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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – PUCRS

CURSO DE HISTÓRIA

LEONARDO DE MARTINI DA COSTA

FICHAMENTO I:
A História da Vida Privada

Porto Alegre
2022
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – PUCRS
CURSO DE HISTÓRIA

LEONARDO DE MARTINI DA COSTA

FICHAMENTO I:
A História da Vida Privada

Trabalho apresentado para a disciplina


História Contemporânea (Era das
Revoluções), pelo Curso de História da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS, ministrada pelo
professor Helder V Gordim da Silveira.

Porto Alegre
2022
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Sumario

1. Introdução 3
2. A Invasão do Público ao Privado 4
3. Os Símbolos da Revolução 5
4. Relação Estado e Religião 6
5. Influência da Revolução no Âmbito Familiar 7
6. O Papel da Mulher Durante a Revolução 8
7. Legado Revolucionário 9
8. Conclusão
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9. Referência Bibliográfica
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1. Introdução

O fichamento a seguir tem como objetivo principal analisar a vida privada dos
cidadãos franceses de Paris durante a Revolução Francesa, com o objeto principal
de analise o texto de Michelle Perrot “História da Vida Privada”, a fim de entender as
modificações da vida privada francesa e as principais alterações do privado devido à
invasão da vida pública e revolucionária. Possuindo também o foco na revolução em
suas relações com a vida privada e como lhe interferiram, como por exemplo: a
família, a igreja e a educação.
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2. Invasão do Público ao Privado

Primeiramente, para entendermos a mudança cultural francesa durante a revolução,


precisamos entender a diferença entre o público e privado na pré-revolução, que
consistia na separação da vida privada envolvendo: família, grupos, educação,
religião, intimidade e vestimentas; já a vida pública é aquela que expomos para a
sociedade, demonstrando através do engajamento político, do debate de ideias,
reuniões públicas e demonstração dos costumes éticos e morais.
Em meio a Revolução Francesa, com a interferência revolucionária, a vida privada
foi severamente invadida pela vida pública, definindo as práticas privadas como
conspiratórias ou traição à nação francesa. Os revolucionários delimitaram que os
interesses privados não deveriam transpassar os interesses da nação, pois o termo
“privado” para os revolucionários indicava algo a parte dos ideais da revolução.
Uma intensa vigilância da revolução contra a população francesa se iniciou,
tornando reuniões, grupos e círculos privados como atos contrarrevolucionários,
sendo denunciados imediatamente e os envolvidos acusados como conspiradores
da causa revolucionária. A vigilância contra a população definia que.

Se o homem público não defendia a Revolução de


maneira satisfatória, o homem só podia ser corrupto”.
(Perrot, 1987, pág.22)

Assim, o homem privado deveria por obrigação à nação e à revolução, se tornar


público, e se tornar notoriamente patriota e aderir aos ideais revolucionários de
liberdade, igualdade e fraternidade. Robespierre em 1894, durante seu período do
terror, realiza seu discurso como porta-voz do Comitê de Salvação Pública,
comparando as virtudes da república com os vícios e corrupções do antigo regime.

“Em nosso país queremos substituir o egoísmo pela moral,


a honra pela probidade, os usos pelos princípios, as conveniências
pelos deveres, a tirania da moda pelo império da razão,
o desprezo à desgraça pelo desprezo ao vício, a insolência pelo orgulho,
a vaidade pela grandeza de alma, o amor ao dinheiro pelo amor à glória” (...).
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(Perrot 1987, pág.23)

3. Os Símbolos da Revolução

Os símbolos da revolução se tornaram uma marca registrada desde a abertura dos


Estados Gerais em 1789, com o engajamento dos cidadãos ao aderir à utilização da
roseta tricolor e as vestes pretas e iguais, servindo para demonstrar sentido de união
e igualdade; entretanto os trajes da nobreza utilizavam cores vivas, plumas em seus
chapéus e objetos de ouro, esta diferença ficou marcada para os revolucionários,
tornando o vestuário uma base para a demonstração de patriotismo à França.
Nos anos que se seguiram a revolução, os jornais de moda incitavam as mulheres a
utilizarem roupas que remetessem a revolução e o mesmo se voltou para os homens
que definiam as vestimentas como a base para o homem público e republicano.

