Você está na página 1de 6

CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO DE EROSÃO MARINHA NAS FALÉSIAS

DA PONTA DO RETIRO, LITORAL NORTE DO RJ


Kleverson Alencastre do Nascimento1; Cleverson Guizan Silva2
1
Mestrando do Lagemar/UFF (kleverson@igeo.uff.br); 2Prof. Lagemar, UFF

Abstract. Cliffs are common elements of coastal environments and are frequently important
sources of sediments for beaches, estuaries and other environments. The coastal cliffs in
Brazil are found in areas of diverse lithologies, however considering the extension of the
Formação Barreiras along the coast, this sedimentary deposit is the main component of the
cliffs along the Northeast and East Brazilian Coast. The objectives of this work are to
characterize the historical processes of cliff erosion, and to quantify the spatial retreat of the
coastal cliffs in Ponta do Retiro, Northern littoral of Rio de Janeiro State. The applied
methodology included comparison of historical charts and aerial photographs, topographic
surveying and in situ monitoring of the erosion rates at the base of the cliff. The historical
results indicated an average cliff retreat rate of 80 m/year, however the in situ measurements
presented erosion rates of 1 to 3.5 m/year.
Palavras-chave: erosão marinha, falésias, Ponta do Retiro

1. Introdução rochosas de material inconsolidado ou de


menor resistência/coesão.
As falésias são elementos comuns No Brasil são encontradas falésias
do ambiente costeiro e são freqüentemente de diversas litologias, porém considerando
fontes importantes de sedimentos para a extensão da Formação Barreiras que
estuários e praias (TRENHAILE, 1987). chega à costa, é possível considerar esse
As falésias que chegam ao mar compõem o depósito sedimentar a principal
que geólogos e geomorfólogos classificam componente das falésias ao longo do
como costa rochosa. O termo costa Litoral Nordeste e Leste (SILVEIRA,
rochosa, aqui aplicado, é calcado nos 1964). Este trabalho apresenta o histórico
textos de Pethick (1983) Trenhaile (1987) e de erosão das falésias de Ponta do Retiro,
Sunamura (1992), e é utilizado para litoral norte do Rio de Janeiro e mostra
caracterizar as costas que possuem falésias, dados sobre o ritmo do recuo espacial, os
escarpas de material consolidado ou semi- processos e fatores geológicos e
consolidado. geomorfológicos associados.
De acordo com Suguio (1992)
falésia é definido como “acantilado de 2. Métodos e técnicas
faces abruptas formado pela ação erosiva
das ondas sobre as rochas”, quando a 2.1. Reconstrução com base em
falésia se encontra em processo de erosão documentos históricos.
contínua pode-se falar em falésia marinha
viva, enquanto que quando cessa a erosão A superposição de documentos
tem-se a falésia marinha morta. históricos permitiu a análise da evolução
Falésias formadas em rochas de do recuo da falésia em um período de vinte
composição variada (rochas vulcânicas, e seis anos. O material cartográfico
calcárias ou depósitos sedimentares), comparado foi:
incluem aquelas que na literatura são • Carta topográfica do IBGE, 1976
citadas como uncohesive shoreline, non • Imagem de satélite Spot, 2002,
rock, soft rock para se referir às costas bandas 3R , 4G, 5B, resolução
10x10m, georeferenciada pela A distância horizontal entre os pinos é de
base cartográfica do IGBE. 2,00m.

