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Trabalho Conclusão Curso

Gabriela Rodrigues

COLECISTECTOMIA EM GATA COM OBSTRUÇÃO DO DUCTO


BILIAR COMUM: RELATO DE CASO

Curitibanos
2019

Universidade Federal de Santa Catarina


Centro de Ciências Rurais
Curso de Medicina Veterinária
Gabriela Rodrigues

COLECISTECTOMIA EM GATA COM OBSTRUÇÃO DO DUCTO BILIAR


COMUM: RELATO DE CASO

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em


Medicina Veterinária do Centro de Ciências Rurais
da Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito para a obtenção do Título de Médica
Veterinária
Orientador: Prof. Dr. Alexandre de Oliveira Tavela

Curitibanos
2019
Gabriela Rodrigues

COLECISTECTOMIA EM GATA COM OBSTRUÇÃO DO DUCTO BILIAR


COMUM: RELATO DE CASO

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “Bacharel
em Medicina Veterinária” e aprovado em sua forma final pela Banca Examinadora.

Curitibanos, 05 de julho de 2019.

________________________
Prof. Dr. Alexandre de Oliveira Tavela
Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________
Prof. Dr. Alexandre de Oliveira Tavela
Orientador
Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof.ª Dr.ª Rosane Maria Guimarães da Silva
Avaliadora
Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof. Dr. Rogério Luizari Guedes
Avaliador
Universidade Federal de Santa Catarina
Dedico este trabalho à todos aqueles que me apoiaram na
realização deste sonho. Especialmente, aos meus pais, meu
namorado, minha família, meus amigos, meus professores, meus
filhos de quatro patas, como também à todos os animais, estes
são os responsáveis por eu nunca ter desistido.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus que nos momentos de angústia e desespero, era


sempre o primeiro a me ouvir, e nos momentos de alívio e gratidão, era o primeiro a quem eu
agradecia.
Aos meus pais, Léia e José, por acreditarem e investirem neste meu sonho de criança.
Por todo apoio financeiro e emocional que me proporcionaram no decorrer dessa longa e nada
fácil jornada longe de casa. Vocês são os principais responsáveis por eu ter chego até aqui.
Ao meu namorado e companheiro de vida, João Gabriel, por ser meu porto seguro
desde o início da faculdade, por me acompanhar literalmente na metade do percurso e por,
mesmo quando estávamos distantes, continuar me motivando e apoiando no restante dele.
Você é meu ponto de equilíbrio. Obrigada por todo zelo e paciência.
Aos meus filhos de quatro patas, Trovão, comigo desde sempre, e Ana Raio, que
surgiu na minha vida há pouco tempo. Vocês são minha inspiração e motivação
Aos meus familiares, irmão, tias, tios, primos, primas e avós, por sempre, mesmo
distantes, se importarem com meu bem-estar e me alegrarem com suas histórias doidas. À
minha avó Benta, que sempre sonhou em ter uma neta formada, onde você estiver, pode se
sentir realizada.
Aos amigos que conquistei ao longo da vida, desde o colégio até a faculdade, vocês
são demais. Obrigada pelo apoio nos momentos difíceis e pelas alegrias proporcionadas nos
momentos de distração.
Ao meu orientador, Alexandre Tavela, o místico, por quem eu tenho uma enorme
admiração desde que cruzei seu caminho. Obrigada por ter sido o melhor professor de toda a
graduação, por ter aceito meu convite e por ter sido paciente com essa orientada pra lá de
enrolada.
Aos meus professores, responsáveis por todo o conhecimento que eu adquiri durante
a graduação. Obrigada pelos incentivos e também pelas puxadas de orelha, tudo foi válido
para que eu chegasse até aqui.
À minha companheira de estágio, Victória, por todas as caronas, companhia nos
momentos de tensão e também de conforto. Obrigada pela oportunidade de conhecer essa
pessoa maravilhosa e de bom coração que você é.
À Universidade Federal de Santa Catarina por ter sido meu segundo lar durante esses
cinco anos e me proporcionar todo o necessário para me tornar uma Médica Veterinária.
Muito obrigada.
“Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você
realize seu desejo”.
(Paulo Coelho)
RESUMO

A obstrução do ducto biliar comum é de uma afecção que pode estar relacionada com diversas
causas, sendo que os processos inflamatórios do trato biliar, pâncreas, duodeno ou a
associação dos três estão entre as causas mais comuns. As manifestações clínicas são
inespecíficas e dependem do grau da obstrução, sendo as mais frequentes anorexia,
emagrecimento, vômitos, diarreia e icterícia. O diagnóstico é realizado por meio de avaliação
laboratorial e ultrassonografia. Quando não há resposta com tratamento clínico, é indicado
uma intervenção cirúrgica. O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de obstrução do
ducto biliar comum submetido ao procedimento cirúrgico de colecistectomia de um felino
acompanhado durante a realização do estágio curricular obrigatório. As imagens sonográficas
sugeriram colestase biliar, severa pancreatite com acentuada linfadenomegalia mesentérica e
doença inflamatória intestinal. A partir disso, correlacionando com os outros exames e os
sinais clínicos apresentados pela paciente, chegou-se a um diagnóstico sugestivo de tríade
felina. Como não houve resposta ao tratamento clínico e havia sinais de obstrução, o animal
foi encaminhado para a cirurgia. Durante o procedimento cirúrgico, foi realizada a exposição
da vesícula biliar, onde constatou-se obstrução do colédoco e dilatação dos ductos hepático e
cístico. Foi realizada uma dissecção romba para retirada da vesícula biliar e para liberação dos
ductos cístico, hepático e colédoco que apresentavam-se repletos de conteúdo e com presença
de aderências, até próximo a sua junção coledocoduodenal. Foram realizadas ligaduras na
porção distal à obstrução do colédoco e no ducto hepático. Em seguida, foi realizada a secção
dos ductos distalmente às ligaduras e removeu-se a vesícula biliar e o fragmento do ducto
biliar obstruído. A paciente obteve alta após acentuada melhora do quadro clínico. Na semana
seguinte, a paciente retornou e apresentava-se alerta, porém ictérica, com o apetite reduzido e
episódios de vômito ao defecar. A ultrassonografia controle mostrou leve pancreatite. Foi
recomendada observação e realização de perfil básico e ultrassonografia controle em 15 dias.
O caso aqui relatado mostrou alguns resultados positivos, visto que a paciente teve melhora
no seu quadro clínico. Porém, a icterícia não apresentou a resolução esperada e o surgimento
de uma hepatopatia a esclarecer indicam que a paciente precisa de acompanhamento
cuidadoso e possivelmente novas intervenções.

Palavras-chave: Obstrução. Sistema hepatobiliar. Felino.


ABSTRACT

The obstruction of the common bile duct is a disease that can be related to multiple causes,
and the inflammatory processes of the biliary tract, pancreas, duodenum or the association of
the three are among the most common causes. The clinical manifestations are nonspecific and
dependent on the degree of obstruction, being the most frequent anorexia, weight loss,
vomiting, diarrhea and jaundice. The diagnosis is made through laboratory evaluation and
ultrasonography. When there is no response with the clinical treatment, a surgical intervention
is indicated. The objective of this study is to report a case of obstruction to the common bile
duct submitted to the clinical procedure of cholecystectomy of a feline accompanied during
the mandatory curricular internship. The sonographic images suggested biliary cholestasis,
severe pancreatitis with marked mesenteric lymphadenomegaly and inflammatory bowel
disease. From this, correlating with the other exams and the clinical indicators of the patient, a
diagnosis was reached suggestive of a feline triad. The animal was transplanted for surgery.
During the surgical procedure, exposure of the gallbladder was performed, where it was
observed choledochal obstruction and dilation of the hepatic and cystic ducts. A blunt
dissection was performed for the removal of the gallbladder and for the cystic, hepatic and
colonic duct dosage, which was full of contents and with adhesions until close to its
coledocoduodenal junction. Ligatures were distal to choledochal obstruction and in the
hepatic duct. Thereafter, a section of the ducts was performed distally to the ligatures and a
gallbladder was removed and the bile duct fragment clogged. The patient presented a
markedly elevated clinical picture. The following week, the patient returned and presented
itself alert, but icteric, with reduced appetite and episodes of vomiting when defecating. The
ultrasonography control showed pancreatitis. It was recommended observation and basic
profile and ultrasonography control in 15 days. The case reported here was positive in results,
since the patient had an improvement in its clinical condition. However, jaundice did not
present an expected response and the onset of hepatitis to be clarified indicates that the patient
needs careful follow-up and possibly new interventions.