Segundo o Jornal de la Mode et du Gout [Jornal da Moda e do Gosto],


a “grande dama” de 1790 veste “cores listadas estilo nação”, e a
“mulher patriota” usa “tecido de cor azul-rei com chapéu de feltro negro,
fita de chapéu e roseta tricolores (...). A partir de 1792, o barrete vermelho,
o casaco estreito com várias filas de botões e as calças largas
passam a definir o sans-culotte, isto é, o verdadeiro republicano.
(Perrot, 1987, pág.24)

Aqueles que não adotaram a roseta tricolor e os trajes dos sans-culottes, eram
denominados aristocratas ou moderados, delimitando através da vestimenta o ideal
revolucionário do indivíduo e seu lado político dentro da revolução. Não existiam leis
que obrigassem os cidadãos franceses a adotarem estas vestimentas, mas o terror
que Robespierre trouxe aos cidadãos, fez com que a população de Paris buscasse
utilizar as vestimentas a fim de despistar as suspeitas por parte dos revolucionários.
Entretanto a partir de 1792, todos os homens franceses deveriam aderir
obrigatoriamente a utilização da roseta tricolor, fazendo parte da vestimenta de todo
cidadão francês; e a partir de 1793, todos os homens e mulheres deveriam utilizar a
roseta tricolor obrigatoriamente. A Convenção Nacional procurou o pintor e deputado
Jacques Louis David para criar projetos de trajes para os cidadãos franceses
utilizarem, tendo a intenção de tornar as vestimentas padronizadas, assim
demonstrando igualdade entre os indivíduos.
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A forma de repressão e suspeita de conspiradores foi tão tamanha, que até mesmo
deputados chagavam a propor formas de se dirigissem uns aos outros, utilizando o
“tu” para se comunicarem de republicano para republicano, sendo aqueles que não
utilizassem o pronome pessoal “tu”, seriam considerados suspeitos pelo Estado;
entretanto a proposta não acabou sendo aceita pela Convenção, mas alguns
deputados e revolucionários aderiram ao pronome e começaram a utiliza-lo ao se
relacionar entre republicanos.

4. Relação Estado e Religião

Os revolucionários tinham a igreja católica como uma aliada do Antigo Regime,


sendo o clero o responsável pelo pensamento popular através das paroquias e
dioceses, possuindo um diálogo direto com a maior parte da população francesa,
sendo no caso os camponeses, estes que viam na igreja a salvação de seus
problemas privados. Um dos principais motivos do Estado Revolucionário se opor
contra a igreja, foi a intervenção da igreja na vida privada dos cidadãos, essa
influência da igreja dentro da vida privada se tornava uma ameaça para a revolução,
considerando logo de início a igreja como uma inimiga da nação.
Ao início da revolução, a necessidade financeira fez com que a Convenção
Nacional optasse por confiscar os bens da igreja católica e a confiscação das terras
que ela possuía, os bispos e padres passariam a realizar um juramento civil para a
Convenção e abdicar de suas vestes para continuar a exercer suas funções
religiosas, deste modo o clero passariam a ser funcionários públicos do Estado.
Estes atos da revolução contra a igreja enfureceram muitos católicos ao redor da
França, principalmente os padres, que possuíam uma comunicação direta com os
camponeses franceses, assim surge o clero refratário, que tinha como objetivo
desestabilizar a revolução acusando os revolucionários de pecadores e tiranos.

“O novo Estado atacou frontalmente os poderes das comunidades do Antigo


Regime em muitos outros campos – a Igreja, as corporações, a nobreza,
a comunidade de aldeia e o clã familiar (...) O catolicismo, ao mesmo tempo um
conjunto de crenças privada e cerimonias públicas, congregação de fiéis e
instituição poderosa, foi campo das mais acesas lutas públicas (e talvez privada).”
(Perrot, 1987, pág.32)
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Outro fator importante foi que o Estado se tornaria responsável pelas cerimonias
realizadas pela igreja, assim os casamentos passariam a ser papel do Estado
organizar e no lugar de um padre, um funcionário público seria o responsável por
consagrar o matrimonio de modo civil. Estes casamentos possuíam a possibilidade
de divorcio caso ambas as partes aceitassem em se separar, sendo este ato
abominável pela igreja, assim desconsiderando os casamentos realizados de modo
civil. Os bispos teriam agora que ser nomeados através das eleições, tornando a
igreja católica francesa subordinada ao Estado revolucionário.
Este conflito entre Estado e Igreja iria durar até 1801, quando Napoleão Bonaparte,
se reúne como o Papa Pio VII. O acordo entre Napoleão e o Papa resultou na Igreja
Católica Romana ser considerada majoritária na França. A Concordata foi assinada
em 15 de julho de 1801, com os líderes da Igreja Católica prestando juramento civil
exigido pelo acordo, assim acabando com o conflito interno do clero refratário com
os revolucionários, e o conflito entre os Estados Papais com a França
Revolucionária.

