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· Fernando Peixoto

O QUE É
TEATRO
editora brasiliense
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40 anos de bons livros


Copyright © Fernando Peixoto

Capa:
Otávio Roth
Felipe Doctors

Caricaturas:
Emílio Danúani

Revisão:
José E. Andrade
ÍNDICE

- Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . .... .... 7


- O que é Teatro? . . . . . . . . . . . . . .... .... 9
- Como se faz Teatro? . . . . . . . . . . .... . . .. 30
- Como se tem feito Teatro? . . . . . .... . . . . 64
- Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . .. 127

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editora brasiliense s.a.
01223 - r. general jardim, 160
são paulo - brasil
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APRESENTAÇÃO

Este livro é uma introdução breve e esquemática


a um tema imenso e complexo. O teatro inúmeras
. vezes parece uma expressão em crise. Em certas
épocas quase perde o sentido. Em outras é perse-
guido . Às vezes refugia -se em pequenas salas escu-
ras, às vezes sai para as ruas e redescobre a luz do
sol. Sua função social tem sido constantemente
redefinida. Desde muitos séculos antes de nossa era
até hoje, nunca deixou de existir: há algum impulso
no homem, desde seus primórdios, que necessita
deste instrumento de diversão e conhecimento, pra -
zer e denúncia.
Este livro apenas menciona, arriscando simplifi -
car, temas profundos e contraditórios. Quando de -
fende certos valores, sabe que é justo que também
estes valores sejam questionados para nada ser
aceito como verdade absoluta . .Neste sentido, o
livro é também uma proposta.
Para Ana
8 Fernando Peixoto

São três partes: a primeira coloca em questão


como definir teatro, quando seu significado se
transforma junto com a sociedade na qual se insere
e da qual é parte; a segunda procura acompanhar
uma das infinitas hipóteses do que seria fazer
teatro; a terceira esboça, em linhas perigosamente
simplificadas, algumas das tendências mais reco-
nhecíveis da trajetória do espetáculoe da drama-
turgia, procurando inclusive inserir o teatro brasi-
leiro nesta perspectiva. Dentro destes limites, espe-
o QUE É TEATRO?
remos que este livro possa despertar dúvidas e
interrogações. Principalmente no Brasil, hoje, é
preciso repensar criticamente pensamento e ação.
Para o teatro vir a ser útil à construção de uma I
sociedade democrática.
Um espaço, um homem que ocupa este espaço,
outro homem que o observa . Entre ambos, a cons-
ciência de uma cumplicidade, que os instantes se-
guintes poderão até atenuar, fazer esquecer, talvez
acentuar: o primeiro, sozinho ou acompanhado,
mostra um personagem e um comportamento deste
personagem numa determinada situação, através de
palavras ou gestos, talvez através da imobilidade e
do silêncio, enquanto que o segundo, sozinho ou
acompanhado, sabe que tem diante de si uma
reprodução, falsa ou fiel, improvisada ou previa-
mente ensaiada, de acontecimentos que imitam ou
reconstituem imagens da fantasia ou da realidade.
O primeiro, ou os primeiros, são movidos por um

...
_ ••
impulso criativo que incorpora emoção e razão
10 Fernando Peixoto o que é Teatro 11

I. ;

num ato de de~enfreada ou controlada entrega, . -po lít ica, o teatro hoje é uma coisa, amanhã outra,
celebrando um ritual quase místico de epidérmica ontem foi diferente? I: necessário cuidado para não
necessidade, ou exercendo a rigorosa tarefa de uma cair na facilidade de definições abstratas de discutí-
profissão complexa e densa. Enquanto o segundo, veis "essências" inexistentes, ou na armadilha de
ou os segundos, assistem passiva ou ativamente definições idealistas que aceitem um instante iso-
entorpecidos por uma magia que os envolve numa .lado, ,seja
.
trnutavers,
o hoje ou o ontem como verdades
' '
cerimônia que faz fugir da própria realidade para
o mergulho num universo de encantamento ou Diante do pensamento reacionano que acusava
mentira ou ilusão, ou, ao contrário, aprofundam o suas propostas concretas de construção de um
conhecimento lúcido e crítico da própria realidade teatro dialético, instrumento de conhecimento e
que os cerca, engravidando-os de um prazer capaz prazer, instrução e diversão do homem que sabe
de torná-los mais conscientes e mais vigorosos en - que o destino do homem é o homem, Bertolt
quanto homens racionais, dotados da possibilidade Brecht, com tranquila lucidez, desenvolveu sua
de agir e dominar as forças da natureza e da socie- poética da arte materialista e dialética, liberta da
dade, transformando as relações entre os homens estética tradicional e voltada para a transformação
na necessária urgência de construir democracia produtiva da sociedade, ironicamente afirmando
e liberdade. que, para isso, se fosse necessário para evitar con-
Será isso o teatro? Será possível definir teatro? trovérsias inúteis, será preferível chamar teatro
Será certo e verdadeiro tentar precisar seu signifi- de taetro. E não perder tempo em questões menores.
cado se, desde a origem do homem, existe enquan-
to processo, em permanente transformação, obede- II
cendo a sempre novas exigências e necessidades do
ho~em que, através dos tempos, na produção
social de sua existência, entra em determinadas re- Mas, mesmo sendo transformado em função do
lações de produção, necessárias e independentes de processo histórico, o teatro conserva, através dos
sua vontade, ~ue correspondem a determinado grau tempos, uma série de elementos que o distinguem
de desenvolvimento das forças produtivas mate- enquanto expressão artística. I: verdade que muitos
riais da sociedade? O que pode valer para entender às vezes são esquecidos ou, circunstancialmente,
a .c ult ura ocidental vale para a oriental? Enfim, relegados a segundo plano, para, em novas condi-
existe um teatro ou, em função da vida econômico- ções, voltarem a ser recuperados. O teatro tem uma
12 Fernando Peixoto o que é Teatro 13

história específica, capítulo essencial da história logo vivo e revelador coma platéia, ou seja qual for
da produção cultural da humanidade. Nesta traje- o espaço dos espectadores. Incapaz de agir direta-
té ' ia o que mais tem sido modificado é o próprio mente no processo de transformação social, age di-
si~nificado da atividade teatral: sua função social. retamente sobre os homens, que são os verdadeiros
Constantemente redefinida, na teoria e na prática, agentes da construção da vida social. O encenador
esta função social tem provocado alterações subs- alemão Manfred Wekwerth explica com clareza a
tantivas na maneira de conceber e realizar teatro. única efetiva eficácia que o teatro poderá desem-
Muitas vezes negando princípios e técnicas que penhar: "ajudar a se tornarem eficazes aquelas
pouco antes pareciam essenciais e indispensáveis. forças sociais que, por sua própria natureza histó-
Freqüentemente transformando o processo narra- rica, estão em condições de provocar transforma-
tivo e mesnio os processos de interpretação e ence- ções na sociedade; e isso através dos meios espe-
nação. E irrecusável que, dentro de certos limites crficos do teatro: através do prazer".
formas artísticas acabam criando novas formas Foi Brecht que, retomando a formulação da es-
artísticas. Mas seria permanecer no campo engana- tética burguesa revolucionária, fundada por Dide-
dor das aparências não levar em conta que em rot e Lessing, que definiram o teatro como diverti-
nível mais profundo, não são idéias que criam mento e ensino, levou às últimas conseqüências
idéias: o que se transforma na vida social e real dos a formulação do teatro a serviço da vida social,
h~me~s é, q.ue determina modificações nas concep- com a condição de cada vez mais aprofundar sua
çoes filosóficas como nas representações artísticas. linguagem enquanto teatro. Assim, Brecht chegou
Assim, é fundamental não perder de vista a verdade a afirmar que "0 prazer é a mais nobre função da
dialétic~ do movimento histórico: a saga do teatro,
atividade teatral".
fascinante aventura do pensamento e da ação do
homem, possui apenas aparência de autonomia.
O que não significa que o teatro não tenha sen- III
tido enquanto instrumento de transformação da
sociedade. Isoladamente, é claro que é impotente
para provocar modificações ou despertar resulta - Mas, afinal: um espaço, um ato r, um espectador
dos sócio-políticos marcantes. Mas o palco, ou seja - basta isso para existir teatro? O historiador e
qual for o espaço de representação, estabelece, em crítico italiano Silvio D'Amico começa sua valiosa
nível de razão e emoção, uma reflexão e um dlá - História do Teatro Dramático co m uma frase in-
1.4 Fernando Peixoto
o que é Teatro 15

,,
se integram numa comemoração coletiva de extre-
trigante: "Teatro é uma palavra de significado
ma vitalidade, mesmo que o elemento da morte
ambíguo".
possa estar presente até de forma acentuada; simu-
Etimologicamente a origem é o verbo grego
theastai (ver, contemplar, olhar) . Inicialmente lando caçadas, os homens primitivos acreditavam ou
no poder mágico de exercitar uma ação falsa antes
designava o local onde aconteciam espetáculos.
de empreender a verdadeira, ou no poder prático
Mais tarde serve para qualquer tipo de espetáculo:
de treinar astúcia e músculos para garantir o êxito
danças selvagens, festas públicas, cerimônias p.o~~­
no momento decisivo, neste caso atribuindo à re-
lares, funerais solenes, desfiles militares, etc. A Idel.a
presentação um sentido eminentemente prático
__que a palavra hoje desperta em nós só ~p~rece. ~efl ­
que não exclui a presença da beleza; imitando o~
nida no século XVII. Afinal, o que distinquiria o
próprios homens, buscavam observarem-se a SI
teatro de outras manifestações semelhantes?
mesmos "de fora", talvez utilizando o riso e o de-
O princípio do teatro tem sido objeto de inúme-
boche como embrião de uma forma de a sociedade
ras especulações. Mas praticamente todos situam
dois pontos irrecusáveis : desde cedo o homem autocriticar-se através da representação de seus cos-
sente a necessidade do jogo, e no espírito lúdico tumes cotidianos; na ânsia de sair de si para ser
aparece a incontida ânsia de "ser outro", .disfarçar- outro talvez fosse possível encontrar as primeiras
-se e representar-se a si mesmo ou aos próprios deu- manifestações de uma ânsia mais abstrata e talvez
ses ou assumir o papel dos animais que procura mais profunda da relação do homem consigo mes-
caçar para sua sobrevivência, às vezes inclusive fa - mo, não sendo totalmente absurdo partir daí para
zendo uso de máscaras; e ainda, ao que tudo indi - especulações sobre fascínio ou recusa, insatisfação
ou procura, etc.
ca, o jogo teatral, a noção de representação, nasce
essencialmente vinculada ao ritual mágico e religio- Mas o próprio Sílvio D' Amico, ao citar o teatro
so primitivo. Estes pontos indicam questões perti- como " a comunhão de um público com um espetá-
nentes e estimulantes. culo vivo" sente a insuficiência da definição. O
Entre elas: representando deuses, os homens fa- que falta é
a "consciência de uma cumplicidade"
zem as divindades descerem ao mundo material, que mencionamos no início: trata-se de uma
corporificando-as e tornando -as visíveis e acessíveis representação.
a seus anseios e medos e necessidades e perplexi- Na verdade, o teatro nasce no instante em que o
dades; organizando rituais religiosos, os homens or - homem primitivo coloca e tira sua máscara diante
ganizam festas, nas quais as sociedades primitivas do espectador. Ou seja, quando existe consciência
16 Fernando Peixoto o que é Teatro 17

de que ocorre uma "simulação", quando a repre- cia, diante de diferentes condições de trabalho,
sentação cênica de um deus é aceita como tal: a participando de contraditórias realidades sociais
divindade presente é um homem disfarçado. Aqui que postulam formas distintas de comportamento
começa o embrião da noção de ficção e também e posicionamento crítlco, revisam conceitos e pre-
da noção de fazer arte. O teatro define seu terreno conceitos. Se a isso somarmos todos aqueles que
espectflco, E, naturalmente, enquanto para os idea- fazem da investigação formal um fim em si mesmo
listas sua essência pode ser até mesmo divina, para ou que fazem do estilo pessoal uma seita eqotsta
os materialistas seu significado é concreto. E per- e narcisista, fechada e lntransferfvel, teremos uma
tence aos homens. imensa quantidade de tendências. Juntas, por mais
contraditórias e antagônicas que possam ser, cons-
tituem o complexo e múltiplo produto cultural
IV de nossa época.
Por outro lado, quando Marx afirma que a vida
De tudo isso, o que permanece no teatro de social determina a consciência, isso não exclui uma
hoje? O mais justo, aliás, será afirmar logo que hoje relativa margem de autonomia. Nem implica no
não existe um teatro, mas vários. As mais diferen- aniquilamento da coexistência de manifestações
tes e mesmo antagônicas tendências coexistem desiguais: há um forte vínculo entre os produtos
pacíflca ou não pacificamente. E freqüente locali- artísticos de uma época e os das épocas seguintes.
zarmos, num mesmo espetáculo, caminhos ou so- E inclusive o fato de serem transformadas as condi-
luções que se contradizem. E às vezes deste confli- ções de estrutura econômica de uma sociedade não
to na articulação interna da narrativa nasce uma produz, automaticamente, o desaparecimento dos
inesperada coerência. As mais radicais experiências produtos culturais de um instante histórico. Mui-
freqüenternente abalam os alicerces das poucas tas vezes permanecem durante largo tempo. E às
certezas. vezes até atingem seu máximo florescimento no
Diferentes concepções do significado da arte momento de crise de uma base econâmica ou nos
buscam soluções distintas, mesmo quando entre estertores de uma estrutura sócio-econâmica
elas existe um consenso ideológico. O individua- já superada pelo processo revolucionário.
lismo exarcerbou a necessidade do artista trilhar Vivemos numa sociedade dividida em classes,
propostas pessoais. Mas, mesmo artistas que não onde as idéias dominantes são as idéias das classes
. fazem do individualismo um princípio de existên- dominantes. Mas o pensamento subalterno também
18 Fernando Peixoto o que é Teatro 19

produz sua cultura, dentro de contradições espe-


cíficas: o processo criativo mantém o esforço do
homem em sua batalha pela libertação ou pela co-
tidiana luta pela construção de uma nova socie-
dade. O que não exclui que seria totalmente falso
imaginar que os estados capitalistas produzem um
teatro diferente do que é produzido nos estados
socialistas. Mas, se diversos aspectos coincidem,
outros se diferenciam cada vez mais. O novo nasce
do velho, mas durante muito tempo é possível que
um processo cultural conserve em evidência, em
precário e temporário equilíbrio, os termos anta-
gônicos de uma contradição. Uma das caracterís-
ticas mais autênticas do teatro de hoje é que ele
se busca a si mesmo. ~ evidente que alguns cami -
nham com mais segurança que outros. Mas as expe-
riências acabam se enriquecendo umas às outras.
É preciso inclusive não esquecer que, como afirma
o crítico francês Bernard Oort, hoje não mais exis-
te um único público, aquele público burguês ao
qual se referia a crítica do século XIX, mas sim
vários públicos.

v
Afinal, o que permanece nos vários teatros de
hoje? Muito pouco, em relação ao que vimos. Um -(i>1 ;/;0 b'
espaço, um homem no espaço, outro que o obser-
va? Algumas tendências do teatro contemporâneo Boal e Brecht
20 Fernando Peixoto
o que é Teatro 21

excluem a necessidade de um espaço próprio e defi-


para que o personagem pense e atue em seu lugar;
nido para a realização da manifestação teatral.
Mas no sentido mais amplo da palavra, este espaço no projeto de Brecht, para que o personagem atue
pod~rá ser qualquer espaço: uma esquina, uma loja, mas não pense em seu lugar (a experiência teatral
um restaurante um trem, etc. Como afirma Augus- seria reveladora no nível da consciência, mas não
to Boal, que formula a proposta radical de um no nível da ação). Para Boal, teatro é ação. Pode
"teatro invisível", no qual o espectador só tem co- não ser revolucionário, mas é um ensaio da revolu-
nhecimento e consciência de ser espectador, o ção. Seu objetivo é fazer com que o "espectador",
teatro poderá ser realizado até mesmo nos teatros. nas experiências de "teatro-foro", interrompa a
E até mesmo pelos atores. . . ação dramática, incorporando-se àqueles que a con-
Um homem observa o comportamento de outro duzem, formulando, através de representação, sua
Homem - ou seja: um espectador e um ato r, ainda compreensão e capacidade de agir.
serão a condição mínima? Em certo sentido talvez Eliminar o espectador não implica em eliminar a
seja possível estudar o processo histórico da pro- mais elementar idéia de teatro?
dução da cultura teatral através das diferentes for- Outros pretendem (e não estamos nos referindo
mas ideológicas que assumiu, em função de dife- a casos particulares, como o teatro de bonecos ou
de sombras) anular o ator. Manifestações de anár-
rentes necessidades sócio-pol (ticas, este desafiador
relacionamento. Ao que tudo indica aqui está o in- quico radicalismo, como os "happenings", defen-
trigante centro do questionamento. . . dem uma transgressão de todas as leis da elabo-
Mas é necessário lembrar que existem projetes ração da obra de arte. Nestes eventos, ~ ~rópria
que pretendem anular mesmo estas componentes noção de espetáculo acaba sendo suprlrnida: o
que parecem indispensáveis. Boal, por exemplo, projeto transforma-se em realidade, a ficção é
chega a afirmar que "espectador" é uma palayr~ substituída pela verdade. Qualquer pessoa pode
obscena. Certas técnicas de suas propostas, defini- protagonizar e conduzir a ação, inventando um
das como "teatro do oprimido", acentuam a neces- comportamento ou simplesmente extravasando
sidade de eliminar aquele que "assiste", libertan- impulsos.
do-o de uma condição que seria, necessariamente, Enfim, em casos extremos, a noção de represen-
opressiva. Resumindo, para Boal a poética do opri- tação é suprimida ou relativizada ao ponto de ser
mido se transforma na poética da liberação: no pro- impossível saber se o que acontece pertence ao
jeto de Aristóteles. .o espectador delega poderes campo da invenção ou da realidade. Em certos
casos, inclusive, esta ambigüidade é tida como es-
22 Fernando Peixoto o que é Teatro 23

sência da manifestação proposta. Continuamos no tiva do problema. A realização de um espetáculo,


