, custo e praticidade.
Olhei para ele enquanto eu pegava a calcinha da vovó, mantendo o lençol no
lugar para preservar minha modéstia sem sentido.
— Por que você sequestrou minha calcinha?
Quinn estava deitado de costas, sua longa forma esticada na cama
desarrumada, as mãos atrás da cabeça, me observando.
Ele estava completamente nu. Nenhuma folha de Adão para ele. Não. Sem
modéstia para Quinn. Ele parecia estar completamente, sem pensar, à vontade
em sua própria pele. Eu invejei sua habilidade desinibida apenas de estar nu.
Também gostei daquilo.
— Odeio ela. — Seu olhar varreu, de onde o lençol cobria meu traseiro, para o
meu ombro nu, em seguida, de volta para minhas coxas escondidas. A maneira
como ele examinou meu corpo, me fez tremer.
Bati o elástico na minha cintura, sob o lençol.
— É porque não tem renda?
Ele balançou a cabeça, preguiçosamente.
— Não. Não me importo com a aparência dela. Eu odeio todas as suas roupas
de baixo.
Fiz uma careta.
— Então você é uma pessoa que odeia roupa intima sem distinção?
— Roupa intima serve um propósito perigoso.
— Não quero saber.
Ele se sentou, balançou as pernas sobre a borda da cama e estendeu a mão
para mim, afastando as bordas do lençol e colocando um dedo na faixa das
calcinhas muito discutidas. Ele me colocou em seu colo, me encorajou a ajoelhar
por cima dele, e então tirou o lençol de debaixo dos meus braços. Ele manteve os
olhos nos meus enquanto extraía o material, amassava e jogava para longe de
nós. Eu estremeci. Ele passou os braços em volta de mim, de modo que se
cruzaram nas minhas costas, e suas mãos aqueceram a pele da lateral do meu
corpo e estômago e me puxou contra a ele.
— Você vai ficar comigo esta noite. Sem escapatória.
Abri minhas palmas sobre seus bíceps nus.
— Você não me deu muita escolha; até pegou minha folha de Eva. Não posso
ir para casa vestida apenas essa calçola. Vai fazer frio esta noite.
Ele acariciou meu pescoço e me apertou ainda mais, pressionando nosso
peitoral. Embora eu estivesse completamente bagunçada e aplacada em nossa
noite de maratona de amor, meu coração pulou com o contato.
— Deve fazer frio amanhã também. Por que você deixou o seu casaco no
trabalho? — ele perguntou com a boca contra a minha pele, beijando um
caminho através da minha clavícula, em seguida, mordendo meu ombro.
Eu estava realmente desfrutando de contato físico a ponto de desejá-lo, mas
não me permiti imaginar essa transformação inexplicável. Minha resposta falada
foi um suspiro automático, impensado e ofegante.
— Não deixei. Jem o pegou.
Quinn imediatamente endureceu e seus movimentos pararam. Abruptamente
suas mãos se moveram até meus antebraços e ele se afastou enquanto me
mantinha no lugar.
— Você viu Jem?
Encontrei seu olhar atônito, e minha boca se esforçou para fazer som. Eu
guinchei uma ou duas vezes antes de conseguir responder:
— Sim.
Seus olhos endureceram e queimaram, e fixaram em mim de maneira
acusadora.
— Quando? Onde?
— Eu-eu-eu a vi ontem à noite. Ela estava no meu… ela estava esperando por
mim no meu apartamento.
— Droga — Quinn cerrou os dentes, sua mandíbula acentuou e me puxou
abruptamente contra ele em um abraço feroz. — Droga, Janie. Você deveria ter
me ligado.
— Ela não ficou muito tempo. — Eu o segurei com força, embora não
precisamente compreendendo a ferocidade de sua reação.
Nos abraçamos por um longo momento. Meu encontro com Jem estava
pesando sobre mim, como um lutador de sumô agachado, por toda a noite
anterior e pela manhã; mas eu não pensava nela desde que Quinn apareceu na
minha sala com sua oferta de almoço gorduroso.
Movi minha mão em um círculo lento sobre suas costas nuas, um movimento
que esperava acalmar sua inesperada mudança de humor. Beijei sua têmpora e
sussurrei:
— Não entendo porque você está tão chateado.
— Porque Jem é perigosa. — Senti seu peito se expandir. Ele respirou fundo,
como se tivesse ganância por ar. — Não quero ela de jeito algum perto de você.
Me inclinei para trás e o forcei a encontrar o meu olhar.
— Ela nunca me machucaria.
Seus olhos apenas se estreitaram.
— Você está errada. Ela faria. — Sua voz era como aço. — Eu realmente acho
que você deveria se mudar para esse prédio.
Pressionei meus lábios, mas não respondi.
Suas mãos se moveram para o meu rosto, palmas gigantes cobrindo minhas
bochechas, os dedos longos empurrando meu cabelo atrás das orelhas e nas
minhas têmporas.
— Por favor. Você não precisa ficar aqui para sempre. Por favor, mostre à
Elizabeth o apartamento e pense a respeito. Pense em ficar aqui até que esse
negócio da Jem seja resolvido.
— Quinn, eu... — minhas mãos subiram seus bíceps e encostaram levemente
em seus antebraços. — Você é meu chefe. Você também é o cara que eu estou
namorando, e agora você quer ser meu senhorio?
Ele estremeceu e rangeu os dentes.
— Não é bem assim.
— Apenas uma dessas coisas - relacionamentos - podem complicar,
complicam as interações entre duas pessoas. Você não pode ser tudo para mim.
Tenho que me virar sozinha.
Ele me estudou, seu olhar se tornando de falcão.
— Você poderia vir morar comigo.
Eu sorri mesmo que meu coração estivesse pesado.
— Estamos namorando há menos de um mês e, além disso, não posso pagar
nem um décimo do aluguel dessa cobertura.
— Este lugar é meu. Não há aluguel.
— Quinn...
Ele me cortou com um beijo e nos virou em um movimento fluido, para que
eu ficasse deitada debaixo dele na cama.
— Só não diga não. — Ele me beijou novamente. — Ainda não. — Ele beijou
meu pescoço, e suas palavras e respiração estavam quentes e urgentes. — Vou te
dar a chave e o código para o prédio. Me prometa que você mostrará o
apartamento a Elizabeth. — Ele mordiscou minha orelha e sussurrou: — E
prometa que vai pensar em morar comigo.
Balancei a cabeça, mas não com intenção. Eu queria acalmá-lo para que
pudéssemos chegar às coisas boas.
Ele se afastou e seus olhos me examinaram.
— Promete.
Balancei a cabeça novamente e levantei minha mão para despentear seu
cabelo.
— Prometo.

Em algum momento nas últimas quarenta e oito horas, Quinn trouxe minha
mala da viagem de Vegas para seu apartamento. Portanto, felizmente pude vestir
roupas novas, com botões, antes de ir para o trabalho.
Aprendi um pouco mais sobre Quinn como consequência de passar a noite em
sua casa; ele realmente não dorme, se exercita toda manhã, come doces no café
da manhã.
Quinn levantou às cinco, e voltou de uma longa corrida às seis e meia.
Depois do banho, ele me acordou da maneira mais agradável que se possa
imaginar.
Sim. Dessa maneira.
Eu estava no balcão da cozinha, tomando um delicioso café com leite de uma
daquelas maravilhas da mecânica moderna — máquinas de café expresso de um
toque — e comendo uma cereja e queijo dinamarquês às 7h20. Às 7h40 da
manhã, estávamos caminhando para o trabalho, passeio curto de seis blocos, de
mãos dadas e falando sobre o dia.
Como eu tinha tutoria as quintas-feiras, combinamos de sair novamente na
sexta à noite. Ele me deu um beijo de despedida na entrada do prédio, me
deixando cambaleante e de joelhos às 7h58. Eu estava no elevador às 8:00h em
ponto.
Que diferença um dia faz.
Eu ainda estava sorrindo, aturdida, enquanto caminhava pelo corredor até a
minha sala, sem realmente notar alguém ou alguma coisa. Sentei-me atrás da
minha mesa e, sem pensar, embaralhei as pastas. Eu ainda não queria me perder
nas planilhas, então optei por ler a pilha de memorandos que ameaçavam cair da
minha mesa. Isso permitiria que eu continuasse a me deleitar com todos os
sentimentos quentes e sedosos da noite anterior e da manhã.
Os primeiros dez ou mais, foram realmente sobre o meu novo software de
faturamento. O último memorando implicou em mudar a conversa para o email.
Aquilo era típico. A maioria das conversas foi iniciada por meio de um
memorando impresso. Depois que foram determinados a serem benignos à
natureza, eles foram movidos para o e-mail. Todos os memorandos deviam ser
triturados depois de lidos.
Como Steven era responsável pelos clientes confidenciais, a maior parte da
correspondência interna dele era cópia impressa. Como eu era responsável pelos
clientes corporativos, a maioria dos meus era eletrônica.
Peneirei a correspondência rapidamente, mas então minha atenção foi
abruptamente envolvida, quando vi meu nome e o de Quinn listados em uma
cópia impressa de um e-mail. Nunca recebi uma cópia impressa de um e-mail
antes e meu olhar foi para o endereço de e-mail do remetente. Eu o reconheci
como um dos advogados franceses do Tweedle Dee que eu conheci no meu
segundo dia. No começo, eu passei o e-mail, mas depois da segunda frase, me
forcei a começar do começo e realmente o li:
Olá Betty,
De acordo com o pedido do Sr. Sullivan e como discutido durante
nossa conversa por telefone, Jean e eu deliberamos sobre a questão da
Srta. Morris. É nossa opinião que o melhor plano de ação para o Sr.
Sullivan, seria o desligamento da Srta. Morris assim que for viável
(sem interromper as operações). Em casos como esses, não é
incomum ou injustificado oferecer uma grande indenização e liberá-la
do acordo de não concorrência que ela assinou ao iniciar o cargo.
O motivo da rescisão não deve ser declarado explicitamente à Srta.
Morris, nem inferida/mencionada em qualquer documentação, à fim
de reduzir o risco de indenização futura. Além disso, aconselhamos
que o Sr. Sullivan não seja encarregado de conduzir a entrevista de
demissão. Tomei a liberdade de incluir o Sr. Davies e seu
administrador neste e-mail, pois é nossa recomendação que ele lide
com o assunto como o representante do Sr. Sullivan.
