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Hora Grande Outubro de 2016 - Ano XXI - Edição 167 15

BaBa Wanderson Professor de Filosoia e Bioética da Fones: (61) 992561029 (Claro/Whats)


Flor do nascimento Universidade de Brasília (UnB) e
Sacerdote do Candomblé, de nação Angola. 996118547 (vivo)
tata nkosi namBá E-mail: wandersonn@gmail.com Facebook Uã Flor Do Nascimento

intolerância ou racismo?
Vemos, nos úlimos anos, que desumanizou e escravi- grupos Wiccas) vimos serem racismo religioso, pois con-
um número crescente de zou milhões de pessoas que perseguidos em redes aber- siste em projetar a dinâmica
ataques e perseguições a foram forçadas a deixarem tas de TV e rádio nacionais, do racismo a nossas práicas.
territórios e pessoas vin- suas, famílias, suas tra- embora sejam bastante dis- Assim, isso que chamamos
culadas às religiões de ma- dições, seus territórios. seminadas no Brasil? (ao meu ver, incorretamen-
trizes africanas em nosso A idéia de constituir Minha suspeita é de que te) de “intolerância religio-
país. Templos derrubados, comunidades de terreiros o que incomoda nas religiões sa” nada mais é do que uma
queimados, invadidos, visa exatamente reconsi- de matrizes africanas são projeção do racismo sobre
pes-soas que vivenciam tuir um modo de vida que exatamente o caráter de que nossos povos e comunidades,
essas religiões sendo foi usurpado de nossas an- elas mantenham elementos em função de suas heranças
mortas, agredidas, tepassadas. Esse roubo, essa africanos em sua consitui- negro-africanas.
desrespeitadas. Tendemos usurpação teve como motor ção; e não apenas em rituais,
a pensar que esse mas no modo de organizar a E um dos primeiros ges-
e combusível o racismo. E tos do racismo religioso é
fenômeno é um conjunto a simples existência dessas vida, a políica, a família, a
de expressões da economia etc. E como o his- reduzir toda a complexida-
religiões pode ser pensada de dos modos de vida afri-
intolerância religiosa. Mas como um dos mais impor- tórico racista em nosso pais
será que é só isso? Aliás, coninua, mesmo com o im canos que se mantém e se
tantes gestos de resistência reorganizam nesses povos e
será que é isso? anirracista que nosso con- da escravidão, tudo o que
Práicas como os Batu- seja marcado racialmente comunidades a um caráter
inente conhece. religioso, como se apenas
ques, Umbanda, Candom- coninua sendo perseguido.
blés, Quimbanda, Terecô, Quando vemos uma izéssemos rituais. Também
pessoa que vivencia algu- Por isso, penso que a fazemos rituais, mas não é
Tambores, entre tantas expressão “intolerância re-
outras, se consituíram no ma dessas religiões ou seus só isso! Simpliicar toda uma
territórios serem agredidos ligiosa” não é suiciente para matriz cultural a uma prái-
Brasil como comunidades entender o que acontece
que preservaram saberes e atacados, independente- ca religiosa é construir uma
mente da cor que essa pes- com as comunidades que “desculpa” para ocultar o
africanos e indígenas diante vivem as religiões de matri-
do contexto racista colonial soa tenha, assisimos uma racismo como ação políica
retaliação exatamente a esse zes africanas, pois não é ape- e deslocar a questão para o
que organizou a construção nas o caráter religioso que é
de nosso país. É verdade que modo de vida reorganizado campo da “verdade” das dis-
pelas nossas ancestrais. recusado efeivamente nos putas religiosas entre cren-
esses cultos mantiveram ataques aos nossos templos
uma espiritualidade africa- ças hegemônicas e crenças
Atritos e discordâncias e irmãs/os que vivem essas inferiorizadas, atrasadas,
na, mas também conserva- entre perspecivas religiosas religiões. É exatamente esse
ram valores de organização falsas etc.
são uma constante na histó- modo de vida negro, que
social, saberes ancestrais, ria do mundo. E em nosso mesmo que seja vivenciado E parece que não é disso
modos de cuidar da vida, da país não é diferente. Mas por pessoas não negras, que que se trata! Enfrentar o ra-
saúde, das outras pessoas, aqui, há uma maneira muito se ataca. cismo religioso é uma forma
dos processos econômicos paricular dessas desavenças de desmascarar a coninua-
que foram herdados do con- se expressarem. A hegemo- Não se trata de uma into- ção da mentalidade racista
inente africano. nia das crenças cristãs não lerância no senido de uma que permeia a sociedade
Por isso, podemos di- faz com que qualquer reli- recusa a tolerar a diferença
zer que essas religiões são brasileira e que ataca tudo
gião não cristã seja atacada marcada pela inferioridade que tenha heranças africa-
muito mais que religiões, no da mesma forma. Quantos ou discordância, como po-
modo como o ocidente as nas de resistência, levando
templos budistas, quantas dem pensar algumas pes- pessoas e insituições a des-
entende: são modos de vida sinagogas, quantas mesqui- soas. O que está em jogo é
que contém em seu interior respeitarem os territórios,
tas vimos serem derrubados exatamente um desrespeito crenças, práicas e saberes
uma espiritualidade. Se são pelo Estado ou incendiados em relação a uma maneira
religiões, o são muito mais que se mantêm em torno
por gestos de intolerância? africana de viver, um modo dos terreiros. E se são esses
em uma conotação políica, Quantas pessoas não-cristãs negro de organizar as rela-
no senido de reconstruir legados africanos que inco-
que não praicam as religi- ções com o mundo, com a modam nas religiões de ma-
vínculos quebrados pelo ões de matrizes africanas ve- comunidade, com a nature-
racismo e pela colonização trizes africanas é mais que
mos serem mortas, sofrerem za e com as outras pessoas, compreensível o moivo pelo
entre as pessoas africanas e tantos ipos de violências com os saberes.
suas histórias pregressas ao qual o racismo religioso seja
ísicas e verbais apenas por a causa fundamental desses
processo escravizador que não serem cristãs? Neste senido, penso que
aconteceu em nosso país: lamentáveis ataques que
é mais preciso pensar esses assisimos lasimavelmente
inham – e têm – a função de Quantas práicas de ori- ataques aos povos, comuni-
religar comunidades quebra- crescer em nosso país!
gem europeia que evocam dades e territórios de matri-
das pelo violento processo magias e feiiçarias (como os zes africanas em termos de Estejamos atentas/os!

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