terreno do teatro? ensaiado ou improvisado, formalmente rígido e
acabado ou aberto e deliberadamente incompleto,
pressupõe uma proposta temática e ideológica.
VI E uma organização cénica básica, mal ou bem defi-
nida. E evidente que em muitas ocasiões, inclusive
no exercício do mais absoluto improviso, a figura
Contestada a "consciência da cumplicidade",
do autor pode confundir-se com a do ator. Mesmo
assim' como eventualmente suprimidos os dois
que seja uma identificação circunstancial. E igual-
sujeitos desta possível cumplicidade, ator e espec-
mente evidente que o autor pode ser mais que um,
tador abol ido o espaço e a mais elementar noção
dissolvendo-se a autoria no coletivo de trabalho. A
de espetáculo, o que resta? Na melhor das hipó-
questão coloca sérias interrogações: será o ator,
teses é possível reconhecer, com certa generosidade,
elemento central e agente criativo do espetáculo
que nestes extremos, para tentar sobreviver, o
vivo, único indispensável, um indivíduo limitado à
teatro não hesita em negar-se a si mesmo
condição de intérprete? E não apenas intérprete
Frente a tais excessos, parecem até secundárias
da realidade e dos homens, mas também de propos-
uma série de valiosas objeções que, por exemplo,
tas ideológicas ou projetos artísticos que o utilizam
se colocavam contra a noção de que ator e espec- . como instrumento?
tador bastavam para determinar o nascimento do
mais elementar ato teatral. Muitos recusam o que
lhes parece uma grosseira simplificação, reivindi- VII
cando o reconhecimento de uma indivisível santís-
sima trindade: o ator, o espectador e, primordial e
sempre presente, o autor. Esta questão não é nada Um espetáculo de teatro, seja tragédia ou comé-
desprez ível e nos remete ao centro do problema da dia, drama ou revista musical, mímica ou ópera,
criação teatral. pode ter como ponto de partida um texto escrito
Indagar quem teria surgido antes, o autor ou o em seus mínimos detalhes. Com diálogos comple-
ato r, pode parecer uma pergunta tão desgastada tos e indicações cênicas, expondo conflitos entre
quanto investigar quem apareceu antes, o ovo ou personagens perfeitamente delineados e narrando
a galinha . A necessária existência de um autor não as relações que os homens estabelecem entre si em
pode também ser confundida com uma visão restri- determinadas circunstâncias. Como obra literária -
24 Fernando Peixoto o que é Teatro 25

e também musical, no caso de opereta, ou de ópe- atingir sua plenitude poética e ideológica quando é
ra - está completa: como texto teatral, entretanto, simplesmente lido) e o autor do espetáculo (aque-
exige, para realizar-se integralmente, ser encenado. le que organiza a linguagem teatral, tarefa desem-
Ou seja, assumir o espaço cênico, corporificado por penhada por muitos através dos anos, hoje resul-
intérpretes que, obedecendo a uma concepção pre- tado das opções e concepções do encenador)?
liminarmente estabelecida, criem um confronto de Melhor: existem duas autorias? Ou uma delas é
emoção e raciocínio com os espectadores. Mas nem determinante e, predominando de forma decisiva,
todo espetáculo necessariamente existe a partir define o significado do espetáculo?
de um texto. Pode, por exemplo, nascer de simples Principalmente a partir dos últimos anos do sé-
indicações de ação e conflitos. Ou transformar em culo XIX a questão do encenador se impõe como
matéria cênica uma proposta de trabalho vaga- fundamental. Homens que escrevem para teatro
mente redigida, um poema, uma narrativa que sugi- sempre existiram. Já o problema estético da ence-
ra elementos cênicos, uma idéia inicial a ser impro- nação é mais recente. Ainda que o teatro, é evi-
visada numa prática imprevisível, etc. O autor dente, tenha sempre tido encenadores: às vezes
destes diferentes estímulos iniciais será finalmente autores que pessoalmente orientavam seus espe-
o autor do espetáculo? Na melhor das hipóteses táculos, às vezes atores que organizavam a disci-
poderemos responder: nem sempre. plina e o trabalho de seus companheiros, às vezes
Existe uma escrita literária, também chamada es- cenógrafos que chegaram a impor suas concepções
crita dramática. Que efetivamente pertence ao do- visuais ao conjunto, às vezes contra-regras ou
mínio do teatro, mas igualmente tem seu espaço na coreógrafos ou professores de arte dramática, etc.
história da literatura. Existe uma escrita cénica, Desta fase artesanal passou-se para uma fase cria-
que desenvolve uma linguagem específica, que fre- dora e crítica: a partir da necessidade de coorde-
qüentemente parte da escrita dramática. Mas nem nar elementos técnicos, cada vez mais complexos
sempre. com o desenvolvimento progressivo de recursos
Mais um aspecto exaustivamente discutido atra-
vés da trajetória histórica do teatro: como se esta- mecânicos para a cena e com a introdução da luz
belecem as relações de liberdade e/ou subordinação elétrica, o encenador acaba transformando-se no
entre o autor da obra literária (sobretudo quando responsável pela visão unitária e coerente do pro-
se trata de um texto escrito enquanto literatura duto teatral, marcando cada espetáculo com sua
.dramática, destinado ao palco e sem condições de postura ideológica.
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26 Fernando Peixoto .O que é Teatro 27

Simplificando um processo complexo, se estu- com o texto que lhe serve de ponto de partida.
darmos as nem sempre pacíficas relações entre dra- Interpretando-o criticamente em função não de
maturgos e encenadores, sobretudo nas últimas dé- conceitos ou suposições pessoais, mas em função
cadas, será possrvel esquematizar uma divisão da de uma análise objetiva que nasce de sua com-
história do espetáculo em dois campos opostos: preensão da verdade histórica do texto e da reall-
aquelas poéticas (formulações teóricas e práticas dade concreta e contraditória que o cerca, na qual
não necessariamente ligadas a um sistema geral de seu espetáculo será inserido. Não se trata, por-
filosofia, mas coerentes com uma experiência con- tanto, de cultivar o falso respeito nem a ingenui-
creta) que definem o teatro como o local onde o dade do rldfculo desprezo: o essencial é saber
"Verbo se faz Carne" , e portanto "a Palavra é assumir um confronto crftico. A quem, afinal, o
mãe e soberana", cabendo a todos os artistas e téc- encenador precisa ser fiel e a quem precisa servir?
nicos a missão de ilustrar e traduzir cenicamente Seu primeiro e fundamental compromisso, sem
os textos literários a partir da submissão humilde, dúvida, é com seu tempo e com sua realidade.
de uma postura de total e absoluto respeito; e O teatro existe na duração do espetáculo. Uma
aquelas poéticas que, ou negam a superioridade arte autodestrutiva. Como insiste o encenador
do texto, considerando-o exclusivamente um pre- inglês Peter Brook, uma arte sempre escrita no ven-
texto rara uma criação pessoal, ou partem em to. Mas que se realiza a partir de uma tomada de
busca do sonho de um teatro total, ou com firmeza consciência de si mesma: a realidade do teatro, in-
recusam a ditadura da palavra, ou, na mais serena sistem os seguidores de Brecht, é sua teatralidade.
das hipóteses, procuram compreender o espetáculo, São os meios através dos quais é possível chegar à
se não como valor hegemônico, ao menos como algo realidade para transformá-Ia. Explica Bernard
independente do texto. Dort: "hoje, se queremos fornecer reproduções
I: evidente que o extremismo destas colocações realistas da vida social, é indispensável restabelecer
apenas encobre a questão essencial. E supondo a o teatro em sua realidade de teatro".
existência de uma escrita dramática, o objetivo
do encenador que aceita a idéia de que a tarefa
social do teatro está prioritariamente contida na VIII
responsabilidade do espetáculo, instante único e
insubstitu (vel de diálogo e reflexão com o públi- Do primitivo instinto de ser outro, da necessi-
co, consiste em estabelecer uma relação dialética dade do disfarce e do jogo lúdico, da vontade do
ji
JI
28 Fernando Peixoto o que é Teatro 29

homem de ver-se a si mesmo reproduzido, do ritual cionários ou, até por omissão, empenhado na de-
religioso ou profano, da magia e da mais primária fesa de idéias conservadoras. Mas para os que não
imitação da natureza, o espetáculo ganhou dimen- se submetem, os que recusam o silêncio e não acei-
são própria. Definiu seu campo de ação, respondeu tam compactuar com a comemoração ou a ence-
às exigências dos homens, até enquanto veículo de nação da mentira, o teatro, assumido enquanto tal,
informação. Situou-se e participou da vida das pode ser a origem de um ato produtivo: para o es-
sociedades: entregou-se à religião, à pol ítica, ao va- pectador, um espetáculo pode ser não o simples
zio nihilista ou ao apocalipse anárquico. Acabou reconhecimento de sua subjetividade, mas sim o co-
transformando-se, sobretudo hoje, às vezes em nhecimento de sua existlncia como ser social.
campo experimental menos ou mais comprometido O teatro já foi cúmplice em etapas obscuras do
com o esforço coletivo do homem para dominar a pensamento, que produziam o ritual e a cerimônia
natureza e a sociedade, ou em campo de radicali- como formas de cultuar o irracional e manter os
zações nem sempre amadurecidas, mas ditadas por espectadores como prisioneiros da impotência.
impulsos de incontida busca de novos recursos ex- Hoje o público poderá integrar-se na dialética his-
pressivos. Transformou-se o espetáculo em pura e tórica. E a noção de produtividade, na qual insis-
simples mercadoria, sujeita às leis do comércio. tem Brecht e os que retomam suas proposições
Oscilando entre crises de oferta e de procura, inse- teóricas, reside justamente no estabelecimento de
rida na disputa da Iivre-eoncorrência proposta pelo um ato de conhecimento, divertido, dialeticamen-
sistema capitalista de produção. Uma mercadoria te aberto, entre o etor, o homem que ocupa o es-
às vezes até bastante rentável, manipulada por em- paço cênico, e o espectador, aquele que observa
presários interessados unicamente na lógica do seus gestos, palavras e movimentos. E a tarefa his-
lucro. Embalada para presente, vendida em "super- t6rica e crttlca do terceiro componente da "santfs-
sima trindade", o autor, certamente o encenador
mercados culturais", onde se organiza o tráfico será justamente a de relacionar atar e espectado;
multinacional da mentira e da mistificação, merca- com a totalidade histórica.
doria - inocente ou perigosa, necessária ou supér- Wekwerth encontrou palavras precisas para defi-
flua - não deixará de ser, dentro da lógica da pro- nir esta comunicação, centro da reflexão de hoje
dução capitalista. Mesmo enquanto cultura, terá esta sobre a questão teatral: atores e espectadores se
dúplice componente, e como tal deverá ser compre- enfrentam, no espetáculo, com dois grupos de pro-
endida e usada. Engajado, o teatro sempre foi: ou
na defesa de valores progressistas e mesmo revolu-
-.
dutores, entretendo-se mutuamente, criticando-se
e revelando-se mutuamente necessários.

•• ••
o que é Teatro 31

incluir o teatro tradicional e o experimental, o res-


ponsável e o irresponsável, a produção cultural e a
produção comercial, o espetáculo popular e o espe-
táculo elitista. E que também não exclua a feitura e
o consumo de espetáculos que apresentam carac-
terfstlcas mais particulares e especiais, como por
exemplo a pantomima ou a ópera. t: preciso ainda
não esquecer que o teatro pode ter como meta um
COMO SE FAZ TEATRO? público infantil ou de adolescentes ou de adultos.
Alguns pontos serão artificialmente tratados,
como se fossem etapas isoladas, quando na verdade
ii;
"
se processam juntos.
I
II
Como se faz e como se consome teatro? Irnpos-
sfvel uma resposta completa e diffcil uma aproxi- Como começa um espetáculo? Em linhas gerais,
mação minuciosa e ampla. Mesmo que, desde logo, podemos admitir duas grandes hipóteses: ou exis-
nos limitemos ao que acontece hoje: mais que em te um esquema de produção, seja de que natureza
outras épocas, são incontáveis e contraditórias as for, que pode ou não ter um projeto de trabalho
tendências, os projetos e processos de trabalho e definido, ou existe um projeto de trabalho, seja
produção. Inicialmente tudo dependeria até de pre- de que natureza for, que pode ou não ter um es-
cisar dados nada insignificantes, sem os quais é quema de produção já armado.
i mposs (vel arriscar qualquer tipo, mesmo esquemá- O que é um esquema de produção? Pode ser
tico, de sistematização, como: onde?, quando?, uma empresa que tem por objetivo a produção de
como?, por quem?, por quê?, para quem?, etc. espetáculos comerciais e/ou culturais, de estrutura
Vamos tentar encontrar alguns denominadores capitalista, mantendo ' uma estrutura interna que
comuns, acentuando sempre que possrvel certas al- implica na existência de patrões e empregados assa-
ternativas, para fazer com que este capftulo possa lariados, fixos ou ' contratados para certo trabalho
o que é Teatro 33
32 Fernando Peixoto

tistas e intelectuais, com menor ou maior êxito,


ou por tempo de serviço. Esta empresa pode ser a forma de cooperatlve, sem dúvida uma forma su-
pr opriedade privada de um ou mais associados, perior de relação de pro fução. _ . .
qie eventualmente serão também integrantes das O esquema de produção pode nao ser profisslo-
equipes artísticas de criação, como poderão igual- nal. I:: o caso de grupos formados por estudantes
mente serem meros fornecedores de condições eco- ou por trabalhadores, por sindicatos ou enti~a~es
nómico-financeiras de funcionamento. Mesmo em culturais ou religiosas ou políticas, por profíssio-
países capitalistas, pode haver o caso de existirem nais liberais, etc. Inúmeras vezes os espetáculos
também empresas estatais de produção de espetá- não profissionais são apenas degraus iniciais para
culos de teatro, mas também as empresas priva- aqueles que pretendem assumir o teatro como pro-
das podem ser subsidiadas. Ou regularmente auxi- fissão. Mas inúmeras vezes são o resultado de uma
liadas por generosas ou escassas verbas especial- escolha consciente: recusa de integrar os circuitos
mente destinadas à produção cultural, através de comerciais, por fidelidade a projetos i~eológicos
organismos oficiais, estaduais ou regionais ou mes- julgados incompatíveis com a escravizaçao à neces-.
mo federais. Nos países socialistas os teatros são sidade de lucro. Ou opção de fazer teatro como
propriedade do Estado e artistas e funcionários são atividade paralela à atuação em outros campos da
empregados públicos. A estabilidade de trabalho, vida social. Manfred Wekwerth chama a atenção
assim como a continuidade de funcionamento de para o fato de que não há sentido em pensar que o
uma mesma equipe artística, evidentemente, é
teatro profissional possa ser superior ou inferior
assim mais assegurada. O que não significa que isto ao não profissional. Nem será justo imaginar este
não exista, inclusive enquanto esforço difícil, mas último como uma atividade que tem o primeiro
aceito como necessário para a manutenção da qua- como modelo. As vantagens do profissional, como
lidade, em empresas privadas de países capitalistas. aperfeiçoamento técnico e dedicação integral, têm
A forma de produção pode também ser uma desvantagens, como o vício de fechar-se em seu
cooperativa, na qual todos os membros dividem próprio universo de trabalho. Dirigindo seu olhar
lucros e perdas por igualou segundo critérios di- mais à desgastada rotina teatral do que à realidade.
ferenciados, em função das atividades que exercem Em contacto diário com diferentes segmentos da
ou até mesmo do tempo de trabalho. Em certos produção social, os não profissionais poderão tra-
instantes históricos em que a produção capitalista zer uma contribuição essencial para seus trabalhos
atravessa períodos de crise, a estrutura de produção teatrais. Para uns e para outros trata-se de saber
tem freqüentemente assumido, por iniciativa de ar-
34 Fernando Peixoto o que é Teatro 3S

usar as vantagens, sabendo deixar de lado as mal, a tentativa de discussão de um tema ou de


desvantagens. uma forma de comportamento, a experiência de
Enfim, produção capitalista ou socialista, pro- uma linguagem, a expressão de uma angústia indi-
fissional ou não profissional, com projetos cultu- viduai ou de um desespero particular, etc. O mesmo
rais e pol íticos ou de pura e simples diversão incon- Wekwerth acentua a necessidade de realizar um
seqüente, esquemas voltados para a defesa de valo- novo gênero de diversão, aquela que é oferecida
res e tradições conservadoras ou para a aventura da pela grande e constante produtividade da vida coti-
pesquisa e da experimentação, é evidente que a for- diana: "mais além dos grandes personagens, nosso
ma de produção é determinante do significado olhar se interessa pela sociedade que os faz nascer.
ideológico do produto realizado. Trabalhar dentro Para nós o indivíduo é uma rede de relações (. ..)
de um ou outro esquema, escolher ou ser escolhi- a vida dos homens entre eles, naquilo que possui
do, aceitar ou transformar as imposições de produ- de visível, é mais interessante que suas vidas inte-
ção como rígidas ou maleáveis, são circunstâncias riores". Para isso, pede atores "que não mergu-
que especificam a natureza dos projetos. E tam- lhem nos insondáveis abismos da alma, mas que
bém determinam os processos de trabalho. observem e 'representem as relações explicáveis
que os homens estabelecem uns com os outros...
nós temos necessidade de comediantes que com-
III preendam que o ser social determina a consciência
e que sejam capazes, na cena, de dar ao mundo
o que é um projeto de trabalho? Na melhor das uma representação conforme a esta evidência".
hipóteses, numa resposta bastante geral, é a escolha
de uma forma de participar e atuar na vida sócio-
-pol ítica de uma comunidade, utilizando o teatro IV
como instrumento a serviço da transformação, vin-
culado às demais forças progressistas que se pro- X. De onde nasce a encenação? De um texto dra-
põem a construir uma sociedade fundamentada mático? De um poema? Da adaptação de um ro-
no exercício pleno dos valores democráticos. Mas . mance, de um conto, de um roteiro cinematográ-
um projeto de trabalho pode ser bem menos ambi- fico? Da adaptação de outro texto teatral? De uma
cioso. E bem menos responsável: talvez um simples canção? De uma idéia vaga? De uma imagem? De
passatempo, jogo inconseqüente, um exercício for- uma série de temas ou sugestões apenas indicados,
!J
1;;.
36 Fernando Peixoto o que é Teatro 37

estímulos para uma tentativa de exercício criativo autor como autor isolado e único, distante daque-
que só se corporifica na prática e diante do públi- les que o traduzirão cenicamente: a partir de uma
co, talvez mesmo dependendo inteiramente da inquietação ou de um tema julgado prioritário para
reação deste? São infinitas as hipóteses. determinado instante, o grupo, mantendo ou não
Vamos admitir, tendo presente a noção de que alguns de seus membros numa posição relativamen-
as exceções apenas confirmarão as regras, que o te privilegiada, improvisa, através de exerctcios,
ponto de partida existe. E, bem ou mal, com duas Produz, assim; o desenvolvimento dramático de de-
frases ou duzentas páginas, está escrito. Caso con- terminadas situações. Nestas hipóteses, que em
trário, cairfarnos no terreno da mais pura gratui- nada invalidam ou prejudicam a importância do
dade. Alguma coisa existe de concreto. Talvez até trabalho isolado dos dramaturgos ou dos poetas e
mesmo uma peça de teatro... escritores que contribuem com textos para teatro,
Como se chegou a este texto? E a obra de algum o trabalho de encenação, em certo nrvel, nasce pa-
dramaturgo, nacional ou estrangeiro, contemporâ- ralelo ao trabalho de redação do texto. A dissolu-
;:

1-, neo ou clássico, desconhecido ou conhecido, iné- ção do individual no trabalho de grupo, ainda que
! dito ou editado ou já encenado? Novamente, mil e problemática, toma o resultado mais orgânico.
uma hipóteses. O texto, por exemplo, pode ter sido
escrito sob encomenda daqueles que se interessam
em produzi-lo. Pode ter sido encenado através dos v
séculos. Mas agora surge, pelas mais diferentes ra-
zões, um projeto de trabalho que prevê sua relei- Onde mostrar o espetáculo? A questão do espa-
tura a partir de novas perspectivas. O fato de per- ço cênico, essencialmente histórica, parece secun-
tencer à galeria imortal dos clássicos não impede dária. Na verdade, é decisiva. Louis Jouvet, afir-
que venha a ser retomado. Brecht insiste em que a mando que na ressurreição de uma estética dramá-
grandeza das obras clássicas é uma grandeza huma- tica a palavra pode enganar, mas o ediUcio nunca,
na, não uma grandeza formal para ser colocada chega a dizer que um dia talvez seja possível estu-
!. entre aspas. dar a arte teatral a partir de sua arquitetura. Ou
i.
! O grupo, entretanto, poderá ter redigido seu seja, descobrir o sentido de Esquilo estudando as
próprio texto ou roteiro básico. Uma prática que ru Inas dos anfiteatros gregos.
hoje ganha espaço, também no nrvet da encenação, O espaço cênico é uma imposição ou uma opção,
é a da chamada "criação coletiva", Uma recusa do ambas de natureza social. Aparentemente pode
38 Fernando Peixoto o que é Teatro 39

parecer que pouco mudou entre a forma clássica hipóteses são possíveis: usar os espaços tradicional-
dos anfiteatros gregos e os teatros de arena, ou clr- mente reservados aos espetáculos ou negá-los, in-
-cu1ares, dos dias de hoje. Mas a aventura do espaço ventando quaisquer outros. Hoje, mais que nunca,
cênico ê um dos- capítulos mais reveladores da a escolha determina uma opção de profundas con-
aventura do teatro. O espaço grego não mais ser- seqüências ao nível da linguagem e da ideologia.
viu para a Idade Média, onde o teatro apodera-se Na verdade, em termos de estética teatral, o pro-
inicialmente dos altares e das naves dos templos, blema é mais amplo: cada proposta de espetáculo,
passando depois aos degraus das igrejas, finalmen- em termos ideais, a partir das questões de estrutura
te conquistando as praças e as ruas. No período eli· que propõe, deveria ter a chance de escolher seu
sabetano o teatro fecha-se em estalagens e currais. próprio espaço. Pois esta opção está diretamente
No século XVII será novamente aprisionado no vinculada ao projeto visual de encenação e ceno-
chamado "palco italiano", que até hoje domina: a grafia. Mesmo inevitável, em muitos casos, a acel-
"caixa", elemento básico do edifício teatral, onde tacão do espaço imposto sem dúvida coloca limites,
se encerram os mecanismos e a magia, onde o ator ao nível da linguagem, que não deveriam existir. -
se mostra, como num "aquário", para o público Na maior parte dos casos, entretanto, só poderão
que ocupa poltronas, camarotes, galerias, etc. Em ser rompidos se a sociedade for transformada.
muitas épocas o espaço teatral foi democrático. Espaço teatral e cenografia caminham junt?s. A
Em outras, afirma e consolida a divisão de clas- inteligência do cenógrafo geralmente se manifesta
ses. No espaço elisabetano, galerias e balcões esta- em dois planos: sensibilidade para usar e renovar,
vam reservados para a nobre aristocracia: o povo se em cada trabalho, o espaço tido como habitual em
aglomerava em volta do palco, que avançava para o seu tempo ou perspicácia histórica de ser um agen-
público. No teatro italiano tradicional, poltronas e te transfo;mador deste espaço, em função de novas
camarotes para os que pagam mais, enquanto o exigências sociais ou estéticas do espetáculo.
povo tem a sobra das galerias e arquibancadas, sem
conforto e sem visibilidade perfeita. Mas o teatro
nunca abandonou totalmente as praças, não entre- VI
gou as ruas, não se ausentou das feiras populares.
O que é o espaço teatral hoje? Tudo. Uma esqui- O projeto de encenação pode ter sido sugerido
na, um restaurante. Um ônibus, um galpão. Até pelo próprio encenador. Ou por um grupo, ao qual
mesmo um teatro tradicional. Basicamente, duas pertence. Mas pode acontecer que o encenador te-
40 Fernando Peixoto o que é Teatro 41

nha sido chamado para realizar um espetáculo.


Neste caso, sua aceitação implica numa responsa-
bilidade e num compromisso. A qualidade do tex-
to proposto, ou mesmo sua potencialidade, uma
vez criticamente retrabalhado em função de idéias
objetivas que nascem das exigências do instante his-
tórico, pode determinar a razão da aceitação. Mas
qualidade não é um valor intemporal ou sagrado.
Em determinadas circunstâncias, um texto até en-
tão considerado como superior é deliberadamente
deixado de lado em favor de uma proposta mais
modesta, mas mais eficaz. Capaz de constituir-se,
em certas condições, em estopim para uma cria -
ção de extrema vitalidade, inovadora e polêmica.
Existindo um encenador (no caso da ópera é
oportuno lembrar que o regente ou diretor musical
trabalha em pé de igualdade com o encenador, às
vezes até com mais autoridade criativa), cabe a este
a organização imediata de sua equipe de trabalho, na
qual sua visão será inserida, diante da qual sua pro-
posta crítica será criticamente submetida a um pro -
cesso dialético de busca. Dependendo das necessi-
dades da proposta, um ou vários assistentes de di-
reção, cenógrafo, figurinista, diretor musical,
coreógrafo, etc. Estas funções dispensam maiores

J
comentários. Basta lembrar que é necessário que
estejam unificadas por uma consciência de que o
trabalho coletivo sintetiza necessárias divergências.
como estímulos indispensáveis para um resultado •
' 'Coriolal/us'', de Shakespeare, em adaptação de Brccht e
final. Que deverá ser a conve rgência dialética de
encenação de Mal/f red Wek werth para o Berliner Ensemble.
42 Fernando Peixoto o que é Teatro 43

contradições que não interessa anular mas, ao con- a ser proposta. Todo cuidado é pouco: eles são o
trário, provocar e incentivar. Neste nível tem senti- elemento decisivo.
do a afirmação de que a arte do encenador é a arte
de provocar dúvidas, perplexidades, incertezas.
Despertar perguntas, não respostas definitivas. Tan- VII
to no processo de trabalho como na escolha de seus
colaboradores, é imprescindível que o encenador Quem são? Profissionais ou não profissionais,
unifique o debate sem pretender anular as contradi- . principais e secundários e figurantes, qual o sentido
ções: é essencial buscar a unidade dos contrários. do exercício de uma atividade, em teatro, eminen-
O processo de discussão deverá ser aprofunda- temente autodestrutiva? O ator existe no instante
do. Um parâmetro irrecusável: a realidade. Nada do espetáculo. Detém um poder imenso e irre-
de definitivo: as primeiras soluções podem ser re- versível. Existe teatro sem a presença física do
cusadas, ao menos questionadas. O coletivo de ato r? O teatro pode dispensar tudo, salvo o intér-
criação se empenha numa aventura incerta, mas .prete. O que não significa que o ator seja sempre
fundamentada na consciência de que qualquer o centro do espetáculo. Mas, mesmo se determi-
falsidade ou ilusão só poderá resultar em parali- nada proposta de trabalho situá -lo num plano se-
sação do processo. Pouco a pouco tudo passa a ser cundário, valorizando outros recursos, sua neces-
assimilado de forma crítica : o pensamento se re- sidade não é atenuada. Porque prossegue indis-
vela um motor em permanente movimento, insa- pensável. O que tem sofrido profundas alterações,
tisfeito consigo próprio, incansável. Perplexidades, em função do processo histórico, é sua função.
dúvidas, desconfianças, deliberada superficialidade: Seu nascimento confunde-se com o nascimento
é preciso um esforço desmedido para exprimir a do próprio teatro. E provável que os primeiros in-
verdade das relações dos homens entre si. Nenhum térpretes tenham sido sacerdotes. O primeiro que
tem seu nome registrado na história do espetáculo
suor deve ser poupado.
é o grego Téspis, que em, 560 A.C. teria introdu-
Em função das propostas e de seu inesperado zido, na dramaturgia primitiva, fundamentada no
encaminhamento, novos colaboradores serão esco- canto poético, o diálogo e o personagem.
lhidos. Formam-se grupos internos e externos para . A trajet~ria do ator através dos tempos, resis-
efetivarem o trabalho. O elenco será selecionado. tindo refugiado nos currais ou conseguindo pene -
Serão os atores os instrumentos vivos da reflexão trar nos salões d á nobreza, é uma aventura rica de
44 Fernando Peixoto () que é Teatro 45

episódios grandiosos e trágicos. Freqüentemente seu trabalho são os homens e a sociedade.


cercada por uma auréola de fantasia e romantismo A questão essencial que parece perseguir a aná-
que tende a idealizar uma profissão muitas vezes lise do trabalho do ator, através dos tempos, à pri-
perseguida e desprezada por leis dos homens ou por meira vista pode parecer quase absurda: afinal, o
princípios religiosos. Em muitos instantes históri- ator vive ou representa seu papel? E evidente que
cos o ator foi equiparado ao salteador. E a atriz, ninguém, sem perder o mais elementar controle de
quando finalmente conseguiu existir, já que duran- suas faculdades mentais, pode deixar de ser quem é
te muito tempo as mulheres estavam banidas da para transformar-se em outro. Ainda mais no exer-
cena e os papéis femininos eram desempenhados cício de uma atividade que depende do controle
por homens, foi equiparada à prostituta. de sentimentos, gestos e movimentos. E que se
Profissão capaz de ser condenada, em algumas fundamenta na aceitação elementar do princrplo
sociedades repressivas, mas exaltada em outras básico da convenção. Mas entre viver e representar o
propiciando ascensão social e prestígio, fazendo ai: papel, é possível compreender nuances. a próprio
guns saírem do anonimato para uma glória muitas conceito de "verdade", no caso da representação
vezes passageira, a arte do ator do teatro é essen- teatral, pode ser objeto de uma análise menos rígi-
cialmente perectvel. Cinema e televisão registram da e mais reveladora. Afinal, como afirmou o ator
interpretações, mas o ato vivo da representação russo Schepkin, "pode-se representar bem e
teatral acaba no instante em que é realizado. pode-se representar mal, o importante é repre-
A história do teatro é também a história das sentar verdadeiramente". E o encenador russo
diferentes concepções do trabalho do ator. Stanislavski explica em que consiste "representar
a trabalho do ator pressupõe treinamento cons- verdadeiramente": "significa estar certo ser ló-
tante e aperfeiçoamento técnico, além de inteli- gico, coerente, pensar, lutar, sentir e agir em unís-
gência e sensibilidade atentas à observação da vida sono com o papel". Para dosar o viver e o repre-
social, ao entendimento das relações de produção sentar foram criadas, em função dos objetivos do
e suas conseqüências no cotidiano social dos ho - espetáculo, dos processos sociais em transforma-
mens. Um vigoroso treinamento frsico, pois seu ção, portanto em função do exercrcío de ideologias,
corpo é seu instrumento de trabalho. E um estudo uma série de técnicas.
constante, alimentado pela inquietação e descon- Por exemplo: para nos restringirmos a problemas
fiança em relação ao que lhe é apresentado como mais recentes e gerais, visando a cumprir aquilo que
conhecido ou definitivo. Pois a matéria-prima de coloca, como objetivo fundamental do teatro,
46 Fernando Peixoto o que é Teatro 47

"criar essa vida interior de um espírito humano e que esta se identifique e acabe sendo anestesiada
dar-lhe expressão em forma artfstíca", Stanislavski, pela representação; E curioso observar, entretanto,
desprezando - com razão - a gratuidade e a incer- que ambas as técnicas não se excluem. Brecht
teza da romântica idéia de inspiração, desenvol- supera Stanislavski de forma dlalétíca, sem deixar
veu e sistematizou um "método" para o ator, a de incorporar sua inestimável contribuição ao tea-
partir de si mesmo e de sua capacidade de obser- tro moderno. Brecht chegou a afirmar que seu pro-
vação. Fazer de seu próprio subconsciente um ma- cesso de trabalho naturalmente integra o trabalho
terial utilizável pelo seu consciente. Sua intenção do ator. Mas não o toma como ponto de partida.
primeira, em perfeito acordo com a estética que Enquanto encenador, Stanislavski partia do ator,
defende, é fazer com que o trabalho do ator, iden- mas Brecht partia do autor: da peça, suas necessi-
tificado ao máximo com seu personagem ao ponto dades e exigências. A distinção é maior : para Sta-
de dar a impressão que ambos são uma coisa só, nislavski, os personagens conduzem a narrativa:
provocar a identificação do público com este per- para Brecht acontece o inverso. Para o teatro dra-
sonagem, criando assim uma relação de vigorosa mático tradicional, a consciência determina o ser
empatia e verdadeiras emoções entre palco e pla- social; para o teatro épico e dialético, retomando
téia. Já Bertolt Brecht, ao contrário, acentuando o pensamento básico do marxismo, o ser social
que a busca desta identificação foi uma técnica determina a consciência.
histórica válida em determinado momento, a servi- Mas no fim de sua vida o próprio Brecht se
ço de uma proposta ideológica que vinha ao encon- encarregou de desfazer esquematismos falsos.
tro dos interesses da burguesia, propõe, como téc- Uma resolução no sentido de abandonar total-
nica fundamental para um teatro a serviço do pro- mente a identificação, diz ele, não pode ser intei-
letariado, para a elevação conseqüente de uma arte ramente aplicada. E acentua, corrigindo idéias que
marxista, a técnica de distanciamento: que o ator estavam sendo desprendidas de um de seus traba-
não procure se anular diante do personagem, não lhos teóricos fundamentais, o Pequeno Organon
se confunda com ele, mantendo-se em postura de . para o Teatro: não se trata de no teatro épico ape-
quem mostra um comportamento ao público, mos- nas representar, enquanto no teatro antigo apenas
trando que está realmente "mostrando", utilizando se vivia o personagem. Na realidade se trata de dois
mesmo as emoções e os sentimentos, mas sempre processos antagónicos que encontram sua unidade
sabendo racionalmente como travar este diálogo no trabalho do ator: "sua interpretação não com-
essencialmente crítico com a platéia. Impedindo porta simplesmente um pouco de um e um pouco
48 Fernando Peixoto o que é Teatro 49

de outro. E seus efeitos mais autênticos nascem VIII


da luta e da tensão entre estas duas contradições,
como também da profundidade da mesma. A re-
dação do Pequeno Organon é em parte responsá- Em função das condições de trabalho, inclusive
vel pelo mal-entendido; ela induziu muitas vezes do orçamento disponível, e em função das necessi-
erradamente por ter sublinhado, talvez com dema- dades específicas da produção, levando ainda em
siada impaciência e de forma demasiado exclu - conta questões quase imponderáveis, o elenco é
siva, o aspecto principal da contradição. finalmente selecionado. Profissionais ou não pro-
Por outro lado, é preciso não esquecer que, na fissionais, nomes já famosos ou principiantes, pas-
estrutura de produção capitalista, o ator é uma sarão agora, atenuando vaidades ou questões pes-
mercadoria. Os empresários vendem diversão e às soais, a constituir um coletivo de trabalho. O tea-
vezes t~mbém cultura. Mas contratam e pagam tro é uma arte grupal em todos os níveis: produ-
seus artistas em função do que significam enquan- zido graças ao esforço orgânico de muitos, dirige-
t? rentabilidade. As vezes, inclusive, pelo prestí- -se ao consumo de muitos. Não há ato solitário
gio que possuem. Investem num nome ou num ta- na atividade teatral.
lento, visando ao lucro na bilheteria. E freqüente Sem evitar certa hierarquia, ao contrário pro-
que o êxito e a fama façam o ator perder esta pers- curando incorporá-Ia e discipliná-Ia, a equipe de
pectiva real e concreta da natureza de seu trabalho: produção reúne diferentes sub-grupos: setores
qua~do não é ele o proprietário dos meios de pro-
mais vinculados à criação arHstica, setores admi-
duçao, seu talento ou o reconhecimento efetivo nistrativos, setores técnicos, setores de publici-
do público não são o suficiente para que perca sua dade e vendas, etc. Estes sub-grupos podem até
condição de assalariado. As cíclicas épocas de cri- nunca se encontrarem, mas estarão de alguma
ses, quando cresce o desemprego, servem para lem- forma coordenados: o êxito de um empreendi-
brá-Ia de que não desfruta, apesar das aparências mento depende bastante do exato entrosamento
de nenhuma imunidade no mercado de trabalho' entre todos. Tarefas autônomas não excluem a
Nestes instantes, mais que nunca, artistas e técni - exigência de rigorosa unidade. E nem a possibili-
cos fortalecem a união em associações de classe dade de mútuas interferências. Mais importante:
ou sindicatos, para, juntos ou separadamente cada um destes grupos, à sua maneira, relaciona-
lutarem por seus direitos e reivindicações de tra- -se com a sociedade total. A concepção de um en-
balho e liberdade de expressão. cenador, provavelmente predominante no processo
)
o que é Teatro 51
50 Fernando Peixoto

os canais habituais de promoção e divulgação


de produção, s6 adquire corpo e efetivamente se ou ainda inventa seus pr6prios trilhos. Ou colo-
desdobra de forma criativa quando nasce enquan- ca-se à espera do público ou, literalmente, parte
to provocação: nada existe de definitivo, tudo é no encalço d ê l e . "
problema, a dúvida precisa ser investigada, a incer- Os ensaios definem as soluções cênicas. Cria-se
teza pode ser o prlncfpío da reflexão conseqüente, e aperfeiçoa-se uma linguagem de imagens e signos
a paciência e a compreensão gradual são instru- estéticos codificados. O encenador incentiva o pra-
mentos vivos de conhecimento, a insatisfação e a zer da reflexão e, quando é responsável e com-
desconfiança são elementos básicos para a se- preende a natureza de sua tarefa, sabe fazer surgir
qüência de interrogações que conduzirão a decisões. contradições onde aparentemente tudo já está re-
. Ao mesmo tempo todos os diversos setores - solvido. O encenador precisa ensinar a arte do ques-
dos artistas aos técnicos - se colocam em movi- tionamento, não das respostas. Para isso parte de
mento: começam os ensaios, figurinos são confec- uma análise "lacunar" do texto e, sem insegurança,
cionados e cenários construídos na medida em que incentiva o estimulante levantamento de dúvidas.
são coletivámente conclu (dos e definidos, a músi- Mas ele procura não perder o sentido essencial de
ca vem se incorporar à narrativa enquanto a lin- seu trabalho: o que acontece em cena, como narrar
guagem dos arranjos é aprofundada, o trabalho de a fábula de forma econômica e precisa; como en-
estudo e participação crítica dos assistentes se des- contrar a linguagem visual mais reveladora da rela-
dobra cada vez mais, o iluminador começa a pes- ção que os homens estabelecem entre eles; como
quisar uma forma de contribuição efetiva ao es- esclarecer os acontecimentos sociais e em função
clarecimento da ação e da temática, maquinistas dos mesmos encontrar os melhores movimentos
I e técnicos dão início a um trabalho que se prolon- e agrupamentos; como propor mais que definir e
~' i
, j gará em cada espetáculo realizado; a administração como saber definir quando é chegado o momento
H assume suas tarefas ao mesmo tempo em que todo de precisar e fixar, ou não fixar, gestos e movi-
o trabalho ganha o público enquanto publicidade mentos. Enfim, como fazer do ensaio um pro-
e esquema de vendas. O que é colocado diante do cesso que não despreza o erro, porque sabe que
público é o que está sendo produzido. A partir da pode ser a origem do acerto. Nem se precipita nas
estrutura da produção, o espetáculo procura sua primeiras soluções, porque sabe que a atitude cien-
platéia, dependendo fundamentalmente de seu tífica é inimiga da pressa e da facilidade. O erro é
conteúdo sua possibilidade de venda: ou desti- útil, se for reconhecido e solucionado, assim como
na-se às elites ou às platéias populares, ou utiliza

