Você está na página 1de 50

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS


DEPARTAMENTO DE BIOCIÊNCIAS E SAÚDE ÚNICA
CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

Sabrina Allendes Bravo

TRÍADE FELINA: RELATO DE CASO

Curitibanos
2021
Sabrina Allendes Bravo

TRÍADE FELINA: RELATO DE CASO

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em


Medicina Veterinária do Centro de Ciências Rurais da
Universidade Federal de Santa Catarina como requisito
para a obtenção do título de Bacharel em Medicina
Veterinária
Orientador: Professora Sadra Arenhart, Dr.a
.

Curitibanos
2021
Sabrina Allendes Bravo

TRÍADE FELINA: RELATO DE CASO

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “Bacharel
em Medicina Veterinária” e aprovado em sua forma final pelo Curso de Medicina Veterinária.

Curitibanos, 29 de setembro de 2021.

________________________
Prof. Malcon Andrei Martínez-Pereira, Dr.
Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________
Prof.a Sandra Arenhart, Dr.a
Orientadora
Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof.a Marcy Lancia Pereira, Dr.a
Avaliadora
Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof.a Cibely Galvani Sarto, Dr.a
Avaliadora
Universidade Federal de Santa Catarina
Dedico este trabalho a minha família que me apoiou desde o
início e que fez de tudo para que eu pudesse realizar o sonho que
é me tornar Médica Veterinária.
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar à minha mãe Neusa Derciza dos Santos Allendes Bravo
que esteve comigo me apoiando e segurando a minha mão a cada passo dessa jornada incrível
que foi a realização desse sonho. Que esteve comigo nos momentos bons e nos momentos ruins,
me fazendo enxergar a dificuldade como oportunidade de aprendizado e amadurecimento, e
mostrando tantas outras virtudes que me ajudaram a crescer e lidar com as dificuldades ao longo
desses anos. Mãe eu te amo!
Agradeço também a minha irmã Marina Allendes Bravo pelos momentos de
descontração durante esses anos que me fizeram muitas vezes esquecer os problemas e me
mostrar que apesar das dificuldades, sempre há algo para dar boas risadas. Obrigada pelo
apoio nessa jornada, eu te amo!
Ao meu pai, Luis Alberto Allendes Bravo, que hoje já não está mais presente em vida,
agradeço por me mostrar o significado da palavra resiliência, pois demonstrou ao longo dos
anos uma força de espírito inimaginável diante das dificuldades que a vida apresentou, e que
manteve o bom humor até o final, apesar de tudo. Eu agradeço a você por quem eu me tornei,
por tantos ensinamentos e por todo o amor que você me deu em vida e que continua me
presenteando até hoje. Vou te amar para sempre!
Aos meus Avós, tios e primos que sempre me apoiaram e felicitaram por cada
conquista.
Ao meu gatinho que já não está mais comigo, Cadu, que me ensinou a imensidão do
amor que podemos sentir por esses seres tão puros. Me ensinou a rir de circunstâncias
inesperadas e muitas vezes me mostrou que eu sou capaz de amar muito mais do que eu
imaginava.
Agradeço a minha amiga Gabrielle França Ribeiro que veio a se tornar uma das
pessoas mais especiais para mim, que sempre esteve presente tanto nas dificuldades quanto nos
momentos de descontração. Você é uma pessoa maravilhosa com um coração lindo e quero ter
você na minha vida para o resto dela.
A minha amiga Ana Paula da Cunha que me acompanhou desde o início, sendo minha
companheira de estudos, desabafos e que demonstrou ser uma pessoa incrível, sempre me
acolhendo quando eu precisava. Quero ser sua amiga para sempre!
Agradeço a minha amiga Crislaine Kohut que me acolheu nas minhas últimas semanas
em Curitibanos fazendo delas um momento muito especial e que vou guardar com todo o
carinho no meu coração.
Às minhas amigas Laura Cavagnoli e Munize Rubin Ribeiro que torceram por mim e
me apoiaram apesar da distância. Eu amo vocês para sempre!
E ao meu amigo Vinicius Schwinden que esteve comigo desde os meus primeiros dias
em Curitibanos e me apoiou incondicionalmente em todos os momentos. Você é uma das
pessoas mais importantes para mim! Amo você.
Agradeço aos meus professores pelo conhecimento passado a nós alunos, pela
compreensão, além do incentivo para que continuássemos a nossa jornada. Agradeço
principalmente ao professor Rogério Luizari Guedes e a professora Vanessa Sasso Padilha que
me apresentaram e permitiram me apaixonar pela área de cirurgia e anestesia, além de
compartilhar sempre com paciência e didática um conhecimento imensurável e que levo comigo
até hoje
Agradeço também ao professor Álvaro Menin que por muitas vezes inspirou não só a
mim, mas com certeza aos meus colegas de classe com suas palavras de apoio, incentivo e que
nos via não só como estudantes, mas como seres humanos passíveis de erro e que estavam ali
para aprender. Você inspira muitas pessoas! Bem como agradeço a todos os docentes da UFSC
em Curitibanos que compartilharam ensinamentos, nem sempre relacionados ao curso, mas que
me fizeram amadurecer e crescer de alguma forma.
Agradeço aos veterinários e auxiliares, bem como toda a equipe do Hospital
veterinário Florianópolis e do Hospital Veterinário Santa Vida que me receberam e acolheram
com todo o carinho e que me acompanharam durante os meses em que estagiei, me ensinando
com toda a paciência e permitindo que eu estivesse em contato direto com a rotina, além de me
ensinar coisas valiosas que jamais vou esquecer. Agradeço particularmente a Dra. Alana Borba
pela ajuda inestimável na realização do meu trabalho de conclusão de curso.
Agradeço por fim a minha orientadora Sandra Arenhart por me apoiar e ser paciente
comigo além de compartilhar um conhecimento inestimável.
"É possível julgar o verdadeiro caráter de um ser humano pela forma como trata os animais"
Paul McCartney.
RESUMO

A tríade felina ou também chamada “triaditis”, é caracterizada por um quadro inflamatório que
afeta fígado, pâncreas e intestino delgado concomitantemente. Apresenta sinais clínicos
geralmente inespecíficos que podem ser confundidos com outras patologias ligadas
principalmente ao sistema digestório, tornando seu diagnóstico um desafio para os médicos
veterinários. O diagnóstico definitivo é feito através de biópsia e exame histopatológico de cada
um dos órgãos afetados, porém nem sempre é possível realizá-lo, uma vez que os animais
podem se encontrar instáveis em decorrência da inflamação e lesão destes órgãos. Sendo assim,
o diagnóstico é quase sempre presuntivo, baseado em exames hematológicos e de imagem e o
tratamento é realizado com base nos achados clínicos e resultados dos exames. O presente
trabalho, relata o caso de um felino, macho, persa, não castrado, de 1 ano e 2 meses de idade,
que apresentava episódios de êmese, diarreia com sangue e dor abdominal, atendido em agosto
de 2021. Os exames ultrassonográficos apontaram hepatomegalia, pancreatopatia e inflamação
intestinal, direcionando desta maneira o diagnóstico presuntivo e início imediato do tratamento
visando a melhora dos sinais clínicos e resolução da inflamação dos órgãos acometidos, obtendo
bons resultados com o tratamento escolhido e melhora completa do quadro do animal.

Palavras-chave: Tríade felina. Triaditis. Relato de caso.


ABSTRACT

The feline triad or also called “triaditis”, is characterized by an inflammatory condition that
affects the liver, pancreas and intestine at the same time. It usually presents nonspecific clinical
signs that can be confused with other pathologies related mainly to the digestive system, making
its diagnosis a challenge for veterinarians. The definitive diagnosis is made through biopsy and
histopathological examination of each of Organs affected organs, but it is not always possible
to make it, since the animals may be unstable due to inflammation and injury to these organs.
Therefore, the diagnosis is almost always presumptive, based on hematological and imaging
tests, and treatment is based on clinical findings and test results. The present work reports the
case of a cat, male, Persian, uncastrated, 1 year and 2 months old, who presented episodes of
emesis, bloody diarrhea and abdominal pain, treated in August 2021. Ultrasound examinations
showed hepatomegaly, pancreatopathy and intestinal inflammation, thus directing the
presumptive diagnosis and immediate start of treatment aiming at improving the clinical signs
and resolution of the inflammation of the affected organs, obtaining good results with the
chosen treatment and complete improvement of the animal's condition.

Keywords: Feline triad. Triaditis. Case report.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Anatomia do ducto biliar e pancreático felino. ........................................................ 23


Figura 2 - Plano de diagnóstico e tratamento para felinos com tríade felina. .......................... 37
Figura 3 - Imagens ultrassonográficas do paciente felino, Persa, macho, 1 no de idade atendido
no Hospital Veterinário Santa Vida em agosto de 2021. Vesícula urinária com sedimentos (A);
Baço apresentando aumento de tamanho, caracterizando esplenomegalia (B); Fígado com
hepatomegalia e diminuição da ecogenicidade (C); Mesentério com aumento da ecogenicidade
caracterizando peritonite (D); Vesícula biliar (E); Aumento do tamanho do pâncreas
caracterizando pancreatopatia (F); Inflamação na camada muscular do jejuno, aspecto
corrugado e presença de gás em seu interior (G)...................................................................... 40
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Resultados de exames hematológicos observados na pancreatite, colangite e doença


inflamatória intestinal ............................................................................................................... 28
Quadro 2 - Lesões histopatológicas descritas de acordo com o tipo de colangite.................... 30
Quadro 3 - Resultados hematológicos do paciente felinos, Persa, macho, 1 no de idade atendido
no Hospital Veterinário Santa Vida em agosto de 2021 ........................................................... 42
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALT Alanina Aminotransferase


AST Aspartato Aminotransferase
DDI Doença Inflamatória Intestinal
FA Fosfatase Alcalina
FeLV Feline leukemia virus
FIV Feline immunodeficiency virus
fPLI Imunoreatividade da Lipase Felina
GGT Gamaglutamiltransferase
HVF Hospital Veterinário Florianópolis
HVSV Hospital Veterinário Santa Vida
IV Intravenoso
PA Pancreatite Aguda
PAAF Punção Aspirativa por Agulha Fina
PC Pancreatite Crônica
SAM-e S-adenosilmetionina
TAP Tempo de Atividade da Protrombina
TTPA Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada
UDCA Ácido Ursodesoxicólico
WSAVA World Small Animal Veterinary Association
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 18
2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................... 20
2.1 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA .................................................................... 20

2.2 PREVALÊNCIA.................................................................................................... 24

2.3 SINAIS CLÍNICOS ............................................................................................... 25

2.4 DIAGNÓSTICO .................................................................................................... 26

2.4.1 Exames hematológicos ......................................................................................... 27

2.4.2 Exames de imagem .............................................................................................. 28

2.4.3 Histopatológico..................................................................................................... 29

2.5 TRATAMENTO .................................................................................................... 32

2.6 PROGNÓSTICO ................................................................................................... 37

3 RELATO DE CASO ............................................................................................ 39


4 DISCUSSÃO ........................................................................................................ 45
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 50
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 51
18