A outra opção é a Srta. Morris renunciar ao cargo. Em ambos os
casos, elaboramos um formulário de liberação que Morris deve
assinar, e que, independentemente dos resultados futuros, deve, tanto
quanto viável ou possível e na medida permitida por lei, absolver a
Cypher Systems de qualquer futuro relacionado a litígio. Eu
recomendo que ela assine a liberação como condição para receber a
indenização.
Por favor, nos avise se o Sr. Sullivan decide prosseguir para que
possamos passar a anular o acordo de não concorrência.
Provavelmente, Morris terá grande dificuldade em encontrar novos
empregos até que seja dispensada.
Henry LeDuc, JD
Capítulo 27
— Você mostrou isso a ele? Você perguntou a ele sobre isso?
Balancei a cabeça e mordi minha unha do polegar, olhando por cima do ombro
de Elizabeth para nada em particular.
Estávamos no Starbucks, a quatro quarteirões do meu prédio. Assim que
encontrei o email, usei o maldito celular para ligar à ela e implorar para me
encontrar no almoço. Acontece que eu à acordei e ela saiu imediatamente para
me encontrar e tomar café. Assim, ela usava pijama e botas.
— Tenho que ser honesta, Janie. Eu não falo em linguagem de advogado,
então não tenho certeza do que isso quer dizer. Mas — Elizabeth estendeu a mão
e segurou a minha, chamando minha atenção para ela. — Eu acho que você
deveria perguntar a ele sobre isso antes de chegar a conclusões precipitadas.
Engoli.
— Eu sei. Eu vou.
A carranca de Elizabeth se aprofundou.
— Como você conseguiu uma cópia disso? Eles enviaram acidentalmente a
você?
— Não, estava nos memorandos na minha mesa. Alguém deve ter... —
Pisquei, meus olhos perdendo o foco novamente e então fechei minhas
pálpebras.
Claro.
— O que? O que foi?
— Olivia. — Sangue escorreu do meu rosto, mesmo quando o calor se
espalhou pelo meu pescoço. — Encontrei Olivia, assistente de Carlos, na minha
sala ontem de manhã. Ela deve ter deixado lá.
— Aquela que te olha torto no trabalho? Alguma chance de ser falso, então?
— Acho que não — deliberei a teoria por um momento, mas descartei a
possibilidade. — É real. Ela queria que eu encontrasse.
Elizabeth virou os lábios na boca e entre os dentes, me examinando.
Finalmente, ela disse:
— Depois de tudo que você me contou sobre ele, sobre Quinn, duvido
seriamente que ele queira demitir você.
Balancei a cabeça e fiquei surpresa ao descobrir que eu concordava com a
avaliação de Elizabeth.
— Também não acredito.
Ela deu um sorriso irônico e esperançoso.
— Então isso significa que, apesar desse e-mail estranho e seu conteúdo
indecifrável, mas condenatório, você confia em Quinn?
Balancei a cabeça novamente, sem pensar, e falei meus pensamentos em voz
alta.
— Sim, confio — . Encontrei seus olhos azuis claros. — Confio nele. Acho
que deve haver uma explicação perfeitamente razoável.
— Yey! — O sorriso de Elizabeth estava cheio e imediato. Ela apertou minha
mão.
— Embora eu não defenda o amor como uma regra, posso dizer honestamente
Yey para você e Quinn!
Minha cabeça inclinou para o lado em um gesto muito parecido com Quinn
antes que eu pudesse parar o movimento.
— Do que você está falando?
— Você e Quinn. — Elizabeth tomou um gole de café preto. — Você está
apaixonada, Janie.
— Não estou apaixonada! Eu estou com luxúria, estou com um desejo
profundo, estou com — com — com muita vontade de Quinn, mas não estou...
Eu estava apaixonada?
Embora eu odiasse admitir, essa era uma possibilidade distinta.
Eu adorava estar perto de Quinn. Adorava conversar com ele. Amava sua
risada e, às vezes, seu jeito mandão. Amava sua insegurança e amava sua
determinação. Eu amava que ele parecia estar mudando, queria mudar, mesmo
quando eu estava mudando. Eu adorava que estávamos crescendo em algo novo
e juntos. Adorava confiar nele. Eu adorava fazer amor com ele. Eu realmente
amava fazer amor com ele!
Se anda como um pato, e grita como um pato, e ama como um pato... Bem,
Thor!
Meus ouvidos estavam, de repente, tocando.
Elizabeth se mexeu em seu assento e abanou as sobrancelhas.
— Você o a-a-a-a-a-a-a-ma.
— Você nem mesmo acredita no amor. — Me nivelei a ela com um olhar
severo, na esperança de acalmar o surgimento inesperado da percepção. Se eu
pudesse pensar um pouco mais, sem as sobrancelhas de Elizabeth balançando,
poderia analisar a situação com o pragmatismo que merecia.
Ela balançou a cabeça e desviou o olhar do meu.
— Você sabe que isso não é verdade. Eu acredito em apenas um amor, o
primeiro.
Eu não sabia pressioná-la nesse ponto, ou dissuadi-la dessa crença,
especialmente em relação a ela mesma. Eu conhecia a história de Elizabeth e não
queria magoá-la através de um tópico que era tão doloroso para ela.
Tentei tornar meu argumento relevante, apenas para a situação atual.
— E o Jon? Eu amava o Jon.
— Não, você não amava. Você tolerou Jon, da mesma maneira que a
tolerância é ensinada no local de trabalho ou na escola — sua boca se curvou
para baixo, como se ela sentisse algo desagradável. — Eu acho que você o
amava como um ser humano, mas nunca sentiu mais do que tolerância por ele.
— Mas Quinn quer... ele é meu chefe e agora ele é meu namorado. E depois,
há aquele apartamento em seu prédio. Prometi a ele que te levaria para ver.
Ela encolheu os ombros.
— Nós vamos amanhã à tarde, antes do seu encontro com Quinn. — Ela
novamente balançava as sobrancelhas.
Segurei a respiração por um momento e depois suspirei. Apoiei minha testa na
mão e dirigi minha pergunta para a mesa.
— O que eu vou fazer?
Elizabeth limpou a garganta, em seguida, passou as pontas dos dedos contra o
meu pulso.
— Bem, você vai voltar ao trabalho e não deixar a Srta. Olivia Von Maléfica
pensar que causou algum impacto no seu relacionamento com Quinn. Esta noite,
você tem tutoria no South Side. Amanhã veremos o apartamento chique. Então,
depois, quando você for ao encontro com o homem que você ama, também
conhecido como Quinn Sullivan, também conhecido como Senhor Calças-
Quentes, você vai perguntar a ele sobre o e-mail.
Ela fez soar tão simples, tão razoável e tão possível.
Eu só consegui assentir, concordar e esperar que ela estivesse certa.

Tudo correu conforme o planejado, até que não mais.


Voltei a trabalhar. Ignorei Olivia, embora ela parecesse excessivamente
ansiosa para se jogar no meu caminho e falar comigo pelo resto do dia. Fui para
aulas particulares naquela noite e evitei pensar em estar apaixonada por Quinn,
até que ele me mandou uma mensagem noturna, o que se tornou um pouco
maçante recentemente:
Se eu fosse uma função, você seria minha assíntota. Eu sempre tenderia para
você.
Ele continuou com: saudades de você.
Me permiti desfrutar e me perguntar se eu caí no abismo do amor com esse
homem. Pois era, verdadeiramente, um buraco. Estava escuro e desconhecido.
Foi assustador e eu estava cercada por todos os lados.
Portanto, em um esforço para evitar buracos escuros e definitivamente
assustadores, decidi pensar sobre a questão de amar somente quando o visse da
próxima vez.
Na manhã seguinte, estava me sentindo melhor com o e-mail do advogado.
Estava me sentindo mais calma e mais certa. No meio da tarde, eu estava
realmente ansiosa para levar Elizabeth para ver o apartamento, e quando a
encontrei no prédio, eu estava tentando conter minha excitação pré-Quinn.
Deu tudo errado quando coloquei a chave na porta do apartamento. Antes que
eu pudesse girar, a porta anexa a ela se abriu e Quinn saiu correndo dela, sua
expressão atordoada, e seu peito nu.
Está certo. Ele não estava vestindo uma camisa.
Elizabeth e eu, surpresas, demos um passo para trás quando ele, também
surpreso, balançou para trás em um pé, sua expressão refletindo
instantaneamente a nossa.
— Janie. — Ele disse meu nome em um suspiro ofegante, quando sua mão
alcançou e segurou a porta que ele tinha acabado de sair, atrás dele.
Meus olhos se moveram para seu peito nu, depois abaixaram para seus jeans.
Levantei meu olhar para o dele novamente e pude sentir Elizabeth se movendo
para o lado, atrás de mim, enquanto ela tentava perscrutar o apartamento atrás
dele.
— O que você está fazendo aqui? — Quinn fez a pergunta sem malícia ou
acusação. Ele parecia genuinamente surpreso.
— Estou... você me fez prometer mostrar o apartamento à Elizabeth.
Sua atenção se desviou de mim e se direcionou para onde Elizabeth estava
parada. Ele piscou para ela.
— Então, Quinn... — a voz de Elizabeth soou no meu ombro, e não faltou
maldade ou acusação. — Quem está lá com você, por que diabos você está sem
camisa, e que diabos é isso no seu pescoço?
Quinn visivelmente se encolheu, surpreso pelas palavras de Elizabeth, ou por
seu tom severo.
Antes que ele pudesse responder, Elizabeth se adiantou e apontou para uma
marca em seu pescoço.
— Isso é uma marca de mordida?
Automaticamente ele levantou a mão para o pescoço.
Elizabeth se virou para mim, sua voz subindo.
— Você fez isso?
Balancei a cabeça. Tudo estava acontecendo tão rápido; havia muitos pontos
de dados e eu não conseguia absorver nenhum deles. Eles estavam espalhados no
chão e fugindo de mim, como dentes sem pernas. Eu só podia olhar, em silêncio,
entre Quinn e Elizabeth, e a porta que ele estava tentando fechar.
Elizabeth se voltou para ele e apontou para outra marca no meio do peito.
— E isso é uma queimadura de cigarro. Que merda é essa? — ela estava
gritando. — Eu sei que Janie não fez isso.
Seus olhos encontraram os meus e eu vi medo.
— Ouça. Ouça por um minuto, vocês duas precisam sair. Você nem deveria
estar aqui. Onde, diabos, estão seus seguranças? — Quinn parecia estar tentando
se recompor e sua voz estava atada com uma firme urgência, mas em pânico.