J
52 Fernando Peixoto o que é Teatro 53

as primeiras idéias só terão sentido depois de expe- aos nossos dias, foi das mais fascinantes. Seu con-
rimentadas na prática, depois de investigadas suas ceito foi sendo modificado, desde os primeiros
alternativas posstvels. O estudo do comportamento gestos inspirados nas crenças religiosas, até hoje,
é sempre de natureza social e sua descoberta e co- quando existe como arte teatral quase autônoma,
municação é sempre um desafio. Sabendo, como baseada numa gramática de silêncio e movimentos
ensina ainda Wekwerth, que o teatro se realiza no menos ou mais codificados (no Oriente a tradição
palco, não na cabeça do encenador, o trabalho pros- criou um verdadeiro alfabeto, que o atar e o pú-
segue num esforço coletivo em busca da verdade. blico conhecem, de gestos e expressões faciais
E óbvio que existem outros métodos e processos de sempre repetidas, mas também como instrumento
trabalho. Existem até mesmo, como já vimos, os de expressão para o teatro dramático. Na comme-
que negam a necessidade do encenador. Entretanto, dia deli'arte italiana atingiu um instante poético
i afirmando que o advento do encenador provoca no e crrtlco de extrema vivacidade. Na verdade todo
'!
ii exercício do teatro o aparecimento de uma nova o teatro contemporâneo busca a revalorização do
li
;-1 dimensão, a reflexão sobre a obra, Bernard Dort gesto significativo: tanto a proposta polftlca de
ii acentua que entre esta obra e o público, entre um Brecht, como a de Jerzy Grotowski na Polônia.
:1 texto "eterno" e um público que se modifica, sub-
'/
Para este o atar precisa "quebrar barreiras que nos
I metido a condições históricas e sociais determina- cercam, sair de nossos limites, para nos realizar-
't das, "existe agora uma mediação". E acaba afir- mos e nos completarmos". Dar sua noção de repre-
mando que o encenador moderno, ao mesmo tem- sentação não como a de viver um personagem,
po artista e técnico, "está em vias de afirmar o como em Stanislavski, nem de mostrar um perso-
que talvez constitua sua mais profunda vocação: nagem através de um processo de distância e estra-
ser um educador popular". nhamento, como em Brecht. Mas, sim, para en-
contrar o que está por baixo de nossas máscaras
cotidianas, o que constitui o núcleo mais secreto
IX de nossas personalidades: fazer o atar usar seu
corpo integral, como instrumento expressivo,
Seria impensável traçar aqui um apanhado num trabalho violento de auto penetração. Ele
mesmo conciso das relações históricas do teatro pede um atar "santo" , para um teatro pobre.
com o silêncio ou com a música. A trajetória da A música esteve sempre presente no teatro,
pantomima, por exemplo, dos gregos e romanos desde suas origens. Acompanhou a história das
S4 Fernando Peixoto o que é Teatro SS

-manifestações teatrais desempenhando um papel com a música tem sido tão absorvente que é in-
de variada relevância. Em certo nível é possível felizmente inevitável apenas aproximá-Ia, num
distinguir a música no teatro e o teatro musical. livro como este, com a história do teatro dra-
No primeiro caso, temos as composições que in- mático. E justo entretanto não menosprezá-Ia:
tervêm nos espetáculos, exigidas pelos textos é a linguagem cênica que atualiza criticamente
dramáticos ou introduzidas pela concepção da a partitura, fundamentando uma imagem con-
encenação. Assim como outros recursos, hoje creta, que restitui ou sufoca todo o significado
amplamente utilizados pelo teatro moderno, co- dramático proposto pela música.
mo a projeção de diapositivos ou a integração
da imagem cinematográfica na articulação do
espetáculo, a música pode ser usada segundo as x
mais diversas perspectivas: como ilustração, para
acentuar climas poéticos ou dramáticos ou senti- Organização que funciona como uma engre-
mentais, como comentário de ordem crítica, como nagem, envolvendo um número imenso de cola-
efeito de distanciamento, etc. Desenvolvendo uma boradores, a equipe que produz o espetáculo
trajetória mais autônoma, a música deu origem a cumpre suas finalidades em função do próprio
gêneros teatrais mais específicos, como a opereta, produto e em concreta relação com a sociedade.
o café-concerto, o teatro de revista, o teatro mu- Profissional ou não profissional, tem seus obje-
sicai, etc. tivos e seu espaço. Nele atua com senso criativo
Finalmente é preciso mencionar a ópera. Muitas ou conforme as tradições, acomodada ou provo-
vezes apenas valorizada enquanto música, mas, cativa. Em inúmeros casos, como já foi mencio-
sobretudo nos últimos anos, graças ao trabalho de nado, a produção é amparada, estimulada ou con-
extraordinários encenadores, redescoberta e reva- duzida pelo próprio Estado. Subvenções ou finan-
lorizada enquanto teatro. Aqui é mais uma vez ciamentos auxiliam ou permitem as montagens,
possível localizar estimulantes polêmicas sobre a atrelando-as ou não ao poder vigente. As vezes a
verdadeira relação de hegemonia ou equil íbio legislação chega a admitir o teatro como serviço
entre texto e partitura. Apesar da visível supre- público, não dispendendo esforços para torná-lo
macia geralmente atribu (da à orquestra e aos can- mais acessível às camadas menos favorecidas. O
tores, a ópera tem se revelado uma forma cênica que evidentemente cria laços e dependências ideo-
de inesgotável teatralidade. Mas sua intimidade lógicas. Em muitos momentos, ou circunstâncias
56 Fernando Peixot o que é Teatro 57

históricas, o teatro se exerce contra os poderes Subvencionado ou censurado, aceito como


constituidos. . serviço público ou perseguido, exaltado ou vili-
A arte sempre foi uma forma aberta de desafio pendiado, questionado ou fazendo da passivi-
e rebeldia e o teatro tem assumido, em diferentes dade sua razão de ser, protegido pelo Estado ou
períodos de sua trajetória histórica, um papel erguendo-se contra ele, o teatro tem conseguido,
de agente da contestação. às vezes milagrosamente, sobreviver.
Revoltando-se, com seus limitados instrumen- I: evidente que as circunstâncias em que se
tos, às vezes simplesmente recusando-se a mentir insere, esbarrando com obstáculos ou encontran-
e insistindo na reprodução da verdade. E isso do facilidades para desenvolver-se, alteram subs-
através de uma postura crítica implacável, exer- tancialmente o rendimento artístico e o alcance
cendo um confronto com a realidade objetiva a social de um espetáculo e de todo o conjunto de
partir de uma perspectiva nacional e popular, o produção em determinado período. Por outro
teatro muitas vezes tem provocado conflitos, lado, o enfrentamento com o poder adverso, em
sendo bloqueado e castrado pela reação do po- certos casos, conduz a uma pródiga redefinição
der: a censura, exercida legalmente através de um de processos narrativos. Quando o cerceamento
aparelho jurídico arbitrário, que trai a liberdade da liberdade de expressão não encontra diante de
de pensamento e expressão do homem, procura si uma atitude passiva, provoca um ato de
esvaziar o teatro de seu significado enquanto co- rebelião : para ludibriarem o poder, sem cair na
nhecimento e denúncia, procurando assim redu- mentira ou na resignação, alguns encenadores,
zi-lo a um papel insignificante e mesquinho, mis- ou também dramaturgos, têm elaborado uma
tificador ou alienante. No Brasil, por exemplo, transitória gramática tática de recursos expres-
desde 1964, todo o processo de desenvolvimento sivos circunstanciais, nem por isso desprovidos
de uma cultura realista e crítica, nacional e popu- de significado artístico ou de imaginação criativa.
lar, enfre'ntou a violência da repressão oficial e
mesmo a agressão física de organizações parami-
litares de extrema direita. I: oportuno acentuar XI
que nem sempre os regimes autoritários usam a
censura policial: às vezes são mais sutts e não Finalmente o produto do coletivo de traba-
menos violentos, utilizando uma série de recur - lho acaba confrontando-se com outro coletivo:
sos que caracterizam a censura econômica. o público. O espetáculo, resultado de um proces-
I
i
.J
58 Fernando Peixote o que é Teatro S9

so mais simples ou de uma estrutura bastante cional, no cotidiano da vida social. O teatro existe
complexa, que utiliza não apenas os artistas mas na sociedade e, naturalmente, a sociedade existe
também bilheteiro e porteiro, maquinistas e cama- no teatro. Ambas as estruturas, uma parte inte-
reiras, pintores e carpinteiros, é o instante deste grante da outra, se complementam.
diálogo, que pode sempre fracassar. Um encena- Brecht insistia em que no teatro existem a arte
dor já afirmou certa vez que a questão essencial do autor, a arte do atar e também, exigindo ser
do teatro é o êxito. A platéia, receba mal ou bem cuidadosamente desenvolvida e incentivada, para
o que lhe é proposto de forma tradicional ou ino- auxiliar o processo de enriquecimento das duas pri-
vadora, é um grupo social variável e quase inde- meiras, a arte do espectador. Na verdade, em sua
fin ível. E, sobretudo, divisível: Brecht insiste, postura diante do público, que às vezes inclusive
ao contrário de muitos que afirmam que o ideal aparenta desprezar ou se contenta em procurar
do espetáculo é a reação una e entusiástica do agredir, o artista define seu grau de compreen-
público, que numa sociedade dividida em clas- são diante do real. Os melhores sabem como
ses não tem sentido procurar unificar os espec- encontrar o nível de relacionamento possível, no
tadores - o espetáculo que implica numa visão sentido de encaminhar uma proposta concreta de
crítica do processo social tem a tendência de reflexão sobre a sociedade. Mas deverão igual-
dividir o público, em função do que mostra e dos mente saber como não colocar-se nem além, nem
valores ideológicos que evidencia. Esta divisão é aquém dos limites precisos que o conhecimento
um fator positivo, na medida em que aprofunda do real poderá lhes fornecer. Só dentro destes
a discussão de idéias. limites, forçando com cautela, mas sem medo, o
A platéia, afinal, é o grupo receptor. Ativa ou progresso de seus recursos expressivos e fazendo
passivamente, ela decodifica os signos que recebe. crescer, apoiada em condições concretas, a aná-
Não é um grupo casual, a não ser em certo tipo de lise do processo histórico, o artista se toma social-
experiências mais radicais que fazem do ato teatral mente útil. Seu perigo é perder-se numa aventura
um acontecimento imprevisível e até mesmo "invi- pessoal ou numa proposta voluntarista, preso a
sível". A platéia, dificilmente homogênea, reúne .uma inútil retaguarda quando ingenuamente pensa
indivíduos que, por diferentes razões, pagando estar assumindo a vanguarda. Ou cair num idealis-
ingressos ou não, procuram conscientemente a mo igualmente inútil. Ou assume uma postura de
relação com o espetáculo. Neste sentido, ir ao tea- conhecimento e dignidade ou torna-se ineficaz.
tro é um ato inserido, de forma habitual. ou excep- Outros ainda, por opção ou não, entregam-se à
60 Fernando Peixoto o que é Teatro 61

prostituição artística, apenas cedendo aos padrões


mais medíocres, sem questioná-los. Nos maus
artistas sempre existiu a tendência a contentarem-
se com o relativo prestígio que reside na aparência
de pertencer aos nobres exclusivamente por ter,
na sociedade, a pouco respeitável função de "bobos
da corte".

XII
o espetáculo será consumido por uma platéia
e eventualmente discutido pela crítica. Peter Renato Borghi no papel-túulo de
Brook define-a como um "mal necessário": "uma "Galileu Galilei", em encenação no
arte sem críticos seria constantemente ameaçada Teatro Oficina.
por perigos muito maiores". Para Brook o crítico
vital é "aquele que já formulou claramente, para si
próprio, o que o teatro poderia ser - e que é ou-
sado o bastante para colocar em questão essa sua
fórmula, toda vez que participa de um aconteci-
mento teatral". E é Bernard Dort quem situa com
lucidez a tarefa do crítico que, em nossos dias,
pretende ser mais que um marginal da produção:
"Face a uma crítica de consumo (que é cada vez
mais substitu (da pela publicidade), uma outra
crítica é possível e necessária. Ela será ao mesmo
tempo crítica do fato teatral como fato estético
e crítica das condições sociais e pol íticas da ativi- Hélêne Weigel, esposa de
Brecht , no papel-titulo de
dade teatral. Vamos defini-Ia de um lado como
"Mãe Coragem". ~iia"'lIoo!I
crítica semiológica da representação teatral e de
o que é Teatro 63
62 Fernando Peixoto

sociais que lutam de forma organizada para alterar


outro lado como crítica soclolôqlca da atividade a estrutura social. São infinitas as possibilidades
t~atral. Estaria igualmente dentro e fora. E pos-
sível encontrar uma aproximação desta função criativas desta segunda hipótese.
Finalmente, é oportuno não esquecer que o
naquilo que os alemães chamam de "dramatur- espetáculo, uma vez realizado, não é algo de
go". Sem dúvida podemos ter dúvidas sobre o tra- definitivamente fixo. Wekwerth encerra um valio-
balho de alguns "dramaturgos" nos dias de hoje. so compêndio sobre encenação afirmando que o
Mas a exigência de um verdadeiro trabalho dra-
verdadeiro trabalho do encenador começa no dia
matúrgico se faz sentir cada vez mais. E que é da estréia: "finalmente podemos ensaiar com o
esse trabalho dramatúrgico senão uma reflexão
personagem que faltava: "o espectador".
crítica sobre a passagem do fato literário ao fato
teatral? Uma espécie de crítica antecipada. Aqui
o vínculo entre uma nova definição da crítica
e o aparecimento da encenação moderna aparece
com clareza. . .
Enfim, são inúmeras as questões. E é imenso o
perigo de cair na simplificação excessiva. Não
exis~e uma forma ideal de fazer teatro, o ponto de
partida e o ponto de chegada é a realidade social
na qual o espetáculo nasce, vive, existe e morre.
Somente um estudo profundo e crítico do real
pode fornecer os caminhos de ação. O novo vai
certamente surgir nas entranhas do velho mas
não pode ser antecipadamente previsto ou des-·
crito de forma abstrata, ou erigido como modelo
a ser atingido. Para encontrar seu caminho, a cada
passo, o teatro precisa partir da irrecusável neces-
sidade de ter uma função social precisa, aceitando-a
como está ou assumindo ajudar a transformá-Ia. No
segundo caso, o coletivo de trabalho teatral só ga-

••••••
nha dimensão quando se vincula às demais forças
o que é Teatro 65

II

. Pesquisadores mencionam representações litúr-


gicas no Egito entre 2000 e 3000 anos antes de
Cristo. Hoje dispomos de um papiro que indica
um ritual de representação da morte e do esquar-
tejamento de Osíris, deus da terra e da fertilidade
no Egito. Data provável: 1887 A.C.
COMO SE TEM FEITO TEATRO? Outros povos antigos, que sofreram influência
egípcia, como os etruscos, igualmente teriam, em
épocas remotas, organizado cerimônias teatrali-
zadas, acompanhando rituais ' de sacrifícios, casa-
I mentos ou funerais. Uma forma de culto dos
mortos, na China antiga, é um dos inúmeros exem -
plos de ritos religiosos que acabam adquirindo
Como resumir o complexo processo histórico feições dramáticas: os descendentes oferecem a um
que começa séculos antes de nossa era e chega, morto o que ele mais amou em vida - na anti -
em . permanente transformação - e mais contra- güidade o defunto fazia-se presente, representado
ditório e ousado que nunca - até nossos dias? por alguém que imitava seu aspecto físico, voz e
. E Ninevitável o esquematismo, a tosca simpli- gestos, e, mais tarde, alguns episódios marcant~s
flcsção e, sobretudo, graves omissões. Impossí- de sua existência. Quando o antepassado havia
vel deixar de escolher certos aspectos em detri- sido, por exemplo, um célebre guerreiro, esta evo-
~ento de ou~ros que .igualmente foram significa- cação para manter viva sua imagem tornava-se
tiVOS e tambem emprestaram decisiva influência uma forma embrionária de teatro.
na totalidade do processo. Seria então possrvel localizar as origens do teatro
no Oriente e não no Ocidente? A extraordinária
herança grega seria, não o prlncrpio de tudo, mas
apenas o primeiro instante histórico do' qual nos
restam textos completos e informações mais
detalhadas?
66 Fernando Peixoto o que é Teatro 67

A verdade é que as indicações críticas neste III


sentido, são ambíguas ou marcadas até peio pre-
.conceito. Para muitos o conceito oriental de arte
, Ainda que existam estudos modernos levantan-
seri? tã? d~ferente do ocidental que, em nome
do a hipótese de que a tragédia grega teria tido
da I~a~lnána. supremacia desta última civilização,
a pnrnerra sena sumariamente exótica. sua origem em rituais fúnebres, danças mímicas
Outros condenam, em manifestações primitivas de atores mascarados em homenagem a heróis
da arte oriental, características que, mais tarde mortos, a tese geralmente aceita é a de que nas-
apareceriam na arte ocidental, e seriam então lou- ceu dos cultos a Dionísios, deus do vinho e da
vadas. No caso do teatro, a falta de unidade narra- fertilidade, das fontes da vida e do sexo. Aristó-
tiva, a mistura de gêneros, a alternância entre prosa teles fornece esta explicação afirmando, Inclusl-
"
e verso, diálogo e música, passagem do canto para ve, que a tragédia tem sua origem nos ditiram-
a fala, etc. O conceituado crítico Sílvio D'Amico bos (cantos corais acompanhados de flauta) e
?om razões insuficientes apesar de sua honestidad~ tende a representar os homens melhores do que
Intelectual, chega a levantar objeções absolutamen- são, enquanto a comédia nasce das cerimônias
te ingênuas. "Enquanto nosso esforço mais urgen- e canções fálicas e mostra-os piores do que são.
te é a novidade, a originalidade, a personalidade Duas figuras merecem atenção na fase primi-
que traz ao mundo um novo sentido, eles (os orien- tiva do teatro grego: um tirano, Pisístrato, e um
tais) parecem situar o auge da perfeição na submis- ator, Téspis. O primeiro oficializou o culto a Dio-
~ão do artista individual às regras de uma tradição nísios, mandou organizar as festas dionisíacas
Imutável que reproduz ao infinito o já transcorri- urbanas e chamou Téspis para promovê-Ias anual-
do, com a fidelidade mais litera l e passiva que mente. De forma competitiva, passaram a ser rea-
se possa imaginar", lizadas durante seis dias na primavera. Para muitos,
~nfim, hoje todos sabemos que o "distante" Téspis foi o primeiro ator. E também o responsá-
Or!ente não ~ tão distante nem se resume num . vel por transformações decisivas na Iibertação da
unJvers~ máqlco de mistério e fantasia, lendas dramatu rgia das amarras da poesia: inventou um
~ exotismo: é parte essencial e integrada da civi- "respondedor" ao coro e ao corifeu, substituiu a
lização, com. um viqor social e cultural que so- máscara animal dos sátiros pela máscara humana
m~nte o ma.ls descabido fanatismo ocidental e
o

introduziu a máscara feminina, deu início ao tra-


cnstão. poderia tentar negar, tapando o sol com
a peneira... tamento dramático de temas míticos e históricos.
68
o que é Teatro 69