1 INTRODUÇÃO

A tríade felina, também chamada de “triaditis”, é caracterizada pela inflamação de três


órgãos concomitantemente, sendo eles fígado e ductos biliares, o pâncreas e o intestino delgado.
As patologias relacionadas a estes órgãos são: colangite, que pode ser classificada como
linfocítica, neutrofílica ou colangite associada a parasitas hepáticos, a pancreatite que pode ser
classificada em aguda ou crônica, podendo haver sobreposição entre as duas formas e a doença
intestinal inflamatória, que possui maior ocorrência em felinos adultos e idosos, porém ocorre
também em animais jovens (LITTLEWOOD, 2018; VIDAL et al., 2019).
Apesar de não ser uma patologia relatada com frequência, sua etiopatogenia e
prevalência ainda não foram totalmente esclarecidas (ČERNÁ et al., 2020). Segundo Černá et
al. (2020), apesar de não serem relatadas predisposição quando a raça, sexo ou idade dos
animais, alguns estudos sobre pancreatite apontam uma grande ocorrência em gatos da raça
Siamesa. A colangite linfocítica crônica tende a ocorrer em animais jovens adultos, bem
como a DII, enquanto a colangite neutrofílica aguda, é percebida com maior frequência em
animais jovens. Até o momento, estes autores relatam a ocorrência de tríade felina em 17 a 39%
dos animais doentes encaminhados para tratamento no reino unido, porém ainda não foram
encontrados estudos que reúnam estes dados no Brasil.
Acredita-se que a principal responsável pela difusão da inflamação nestes três órgãos
seja a anatomia dos felinos (ARGENTA et al., 2018) associada a grande concentração de
bactérias intestinais que podem ascender ao pâncreas e fígado (ČERNÁ et al., 2020).
Os sinais clínicos apresentados pelos pacientes com tríade são geralmente
inespecíficos e sobrepostos nas três afecções. Dependendo da gravidade do acometimento dos
órgãos e tempo decorrido desde o início da doença, os sinais podem se tornar graves e
sistêmicos e levar o animal a óbito (MURAKAMI et al., 2016).
Com o aumento da população de gatos no Brasil e no mundo (CAMPBELL, et al.,
2018), é essencial que as clínicas e hospitais tenham o preparo necessário para recebê-los e
realizar os exames necessários para diagnóstico e início do tratamento destes animais. O
diagnóstico definitivo é realizado por meio de biópsia e exame histopatológico dos três órgãos
acometidos, porém como nem sempre é possível a realização deste procedimento, uma vez que
o paciente pode se encontrar instável fisiologicamente, o diagnóstico presuntivo se faz
necessário para início do tratamento. Dessa maneira, o veterinário faz a associação dos sinais
19

clínicos apresentados, exames laboratoriais e exames de imagem para chegar ao diagnóstico


provável (LIDBURY et al., 2020).
Para a realização do tratamento, é necessário avaliar os sinais clínicos apresentados
pelo paciente para que seja realizado primeiramente o tratamento de suporte e estabilização.
Nele estão envolvidos a fluidoterapia, terapia analgésica e antiemética, nutrição enteral e
suplementação vitamínica, e posterior ao diagnóstico pode ser realizada terapia
imunossupressora e antibiótica se necessárias (ČERNÁ et al., 2020).
O prognóstico depende da gravidade da doença, grau de lesão dos órgãos e tempo
decorrente desde o início das alterações. Animais com sinais leves e no início da doença podem
ser tratados de maneira ambulatorial e tem um prognóstico positivo, enquanto animais com
doença aguda, sinais clínicos graves e comprometimento sistêmico, requererem internação e
terapia agressiva, e tendem a ter um prognóstico reservado a ruim (ČERNÁ et al., 2020).
O presente trabalho tem como objetivo realizar uma breve revisão de literatura sobre
tríade felina, abrangendo etiologia, prevalência, sinais clínicos, diagnóstico, tratamento e
prognóstico e relatar o caso de um felino que apresentou a doença, atendido no Hospital
Veterinário Santa Vida, em Florianópolis, Santa Catarina em agosto de 2021.
20

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A tríade felina é um distúrbio caracterizado pelo acometimento de três órgãos


simultaneamente (fígado, pâncreas e intestino delgado), estando presentes a colangite,
pancreatite e doença inflamatória intestinal, tendo início a partir de um processo inflamatório
em um destes órgãos (OLIVEIRA, 2019).
O fígado tem um papel importante para a digestão de gordura. Seus hepatócitos são
responsáveis pela secreção da bile, que é transportada pelos canalículos até os ductos biliares.
Os ácidos biliares produzidos pelos hepatócitos se formam a partir do colesterol e tem função
de emulsificação dos lipídios advindos da alimentação. A bile é composta por fosfolipídios,
colesterol, água, e outras substâncias lipossolúveis como os pigmentos biliares. O fígado é
responsável também pela excreção de uma série de substâncias lipossolúveis, e pela
metabolização e eliminação de outras como toxinas e medicamentos. Sendo assim, a função do
fígado estando comprometida, afeta o metabolismo destes agentes, causando impactos muitas
vezes sistêmicos (KLEIN, 2014).
O ducto biliar é responsável pelo carreamento da bile até o intestino delgado, e altera
a composição da mesma, pois tem seu epitélio metabolicamente ativo e pode adicionar água ou
eletrólitos como o bicarbonato, a fim de neutralizar a acidez presente no conteúdo que chega
do estômago (KLEIN, 2014).
O chamado “complexo colangite felina” se caracteriza pela inflamação dos ductos
biliares, podendo haver acometimento de hepatócitos concomitantemente. Este complexo pode
ser classificado de acordo com o infiltrado inflamatório encontrado no exame histopatológico,
sendo nomeado de três maneiras principais: colangite linfocítica (CL), colangite neutrofílica
(CN), colangite crônica associada a parasitas hepáticos (CPH) (OLIVEIRA, 2019). A colangite
neutrofílica é a de maior prevalência em felinos e pode ainda ser dividida em aguda ou crônica
de acordo com sua aparência histológica. Ambas são caracterizadas pela presença de
neutrófilos, porém a colangite neutrofílica crônica possui linfócitos e plasmócitos associados
(ČERNÁ et al., 2020).
O pâncreas é um órgão composto por tecido glandular e é responsável pela secreção
endócrina de hormônios, que constituem uma pequena, porém importante fração do órgão. Em
21

sua maior parte, é composto por tecido secretor exócrino, é responsável pelas secreções
digestivas, que são enviadas ao intestino delgado. Esta porção é composta de células acinares
que secretam uma série de enzimas sintetizadas primariamente como zimogênios, que são
estocados em grânulos e quando estimuladas, as células liberam este conteúdo no lúmen da
glândula que segue pelo ducto pancreático até o duodeno, onde são ativadas. Há ainda uma
troca de cloreto por bicarbonato, realizada por células centroacinares, fazendo com que a
secreção se torne alcalina, neutralizando assim a acidez do conteúdo estomacal (KLEIN, 2014;
GOFF, 2015)
Segundo Bazelle e Watson (2014), a pancreatite ainda é de origem pouco conhecida e
ocorre quando algum fator desencadeia a ativação de enzimas e liberação de fatores
inflamatórios, gerando danos celulares e inflamação do tecido exócrino pancreático, podendo
levar a sinais sistêmicos (LIDBURY et al., 2020). A pancreatite pode ocorrer de maneira aguda,
com presença de infiltrado inflamatório neutrofílico, geralmente relacionado a infecção
bacteriana, além de necrose da gordura peripancreática e quantidades variáveis de células
acinares. Em contrapartida, esta doença pode ocorrer de forma crônica, caracterizada por
infiltrado linfocítico, atrofia acinar e fibrose do tecido, podendo resultar em insuficiência
pancreática exócrina, geralmente com caráter imunomediado. Há ainda uma forma de
graduação de acordo com um sistema de pontuação específico, semelhante ao utilizado na
medicina humana, onde são atribuídos pontos ao nível de inflamação, fibrose e degeneração
cística na pancreatite crônica e inflamação, edema e necrose da gordura em pancreatite aguda
(COCK et al., 2007).
A pancreatite crônica parece ser mais comum na tríade felina, uma vez que animais
com este tipo de alteração têm maior predisposição à ocorrência de doenças concomitantes. A
inflamação pancreática pode se estender até o esfíncter de Oddi, chegando ao ducto hepático,
causando colangite. Da mesma maneira, inflamações hepáticas primárias que se estendem ao
ducto pancreático dão início a pancreatite (LIDBURY et al., 2020).
O intestino delgado possui uma mucosa composta por vilos e microvilos com grande
participação no aumento da área de contato. As células que compõem os vilos e microvilos são
chamadas de enterócitos, os quais possuem junções permeáveis entre si e possuem
glicoproteínas em sua superfície, responsáveis pela digestão e absorção. Os enterócitos são
conectados por junções oclusivas, que apesar do nome, são frouxas o suficiente para a passagem
de eletrólitos e água. Desta maneira quando há alterações na mucosa ou até em camadas mais
22

profundas, há também o comprometimento da digestão e absorção de nutrientes, ou ainda


aumento da permeabilidade que permite a passagem de microrganismos entre as células,
causando danos aos órgão e órgãos adjacentes (KLEIN, 2014; GOFF, 2015).
A digestão é realizada primariamente de maneira mecânica, realizada principalmente
através da mastigação. Em seguida é feita a digestão através de reações químicas, como a
hidrólise das moléculas e ação de enzimas digestivas, estas duas ocorrem no lúmen do trato
gastrointestinal e são chamadas de fase luminal da digestão química. A fase final, chamada de
fase membranosa, ocorre através da quebra de polímeros em monômeros, capazes de serem
absorvidos, por enzimas presentes no epitélio intestinal e por fim é realizada a absorção dos
nutrientes (KLEIN, 2014 GOFF, 2015).
Uma série de distúrbios idiopáticos constituem a Doença Inflamatória Intestinal (DII),
e são caracterizados pela infiltração de células inflamatórias na lâmina própria da mucosa
gástrica ou intestinal, geralmente composta por linfócitos e plasmócitos e com menor
frequência por eosinófilos, que estão presentes geralmente em animais com síndrome
hipereosinofílica. Da mesma maneira, pode ser identificado o infiltrado inflamatório
predominantemente neutrofílico, que indica resposta a um componente bacteriano e é
considerada mais grave, e ainda uma combinação de células inflamatórias, nomeado de
infiltrado inflamatório misto (OLIVEIRA, 2019). Apesar da etiologia sobre a DII ainda não
estar bem elucidada, acredita-se que um conjunto de fatores possa levar a inflamação da mucosa
intestinal, tais como tipo de dieta, imunidade da mucosa, microbiota, fatores ambientais e ainda
a susceptibilidade do próprio indivíduo. Acredita-se que a resposta autoimune exacerbada à
antígenos ou agentes dietéticos presentes no lúmen também podem dar início a patologia
(MURAKAMI et al., 2016).
Acredita-se ainda que a inflamação do intestino cause alterações na mucosa e o contato
com antígenos faça com que essa reação imune se torne cada vez mais exacerbada, levando a
alterações na permeabilidade e no funcionamento do órgão (RECHE et al., 2015).
A DII pode ser classificada de acordo com a porção acometida do intestino e ainda de
acordo com o infiltrado inflamatório identificado no exame histopatológico. A proporção dos
danos à mucosa, tipo de infiltrado e extensão da inflamação acabam determinando a gravidade
da doença. Entretanto alguns autores observaram melhor correlação com a histopatologia
quando associaram a avaliação da proteína total sérica, das enzimas alanina aminotransferase
(ALT), fosfatase alcalina (FA) e do fósforo, associados aos sinais clínicos gastroentéricos e
23