Keywords: Obstruction. Hepatobiliary system. Feline.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Vesícula biliar (seta branca) e ductos dilatados (seta preta) repletos de conteúdo
biliar in situ observados durante procedimento de colecistectomia em felino, fêmea, da raça
Persa. ........................................................................................................................................ 27
Figura 2 -Vesícula biliar (seta branca) e fragmento obstruído do DBC (seta preta) após o
procedimento de colecistectomia em felino, fêmea, da raça Persa. ......................................... 27
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Resultado do hemograma realizado no dia 26/04/2019 em felino, fêmea, raça Persa
.................................................................................................................................................. 20
Tabela 2 - Resultado da bioquímica sérica realizada no dia 26/04/2019 em felino, fêmea, da
raça Persa .................................................................................................................................. 21
Tabela 3 - Resultado da urinálise realizada no dia 26/04/2019 em felino, fêmea, da raça Persa
.................................................................................................................................................. 21
Tabela 4 - Resultado do hemograma realizado no dia 29/04/2019 em felino, fêmea, da raça
Persa ......................................................................................................................................... 23
Tabela 5 - Resultado da bioquímica sérica realizada no dia 29/04/2019 em felino, fêmea, da
raça Persa .................................................................................................................................. 23
Tabela 6 - Resultado do hemograma realizado no dia 09/05/2019 em felino, fêmea, da raça
Persa ......................................................................................................................................... 25
Tabela 7 - Resultado da bioquímica sérica realizada no dia 09/05/2019 em felino, fêmea, da
raça Persa .................................................................................................................................. 25
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALT - Alanina Aminotransferase


AST - Aspartato Aminotransferase
BID - Duas vezes ao dia
cm - Centímetros
DBC - Ducto biliar comum
DII - Doença inflamatória intestinal
FA – Fosfatase alcalina
FC – Frequência cardíaca
FeLV – Vírus da leucemia felina
FIV – Vírus da imunodeficiência felina
FR – Frequência respiratória
GGT - Gama Glutamil Transferase
g/dL - Gramas por decilitros
IM – Intramuscular
IV - Intravenoso
kg – Kilo
mg – Miligrama
mg/dL – Miligrama por decilitro
mg/kg – Miligrama por kilo
µL – Microlitro
PAS – Pressão arterial sistólica
PPT – Proteína plasmática total
SID - Uma vez ao dia
TID - Três vezes ao dia
TPC – Tempo de preenchimento capital
TR – Temperatura retal
UI/L – Unidades internacionais por litro
VB – Vesícula Biliar
VO - Via Oral
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13
2 OBJETIVO ............................................................................................................... 14
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 15
3.1 ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA HEPATOBILIAR DOS FELINOS .. 15

3.2 OBSTRUÇÃO DO DUCTO BILIAR COMUM ....................................................... 15

3.2.1 Manifestações clínicas .............................................................................................. 16

3.2.2 Diagnóstico ................................................................................................................ 17

3.2.3 Tratamento................................................................................................................ 18

4 RELATO DE CASO ................................................................................................ 20


5 DISCUSSÃO ............................................................................................................. 29
6 CONCLUSÕES ........................................................................................................ 36
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 37
13

1 INTRODUÇÃO

Os felinos domésticos representam um grande desafio para área clínica nos casos em
que as suas particularidades não são adequadamente identificadas. Além dos diferentes
aspectos associados a sua anatomia e fisiologia, seus hábitos e comportamento são únicos e
característicos (JERICÓ, 2015).
Com relação às desordens hepáticas que afetam os felinos, as de maior prevalência
são as doenças do trato biliar (CENTER, 2009). Fatores como causas, manifestações clínicas
e prognóstico das afecções hepatobiliares no gato são diferenciados quando comparados aos
dos cães. Ainda, doença concomitante do trato biliar, pancreatite e doença inflamatória
intestinal podem ocorrer em ambas as espécies, porém são mais frequentes nos felinos
(NELSON; COUTO, 2006).
A obstrução do ducto biliar comum pode estar associada a diversas afecções, sendo
sempre um sinal secundário de uma determinada enfermidade. Dentre estas, as mais
frequentes são: colangites, infestação por tremátodas, neoplasias, compressões extrínsecas,
pancreatite, tríade felina e colélitos (JERICÓ, 2015).
Segundo Lehner & McAnulty (2010), as manifestações clínicas são inespecíficas e
dependem do grau da obstrução, da complacência do trato biliar e dos casos em que
agregados da lama biliar possam estar obstruindo o ducto. As principais características
clínicas observadas envolvem anorexia, icterícia, vômitos, depressão, colestase grave e
hepatomegalia. Nos casos de obstrução total do ducto, as fezes podem se apresentar acólicas
ou pálidas (NELSON; COUTO, 2006).
O diagnóstico das doenças hepatobiliares é complexo. Para a sua determinação deve-
se considerar o histórico clínico, manifestações clínicas, avaliação laboratorial, exames de
imagem e patológicos (STONEHEWER, 2006). Em obstruções parciais deve-se instituir o
tratamento clínico, sendo essencial tratar a sua causa primária(WATSON; BUNCH, 2009).
De acordo com Nelson e Couto (2015), cirurgias maiores do trato biliar no gato
levam a maiores morbidade e mortalidade e devem ser realizadas somente quando necessárias
para aliviar uma obstrução completa. O prognóstico para obstrução parcial é bom quando
instuti-se um tratamento clínico adequado e as cirurgias podem não ser necessárias. No
entanto, se não houver melhora após vários dias de tratamento ou desenvolverem sinais de
obstruçãocompleta, a intervenção cirúrgica é indicada e, caso precise de
colecistoenterostomia, o prognóstico é reservado.
14

2 OBJETIVO

O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de obstrução do ducto biliar


comum submetido ao procedimento cirúrgico de colecistectomia de um paciente felino
acompanhado durante a realização do estágio curricular obrigatório.
15

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1 ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA HEPATOBILIAR DOS FELINOS

O sistema hepatobiliar é formado pelo fígado, vesícula biliar, ducto cístico, ducto
biliar comum (DBC), ductos hepáticos, ductos interlobulares e intralobulares, dúctulos
biliares e canalículos hepáticos. Os quais, são responsáveis pela produção, armazenamento e
secreção da bile para o trato gastrointestinal (JERICÓ, 2015; SCHMELTZER;
NORSWORTHY, 2012).
A secreção da bile é feita pelos hepatócitos para os canais biliares que a direciona por
meio de ductos até a vesícula biliar, onde fica armazenada. O conteúdo presente na vesícula é
drenado, através do ducto cístico seguido pelo ducto biliar comum, para o duodeno
(RICHTER, 2005; LEHNER; McNAUTY, 2010).
Os felinos, além de possuírem o ducto biliar mais longo e sinuoso que dos caninos,
possuem uma particularidade anatômica, onde ocorre a fusão, em mais de 80% dos gatos, do
DBC com o ducto pancreático principal antes da sua entrada no duodeno. Alterações
inflamatórias, neoplásicas, fibróticas, edematosas ou obstrutivas, em decorrência dessa
característica, que envolvam o DBC podem modificar e prejudicar tanto a árvore biliar como
o pâncreas (JERICÓ, 2015). Por isso, a coexistência de afecções do trato biliar e pancreáticas
são tão comuns neste espécie (STONEHEWER, 2006).