“As igrejas paroquiais, que haviam se transformado em granja,


Estábulos, salitreiros, peixarias ou salas de reuniões de
associações, foram restauradas e reconsagradas.”
(Perrot, 1987, pág.34)

5. Influência da Revolução no Âmbito Familiar

A revolução influenciou as famílias francesas de todas as formas, configurando um


controle autoritário, além da proibição de atos privados que comumente estão
ligados ao âmbito familiar. A interferência do Estado revolucionário dentro da família
francesa se iniciou com a exigência de certas vestimentas, a alteração do
casamento religioso pelo civil e a criação do divórcio.
Outra alteração importante para a vida privada foi a mudança do calendário
gregoriano, inserindo para o povo francês o chamado “calendário revolucionário”,
sendo adotado em 1793, sendo seu início a partir da data de 22 de setembro de
1792, dia em que a República Revolucionária tomou posse da França.
Voltando para a questão do divórcio, essa criação foi inovadora para a questão da
família, pois permitia que casais desfizessem seus votos religiosos ou civis, com o
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pretexto de que não eram compatíveis ou se o marido ou esposa estiver


desaparecido por mais de 5 anos, entretanto um requisito importante para o divórcio,
é de que ambos concordem na separação.
Para a revolução, o casamento era um contrato civil, entre o homem e a mulher e
uma liberdade importante para o indivíduo, assim em 1792, o Estado revolucionário
atribuiu outros requerimentos para o pedido de divórcio, sendo a condenação do
cônjuge, a insanidade, adultério, injurias e emigração, eram algumas das causas em
que o homem ou a mulher poderiam pedir o divórcio de seu cônjuge.

“O divórcio foi a consequência lógica das ideias liberais expressas na Constituição de


1791. O artigo 7 tinha secularizado o casamento “A lei agora considera o casamento
apenas como um contrato civil”. Se o casamento Era um contrato civil fundado sobre
o consentimento de ambas as partes, ele poderia ser rompido.”
(Perrot, 1987, pág.37)

Entretanto com a chegada de Napoleão ao poder da França, foi instituído que as


mulheres para pedir divorcio por adultério deveriam encontrar a amante em sua
residência. Outra alteração foi o tempo de casamento para o pedido de divórcio,
delimitando que a duração do casamento deveria possuir entre 2 e 20 anos de
matrimonio, e para a realização do divorcio deveria também possuir a autorização
dos pais do homem e da mulher, assim interferindo ainda mais na questão familiar
privada.

6. O Papel da Mulher Durante a Revolução

A figura da mulher francesa foi de extrema importante quando a revolução se


iniciou, com mulheres pegando em armas e causando um verdadeiro caos
revolucionário nas ruas de Paris, entretanto quando a revolução se alicerçou e
convocou a Convenção Nacional, a mulher não possuía mais espaço dentro do
republicanismo, pois era considerada uma figura inteiramente do ramo privado
familiar.
A revolução pós sobre a figura feminina a de individuo de bons costumes, zelosa e
fiel ao seu cônjuge, sendo integra tanto a sua família quanto a revolução. Também
era consideradas inaptas para a intelectualidade, devendo exercer seu papel apenas
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como mãe nos espaços privados, realizando afazeres domésticos e educando seus
filhos. Esta figura da mulher requintada e do lar se tornou mais forte devido as
guerras da França Revolucionária contra as coalizões, logo enquanto o homem
revolucionário e republicano estava nos campos de batalha defendendo sua pátria
francesa, a mulher estava encarregada do papel de cuidar de sua família e de seu
lar.
Entretanto com a inserção do divorcio no contexto familiar privado, a mulher
adquiriu uma forma de desatar de seu cônjuge, mesmo que o processo fosse
demorado e precisasse realizar audiências em tribunais familiares para averiguar se
o casal era mesmo infeliz, sendo os familiares as testemunhas de ambos os
cônjuges.