Nestes concursos cada poeta selecionado apresen-


tava uma tetralogia: três tragédias e um drama universal, que se faz presente, j~lgando e comen-
satírico. Durante algum tempo as comédias esta- tando, criticando e mesmo interferindo nos con-
vam excluídas, depois foram incorporadas: eram flitos dos homens. O coro, assim, assume quase
encenadas à tarde; as tragédias eram apresentadas o papel de espectador ideal. Diante da presença
pela manhã. Enquanto estas se concentravam na dos valores vigentes, e também diante do público,
celebração de heróis e mitos, as comédias volta- que assiste a este fascinante encadeamento de '
vam-se para a investigação crítica do cotidiano princfpios, transcorrem as ações trágicas. Em certo
ainda que geralmente em defesa dos valores tra- sentido, resumem-se na desesperada e inútil luta
dicionais e contra os perigos de uma decadência dos homens contra o destino que lhes é imposto,
ética e moral. . de forma inapelável, pelos deuses.
Aristóteles deixou-nos o primeiro documento Em suas obras, os três dramaturgos exprimem
básico de teoria teatral: Poética, dissecando a es- um movimento não apenas de ordem formal, já
t~utura da tragédia e da comédia, caracterizando os que cada um deles introduz inovações na estrutu-
generos e suas diferenças, explicando suas origens ra dramática, como também ideológica. A maneira
e analisando seus elementos. , Estudando a poesia como utilizam o coro é um termômetro da estabi-
dramática em relação à Iírica e à épica, acentua lidade ou do questionamento da unidade social.
seu significado estético, cívico e moral. Para Aris- Assim, a tragédia caminha para sua autonomia, en-
tóteles a arte é imitação da natureza' o drama é a quanto cresce o significado e o peso do diálogo.
imitação de ações, tendo por objetivo provocar E, . ao mesmo tempo, o homem liberta-se dos
compaixão e terror. A identificação do público' deuses.
com os personagens coloca o primeiro em estado Em Esquilo existe fé, mas também já se eviden-
de êxtase e assim poderá atingir a purgação cia um princípio de incerteza ou dúvida. Em Só-
(catarse) destas emoções. focles aumenta o significado do homem e a ação
Três dramaturgos resumem e definem, no século dos deuses é injusta e autoritária: a religião existe,
V A.C., a tragédia clássica grega: \Esquilo, Sófocles mas é desesperada. Em Eurípides, que Aristóteles
e Eurípides. Numa estrutura rígida, o coro desem~ aponta como o mais trágico dos poetas, os homens
penha o papel central, exercendo inúmeras fun-· são mostrados com mais realismo e debatem-se em
ções. Representa, principalmente, a "pólis": é a conflitos interiores mais verdadeiros: é o dramatur-
SOCiedade, para os gregos uma espécie de ordem go de uma religião em crise e de uma sociedade em
decadência. . . .
70 Fernando Peixoto! o que é Teatro 71

Elementos trágicos e cômicos alternavam-se I'\OS IV


dramas satíricos. E a comédia clássica grega, mais
próxima do real, tem seu mais legrtimo represen-
tante em Aristófanes, crítico implacável da ordem Nos primeiros séculos de nossa era registra-se
social, mas ferrenho defensor dos valores tradicio- um desenvolvimento intenso do teatro no Oriente
nais. Seu teatro é marcado pelo vigor sensorial, Na lndla a invenção do. drama é atriburda ~
pela capacidade de incorporar, em suas sátiras, Bharata, autor de um compêndio minucioso sobre
elementos de obscenidade. arte dramática, Nastía-Sastra. O teatro é definido
No século II antes de nossa era, a sociedade como "a imitação de um caráter determinado em
grega já está bastante abalada por contradições um~ série de situações que produzem prazer, com
internas. Crescem as revoltas de escravos e os a aluda de: 1Çl, o gesto; 29, a voz; 39, o vestuário;
grandes senhores pedem ajuda aos romanos, que ' 49, a expressão". O objetivo é ensinar divertindo.
há algum tempo já intervinham nos assuntos helê- Existem regras não apenas de ordem técnica, mas
nicos: a partir de 146 A.C. a história grega é um também espirituais: antes de cada espetáculo o
apêndice da história romana. diretor deve preparar-se com exercidos religiosos,
Em Roma predomina a comédia.\ Durante algum inclusive jejum de três dias...
a
tempo, inclusive, para ludibriarem falta de Iiber- No ·Ocidente, o teatro medieval refaz a trajetó-
ria do teatro grego: do espetáculo litúrgico e reli-
dade de expressão, os comediógrafos apelam para
um recurso tático - discutem a realidade que os gioso FIO profano e popular, mas agora sob o signo
cerca, mas situam a ação de suas peças na Grécia. do cristianismo. '
Destacam-se Plauto e Terêncio, ambos com agu- O movimento cultural está encerrado nos mos-
çado senso de observação crítica. Das tragédias,' teiros. Mas as comédias romanas são conhecidas
as mais expressivas não se destinavam ao palco por uma minoria de elite. Pouco antes do ano
nem foram então encenadas: são as obras de 1000, num convento alemão, a monja Hroswitha
Sêneca, marcadas pelo uso extremo da violência escreve peças em latim, confessadamente inspi-
e da crueldade. No nível da teoria, Horácio repete radas em Terêncio. Mas com intenções bem dife-
Aristóteles e defende a imitação dos valores gre- rentes: são textos de edificação religiosa, exal-
gos, antecipando a postura do classicismo euro- tando a castidade.
peu, enquanto Cícero parece defender a neces- A tradição teatral mantém-se extremamente viva
sidade de um teatro nacional. na Itália, França, Espanha, Alemanha, Inglaterra.
72 Fernando Peixoto o que é Teatro 73

A prlncípio a Igreja proíbe o teatro e ameaça os


atares com o fogo do inferno. Em seguida, passa a pelo papa Urbano IV, que percorrem as ruas- e às
utilizá-lo como celebração religiosa ou ensina- vezes param em "estações". Estes elementos serão
mento. í O centro da atividade teatral, durante incorporados à estrutura narrativa dos autos euca-
muito tempo, será a questão reliqiosa] Desenvol- rísticos e sacramentais que pouco a pouco, infil-
. vem-se as formas típicas do teatro medieval trados por tradições populares e profanas, livres da
ocidental. herança da dramaturgia greco-Iatina, estabelecem
Os milagres ilustram a vida dos santos, os mis- uma linguagem própria. Tudo começa quando os
térios discutem a fé, as moralidades debatem a atares quebram a imobilidade, pois no princípio
questão religiosa, mostrando comportamentos e ex- apenas formavam quadros vivos com motivos
pondo o destino final do homem. A Bíblia é a fon- alegóricos, fazendo surgir cenas curtas e pequenos
te dos milagres e dos mistérios. Mas pouco a pouco episódios em versos. .
os elementos populares infiltram-se: os milagres . No Oriente é preciso registrar a fixação, nos
são bíblicos, mas os santos são homens - e nas pri- séculos XIV e XV, de uma das mais fascinantes
meiras peças profanas a virgem é substituída por estruturas da dramaturqia: o Nô, que se desen-
donzelas desprotegidas e os demônios por dragões volve no Japão, vinculado à cultura ' das elites.
e feltlcelrosr As moralidades analisam teses a partir ~orma .e~sencialmen~e simbólica, misturando poe-
de tramas que acabam servindo de passagem para sia e musica, pantomima e dançaJ
um teatro interessado em episódios terrenos. Neste Da Idade Média ocidental cumpre ainda men-
teatro simples e didático, rudimentar e ingênuo, cionar uma obra-prima que surge na .Espanha no
encenado ao ar livre, em cenários múltiplos, com século XV: a extraordinária novela escrita em
uma estrutura baseada em episódios que se suce- diálogos, que inicialmente o autor denominou
dem, encontram-se elementos que serão revalo- "comédia": depois corrigiu para "tragi-comédia",
rizados na formulação do teatro épico moderno. A Celestina, de Fernando de Rojas. .
Os autos dominam a produção teatral na Espa-
nha, sobretudo a partir do século XIV: 'O tema
religioso é discutido através de símbolos e alego- v
rias, os personagens freqüentemente são abstrações,
atributos divinos ou idéias puras.l Nascem das pro- A Renascença ' assinala, entre outras coisas,
cissões de Corpus Christi, oficializadas em 1264
o princípio da reflexão moderna sobre o signi-
i
')
74 , Fernando Peixoto o que é Teatro 75

.ficado e a natureza do teatro. A partir do século países parecem mais livres do peso do classicis-
XVI o esforço crítico é permanente. E, por ve- mo: a Espanha e a Inglaterra, onde a polêmica
zes, tumultuado. O teatro recoloca, no centro de mistura-se com outra questão, o problema da
suas preocupações, a questão do' homem, Mas, for- moralidade ou imoralidade do. teatro inglês. Em
malmente, tem início uma disputa acirrada em 1642 os puritanos conseguem um decreto oficial
torno de princípios básicos de criação: redesc~ber­ que fecha todos os teatros, que só serão reabertos
tos os clássicos greco-Iatinos, -alguns passam a reve- com a Restauração em 1660.
renciá-los como depositários da verdade e do ideal Na França domina o aristotelismo. Mas as con-
estético absoluto. t: uma espécie de religião nova trovérsias se sucedem, principalmente após o triun-
que se vem instaurar no âmago da estética. fo de Le Cid (1636/37), de Corneille, Os principais
A Poética de Aristóteles aparece em 1549 em dramaturgos expõem seus pontos de vista através
italiano. Alguns críticos, como Castelvetro atri- de prefácios. Corneille defende ideais clássicos
buem ao filósofo grego a formulação da célebre mas não hesita em libertar-se deles quando podem
lei das três unidades. Na verdade, Aristóteles perturbar seu trabalho como dramaturgo. Moliêre
defendeu a unidade de ação, mencionou a de tem- chegará a escrever comédias para ridicularizar
po e não fez nenhuma referência à de lugar. Mas a seus opositores. O apogeu do neo-aristotelismo
discussão, na teoria e na prática, vai apaixonar francês, em nível teórico, aparece em 1674: a
Art~ Poética de Nicolas Boileau é a vulgarização,
a intelectualidade européia. Cervantes, no capí-
tulo 48 de seu D. Quixote (1605), ataca o teatro escnta em versos alexandrinos, dos preceitos de
novo que surge na Espanha, liberto dos preceitos Horácio e Aristóteles.
greco-Iatinos. Seu alvo principal é Lope de Vega. A dramaturgia francesa deste período reflete
Cervantes critica os que, embora conhecendo as o aproveitamento deste ideal clássico e destacam-
regras, cedem ao gosto vulgar e 'desprezam os mo- se os que conseguem manipular com verdade e
força poética a rigidez das estruturas, discipli-
delos. Chega a afirmar que, fora da rígida obe-
nando impulsos e instintos num formalismo extre-
diência, todas as ações dramáticas são absurdas e
mamente elaborado, realizando obras que chegam
inaceitáveis. 'Lope responde: conhece as leis clás-
a discutir não apenas o significado do amor e da
sicas mas, quando escreve, encerra estes princí-
honra, como também as relações do homem com
~ios num cofre com sete chaves, para que sua
o Estado moderno. Principalmente Corneille e
liberdade de criação não seja obstaculizada por
Racine. Mas, enquanto tema e estrutura, os ger-
falsos preceitos. Nos séculos XVI e XVII dois
76 Fernando Peixoto o que é Teatro 77

mes de um teatro novo estão nítidos nas mais pada, onde já aparecem personagens burgueses; e
expressivas obras de Moliêre. ator e diretor, Calderón de la Barca confere extrema dimensão
rebelde violentamente atacado pelo puritanis- poética e filosófica à reflexão religiosa, cuida pes-
mo dos conservadores e pelo clero, amigo e autor soalmente da montagem de seus autos sacramen-
favorito do rei Luís XIV, penetrante crítico dos tais, utilizando inclusive música de fundo e carros
costumes e comportamentos de sua época. para a cenografia.
A comédia é uma das mais eficientes maneiras Mas o mais expressivo do teatro renascentista
de combater o classicismo. Na Itália neo-aristo- nasce na Inglaterra elisabetana: assimilando e atua-
télica, Maquiavel consegue realizar um penetran- lizando com extrema liberdade narrativa toda a
te estudo da sociedade de sua época, A Mandrá- herança clássica e medieval, um grupo de drama-
gora (1520). Mas o vigor popular tem seu expoen- turgos escreve alguns dos mais decisivos instantes
te no trabalho de Angelo Beolco (conhecido como da dramaturgia universal, ao mesmo tempo que, em
Ruzzante), que liberta a comédia renascentista termos de linguagem cênica popular, o espetáculo
dos preceitos clásslcos e utiliza essencialmente a . ganha uma dimensão mais conseqüente e ainda
linguagem e os valores do povo. Está aberto o hoje extremamente fascinante. Obras como as co-
caminho para a mais fascinante época de hegemo- médias e sobretudo as tragédias de poetas como
nia do ator e do improviso, ato de rebeldia que Ben Jonson, John Webster, Christopher Marlowe e
rompe qualquer proposta clássica, elitista ou lite- outros, e principalmente, atingindo um nível antes
rária : a commedia dell'arte, formidável surto de nunca aproximado na sondagem do homem e seu
teatro popular. relacionamento com o processo histórico, cons-
Em Portugal, sem romper com as tradições dos truindo uma dramaturgia inesgotável enquanto
autos e farsas medievais, simplesmente engravidan - proposta ideológica e estrutura de linguagem, os
do-as de um agudo senso de observação crítica da textos de William Shakespeare definem a emanci-
realidade, Gil Vicentel escreve textos nos quais as pação definitiva do teatro de todas as amarras,
alegorias se transformam em vida, os temas atuais temáticas e formais, anteriores.
se fazem presentes, os valores populares se incorpo- Muitos outros pontos deveriam ser menciona-
ram às idéias renascentistas.\ Na Espanha, surge o dos em relação aos séculos XVI e XVIII No Japão
"Século de Ouro": Lope de Vega deixa uma obra se estabelece, a partir das camadas populares, mais
...
imensa, antecipa o drama revolucionário com uma estrutura dramática extraordinariamente rica:
Fuenteovejuna e inventa a comédia de capa-e-es- o kabuki.~ No fim do século XVI, em Florença, sur-
78 Fernando Peixoto o que é Teatro 79

ge um novo gênero de espetáculo: a ópera (Dafne, . Mozart domina a ópera e escreve Dom Giovanni em
de Jacopo Peri, estréia em 1597)1 E, finalmente, 1787.1t-no Brasil há um certo vazio (registre-se a ati-
1564, ano em que nasceu Shakespeare, é a data em vidade de um animador cultural, o padre Ventura;
que; pelas referências que se possui, foi realizado e uma controvérsia sobre Antonio José da Silva, o
o primeiro espetáculo de teatro dramático no Judeu, comediógrafo português que alguns crf-
Brasil - o Auto de Santiago, apresentado por mis- ticos sem êxito e seni razão tentaram integrar na
sionários jesu(tas na Bania] Entre nós o teatro surge literatura brasileira). Na Europa o triunfo da
. como instrumento pedagógico: autos, encomenda- commedia dell'erte, uma das manifestações de rea-
dos pelo padre Manuel da Nobreça' ao padre José ção contra o classicismo, provoca esforços para
de Anchieta, para catequese e ensinamento da re- uma "cruzada santa" de setores burgueses intelec-
ligião aos (ndios. Os textos de Anchieta são peças tuais: contra a vulgarização, por uma revalorização
de .circunstância, adaptando a estrutura esquemá- do texto literário, da linguagem poética.
tica do teatro medieval a problemas e aspectos da Exemplos são, entre outros, Cario Goldoni, que
realidade e da cultura brasileiras. No século XVII com a divisa "reprodução da verdade" cria a comé-
já existem referências ao teatro enquanto atividade dia fina burqueset substituindo o improviso pelo
profana, em festas populares. Ainda no século XVI ·texto escrito, conservando personagens e situações
registram-se os primeiros espetáculos em outros das comédias populares, mas aprofundando elemen-
pa(ses latino-americanos, como México (1526) e tos psicológicos e descrições de comportamentos
Havana (1588). Mas é preciso lembrar que existiu sociais novos; Cario Gozzi faz mais sucesso com
um teatro pré-colombiano nas Américas. Restam comédias fantásticas e extravaqantssr Marivaux,
inclusive alguns fragmentos vigorosos, como o cé- herdeiro da tradição de Moliêre, já prenuncia o ~P-S1­
lebre Ollantay, escrito em quéchua (Peru), clássico recimento do romantismo] com uma obra variada e
da poesia inca. marcada pela delicadeza de análise dos sentimentos
e por finos ataques às injustiças sociais; Vitto~
Alfieri, último estertor da tragédia clássica, esforço
VI aristocrático de trazer a poesia de volta à cena; com
obras de feitio clássico inspiradas em temas bfbli-
Durante o século XVIII o teatro espanhol é re- cos, gregos ou de história européial E também
primido (os autos sacramentais são proibidos em VoJtaü:e., um dos percursores da ideologia revo-
1725), há um novo auge do kabuki no Japão, lucionária francesa: o pensamento pol (tlco da bur-
,
80 Fernando Peixoto o que é Teatro 81

guesia da época propunha a edificação de uma so o Indica O teatro clássico grego como exemplo de
ciedade nova e ao mesmo tem~ estava marcado dramaturgia nacional ligada a uma estrutura social
pela admiração da ordem pol {tica da antigüidade. própria. Lessing defende a catarse como objetivo
Mas a insatisfação paira em todos os níveis. Louis do drama. Mas, para atingir este resultado, será
Mercier afirma que o teâtro está fossilizado, tendo necessário revolucionar a estrutura tradicional da
trocado o ar livre pelas salas fechadasl E critica dramaturgia. Uma platéia burguesa não poderá
identificar-se com reis e príncipes. Precisa confron-
Corneille e Racine por se terem inspirado "nas
tar-se com personagens burgueses para que a identi-
bibliotecas, não no livro aberto do mundo", Há
ficação tenha sentido. Defendendo a idéia de um
um mundo novo que busca expressão: A burgue-
teatro nacional-burguês, Lessing propõe um verda-
s!a francesa prepara-se para tomar o poder pol {-
deiro programa de libertação cultural. E cita um
tICO. O drama burguês já está em gestação.
novo modelo, não para ser copiado, mas para ser
A um público racional só agrada um mundo
assimilado: Shakespeare. De Lessing, cujo pen -
r~al, escreve Diderot. E um dos primeiros enun-
ciados de um novo gênero de literatura dramá- samento será decisivo na próxima eclosão do pré-
tica, fruto de uma necessidade histórica concre- -romantismo, o essencial está numa valiosa coletâ-
ta: a ascensão econâmica e política da burguesia. nea de crftica e ensai-os estéticos, a Dramaturgia de
E o drama burguês, que surge comprometido com Hamburgo (1767-1768).
o processo revolucionário. Investe contra a divi- O romantismo alemão inicialmente confunde-se
são de gêneros e advoga a mistura de elementos com o grupo "Tempestade e lrnpeto" (Sturm und
trágicos e cômicos, assim como insiste na neces- Drang - título de uma peça de Maximilian Klinger,
sidade de colocar em cena personagens de todas as que reunia cenas desconcertantes sem qualquer
c1~ss?s soci~is, ~bretudo aqueles que a tragédia coerência ou unidade) . Este pré-romantismo defen-
clásslca hav!a b~n1do: Diderot exige um teatro que de um individualismo exacerbado, uma subjetivi-
mostre o cidadão burguês em seu meio social sua dade lírica irracional e anárquica, revalorizando o
profissão, sua famrlia. . ' vigor das religiões e da mitologia. E buscando em
Lessing, expressão do lIuminismo"nacionalista Shakespeare sua força mágica. O esforço de lucidez
éomprometido com o processo político -de sua elas- .dos iluministas é trocado por Rousseau. E o movi-
se e de sua nação, define o classicismo como cul- mento debate-se entre o intelecto e o instinto, o
tura típica do absolutismo feudal] traduzido numa novo mundo civilizado da burguesia ascendente e a
dramaturgia rígida, vazia e formalmente abstrata. inocência primitiva do "bomselvagem".
II
82
Fernando Peixoto o que é Teatro 83