3.2 OBSTRUÇÃO DO DUCTO BILIAR COMUM

A obstrução do ducto biliar comum é descrita como uma síndrome que pode ser
correlacionada com causas primárias, as quais são divididas de acordo com a frequência de
ocorrência. Dentre as causas comuns, a mais frequente é por inflamação de um órgão ou uma
combinação deles, envolvendo pâncreas, duodeno ou trato biliar, mais conhecido por tríade
felina (WATSON, 2015). A segunda causa mais comum trata-se de neoplasias que envolvam
pâncreas ou árvore biliar (HARVEY et al., 2007). Já as causas menos comuns envolvem:
estenose do ducto biliar decorrente de inflamação, cirurgia ou trauma; disfunção do esfíncter
de Oddi, parte terminal do DBC, decorrente de duodenite ou neoplasia; colelitíase, rara em
gatos, associada à colangite; cistos que causam compressão da árvore biliar; infestação por
16

tremátodas; hérnia diafragmática envolvendo vesícula biliar ou DBC (NELSON; COUTO,


2006).

3.2.1 Manifestações clínicas

A obstrução completa do ducto biliar trata-se de uma manifestação clínica de uma


causa primária. Portanto, na maioria das vezes, as manifestações estão associadas à causa
primária, ocorrendo previamente à obstrução, e costumam ocorrer de maneira gradativa
(ROTHUIZEN, 2006).
Em um primeiro momento, é possível que os animais ainda não apresentem icterícia
(MEHLER; BENNETT, 2006). A icterícia ocorre decorrente da deposição de bilirrubina nos
tecidos, que corresponde ao nível de bilirrubinemia. Quando presente em animais que não
estão anêmicos, pode-se excluir a possibilidade de causas pré-hepáticas e começar a avaliar
possibilidade de afecções hepáticas ou biliares pós-hepáticas (RICHTER, 2005). Torna-se
evidente no soro sanguíneo e nos tecidos a partir de 1,5 e 2,0 mg/dl, respectivamente,
podendo ser observada inicialmente nas mucosas e também na pele (GRACE, 2011)
Na primeira semana do quadro, é possível observar icterícia, vômitos intermitentes,
hepatomegalia (JERICÓ, 2015), conforme vai progredindo a obstrução, pode-se observar
ainda anorexia, prostração, perda de peso (MAYHEW et al., 2002) e ocasionalmente dor e
distensão abdominal (LEHNER; McNAUTY, 2010). Na palpação abdominal, além de
hepatomegalia, massas na região cranial podem ser detectadas decorrente de neoplasias ou da
distensão da vesícula biliar (NELSON; COUTO, 2006).
A colestase decorrente da obstrução do DBC, pode levar a uma má absorção de
vitaminas lipossolúveis, como a vitamina K que é essencial para síntese de alguns dos fatores
de coagulação pelo fígado. Isso ocorre porque a ausência de sais biliares intestinais reduzem a
absorção de gordura (NELSON; COUTO, 2006; CHAPMAN; HOSTUTLER, 2013).
Ainda, nos casos de obstrução total do DBC, devido à ausência de estercobilinogênio
no intestino, pode-se observar fezes pálidas ou acólicas (ZORAN, 2012). Animais
apresentando esse quadro podem se tornar hipotensos e suscetíveis a choques endotóxicos no
decorrer de procedimentos anestésico e cirúrgico (JERICÓ, 2015).
17

3.2.2 Diagnóstico

Segundo Stonehewer (2006), o diagnóstico de doenças hepatobiliares é complexo.


Devem-se considerar histórico clínico, manifestações clínicas e análises laboratoriais
específicas para a função hepática, podendo as enzimas apresentarem-se dentro dos
parâmetros, mesmo na presença de uma afecção hepatobiliar, ou com diversas alterações, com
função hepática normal (RICHTER, 2005).
Existem poucas alterações vistas em hemograma ou no esfregaço sanguíneo que
podem estar associadas às doenças do trato hepatobiliar (CHAPMAN; HOSTUTLER, 2013).
Uma delas é a microcitose, causada pelo metabolismo ou transporte de ferro prejudicado pela
hipernatremia decorrente de uma insuficiência hepática grave ou de um desvio
portossistêmico. Outras alterações que podem ser observadas a nível de hemácias, são
acantócitos, ovalócitos e poiquilocitose, decorrentes de rompimento vascular e distúrbios
lipídicos; lipidose hepática; desvio portossistêmico congênito e outras doenças do trato
hepatobiliar, respectivamente. Em relação ao leucograma, alterações só serão observadas se
houver presença de infecções afetando o sistema hepatobiliar (NELSON; COUTO, 2006).
As enzimas hepáticas são comumente utilizadas como indicadores de função
hepática, contudo especificam, ainda, sobre a integridade da membrana dos hepatócitos,
necrose epitelial hepatobiliar e presença de colestase (CENTER, 2007). Os achados
laboratoriais, assim como as manifestações clínicas, não são muito específicos. O aumento na
atividade de enzimas hepatocelulares e biliares, bilirrubina e colesterol, não permite a
distinção entre as hepatopatias colestáticas (NELSON; COUTO, 2006).
Nos casos de colangite, colangiohepatite e obstrução de ducto biliar, como as lesões
encontram-se normalmente nas áreas portais ou fora do fígado, o aumento das atividades
séricas das enzimas de extravasamento (ALT e AST) é, em geral, discreto e ocorre devido à
lesão secundária aos hepatócitos, decorrente do aumento da pressão intrabiliar. O aumento das
atividades séricas das enzimas de indução (FA e GGT) são mais relevantes e se tornam cada
vez mais conforme a gravidade da doença (TRHALL, 2015).
Nos casos de obstrução do ducto biliar, o aumento da atividade das enzimas FA e
GGT começa após 8 a 12 horas, demonstrando valores relevantes em poucos dias do início do
quadro. O aumento de ALT e AST ocorre quando há lesão nas organelas e membranas
celulares de trato biliar e parênquima hepático, inflamação e/ou necrose periportal (JERICÓ,
2015). O aumento da concentração sérica de bilirrubina é considerado moderado a marcante
18

nos casos de obstrução (TRHALL, 2015) podendo estar acompanhado de bilirrubinúria


(MEHLER; BENNETT, 2006).
Com relação aos exames de imagem, a ultrassonografia é o recurso mais utilizado
para diferenciar obstrução do DBC de outras afecções do trato biliar nos gatos. Geralmente,
observa-se dilatação da árvore biliar e vesícula biliar. Uma inspeção minuciosa deve ser
realizada para determinar a possível causa da obstrução, investigando a presença de
inflamação ou neoplasia em órgãos como fígado, pâncreas e intestino delgado. Em casos
suspeita de ruptura do trato biliar, deve-se coletar qualquer líquido abdominal livre para
análise e identificação (NELSON; COUTO, 2006). Alterações como ducto biliar tortuoso
decorrente da dilatação e presença de lama biliar na vesícula biliar são achados
ultrassonográficos comuns nos casos de obstrução (MAYHEW; WEISSE, 2007).