A porta atrás dele abriu toda e, naquele momento, meu cérebro e meu coração
pararam.
Jem estava atrás dele, vestindo seu sutiã e jeans, fumando um cigarro, um
sorriso forçado curvando seus lábios.
— Ei, irmã mais velha.
Quinn olhou por cima do ombro distraidamente, em seguida, quase pulou no
corredor.
— Que porra?
Minha boca se abriu e ouvi algo quebrar, um pequeno estalo no fundo da
minha mente, seguido por uma intensa onda de dor física começando por trás
dos meus olhos e no meu peito. Eu não consegui respirar. Quinn, Elizabeth e
Jem estavam todos falando ao mesmo tempo, mas eu não ouvia nada.
Não ouvia nada.

Em retrospecto, quando me concentrei nos próximos minutos em uma análise


momentânea, tudo de que me lembrava era a falta de nitidez. De alguma forma,
Elizabeth me puxou para fora do corredor e saiu do prédio. Ela me empurrou em
um táxi. Em algum momento, reconheci que meu rosto estava molhado e achei
que devia estar chorando. Nós chegamos ao apartamento e eu segui atrás dela;
ela segurou minha mão. Uma vez lá dentro, ela me levou até o sofá e me deixou
lá por um momento, voltando quase imediatamente com a última dose de tequila.
Depois de colocá-la na mesa, Elizabeth sacudiu meus ombros.
— Janie! Janie, me escute. — Sua voz soou muito distante.
Me virei para ela, encontrando seus olhos. Eles eram grandes e percebi
preocupação. Ela me puxou para um abraço de corpo inteiro e me segurou com
força. Eu a ouvi murmurar:
— Aquele filho da puta. Eu vou matá-lo... todo mundo vai querer... todas
vamos nos revezar dando-lhe queimaduras de cigarro... elas estão vindo...
Pisquei, me afastando.
— Quem está vindo?
Ela empurrou meu cabelo para longe do meu rosto de uma forma que,
dolorosamente, me lembrava de Quinn.
— Enquanto você estava sentada no táxi, em choque, mandei mensagem para
todas as mulheres. Vamos ter uma reunião de emergência hoje à noite.
Balancei a cabeça e fiquei surpresa quando um soluço saiu do meu peito.
— Não. Eu não quero ver ninguém.
— Sim, elas estão vindo pra cá. Sim, você verá pessoas hoje à noite, pessoas
que amam você e querem apoiá-la. Você pode se afundar no fim de semana. Esta
noite você vai ficar bêbada e comer muito sorvete.
Eu só a ouvi parcialmente e mal compreendi as palavras. Eu estava chorando
de novo e tudo ficou embaçado. Ela empurrou a garrafa de tequila na minha mão
e me incentivou a beber.
Queimou na minha boca e no meu esôfago, e eu mantive o desconforto perto
de mim. Foi um alívio sentir dor de alguma fonte além do meu coração.
Elizabeth puxou a garrafa da minha mão e tomou um longo gole em resposta,
antes de bater na mesa e fazer um ruído alto.
— Sinto muito, Janie. — Ela colocou um braço em volta dos meus ombros e
trouxe minha cabeça para o peito. — Eu sinto muitíssimo.
A porta zumbiu e Elizabeth se levantou para verificar o interfone. Eu ouvi a
voz de Marie no alto-falante. Alcancei mecanicamente a garrafa de tequila, me
sentindo um pouco decepcionada por ela queimar com menos intensidade no
meu segundo gole.
No entanto, quando tomei o terceiro trago da garrafa, aplaudi a dormência.
Momentos depois, os braços de Marie me cercaram e enterraram minha cabeça
em seu ombro. Observei vagamente que o cabelo pronto para comercial de
xampu, cheirava a limão e lavanda. Em seguida, os braços de Kat me cercaram
por trás. Ouvi a voz de Sandra algum tempo depois e ela tomou o lugar de Marie
no sofá.
— Venha com a mamãe, menina. — Sandra beijou minha testa e me segurou
em um abraço apertado. Sem esquecer sua profissão de psiquiatra, ela me
acalmou com uma voz persuasiva. — Você não precisa falar sobre isso até que
esteja pronta. Estamos aqui para apoiá-la e amá-la — respirou fundo e então,
para que eu não esquecesse que ela era Sandra, a texana, continuou. — E quando
você estiver pronta para cortar as bolas dele, vou fornecer a faca.
Vagamente, eu estava ciente de que alguém estava rindo. Levantei a cabeça e,
com uma pequena surpresa, percebi que eu estava, de fato, rindo. Encontrei os
olhos verdes de Sandra, brilhantes, mas com uma expressão preocupada, e
consegui dar um sorriso encharcado.
Olhei ao redor da sala. Elizabeth estava surgindo perto da porta com as mãos
juntas contra a bochecha; Marie estava sentada em uma cadeira ao lado do sofá,
me dando um sorriso simpático; Kat estava atrás de mim esfregando pequenos
círculos nas minhas costas; Sandra estava segurando meus ombros. Seus olhares
arregalados espelhavam minha vulnerabilidade para mim e uma para outra,
como se quisessem, e até esperassem, que eu suportasse e compartilhasse meu
fardo.
Eu realmente as amava.
Kat alisou meu cabelo para o lado e colocou a cabeça no meu ombro.
— Oh, Janie, todas nós vamos ficar muito bêbadas.
Meus olhos se embaçaram com novas lágrimas, mesmo quando uma pequena
e involuntária risada passou entre meus lábios. A campainha da porta do prédio
soou novamente e Elizabeth apertou o botão de abrir o portão, sem verificar
quem estava tocando.
— Deve ser Fiona; ela disse que estava arrumando uma babá até que Greg
pudesse chegar em casa. Ashley tem que terminar seu turno, mas disse que vai
estar aqui às 19:00h. — Elizabeth foi até a porta do apartamento e a deixou
entreaberta para nossa amiga.
Sandra pegou a garrafa de tequila da minha mão e entregou para Marie.
— Nós precisamos pegar alguns copos. Amo vocês, garotas, mas eu não quero
beber da boca de vocês a noite toda.
— Vamos pedir comida. — Kat me abraçou por trás, levantando a cabeça do
meu ombro. Coloquei uma das minhas mãos em seu braço e retornei o aperto.
— Comida chinesa ou pizza? — Marie se levantou e foi até a cozinha, pegou
os panfletos na geladeira, ainda segurando a garrafa de tequila na mão.
Limpei os olhos, cheirando, sentindo a dormência morna associada a bons
amigos e três doses rápidas de tequila. O amor realmente era um poço e eu
estava no fundo dele. Eu não sabia como, mas sabia que essas mulheres iriam me
ajudar a sair do lugar escuro que eu havia mergulhado de cabeça. Mas primeiro
eu precisava ordenar meus pensamentos e organizar os dados. Eu precisava
processar a última meia hora e descobrir o que, exatamente, eu vi, senti e
acreditei.
No entanto, antes que eu pudesse começar a pegar os pedaços da realidade,
muito menos estudá-los com a atenção cuidadosa que eles exigiam, o som da voz
de Quinn dizendo meu nome, era uma serra elétrica proverbial para os frágeis
remanescentes do meu coração.
— Janie!
Olhei para cima, confusa e de olhos arregalados, e vi Quinn correndo em
minha direção. Ele empurrou a mesa para fora do caminho e se ajoelhou na
minha frente, estendendo a mão e deslizando seus braços ao redor da minha
cintura. Levei um momento para registrar que ele estava examinando meu corpo,
procurando por algo, como se esperasse que parte de mim estivesse ausente ou
danificada.
Levei mais alguns segundos para entender que ele estava lá, que ele estava me
tocando e que ele estava falando.
— Você está bem? Alguém abordou você? E por que diabos a sua porta estava
aberta?
Assim que superei meu choque, me afastei dele e levantei minhas mãos entre
nós. Minha boca abriu e fechou, enquanto meu cérebro lutava para entender sua
presença abrupta, a raiva por trás de suas palavras e o alívio em seus olhos. Eu
estava claramente atrasada em relação à compreensão de eventos em tempo real.
Quebrei o silêncio, atordoada.
— Quinn, o que... o que você está fazendo aqui?
Como se todas as outras estivessem igualmente perplexas com sua presença e
minhas palavras fossem a cura para o silêncio atordoado, a sala explodiu em uma
ofensa feminina barulhenta.
— Que inferno! — registrei o rosnado irritado de Elizabeth em algum lugar,
por cima do ombro.
— Ouça, Senhor. — Sandra tentou se inserir entre nós.
— Acho que você deveria ir embora. — Marie entrou na sala vinda da
cozinha, segurando a garrafa de tequila como se fosse uma arma viável.
Kat apertou minha mão.
Quinn tentou falar comigo através do insistente bando das minhas amigas e a
barricada de corpo irritado de Sandra.
— Janie, por favor, ouça: você não está segura. Seus seguranças deveriam
estar com você hoje, precisamos sair daqui. Eles nunca teriam deixado você
chegar ao prédio.
A campainha soou novamente e, em meio a todo o caos, percebi a voz de
Fiona sobre o alto-falante. Elizabeth apertou o botão enquanto continuava
atirando adagas em Quinn.
— Por que você estava lá, “passando o salame” na irmã dela? — acusou
Elizabeth, puxando seu celular. — Vou chamar a polícia, Quinn. Você precisa
sair. Agora!
Quinn não se moveu de sua posição, na minha frente, e encontrou sua censura
com toda a flexibilidade de granito.
— Eu não estava com Jem.
— Nós vimos você!
— Não, você não entende. — Ele se virou para mim, mas Sandra antecipou
seus movimentos e me impediu de ver. — Janie, eu não estava com ela, não
estávamos “passando o salame”. Eu estava tentando ajudar.
— Então por que tirou sua camisa, Quinn, se é que esse seja o seu nome real?
— Elizabeth perguntou parecendo um Sherlock desconfiado, quando digitou três
números em seu celular.
— Porque Jem é louca de pedra e me queimou com um cigarro, em seguida,
mordeu meu... — Ele bufou. — Não temos tempo para isso!
— Sério grandão, você só precisa fazer como um pastor e tirar o rebanho
daqui. — Sandra cruzou os braços sobre o peito, sua voz baixa com o aviso.
Quinn gaguejou por um momento, levantando a sobrancelha para a despedida
grosseira de Sandra.
— Eu não posso sair até que saiba que ela está segura.