“O casal infeliz devia proceder por intermédio de um tribunal de família


ou de uma assembleia familiar, conforme o motivo do divórcio. Essa instancia
se compunha de parentes (ou de amigos, caso não houvesse parentes)
escolhidos pelos dois cônjuges, para julgar da aceitabilidade do pedido, para
Tratar dos acertos financeiros e da guarda dos filhos.”
(Perrot, 1987, pág.40)

Outro fator importante foi a influência de Donatien Alphonse François de Sade,


conhecido comumente como marques de Sade, sendo ele uma figura importante
para a vida sexual das mulheres. Responsável pela criação de textos extremamente
eróticos que buscavam explicitar a sexualidade, Sade exaltava a beleza feminina,
glorificando a mulher e suas virtudes, com uma imagem pura e delicada, e devido ao
seu ideal revolucionário, Sade salientava em suas obras que a liberdade feminina
possuía uma busca pelo prazer sem restrições, sem lei ou desejos.

7. Legado Revolucionário

A revolução deixou um legado tanto para a França, quanto para o restante da


Europa, influenciando primeiramente a população francesa com os ideais
revolucionários e interferência na vida privada, mas também influenciando outras
culturas europeias para adotarem tais mudanças na vida privada. A implementação
dos casamentos civis, divorcio, vestimentas, símbolos nacionais e sentimento
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patriótico foram algumas das mudanças e inovações que a revolução trouxe para a
história europeia.

“Cada um é atingido de alguma maneira – os filhos partem para a guerra,


os padres são deportados, as igrejas se tornam locais civis antes de serem
reconsagradas, as terras são vendidas em leilão e depois readquiridas pelas
famílias emigradas que retornam à França, os casamentos não são mais
celebrados da mesma maneira e o divórcio se torna possível.”
(Perrot, 1987, pág.43)

A modificação dos costumes sociais foi algo iniciado pelos revolucionários no


começo da revolução e se concretizou conforme a revolução prolongava-se, com
seu ápice no período do terror, com a vida privada sendo intensamente invadida
pela vida pública e pelo autoritarismo do Estado revolucionário de Robespierre.
Entretanto estas mudanças sociais seriam sentidas gravemente apenas pela
população dos grandes centros urbanos, como: Paris, Lyon, Rouen, Marseille e
Toulouse; no campo estas mudanças seriam sutis, recebendo estas mudanças aos
poucos, já que o clero refratário impedia os camponeses de adquirir as ideias
revolucionarias, algo que seria alterado com a chegada de Napoleão e a conciliação
do Estado revolucionário com a Igreja Católica.

8. Conclusão

Levando em consideração os aspectos abordados pela revolução contra a vida


privada, fica evidente a interferência da vida privada francesa de modo político,
social e religioso, mudando totalmente a cultura francesa e reestabelecendo novos
padrões para a vida privada moderna.
O livro de Michelle Perrot, levanta questões sobre o medo da população sobre a
revolução e a alteração do modo de vida dos franceses através das vestimentas,
costumes, religião, calendário e divórcio, sendo a vida privada passando a ser
considerada suspeita pela revolução e acusando-a de conspiração e
contrarrevolucionária. Entretanto mesmo com diversas práticas autoritárias, a
revolução trouxe para a população francesa um ideal patriótico e sentimento de
nacionalidade de “ser francês”, através da utilização dos símbolos nacionais como a
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roseta tricolor, estatuas remetentes a liberdade, ou as vestimentas republicanas que


carregam o símbolo da revolução.
A quebra da vida privada foi de extrema importância para a revolução, pois
conseguia adquirir um maior controle sobre os indivíduos que possuíam costumes e
maneiras particulares que não seguia os ideais revolucionários; ao transformar aos
poucos a vida privada em pública, se tornou difícil para aqueles
contrarrevolucionários se manifestarem no ambiente privado, criando um maior
controle do Estado sob aqueles que queriam o fim da revolução.

9. Referência Bibliográfica

PERROT, Michelle. A História da Vida Privada, 1987 (pág. 21-51)

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