3.2.3 Tratamento

O tratamento irá depender da doença primária que está causando a obstrução do DBC
e, também, do grau de obstrução, se é parcial ou total. Nas obstruções parciais, se as fezes não
se apresentarem acólicas ou pálidas e houverem indícios de fluxo biliar para o duodeno, pode-
se realizar o tratamento medicamentoso com coleréticos, como ácido ursodesoxicólico na
dose de 15mg/kg SID VO, e antioxidantes, como S-adenosilmetionina na dose 20 mg/kg ou
200-400mg diariamente em jejum, a fim de proteger os hepatócitos dos danos oxidativos
biliares (NELSON; COUTO, 2015; WATSON; BUNCH, 2009).
Nos casos em que não houver melhora com o tratamento, mesmo após vários dias, ou
houverem indícios de uma obstrução completa, como fezes acólicas, o tratamento cirúrgico é
indicado (NELSON; COUTO, 2015).
Os gatos com obstrução do DBC podem apresentar coagulopatias. Decorrente disso,
é essencial para a intervenção cirúrgica que se faça uma determinação dos tempos de
coagulação e suplementação com vitamina K, na dose de 1mg/kg SC BID, por no mínimo três
aplicações antes da realização da cirurgia. Ainda, a utilização de antibióticos de amplo
espectro no pré-operatório é imprescindível (JERICÓ, 2015).
A colecistectomia é indicada em casos de colecistite sem resposta ou com recidivas à
antibioticoterapia, colelitíse associada à doença, neoplasia primária ou ruptura da vesícula
biliar (FOSSUM, 2014).
19

Nos casos onde não existam alterações que impossibilitem a preservação da vesícula
biliar ou a obstrução seja no ducto biliar comum, o procedimento de eleição é a
colecistoduodenostomia, por ser mais fisiológica que a colecistojejunostomia (JERICÓ,
2015).
20

4 RELATO DE CASO

No dia 26 de abril de 2019 foi atendido um felino, fêmea, raça Persa, de pelagem
preta, com 2,2 kg e de aproximadamente 15 anos. A paciente era castrada e mastectomizada.
O tutor relatou que a paciente estava com urina alaranjada há uma semana, bem
como mudanças no comportamento, estando mais apática e com redução do apetite e ingestão
hídrica. Apresentou, ainda, salivação e um episódio de vômito.
Ao exame físico o animal apresentou frequência cardíaca de 180 bpm e temperatura
retal de 38,3°C. Na palpação abdominal, não apresentou dor. A paciente estava com icterícia
intensa, onde a pele e as mucosas oral e ocular estavam amareladas. Foi indicado
internamento do animal e realização de exames como hemograma (Tabela 1), bioquímica
sérica (Tabela 2), teste rápido de FIV e FeLV, urinálise (Tabela 3) e ultrassonografia
abdominal.

Tabela 1 - Resultado do hemograma realizado no dia 26/04/2019 em felino, fêmea, raça Persa
Eritrograma Resultados Valores de referência
Hemácias (milhões/µL) 8,9 5 – 10,0
Hemoglobina (g/dL) 11,4 8 – 15
Hematócrito (%) 34,4 24 – 45
VCM (fL). 38,5 39 – 55
HCM (pg) 12,7 13 – 17
CHCM (g/dL) 33,0 30 – 36
RDW (%) 15,3 11 – 21
Leucograma Resultados Valores de referência
(milhões/µL)
Leucócitos totais 18,0 5,5 – 19
Neutrófilos. 15,6 3,0 – 11,5
Monócitos - 0,15 – 1,35
Basófilos - RAROS
Linfócitos. 1,7 1 – 4,8
Eosinófilos 0,7 0,1 – 1,25
Contagem de plaquetas 126 200 – 500
PPT (g/dL) 6,2 6,0 – 8,0
21

Tabela 2 - Resultado da bioquímica sérica realizada no dia 26/04/2019 em felino, fêmea, da


raça Persa
Bioquímica sérica Resultados Valor de referência
Ureia (mg/dL) 39,4 30,0 – 65,0
Creatinina (mg/dL) 1,23 0,5 – 1,4
Fosfatase alcalina (UI/L) 258,8 12,0 – 150,0
ALT (UI/L) 182,8 8,0 – 52,0
AST (UI/L) 95,2 9,2 – 39,5
Triglicerídeos (mg/dL) 143 50,0 – 100,0
Colesterol (mg/dL) 271 90,0 – 150,0
Bilirrubina total (mg/dL) 4,4 0,1 – 0,7
Glicose (mg/dL) 107,8 70,0 – 136,0
Albumina (mg/dL) 3,2 2,1 - 3,9

Tabela 3 - Resultado da urinálise realizada no dia 26/04/2019 em felino, fêmea, da raça Persa
Análise física Resultados Valores de referência
Cor Alaranjado Amarelo claro à âmbar
Volume 3 mL 100 a 200 mL/dia
Aspecto Límpido Límpido
Densidade 1,040 1,020 a 1,040
Análise bioquímica Resultados Valores de referência
pH 5,0 5,5 a 7,5
Nitrito Ausente Ausente
Sangue Ausente Ausente
Proteínas 12,4 Traços até 2+
Glicose Não detectável
Cetona Ausente Ausente
Urobilinogênio - Não detectável
Bilirrubina Ausente Ausente
Análise microscópica Resultados Valores de Referência
Leucócitos Ausente 0 a 5 /campo
Eritrócitos Ausente 0 a 10 /campo
Cél.Epit. transicionais 0 – 1 / campo Ocasionalmente
Cél Epit. escamosas 0 – 1 / campo Ocasionalmente
Cristais Raros / campo Ausentes
Cilindros hialinos Ausente 0 a 2 / campo
Cilindros granulosos Ausente 0 a 1 /campo
Bactérias Ausente Ausentes
Gordura Ausente Ausente
Espermatozóides Ausente Ausentes
Muco Ausente Ausente
Parasitas Ausente Ausentes
Observação: Cristais de bilirrubina
22

O primeiro eritrograma não demonstrou alterações significativas. Já o leucograma


apresentou aumento nos valores de neutrófilos (neutrofilia). No trombograma houve
diminuição no valor plaquetário (trombocitopenia). A bioquímica sérica apresentou aumento
nos valores das enzimas FA (258,8 UI/L), ALT (182,8 UI/L) e AST (95,2 UI/L), triglicerídeos
(143 mg/dL), colesterol (271 mg/dL) e bilirrubina total (4,4 mg/dL).
No teste rápido de FIV e FeLV, os resultados foram negativos.
A urinálise foi realizada pelas metodologias de análise física, bioquímica e
microscópica. Na análise física apresentou alteração na cor, sendo alaranjada como já descrito
pelo tutor. Na análise bioquímica, o pH apresentou-se diminuído. E por fim, na análise
microscópica havia presença de cristais de bilirrubina.
A ultrassonografia abdominal revelou que o fígado estava com dimensões,
contornos, padrão vascular e ecogenicidade normais, porém havia dilatação da vesícula biliar
e vias biliares; na vesícula urinária havia presença de sedimento urinário; o pâncreas estava
com o formato anatômico preservado e limites bem definidos, porém com ecotextura anormal,
além de um espessamento da parede intestinal. Como observação, havia uma
linfadenomegalia mesentérica.
As imagens sonográficas sugeriram colestase biliar, severa pancreatite com
acentuada linfadenomegalia mesentérica e doença inflamatória intestinal. A partir disso,
correlacionando com os outros exames e os sinais clínicos apresentados pela paciente,
chegou-se a um diagnóstico sugestivo de tríade felina.
No internamento, o protocolo contou com as seguintes medicações: omeprazol na
dose de 1 mg/kg SID IV, ondansetrona na dose de 0,4 mg/kg TID IV, acetilcisteína na dose de
10mg/kg BID IV, metronidazol na dose de 10 mg/kg BID IV, tramadol na dose de 2 mg/kg
BID IV, Suplemento contendo cisteína, vitaminas B2 e B6, glutamina, glicina, colina e
inositol (Hepvet®) na dose de 1,8 mL/kg SID VO, Acetato de prednisolona (Alcort®) 1/4 de
comprimido SID VO e fluidoterapia com solução fisiológica na taxa de 3,6 mL/h.
Eram avaliados os parâmetros como FC, FR, coloração de mucosas, TPC, TR, PAS e
atitude de quatro em quatro horas, assim como a alimentação também era oferecida na mesma
frequência. A paciente não demonstrava interesse pelo alimento (Recovery®), tendo este, que
ser forçado através de seringas.
No dia 29 de abril de 2019, os exames de hemograma (Tabela 4), bioquímica sérica
(Tabela 5) e ultrassonografia abdominal foram repetidos. No hemograma, a única alteração
23

