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do roqueiro Silvio, um dos mitos sevilhanos, que morreu alcoolizado. Muitos dos
bares da zona têm uma foto dele – como se fosse um santo –, que mostra uma
taça cheia de conhaque. Depois de se casar com uma moça da nobreza inglesa,
de se separar e ter um filho que não chegou a conhecer e depois de muitas
atribulações, o cara começou a juntar as peças com as poucas informações que
sua mãe lhe havia dado, veio a Sevilha e descobriu quem era seu pai. E se fala
de como Silvio começou a conhecer os amigos e os músicos de seu pai, de como,
sem saber espanhol, aprendeu as canções de seu pai e as cantava com seu grupo
de rock; de como hoje é um novo mito (o filho de Silvio), que periodicamente
vem com sua banda ao local chamado A Caixa Negra, em La Alameda, de
como as pessoas vão escutá-lo, porque canta e bebe igual a seu pai e parece a
reencarnação viva daquele mito que morreu alcoolizado.
ANTECEDENTES E REFERÊNCIAS
McLuhan já previu, em meados do século XX, o que hoje é uma realidade
exponencialmente aumentada, devido ao enorme impacto das tecnologias
da informação e comunicação, mais utilizadas pela infância e juventude nas
ruas e nos lares do que nas salas de aula:
* N. de T.: No final dos anos de 1850, Tolstoi abre sua própria escola em sua propriedade Iasnaia
Poliana, na qual ele mesmo dava aulas para os filhos de camponeses de uma forma liberal. A liber-
dade da criança deveria ser totalmente preservada, rejeitando-se interrogatórios e notas.
** N. de T.: Grupo criado em 1876 por catedráticos afastados da Universidade Central de Madrid, que
defendiam a liberdade e eram contra adequar seus ensinos a dogmas religiosos, políticos ou morais.
Foram inspirados pela filosofia de Karl Christian Friedrich Krause.
* N. de T.: Movimento intelectual espanhol, surgido no final do século XIX, que refletia sobre as causas
da decadência da Espanha e a perda de suas colônias de forma objetiva e documentada. Defendia a
renovação da vida política espanhola. Seu principal representante foi Joaquín Costa.
Mais adiante, veremos as razões por que essa alternativa gerou segui-
dores apaixonados e críticos radicais e como, apesar de que não se tem notí-
cia da morte da escola, existem algumas alternativas a esta, como a escola
em casa (home schools) e o grande desenvolvimento das tramas e redes de
aprendizagem na sociedade da informação e do conhecimento.
* N. de R.T.: Homeschooling, do inglês “educação domiciliar”. Forma de ensino que oferece aos pais a
possibilidade de educar seus filhos em casa, sem a necessidade de matriculá-los em uma escola de
ensino regular. No Brasil não há amparo legal para a educação domiciliar com base nos seguintes docu-
mentos: o artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que diz ser dever dos pais ou responsáveis efetuar
a matrícula das crianças na educação básica, a partir dos 4 anos de idade; o artigo 129 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) que impõe aos pais ou responsáveis a obrigação de matricular seus
filhos na rede regular de ensino; e o artigo 246 do Código Penal que classifica casos semelhantes como
crime de abandono intelectual. Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), existe
atualmente cerca de 2,5 mil famílias brasileiras que utilizam esta forma de ensino.
[...] já não nos serve o velho modelo, baseado na aceitação passiva dos con-
teúdos produzidos por meritocracias e indústrias da publicação fechadas ao
mundo. Os novos modelos apostam na abertura, no fim dos espaços fechados
dentro e fora da web. As redes sociais e de conteúdos distribuídos e centraliza-
dos em ambientes autoconstruídos são elementos essenciais deste futuro. [...]
O aumento do interesse pela gestão do conhecimento em contextos dinâmicos
e complexos mostra a necessidade de uma teoria que trate de explicar a relação
entre a aprendizagem individual e a organizacional. (REIG, 2012).
sível com o imprevisível; o espaço cheio de vida com aquele de mero trân-
sito; os cenários do prazer com os lugares da dor; as proibições e barreiras
visíveis com aquelas escondidas ou invisíveis; as cidades inacabadas com as
cidades ameaçadas.