2.2. Levantamento de dados em campo 2.2.2. Dados meterológicos e


oceanográficos
Trabalhou-se com seis estações
amostrais de campo para levantamentos Desde janeiro de 2004, a cada dois
bimestrais no período de abril/2004 a dias, vêm sendo colecionadas cartas
fevereiro 2005. O processo erosivo foi sinóticas do site da Marinha do Brasil
monitorado por levantamentos (www.dhn.mar.mil.br). Com isto foi
topográficos e pinos de erosão. A possível conhecer um número aproximado
localização das estações é mostrada na de frentes frias que atingiram a área. Estas
figura 1. informações, em associação com as
condições encontradas em campo
2.2.1. Topografia, espessura do pacote permitem deduzir se a passagem ou não de
sedimentar e pinos de erosão frentes interferiram nos processos erosivos.
Durante os levantamentos de
O perfil topográfico foi iniciado campo, foram feitas observações sobre as
sobre a falésia, passando pela face até a alturas das ondas na arrebentação. As
praia, onde é estendido até a parte informações sobre a maré (intervalo de
submersa. As leituras na face da falésia tempo e amplitude entre preamar e
foram realizadas a cada variação vertical baixamar) foram obtidas a partir das
de 0,30m. O ajuste da topografia pela maré tabelas de maré para o Terminal de Ubu
é feito de acordo com Bigarella (1962, (ES).
apud MUEHE, 2003), que em condições
de tempo bom oferece bons resultados. 3. Resultados
Concomitante ao perfil foi levantada a
espessura do pacote de sedimentos da praia 3.1. Histórico do recuo da costa na área
emersa sobre a plataforma de abrasão com
o uso de trado. A partir do primeiro A sobreposição de material
levantamento topográfico, as variações na cartográfico evidencia o processo de
espessura do pacote arenoso próximo a retrogradação da linha de costa (fig. 2),
falésia passam a ser conhecidas. para um período de 26 anos, entre 1976 e
No monitoramento por pinos de 2002. No trecho onde a falésia está em
erosão (de PLOEY e GABRIELS, 1980 contato direto com o mar os recuos são
apud GUERRA e CUNHA, 1994), maiores, em torno de 80m. A praia atua
utilizou-se uma malha de doze pinos como agente amortizador da ação marinha,
cobrindo uma extensão de seis metros e isso fica claro observando-se que nas
uma altura de 1,50m a partir da base da falésias precedidas por praias, o recuo das
falésia. A erosão da face da falésia é falésias foram inferiores a 45m. O recuo
refletida na exposição dos pinos, essa mais significativo da falésia precedida por
exposição é mensurada e indica quanto de praia é apresentado na linha de costa
material foi retirado e o recuo espacial do voltada para S-SE, onde a praia possui
sopé da falésia. Após a leitura, o pino é menor expressão.
enterrado na falésia para medições
posteriores. Foram fixados em cada estação 3.2. Perfis topográficos e espessura do
12 pinos de 0,50m, dispostos em três pacote sedimentar
seqüências de quatro pinos (S1 0,50m da
base, S2 1,0m da base e S3 1,5m da base).
As adaptações para o levantamento apresentaram valores de exposição maiores
topográfico em falésia deram bons Os pinos fixados a 1m e 1,5 m da base da
resultados falésia foram fixados em material menos
Existe um forte controle da resistente. Estes pinos, que não sofrem o
litologia sobre a morfologia e a taxa de efeito de abrasão marinha, foram afetados
recuo da falésia. por ação de processos subaéreos, e
O processo de recuo das falésias é apresentaram ao longo do monitoramento
controlado pelo efeito da abrasão marinha, os menores valores de exposição, exceção
associados a movimentos de massa; feita quando registrado um movimento de
também por processos subaéreos, erosão massa que mobilizava toda a face da
eólica, escoamento superficial e falésia. As maiores perdas registradas
subsuperficial (fig. 3). foram das estações 03 e 04, com volume
A evolução de notches na falésia erodido de 9,43 e 8,04m3 respectivamente.
ocorre por efeito abrasivo das ondas na Os menores volumes foram registrados nas
base. A evolução dessa feição torna a face estações 07 (0,24m3) e 08 (3,03m3).
da falésia instável e favorece a perda de
material por movimento de massa 3.4. Oceanografia e meteorologia
Os resultados dos levantamentos
topográficos indicam taxas de recuo entre 1 No período mais úmido (de outubro
a 3,5 metros por ano (Fig. 4). a fevereiro) há uma maior atuação dos
O prisma arenoso sobre esta processos não-marinhos sobre os
plataforma de abrasão também é variável horizontes superiores, de material menos
de local para local e também se modificou coeso, da face das falésias. Onde esse
ao longo do ano, situando-se em torno de horizonte é significativo o perfil torna-se
0,3 m (próximo à base) a 2 m de espessura. altamente susceptível as alterações
A superfície de abrasão marinha impressas por processos não-marinhos.
esculpida nos sedimentos da Formação A altura de onda observada situa-se
Barreiras à medida que a falésia recua, foi entre 0,3 e 0,5m. Visualmente foram
investigada através de sondagens à trado, caracterizadas como ondas deslizantes que
mostrando um mergulho em direção ao percorriam uma zona de surfe de 25m de
mar, e apresentando irregularidades largura. As características das ondas e o
(pequenas escarpas e depressões). baixo gradiente da praia e da antepraia
permitiu caracterizar um estado
3.3. Pinos de erosão morfodinâmico dissipativo em todas as
campanhas.
A técnica de pinos de erosão O período de recobrimento pela
apresenta limitações para análise do recuo maré alta, mostrou que com exceção da
espacial da falésia, porém mostrou-se estação 2 (atingida a cada preamar e
excelente ferramenta para análise dos sempre com a plataforma de abrasão
diferentes processos erosivos atuantes na exposta) as demais eram atingidas pelas
base da falésia pela ação erosiva das ondas. ondas durante 4 a 5 horas nas maré de
A erosão medida na base das sizígia) e, na maré de quadratura, em torno
falésias (pinos de erosão) é extremamente de 2 a 3 horas.
variável, desde centímetros em 2 meses a
mais de 50 centímetros no mesmo período, 4. Discussões
quando há ocorrência de movimento de
massa. 4.1. Histórico da erosão
Os pinos fixados na base da falésia,
de material mais resistente porém mais As áreas de maiores recuos
expostos aos processos marinhos, observadas na análise cartográfica são
coincidentes com as estações de campo que superiores, que no perfil apareceram
apresentaram os maiores recuos no período bastante recuadas.
de observação. Nas estações de maior Uma menor espessura do pacote
recuo, a base apresentou, ao fim dos meses sedimentar da praia sobre a plataforma de
de monitoramento, diferença entre 2,5 e abrasão está associada aos períodos de
3,5m da medida inicial. O que, em uma maior atividade erosiva. As alternâncias
estimativa simples, aponta uma constância sugerem que o processo de estabilização da
na atividade erosiva. atividade erosiva, ou seja, o isolamento das
falésias do contato com o mar ainda não foi
4.2. Recuo espacial da falésia e processos atingido
associados
5. Conclusões
Uma leitura inicial deixa clara a
existência de outros agentes erosivos, não Os processos marinhos são os mais
marinhos, sobre a face das falésias. As atuantes e os principais responsáveis pelas
evidências observadas em campo foram os grandes perdas de material das falésias
“jatos de areia” e os horizontes superiores através do desenvolvimento de notches na
mais recuados, também representados na base da falésia e posterior colapso da face.
topografia. Estas feições não só tornam A atuação de processos subaéreos é
evidentes a ação de processos subaéreos expressiva no recuo das porções
como indicam que estes são predominantes superiores, de material mais friável que a
nas estações 07 e 08. base das falésias em Ponta do Retiro. Em
Os perfis evidenciam o movimento algumas campanhas foi observado nos
de recuo das falésias. Onde há uma menor horizontes superiores um recuo maior do
praia precedendo a falésia tem-se uma que na face da falésia exposta à ação
maior exposição a ação das ondas durante marinha.
a maré alta e, consequentemente, maior A atuação das ondas ocorre apenas
atividade erosiva. Onde as falésias na preamar, a passagem de frentes frias,
possuem, em sua face, grande que ocasionan chuvas, acentuam o efeito
heterogeneidade na sua composição, foram erosivo dos processos subaéreos.
notados diferentes ritmos de recuo na face,
com maior velocidade para a camada de 6. Referências
material mais friável. Os pinos de erosão e
os levantamentos topográficos indicaram EMERY, K.O. & KUHN, 1980. Sea cliffs:
as ondas como o principal agente erosivo. theirs, processes, profiles, and
As ondas atingem o sopé das falésias classification. Geological Society
apenas na preamar, sendo a maré de sizígia of America Bulletin, 93: 644-654.
a situação de maior atividade erosiva. GUERRA A.J.T. E CUNHA, S.B. da
A grande exposição à ação marinha (orgs) 1994. Geomorfologia uma
resultou em grande desenvolvimento dos atualização de bases e conceitos.
notches e conseqüentemente os Bertrand do Brasil, Rio de Janeiro.
movimentos de massa. Isto resulta em 472p.
grande perda de material em pequeno MUEHE, D., ROSO, R.H. e SAVI, D.C.
intervalo de tempo. As estações 03 e 04, 2003. Avaliação de método
evidenciaram a predominância da erosão expedito de determinação do nível
marinha como elemento alterador do perfil. do mar como datum vertical para
Processos subaéreos (ventos e amarração de perfis de praia.
chuvas) foram os principais alteradores do Revista Brasileira de
perfil nas estações 07 e 08. Estas possuem Geomorfologia, 2003, ano 4, nº1.
material mais friável nas camadas 53-57.
PETHICK, J. 1983. An introduction to SUNAMURA, T., 1992. Geomorphology
coastal geomorphology. Arnold, of rocky coasts, Wiley, England,
USA, 260p. 302p.
ROBINSON, L.A. 1977. Marine erosive TRENHAILE, A.S. 1987. The
processes at the cliff foot. Marine geomorphology of rock coast.
Geology, 23: 257-271. Oxford University Press. 344p.
SILVEIRA, J. D. Morfologia do litoral. In:
Brasil, a terra e o homem. (Ed.) A.
de Azevedo, São Paulo, 1964, p.
253-305.