relevante com relação ao exame anterior foi a proteína plasmática total (PPT) que apresentou-
se diminuída (5,6 g/dL).

Tabela 4 - Resultado do hemograma realizado no dia 29/04/2019 em felino, fêmea, da raça


Persa
Eritrograma Resultados Valores de referência
Hemácias (milhões/µL) 8,7 5 – 10,0
Hemoglobina (g/dL) 11,0 8 – 15
Hematócrito (%) 33,4 24 – 45
VCM (fL). 38,1 39 – 55
HCM (pg) 12,6 13 – 17
CHCM (g/dL) 32,9 30 – 36
RDW (%) 15,1 11 – 21
Leucograma Resultados Valores de referência
(milhões/µL)
Leucócitos totais 14,3 5,5 – 19
Neutrófilos. 12,3 3,0 – 11,5
Monócitos - 0,15 – 1,35
Basófilos - RAROS
Linfócitos. 1,6 1 – 4,8
Eosinófilos 0,4 0,1 – 1,25
Contagem de plaquetas 148 200 – 500
PPT (g/dL) 5,6 6,0 – 8,0

Tabela 5 - Resultado da bioquímica sérica realizada no dia 29/04/2019 em felino, fêmea, da


raça Persa
Bioquímica sérica Resultados Valor de referência
Ureia (mg/dL) 31,8 30,0 – 65,0
Creatinina (mg/dL) 1,24 0,5 – 1,4
Fosfatase alcalina (UI/L) 292,8 12,0 – 150,0
ALT (UI/L) 100,4 8,0 – 52,0
Bilirrubina total (mg/dL) 3,5 0,1 – 0,7
Glicose (mg/dL) 163,5 70,0 – 136,0
Albumina (mg/dL) 2,8 2,1 - 3,9

Na bioquímica sérica, não foram solicitados os mesmos exames, dentre os mesmos,


houve aumento da FA (292,8 UI/L) e glicose (163,5 mg/dL), dimunuição da ALT (100,4
UI/L) e bilirrubina (3,5 mg/dL), com relação ao exame anterior.
Com relação a ultrassonografia abdominal, não houverem alterações significantes e,
portanto, o laudo ultrassonográfico permaneceu o mesmo do dia 26 de abril de 2019.
24

Decidiu-se que, pelo fato da paciente não estar se alimentando espontaneamente e


não estar ganhando peso com a alimentação sendo realizada de forma forçada, seria realizado
a passagem de uma sonda esofágica para administração do alimento. Para isso, a paciente foi
anestesiada com propofol na dose de 2 mg/kg IV, intubada com tubo endotraqueal número 3,0
e mantida em decúbito lateral direito. Realizou-se tricotomia e limpeza da região cervical.
Utilizou-se uma sonda de alimentação que foi medida do seu ponto de inserção até o sétimo
espaço intercostal e adaptada cortando a parte que estava sobrando. Foi inserido pela boca
uma pinça hemostática de Rochester curva direcionando a ponta para região cervical média. A
ponta foi palpada através da pele da cervical onde foi realizada uma pequena incisão até a
exposição do instrumental, onde abriu-se para pegar a sonda. O instrumento foi retraído
juntamente com a sonda e empurrado para o interior da cavidade oral até o localização
predeterminada.
Após isso, realizou-se uma radiografia afim de conferir o adequado posicionamento
da sonda e então ela foi fixada com padrão de sutura bailarina com fio não absorvível Nylon
3-0.
Ainda no dia 29 de abril de 2019, a paciente recebeu uma dose única de Citrato de
Maropitant (Cerenia®) 0,2 mL IV, além de uma adição de outros medicamentos ao seu
protocolo, como a Silimarina 290 mg em cápsula, a qual era diluída em 1 mL de água e
administrado 0,5 mL VO SID; e S-adenosilmetionina (SAMe) 90 mg, administrado da mesma
forma que a Silimarina.
A paciente permaneceu internada, recebendo o mesmo protocolo medicamentoso
inicial e suas adequações, até o dia 02 de maio de 2019, quando recebeu alta médica. A
prescrição de medicamentos para casa foi: Citrato de Maropitant (Cerenia®) 16 mg, para
administrar meio comprimido VO SID durante quatro dias; Suplemento contendo cisteína,
vitaminas B2 e B6, glutamina, glicina, colina e inositol (Hepvet®) suspensão, para administrar
0,5 mL VO SID durante 60 dias; Metronidazol associado a Sulfadimetoxina (Giardicid)
suspensão, para administrar 1 mL VO BID durante sete dias. Além disso, foi recomendado a
manipulação de alguns medicamentos, como: uma suspensão oral sabor carne de 60 doses
com Silimarina 70 mg, SAMe 100 mg e vitamina E 25 mg, para administrar uma dose SID
durante 60 dias; e uma pasta oral sabor salmão de seis doses com vitamina B12 0,25 mg, para
administrar uma dose por semana, durante seis semanas.
O retorno foi marcado para o dia 07 de maio de 2019, onde discutiu-se com o tutor a
respeito do procedimento cirúrgico devido a paciente não responder ao tratamento clínico e
25

apresentar sinais de obstrução. Ficou decidido que seria realizada uma colecistectomia afim
de tentar desobstruir o ducto biliar comum através deste procedimento.
No dia 09 de maio de 2019, a paciente realizou exames pré-cirúrgicos como
hemograma (Tabela 6), onde não foram observadas alterações significativas, e bioquímica
sérica (Tabela 7) que apresentou aumento de FA (1641,3 UI/L) e ALT (354,2 UI/L). A
paciente foi classificada como ASA III.

Tabela 6 - Resultado do hemograma realizado no dia 09/05/2019 em felino, fêmea, da raça


Persa
Eritrograma Resultados Valores de referência
Hemácias (milhões/µL) 6,8 5 – 10,0
Hemoglobina (g/dL) 8,3 8 – 15
Hematócrito (%) 24,4 24 – 45
VCM (fL). 35,8 39 – 55
HCM (pg) 12,2 13 – 17
CHCM (g/dL) 34,0 30 – 36
RDW (%) 18,2 11 – 21
Leucograma Resultados Valores de referência
(milhões/µL)
Leucócitos totais 14,2 5,5 – 19
Neutrófilos. 12,4 3,0 – 11,5
Monócitos - 0,15 – 1,35
Basófilos - RAROS
Linfócitos. 1,4 1 – 4,8
Eosinófilos 0,4 0,1 – 1,25
Contagem de plaquetas 172 200 – 500
PPT (g/dL) 5,6 6,0 – 8,0

Tabela 7 - Resultado da bioquímica sérica realizada no dia 09/05/2019 em felino, fêmea, da


raça Persa
Bioquímica sérica Resultado Valor de referência
Ureia (mg/dL) 31,9 30,0 – 65,0
Creatinina (mg/dL) 1,21 0,5 – 1,4
Fosfatase alcalina (UI/L) 1641,3 12,0 – 150,0
ALT (UI/L) 354,2 8,0 – 52,0
Glicose (mg/dL) 135,1 70,0 – 136,0
Albumina (mg/dL) 3,0 2,1 - 3,9

O animal foi encaminhado para o bloco cirúrgico para preparação do procedimento.