A cidade é uma fusão de identidades culturais e sociais. Uma bifurca-
ção de caminhos e histórias. Uma sinfonia de sons e linguagens (orais, escri-
tos, corporais, imagéticos, simbólicos, de costumes, de geometrias, etc.) que
se modificam no transcurso do dia e da noite.
A cidade, em síntese, constitui um livro aberto, uma espécie de
Wikipédia, em que todo sujeito pode contribuir livremente, acessar, rela-
cionar, contextualizar, reelaborar, compartilhar, sistematizar, sintetizar e se
questionar continuamente em torno de um amplo e incalculável capital de
conhecimentos.
O contrato intergeracional
Antes da escolarização da infância, o processo de socialização natural trans-
corria em uma contínua relação de proximidade no trabalho e na vida coti-
diana. A escola supôs uma conquista e um espaço de proteção da infân-
cia, mas também um espaço de perda de contato e distanciamento entre
* N. de T.: Coletivo que atua na área da cultura digital, audiovisual e na educação e comunicação.
A Zemos98 organiza todo ano, em Sevilha, um festival para agregar grupos e artistas que trabalham
no mesmo sentido. Os trabalhos da Zemos podem ser vistos no site do coletivo (www.zemos98.org).
** N. de R.T.: Referente ao pensador austríaco Ivan Illich, cujas ideias influenciaram aos que criticavam
a escola e problematizavam a educação. Sua obra mais famosa é Sociedade Sem Escolas (1971) em que
defende a desescolarização da educação, autodidatismo e redes de aprendizagem.
EXPERIÊNCIAS
* N. de T.: “A Cidade das Crianças” é uma iniciativa que nasceu em 1991, na cidade italiana de Fano,
e consiste em uma filosofia de governança dos municípios, tomando-se as crianças como parâmetro
das necessidades de todos os cidadãos. Desse modo, elas são ouvidas, e a cidade é projetada a partir
das suas opiniões e ideias. O pedagogo Francesco Tonucci é o autor e promotor desse conceito.
A deriva urbana
Charles Baudelaire e Walter Benjamin fazem referência ao passante sem
rumo, que experimenta a cidade sem nenhuma outra intenção que a de
vagar ou caminhar de um modo incondicional. Jaume Martínez Bonafé
resgata esta imagem, porque nos permite pensar o currículo flâneur*
* N. de R.T.: Flâneur, termo francês que significa “preguiçoso”, “vadio”. Provém do verbo flâner que
significa “para passear”. O currículo flâneur, na perspectiva do pesquisador espanhol Jaume Bonafé,
significa que a rua também ensina e é preciso aprender a ler as mensagens que ela emite. A rua é uma
aula, uma lousa, um lugar onde se escreve. Não é apenas parte do caminho percorrido até o museu,
o centro cultural ou a escola.
A deriva é uma atividade lúdica coletiva, que não apenas remete à defini-
ção das zonas inconscientes da cidade, mas que também propõe investigar,
apoiando-se no conceito de “psicogeografia”, nos efeitos psíquicos que o
contexto urbano produz nos indivíduos. A deriva é uma construção e uma
experimentação de novos comportamentos na vida real, a materialização de
um modo alternativo de habitar a cidade, um estilo de vida que se situa fora
e contra a sociedade burguesa. (CARERI, 2013).
A aprendizagem-serviço
Trata-se de uma filosofia e proposta educativa em crescente expansão, que
articula processos de aprendizagem e de serviço com a comunidade em um
único projeto, em que os participantes (estudantes do ensino fundamental,
médio e superior e de outros âmbitos educativos e sociais) aprendem e ao
mesmo tempo trabalham centrados nas necessidades reais de seu meio, em
parceria com entidades sociais, a fim de melhorá-lo. A aprendizagem melhora
o serviço que é oferecido à comunidade, e aquilo que se aprende pode ser
transferido à realidade na forma de ação. Este é um dos seus grandes méritos:
comprovar que o que se estuda tem uma aplicação na vida cotidiana.
A aprendizagem-serviço sustenta-se em dois grandes pilares: a edu-
cação em valores, a partir de situações problemáticas, enfrentando desafios
desde a experiência direta por meio das ferramentas que oferece a inteligên-
cia moral; e a educação para a cidadania, baseada na participação ativa, res-
ponsável, cooperativa e solidária, para contribuir na melhoria da qualidade
de vida da sociedade.