avaliação endoscópica. Esta correlação foi proposta por Jergens et al. (2010) e é chamada de
índice de atividade de enteropatia crônica felina (RECHE et al., 2015).
Há um forte indício de que a disbiose pode ser responsável pela inflamação da parede
intestinal, desencadeando a translocação bacteriana até o fígado, causando hepatite reativa, que
dá origem à colangite neutrofílica. Estas bactérias chegam até o pâncreas, gerando pancreatite
aguda com infiltrado neutrofílico ou também denominada de pancreatite supurativa (LIDBURY
et al., 2020).
Acredita-se que a anatomia dos felinos seja o principal motivo pelo qual a tríade
ocorra, uma vez que acontece a anastomose entre o ducto pancreático maior e o ducto biliar
comum antes de desembocarem na parede duodenal (Figura 1), diferentemente do cão onde os
dois ductos adentram separadamente o lúmen intestinal, e associada a essa característica, cerca
de 20% dos gatos possuem um ducto pancreático acessório, comumente rudimentar, que
contribui para a retenção das enzimas digestivas ativadas no órgão e sua autodigestão
(ARGENTA et al., 2018; ČERNÁ et al., 2020). Outro ponto importante a ser considerado é que
o intestino delgado de felinos é relativamente menor em comparação com o dos cães e possui
uma maior concentração de bactérias (ČERNÁ et al., 2020). Dessa maneira, há maior facilidade
na transmissão de antígenos que venham a gerar inflamação nos órgãos citados, podendo ser
agentes infecciosos, proteínas, toxinas ou até mesmo enzimas (OLIVEIRA, 2019).

Figura 1 - Anatomia do ducto biliar e pancreático felino.

Fonte: Černá, 2021.


24

Segundo estudo realizado por Bazelle e Watson (2014), essa estreita comunicação
entre os órgãos pode fazer com que ocorra o refluxo de bile ou conteúdo do lúmen do duodeno
através dos ductos anastomosados até o pâncreas e fígado, em ocasião de êmese por exemplo,
quando a pressão nesse local pode aumentar, fazendo com que ocorra o refluxo desse conteúdo.
Um estudo apresentado por Černá et al. (2020), demonstrou que bactérias podem chegar ao
fígado e pâncreas por via hematogena, através da circulação portal, em decorrência aos danos
causados na mucosa intestinal devido a inflamação.
Acredita-se que a inflamação concomitante destes órgãos pode ocorrer ainda devido a
uma reação imunomediada (BAZELLE; WATSON, 2014), onde linfócitos T de memória que
surgem em decorrência a DII podem migrar até o fígado e pâncreas, causando dano tecidual, o
que por sua vez acaba aumentando o estado inflamatório, que se torna persistente (ČERNÁ et
al., 2020).

2.2 PREVALÊNCIA

A tríade felina parece não apresentar um padrão de acometimento ou prevalência em


animais de raça, idade, ou sexo específicos (MURAKAMI et al., 2016). Apesar de não haver
predisposição quanto a idade dos animais, a DII parece ocorrer com maior frequência em felinos
adultos (ČERNÁ et al., 2020).
Černá et al. (2020) reuniram um apanhado de artigos em que investigaram a
prevalência da ocorrência concomitante entre colangite, DII e pancreatite. Inicialmente um
artigo realizado por Weiss et al. (1996), avaliou que havia maior ocorrência de DII e pancreatite
quando havia doença hepática inflamatória. Em um segundo realizado Callahan et al. (2011),
32% dos animais observados com colangite, possuíam pancreatite e DII. Fragkou et al. (2016),
realizaram observaram 27 animais sintomáticos e 20 não sintomáticos, para comparação entre
características clinicopatológicas e achados nos exames laboratoriais e histopatológicos.
Foram constatadas alterações inflamatórias em todos os animais, 26 destes com inflamação
envolvendo dois dos três órgãos, sendo 34% com DII e colangite concomitante, 6% com DII e
pancreatite e 17% com tríade felina. Todos os animais identificados com tríade apresentavam
sinais clínicos e houve uma leve correlação positiva entre o número de comorbidades e a
gravidade das lesões encontradas na DII.
25

Em outro estudo, cerca de 83% dos gatos diagnosticados com DII, 50% apresentaram
concomitantemente inflamação pancreática e colangite/colangiohepatite, mesmo que de formas
leves (PEREIRA, 2009).
De acordo com estudos apresentados por Argenta et al. (2018), após avaliação
histopatológica, de 29,6% a 55,5% dos animais necropsiados e que tiveram diagnóstico positivo
para colangite ou colangiohepatite, possuíam pancreatite e doença inflamatória intestinal em
conjunto.
Dessa forma, podemos concluir que a tríade felina não é uma doença com baixa
ocorrência, porém como requer o exame histopatológico para confirmação do diagnóstico e
nem sempre é possível a sua realização por uma série de fatores, como restrições financeiras do
tutor, dificuldade de direcionamento do diagnóstico para a realização dos exames por parte do
médico veterinário responsável ou até mesmo devido às consequências sistêmicas causadas
pela tríade que impossibilitam a realização da anestesia para biópsia, acaba sendo
subdiagnosticada e o tratamento é realizado com base nos sinais clínicos e exames
complementares que direcionam o diagnóstico presuntivo.

2.3 SINAIS CLÍNICOS

Os sinais clínicos apresentados pelos animais acometidos por esta patologia são
geralmente inespecíficos, podendo ocorrer de forma espaçada e intermitente por meses ou anos,
o que acaba por dificultar o diagnóstico. Dentre os sinais apresentados estão inapetência,
icterícia, dor abdominal, febre, vômitos e perda de peso, diarreia crônica, letargia, a palpação
das margens hepáticas se torna possível, indicando um aumento no tamanho do órgão, além do
espessamento das alças intestinais. Em casos mais graves pode ocorrer edema e ascite,
taquipneia ou dispneia, hipotermia ou febre, taquicardia, tromboembolismo e choque vascular
devido a disseminação das enzimas pancreáticas ativadas na circulação sanguínea, ou ainda
encefalopatia hepática quando há o grave acometimento do fígado, visto principalmente na
colangite neutrofílica (NUNES, 2012). A gravidade da doença, grau de comprometimento de
cada órgão e tempo decorrente desde o início podem fazer com que os sinais variem (VIDAL,
2019; MURAKAMI et al., 2016; ČERNÁ et al., 2020).
Fragkou et al. (2016), realizaram exames histopatológicos em animais sintomáticos e
assintomáticos e os mesmos sugeriram que felinos que apresentam lesões em dois dos três
26

órgãos podem ainda não apresentar sinais clínicos ou apresentá-los de forma branda ou de
maneira muito espaçada e quase imperceptível aos tutores, o que impossibilita o tratamento
precoce das doenças isoladamente e prevenção da ocorrência das três patologias ao mesmo
tempo e consequentemente agravamento do quadro.
Quando os animais são acometidos apenas por colangite linfocítica, acabam
permanecendo subclínicos, porém quando há um acometimento do pâncreas e do intestino
delgado concomitantemente, tendem a apresentar sinais clínicos. Sendo assim, foi possível
observar que a tríade felina só é encontrada em animais sintomáticos. Além disso foi percebida
uma correlação positiva entre animais com lesões histológicas graves de DII e aparecimento de
sintomatologia clínica. Desta maneira, pode-se concluir que a apresentação de lesões
histopatológicas de DII tem grande importância no aparecimento de sinais clínicos (FRAGKOU
et al., 2016).

2.4 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da tríade felina, se torna por vezes uma tarefa difícil, uma vez que os
sinais clínicos são quase sempre inespecíficos e confundem-se com hepatopatias e outras
patologias ligadas ao sistema digestório, porém com o resultado dos exames laboratoriais e de
imagem associados a sintomatologia apresentada pelo animal, é possível realizar o diagnóstico
presuntivo observando as alterações hepáticas, pancreáticas e intestinais concomitantemente e
iniciar o tratamento, apesar de só ser possível chegar ao diagnóstico definitivo a partir de
exames histopatológicos de cada órgão (ZOELLNER et al., 2019, VIDAL et al., 2019).
Dentre os exames laboratoriais que devem ser solicitados estão: hemograma completo,
imunorreatividade da lipase felina (fPLI) que mensura a atividade específica da enzima
pancreática sem considerar a liberada por outros órgãos, o perfil hepático solicitando enzimas
fosfatase alcalina (FA), gamaglutamiltransferase (GGT), alanina aminotransferase (ALT),
aspartato aminotransferase (AST), e bilirrubina, além de níveis de cobalamina, albumina, cálcio
e globulina séricos (OLIVEIRA, 2019).
Para animais com sinais inespecíficos como diarreia, vômito e perda de peso, devem
sempre ser requeridos exames como: testes diagnósticos para Imunodeficiência Felina e
Leucemia Felina , determinação sérica de tiroxina, coproparasitológico e urinálise, a fim de
27

excluir outros possíveis diagnósticos ou direcionar o diagnóstico presuntivo (MURAKAMI et


al., 2016).