Marie cruzou os braços sobre o peito.
— Segura contra quem?
Elizabeth falou ao telefone, dando ao operador do 911 nosso endereço antes
de acrescentar que precisava da polícia.
Elizabeth não terminou a frase, porque o telefone foi arrancado de sua mão e
ela foi jogada no chão. Um suspiro coletivo e chocado se espalhou pela sala.
Todos os olhos voltados para três grandes skinheads, muito sinistros, com
tatuagens no pescoço, que invadiram o pequeno apartamento, significativamente
menor pelo seu tamanho iminente.
Um dos homens segurava Fiona pela cintura. Ele tinha uma arma na mão
apontada para Quinn, mas a atenção coletiva deles estava rigidamente fixada em
mim.
— Bem, que inferno, Jem. Já faz muito tempo.
O mais alto dos três dirigiu seu comentário para mim e eu o reconheci como o
estranho assustador do parque.
— O que diabos você está fazendo, Sam? Seamus sabe que você está aqui? —
Quinn entrou na frente de Sandra, Kat e eu, nos escondendo de dois dos
capangas e de Sam.
Eu ouvi, ao invés de ver a resposta dura de Sam.
— Cala a boca, Quinn. Você disse que não sabia onde ela estava.
— Você está cometendo um terrível engano. — A voz de Quinn me fez
tremer. Mesmo que eles estivessem segurando uma arma, seu tom deixou
perfeitamente claro que ele não se incomodava com coisas triviais, como balas.
— Como eu disse a Seamus, essa não é a Jem.
Notei Marie mudando de pé. Sua mão ainda segurava a garrafa de tequila, e
seus olhos estavam arregalados enquanto eles se moviam entre Quinn e o
skinhead chamado Sam.
Ouvi o estalo de alguma coisa, que imaginei ser a guarda de uma arma, porque
Quinn, de repente, ficou rígido e o tom ameaçador de suas palavras
cuidadosamente pronunciadas era quase tangível.
— O que você pensa que está fazendo?
— Vou levar essa vaca. Vou levá-la de volta para Seamus e ele que vai decidir
se ela é Jem ou não, já estou cansado de andar por Chicago.
Inesperadamente, foi Marie quem falou em seguida.
— Nem a pau. — Algumas coisas aconteceram ao mesmo tempo.
Eu realmente não vi tudo, já estava atrás de Sandra, que estava atrás de Quinn,
e Kat estava à minha direita, bloqueando parcialmente minha visão. Mas o que
eu vi, foi o resultado e, portanto, consegui juntar as peças.
Marie deve ter jogado a garrafa de tequila em um dos skinheads, aquele que
segurava Fiona, porque sua arma disparou e a bala atingiu a parede em algum
lugar acima da janela. Ele cambaleou para trás segurando a cabeça. Fiona devia
estar se preparando para esse momento, porque retirou duas longas agulhas de
tricô Susan Bates de sua bolsa de tricô, as longas e espessas que os iniciantes
normalmente aprendem com os brancos no final, e ela o esfaqueou no ombro.
Imediatamente a arma caiu de sua mão.
Elizabeth, que estivera no chão o tempo todo, pegou a arma quando o capanga
2 tropeçou em suas pernas e caiu pesadamente contra a estante.
Kat gritou quando a arma disparou, e ela segurou minha mão. Para minha
surpresa, ela nos lançou para atrás do sofá. Eu aterrissei no chão
desajeitadamente, recebendo o peso da minha queda com o lado esquerdo do
meu corpo.
Quinn virou a mesa de café de lado, presumivelmente para oferecer um pouco
de cobertura contra a chuva iminente de balas, e ele pegou uma Glock escondida
na parte de trás de suas calças, mirando nos skinheads assim que Sam sacou sua
arma. No entanto, antes que Quinn ou Sam, o Skinhead, pudessem disparar, a
diminuta e pequena Fiona gritou e empurrou Sam para frente.
Ela era pequena e ele era grande, portanto, além de uma incapacidade
momentânea de se equilibrar, Sam rapidamente se recuperou e voltou sua raiva e
arma para Fiona. Neste ponto, Elizabeth foi capaz de disparar. Atingiu em Sam
no estômago, e ele prontamente se dobrou amaldiçoando gorgolejante, antes que
o capanga 2 chegasse até Elizabeth e tirasse a arma de sua mão, acotovelando
rudemente seu rosto.
— Ah Merda! Ai! Doeu! — Elizabeth gritou.
Antes que o capanga 2 pudesse levantar a arma, no entanto, Marie e Sandra se
lançaram pela sala, Sandra gritando como Tarzan.
— Droga! — Quinn exclamou antes de pular sobre a mesa de café, um
segundo depois.
Surpreendentemente, Marie e Sandra fizeram um trabalho muito eficiente de
atacar o grande homem no chão. Evidentemente ele ainda estava de joelhos,
tentando se levantar quando alcançaram ele, e sim, Marie o chutou na virilha
com botas pontiagudas imediatamente ao entrar em seu circulo pessoal de
espaço. Sandra agarrou a 9mm dele enquanto ele estava distraído, e para minha
grande surpresa, depois de prontamente travar a guarda, ela o espancou com a
coronha da arma.
— Eu (pancada) vou (pancada) te (pancada) foder. (pancada) Vaca!
Levei um momento para perceber que Sandra estava segurando uma bola de lã
na outra mão, a que não segurava a arma. Ela enfiou na boca do capanga 2,
enquanto baixava a arma para outro golpe de esmagar os ossos.
Fiona correu até Elizabeth e segurou seu rosto, tentando protegê-la de mais
violência, e Quinn golpeou Sam com a pistola, derrubando a ameaça tatuada
com um único golpe.
Marie pegou a garrafa de tequila e a balançou descontroladamente para o
capanga 1 que, aparentemente, acabara de se recuperar do choque de ser
esfaqueado com uma agulha de tricô Susan Bates. O capanga 1 levantou a mão
do seu braço bom sobre o rosto, mas era um pouco tarde; Marie baixou a garrafa
com um estrondo retumbante e o monte de um homem caiu para trás,
inconsciente.
Kat e eu estávamos espiando debaixo do sofá. O único som no pequeno
apartamento era o de respiração com dificuldade. Até que alguém, imaginei ser
Marie, disse:
— Oh, merda! Sandra! É o fio tingido limitado, da Madelintosh Aran, que
você acabou de enfiar na boca daquele idiota? Você sabe que não dá para
substituir aquilo!
Capítulo 28
Menos de dez segundos depois, a polícia chegou. Foi uma coisa boa também.
Marie estava segurando uma garrafa quebrada de tequila, cacos de vidro em
todas as direções, e Sandra segurava uma arma. Elas estavam discutindo sobre o,
aparentemente muito caro e difícil de encontrar, novelo de lã que Sandra havia
colocado na boca de um dos skinheads.
Quinn se virou para mim, assim que a polícia entrou. Seus olhos encontraram
os meus e o que vi foi uma potente mistura de tensão e alívio. No entanto, ele
não veio até mim. Em vez disso, colocou a arma no chão e depois moveu as
mãos para a parte de trás da cabeça, esperando pela polícia de Chicago. A sala
parecia insuportavelmente grande, e a distância entre nós parecia impossível de
percorrer.
Apenas horas mais tarde — depois de declarações, questionamentos e um
exame pseudofísico administrado por um paramédico — que todos nós fomos
libertados. Na verdade, todas nós, já que Quinn não foi. Logo depois que a
polícia chegou, eles o algemaram e o levaram para a delegacia, apesar dos
protestos de Kat, Elizabeth, Sandra, Marie, Fiona e, é claro, eu.
Ashley chegou exatamente quando disse que chegaria, e foi rapidamente
atualizada dos detalhes por Sandra. Enquanto ela ouvia a história, observei um
espectro de emoções cintilando em suas feições.
Finalmente ela expressou sua irritação.
— Por que tudo de bom acontece quando não estou? Eu juro, da próxima vez
que o namorado gostoso da Janie salvar vocês de skinheads com tatuagens no
pescoço, é melhor esperar até eu terminar meu turno, ou então vou ficar
chateada.
— Ele não nos salvou, você não ouviu? — Elizabeth segurava um saco de
gelo no queixo onde foi atingida por um cotovelo carnudo. — Fiona perfurou um
deles com uma agulha Susan Bates, Marie empunhava uma garrafa de tequila,
Sandra agitava a pistola com a outra, e eu atirei no terceiro.
— Onde estavam Janie e Kat? — Ashley olhou de mim para Kat.
— Escondidas atrás do sofá, como pessoas sensatas! — Kat disse antes que
alguém pudesse falar.
Ashley nos deu um súbito sorriso com lagrimas.
— Droga, se algo tivesse acontecido com alguma de vocês, eu ficaria muito
chateada. O que vocês estavam pensando?
Ela iniciou um abraço em grupo, que durou muito além do que seria
considerado típico, já que nenhuma de nós queria soltar as outras.
Depois que todas as meninas saíram e Elizabeth saiu com Marie, mas antes
que o último carro da polícia fosse embora, me aproximei de um segurança
baixo e corpulento, que imediatamente reconheci e que estava me observando
desde que a polícia nos escoltou até a ambulância, para o nosso exames com o
paramedico. Era Dan, o segurança do Edifício Fairbanks.
Caminhamos em direção um ao outro, nos encontrando no meio do caminho.
Seus olhos castanhos eram grandes e gentis, e ele me deu um pequeno sorriso;
quase parecia arrependido.
— Senhorita Morris. — Ele acenou para mim.
— Dan, o segurança — balancei a cabeça para ele.
Ele suspirou.
— Você está bem?
Continuei a acenar. Eu não queria dizer sim, porque não tinha certeza de como
estava.
No entanto, eu não queria parecer uma incapacitada quando precisei da ajuda
dele.
— Escute, Dan, eu estava esperando que você pudesse me levar até o Quinn.
Hum, até o Sr. Sullivan.
— Está bem. Eu também o chamo de Quinn. — Dan apontou com o polegar
para um carro atrás dele, um Mercedes cupê preto. — É por isso que estou aqui.
Eu sorri e soltei um pequeno suspiro.
— Claro.
— Vamos. — Ele fez um gesto com a cabeça para eu seguir.
Quando entramos no carro e ele acelerou, percebi que estava me dando longos
olhares de lado, como se quisesse dizer alguma coisa, perguntar alguma coisa,
mas não tinha certeza de como começar.
Fiquei com pena dele, eu perguntei:
— Tem algo que você queira dizer?