Dois extraordinários poetas e homens de teatro para uma dialética ideal ístico-objetiva.
começam a produzir nesta fase] Mas depois, mais Enfim, em 1789 a burguesia assume o poder na
maduros, ambos submeterão o impulso desenfrea- França. Transforma-se a história da sociedade I Um
do da j~ventude a uma disciplina rigorosamente texto pareceu ser o prenúncio da Revolução : O Ca-
neoclássica. Goethe, uma das grandes inteligências samente de F ígaro (1784), de Beaumarchais. Pela
~o século, em permanente busca e fazendo da insa- forma de crítica da nobreza e pela inusitada ma-
tisfação um processo de vida e conhecimento neira de valorizar os criados, um reconhecível pre-
de~xa um dos mais eloqüentes textos da literatur~ cursor do teatro pol (tico,
universal, Fausto (iniciado em 1774, concluído em
1.832), poema ao mesmo tempo clássico e rornân-
tlco, que alterna ou integra 'categorias dramáticas VII
épi~as e lí~ica~. E talvez tenha sido Goethe (apesa;
da importancra comprovada, anos antes do traba- A edição de 19-02-1800 do Jornal de Debates
lho como "diretores de espetáculos" d~ inúmeros de Paris surge com uma novidade: uma seção dedi-
at?res. e principalmente de Moliêre e Calderón) o cada inteiramente ao teatro, assinada por Julien-
primeiro encenador, no sentido que antecipa o -Louis Geoftroy. Nasce a crítica diária em jornais
moderno conceito da profissão. Isto essencialmente cotidianos.
nos anos em que dirigiu o Teatro de Weimar Mas, excetuando a participação de homens de
(1791-1817), teatro, neste século uma das mais valiosas contri-
A ob~a dramatúrgica de Schiller registra o mes- buições teóricas é a do mais expressivo dos filósofos
mo movlme".to da obra de Goethe, disciplinando idealistas, \:;legel, que dedica ao teatro a última par-
e?'7essos da Juventude numa aproximação do c1as- te de sua Estética.' Ele afirma que a poesia dramá-
s~c~smo. Hegel elogia-o por ter ultrapassado a subje- tica é superior à I(rica e à épica, pois realiza uma
tividade e a abstração do pensamento de Kant e síntese dialética de ambas, unindo a subjetividade
por ~~r ~rocurado realizar na arte a unidade e a de uma à objetividade da outra. ' A ação dramática
cO,n~"laçao como única expressão da verdade. E o é a exposição de conflitos e oposições e do movi-
cn~l~o marxist~ Lukács afirma que os trabalhos de mento total nasce a unidade. O conflito é a rela-
e~tetlca de Schiller constituíram um instante espe- ção dramática essencial. E oportuno não esque-
cial do pensamento estético alemão, que através cer que a filosofia de Hegel foi um dos pilares bá-
deles passa de uma dialética idealístico-subjetiva sicos para as formulações do materialismo dialé-
84 Fernando Peixoto o que é Teatro 85

tico e do materialismo histórico de Marx e Engels. autor sobretudo de uma das referências fundamen-
E que o pensamento marxista será uma das linhas tais da história do teatro pol ítlco. Lorenzaccio
de força fundamentais, talvez a mais fecunda do (1830). No Brasil, o iniciador da literatura român -
teatro no século XX. tica, Gonçalves de Magalhães, é também o inicia-
dor do romantismo no teatro, com Antonio José
VIII ou O Poeta e a Inquisição (1838). O drama român-
tico brasileiro não deixa muitos títulos, mas revela
um de nossos mais expressivos dramaturgos, o poe-
Na França o romantismo surge com a influência ta Gonçalves Dias~ Apenas quatro peças e uma bela
do pensamento crftico alemão e com a descoberta tradução de Schiller. Mas entre elas uma irrecusável
de Shakespeare~ Documento essencial, na defesa de obra-prima: Leonor de Mendonça (1864), tragé-
novos valores, é o prefácio de Victor Hugo para seu dia Ifmpida e seca, com intensos movimentos dra-
drama Oliver Cromwell (1827). Proclama a aboli- máticos que se traduzem num diálogo vigoroso.
ção da obediência às regras de dramaturgia clássica: Seu prefácio é um dos documentos valiosos do tea-
o escritor é livre para escolher sua linguagem. Não tro brasileiro: expõe idéias, expl ica as origens do
tem sentido separar prosa e verso muito menos drama que escreveu, desvenda aspectos de seu pro-
tragédia e comédia. O novo gênero,' "drama", tem cesso de criação, tece considerações sobre o
a~e~as o sentimento e a paixão como leis. Hugo conceito de arte, ataca a censura do Conservatório
c.ntlca os defensores do classicismo que inclusive Dramático. Discutindo sobre como situar no palco
situam a questão das imitações dos modelos num a "fatalidade", Gonçalves Dias faz uma inteligente
n(vel de absurdo: mandavam copiar e ao mesmo declaração de prlncípios: . "E a fatalidade cá da ter-
tempo afirmavam que os clássicos eram inimitá- ra a que eu quis escrever, aquela fatalidade que
veis. Para Hugo, o (dolo é Shakespeare: "E o maior nada tem de Deus e tudo dos homens; que é filha
criador depois de Deus". Seu prefácio é um mani- das circunstâncias e que dimana toda dos nossos
festo. E três anos depois a estréia de seu Hernani hábitos e da nossa civilização; aquela fatalidade, en-
transformar-se-ia numa batalha: com socos e pon- fim, que faz com que um homem pratique tal cri-
tapés, os jovens românticos enfrentam, corpo a me porque vive em tal tempo, nestas ou naquelas
corpo, os conservadores na platéia do teatro... circunstâncias".
Dos demais dramaturgos românticos franceses As tendências anti-românticas não tardam na
impossível deixar de mencionar Alfred de Musset', França, com a acomodação da sociedade burguesa,
86 /
Fernando Peixoto o que é Teatro 87

que pouco a pouco troca os ideais concretos de li- sátiras populares tradicionais. O mais fascinante
berdade e igualdade por um liberalismo moderado dramaturgo é Nikolai Gogol, sobretudo por uma das
e por uma democracia formal. Triunfam os gêneros comédias mais prodigiosas da dramaturgia univer-
"comerciais": comédias bem estruturadas, com um sal O Inspetor Geral (1836):documento e sátira
mecanismo repetido e infalível, intrigas engenho- pol ítica implacável, que nada poupa da hipocri-
sas, uma temática superficial e aparentemente ino- sia e da mediocridade da burguesia russa.
cente que gira em torno do amor e do dinheiro. " Dois dramaturgos que neste século pratica-
E um caminho que começa com as chamadas mente escapam a qualquer classificação mais es-
"peças bem feitas", passa pelo teatro de "boule- quemática, totalmente diferentes, mas igualmente
vard" e chega ao "vaudeville". inovadores, são o brasileiro Oorpo Santo (1833-
Próximo ao fim do século, em meio a uma polê- ·1883) e Georg Buchner (1813-1837). Enquanto o
mica que divide os críticos, consolida-se a mais for- Qorpo, em Porto Alegre, escreve os primeiros es-
te das reações anti-românticas: o naturalismo. boços do teatro surrealista e do absurdo, com uma
Principalmente através dos romances, peças e pre- ferocidade crítica demolidora, Buchner, também
fácios de ~mile Zola. No prólogo que escreve para um gigantesco poeta fora de seu tempo, materialis -
a adaptação de seu romance Thérese Raquin ta e às vezes metafísico, ativamente vinculado às
(1873), Zola defende a infiltração positiva do es- lutas e questões pol íticas de sua geração, nos deixa
pírito experimental e cient ífico dos tempos moder- apenas três peças, mas elas se situam entre as mais
nos no domínio do drama, salvando o teatro com a fascinantes do teatro universal, antecipando o ex-
força da realidade. Pede um teatro -baseado na ob- pressionismo e até mesmo o teatro épico contem-
servação científica da vida social, com personagens porâneo.
que sejam como seres vivos, não fantoches criados
pelos escritores. O exagero do naturalismo faz apa-
recer um novo tipo de melodrama, que se fixa no IX
submundo e nos bordéis ou manicômios, o "grand-
-guignol". E bem mais intenso o movimento teatral no
Finalmente estende-se na França a corrente rea- Brasil no século XIX. O drama romântico não tem
lista, sobretudo com Balzac, que faz um minucioso continuidade. IA possível exceção seria Gonzag? ~u
levantamento de seu momento histórico.lTambém A Revolução 'de Minas de Cast~o .A:lves. A coméd~a,
na Rússia o realismo vem do melodrama e das entr~, ganha impulso mais VIVO! O ator Joao
88 Fernando Peixoto o que é Teatro 89

Caetano lançou não apenas a mencionada tragédia Junior, já menos romântico e dono de uma técnica
romântica de Gonçalves de Magalhães, como tam- de comédia mais ágil e capaz de uma virulência
bém a primeira comédia de Martins Pena, O Juiz maior em sátiras pol rtícas: e, finalmente, Artur de
de Perne Roça (1838H Entre os homens de teatro, Azevedo, autor de diferentes gêneros teatrais cul-
João Caetano domina 'boa parte do século. Figura tivando as burletas e a revista musical, animador
contraditória: defendida a criação de um teatro livre teatral intenso e apaixonadd. Um pouco do pafs
dos autores estrangeiros, mas encenava sobretudo no século XIX, apesar da permanente superficiali-
clássicos europeus. Deixou alguns textos teóricos dade e da ausência de uma postura crftica mais
de extrema importância pela serenidade de análise penetrante e conseqüente, ficou registrado neste
dos processos de criação do ator: Reflexões Dra- movimento teatral. Mencione-se ainda certa visão
ro.~ti~é!s (1837) e Lições Dramáticas (1862). E10-
crítica bastante precisa de Machado de Assis e uma
giado por muitos, será mais tarde duramente con- estranha curiosidade: escravos brasileiros liberta-
testado por Procópio Ferreira que, escrevendo dos, organizados por Z. P. Silva, form~ram em
uma biografia sobre outro ator da época, Francisco Lagos, na Nigéria, em 1880, a "Brazilian Dramatic
Company" ...
Correa Vasques, acentua o sentido nacionalista e
popular deste e condena João Caetano como não
compreendido pelo povo, ator palaciano mais ad-
mirado pela elite do que pela multidão.
x
Martins Pena estabelece a comédia de costumes
ry.rês dramaturgos, através de diferentes cami-
no Brasil, um certo pré-realismo, marcado pelo
senso de observação. Em nenhum momento atinge nhos, aprofundando o realismo psicológico ou en-
s~iando novas estruturas dramáticas, alcançam, no
uma dimensão mais profunda, mas não perde
nunca a agilidade, um painel de sua época escrito fim do século XIX~ uma contundente reflexão
com simplicidade, mas justa eficácia. Outros segui- sobre a condição humana na sociedade burguesa.
riam seu caminho, entre eles: Joaquim Manuel de Gerhardt Hauptmann já utiliza elementos de estru-
Macedo, com um senso crítico mais.apurado e uma tura de um teatro não dramático e antecipa o tea-
Visão social mais definida; .José de Alencar, preocu- tro pol (tico-revolucionário, elaborando acusadores
painéis sociais: seus personagens são a massa mise-
pado com a elaboração da nacionalidade; Machado
rável, debatendo-se entre a fome e o álcool entre-
de Assis, escrevendo brincadeiras leves e bem cons-
gues à passividade ou conduzindo a revolta' contra
tru (das que lembram provérbios de Musset; França '
90 Fernando Peixoto o que é Teatro 91

a opressão. São temas dos novos tempos que inva- o princípio do expressionismo: não mais existe
dem o palco com inusitado vigor, principalmente a crença de que o drama possa ser a narrativa de
em Os Tecelões (1892), escrita a partir de docu- um mundo objetivo, com personagens que atuem
mentos sobre a revolta operária ocorrida em 1844 de forma independente - começa a subjetivação
na Silésia. radical no teatro.
Henrik Ibsen eleva o drama a seu apogeu en- Mas antes de passarmos ao século XX, alguns
quanto estrutura dramática, justamente no instan- detalhes precisam ser lembrados: o século XIX é
te em que os valores burgueses começam a ser am- um restante do apogeu da ópera italiana, mas tam-
plamente contestados. A partir de Ibsen, homem bém a afirmação da ópera alemã, com Beethoven
que assistiu a derrota de mitos coletivos e crê que a princípio e finalmente com o trabalho, sem pre-
dentro de si mesmo o indivíduo precisa reencon- cedentes no gênero, desenvolvido por Wagner, que
trar o novo, todo o grande teatro será a contesta- em 1876 dá início aos festivais de Bayreuth; em
ção da sociedade vigente. E o próprio drama será 1822, ano da independência do Brasil, são reali-
questionado enquanto estrutura. Desde jovem zadas experiências com iluminação a gás na ópera
Ibsen foi um rebelde, guardando incontrolável ten- de Paris, e em 1849, no mesmo teatro, é realizado o
dência para o anarquismo individualista e também primeiro espetáculo iluminado com luz elétrica. No
irrefreável indignação ao comportamento ético e fim do século XIX, surge o cinema. E nasce a en-
moral da sociedade burguesa. Quando assume com cenação modema.
firmeza inquebrantável o realismo, sua obra con-
fronta, com extraordinário vigor, os grandes pro-
blemas de sua época. XI
Finalmente, August Strindberg em sua primeira
fase é de um realismo obstinados teatro psicoló- . o nascimento da encenação moderna, enquanto
gico quase em estado puro, conturbado e intenso linguagem específica, conferindo dimensão ideo-
em sua segunda fase, herdeiro de Dostoiewski e lógica unificada e coerente ao espetáculo, parece
Nietzsche, anunciando Kafka e Pirandello, · é um ser o acontecimento fundamental do teatro no
místico inquieto e inquietante, com peças como século XX. Mas já hoje o trabalho do encenador Já
O Caminho de Damasco. Nesta última já é pos- é objeto de contestação por correntes que defen-
sível reconhecer o embrião de uma nítida contes- dem a necessidade da criação coletiva, como medi-
tação do drama enquanto forma literária. Talvez da básica para redemocratizar o processo criativo.
92 Fernando Peixoto o que é Teatro 93

a resultado nítido deste questionamento sem dú- tração, outros se lançam no campo da expressão
vida valioso, porque nasce também d~ revolta sensorial e corporal.
contra a hegemonia ditatorial que o encenador Enquanto entre os encenadores há uma tensão
atingiu · em alguns instantes, vem sendo não sua entre os que definem o espetáculo como condicio-
eliminação, mas sim a democratização de seu nado ao texto e os que advogam um trabalho de
processo criativo, que passa a integrar o coletivo encenação independente e absoluto, as mais radi-
de trabalho na elaboração de uma concepção mais cais experiências vão sendo realizadas. As vezes
ampla e mais justa. . uma tendência nasce e morre com um manifesto
São infindáveis as tendências do teatro contem- ou com um espetáculo.
porâneo. Há uma permanência do realismo e, para-
lelamente, uma contestação do mesmo. As tendên-
cia~ muitas vezes são opostas, mas freqüentemente
XII
se Incorporam umas às outras. A tentação de agru-
par a produção contemporânea em duas correntes No fim do século XIX; na Alemanha, o duque
•básicas, como I?or exemplo de um lado o idealis- de Sachsen-Meiningen, Georg Il, realiza minu-
mo irracionalista e de outro o materialismo racio- ciosas reconstituições históricas, dá primazia ao
nalis.ta, logo encontra obstáculos: em algumas conjunto dos intérpretes em detrimento do pre-
manifestações teatrais os opostos se misturam dom ínio absoluto do "grande ator",·ensaia exaus-
numa tensão dilacerante, às vezes inclusive respon- tivamente e procura integrar de forma coerente
sável peja riqueza dos resultados. . cenografia e inté rprete. Seu trabalho influenciará
N~s~e século o teatro tem redescoberto sua po- !And ré Antoine, o fundador da encenação moderna,
ten~lalldade ou tem se negado a si mesmo. Para que revoluciona o teatro no campo da interpreta-
muttos a ~alavra é ini';liga ·e~ericial do espetáculo, ção, da cenografia e da encenação. Seu projeto
que .devenaretornar as suas origens dionisíacas e é concreto: trazer o naturalismo para o palco. Seu
'!1áglcas, .enquanto para outros essencial é revita- Théatre Libre (1887) influenciará o alemão Otto
lizar o d.lscu~o lógico.- "'Jeste século se processa Brahm que, traduzindo o nome, organiza em Ber-
a revalonzaçao do improviso, mas também se for- lim a Freie 8uhne (1889), Em seu manifesto inicial
mula a exigência de um rigor científico. Alguns anuncia que "a arte modema está baseada no natu-
se prendem a u~ teatro de tese, utilizando o ralismo, que nos mostra o mundo como ele é".
espetáculo como Instrumento para uma demons- a realismo pslcolóqicoé intensamente desenvol-
94 Fernando Peixoto o que é Teatro 9S

vido pelo trabalho prático e teórico de Konstan- Com uma trajetória fecunda e inquieta, que vai
tin Stanislavski, que em 1898 fundou, com Nemi- do realismo ao simbolismo poético, Stanislavski
rovitch-Dantchenko, o Teatro de Arte de Moscou. foi uma das figuras essenciais do teatro nos primei-
Encenador sensível e meticuloso, preocupado com ros anos da Revolução Soviética em 1917. Sua in-
a clareza de cada ação ou emoção, com a intensi- fluência se faz sentir também nos Estados Unidos,
dade das paixões, afirmando que o teatro tem por onde o teatro ganha dimensão maior, praticamen-
objetivo reproduzir a "vida do espírito humano", te, só a partir do século XX: foi a partir de Sta -
preocupado com a importância social do teatro nislavski e seu método que se estruturou o Group
humanista e permanentemente insatisfeito, Sta: Theatre (1931) de Elia Kazan e mais tarde também
nislavski é sem dúvida alguma uma das persona- o laboratório Actors Studio (1947).
lidades teatrais marcantes deste século. Deixou Stanislevski encontrou uma dramaturgia,
valiosa sistematização do trabalho do ator. Os influenciando-a e sendo por ela poderosamente
textos mais conhecidos são A Preparação do A tor, influenciado: a obra de Anton Tchecov. Sua ence-
A Construção do Personagem e A Criação de um nação de A Gaivota de Tchecov é um dos aconteci-
Papel. São o documento de uma luta contra a mentos marcantes do teatro moderno.
teatralidade falsa e contra o convencionalismo Com Tchecov a dramaturgia realista atinge seu
medíocre, ' apogeu e o princípio de seu impasse: Tchecov leva
Para Stanislavski, o ato r deve ser capaz de ao paroxismo uma espécie de ausência de ação
observar os mais reveladores detalhes da vida , exterior que parece quase esgotar as possibilidades
cotidiana. Cada ação realizada no palco precisa do realismo, superando-o por uma forma mais agu-
vir acompanhada de compreensão e beleza, mas da e reveladora da realidade. O crepúsculo da bur-
também deve estar interiormente justificada de guesia entediada e impotente, que divaga com
forma lógica, real e coerente. O trabalho do ator gestos lentos, a tortura dilacerante de um deses-
está subordinado à idéia de um "super-objetivo" pero sem perspectivas, está localizada no mais ín-
que se confunde com o mais absoluto respeito timo interior dos personagens e surge quase nas
às idéias propostas pelo dramaturgo. Defensor entrelinhas dos diálogos. Máximo Gorki retomará
da busca da identificação entre espectador e este , painel, mas engravidando-o do anúncio con-
personagem, Stanislavski insiste em que o atar creto da Revolução: será o primeiro grande escri-
deve permanecer ele mesmo quando "vive" seu tor soviético e sua obra já define contornos visí-
papel. O ato de criação nasce desta contradição. veis de um realismo crítico. '
1.
96 Fernando Peixoto o que é Teatro 97