2.4.1 Exames hematológicos

Em casos de pancreatite, os resultados são geralmente inespecíficos e sem um padrão,


impedindo o fechamento do diagnóstico com base nestes exames, levando em consideração que
casos brandos podem apresentar pouca ou nenhuma alteração (OLIVEIRA, 2019). No entanto,
os achados podem incluir anemia hemolítica, provavelmente associada a dano oxidativo
encontrada geralmente na ocorrência de pancreatite aguda. Leucocitose pode estar presente,
com desvio à esquerda em casos mais graves ou leucopenia, esta última associada a um pior
prognóstico. Alterações de coagulação, como aumento do tempo de protrombina (TAP) e
tromboplastina parcial ativada (TTPa) também podem ser encontradas. Dentre os achados
bioquímicos estão o aumento das transaminases (AST e ALT) por isquemia ou exposição dos
hepatócitos a enzimas pancreáticas e toxinas, aumento de FA, creatinina, ureia e amilase e
hipoalbuminemia. Esses aumentos podem ser atribuídos ao fato de o fígado estar acometido na
maior parte das vezes juntamente ao pâncreas. São descritos ainda o aumento do colesterol e
glicemia devido ao estresse em caso de pancreatite aguda, ou hipoglicemia em caso de
pancreatite crônica. São encontradas ainda hipopotassemia mesmo com ausência de diarreia e
vômitos e hipocalcemia, que indica terapia emergencial, pois há grande relação com a morte
dos pacientes (RECHE et al., 2015).
A mensuração da fPLI pode ser realizada pelo ensaio Spec fPL, que determina a
concentração desta enzima no soro, sendo altamente específica e sensível para pancreatite
(NOBREGA, 2015).
Anemia discreta associada ou não a leucocitose e sem desvio a esquerda e
hipofosfatemia pode estar relacionada ao processo inflamatório crônico ativo e perda sanguínea
intestinal na DII. Diminuição proteica por perdas, deficiência de absorção ou déficit nutricional
tem forte correlação com o agravamento do quadro e piora do prognóstico. Hipocobalaminemia
pode ser indicativo de lesão ileal, uma vez que a cobalamina é absorvida na porção do íleo, ou
ainda por lesão pancreática, pois a proteína carreadora/fator intrínseco só é produzida pelo
pâncreas em felinos, além disso a diminuição de ácido fólico pode ser observada quando há
28

lesão na porção inicial do intestino delgado (RECHE et al., 2015; OLIVEIRA, 2019; ČERNÁ
et al., 2020).
Com o desenvolvimento da colangite, há o aumento significativo das enzimas ALT e
AST, que são enzimas de extravasamento e indicam dano celular, um aumento mais brando de
GGT e FA que indicam colestase, além de hiperbilirrubinemia, bilirrubinúria e aumento de TAP
e TTPa. No Quadro 1 podemos observar as patologias citadas acima e suas alterações
hematológicas correspondentes.
.

Quadro 1 - Resultados de exames hematológicos observados na pancreatite, colangite e


doença inflamatória intestinal
Doença inflamatória
Exames Pancreatite Colangite
intestinal
Anemia hemolítica - Anemia

Hemograma Neutrofilia com ou


Leucocitose ou Leucocitose sem desvio à
sem desvio à
leucopenia esquerda
esquerda
Aumento de AST,
ALT, FA e GGT; Aumento de AST,
Bioquímico aumento de ureia e ALT, FA, GGT e Hipoproteinemia
creatinina; bilirrubinemia.
hipoalbuminemia
Testes de TTPA e TAP TTPA e TAP
-
coagulação aumentados aumentados.
Hipocalemia e
Eletrólitos - Hipofosfatemia
hipocalcemia
PLI, lipase e amilase
Outros - Hipocobalaminemia
aumentadas
Fonte: Adaptado de Lidbury et al. (2020) e ČERNÁ et al. (2020).

2.4.2 Exames de imagem

O exame de imagem mais utilizado e eficaz para a avaliação de alterações nos três
órgãos é a ultrassonografia abdominal (OLIVEIRA, 2019). A sensibilidade e acurácia do exame
depende da experiência do médico veterinário ultrassonografista e seu conhecimento, além da
qualidade do equipamento utilizado, dessa maneira sendo muito útil para o diagnóstico das três
patologias (RECHE et al., 2015).
29

No caso de DII é possível a detecção de espessamento da parede intestinal nas camadas


mucosa e submucosa, linfadenomegalia onde os linfonodos mesentéricos podem se apresentar
hipertrofiados e hipoecogênicos, o que ocorre também em casos de linfoma alimentar em
felinos, e a ultrassonografia pode ser utilizada como guia para realização de Punção Aspirativa
por Agulha Fina (PAAF) a fim de diferenciar o linfoma da DII ou a fim de escolher o melhor
método para biópsia e local de eleição (OLIVEIRA, 2019; RECHE et al., 2015). A radiografia
raramente possui alguma utilidade no diagnóstico de DII (ČERNÁ et al., 2020).
O pâncreas pode se apresentar hiperecoico caso haja fibrose no parênquima e presença
de massas, ou hipoecoico em decorrência da necrose. Pode ser observada hipoegocenicidade
do mesentério devido a necrose do tecido gorduroso, inflamação e/ou edema. O órgão pode
ainda apresentar dilatação do ducto pancreático e consequente obstrução do mesmo, fluido
peritoneal e trombose da veia pancreaticoduodenal (RECHE et al., 2015).
Na ultrassonografia abdominal, é evidenciada a hepatomegalia e parênquima hepático
heterogêneo e ecogenicidade reduzida. No caso de lipidose hepática concomitante, a vesícula
biliar pode se apresentar hiperecogênica, além de ser possível observar o espessamento e
distensão dos ductos biliares comuns, colelitíase ou espessamento biliar com obstrução das vias
biliares (RECHE et al., 2015; BOLAND & BEATTY, 2016). A radiografia pode ser utilizada
para confirmação de hepatomegalia ou identificação de líquido livre na cavidade (ČERNÁ et
al., 2020).
Deve-se considerar que em alguns animais há dificuldade de localizar dos órgãos e o
diagnóstico depende da habilidade e conhecimento do profissional ultrassonografista, sendo
assim, é importante não considerar a ultrassonografia de forma isolada, e sim associar a mais
exames e aos sinais clínicos (ČERNÁ; et al., 2020).

2.4.3 Histopatológico

A realização do exame histopatológico de cada órgão afetado é a única forma de


realizar o diagnóstico definitivo e é considerado o padrão ouro. A avaliação deve ser realizada
por um profissional com experiência devido à dificuldade do diagnóstico e da diferenciação de
outras patologias (NUNES, 2012). O exame fornece ainda um detalhamento maior do infiltrado
inflamatório e dos danos causados ao órgão, direcionando melhor o tratamento (SIMPSON,
2015).
30

É importante levar em consideração a estabilidade fisiológica do paciente, uma vez


que o mesmo precisa ser submetido a anestesia e procedimento cirúrgico invasivo, o que pode
apresentar risco a vida do felino. Deve ser investigada a presença de coagulopatia previamente
ao procedimento, uma vez que há um comprometimento dos órgãos responsáveis pela
manutenção do funcionamento da cascata de coagulação e seus fatores. Caso haja o
comprometimento, é indicada a suplementação de vitamina K na dose de 0,5 mg/kg SC ou IM,
BID por 3 dias (OLIVEIRA, 2019).
A avaliação histopatológica do intestino pode indicar a presença de células
inflamatórias na parede intestinal, principalmente linfócitos, plasmócitos, eosinófilos e com
muito menos frequência, o infiltrado neutrofílico, além de fusão ou atrofia de vilosidades,
edema que causa a separação das criptas e achatamento do epitélio em decorrência da fibrose
ou necrose (MURAKAMI et al., 2016).
A coleta para realização do exame histopatológico e identificação da colangite deve
ser realizada em mais de um local do parênquima hepático, pois o infiltrado inflamatório e as
lesões ao tecido podem estar distribuídas de maneira desigual (OLIVEIRA, 2019). A colangite
pode ser classificada em três formas, como já mencionado anteriormente em colangite
neutrofílica (CN), colangite linfocítica (CL) e colangite associada a parasitas hepáticos (CPH),
e cada uma destas formas apresenta resultados histopatológicos distintos, que serão
apresentados no Quadro 2.

Quadro 2 - Lesões histopatológicas descritas de acordo com o tipo de colangite.


Colangite associada a
Colangite neutrofílica Colangite linfocítica
parasito s hepáticos
Infiltrado inflamatório misto
Agregados de pequenos (linfócitos, macrófagos,
Infiltrados neutrofílicos na
linfócitos com infiltração em eosinófilos e neutrófilos) em
área portal
áreas portais e ductos biliares áreas periductais e
periportais
Pouca quantidade de Hiperplasia de ductos Dilatação e hiperplasia de
linfócitos em áreas portais biliares ductos biliares
Infiltrados neutrofílicos
Proliferação de ductos Fibrose periportal e
podem se estender ao
biliares periductal
parênquima hepático
Colecistite hiperplásica ou
Ductos biliares Graus variados de fibrose
ulcerativa pode estar
intrahepáticos dilatados periportal
presente
31

Parasito s hepáticos
Neutrófilos no lúmen dos Infiltração de linfócitos em
adultos ou ovos
ductos biliares e infiltração lúmen e epitélio dos ductos
infrequentemente
em paredes biliares biliares
identificados
Proliferação de ductos Infiltração de linfócitos
biliares, hiperplasia e podem se estender ao -
degeneração epitelial parênquima hepático
Graus variados de fibrose - -
Necrose periportal - -
Fonte: Adaptado de Oliveira (2019).

A pancreatite pode ser classificada de duas maneiras, de acordo com sua apresentação
histológica, sendo elas a pancreatite aguda (PA) e pancreatite crônica (PC). O pâncreas é um
órgão altamente sensível à hipóxia, que pode ocorrer pela hipotensão anestésica ou a própria
manipulação do órgão em si e dos órgãos adjacentes, contudo a taxa de complicações de acordo
com a literatura é baixa, sendo segura a realização do procedimento em felinos (BAZELLE;
WATSON, 2014).
Em um estudo realizado por Cock et al. (2014), foi possível identificar fibrose
interlobular de maneira extensa pelo parênquima exócrino juntamente a atrofia de células
acinares na ocorrência de pancreatite crônica em estágios mais avançados, e de maneira mais
branda em estágios mais leves da doença, associada a inflamação leve que acompanha a
progressão da fibrose tecidual, sendo composta principalmente por linfócitos, porém sendo
encontrados também macrófagos e eosinófilos. Quando neutrófilos são encontrados, é
denominada pancreatite crônica ativa (ČERNÁ et al., 2020). Houve ainda a dilatação cística
dos ácinos pancreáticos que eram grandes e múltiplos no estágio mais avançado da doença,
além de atelectasia ductal e hiperplasia das células epiteliais dos ductos (ČERNÁ et al., 2020).
Na pancreatite aguda, a inflamação se mostrou muito mais evidente, próxima a área
de necrose, espalhando-se de maneira difusa pelo parênquima, sendo representada
principalmente por neutrófilos e ocasionais eosinófilos, podendo haver infiltrado de macrófagos
dependendo da causa base da patologia. A necrose do parênquima foi bastante evidenciada na
pancreatite aguda e não ocorreu na PC, e se apresentou de maneira focal pelo órgão. Houve
ainda a presença de edema entre os septos lobulares, o parênquima hemorrágico e focos de
peritonite (COCK et al., 2014; BAZELLE; WATSON, 2014).
32