08 N
07
06
05
03
Oceano
04 Atlântico
02
01

21ºS
MG Escala aproximada
75m 0 75m 150m
RJ
SP
23ºS

44ºW 41ºW
Figura 1: Localização da Ponta do Retiro no Estado do Rio de Janeiro e das estações de
monitoramento.

Oceano
Atlântico

Praia e dunas frontais 1976


Falésia 1976
Falésia 2002
Ponta do
Retiro Casas
50 0 50 100m

Figura 2: Recuo da linha de falésias no período de 26 anos.


Figura 3: Croqui com a representação Resitente na base Resitente no topo Homogêneo

dos perfis e seus análogos no modelo


de formação da plataforma de abrasão M>>Sa
proposto por Emery e Kuhn (1980).
As letras M e Sa representam
respectivamente processos erosivos
M>Sa
marinhos e subaéreos.

M=Sa

M<Sa

E01 E02 E03 E04

E05 E06 E07 E08

Figura 4:
Representação da Estação 03
topografia em conjunto
com os dados da maré e
plataforma de abrasãos.
Tratamento dado à todas
as estações.

Campanha
abril/04 Estação 04
junho/04
outubro/04
dezembro/04
fevereiro/05

Média máxima da preamar


Nível médio da maré
Nível médio do mar

Plataforma de abrasão
sob o sedimento

Estação 05

Você também pode gostar