Ao exame físico pré-operatório, a paciente apresentou mucosas ictéricas, TPC de 2 segundos,
FC 150 bpm, FR 28 mpm, pulso normal e hidratação adequada.
26

A MPA foi realizada com dexmedetomidina (1,8 µg/kg) + metadona (0,2 mg/kg) IM.
A indução foi realizada com propofol (2 mg/kg) IV e manutenção com propofol em infusão
contínua. Como medicações transanestésicas, foram aplicados fentanil (3 µg/kg) em bolus IV
e ceftriaxona (30 mg/kg) 0,24 mL IV. Durante o procedimento o animal foi mantido em
decúbito dorsal.
A incisão foi realizada com um bisturi pela linha média na região pré-umbilical, em
seguida o tecido subcutâneo foi divulsionado e a cavidade abdominal foi aberta. Foi realizada
a exposição da vesícula biliar (VB), onde constatou-se obstrução e extrema dilatação do
colédoco, que encontrava-se tortuoso, e dilatação dos ductos hepático e cístico (Figura 1), e
parte do fígado, realizando o envolvimento dos mesmos com compressas estéreis. Com uma
tesoura Metzenbaum, foi realizada uma dissecção romba por toda extensão do peritônio
visceral que unia a vesícula biliar ao fígado, executando também uma leve tração, para
retirada da VB. A dissecção romba também foi utilizada para liberação dos ductos cístico,
hepático e colédoco que apresentavam-se repletos de conteúdo e com presença de aderências
em seus entornos, até próximo a sua junção coledocoduodenal. O controle do sangramento na
fossa hepática foi realizado com gazes e compressas estéreis. Foram realizadas ligaduras no
ducto hepático e na porção distal à obstrução do colédoco, com auxílio da pinça hemostática
de Crile e ligados com fio de sutura não absorvível Nylon 3-0. Em seguida, foi realizada a
secção dos ductos distalmente às ligaduras e removeu-se a vesícula biliar e o fragmento do
ducto biliar obstruído (Figura 2). O fígado foi reposicionado e iniciou-se o fechamento da
cavidade. A sutura da parede muscular e peritônio foi realizada com padrão simples contínuo
com fio absorvível Vycril 2-0. A aproximação do tecido subcutâneo foi realizada com padrão
Cushing com fio absorvível Vycril 2-0. A sutura da pele foi realizada com padrão simples
contínuo com fio não absorvível Nylon 3-0.
27

Figura 1 - Vesícula biliar (seta branca) e ductos dilatados (seta preta) repletos de conteúdo
biliar in situ observados durante procedimento de colecistectomia em felino, fêmea, da raça
Persa.

Fonte: Arquivo pessoal (2019)

Figura 2 -Vesícula biliar (seta branca) e fragmento obstruído do DBC (seta preta) após o
procedimento de colecistectomia em felino, fêmea, da raça Persa.

Fonte: Arquivo pessoal (2019)

Após o procedimento, a paciente foi encaminhada para o setor de internamento, onde


ocorreu sua recuperação anestésica e permaneceu internada com o mesmo protocolo
28

medicamentoso estabelecido na internação anterior, sendo adicionado aos cuidados, limpeza


da ferida cirúrgica e aplicação de pomada contendo gentamicina, sulfanilamida, sulfadiazina,
ureia e vitamina A (Vetaglós®).
A paciente foi liberada para casa no dia 13 de maio de 2019 com uma acentuada
melhora do quadro e com as seguintes prescrições: Omeprazol 10mg, recomendando a
administração de um comprimido VO SID durante quatro dias; Suplemento contendo cisteína,
vitaminas B2 e B6, glutamina, glicina, colina e inositol (Hepvet®) suspensão, recomendando
administração de 0,5 mL SID durante 60 dias; Metronidazol associado a Sulfadimetoxina
(Giardicid) suspensão, recomendando administrar 1 mL VO BID durante cinco dias; além da
manutenção dos medicamentos manipulados já prescritos em outra ocasião. Como
recomendações, foi indicado manter a paciente com roupa cirúrgica e realizar a limpeza da
ferida cirúrgica com solução fisiológica e aplicação de Vetaglós.
No retorno, dia 20 de maio de 2019, a paciente apresentava-se alerta, porém ictérica.
O tutor relatou que o apetite ainda estava reduzido e apresentava episódios de vômito ao
defecar. A ultrassonografia controle apresentou apenas com uma leve pancreatite. Foi
recomendado observação e realização de perfil básico e uma nova ultrassonografia controle
em 15 dias.
No novo retorno, dia 05 de junho de 2019, a paciente continuava ictérica, mas desta
vez apresentando um maior interesse pelo alimento, segundo o tutor, alimentando-se
espontaneamente.
Na ultrassonografia controle, após 27 dias da realização do procedimento cirúrgico,
as imagens sonográficas concluíram uma leve hepatopatia a esclarecer, onde o fígado
apresentava ecogenicidade anormal e parênquima levemente heterogêneo, além de uma
nefropatia senil. Com relação ao perfil básico também solicitado, não foi possível ter acesso
aos resultados.
29

5 DISCUSSÃO

Optou-se pela realização de um procedimento cirúrgico devido a irresponsividade da


paciente ao tratamento instituído. De acordo com Nelson e Couto (2015), em geral, o
prognóstico para obstrução parcial do ducto biliar quando instituído um tratamento clínico é
bom e a intervenção cirúrgica pode não ser necessária em todos os casos, somente naqueles
em que não houver uma melhora clínica mesmo após vários dias de tratamento ou quando o
animal começa a apresentar sinais de obstrução total.
As indicações para realização da colecistectomia são para os casos de pacientes com
colecistite. Nos casos em que o paciente não possua alterações que inviabilizem a
permanência da vesícula biliar e em casos de obstrução do ducto biliar comum, recomenda-se
a colecistoenterostomia (JERICÓ, 2015). A escolha pela colecistectomia empregada neste
caso foi devido à falta de experiência do cirurgião e condição financeira do tutor, descartando
a possibilidade de empregar a técnica mais recomendada.
Cirurgias do trato biliar em felinos costumam estar associadas a várias complicações
fatais (MEHLER, 2011). A colecistoenterotomia possui como causas de óbito: deterioração
do quadro clínico, parada cardiorrespiratória, hipotensão refratária e deiscência de pontos na
enterostomia (JERICÓ, 2015). Além disso, as complicações da colecistoenterotomia a longo
prazo em gatos incluem a colecistite ascendente, estenose intestinal, vômito crônico e diarreia
secundária a insuficiência pancreática exócrina (MAYHEW et al, 2002, BUOTE et al, 2006).
A falta de experiência do cirurgião com relação à técnica mais recomendada poderia levar o
animal a morte ou maiores complicações futuras, visto que, segundo Jericó (2015),
aproximadamente 50% dos animais submetidos a essa técnica não resistem ao período
transoperatório ou pós-operatório imediato.
Durante a realização do procedimento, indica-se realizar a descompressão cirúrgica a
fim de aliviar a pressão no interior das vias biliares, além de faciliar a manipulação, evitando,
dessa forma, o extravasamento de conteúdo biliar para a cavidade (JERICÓ, 2015). Neste
caso, não foi realizada a descompressão, iniciando o procedimento mesmo com as vias
biliares repletas de conteúdo, o que dificultou a manipulação e acarretou em um pequeno
extravasamento do conteúdo.
Também é indicado realizar uma biópsia hepática, bem como coleta de bile para
exames como citologia, cultura e antibiograma. Biópsias de pâncreas e intestino também
devem ser realizadas, visto que alterações nesses sítios podem ocorrer concomitantemente,
30