2.5 TRATAMENTO

Como em grande parte das vezes o diagnóstico histológico não está disponível logo no
início do tratamento, o mesmo é direcionado ao órgão que o médico veterinário acredita ser o
principal responsável pelos sinais clínicos apresentados, de acordo com resultados dos exames
laboratoriais e de imagem. Levando em consideração que os órgãos podem ser acometidos de
maneiras distintas, cada paciente requer um tratamento específico com base na gravidade da
doença e aspectos clínicos apresentados. Animais hemodinamicamente estáveis e com sinais
clínicos leves, podem ser tratados de maneira ambulatorial. No entanto, o tratamento geral para
estabilização do paciente com sinais graves inclui a internação do animal para receber
fluidoterapia intravenosa, analgesia e utilização de antieméticos, além do suporte nutricional
(SIMPSON, 2015; LIDBURY et al., 2020; ČERNÁ et al., 2020).
A fluidoterapia intravenosa garante a reposição do volume perdido através de vômitos,
diarreias e outras perdas como derrames peritoneais ou pleurais decorrentes da pancreatite, além
de correção da desidratação e o fornecimento do volume de manutenção diário para o animal.
Estes valores devem ser calculados e repostos em um período de 12 a 24h. Distúrbios ácido-
básicos como hipocalcemia e hipocalemia devem ser corrigidos o quanto antes, com a utilização
de gluconato de cálcio e cloreto de potássio diluído no volume de fluidoterapia que será
infundido no animal, respectivamente. Há indicação da realização de transfusão de plasma
quando se identifica doença hepática grave e/ou desenvolvimento de coagulopatias em
decorrência da ativação de enzimas pancreáticas presentes na corrente sanguínea (ČERNÁ et
al., 2020).
Realizar a terapia medicamentosa com analgésicos é essencial, uma vez que os felinos
são muito eficazes em esconder a dor, pois este é um mecanismo evolutivo de defesa utilizado
para não demonstrar vulnerabilidade aos seus predadores. Sendo assim, mesmo que o animal
não demonstre sinais de dor, a analgesia é de suma importância, pois o desconforto pode ser
em grande parte o responsável pela anorexia apresentada pelo felino. Dessa maneira a utilização
de opioides como Buprenorfina (0,02–0,03 mg/kg IV/IM/SC, 6–12), Metadona (0,1–0,3mg/kg
IV, 4–6h), Maropitant 1mg/kg, SC/IV/VO, 24h - analgesia visceral) ou Fentanil (5µg/kg, IV
em bolus ou 2–4µg/kg/h), são essenciais. Os pacientes devem ser monitorados e pontuados de
acordo com a escala de dor de Glasgow para garantir o alívio adequado da dor (ČERNÁ et al.,
2020).
33

Assim como a modulação da dor, a terapia antiemética tem grande importância no


tratamento da anorexia, sendo assim as medicações indicadas para estes casos são: Maropitant
na dose indicada acima, que além de atuar no centro do vômito ainda tem grande importância
no controle da dor visceral, sendo altamente indicado. Podem ser administrados ainda
Ondansetrona (0,5-1mg/kg, VO, 12-24h) e Metoclopramida (0,2–0,5 mg/kg IV/SC/VO, 12h ou
1– 2 mg/kg/dia em infusão contínua), porém esta última tem sua eficácia questionada na espécie
felina, e ainda tem seu efeito na perfusão pancreática não totalmente esclarecido, sendo
contraindicado em animais com pancreatite (ČERNÁ et al., 2020).
Segundo a World Small Animal Veterinary Association (WSAVA), a nutrição é
considerada a 5ª avaliação vital do paciente, ficando atrás apenas da temperatura, pulso,
respiração e dor. Sendo assim é de suma importância a nutrição precoce do paciente, uma vez
que a deficiência de proteínas e calorias pode levar a desnutrição do animal, que acaba por
prejudicar o metabolismo de drogas, a diminuição do tecido de síntese e reparo e prejudicar o
sistema imune, além de grandes chances de desenvolvimento de lipidose hepática (COLLINS,
2017)
A alimentação enteral é preconizada na maioria dos casos, pois além de estimular o
sistema imune, mantém a mucosa intestinal funcional e evita complicações metabólicas. A
alimentação parenteral só deve ser considerada quando o sistema digestório do paciente
encontra-se altamente disfuncional. Dessa maneira, a alimentação assistida deve ser
considerada quando o animal estiver ingerindo menos de 80% da sua necessidade diária ou
estiver em anorexia ou hiporexia por três dias ou mais (COLLINS, 2017).
Para o manejo a curto prazo, uma vez que a náusea e a êmese estejam controladas, uma
alimentação altamente digestível, hipercalórica e preferencialmente formulada para pacientes
com afecções gastrointestinais deve ser instituída, não sendo necessário o controle de gorduras
da dieta. Deve se levar em consideração também a utilização de uma alimentação de eliminação
com dietas que possuem proteínas hidrolisadas ou que o animal não teve contato previamente
a fim de reduzir o potencial inflamatório advindo de alergias ou hipersensibilidade alimentar a
ingrediente comumente presente na maioria das dietas. No caso de sinais clínicos advindos do
acometimento de intestino grosso, geralmente o aumento do fornecimento de fibras na dieta
parece ter resultado positivo. (COLLINS, 2017; OLIVEIRA, 2019). Estimulantes de apetite
como a Mirtazapina podem ser bons auxiliares para que o animal volte a se alimentar sozinho
e podem ser uma alternativa a ser considerada antes da sondagem, porém uma vez que sua
34

metabolização é realizada pelo fígado, deve ser evitada em animais com doença hepática grave
(ČERNÁ et al., 2020).
É importante estar atento à quantidade de alimento que deve ser fornecida ao paciente,
pois o aumento da mesma deve ser feito de maneira gradual para evitar a síndrome de
realimentação, iniciando-se com 25 a 33% das necessidades energética diária do paciente,
dividida em várias refeições durante o dia. A quantidade deve ser aumentada e chegar a 100%
da necessidade do animal em 3 a 4 dias (ČERNÁ et al., 2020).
Caso o animal não se alimente sozinho, mesmo com o uso de estimulantes de apetite,
é necessária a passagem de sonda nasoesofágica ou esofágica. Para a escolha do tipo de sonda
a ser utilizado, deve se levar em consideração a estabilidade do paciente e possibilidade de
anestesia, presença ou não de coagulopatias, o tempo que a sonda será utilizada e se o paciente
irá ou não para casa com a mesma (COLLINS, 2017). A alimentação forçada via oral não deve
ser feita, pois pode causar aversão alimentar e elevar o nível de estresse do animal (ČERNÁ et
al., 2020).
Pacientes que se encontram em desnutrição, devem receber suplementação de
nutrientes como a cobalamina na dose de 500µg/gato semanalmente por 5 semanas, a seguir em
semanas intercaladas no período de 6 semanas e por fim mensalmente. Taurina também deve
ser suplementada na dose de 200-500mg/refeição além de fosfato dicálcico e vitamina K, esta
última sendo indicada também no tratamento de colangite e pancreatite, uma vez que estas
patologias podem causar coagulopatias (BARAL, 2015; OLIVEIRA, 2019; ČERNÁ et al.,
2020).
Podem ainda ser utilizados como terapia adjuvante os ácidos graxos de cadeia curta e
média e o ômega 3 que possuem potencial anti-inflamatório além da glutamina que auxilia na
manutenção da permeabilidade intestinal e das estruturas das vilosidades intestinais, bem como
probióticos e prebióticos para modulação da flora intestinal (BARAL, 2015; OLIVEIRA,
2019).
No manejo realizado a longo prazo, geralmente para o tratamento de enteropatias
crônicas como a DII, é realizada a associação de dietas de eliminação, antibioticoterapia e
medicação imunossupressora para atingir a remissão completa dos sinais clínicos (LIDBURY
et al., 2020). Entretanto para o tratamento de animais que possuem a DII leve é preconizada a
dieta de eliminação previamente ao uso de antimicrobianos e imunossupressores. Geralmente
somente a alteração da dieta parece apresentar bons resultados em 3 a 5 dias com
35

desaparecimento dos sinais clínicos, porém o tratamento dietético deve seguir por 8 a 12
semanas, mesmo que ocorra a melhora no quadro clínico em poucos dias (BARAL, 2015;
OLIVEIRA, 2019; LIDBURY et al., 2020).
Em animais que não respondem totalmente a dieta de eliminação, são associados
antiinflamatórios esteroidais como prednisolona via oral, a fim de diminuir possíveis efeitos
colaterais a dose inicial deve ser de 2/mg/kg SID, iniciando 10 dias após qualquer procedimento
cirúrgico, para fornecer tempo necessário para cicatrização. Caso haja melhora nos sinais
clínicos 14 dias após o início do tratamento, esta dose é mantida por mais 14 a 28 dias e em
seguida realiza-se a diminuição da dose para 1mg/kg até a menor dose eficaz, mantendo sempre
a dieta de eliminação para que não retornem os sinais clínicos (BARAL, 2015). Antes do início
da terapia anti-inflamatória esteroidal, é necessário realizar a investigação de infecção viral,
como FIV e FeLV, e infecções bacterianas ou fúngicas (RECHE et al., 2015; LIDBURY et al.,
2020).
Em casos de recidiva ou falta de resposta ao tratamento imunossupressor, é necessária
a reavaliação do quadro clínico e resultados de exames para descartar possível erro diagnóstico
e assegurar que nenhum achado tenha sido desconsiderado, e cogitar a possibilidade de linfoma
alimentar de pequenas células (LIDBURY et al., 2020). Caso ainda persistirem os sinais, pode
ser realizada a troca da medicação por budesonida (3mg/gato, SID, VO), que pode ser muito
eficaz, além de segura para animais diabéticos, clorambucil (2mg/gato, em dias alternados), ou
ciclosporina (5 mg/kg VO, SID ou BID) (ČERNÁ et al., 2020). Pode ainda ser feita a associação
entre fármacos para obter o efeito de sinergismo ou diminuição de efeitos colaterais (BARAL
2015; RECHE et al., 2015; OLIVEIRA, 2019).
Sabe-se que a microbiota intestinal tem grande papel no desenvolvimento da DII,
sendo assim, quando confirmada a infiltração de linfócitos ou macrófagos, ou quando houver a
confirmação da presença de bactérias realizada através da cultura, é indicada a associação de
metronidazol (10-20mg/kg, BID por 60 dias) juntamente a terapia imunossupressora, uma vez
que possui efeitos anti-inflamatório, imunomodulador, ação contra protozoários, além da ação
desejada contra microrganismos anaeróbios. Alternativamente pode-se utilizar a tilosina (40-
80mg/kg, VO, BID) por quatro semanas (OLIVEIRA, 2019).
O tratamento da colangite, assim como o da DII é realizado com base nos achados
clínicos. Para a terapia antibiótica, é indicada a realização de antibiograma da bile ou do
fragmento da biópsia hepática (ČERNÁ et al., 2020), porém caso não seja possível, são
36