A linha cultural do stalinismo castrará esta Os pintores fazem a cenografia e impõem u~a
traletórla do realismo soviético. No 19 Congres- concepção de encenação, baseada em soluçoes
so de Escritores Soviéticos, em agosto de 1934, essencialmente plásticas. Sem uma linha mais defi-
Andrei Zdanov, arauto do poder, proclama o cha- nida, mas numa busca permanente de caminhos
mado "realismo socialista", defendendo-o como dentro da proposta simbolista, Lugné-Poe, que
um romantismo revolucionário. havia sido ator com Antoine, organiza em 1893
Impasses do realismo tradicional também podem o Théatre de I'Oeuvre. \ Dos dramaturgos simbo-
ser localizados em certas peças de Ibsen e mais listas cumpre mencionar Maurlc.e. ~ªeterlinck,
ainda em George Bernard Shaw, que desenvolve com uma obra poética feita de imaginação e fan-
um "teatro de tese", caminho que depois será . tasia, e Leonid Andreiev, marcado por alegorias
retomado por Camus e Sartre. Estes dramaturgos fantásticas e abstratas (no fim de sua vida trocou
deixam bem evidente que questões essenciais do o simbolismo pelo que chama de "pan-psiquis-
mundo moderno, para serem discutidas na cena, mo" estudo da psicologia do homem). Em pre-
exigem uma estrutura nova. Shaw, inteligência fáci~s de Maeterlinck já se encontram proposições
brilhante e irônica, crítico mordaz do capitalismo, do movimento esteticista que alcançará reper-
afirmação de um socialismo anárquico e contradi- cussão nos primeiros anos do século XX, numa
tório, elogia Ibsen ao ponto de situá-lo acima de reação decidida contra as correntes real istas. O
Shakespeare. Afirma que "não há peça sem esteticismo, um dos pontos extremos da ideolo-
conflito", mas seus textos substituem os conflitos gia burguesa, defenderá a arte pela arte, cons-
psicológicos tradicionais por acirradas disputas truindo a religião da beleza e da forma. Uma de
sobre religião, sociedade, moral, pol ítlca e eco- suas conseqüências, no plano da encenação, será
nomia. Defende o teatro como função educativa a utopia do "teatro total". Os antecedentes mais
prática e aponta a arte como meio de propaganda nítidos são as concepções do drama ' musical de
ideológica. Wagner.
Influenciado pelo músico alemão, Adolphe :
Appia transpõe aspectos da estética wagneriana
XIII para a discussão do espaço cênico. Para Appia,
o teatro' é uma arte total; . utiliza elementos de
Já no fim do século XIX, na França, Paul Fort todas as artes, mas não é uma srntese das artes:
reúne os poetas simbolistas no Théatre de '~rt'l o elemento básico do espetáculo é o movimento,
. O que é Teatro 99
98 Fernando Peixoto

em função do qual todos os demais recursos devem


ser organizados pelo encenador, responsável pela
unificação de todos os elementos.
Outro encenador de importância foi sdward
Gordon Craig: seu teatro é um ato de rebeldia
contra uma civilização que não aceita. Sonha com
a utopia de um teatro puro, que volte a utilizar
a máscara para suprimir a deficiência humana dos
intérpretes, um teatro que no futuro poderá exis-
tir mesmo sem autores e sem atores. Cabe ao ence-
nador, um demiurgo, reduzir a palavra a escrava do
movimento, redescobrindo a teatralidade pura, cuja
origem está no gesto e na dança.
Na União Soviética, em defesa da primazia do , !
espetáculo em relação ao texto, três discípulos e Cart~z da ex.....p...
os'i·ça
--'O.. russo-francesa : Maiakovski
colaboradores de Stanislavski rebelam-se contra de Trabalho.
o mestre: V. Meyerhold, A. Taírov e Vakhtangov! Taírov procura a síntese entre Stanislavski e
Influenciado pelo esteticismo simbolista, Meyer- Meyerhold. Afirma que o realismo foi a tese, o
hold propõe o "teatro estilizado". O realismo está estilizado a antítese e seu teatro, que define como
ultrapassado, a encenação psicológica é insuficiente "sintético", realiza a síntese. O primeiro teria
na montagem de dramas históricos ou poéticos, reduzido a arte ao cotidiano e à psicologia, o se-
a cenografia que busca imitar a realidade apenas
consegue limitar a criatividade de cenógrafos e gundo à forma vazia. Taírov defende a beleza e
encenadores, o ator realista-psicológico descuida- a forma. Se Meyerhold esteve próximo do circo,
-se do aspecto externo de sua representação. E Taírov esteve perto do balé. Vakhtangov, um dos
necessário o cenário novo, construtivista. E o ator discípulos prediletos de Stanislavski, retoma os
novo, bio mecânico, misto de ator-cantor-dançari- ensinamentos do mestre: o texto volta a ser o
no-acrobata. Meyerhold pesquisa novas formas de ponto de partida para a elaboração do espetáculo,
espetáculo. Será o autor de realizações de grande mas Vakhtangov procura também assimilar criativa-
impacto pol ítico, encenando os textos de mente as teorias de Meyerhold e Tarrov,
Maiakovski. .
100 Fernando Peixoto oque é Teatro 101

i\
10 futurismo soviético revela Maiakovski: sátiras do pensamento, isento de qualquer conotação ou
implacáveis à burguesia e vigilância crítica e rigo- controle racional, de qualquer preocupação
rosa â construção do comunismo em seus primei- estética ou moral. Estamos às vésperas da primeira
ros_anos. Para Maiakovski o teatro é arma de agi- guerra mundial, os valores lógicos são sistematica-
taçao e propeqanda, não um escravo fiel da realida- mente desprezados: os impulsos inconscientes e
de, ~as sim ~~a lente de aumento. Enquanto o . a angústia dos difíceis novos tempos não
futurrsmo sovretrco está profundamente vinculado encontram uma articulação consciente. A ânsia de
ao ~rolet?riado, o italiano, centralizado em Mari- destacar os valores vigentes leva alguns surrealis-
nettí, se rnte.gra na ideologia fascista, glorificando tas à aproximação com movimentos revolucioná-
a guerra e a Violência. rios, até mesmo com o comunismo. Mas a. essên-
cia da aventura surrealista tem sido quase sempre
a componente mágico-mística, inspirada em filo-
XIV sofias orientais. A ela pertence um dos nomes
fundamentais do teatro do século XX, Antonin
A escandalosa estréia de Ubu Rei de Alfred Artaud. .
Jarry em Paris em 1896 assinala ,o princípio da O Teatro e Seu Duplo (1936) é um livro essen-
aventura surrealista.fTambém o encenador Gaston cial para o entendimento do teatro rnodernot Não
Baty, representante do derradei ro romantismo · é uma teoria de teatro, mas um estímulo até certo
europeu, antecipa o movimento: sonha com um ponto fascinante. Propõe o "teatro da crueldade",
mito de c?munh~o coletiva, que transfere para a uma manifestação metafísica, um exorcismo.
e~fera do inconsciente coletivo. Antecedente ime- Artaud quer o teatro como um vitorioso flagelo,
diato do surrealismo é também o movimento uma peste redentora. IO teatro é um instrumento
dadaísta, que surge em 1916 em Zurique: a arte é para libertar possibilidades e quebrar repressões.
um erro ~u uma mentira, é necessário despertar a O teatro puro poderá renascer do espetáculo inte -
espontaneidade que existe no homem e que grai, no qual a palavra terá o sentido que possui
so~ente se, r~vela através dos jogos, dos atos gra- nos sonhos. E seu criador Será o encenador, sacer- .
tuitos, do lúdico ocasional. dote de um ritual mágico. Expondo uma alterna-
O p.oeta e psicanalista André Breton define o tiva para o teatro ocidental, a partir de estudos que
surreeüsrno : como automatismo psíquico puro, realizou sobre manifestações culturais orientais e ·
através do qual será expresso o funcionamento real sobre mitologias primitivas dos povos da América,
102 Fernando Peixoto o que é Teatro 103

Artaud será constantemente retomado pelos


dramaturgos e encenadores contemporâneos, sobre-
tudo por aqueles que recusam a aceitação do teatro
como instrumento de participação paI ítica.
Outro nome essencial no caminho de negação do
drama, que conduzirá ao teatro de absurdo, é o de
Luigi Pirandello. Seus melhores textos situam a
tensão e a crise que se estabelece entre a ficção e
a realidade. Em Pirandello tudo é negação: a vida
é mentira, a realidade é ilusão, o mundo é um suce-
der de sonhos, a verdade de um, não é a verdade
de outro. Pirandello expõe a crise da ideoloqia e
a crise do teatro. Faz desta o centro de sua refle-
xão desesperada e irônica.
Após a segunda guerra mundial, cresce no pen-
samento idealista a crise de valores, o homem está
sozinho e oprimido por um cotidiano incontro-
lável. Para os dramaturgos do absurdo o homem
não é situado num contexto histórico. E um
indivíduo isolado e angustiado, impotente e sem
perspectivas. Como precisou Lukács, confun-
dem o fim de seus mundos com o fim da huma-
nidade. Incapazes de uma compreensão materia-
lista e dialética, descrentes no homem como cons -
trutor de seu próprio destino, estes dramaturgos
se desesperam, e anunciam que este desespero é
de toda a humanidade. Alguns de seus represen-
tantes, antes malditos, hoje são aceitos oficial -
mente pela cultura burguesa, que não mais se
choca, mas se reconhece em suas obras. E o caso
104 Fernando Peixoto oque é Teatro lOS

de lonescol Entretanto, mais vigoroso é Samuel idéia que será retomada pelo brasileiro Augusto
.6ec ~ett , autor de Esperando Godot tragi-cômica Boal com intenções políticas mais definidas), os
parábola do homem .incapaz de crer, mas também espetáculos do Living Theater de Julien Beck
incapaz de perder a esperança: seu negativismo é e Judith Malina nos EUA e na Europa (o grupo
tão absoluto' que Beckett quase funda uma espécie começa em 1947 em New York, com espetáculos
dilacerada de tragédia modema. Mas é um teatro experimentais, passando por diferentes fases num
que desmobiliza espectadores, em vez de mobi- mergulho definido no campo do anarquismo e do
llzá -los para a luta. Como afirma Bernard Dort misticismo, com um trabalho fundamentado na
sobre Beckett, trata-se do "apocalipse domes- noção de comunidade e criação. coletiva; er:n
ticado". 1970 o Living veio para o Brasil! onde reali-
Outros nomes representativos da dramaturgia zou alguns trabalhos experimentais, ' sobretudo
do absurdo evidenciam conotações pol íticas: em Ouro Preto), as experiências de Richard
Arthur Adamov, depois de uma fase inicial meta- Scheichner (teatro de envolvimento, unindo plq-
ffsica, aproxima-se do teatro de. Brecht, mostran- téia e palco num mesmo espaço e numa mesma
do as vítlmas da guerra e do fascismo, e também ação improvisada, utilizando elementos de ero-
um relato prodigioso da Comuna de Paris. ~J!!..an. tismo e choque físico), etc. Dort define com pre-
Geneté o mais indefinível: nega o teatro, mas sua cisão a aventura do teatro de agressão :um es"
dramaturgia repousa na teatralidade. Herdeiro de quematismo nada revelador que traduz uma re -
Artaud, não se desvencilha dos recursos do teatro beldia adolescente e pequeno-burguesa, fruto
ocidental nem da palavra: antes, esgota-os, levan- da incapacidade de análise da realidade. O teatro
. do-os às últimas conseqüências. O objeto de seu de participação física, insiste, acaba se transfor-
teatro, lembra Bernard Dort, é justamente aqui- mando em teatro de comunhão rnetaffsica. Uma
lo que Artaud nega: a noção de representação. nova forma de catarse, que afasta a temática '
A herança de Artaud encontra-se viva. ainda em política e recusa a discussão sobre a realidade,
experiências contemporâneas do teatro. norte- refugiando-se na celebração de uma espécie de
americano, como os "happenings" (manlfestações êxtase coletivo baseado no instinto e na irracio-
totalmente improvisadas, que negam a arte como nalidade. Enfim, um teatro de auto-satisfaçâo.
mercadoria e assumem o marginalismo contesta-
tório; o irlandes Sean Wellesley-Miller chega ao
espectador, propondo o espetáculo "lnvlsfvel",
106 Fernando Peixoto o que é Teatro 107

xv campo foi marcante a experiência de Firrnin Ge-


mier durante o Front Populaire de Leon Blum,
Na Alemanha o expressionismo define a rea- . fund~dor do "T eatro Nacional Popular" de Paris,
ção anti-realismo.. Atinge todas as artes e pro- iniciando um trabalho de popularização e descen-
tralização do teatro que seria prolongado depois
duzalguns resultados vigorosos. E a explosão
pelas encenações de Jean Vilar e sobretudo Roger
incontida da subjetividade, centro dramático do
Planchon.
novo teatro, que depois de uma primeira fase me-
O teatro de massas ganha impulso na URSS,
taffsica conhecerá outras tendências internas, in-
favorecido pela revolução proletária. Nikolai
clusive um teatro pacifista e mesmo pol ítico, que
Evreinov chega a realizar , em novembro de 1920,
se firma após a guerra. O italiano Paolo Chiarini
comemorando a Revolução, um espetáculo gran-
afirma que o expressionismo nasce como tensão,
esforço espasmódico na procura de captar um dioso: A Tomada do Palácio de Inver'!o, n? pró-
prio local dos acontecimentos, tem orto mil ato-
valor metafísico e absoluto apenas pressentido,
res. .. E, no mesmo ano, Mistérios do Trabalho
mas sempre fugidio, que se oculta além dos dados
Libertado da Escravidão teve dois mil atores e
imediatos da relação exterior. k:ntre os dramatur-
cerca de trinta e cinco mil espectadores, que no
gos expressionistas é preciso mencionar Georg
final juntaram-se ao elenco numa fantástica come-
Kaiser, Frank Wedekind e Ernst Tollert Comen-
moração da vit6ria.
tando o expressionismo, Brecht afirma que · para
este teatro "0 mundo não mais existia senão como
a visão de uma estranha ru (na, a crlação mons- XVI
truosa de almas angustiadas". Reconhece inovado-
ra contribuição, fornecendo recursos estéticos
Essencialmente pol ítico, apoiado no marxismo,
então inexplorados, mas "0 expressionismo se
é o teatro de Erwin Plscator.] Seu livro Teatro
mostrou totalmente incapaz de esclarecer o mundo
enquanto objeto da prática humana". Político (1929) é um convicto manifesto de pro-
jetos, um relato de uma trajetôria difícil e co~·
Max Reinhardt esteve próximo ao sonho de um
tradit6ria e uma reflexão vigorosa capaz de esti-
teatro total. Sua contribuição é decisiva para o
mular q~alquer conceituação estética marxista.
teatro alemão moderno, inclusive pela encenação
Piscator defende a arte como um meio, não como .
de espetáculos populares em jardins e praças pú-
blicas, dando in (cio .ao teatro de massas. Neste um fim: está subordinada a tarefas políticas ur-
108 Fernando Peixoto . o que é Teatro 109

gentes. O teatro precisa assumir-se enquanto ins- realismo crítico e socialista, fundando o "teatro
trumento de agitação e propaganda, sem abdicar dialético" .
de sua condição de arte: quanto mais artístico,
mais político. O espetáculo e a dramaturgia tradi-
cionais não mais servem aos interesses do novo XVII.
público, o proletariado, ao qual pretendem se diri-
g~r: é irnprescindrvel encontrar novas estruturas Através de uma série de escritos teóricos, notas
narrativas que permitam a discussão ampla de uma de trabalho e ensaios críticos, como também atra-
temática nova. Cada espetáculo precisa colocar a vés de peças, romances, contos e poemas, e igual-
e
totalidade do processo sócio-econôrnico pol ítico mente através de seu incansável trabalho como en-
do tema proposto. Para chegar a seus objetivos, cenador no Ber/iner Ensemble (fundado em Ber-
Piscator introduziu inovações técnicas como o lim Oriental em 1949), Brecht formula os ca-
palco giratório, a esteira rolante, o filme, dados minhos de um processo de trabalho e a concepção
estatísticos, complexos mecanismos nos bastido- de uma estética produtiva, socialmente útil en-
res: para revelar a engrenagem da História sob um quanto instrumento de transformação e vigilância
ponto de vista materialista e revolucionário, o crítica do cotidiano político-social. Seu pensarnen-
palco precisa estar equipado. Enfrentando sem- to está apoiado nos prlncrplos básicos do marxismo:
pre graves dificuldades financeiras, dirigindo-se o ser social determina o pensamento, o homem é
a uma classe sem poder aquisitivo oe muitas vezes uma realidade em processo. Seu teatro recusa a dra-
incompreendido pelas organizações de esquerda, maturgia aristotélica, fundamentada na técnica
Piscator esbarra com uma quase fatal contradição da identificação, que ele substitui pela técnica do
entre seus projetos e os meios de produção. Mas distanciamento ou estranhamento (verfremdung-
com ele o teatro se transforma, surge pela primei- settekt): tornar estranho aquilo que é habitual,
ra vez a expressão "teatro épico". Está aberto o tornar insólito aquilo que é cotidiano, historicizar
caminho para um de seus mais próximos colabo- mesmo o processo histórico contemporâneo para
radores, Bertolt Brecht, revolucionar teórica e revelar com mais nitidez as contradições do com-
praticamente a dramaturgia e o espetáculo, alte- portamento que os homens estabelecem entre si
rando de forma irreversível sua função social e num determinado período histórico, para que a es~
elaborando, com fundamento na assimilação trutura social vigente seja sempre vista como trans-
crítica do marxismo, um teatro que redefine o formável.
110 Fernando Peixoto o que é Teatro 111