— Sim — a palavra saiu de sua boca. — Queria te dizer o quanto eu sinto
muito.
Pisquei para ele, me perguntando como eu não tinha notado seu sotaque
distintivo de Boston, durante todas as vezes em que falei com ele.
— Como? Por que você sente muito?
— Porque Seamus é meu irmão, e ele é um completo fudi..., ele é um cara
muito ruim.
Mudei um pouco e pressionei minhas costas para a porta do passageiro, para
que eu pudesse estudá-lo mais completamente.
— Sim. Bom, nesse caso, suponho que devo pedir desculpas pela minha irmã.
Ela também é uma... “um cara muito ruim”.
Ele riu.
— Sim. Sim, ela é.
Eu olhei para ele.
— Você conheceu Jem?
Ele assentiu.
— Ela ainda é tão louca quanto eu a conheci.
— Ah, você a viu recentemente?
Ele assentiu.
— Hoje à tarde, quando você foi para o novo prédio com sua amiga, eu estava
no apartamento com Quinn e Jem. — Ele olhou para mim quando girou o
volante para a direita e se fundiu na avenida Michigan.
Eu endureci.
— Então, você estava lá?
— Sim, aquela vaca, quer dizer, sua irmã, é louca, mas você sabe disso. Quinn
estava tentando ajudá-la. Ele ofereceu dinheiro para ela desaparecer, mas ela
começou a reclamar e, merda, a tirar a roupa. Eu juro, se eu não a conhecesse, se
não soubesse o quão louca ela é, teria pensado que ela estava com alguma coisa.
Então ela o mordeu e o queimou com cigarro através da camisa dele. Foi louco,
saiu sangue do pescoço dele.
Eu estremeci, pensando em Jem mordendo Quinn com tanta força, que tirou
sangue.
— Por que ela estava tirando a roupa?
Ele encolheu os ombros.
— Não sei. Ela é louca. Quando você chegou lá, ele estava limpando a marca
da mordida e todo o sangue. Ele estava saindo para pegar algumas roupas novas.
Eu teria tomado um banho de álcool e água oxigenada, se ela tivesse me
mordido.
Mordi meu lábio enquanto eu absorvia tudo. Me senti aliviada, estúpida e
ansiosa. Dan estacionou o carro no porão do prédio e me acompanhou até a
cobertura de Quinn. Ele abriu a porta para mim, mas não entrou.
Eu estava quieta desde o carro, querendo me organizar através da minha
bagunça emaranhada de emoções e os eventos da noite. Mas eu estava ansiosa
para ver Quinn e não estava realmente capaz de pensar em nada, até que
passasse meus braços ao redor dele e sentisse, ao invés de ver, que ele estava
seguro.
— Então... — Dan me entregou as chaves da cobertura. — Quinn deve vir
para casa hoje à noite. Quando ele me ligou, disse que eles não prestaram queixa
de nada, e nem deveriam, porque ele tem uma licença para carregar aquela arma.
Eu o parei quando ele se virou.
— Dan, posso te perguntar uma coisa?
Suas sobrancelhas levantaram quando ele assentiu com a cabeça.
— Claro.
Mudei as chaves de uma mão para a outra e coloquei meu cabelo atrás das
orelhas.
— Há quanto tempo você conhece Quinn?
Ele encolheu os ombros.
— Desde que éramos crianças.
— Você sabe por que Quinn deixou Boston?
Ele hesitou. Seus olhos se estreitaram quando seus lábios se moveram para o
lado.
— Sim.
Não pude deixar de sorrir para a resposta de uma só palavra, o próprio quadro
de lealdade cautelosa.
— Eu também... eu acho.
Ele ficou muito quieto, me observando, seus olhos se movendo sobre minhas
feições com uma intensidade concentrada. Finalmente, ele disse:
— Você sabe, ele é muito louco por você. Não louco como sua irmã Jem, mas
louco tentando tornar-se uma pessoa melhor.
Pressionei meus lábios e meu coração. Agora, tudo de novo, saltou
descontroladamente no meu peito antes que eu respondesse:
— O sentimento é mútuo.

No começo nem pensei em dormir. Dei voltas no apartamento vazio de Quinn,


desejando ter trazido uma revista em quadrinhos comigo, percebendo que eu
nem tinha meu celular estúpido. Em um ataque de irritação petulante, me joguei
na cama e adormeci prontamente.
Quando acordei, fiquei confusa. O panorama do parque, do lago e da cidade
me dizia que ainda estava no meio da noite, mas não fazia ideia de quanto tempo
eu estava dormindo. Me estiquei, planejando levantar e verificar a hora no meu
relógio pela luz do banheiro, mas percebi que não estava sozinha.
Havia um corpo ao meu lado.
Na verdade, eu estava enrolada em torno desse corpo.
E o corpo não estava dormindo.
Minha respiração engatou.
— Quinn?
O braço em volta dos meus ombros apertou suavemente antes de se retirar, em
seguida, se mexeu na cama e se apoiou em um cotovelo de modo que ele estava
de frente para mim.
— Ei. — Sua outra mão imediatamente se enredou no meu cabelo, e ele
estava puxando minha cabeça para trás, para que pudesse cobrir minha boca com
a dele. Me apoiei em seu beijo, pressionando meu corpo contra o dele e sentindo
uma mistura esmagadora de alegria indescritível, alívio e gratidão.
Nos beijamos. Apenas nos beijamos por um longo tempo. Às vezes eu estava
em cima dele, às vezes ele estava sobre mim, às vezes estávamos sentados, às
vezes estávamos deitados. Continuou e continuou, e se não fosse pela
necessidade de ar, poderíamos ter nos beijado pelo resto de nossas vidas. Eu não
reclamaria.
Eu estava sentada em seu colo e estávamos no meio da cama quando ele tirou
o cabelo do meu rosto e encostou sua testa na minha.
— Ah, Quinn, eu sinto muito. — O abracei. Meus braços em volta do seu
pescoço.
— Janie, não há nada para se desculpar.
— Mas eu presumi o pior. Eu te vi com Jem e presumi que você... que você e
ela...
Seus braços se apertaram em volta de mim.
— Você presumiu que estávamos jogando “passa o salame”, como Elizabeth
chamou. — Apesar dos eventos da noite, isso nos fez rir.
Quando a curta gargalhada terminou, encostei a cabeça na curva do pescoço
dele, com cuidado para evitar sua lesão.
— Dan me trouxe aqui e me contou o que aconteceu com Jem. Lamento que
ela tenha te mordido.
Sua mão esfregou círculos nas minhas costas e com cada passagem, sua mão
se movia mais para baixo, até que ele estava acariciando a base da minha
espinha logo acima da curva do meu traseiro.
— Está tudo bem. Eu não me importo com a Jem.
Me afastei apenas o suficiente para ver seu rosto. Ele parecia cansado e com
sono.
— Eu também não — disse, e então suspirei com a lembrança de todos os
problemas que minha irmã causou. — Você deveria saber que eu realmente
confio em você.
Ele me deu um pequeno sorriso que não chegou aos seus olhos.
— Podemos conversar sobre isso de manhã.
— Não... não, escute — me movi para trás e, a princípio, ele não deixou, mas
então ele finalmente me permitiu ir até a beira da cama e ficar em pé. Enfiei a
mão no bolso da calça e tirei o e-mail dobrado, minha voz ainda estava cheia de
sono. — Olivia, pelo menos acho que foi Olivia, deixou isso na minha mesa
ontem. Eu ia mostrar para você hoje. — Entreguei o papel para ele.
Ele olhou de mim para o papel e, em seguida, com clara hesitação, pegou da
minha mão. Fui até o banheiro e acendi a luz, que lhe deu iluminação suficiente
para ler o conteúdo. Ele se arrastou para a beirada da cama e ficou de pé, sua
longa forma se desdobrando, endireitando, depois enrijecendo enquanto lia. Um
sopro de ar escapou de seus pulmões e seus olhos se voltaram para mim.
— Eu não vi isso, mas Janie, eu posso te dizer...
Cobri sua mão segurando o papel, com a minha.
— Não. Não importa. O que eu queria dizer era... o que eu quero dizer é que
vi isso ontem, e sim, admito, tive um surto momentâneo, mas depois pensei
sobre isso e percebi que confio em você. Eu sabia que tinha que haver uma
explicação razoável e eu ia mostrar a você hoje, esta noite, antes que tudo fosse
de inofensivo Judd Apatow para horripilante Quentin Tarantino.
Quinn deu um passo em minha direção, balançando a cabeça.
— Eu pedi a eles.
— Você não precisa explicar. Eu confio em você agora e confiei em você
quando a li. Eu só queria que você soubesse que eu não estava preocupada.
Tenho fé em você.
Desta vez, seu pequeno sorriso alcançou seus olhos e ele parecia quase
orgulhoso de si mesmo, e um pouco malicioso. Seu olhar percorreu meu rosto
em uma varredura lenta, enquanto lambia seus lábios.
— Deixe-me dizer o que é isso, ok?
Eu assenti.
— Você não precisa.
— Eu quero. — Quinn afundou o queixo e nivelou seu olhar medido, com o
meu. Ele olhou brevemente para o e-mail e me devolveu. — Depois que você e
eu conversamos na terça-feira, quando você me disse que não queria pegar o
avião com os outros, eu sabia que você se sentia desconfortável em deixar as
coisas indefinidas no trabalho. Liguei para Betty e a encarreguei de pedir aos
advogados que juntassem uma proposta para definir nossas expectativas de
trabalho de tal forma que nos permitisse continuar nosso relacionamento fora do
trabalho.
Minha atenção voltou para o e-mail. Como ele explicou, eu li novamente com
essa informação em mente.
— Obviamente eles interpretaram mal o pedido. Eu queria que eles criassem
algo tangível, algo legal sobre o qual você pudesse se sentir bem, algo que iria
protegê-la caso nosso relacionamento acabasse... — uma das mãos dele foi para
a parte de trás do seu pescoço.
— Parece que eles interpretaram seu pedido, seu principal objetivo, como
proteger a empresa. Eles querem que eu me demita, para que você e eu possamos
namorar sem colocar a empresa em risco.
— Vou esclarecer isso. — Ele se aproximou, passando a parte de trás de seus
dedos contra a pele onde a minha camiseta, de gola em U, encontrava meu peito.
Inspecionei o e-mail mais uma vez antes de me afastar de Quinn para colocá-
lo na cômoda.