preconizados nestes casos, antibióticos de amplo espectro com boa distribuição hepática, sem
necessidade de metabolização pelo fígado e excreção através da bile de maneira ativa. Dentre
os antibióticos que atendem a estes quesitos estão: ampicilina (10–20 mg/kg IV, IM, ou SC a
cada 6–8h), amoxicilina com clavulanato de potássio (11–22 mg/kg IM, SC, ou VO a cada 8–
12h), cefalexina (22-30 mg/kg VO a cada 8–12h) e estes podem ser associados ao metronidazol
(7,5 mg/kg VO a cada 8–12h) a fim de aumentar o espectro de ação, porém este último deve
ser utilizado com cautela em animais com lesão hepática grave ou icterícia, uma vez que é
metabolizado pelo fígado. O tratamento com antibióticos deve ser mantido por quatro a seis
semanas, até que se descarte uma possível causa infecciosa, podendo se estender por até três
meses, dependendo da necessidade apresentada pelo paciente avaliando sempre a atividade
enzimática e parâmetros bioquímicos além de realizar o acompanhamento clínico do animal
(RECHE et al., 2015; MURAKAMI et al., 2016; OLIVEIRA, 2019).
Em associação à terapia antibiótica pode ser utilizada a terapia com corticoide como
mencionada no tratamento de DII, e tende a ser eficaz na colangite com surgimento agudo,
porém acaba não resolvendo por completo a condição, sendo necessário descobrir a causa base
da doença. É recomendada principalmente na ocorrência de colangite linfocítica, pois esta
geralmente tem fundo imunomediado e auxilia na prevenção das lesões causadas pela
inflamação. São recomendados a utilização do ácido ursodesoxicólico (UDCA), pois realiza a
modulação e reduz a produção de ácidos biliares tóxicos, além de efeito colerético e anti-
inflamatório, e ainda a utilização de antioxidantes como vitamina E e S-adenosilmetionina
(SAM-e) (WATSON, 2015; ČERNÁ et al., 2020). Deve ser descartada a possibilidade de
linfoma hepático previamente a utilização de terapia corticosteroide (SIMPSON, 2015).
Para o tratamento da sintomatologia apresentada em decorrência da pancreatite é
recomendado principalmente terapia de suporte com fluidoterapia intravenosa, controle de
náusea e êmese e a nutrição enteral. Estes são os três pilares do tratamento destas patologias e
já foram discutidos anteriormente. Desta forma, realizando o tratamento inicial de suporte
comentado anteriormente, a pancreatite será tratada em paralelo. O sucesso do tratamento é
percebido com o desaparecimento dos sinais clínicos (LIDBURY et al., 2020). Na Figura 2 é
possível observar um plano de tratamento para felinos com tríade.
37

Figura 2 - Plano de diagnóstico e tratamento para felinos com tríade felina.

Fonte: Adaptado de Černá et al. (2020).

2.6 PROGNÓSTICO

O prognóstico para animais com tríade felina depende da gravidade e tempo de


ocorrência da doença, extensão dos danos aos órgãos e se há ou não envolvimento sistêmico.
Em casos de pancreatite aguda grave ou colangite neutrofílica, principalmente se há sinais
sistêmicos como hipotensão, coagulação intravascular disseminada, septicemia e choque, há
necessidade de intervenção rápida e terapia agressiva para que o animal possa sobreviver.
Porém em casos como DII leve a moderada, com aumento leve de fPLI, geralmente os pacientes
respondem ao tratamento com dieta de eliminação, terapia imunossupressora e antibiótica
(LIDBURY et al., 2020).
O resultado do tratamento depende da equipe envolvida, terapias e exames
diagnósticos disponíveis e cooperação do tutor e aceitabilidade animal. Muitos dos animais,
mesmo após o tratamento e estabilização podem desenvolver sinais crônicos da doença, por
exemplo, a pancreatite pode vir a causar insuficiência pancreática exócrina, a colangite pode
38

levar a uma maior predisposição a cirrose, cálculos biliares e colangiohepatite, e por fim, a DII
pode predispor a linfoma entérico. Sendo assim é importante realizar o manejo adequado para
diminuir o risco de consequências graves (ČERNÁ et al., 2020).
39

3 RELATO DE CASO

No dia 03 de agosto de 2021, no Hospital Veterinário Santa Vida, foi atendido um


paciente felino, macho, da raça persa, da cor cinza, com 1 ano e 2 meses, pesando 4,985kg, não
castrado. Os tutores chegaram ao local trazendo o paciente com queixa de êmese, dor abdominal
e fezes com sangue.
O paciente foi internado às 22h do mesmo dia e foram prescritos Ondansetrona, na
dose de 0,5mg/kg, IV, TID, por 5 dias; Dipirona na dose de 0,25mg/kg, IV, BID, por 5 dias;
Tramadol 0,4mg/kg, IV, BID, por 5 dias; e Metronidazol na dose de 7,5mg/kg (7,5ml), IV, BID,
por 5 dias, além da realização da avaliação dos parâmetros fisiológicos, fornecimento de
alimentação e água a cada 8h, e fluidoterapia intravenosa com Ringer Lactato na taxa de 16ml/h,
onde estava incluso o percentual de desidratação avaliado (4%), o volume para reposição e o
volume de manutenção para o animal. Neste mesmo dia foi realizado o exame de
ultrassonografia abdominal, onde foram encontradas alterações como hepatomegalia,
pancreatopatia e inflamação intestinal, que levaram a suspeita clínica de tríade felina (Figura
3).
Durante o exame ultrassonográfico, o paciente se encontrava assustado e agressivo,
com intenso desconforto abdominal, impedindo a varredura ultrassonográfica completa. As
alterações apresentadas no exame foram: sedimento urinário na observação da vesícula urinária;
rim esquerdo sem alterações e impossibilidade de observação do rim direito; baço aumentado,
caracterizando esplenomegalia, porém com forma e contorno preservados, parênquima
homogêneo e normoecogênico; o estômago não apresentava alterações; o fígado com
hepatomegalia, porém forma e contorno preservados, parênquima homogêneo com discreta
redução na ecogenicidade, que pode estar relacionada a hepatite aguda e/ou congestão; vesícula
biliar com parede fina e contorno regular, preenchida por conteúdo anecogênico; jejuno
preenchido por moderada quantidade de conteúdo fluido/gasoso, com paredes espessas, aspecto
corrugado e evidenciação da camada muscular, devido ao espessamento desta camada pela
infiltração de células inflamatórias, caracterizando enterite/doença inflamatória intestinal,
porém com sua motilidade mantida; duodeno e íleo não caracterizados neste exame; intestino
grosso sem alterações; pâncreas estava com seu tamanho aumentado, caracterizando
pancreatopatia, porém com contornos regulares, com ecotextura e ecogenicidade preservadas;
houve ainda o aumento na ecogenicidade do mesentério adjacente as alças intestinais e
40

pâncreas, caracterizando peritonite. Todas estas alterações podem ser vistas na Figura 3
apresentada a seguir.

Figura 3 - Imagens ultrassonográficas do paciente felino, Persa, macho, 1 no de idade


atendido no Hospital Veterinário Santa Vida em agosto de 2021. Vesícula urinária com
sedimentos (A); Baço apresentando aumento de tamanho, caracterizando esplenomegalia (B);
Fígado com hepatomegalia e diminuição da ecogenicidade (C); Mesentério com aumento da
ecogenicidade caracterizando peritonite (D); Vesícula biliar (E); Aumento do tamanho do
41

pâncreas caracterizando pancreatopatia (F); Inflamação na camada muscular do jejuno,


aspecto corrugado e presença de gás em seu interior (G).

Fonte: Imagem cedida por Almeida (2021).


42

O paciente passou a primeira noite bem, com dor abdominal controlada, apesar de estar
assustado e não aceitar alimentação. Foi agendada e feita a coleta de sangue para realização dos
exames hematológicos no dia 04 de agosto.
Os exames requeridos foram o hemograma completo e o bioquímico para avaliação de
glicose, ureia, creatinina, ALT, FA, proteínas totais, albumina e globulinas. Nos resultados do
exame bioquímico, a albumina estava abaixo dos valores de referência, porém como a coleta
foi realizada com o animal apresentando desidratação leve, a hemoconcentração pode ter
mascarado um valor ainda menor da albumina. Não houve alterações significativas nos
resultados do hemograma, estando todos os valores dentro da faixa de referência, mesmo
levando em conta a desidratação do animal, como podemos ver no quadro 3.

Quadro 3 - Resultados hematológicos do paciente felinos, Persa, macho, 1 no de idade


atendido no Hospital Veterinário Santa Vida em agosto de 2021

Fonte: Imagem cedida por Zacchi (2021).

Durante o período em que o paciente esteve internado, foram realizadas nove


avaliações dos parâmetros fisiológicos. Em todas as avaliações foram constatadas frequência
respiratória, frequência cardíaca e temperatura retal dentro dos parâmetros, mucosas
normocoradas, urina com frequência e coloração normais, e não apresentou êmese. As
alterações significativas foram: diarreia com sangue no primeiro dia de atendimento (03 de
43

agosto), que normalizaram no dia seguinte (04 de agosto), porém o animal não defecou no
restante dos dias em que ficou internado; o animal apresentou dor leve nas duas primeiras
avaliações, que foi controlada com a utilização de terapia analgésica; foi constatada
desidratação nas quatro primeiras avaliações, porém a mesma foi corrigida no decorrer do
tempo em que o animal ficou internado com a utilização da fluidoterapia intravenosa.
No dia 04 de agosto foram prescritas Metoclopramida na dose de 0,3mg/kg, IV, TID,
por 3 dias, para controle da náusea; Prednisolona 2,5mg/kg, VO, SID, por 3 dias, para redução
da inflamação; Ampicilina com Sulbactan 10mg/kg, IV, BID, por 3 dias, como terapia
antibiótica; e Suplemento vitamínico aminoácido, 1ml VO, TID, por 3 dias, para suplementação
de aminoácidos e vitaminas.
No dia seguinte (05 de agosto), o paciente permitiu apenas a realização de parâmetros
menos invasivos e os manteve estáveis, porém continuou apresentando hiporexia, sendo assim
foi realizada a sondagem esofágica e prescrita alimentação via sonda, de 20ml de Recovery
(alimentação úmida), aproximadamente 50% da necessidade diária, dividida em quatro
refeições que eram administradas a cada 6h. No dia 06 de agosto foi prescrita a troca da
alimentação úmida por 15ml de Suplemento alimentar hipercalórico misturado a albumina em
pó, fornecendo aproximadamente 75% da necessidade diária, a cada 6h por 4 dias. Neste mesmo
dia foi realizada a troca da ampicilina com sulbactan por amoxicilina com clavulanato de
potássio 15mg/kg (1,5ml), via sonda a cada 12h; e a troca da dipirona intravenosa, por dipirona
de administração via oral (3 gotas), para ser administrada via sonda.
A alta do paciente foi realizada no dia 07 de agosto para término do tratamento em
casa. Foi prescrita a alimentação via sonda, com a ração seca hipoalergênica triturada e
dissolvida em água, juntamente a 1 colher de albumina em cada refeição; Amoxicilina com
clavulanato 15mg/kg, VI, BID, por 15 dias; Metronidazol 15mg/kg, VO, BID, por 7 dias;
Prednisolona 0,6mg/kg, VO, SID, por 4 dias; Suplemento vitamínico aminoácido, 1ml, VO,
BID, durante 15 dias; Dipirona gotas, 3 gotas, VO, BID, por 3 dias; e prescrição de retorno em
5 dias. Os tutores foram instruídos a manter o animal em local calmo, fazer o uso do colar
elisabetano e realizar a limpeza da ferida com soro fisiológico, aplicação de pomada antibiótica
e refazer o curativo uma vez a cada 48h.
A tutora entrou em contato com a equipe do hospital no dia 08 de agosto e relatou
novos episódios de diarreia líquida escura, e hiporexia, porém foi indicada a continuação do
tratamento para melhora dos sinais clínicos.
44