definindo assim a tríade felina (JERICÓ, 2015). As mesmas não foram realizadas devido a
condição financeira do tutor.
Casos de obstrução do ducto biliar comum decorrente de pancreatite podem não
necessitar de intervenção cirúrgica, embora poucos respondem ao tratamento clínico e podem
necessitar de um procedimento de drenagem, onde é realizada uma descompressão
percutanea da vesícula biliar guiada através de ultrassom. A aspiração pode ser necessária
mais de uma vez e não elimina a necessidade de cirurgia em todos os casos (FOSSUM, 2014).
Esta tentativa, que poderia evitar a realização do procedimento cirúrgico, não foi realizada
neste caso.
Outra alternativa seria a realização de uma coledocotomia onde, segundo Fossum
(2014), realiza-se uma incisão direta na ducto biliar nos casos em que o ducto encontra-se
excessivamente dilatado e quando a obstrução pode ser removida. Inicialmente deve ser
realizada uma tentativa de reverter a obstrução por meio de uma lavagem do DBC através de
um cateter colocado por enterotomia ou colecistomia. Esta técnica também não foi
considerada uma opção no caso em questão.
Segundo Fossum (2014) a colecistectomia deve iniciar com a exposição da vesícula
biliar e utilizando uma tesoura Metzenbaum, deve-se incisar o peritônio visceral por toda
extensão que une a vesícula biliar ao fígado e executar uma leve tração na vesícula biliar a
partir de uma dissecção romba para desprendê-la do fígado. O ducto cístico deve ser liberado
até sua junção com o DBC. A técnica, neste caso foi modificada devido à extrema dilatação
dos ductos, sendo realizada a liberação dos mesmos, que apresentavam-se repletos de
conteúdo, tortuosos e com presença de aderências, até próximo a sua junção
coledocoduodenal.
Ainda, segundo Fossum (2014), nos casos de necessidade, pode-se realizar a
identificação do DBC através da colocação de um cateter macio 3,5 ou 5 French através da
papila duodenal; o ducto ainda deve ser irrigado para garantir a sua desobstrução. Em seguida,
deve-se clampear e ligar duplamente a artéria e ducto císticos com fio de sutura não
absorvível (2-0 a 4-0) e por fim, seccionar o ducto distal às ligaduras afim de remover a
vesícula biliar. Neste caso, com a modificação da técnica empregada, não foram realizados
estes passos descritos na literatura, assim como as ligaduras foram realizadas em dois pontos
distintos, sendo uma no ducto hepático e outra próximo à junção coledocoduodenal.
Com relação aos exames realizados, é válido destacar que os hemogramas realizados
não foram submetidos a uma análise de esfregaço sanguíneo, apenas a uma contagem total de
31

células em aparelho hematológico veterinário. Segundo Thrall (2015), não é possível definir a
causa da neutrofilia apresentada, podendo ser por estresse crônico induzido por cortisol,
estresse agudo induzido por adrenalina ou inflamação, que não pode ser descartada por não
ser observada toxicidade, além de também não serem detectados bastonetes através desta
avaliação.
As plaquetas, abaixo do valor de referência, também podem se tratar de um problema
do aparelho, pois este não detecta agregação plaquetária e acaba demonstrando uma
diminuição das plaquetas, podendo-se tratar de uma pseudotrombocitopenia, nestes casos o
esfregaço sanguíneo deveria ser examinado por um patologista clínico para que esse achado
fosse confirmado (TRHALL, 2015). A análise do esfregaço sanguíneo sanguíneo seria de
grande importância para uma melhor interpretação destes resultados.
Os exames relacionados a bioquímica sérica recomendados para doenças hepáticas
incluem a mensuração da atividade sérica de enzimas hepáticas, além das concentrações de
albumina, ureia, bilirrubina, colesterol e glicose (NELSON; COUTO, 2015).
De acordo com Center (2009), há aumento das atividades das enzimas transminases,
ALT e AST, e enzimas colestásicas, FA e GGT, na maioria das desordens do sistema biliar,
podendo estar associada ou não com hiperbilirrubinemia ou icterícia. Corroborando com a
literatura, o animal apresentou todas estas alterações, com exceção da GGT a qual não foi
solicitada.
O aumento da ALT e AST ocorre em situações de citólise do hepatócito, o que
significa que elas extravasam do interior do hepatócito. Já o aumento da FA e GGT ocorre
devido a inabilidade que as enzimas têm em serem excretadas pelo sistema biliar, ou seja, em
casos de colestase (RICHTER, 2005). Para ser significativo, segundo Thrall (2015), o
aumento de ALT e AST deve ser três vezes maior que o valor superior de referência para a
espécie. Neste caso, apenas o aumento de ALT foi significativo e indicou a presença de lesão
hepatocelular.
Com relação ao aumento de FA, segundo Thrall (2015), ela possui três isoenzimas,
podendo estar aumentada por colestase, por enzima óssea ou enzima cortisólica. Neste caso,
descarta-se a possibilidade de ser por enzima óssea, pois o animal não está em crescimento,
nem possui osteossarcoma, mas seu aumento pode ter duas contribuições, pela isoenzima
cortisólica, aumentada quando o gato está estressado cronicamente, o que pode estar
associado a tríade felina, e pela isoenzima colestática, como já suspeitado.
32

A hipertrigliceridemia e a hipercolesterolemia são decorrentes de uma hiperlipidemia


que pode ocorrer secundariamente em cães e gatos por transtornos endócrinos, como
hipotireoidismo, diabetes mellitus, hiperadrenocorticismo e obesidade, além de serem
associadas a pancreatite, colestase, insuficiência hepática, síndrome nefrótico e hiperlipidemia
induzida por corticoides (CAMARGO, 2017). Neste caso, pode estar havendo uma
hiperlipidemia por corticóide, devido ao estresse crônico que induz aumento do cortisol, e
principalmente, devido a colestase.
A icterícia apresentada pelo animal corrobora com a literatura quanto ao aumento
nos valores de bilirrubina para três vezes ou mais acima dos valores de referência (ZORAN,
2012).
No segundo hemograma, pode-se notar uma diminuição da PPT que deve ser
correlacionado a diminuição da albumina de um exame para o outro, isso ocorre, segundo
Thrall (2015), porque a albumina é uma proteína de fase aguda negativa nos gatos, ou seja,
quando há presença de inflamação ela diminui, neste caso diminuiu de 3,2 mg/dL para 2,8
mg/dL e isso interfere nos valores de PPT.
O aumento da ALT no segundo exame de bioquímica sérica, segundo Thrall (2015),
não é mais significativo, pois não está aumentado três vezes o valor superior de referência, o
que significa que lesão hepatocelular diminuiu. A FA permaneceu aumentada, o que indica
que ainda há colestase e/ou estresse crônico induzido por cortisol.
No terceiro exame a FA aumentou ainda mais, indicando uma colestase muito
significativa e ALT aumentou novamente, se apresentando três vezes acima o valor superior
de referência, indicando, novamente presença de lesão hepatocelular.
Na urinálise, a única alteração significativa observada foram cristais de bilirrubina.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (2018) é
válido ressaltar que os cristais de bilirrubina nunca tiveram um estudo publicado
comprovando sua composição e são denonimados dessa forma por estarem presentes em
pacientes que apresentavam bilirrubinúria intensa. Porém, a análise química foi negativa para
detecção de bilirrubina e, isto é possível, pois a mensuração da bilirrubina direta (conjugada)
é afetada quando a amostra entra em contato com a luz e a sua mensuração é reduzida devido
a oxidação da bilirrubina à biliverdina.
Testes de FIV e FeLV são normalmente indicados para qualquer gato que esteja
doente (GIEGER, 2011). Quando infectados, os animais podem desenvolver desordens
imunológicas, ficam susceptíveis à infecções secundárias e, no caso da FeLV, podem ainda
33