— Eu sei que vai. — Eu não conseguia encontrar seus olhos. Parte de mim se
perguntou se seria melhor para todos se eu desistisse. Então eu poderia namorar
Quinn, sem deixar os outros desconfortáveis com a possibilidade de colocar sua
empresa em risco.
— Ei. — Ele inclinou meu queixo para trás até que eu encontrei seu olhar. —
Sobre o que você está pensando? E não me diga que são robôs.
Apesar de tudo, dei-lhe um sorriso frágil.
— Talvez eu deva desistir.
Ele balançou a cabeça.
— Não. Isso não é aceitável.
— Quinn.
— Isso seria ruim para a minha empresa.
— Mas pelo menos…
— Do que você tem tanto medo?
— Tenho medo de que, se você me conhecer, vai achar que sou esquisita. —
As palavras, palavras que eu nem sabia que ia dizer, se soltaram como um soluço
desobediente.
Seu olhar se focou e encontrou o meu diretamente.
— Eu conheço você e, você está certa, você é estranha.
— Receio que você esteja rindo de mim, em vez de rir comigo.
Ele encolheu os ombros.
— Não há nada que eu possa fazer sobre isso. Você é engraçada.
— Temo que seu dinheiro e a minha falta de dinheiro, cheguem entre nós e
atrapalhe.
Ele colocou as mãos nos quadris.
— Não vai. Não vou deixar.
— Tenho medo de sentir mais por você do que você sente por mim.
Ele balançou a cabeça lentamente.
— Isso não é possível.
— Receio que estamos nos movendo muito rápido, e que isso é apenas paixão.
— Eu não sei o que é isso. — Ele respirou como se fosse continuar, mas
depois fez uma pausa.
Quinn me estudou, manteve o olhar. Ele parecia estar escolhendo suas
próximas palavras com cuidado.
Eu sabia o que queria que ele me dissesse. Eu queria que ele dissesse que isso
não era uma paixão, que ele tinha certeza de que estaríamos juntos na eternidade,
que eu era bonita e me perguntasse se fiz algo diferente com meu cabelo, que eu
era a mulher mais bonita do mundo para ele. Era o que eu queria ouvir, porque
estava me apaixonando por ele.
Eu não estava me apaixonando. Eu já estava apaixonada por ele.
Finalmente, com palavras deliberadas e cuidadosamente elaboradas, Quinn
disse:
— Eu penso em você o tempo todo — seu olhar estreitou e sua mandíbula
assinalou, como se a confissão tivesse custado a ele. — E eu não posso garantir
que isso não é paixão, porque às vezes eu acho que tem que ser. Mas... — Seu
olhar subiu para a esquerda e por cima do meu ombro. — Eu não penso em você
como perfeita.
Fiz uma careta para ele.
Eu não penso em você como perfeita.
— Ah ... ok. — Meus cílios piscaram em rápida sucessão e meu cérebro
começou a compilar a lista de todas as minhas imperfeições. — É por causa da
minha altura? Minha introdução de fatos triviais? Minha calçola?
— Não, escute — sua atenção rapidamente voltou para mim. — Não é... —
ele balançou a cabeça e engoliu em seco. — Se isso fosse apenas paixão, eu
ficaria desiludido em algum momento, certo?
Balancei a cabeça e tive certeza de que não era convincente.
Ele continuou.
— Eu não tenho equívocos de que você é impecável. E você não tem ilusões
sobre mim. Você é muito prática e, se tivesse, não teria me lembrado, na quarta-
feira, de que eu preciso ser um cara bom.
Balancei a cabeça novamente, desta vez de forma mais convincente, embora
mais cautelosa.
— Eu não acho isso — ele fez um gesto entre nós — Eu não acho que isso é
paixão. — Ele se aproximou e eu pensei que ele ia me tocar, mas, em vez disso,
ele cruzou os braços e sua voz se tornou mais suave e gentil. — Eu sei que a
vida, em geral, te apavora. Sei que você, frequentemente, é alheia ao óbvio, e sei
que você é completamente irracional, às vezes.
Abri minha boca automaticamente, porque meu cérebro estava me dizendo
para objetar, mas, surpreendentemente, eu realmente não senti qualquer
indignação por ser chamada de apavorada, alheia e irracional. Sua avaliação
estava, mais ou menos, no alvo. O fato de ele saber essas coisas sobre mim, e ele
parecia aceitá-las independentemente, fez com que eu me sentisse melhor e pior.
— E tudo isso me deixa louco. Você me deixa louco. — Sua voz se
aprofundou, e ele nivelou o olhar estreito com o meu, enquanto continuava. —
Mas, apesar de você ser totalmente doida, eu não mudaria nada em você.
Pressionei meus lábios e comecei a morder o interior da minha bochecha.
Corajosamente encontrei seu olhar aguçado.
— Você me acha totalmente louca?
Ele assentiu e suspirou.
— Sim. E eu... — seus olhos se moveram sobre minha testa, sobrancelhas,
nariz, bochechas, lábios e queixo. — Eu não consigo parar de pensar em você.
Inalei profundamente, tentando respirá-lo, tentando entender esse desejo de
levá-lo dentro de mim e carregá-lo sempre comigo. Ele abaixou a cabeça e meus
olhos se fecharam.
— Janie...
Suspirei.
— Sim?
— O que você está pensando? — sua voz era um sussurro, sua respiração
contra a minha bochecha. Meus olhos se abriram e eu molhei meus lábios,
querendo sua boca na minha, levada a uma louca honestidade.
— Eu te amo.
Senti, em vez de ver, seu sorriso satisfeito.
— Bom.
Ele suavemente roçou seus lábios contra os meus. Meu pânico imediato,
induzido pela confissão, dissolveu-se quando sua proximidade me cobriu em um
santuário assustador que eu nunca soube que queria, mas agora reconheci que
era necessário para minha existência continuada.
Eu me perdi para ele e para mim mesma; confiar e ter fé; e, naquele momento,
eu era destemida.
Epílogo
Quinn, quatro meses depois.
Quando entrei na loja de artigos de encanamento de luxo, na West Lake Street,
fiquei imediatamente impressionado com o fato de que eles tinham fileiras de
sanitários pendurados nas paredes. O chão era de cimento queimado e as paredes
eram de tijolos vermelhos comuns. Cobrindo o chão e as paredes, havia uma
série de pias, banheiras, torneiras e vasos sanitários. O espaço era grande, mas
parecia pequeno devido à grande variedade de acessórios de banheiro.
Automaticamente fiz uma varredura da loja. Localizei as saídas, avaliei os
outros clientes e assim por diante. Hábitos vêm naturalmente. Uma vez
confortável, fui até Elizabeth. Ela estava a cerca de doze metros de distância,
estudando uma fileira de torneiras na parede.
Ela não olhou para cima quando me aproximei, mas apenas inclinou a cabeça
em minha direção como uma saudação.
— Calças-Quentes.
— Elizabeth. — Esfreguei a parte de trás do meu pescoço. Eu não me
importava com o apelido, quando era Janie quem usava. Mas isso não parecia
certo para as amigas dela, particularmente Elizabeth. Eu esperava que o encontro
de hoje melhorasse nossas interações tensas. — Obrigado por me encontrar.
Elizabeth encolheu os ombros.
— Sem problemas. Qualquer coisa por Janie. Ela disse que nos encontraria
aqui às 18:00h. — Estendeu a mão e torceu a valvúla de uma torneira.
Se Janie chegaria às 18:00h, então significava que eu só tinha meia hora para
resolver quaisquer questões que Elizabeth obviamente tinha comigo sobre
namorar a Janie. Esperei que Elizabeth olhasse para cima, mas em vez disso, ela
franziu o cenho para a torneira de metal e caminhou mais para dentro da loja.
Fiz uma careta para ela, tentando não ranger meus dentes.
— Por que você quis se encontrar aqui?
— Quero uma nova torneira.
— O que há de errado com a torneira do apartamento?
— Não gosto dela.
Com muito esforço, consegui evitar revirar os olhos.
— Ok.
Ela brincou com outra série de alavancas.
— Ok? Então tudo bem se eu mudar a pia?
Olhei ao redor da loja novamente, contando mais três pessoas que eu perdi na
minha primeira varredura do espaço.
— Elizabeth, você pode reformar o banheiro se quiser. Eu não me importo.
— E você vai pagar?
— Claro, qualquer coisa. O que você quiser.
Ela olhou para mim então. Seus pálidos olhos azuis se estreitaram e ela me
inspecionou, como se eu fosse uma doença.
Desde a primeira vez em que nos encontramos, há quatro meses, eu me sentia
contraditório com a Elizabeth. Ela ficava irritada toda vez que eu estava sozinho
com ela, em algum espaço. Na semana passada, que foi a última vez que Janie e
eu passamos a noite em sua casa, Elizabeth fez comentários passivos e
agressivos sobre minha incapacidade de fazer uma boa xícara de café.
Eu sei fazer café. Eu faço um café muito bom. Ela simplesmente não gosta de
mim. Normalmente eu não me importo, mas a melhor amiga dela, é a mulher
com quem eu quero passar o resto da minha vida. É necessário fazer um esforço.
Encontrei seu olhar com o meu. Finalmente, ela falou.
— Então, Senhor Cara de Granito, do que se trata? — ela fez um sinal entre
nós dois. — Por que você quis me encontrar antes da Janie chegar?
Cruzei os braços, me preparando para negociar.
— Precisamos descobrir alguma maneira de nos darmos bem.
— Você está certo. — Ela não pareceu surpresa com a minha declaração.
— O que você não gosta em mim?
Ela levantou as sobrancelhas loiras.
— Não tenho nada contra você.
Eu não queria chamá-la de mentirosa, então não respondi.
Depois de um longo momento, ela continuou.
— Não é que eu não goste de você. Eu só não confio em você.
— Por que não?
— Porque não entendo suas motivações, e ainda acho que você está
escondendo alguma coisa. — Ela imitou minha postura, cruzando os braços. Ela
era pequena e parecia boba quando tentava parecer durona.
— Não estou escondendo nada.
— Oh, sério? — Elizabeth começou a esfregar o queixo com o polegar e o
indicador. — O que você fez com a Jem? O que aconteceu com todos esses
bandidos de Boston? Por que eles não prestaram queixa?
— Janie e eu discutimos tudo isso. Ela sabe que eu cuidei disso.
Elizabeth não escondeu sua raiva muito bem.
— Bem, Janie não vai me dizer.
— Isso é, provavelmente, para o seu próprio bem.