A consulta de retorno foi realizada no dia 14 de agosto, porém o animal ainda


apresentava hiporexia, então a veterinária responsável indicou o estímulo da alimentação com
alimentos que pudessem despertar o interesse do animal, como frango desfiado, dentre outras
possibilidades, e foi marcado retorno para a semana seguinte a fim de avaliar o estado de saúde
do animal e a possibilidade de retirada da sonda esofágica.
No dia 21 de agosto, o animal retornou para a avaliação e a tutora relatou melhora
considerável no apetite e desaparecimento dos sinais clínicos, sendo assim, a sonda foi retirada
e a tutora foi instruída a continuar a realizando a limpeza da ferida e troca dos curativos com
intervalo de 48h até a cicatrização completa da ferida cirúrgica, e instruída a entrar em contato
com a equipe caso houvesse retorno de algum sinal clínico.
45

4 DISCUSSÃO

A tríade felina parece não apresentar um padrão racial, de idade ou sexo, para o
aparecimento dos sinais clínicos (MURAKAMI et al., 2016) e apesar da DII ter maior
prevalência em animais adultos, ainda pode ocorrer em animais jovens, como foi possível
observar no presente relato, onde o paciente apresentou alterações ultrassonográficas
compatíveis com DII, mesmo tendo 1 ano de idade. Desta maneira estas características não são
úteis para direcionamento do diagnóstico (ČERNÁ et al., 2020).
O paciente atendido apresentou episódios de vômito, diarreia com sangue e dor
abdominal. Estes são sinais comumente relatados na literatura em animais com tríade felina que
geralmente apresentam sinais inespecíficos, podendo ocorrer inapetência, dor abdominal,
icterícia, vômitos, perda de peso, diarreia crônica, letargia, espessamento de alças intestinais e
das margens hepáticas se tornam palpáveis ou sinais mais graves, podendo levar ao óbito
(VIDAL, 2019).
Apesar da dificuldade da realização do diagnóstico definitivo, seja por motivos
financeiros do tutor ou impossibilidade do próprio paciente de realizar anestesia para biópsia,
uma vez que os pacientes nem sempre estão estáveis para a realização (OLIVEIRA, 2019), o
diagnóstico presuntivo pode ser realizado para iniciar o mais rápido possível o tratamento,
através da associação dos sinais clínicos, exames de imagem e exames hematológicos
(ZOELLNER et al., 2019, VIDAL et al., 2019). No caso apresentado neste trabalho, o paciente
foi submetido a exames de imagem como a ultrassonografia e realizou a coleta para exame
hematológico, a fim de descobrir alterações compatíveis com a tríade felina, porém apesar de
não apresentar alterações hematológicas que pudessem indicar a doença, a ultrassonografia foi
essencial para direcionar o diagnóstico, uma vez que apresentava todas as características
relatadas pela literatura além dos sinais clínicos. Uma vez que o animal apresentava-se com
dor, dificultando a varredura ultrassonográfica completa da cavidade abdominal, uma segunda
avaliação ultrassonográfica após a devida analgesia do paciente poderia ter contribuído para
uma maior precisão diagnóstica e elucidar possíveis afecções em outros órgãos não observados
neste único exame, como o duodeno e íleo, além do rim direito, bem como a realização de
outros exames como a urinálise, uma vez que o exame indicou presença de sedimento urinário.
As alterações no exame hematológico podem variar de acordo com o grau de lesão e
o órgão que está sendo afetado. Em caso de alterações leves, os exames podem se apresentar
46

dentro dos parâmetros hematológicos (MURAKAMI et al., 2016; OLIVEIRA, 2019) assim
como ocorreu no presente relato, com a exceção da albumina que estava levemente diminuída,
porém como o animal estava apresentando hemoconcentração devido à desidratação, um valor
menor pode ter sido mascarado. Esta baixa de albumina provavelmente ocorreu devido a
hepatopatia que pode ser visualizada no exame de ultrassonografia. O fígado é o único órgão
que realiza a síntese desta proteína, sendo assim quando o mesmo está afetado de alguma
maneira, os valores de albumina se encontram mais baixos (BECHE, 2017), desta maneira, se
optou pela suplementação de albumina via sonda juntamente à alimentação. Para melhor
direcionamento do diagnóstico, o exame de fPLI poderia ter sido realizado, e se constatados
valores maiores que 5,3µg/L, a pancreatite demonstrada na ultrassonografia abdominal seria
confirmada.
A ultrassonografia é o exame de imagem de eleição nestes casos para identificar
alterações compatíveis com a tríade felina (OLIVEIRA, 2019). Quando realizado este exame,
no dia da chegada do paciente ao HVSV, foi possível observar: hepatomegalia, inflamação do
intestino delgado caracterizando enterite/DII, além de pancreatite e peritonite, sendo sinais
compatíveis com os encontrados em literatura, que descrevem espessamento da parede
intestinal, geralmente com acometimento das camadas mucosa e submucosa (OLIVEIRA,
2019), onde a espessura normal para a parede jejunal é de 2,6mm (MORETTI et al., 2021) e o
paciente apresentou 3,3mm, sendo um forte indicativo de enterite/DII. Porém houve
evidenciação da camada muscular, o que difere dos dados apresentados por Oliveira (2019),
que sugere que alterações na camada muscular estão geralmente associadas a linfoma alimentar,
sendo necessária a realização da biópsia para diferenciação entre as duas patologias.
O aumento do tamanho do pâncreas também é uma característica apresentada em
quadros de tríade, juntamente a irregularidade dos contornos e hipoecogenicidade do
parênquima do órgão, geralmente vistos na pancreatite aguda, e ainda pode apresentar
hiperecogenicidade da gordura adjacente ao órgão em decorrência de esteatite, necrose e/ou
efusão abdominal (GARCIA et al., 2018). O paciente apresentou aumento do órgão, o que é
um forte indicativo de pancreatopatia, além do aumento da ecogenicidade do mesentério
próximo ao pâncreas e as alças intestinais, compatível com sinais de peritonite. A ocorrência
de peritonite focal é mencionada em estudos realizados por Bazelle e Watson (2014). Foi
possível observar hepatomegalia com leve redução da ecogenicidade, alterações que podem
indicar hepatite aguda e/ou congestão (RECHE et al., 2015). Não foram encontrados na
47

literatura descrição de aumento esplênico ou alterações vesicais em decorrência da tríade felina,


sendo necessária a investigação das causas que levaram o paciente a apresentar estas alterações
no exame ultrassonográfico.
O diagnóstico definitivo através da histopatologia não foi realizado, por escolha dos
tutores. Sendo assim o tratamento foi instituído com base nos sinais clínicos apresentados pelo
paciente, o exame hematológico, que apesar de não apresentar resultados fora dos parâmetros,
teve importância para evidenciação da diminuição da albumina e correlação com a hepatopatia
e exame ultrassonográfico que foi de suma importância para direcionamento do diagnóstico e
tratamento do caso, uma vez que o animal apresentava características muito similares às
apresentadas em literatura (LIDBURY et al., 2020; ČERNÁ et al., 2020).
O tratamento é direcionado principalmente aos sinais clínicos apresentados pelo
animal. Desta maneira, como o paciente apresentava-se desidratado, a fluidoterapia teve grande
importância na melhora do quadro, uma vez que repõem os fluidos perdidos, além de corrigir a
desidratação e fornecer o volume de manutenção ao paciente, melhorando assim a perfusão
tecidual, sendo indicado o uso de cristaloides para este fim (ČERNÁ et al., 2020). O cálculo do
volume total de infusão foi feito com base no percentual de desidratação avaliado pela
veterinária responsável, volume de manutenção diária do animal e volume para correção das
perdas que o paciente apresentava, como recomendado por Domingues (2020).
Fármacos analgésicos e antieméticos são essenciais no tratamento da tríade felina, pois
a dor e a náusea são grandes responsáveis pela anorexia apresentada pelos pacientes (ČERNÁ
et al., 2020). Černá et al. (2020) indicam a utilização de opioides como Buprenorfina, Metadona
ou Fentanil quando o animal apresenta um quadro de dor moderada a severa. Uma vez que o
paciente apresentava dor leve, foi realizada a prescrição de Tramadol 0,4mk/kg associado
Dipirona 0,25mg/kg para o controle da dor inicialmente, e em seguida, havendo resultado
positivo, foi indicada apenas a administração da dipirona pelos tutores após a alta, a fim de
manter o quadro do paciente estável. Foi realizada a avaliação da dor durante as aferições dos
parâmetros fisiológico pelo tempo em que o animal esteve internado, para assegurar a
efetividade dos analgésicos, como indicado por Littlewood (2018), apesar de não serem
utilizadas escalas para a avaliação da dor, tornando o resultado da avaliação subjetivo. Levando
em consideração que os felinos têm uma boa capacidade de esconder a dor e que mesmo após
a realização da analgesia o animal não voltou a se alimentar, a administração de um opióide
mais potente poderia ter sido realizada, além da avaliação da dor com a utilização de uma escala
48

de dor para felinos como as escalas de Glasgow ou escala multidimensional da UNESP-


Botucatu (EPSTEIN et al., 2015), garantindo assim a analgesia eficaz do animal.
Para a terapia antiemética, a literatura indica a utilização de Maropitant ou
Ondansetrona, e em último caso a Metoclopramida, uma vez que esta tem sua eficácia não
comprovada para felinos e pode comprometer a perfusão pancreática (ČERNÁ et al., 2020).
Apesar dos questionamentos feitos em relação a metoclopramida, foi prescrita a associação de
Ondansetrona 0,5mg/kg a Metoclopramida 0,3mg/kg para o controle de náusea. Neste caso,
teria sido interessante a utilização do Maropitant, uma vez que além do controle da náusea,
realiza ainda a analgesia visceral, o que seria altamente benéfico ao paciente. Entretanto, apesar
da terapia antiemética e analgésica utilizada, o paciente não apresentou aumento no apetite
sendo necessário submetê-lo a procedimento cirúrgico para colocação de sonda esofágica, a fim
de instituir o quanto antes a alimentação enteral e evitar assim o desenvolvimento de lipidose
hepática e outros distúrbios metabólicos, como indicado por Collins (2017), além deste tipo de
sonda ser considerado seguro e de fácil manuseio pelo tutor.
A alimentação enteral tem grande importância no tratamento da tríade felina, pois
estimula o sistema imune, realiza a nutrição dos enterócitos, evita ou corrige a desnutrição,
evita a diminuição do tecido de reparo e previne a lipidose hepática (COLLINS, 2017), porém
é importante estar atento a quantidade de alimento fornecido para evitar a síndrome de
realimentação, que ocorre quando é feita a reintrodução brusca da alimentação em pacientes
com anorexia ou desnutridos, desencadeando graves distúrbios eletrolíticos (SAKAI; COSTA,
2018). Desta maneira, alimentação enteral via sonda foi instituída com 50% da necessidade
energética diária do paciente, que respondeu bem, e em seguida foi aumentada para 75% no dia
seguinte a colocação da sonda e por fim 100% da sua necessidade diária foi fornecida após a
alta do animal, pela tutora com a instituição de alimentação com proteínas hidrolisadas para
tratamento da DII (COLLINS, 2017; OLIVEIRA, 2019).
Como o paciente do presente relato encontrava-se com perdas significativas, foi
indicado suplemento composto por vitaminas e aminoácidos de fácil assimilação, formulado
para espécie felina que estimula o apetite e auxilia na recuperação do animal, durante 15 dias
após a alta. Segundo Oliveira (2019), são recomendados estes tipos de suplementação quando
o paciente se encontra desnutrido ou com anorexia/hiporexia há alguns dias, além da utilização
de probióticos e prebióticos a fim de modular a microbiota intestinal.
49