desenvolver leucemias, linfossarcomas, entre outros problemas (MEGID et al, 2015). O


diagnóstico dessas infecções é importante devido à gravidade das consequências decorrentes
delas e pelo fato de que esse conhecimento influencia no manejo do animal e no tratamento
adequado (MEDEIROS et al., 2019).
Segundo Nelson e Couto (2015), a ultrassonografia abdominal (US) é a modalidade
diagnóstica preferencial para avaliar o sistema hepatobiliar em cães e gatos. A
linfadenomegalia mesentérica trata-se de um achado ultrassonográfico normalmente
relacionado com doença inflamatória intestinal (DII) (CRYSTAL, 2004) e colangiohepatite
(DANIEL, 2011) as quais compõem a tríade felina.
A tríade felina pode ocorrer, de acordo com Silva et al. (2013), a partir de uma
pancreatite, colangiohepatite ou DII. A ocorrência da manifestação clínica é favorecida,
segundo Nunes (2012), pois a disposição anatômica do ducto biliar e do ducto pancreático, na
espécie em questão é diferente das outras, e os mesmos sofrem anastomose ao se
aproximarem da parede duodenal.
Os sinais clínicos geralmente são inespecíficos e podem incluir febre, anorexia, dor
abdominal, vômitos, icterícia, letargia e desidratação (SILVA et al., 2013). Como a paciente
apresentou sinais semelhantes, foram realizados exames laboratoriais e de imagem, afim de
obter um diagnóstico, porém, de acordo com São Germano e Manhoso (2011), o exame
histopatológico dos três órgãos, seria o método eletivo na tríade, os quais não foram
realizados por questões financeiras, permitindo apenas um diagnóstico sugestivo baseado nos
resultados da bioquímica sérica e ultrassonografia abdominal.
O tratamento é de suporte e direcionado para as doenças de base que estão presentes.
São preconizados na maioria dos casos: fluidoterapia, correção de distúrbios eletrolíticos,
antieméticos, protetores de mucosa gástrica e suporte nutricional (COSTA, 2014).
Baseado nisso, foram utilizados ondansetrona como antiemético de ação central e
omeprazol para proteção gástrica como inibidor da bomba de prótons (SPINOSA, 2011).
Para o tratamento para colangiohepatite realiza-se fluidoterapia, pois os animais
geralmente chegam desidratados devido aos vômitos e para isso, deve-se empregar fluidos
que não contenham lactato ou glicose, pois estes demandam metabolismo hepático
(GALGARO, 2010). A fluidoterapia instituída foi com solução fisiológica NaCl 0,9% afim de
realizar uma reposição inicial e evitar maiores demandas do fígado.
Para instituição da antibioticoterapia, o ideal é realizar uma cultura da bile obtida por
punção guiada por ultrassom, caso não seja possível, os antibióticos de escolha são a
34

ampicilina, amoxicilina ou cefalexina, também é interessante utilizar metronidazol associado


à penicilina (GALGARO, 2010). No caso em questão, não foi realizada cultura da bile e o
antibiótico utilizado foi o metronidazol.
Para retardar o progresso da colangiohepatite, recomenda-se o uso de antioxidantes
que protejam o fígado. O antioxidante mais eficaz em casos de doenças necroinflamatórias,
colestase, hepatopatias vacuolares e lipidose hepática é a SAMe (S-adenosilmetionina). Outro
efetivo antioxidante hepático é a N-acetilcisteína (GALGARO, 2010). Destes, ambos foram
utilizados no protocolo de internação, além de Silimarina, que serve para proteger a função
hepática contra substâncias tóxicas, inibindo a ligação de toxinas ao fígado, e Hepvet®, que
auxilia no metabolismo de gorduras e proteínas e contém nutrientes que favorecem a ação da
glutationa.
Para DII, segundo Reche Junior (2003), a terapia chave compreende fármacos anti-
inflamatórios imunossupressores e manejo alimentar com proteína de alta digestibilidade.
Para isso, foi utilizado Acetato de prednisolona (Alcort®) em dose imunossupressora e
alimentação do Recovery®, que é um alimento úmido formulado especialmente para a
recuperação de cães e gatos convalescentes, que têm o seu apetite reduzido e necessitam de
uma alta quantidade de proteínas e calorias.
No caso da pancreatite, de maneira geral, recomenda-se a reposição de fluidos e
correção do desequilíbrio ácido-base, manejo nutricional, controle do vômito e tratamento
com analgésico (DANIEL, 2011). O desconforto abdominal é uma possível condição para
pacientes acometidos pela pancreatite, por isso a analgesia é recomendada na maioria dos
casos, principalmente pela dificuldade de se observar e avaliar a dor nesses animais
(BAZELLE & WATSON, 2014). Os opioides são os fármacos de primeira escolha nos casos
de pancreatite felina (NÓBREGA, 2015). Para o caso, foi instituído o tramadol por ter um
grande potencial analgésico.
Segundo Nelson e Couto (2015), o prognóstico das obstruções biliares que
demandam intervenção cirúrgica é reservado. Apesar do procedimento realizado não
solucionar totalmente os problemas do animal por não ser o mais indicado para o caso, não
houve maiores complicações acerca da intervenção cirúrgica realizada.
Os encaminhamentos e desdobramentos acerca do caso dependeriam de uma série de
exames que não foram realizados, como as biópsias e coleta de bile, ou que não se teve
acesso, como os demais perfis básicos realizados. O mais indicado seria um acompanhamento
35

cuidadoso do animal, com realização de novos exames regularmente a fim de verificar se


serão necessárias futuras intervenções.
36

6 CONCLUSÕES

Embora a realização da técnica de colecistectomia não seja a indicada para os casos


de obstrução do ducto biliar comum, a falta de experiência do cirurgião com relação à técnica
mais adequada poderia gerar maiores complicações ou até mesmo o óbito do animal e as
técnicas alternativas não foram colocadas como opção.
A condição financeira do tutor não permitiu a realização da biópsia hepática, o que
gerou uma falta de informações acerca da gravidade e progressão do quadro. O exame
histopatológico auxiliaria no diagnóstico da causa base, bem como no tratamento adequado do
animal. Também não foi possível realizar as biópsias de pâncreas e intestino, as quais
possibilitariam um diagnóstico conclusivo da tríade felina.
O relato do caso em questão teve alguns resultados positivos, visto que a paciente
está clinicamente melhor, de forma ativa e se alimentando espontaneamente. Porém, a
icterícia não apresentou a resolução esperada e o surgimento de uma leve hepatopatia a
esclarecer no último ultrassom-controle indicam que a paciente precisa de acompanhamento
cuidadoso, com realização de novos exames regularmente, para avaliar a necessidade de
possíveis futuras intervenções.
37

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