— Eu quero saber o que aconteceu. Eu não apanhei na cabeça para ficar tudo
por isso mesmo! E se eles voltarem? E quanto a Janie?
— Janie é mais forte do que você pensa, e vou protegê-la.
— Eu preciso saber, para poder cuidar dela. Você não pode protegê-la para
sempre! — Elizabeth balançou com os braços descontroladamente. Ela estava
começando a chamar atenção para si mesma. Eu não me importava
particularmente, mas era irritante.
E porque eu estava aborrecido, respondi sem pensar.
— Sim eu posso. Quando nos casarmos, ela vai...
— Vocês vão se casar? — a pergunta de Elizabeth ecoou nas banheiras de
porcelana e atraiu todos os olhos restantes para onde estávamos.
Olhei ao redor da loja. Não ofereci nada além de um olhar hostil em desculpas
por sua explosão, em seguida, peguei Elizabeth pelo braço e escoltei-a para os
fundos da loja. Quando fiquei satisfeito por ninguém estar escutando ou
assistindo, respondi em voz baixa.
— Eu não a pedi ainda.
Elizabeth piscou para mim, sua boca abriu e fechou. Eu desisti e revirei os
olhos.
Quando ela finalmente falou, sua voz era um sussurro apertado.
— Não acredito que você vai pedir para ela se casar com você!
Para minha surpresa, ela parecia animada e feliz. Pisquei para ela; minha boca
abriu e fechou.
— Oh meu Deus, você tem que me deixar ajudar! Eu quero ajudar! Isso é tão
excitante! — ela pulou para frente e para trás, batendo palmas.
Eu respondi com os dentes cerrados.
— Não. Eu não preciso da sua ajuda. Eu posso fazer isso sozinho.
Ela parou de pular e abruptamente franziu a testa. Sua voz ainda era um
sussurro, embora um pouco mais alta.
— Veja, é por isso que eu não gosto de você!
— Eu pensei que você gostasse de mim.
— Não, eu gosto de você, gosto de você por Janie, mas não gosto que você
esconda as coisas! Por que você faz isso?
Eu a estudei. As mãos de Elizabeth estavam plantadas na cintura e, pelo
menos, ela não parecia zangada. Ela parecia magoada. O que eu sabia sobre
Elizabeth, aprendi com Janie. Era óbvio que Elizabeth estava cuidando de Janie
de uma forma ou de outra desde a faculdade. Me ocorreu que talvez eu
precisasse modificar minha abordagem.
Molhei meus lábios e olhei para a porta, o que eu estava prestes a admitir seria
mais fácil se eu não tivesse que olhar para ela.
— Eu não estou acostumado a compartilhar informações, recursos e,
definitivamente, pessoas.
Eu a ouvi suspirar antes de falar.
— Bem, eu também. Mas eu amo Janie, e o que importa é a felicidade dela.
Eu quero que ela seja feliz.
— Você sabe que eu a amo — rosnei. O tom tenebroso de suas palavras me
irritava, e minha resposta e o olhar resultante eram superficiais.
— Eu sei... eu sei que você a ama — ela ergueu as mãos, os olhos arregalados
e pacíficos, e seu tom suavizou. — Mas temos que encontrar uma maneira de
nos darmos bem, você mesmo disse — ela adicionou em um suspiro. — Temos
que aprender a compartilhar.
Soltei uma respiração lenta e relutantemente. Admiti para mim mesmo que
Elizabeth estava certa; nós teremos que compartilhar Janie. Esse era o problema.
Eu não sabia como compartilhá-la. Eu nem tinha certeza se queria. Parte de mim
queria ficar na cama com ela, a cada segundo, de cada dia, e explorar seu corpo
perfeito. Havia uma ferocidade por trás do sentimento que ainda me surpreendia
e me pegou desprevenido. Mas eu amava Janie e isso significava que eu
precisava fazer certas coisas só porque eram boas para ela e a fazia feliz.
— Além disso, você pode achar que eu sou muito útil para manter por perto.
— A boca de Elizabeth se curvou em um sorriso suplicante. — Eu sou uma
aliada valiosa. Por exemplo, sou excepcionalmente boa com o tratamento de
feridas.
Me permiti um pequeno sorriso, mas sabia que não chegava a meus olhos. Eu
compreendi que ser amigo de Elizabeth era uma estratégia muito melhor do que
apenas tolerá-la.
Esfreguei minha mão no rosto. Antes de mudar de idéia, rapidamente consenti
com sua interferência.
— Ok, tudo bem.
— Está bem? Ok?
Voltei minha atenção para a loira baixinha e a encontrei me observando, as
mãos entrelaçadas esperançosamente.
— Ok, tudo bem, você pode me ajudar.
Um som estridente de chiado atingiu meus ouvidos e eu estremeci; então ela
me abraçou. Dei um tapinha nas costas dela, na esperança de acalmar esse pouco
de efervescência excessivamente zelosa.
— Você não vai se arrepender! Oh meu Deus, estou tão animada! Você
escolheu um anel?
Eu já estava me arrependendo, mas decidi guardar isso para mim mesmo.
— Não. Eu ainda não fiz nada. — Cruzando os braços sobre o peito, olhei
para o relógio e depois para a porta da frente. Janie chegaria a qualquer
momento e eu não queria falar sobre anéis de noivado com Elizabeth quando ela
aparecesse.
— Tudo bem, eu sei o que ela gosta. Eu posso ajudar com isso, mas não pegue
um diamante, a menos que seja sintético, porque...
— Eu sei, eu sei, as atrocidades do comércio de diamantes na África. Eu
estava pensando em dar alguma antiguidade para ela.
Elizabeth olhou para cima, pensativa, depois assentiu.
— Sim, é uma boa ideia. Você sabia que ela realmente ama rubis?
A pergunta prontamente me chamou a atenção. Esta foi uma informação
realmente valiosa.
— Não, não sabia disso.
Talvez Elizabeth pudesse ser útil apesar de tudo.
— É alguma coisa sobre o fato de que qualquer outra cor faça da gema uma
safira, mas se ela é vermelha, é considerada um rubi.
Eu senti meus lábios se curvarem em um sorriso. Um rubi seria perfeito para
Janie.
Nossa atenção foi atraída para a frente da loja, pelo tilintar de um sino
anunciando a entrada de um novo cliente. Eu sabia que era Janie antes de a ver.
Foi a coisa mais ridícula, mas meu coração apertou e expandiu quando ela entrou
em uma ala. Eu esperava a resposta descontrolada, mas ainda não me acostumei
com isso.
Meus pés estavam me levando para ela antes que minha mente entendesse sua
intenção. Eu estava muito ocupado percebendo que ela estava usando uma saia,
o que provavelmente significava que ela estava usando meia calça com renda no
topo. Ela sabia que me deixava louco. Eu já estava tramando encontrá-la sozinha
para que eu pudesse confirmar minha suspeita. Além disso, ela estava usando o
cabelo em um coque, e eu imediatamente comecei a formular planos para
esconder todos os seus laços de cabelo o mais rápido possível.
Chamei sua atenção quando me aproximei e, novamente, meu coração deu um
pulo quando ela sorriu.
Calor irradiava do meu peito para fora e automaticamente devolvi o sorriso
dela, porque era inevitável. Eu simplesmente não tive escolha.
— Ei. — Nós nos alcançamos, e sua palma macia encostou na minha
bochecha brevemente quando ela me deu um pequeno beijo.
Não foi o suficiente. Nunca era o suficiente.
Lutei contra o desejo de aprofundar o contato superficial e enfiei as mãos nos
bolsos. Eu nunca fui de demonstrações públicas de afeto. Agora, no entanto, eu
tinha dificuldade em manter minhas mãos longe do corpo de Janie,
independentemente de onde estivéssemos. Também tinha dificuldade em me
concentrar em qualquer coisa ou alguém além dela.
— Oi — ela respondeu, seu foco dividido entre o nosso entorno e eu. Nossos
arredores finalmente ganharam a batalha por sua atenção. — Amo este lugar. —
Ela respirou as palavras como se estivesse em reverência.
Eu a observei girar em círculo, lentamente. Seus olhos brilharam quando eles
perceberam a atmosfera esparsa e desordenada.
— Por que você ama isso? — eu tinha a sensação de que iria gostar da
resposta dela. Eu sabia que seria inesperada e única. Tudo nela era inesperado e
único. Ela era minha luz brilhante de excentricidade em um mundo muito
previsível e comum. Ela fez tudo novo e interessante ou engraçado.
Janie me lançou um olhar cético. Tenho certeza de que ela queria que
parecesse desconfiada, mas, ao invés disso, ela parecia adorável e linda.
— Você vai tirar sarro de mim.
Eu sorri sem querer, algo que estava se tornando muito comum quando
estávamos juntos.
— Eu não vou tirar sarro de você. Eu realmente quero saber. — Peguei a mão
dela, perdendo a guerra contra a restrição, querendo sentir o calor de sua pele
contra a minha. — Por que você gosta daqui?
Ela inclinou a cabeça, seus grandes olhos castanhos se movendo sobre o meu
rosto, depois encontrando os meus. Imaginei que eles estavam procurando a
sinceridade da minha declaração. Eu queria beijá-la novamente, mas sabia que
ela nunca responderia a pergunta se eu fizesse.
— É realmente embaraçoso, e é sobre o meu pior dia de todos, que realmente
se transformou em um dos melhores dias de todos os tempos, porque foi a
primeira vez que eu falei com você e olhei nos seus olhos. Você sabia que eu tive
muita dificuldade em fazer isso? Olhar para você, nos olhos, era difícil para mim
e, em minha defesa, há na verdade, várias culturas em que é sinal de respeito não
olhar nos olhos de alguém. Por exemplo, no Japão, crianças em idade escolar...
— Janie. — Movi minhas mãos atrás de suas costas, puxando-a contra mim.
— Por que você ama isso aqui?
Ela piscou, sua boca macia se abriu. Ela corou. Foi devastador e fez meu
pulso acelerar.
Eu costumava fazê-la corar de propósito. Eu gostava de enervá-la e observar o
modo como seus olhos se aqueciam, e eu particularmente amava o jeito que ela
olhava para mim através de seus cílios. Janie era brilhante e bonita. Eu adorava
que parecesse ser um dos poucos que poderia surpreendê-la o suficiente para
provocar uma reação involuntária.
Não é que Janie fosse fria, é que ela era naturalmente indiferente. Sempre que
eu a observava no trabalho ou em grupo, ela parecia se manter distante da ação,
mas nunca me pareceu intencional. Ela parecia estar mais confortável assistindo.