Para o tratamento da DII, a literatura recomenda a utilização de dietas de eliminação,


terapia corticoide e antibioticoterapia, seguindo o tratamento completo mesmo após a remissão
dos sinais clínicos, para evitar recidivas (LIDBURY et al., 2020). Sendo assim foi recomendado
à tutora a realização da alimentação apenas com dieta hipoalergênica pelo período de oito
semanas e reavaliação do quadro clínico do animal ao final desse período. A terapia antibiótica
associando metronidazol a ampicilina com sulbactan inicialmente e posterior troca por
amoxicilina com clavulanato, foi correspondente à recomendada pela literatura para tratamento
de DII e colangite (OLIVEIRA, 2019), porém houve discordância entre o tempo de utilização
dos medicamentos, pois a literatura recomenda seu uso por quatro a seis semanas
(MURAKAMI et al., 2016; OLIVEIRA, 2019), e no paciente do presente relato, a terapia foi
realizada pela metade do tempo mínimo. Apesar desta diferença, o tempo de tratamento pareceu
ser eficaz, uma vez que o animal apresentou melhora no quadro e não houveram queixas da
tutora sobre o reaparecimento dos sinais clínicos do paciente no decorrer de um mês desde o
início do tratamento. Deve ser considerado o fato de que na maioria dos casos de DII leve,
apenas a dieta de eliminação parece ser eficaz na eliminação dos sinais clínicos (LIDBURY et
al., 2020).
A terapia anti-inflamatória com o uso de corticoides é recomendada pelo tempo
mínimo de 14 dias, podendo de estender a 28 dias se necessário, além do tempo de desmame
do medicamento (BARAL, 2015), porém neste ponto, houve diferença entre o tratamento
instituído para o paciente do presente relato, pois o animal foi tratado com prednisolona via
sonda esofágica, uma vez ao dia por 7 dias, começando no período em que o mesmo esteve
internado e sendo finalizado em casa, com a administração feita pelos tutores. Mesmo
considerando este ponto de discordância, o animal não voltou a apresentar sinais clínicos que
indicassem a ineficácia do tratamento.
50

5 CONCLUSÃO

A tríade felina, ou “triaditis” é uma doença que se apresenta de diversas formas, com
sinais clínicos geralmente inespecíficos que podem ocorrer intermitentemente por um longo
período de tempo, podendo durar meses ou anos, o que acaba por tornar o diagnóstico um
desafio para o médico veterinário, que muitas vezes precisa agir com base no diagnóstico
presuntivo, uma vez que o tratamento deve ser instituído o quanto antes para evitar a piora dos
sinais clínicos.
Neste relato de caso, foi possível observar a importância dos exames de imagem para
o direcionamento do diagnóstico presuntivo e tratamento da sintomatologia apresentada pelo
paciente, mesmo que não deva ser considerado de maneira isolada e sim em conjunto aos sinais
clínicos e resultados dos exames hematológicos, quando este último não apresenta resultados
significativos, é possível realizar o tratamento apenas com base nas alterações encontradas.
O tratamento com a utilização de analgésicos, antieméticos, corticoides, antibióticos e
a dieta de específica indicado pela literatura foi eficaz e essencial para o controle de náusea,
dor, estabilização dos parâmetros fisiológicos, bem como a colocação da sonda esofágica foi
essencial para realização do suporte nutricional até a recuperação total do paciente.
51

REFERÊNCIAS

ARGENTA, F. F.; ROLIM, V. M.; LORENZO, C.; SNEL, G. G. M.; PAVARINI, S. P..
SONNE, L.; DRIEMEIE, D. Aspectos anatomopatológicos e avaliação de agentes infecciosos
em 32 gatos com colângio-hepatite. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 38, n. 5, p. 920-929,
2018.

BARAL, R. M. Medicina interna de felinos: sistema digestivo, fígado e cavidade abdominal.


In: LITTLE, Susan E. O gato: medicina interna. Rio de Janeiro: Roca, 2015. p. 619-789.

BAZELLE, J.; WATSON, P. Pancreatitis in cats: is it acute, is it chronic, is it


significant? Journal of feline medicine and surgery, v. 16, n. 5, p. 395-406, 2014.

BECHE, A.. Complexo colangite felina. 2017. 63 f. TCC (Graduação) - Curso de Curso de
Especialização em Clínica Médica de Felinos Domésticos, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.

BOLAND, L.; BEATTY, J. Feline cholangitis. Veterinary Clinics: Small Animal Practice,
v. 47, n. 3, p. 703-724, 2017.

CAMPBELL, L.M.; CARRIJO, D.M.; RESENDE, I.V.; ALVES, Y.R.; BORGES, K.I.N;
PAULA, E.M.N. Utilização de testes diagnósticos rápidos na detecção de enfermidades em
gatos. In: Anais Colóquio Estadual de Pesquisa Multidisciplinar (ISSN-2527-2500) &
Congresso Nacional de Pesquisa Multidisciplinar. 2018.

ČERNÁ, P.; KILPATRICK, S.; GUNN-MOORE, D. A. Feline comorbidities: What do we


really know about feline triaditis? Journal of feline medicine and surgery, v. 22, n. 11, p.
1047-1067, 2020.

COLLINS, S. Nutritional support of cats with triaditis. Veterinary Nursing Journal, v. 32,
n. 6, p. 158-160, 2017.

DANIAUX, L.A.; LAURENSON, M.P.; MARKS, S.L.; MOORE, P.F.; TAYLOR, S.L.;
CHEN, R.X.; ZWINGENBERGER, A.L. Ultrasonographic thickening of the muscularis
propria in feline small intestinal small cell T-cell lymphoma and inflammatory bowel disease.
Journal of feline medicine and surgery, v. 16, n. 2, p. 89-98, 2014.

DE COCK, H. E.V.; FORMAN, M. A.; FARVER, T. B.; MARKS, S. L. Prevalence and


histopathologic characteristics of pancreatitis in cats. Veterinary pathology, v. 44, n. 1, p.
39-49, 2007.

DOS SANTOS ZOELLNER, J. V.; TODESCHI, M. V.; PORTELLA, J. E.; MONTI, F.


Tríade felina-relato de um caso. Revista eletrônica biociências, biotecnologia e saúde, v.
10, n. 19, p. 178-179, 2017.
52

DOMINGUES, M. G. Fluidoterapia em cães e gatos: revisão de literatura. 2020. 85 f.


TCC (Graduação) - Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlandia, 2020

EPSTEIN, M.; RODAM, I.; GRIFFENHAGEN, G.; KADRLIK, J.; PETTY, M.


ROBERTSON, S.; SIMPSON, W. 2015 AAHA/AAFP pain management guidelines for dogs
and cats. Journal of the American Animal Hospital Association, v. 51, n. 2, p. 67-84, 2015.

GARCIA, D. A.; MARTINS, K. P.; CORTEZI, A. M.; GOMES, D. E. Pancreatite felina–


revisão de literatura. Revista Científica, v. 1, n. 1, 2018.

GOFF, J. P.. Secretory Activities of the Gastrointestinal Tract. In: REECE, William O..
Dukes’ Physiology of Domestic Animals. 13. ed. Iowa: John Wiley & Sons, 2015. Cap. 7. p.
479-578.

KLEIN BG. Cunningham Tratado de Fisiologia Veterinária, 5ª ed., Rio de Janeiro:


Elsevier, 2014.

LIDBURY, J. A.; MOOYOTTU, S.; JERGENS, A. E. Triaditis: Truth and


Consequences. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, v. 50, n. 5, p. 1135-1156, 2020.

LITTLEWOOD, J. Feline pancreatitis: um update on nursing. The International Society of


Feline Medicine Journal for Veterinary Nurses and Technicians, v. 4, n. 2, p. 29-37,
2018.

MORETTI, M. F.; DE SOUZA, R. E. S.; MORETTI, B. Doença Inflamatória Intestinal


Felina–Relato de Caso. Brazilian Journal of Animal and Environmental Research, v. 4, n.
1, p. 236-239, 2021.

MURAKAMI, V. Y.; REIS, G; F. M.; SCARAMUCCI, C. P. Tríade felina. Revista


Científica de Medicina Veterinária, n. 26, p. 1-15, 2016.

NOBREGA, R. G. Aspectos Fundamentais da Pancreatite Felina. 2015. 50 f. TCC


(Graduação) - Curso de Medicina Veterinária, Universidade de Brasília - Faculdade de
Agronomia e Medicina Veterinária, Brasília, 2015. Disponível em:
http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/BGrzX0YQv15LwxZ_2016-12-
9-11-36-2.pdf. Acesso em: 07 set. 2021.

OLIVEIRA, S. P. Tríade felina: revisão de literatura e relato de caso. 2019. 102 f. TCC
(Graduação) - Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural do Semi-Árido,
Mossoró, 2019.

SAKAI, A. F.; DA COSTA, N. Síndrome de realimentação: da fisiopatologia ao manejo.


Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, v. 20, n. 2, p. 70-72, 2018.

PEREIRA, E. S. Complexo colangite-colangiohepatite em felinos domésticos. 2009. 62 f.


TCC (Graduação) - Curso de Medicina Veterinária, Complexo Colangite-Colangiohepatite
em Felinos Domésticos, Complexo Colangite-Colangiohepatite em Felinos Domésticos, 2009.
53

RECHE JR, A. et al. Gastrenterologia de felinos. In: JERICÓ, M. M.; KOGIKA, M. M.;
ANDRADE NETO, J. P. (Org.). Tratado de medicina interna de cães e gatos. 1. ed. São
Paulo: Roca, 2015, v. 1, p. 3059-3138. [e-book].

SIMPSON, K. W. Pancreatitis and triaditis in cats: causes and treatment. Journal of small
animal practice, v. 56, n. 1, p. 40-49, 2015.

VIDAL, L. O.; SOUSA, R. P.; SAMPAIO, K. O.; SOUZA, S. C. B.; DIÓGENES, T. T.;
OLINDA, R. G. Tríade felina. Ciência Animal, p. 5-8, 2019.

WATSON, P.J. Doenças Hepatobiliares do Gato. In: NELSON, W.R.; COUTO, C.G.
Medicina Interna de Pequenos Animais. 5ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. p. 545 – 547, 2015.

Você também pode gostar