Essa proposta metodológica pode ser definida de várias formas. Um
projeto educativo com potencialidade social; um método para a educação
formal e não formal, de caráter flexível, mas que dispõe de seus próprios
espaços e tempos; um trabalho para se aprender a colaborar em um marco
de reciprocidade; um processo de aquisição de conhecimentos e compe-
tências para a vida; um método de uma pedagogia ativa e reflexiva; uma
estratégia para se avançar na direção da justiça social; um trabalho em
rede, em que convergem as instituições educativas e as entidades sociais
que intervêm na realidade; e, claro, uma das atividades mais emblemáticas
da cidade educadora, pois contribui para reforçar as políticas de coesão
social e de fortalecimento da comunidade e de sua rede de associações.
Esta proposta segue esta sequência: aprendizagem + trabalho + projeto +
participação + reflexão.
As iniciativas e experiências surgidas em institutos e universidades
espanholas são muito variadas: bachilleres* que se preparam para ensinar
* N. de T.: O sistema de ensino espanhol se divide em escola infantil (de 0 a 6 anos), educação primária
(de 6-7 /11-12 anos ), educação secundária obrigatória (de 12-13/15-16 anos) e bachillerato (16-17/
17-18 anos). Bachilleres são os estudantes que terminaram o bachillerato.
* N. de T.: São escolas de ensino secundário, com aulas do ciclo obrigatório (ESO, idades entre 12 e 16
anos) e do ciclo opcional (bachillerato), bem como de ensino profissional.
com o uso de software livre. Também porque grande parte desses intercâm-
bios acontece no domicílio dos participantes ou em centros coletivos, como
centros cívicos, sociais e culturais ou escolas para adultos, mediante uma
equipe de agentes ou colaboradores, que se encarregam de fazer os con-
tatos. Além disso, porque essas trocas se associam diretamente com duas
das tramas de aprendizagem definidas por Illich, no início deste capítulo: o
mercado de habilidades e o serviço de busca de parceiros.
Uma experiência similar é a chamada banco do tempo, segundo a qual,
dentro dessa mesma filosofia de intercâmbio, trocam-se serviços por tempo.
* N. de T.: Jornalismo voltado à extração, formulação, filtragem, análise e exposição de dados, para a
produção de pautas relevantes.
** N. de T.: Entidade social do banco espanhol La Caixa.
Universidades alternativas
Também aqui as ofertas são amplas e diversas. Nesta seção, selecionamos
uma rede grande e totalmente consolidada e outra de âmbito muito mais
reduzido e em processo de desenvolvimento. Entre as primeiras, cabem
citar as universidades populares. Trata-se de um projeto de desenvolvi-
mento cultural, cujo objetivo é promover a participação social e a educação
continuada para melhorar a qualidade de vida das pessoas e da comuni-
dade. Essas instituições dependem em grande parte das prefeituras ou de
outras instâncias públicas e entidades sem fins lucrativos. Sua ação trata de
globalizar e integrar as dinâmicas e recursos existentes dentro do municí-
pio, embora essa missão, assim como o grau de participação social, dependa
de cada universidade, há umas que são mais administradas e reguladas pelo
governo, já outras são mais abertas e ativas em relação à participação social.
A maioria das ofertas é de oficinas e cursos de certa duração – alguns
se estendem durante todo o ano letivo –, mas também se organizam ativi-
dades culturais pontuais e ofertas específicas para determinadas associações
e coletivos.
A soberania alimentar é o direito dos países e dos povos de definir suas pró-
prias políticas agrárias, alimentares, de emprego, pesca e terra, de forma que
sejam ecológica, social, econômica e culturalmente apropriadas para elas e
suas circunstâncias únicas. Isso inclui o verdadeiro direito à alimentação e
produção de alimentos, isto é, todos os povos têm o direito a uma alimenta-
ção saudável, nutritiva e culturalmente apropriada e à capacidade de manter-
-se a si mesmos e às suas sociedades.
* N. de T.: Povoado ecológico de Palencia, Espanha, que articula iniciativas e projetos para um desen-
volvimento rural integral, sustentável e solidário.