Talvez seja por isso que suas reações impulsivas eram tão gratificantes.
— São os acessórios do banheiro. — Ela limpou a garganta e levantou o
queixo, encontrando meu olhar diretamente, bravamente. — Eu sou fã de
banheiros. Eu os acho excepcionalmente bons para meditação.
Eu não pude deixar de rir.
— Meditação? Você medita no banheiro?
Ela assentiu, lutando contra um sorriso.
— Bem, é uma espécie de meditação. Eu costumava envolver todos os meus
pensamentos e colocá-los dentro de uma caixa em uma prateleira, em um
armário na minha cabeça, mas ultimamente, eu apenas sento no banheiro e
resolvo as coisas lá. Algo com toda a porcelana e azulejo, eu acho. — Ela se
afastou de mim, olhando por cima do meu ombro. — Ei, Elizabeth! Não sabia
que você já estava aqui.
Honestamente, eu esqueci que Elizabeth estava lá. Soltei Janie e dei um passo
para trás quando ela cumprimentou sua amiga.
— Sim. Cheguei aqui há pouco tempo. — Elizabeth sorriu calorosamente para
Janie e colocou um polegar por cima do ombro. — Estava olhando as torneiras.
— Terminou de procurar? A que horas é a nossa reserva? Porque eu não me
importaria em dar uma olhada se tivéssemos tempo... — Os olhos esperançosos
de Janie se moveram entre Elizabeth e eu.
— Temos muito tempo, a reserva é para às 18h30, e estamos a apenas dez
minutos de distância — lhe assegurei e ganhei um sorriso imediato.
Elizabeth pegou Janie pela mão.
— Venha, olhe estas. A liberação da alavanca é realmente suave.
Vi quando Janie e Elizabeth se aproximaram da fileira de torneiras de pia e
brincavam com os botões, fazendo “ooh” e “aah” em intervalos. Parei e apenas
estudei as duas: Janie, alta e perfeitamente com volume em todos os lugares
certos, contrastava com a forma mais baixa e esbelta de Elizabeth. Elas eram
opostas em muitos aspectos, mas interagiam com a facilidade praticada que só o
tempo e a amizade confiável trazem.
Quando elas esgotaram o tempo e voltaram para onde eu estava, fingi verificar
meu e-mail pelo telefone. Eu não queria admitir, na frente de sua amiga, que eu
estivera apenas a olhando pelo último quarto de hora, apreciando suas
expressões animadas e o jeito que ela se movia. Além disso, estudar a interação
delas me permitiu reconhecer o quão relaxada Janie ficava perto de Elizabeth.
Essa amizade significava muito para Janie. Significava muito para as duas.
Eu olhei para cima e encontrei o sorriso de Janie com um dos meus.
— Estamos prontos?
Janie assentiu, mordendo o lábio.
— Estou muito pronta. Estou com tanta fome que eu poderia comer um
cavalo, mas não na demonstração de grande riqueza ou no sacrifício aos deuses,
mas no modo coloquialista em que estou afirmando que estou com muita fome.
Elizabeth riu da explicação sincera de Janie e pegou meu olhar. Ela me deu
um pequeno sorriso, em seguida, abruptamente estreitou os olhos para mim.
— Uh... — Elizabeth de repente tirou o pager do hospital de sua bolsa. —
Bem, olhe para isso, fogo — ela olhou para Janie e sua expressão era de
desculpa. — Parece que eu não vou poder sair para jantar hoje à noite. —
Elizabeth me olhou brevemente, em seguida, acrescentou: — Acho que serão só
vocês dois, crianças, hoje à noite.
Uma das minhas sobrancelhas se levantou, como é meu hábito quando
suspeito de uma pessoa ou de uma situação. O tempo de seu pager parecia muito
notável e eu soube imediatamente o que Elizabeth estava fazendo. Ela teve
quinze minutos ininterruptos de Janie em uma loja de utensílios de banheiro.
Elizabeth estava me mostrando que ela também podia compartilhar Janie, saindo
graciosamente do jantar.
Janie franziu a testa.
— Isso é muito ruim. — Seu olhar piscou para mim, em seguida, de volta para
Elizabeth, e o volume de sua voz estava ligeiramente mais baixo quando ela
falou novamente. — Eu estava realmente esperando que você e Quinn pudessem
ter uma chance para ... você sabe, conversarem e se conhecerem um pouco
melhor.
Eu assisti como sua amiga loira lhe deu um sorriso suave.
— Vou ter que remarcar. Sinto muito. Eu realmente tenho que ir. — Elizabeth
apertou a mão de Janie e então se moveu em direção à porta. — Divirtam-se!
Meus lábios se torceram para o lado quando Elizabeth passou por mim e eu
lhe dei um sorriso agradecido, que eu tinha certeza que alcançou meus olhos. Ela
me lançou um olhar significativo, que me disse inequivocamente: “Você me
deve uma.”
Balancei a cabeça para confirmar que eu entendi e que pretendia devolver. Na
verdade, eu pretendia explorar o conhecimento de Elizabeth sobre os gostos de
Janie, ao escolher um anel de noivado e planejar a proposta. Minhas futuras
interações com Elizabeth seriam mutuamente benéficas e, surpreendentemente,
eu estava realmente ansioso para me tornar amigo dela. Estava ansioso para ver
como Janie ficaria feliz.
O suspiro de Janie atraiu minha atenção de volta para ela, e eu a envolvi em
meus braços enquanto o sino tilintava na porta da frente, anunciando a partida de
Elizabeth.
— Isso é muito ruim. — Ela se aconchegou contra o meu peito.
— Haverá uma próxima vez.
Janie grunhiu sem compromisso, depois se inclinou para trás, chamando
minha atenção.
— Vocês dois conversaram antes de eu chegar?
Eu assenti.
— Conversaram sobre o quê?
Inclinei a cabeça para o lado e me permiti estudar suas feições. Ela tinha um
rosto bonito, lábios perfeitos, sardas leves, olhos grandes. A cor dos olhos dela
era de ouro, e isso me fez querer escrever poesias e contratar um escritor.
— Quinn?
Eu pisquei para seu rosto virado para cima.
— Uh... o quê?
Ela corou e olhou para mim através de seus cílios.
— Sobre o que vocês dois conversaram antes de eu chegar?
Limpei minha garganta para parar. Eu não queria mentir, eu não iria mentir,
mas eu não poderia lhe dar toda a verdade também. Em vez disso, optei pelo que
ela chamava de verdade seletiva. Neste caso, me senti completamente
justificado.
— Estávamos discutindo um projeto meu. Ela pensou que poderia me ajudar,
já que ela tem familiaridade com o assunto. — Dei de ombros e gentilmente
comecei a desenrolar seu cabelo.
— Ah. — Seus olhos se moveram entre os meus, procurando, e eu segurei seu
olhar corajosamente. — Você vai deixá-la ajudar?
Eu assenti.
— Sim. Ela vai me ajudar. Acho que vai ser bom. — Consegui soltar o cabelo
dela e senti meu corpo apertar com a abertura de sua expressão emoldurada pela
massa de plumagem selvagem.
Seu sorriso foi lento, encantado, e fez minha respiração parar.
— Estou tão feliz.
Eu a observei por um momento, e pensei seriamente em cair de joelhos e
propor ali mesmo, na loja de artigos para banheiro de luxo, na West Lake Street.
Eu olhei para essa linda mulher, e tudo que eu conseguia pensar era em Querer.
Minha. Precisar.
Antes que eu pudesse compensar o impulso de Neanderthal, Janie me deu um
beijo rápido e saiu de meus braços. Ela deslizou os dedos entre os meus e me
puxou para a porta.
— Vamos. Quanto mais cedo formos comer aquele cavalo, mais cedo
poderemos voltar para sua casa. — As sobrancelhas de Janie balançaram
desajeitadamente e permiti que ela me levasse da loja. Eu estava ocupado
admirando seu traseiro e a forma de suas pernas nos saltos estiletes ridículos que
ela usava, quando ela abriu a porta.
Nós andamos pela rua em direção ao restaurante e ela segurou minha mão.
Fiquei em silêncio porque minha mente ainda estava vagando. O pensamento
dela como minha esposa me dominou. Eu era indigno de seu brilho e doçura,
mas eu me casaria com ela se ela me quisesse, e eu nunca a deixaria ir.
— Ei — ela me cutucou nas costelas. — Por que essa cara?
Engoli a espessura na minha garganta. Minha voz soava rouca para os meus
próprios ouvidos.
— Que cara?
— Essa. Séria e determinada. É a aparência que você tem quando está prestes
a chover um mundo de dor.
— Chover um mundo de dor? De onde você tirou isso? — inclinei a cabeça
para o lado, estreitando meus olhos.
— De Steven. Nós estávamos falando sobre como você choveu um mundo de
dor na Olivia, semana passada.
Na verdade, eu a demiti e não fui gentil também. Eu não tolerava a
incompetência.
Fiz uma careta.
— Ela era ruim em seu trabalho. Precisava sair.
— Eu concordo, mas não mude de assunto. Por que está com cara de chover
um mundo de dor?
— Não estou, não. É... balancei minha cabeça e a fiz parar. Meus braços a
cercaram. Pressionei seu corpo contra o meu e a beijei suavemente, a pegando
desprevenida. Apesar de sua surpresa inicial, ela respondeu lindamente e me
permitiu tomar o que eu precisava: seu calor e sua aceitação cega.
Exceto que ela não era cega, ela era inteligente. Ela me conhecia e me amava
mesmo assim.
Me afastei, apenas o suficiente para que seus olhos estivessem em foco. Seus
cílios se abriram e ela olhou para mim, confiante e feliz.
Minha voz era um grunhido.
— Eu te amo.
Ela sorriu.
— Eu sei.
Soltei uma respiração lenta e me perdi em seus olhos dourados de musgo.
— Eu não mereço você.
Ela lambeu os lábios, baixou o olhar para minha boca e seu sorriso se alargou.
— Ah, você me merece. — Ela assentiu com a cabeça, seus olhos se voltando
para os meus. — Você me fez destemida.
Foi uma confissão e eu senti como um grande peso no meu peito. Eu queria
lhe fazer uma confissão também. Engoli com esforço, em seguida, esfreguei
meus lábios nos dela. Minhas palavras foram um sussurro que só ela podia ouvir.
— E você me faz um cara legal.
O fim
Table of Contents
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo

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