.,
Brecht recusa o espetáculo como hipnose ou te-americano, o Living Newspaper I (Jornal Vivo){
anestesia: o espectador deve conservar-se intelec- dramatizações realizadas a partir de notícias de jor-
tualmente ativo, capaz de assumir diante do que nais, trabalho desenvolvido especialmente pelo
lhe é mostrado a única atitude cientificamente cor- Federal Theatre, que chegou a ter dez mil profis -
reta - a postura crítica. Para isso o espetáculo de- sionais, organização fundada pelo governo durante
ve..rá lhe oferecer ações e alternativas destas ações. o "New Deal" de Roosevelt, procurando solucio-
Nao uma lição dogmática ou um resultado pronto: nar a crise de desemprego no setor teatral. Q pro-
~abe ao espectador, através da reflexão, que realiza jeto, com adaptações, seria depois retomado no
Junto c?m. os intérpretes e a encenação, encontrar Brasil por Augusto Boal, com o "teatro jornal".
suas propnas conclusões. Q próprio Brecht afirma Q mais ativo dos. realizadores desta manifestação
que com Piscator começou a existir o teatro didá- polêmica e agitacional de teatro pol (tlco foi Joseph
~ico. Ele levará às .últimas conseqüênctas este pro- Losey.
jeto: numa das mais fecundas fases de sua obra, es- 4 Das mesmas fontes surge, sobretudo a partir dos
creverá obras aparentemente rígidas e frias na ver- anos sessenta, o "teatro documento": pesquisa e
dade pr~vocativos teoremas secos e objeti~os, que dados objetívos, reconstituições minuciosamente
se constituem em surpreendentes e inesgotáveis fundamentadas em documentos reais ou processos
exercícios de dialética, úteis para os que assistem e jurídicos, peças que revelam um rigor didático e
também para os que realizam. agressivo pela fria revelação teatralizada de verda-
Nos últimos anos de sua vida, trocou a expressão des irrecusáveis. Exemplos eloqüentes são obras de
"teatro épico" por "teatro dialético'" o mundo é Peter WeisS, sobretudo O Interrogatório, sobre
transformáv~1 porque é contraditório: para saber Auschwitz, ou O Discurso do Vietnan, sobre a resis-
em que medida é transformável é preciso levar em tência vietnamita à invasão norte-americana, e o
conta as leis de sua evolução e para isso é neces- teatro de Rolf Hoshhuth, principalmente a polê-
sário partir da dialética dos clássicos socialistas. mica contestação do papa Pio XII e suas omissões
diante do avanço nazista em O Vigário.
Nos Estados Unidos ' o teatro ganha dimensão
XVIII maior com o nascimento de uma dramaturgia na-
cional, sob influência de Strindberg e Ibsen, Wede-
.:- Piscator e Brecht influenciam o-aparecimento de kind e Freud: a obra de Eugene Q'Neill. Influên -
jJma das mais fecundas experiências do teatro nor- cias sensíveis serão também as idéias de Stanislavski,
112 Fernando Peixoto o que é Teatro 113'

incorporadas por muitos encenadores e dramatur- recentemente aquele que sem dúvida é hoje o autor
gos, e a estadia, durante a guerra, de Piscator, que da mais fascinante dramaturgia européia, detendo-
criou o Dramatic Workshop, formando atores, di. -se sobretudo numa irreverente e corajosa revisão
retores e dramaturgos que renovaram a cena nor- da História a partir da decodlflcação dos mitos
te-americana. Mas o drama realista psicológico mais próximos.de todos nós, Heiner Müller.Ou ain-
mantém-se corno forma mais habitual, incentíva- da, na Alemanha Ocidental, um teatro que procura
do nos cursos de play-writing das universidades dissecar cruamente o cotidiano num naturalismo
em todo o pafs, Certa análise mais penetrante do reencontrado e minuciosamente conduzido quase
capitalismo no cotidiano norte-americano encon- ao absurdo, em obras de Peter Handke, Martin Wal-
tra-se em peças de Clifford Odets, Tennessee ser ou Botho Strauss. Na Itália, as comédias polf-
Williams e Arthur Miller. ticas implacáveis com a sociedade burguesa, escritas
E preciso ainda lembrar o poeta Federico Gar- e realizadas pelo prodigioso ator Dario Fo.
cia Lorca, animador de movimentos de cultura po- E inúmeros encenadores que atualizam .a refle-
pular na Espanha, assassinado pelos franquistas xão sobre a encenação, numa permanente revalo-
durante a guerra civil. E Max Frisch e Friedrich rização e desenvolvimento criativo e crftico da lin-
Dürrenmatt, influenciados pelo teatro épico. Ou' o guagem cênica, entre os quais é justo mencionar o
teatro pol (tlco que recusa os esquemas fáceis e soviético Yuri Llublrnov, o inglês Peter Brook, os
elabora uma reflexão complexa, jogando com pas- franceses Roger Planchon, Arianne Mnouchkine,
sado e futuro, imaginário e ' real, nas obras de o italiano Giogio Strehler (que muitos apontam
. Armand Gatti. Experiências e Intervenção pol (. como o mais autêntlco continuador de Brecht) . .Ou
tica nos EUA como o Bread and Puppet, de Peter ainda, nas duas Alemanhas, nomes como : Peter
Schumann, que faz imensos bonecos desfilarem e Zadek, Peter Palitzsch ou Peter Stein, na Repúbli-
atuarem em comfcios ou passeatas, quase retoman- ca Federal; e, na República Democrática, Ruth
do uma tradição medieval; e ainda nos EuA 0 ra- Berghaus, Benne Besson, Mathias Langhoff e Man-
dicalismo pol (tlco de grupos como a San Francis- fred Wekwerth. .
co Mime Troup, de Ronnie Davis, teórico do "tea- Finalmente, colonizado cultural e politicamente
tro de guerrilha" ou o Teatro Campesino de Luiz pelo imperialismo norte-americano, f o teatro da
Miguel Va/déz. Ou continuadores de Brecht na \. América Latina vem lutando, através dos tempos,
própria República Democrática Alemã como Erwin por sua libertação cultural, como os demais patses
Strittmatter, que o próprio Brecht encenou , e mais do terceiro mundoi Hoje há um vigoroso movlmen -
115
114 Fernando Peixoto o que é Teatro

estado e parciais vitórias das forças democráticas


to também na África e na Asia: utiliza a estrutura e populares.
realista crítica tradicional, ou procura antropofa-
gicamente assimilar Brecht, ou ainda buscar carni-
nhos mais autenticamente nacionais, a partir de XIX
tradições e manifestações populares. De modo ge-
rai, mais preocupado com sua eficácia imediata do E o teatro no Brasil, de 1900 até hojel Sem dú-
que com um discutível vanguardismo formal. Em vida, uma trajetória de lento amad~recimento e
Cuba um teatro novo, vinculado à libertação po- . decidido esforço de emancipação nacional! Apesar
pular, ganha espaço, com patrocínio oficial. Nos dos anos recentes de quase estagnação e difícil re- .
demais países resta o esforço das forças democrá- sistência diante da repressão cultural instaurada
ticas, que se traduz em eventos concretos, mas nem com o golpe militar de 1964. fUm painel completo
sempre regulares em nível de dramaturgia e espe- destes oitenta anos ainda está para ser estabelecido:
táculo. Existe um Enrico Buenaventura na Colom- o país é imenso, o teatro existe em 'cada pequena
bia, existiu um Teatro Galp6n em I Montevidéu : cidade, cada região possui características culturais
o primeiro desenvolve formas inovadoras que se específicas e também manifestações tradicionais
fundamentam numa elaboração crítica constante próprias de teatro popular, o teatro profissional
do processo coletivo de criação, enquanto os atores praticamente só é encontrado, com uma estrutura
e dlretores que formavam o Galp6n hoje vivem apenas relativamente sólida, em São Paulo e Rio
exilados ou foram liquidados pela repressão polí- de Janeiro; nos demais Estados registram-se cons-
tica uruguaia, que silenciou uma das mais intensas tantes tentativas de profissionalização e mesmo a
pesquisas do teatro latino-americano. Existem dra- existência de cooperativas ou empresas para pro-
maturgos argentinos, que surgiram no período, fissionais, mas o que domina amplamente o terri-
hoje já sufocado também, de florescimento do tório nacional é a dispersa e às vezes estimulante
teatro independiente, entre eles Agustin Cuzzani produção não ~rofissionallJ A histó~ia do teatro rea-
e Oswaldo Dragún. Há certa vitalidade no México lizado no Brasil, em toddS' os níveis, padece de um
e na Venezuela. Existiu um poderoso movimento erro dos mais graves: salvo raríssimas exceções, que
de teatro popular no Chile, destruído pela ascensão apenas confirmam a regra, refere-se exclusivamente
sangrenta dePinochet. Há uma batalha difícil pela ao que acontece em São Paulo e Rio, perdendo a
emancipação nacional do teatro paraguaio. A cul- noção de totalidade do movimento. E evidente
tura teatral latino-americana é feita entre golpes de
116 Fernando Peixoto o que é Teatro 117

que, apesar da advertência, o erro continua presen- durante o Estado Novo, de 1937 a 1945, a ditadura
te neste brevrssímo resumo. procura silenciar o teatro, mas a ideologia populista
Talvez seja possível admitir que estes oitenta não impede a aguda crítica política que ganha im-
anos se dividem em cinco etapas. Na primeira, do portância no teatro de revistal-Nesta fase se organi-
início do século até 1927, quando se organiza a pri- zam as primeiras companhias estáveis, em torno de
meira companhia estável, quase nada de significati- atores de forte comunicação popular, como Proc6-
vo. Uma curiosidade: um texto de Graça Aranha, pio Ferreira, Jaime Costa, Dulcina de Moraes,
Malazarte, foi encenado em Paris em 1911, no tem- Odilon Azevedo, Eva Tudor, etd, I: um perrodo do-
plo do simbolismo europeu, o Théetre del'Ou- minado pela presença de atores, mas a dramaturgia
vre. Um mistério que ainda deve ser melhor des- . é pobre, ainda que encerre instantes esparsos de su-
vendado: no in (cio do século, em São Paulo, perficial mas correta observação da vida social. Um
houve um surto de teatro político anarquista rea- teatro que hoje precisaria ser revisto criticamente,
lizado sobretudo por trabalhadores irniqrados. A pois foi sumariamente negado por uma crítica
primeira guerra mundial corta a habitual vinda de apressada em estabelecer novos critérios. Um melo-
companhias italianas, francesas e portuguesas. Sur- drama inspirado na luta de classes, estreado em
ge uma Hmidadramaturgia voltada para a crítica . 1932 por Procópio, inaugura a dramaturgia com
'ingênua dos costumes. As revoltas tenentistas, que Pt · ocupações sociais, Deus lhe Pague: de Joracy
antecedem a revolução de 30, não deixam marcas C argo, que vinha do "Teatro de Brinquedo".
no teatro. Em 1922 é fundado o Partido Comunis- as há uma inquietação em setores da classe
ta Brasileiro, mas s6 anos mais tarde o marxismo média intelectual. E o panorama começa a mudar.
terá importância no nível da dramaturgia e do espe- Frutos tardios do modernismo, mas surpreenden- ·
táculo. A Semana de Arte Moderna de 22, cuja tes pela livre e criativa manipulação da estrutura
realização é uma espécie de happening, não inclui a de dramaturgia, são o alucinado Bailado do Deus
manifestação teatral e também só anos mais tarde o Morto, de Flávio de Carvalho,espetáculo que em
modernismo terá um prolongamento cênico. 1933 determina o fechamento do "Teatro Expe-
r- A segunda fase é pr6diga em inovações: inicia-se rimentai" de São Paulo, e um dramaturgo com três
I' em novembro de 1927, estréia do "Teatro de Brin- textos que hoje constituem um dos mais fascinan-
: quedo" de Alvaro Moreyral e se encerra em 1948, tes e vigorosos patrimônios do teatro brasileiro:
quando surge em São Paulo o Teatro Brasileiro de Oswald de Andrade, com O Rei da Vela (1933),
-. Cómédia. \ Inclui um período que merece atenção: O Homem . e o Cavalo . (1934) e A Morta (1937).
118 Fernando Peixoto o que é Teatro 119

Poucas vezes a temática pol rtlca encontrou uma


expressão tão desinibida e .co rajosa, no Brasil,
xx
como nestes textos, que cedo foram sufocados pela Terceira fase: do aparecimento do TBC em 1948
censura de Vargas. No n(vel do espetáculo, tarn - até 1958, ano em que o Teatro de Arena de São
bém transformações: Paschoal Carlos Magno funda Paulol.estréia Eles Nlo Usam Biack- Tie, de Gianfran-
o Teatro do Estudante do Brasil em 1938, impri- cesco Guarnieri, .e um grupo de estudantes de direi-
mindo uma visão mais cultural da expressão teatral.
E, finalmente, em 1941, surgem "O S Comediantes",
to organiza o Teatro Oficina de São Paulql e uma
etapa dominada pelo trabalho dos encenadores ita-
no Rio de Janeiro, grupo conduzido por Brutus lianos importados para conduzirem o trabalho
Pedreira, Luiza Barreto Leite e Santa Rosa. Nestes profissional dos antigos amadores: Adolfo Celi,
anos, em São Paulo, dois grupos amadores realizam Luciano Salce, Flaminio Bollini Cerri, Gianni Hatto
um semelhante trabalho pioneiro, na preparação da e, mais expressivos pela valiosa contribuição teóri-
nova geração: o "Grupo Teatro ExperimentaI", de ca e crítica, Ruggero Jacobbi e Alberto D'Aversa.
Alfredo Mesquita, e o "Grupo Universitário de Tea- O TBC nasceu de uma aposta: o industrial Franco
tro", de Décio de Almeida Prado. Mas o primeiro Zampari afirmou que São Paulo poderia ter um tea-
passo do estabelecimento de um novo padrão cul- tro estável com o mesmo nível do que era produzi-
tural cabe a "Os Comediantes" do Rio: em 1943, do no p6s-guerra italiano. O TBC é um marco
com direção do polonês Zbigniev Ziembinsky, sur- decisivo e sua trajetória confunde-se com o movi-
ge, a partir do expressionismo europeu, Vestido mento socíal:surge depois do fim da ditadura de
. de Noiva, de Nélson Rodrigues. Um instante que Vargas, produzido pela burguesia para a burguesia,
certamente admite diversos níveis de crítica, pois importando técnica e repertório, evidenciando
marca o início da introdução entre nós do modelo ideologicamente ecletismo e nítida tendência para
estrangeiro de espetáculo em detrimento da o culturalismo esteticista. Mas organiza definitiva-
pesquisa de nossas raízes mais autênticas, mas sem mente a estrutura profissional do teatro brasileiro,
dúvida alguma um imenso salto qualitativo. E:. um cria mentalidade nova em nível de respeito e estu-
marco definitivo, é o prlncfpio da encenação mo- do do teatro, introduz repertório ao gosto da exi-
derna no Brasil. gência burguesa, mas coloca os espectadores em
contato com um nível superior de dramaturgia, for- .
ma grande número de intérpretes que depois sai-o
riam
.
de suas fileiras para organizarem
.
companhias
>1
O que é Teatro " -i; 121
120 Fernando Peixoto

.apaixonado mergulho no confronto com nossa


nos mesmos moldes, mas ' já mais independentes, realidade, material para uma renovação do espe-
inclusive quanto à escolha . de repertório. O país táculo, em nível de interpretação e encenação.
transforma-se,há um movimento de ascensão das Esta quarta fase vem de 1958 até dezembro de
·massas populares, o governo assume uma postura 1968: 1na verdade o golpe militar de 64 deu o
nacionalista e desenvolvimentista visando a fazer ponto de partida para a repressão cultural, mas foi
crescer o capitalismo ainda bastante dependente, a promulgação da arbitrária legislação, centralizada
o que acirra contradições sociais e dá alento novo no Ato Institucional n9 5, que liquidou os últi-
às batalhas de libertação do proletariado e dos tra- · mos vestígios de liberdade e vida democrática no
balhadores do campo. A juventude incorpora novas . Pars, Estes dez anos, de 1958 a 1968, talvez
formas e frentes de luta. No campo teatral, a linha tenham sido os mais fecundos do século até agora:
·do TBC provoca reação em jovens recém-formados marcam o amadurecimento da dramaturgia e da en-
·pela própria Escola de Arte Dramática de São cenação, a afirmação de uma geração que assume
Paulo (fundada para "municiar" o elenco do TBC) o teatro como atividade socialmente responsável,
e jovens empenhados em usar o teatro como lnstru- lançando-sena investigação dos temas mais urgen-
mento pol ítico, em atividade em novos grupos for- tes do processo sócio-pol ítico nacional: Basicamen-
mados por estudantes. Daí surgirá um elenco que te, esta etapa é definida pelo trabalho do Teatro
. se transforma, depois de uma fase inicial de indefi- de Arena, do Oficina e, fundado em 1964 como
nida oposição (de 1953 a 1958), na antítese do tentativa de resistência ao golpe, do Teatro Opinião,
TBC: o Teatro de Arena. O dramaturgo brasileiro, do Rio de Janeiro, E, sem condições de mencionar
com exceção da crítica burguesa de Abrllo Pereira todos os grupos que, inspirados por este trabalho
de Almeida, esteve ausente do TBC. Os dois textos ou a partir de suas próprias constatações de impas-
que abrem novos rumos para a dramaturgia nacio- se e necessidade de uma cultura nacional partici-
nal, antes de Black-Tie, são encenados em outros pante, surgiram em diferentes Estados, como Rio
locais: A Moratória, de Jorge de Andrade, em Grande do Sul ou Pernambuco (com o trabalho de '
· 1955, pelo Teatro Maria Della Costa, e O Al{to da Hermilo Borba Filho e seu "Teatro Popular do
Compadecida, em 1957, por um grupo não profis- Nordeste") ou Bahia, é imprescindível citar ainda a
· sionsl do Recife. O Arena será, como resposta; a experiência marcada por acertos e erros, mas ainda
sede da nova drarriaturgia, que nasce com preocu- "pioneira e essencial para qualquer futuro aprofun-
pações sóclo-polftlcas claras, fornecendo inclusi- damento crítico e prático de um teatro agitacional,
ve, por seu talvez ainda romântico mas decidido e
122 Fernando Peixoto o que é Teatro 123

dos espetáculos do Centro Popular de Cultura da riências radicais de negação do teatro enquanto es-
UN E e do Movimento de Cultura Popular do Recife. petáculo, busca uma nova relação com o público e
Neste penedo registra-se a crise e o fim do troca seu nome para te-ato. . . Boal, a princrplo na
TBC: um projeto ideológico que perde o sentido América Latina, depois na Europa, coerente com
histórico. E ainda tenta, antes do fim, incorporar as seus primeiros compromissos, projeta-se interna-
novas tendências: o TBC chama encenadores bra- cionalmente com a formulação de uma proposta
sileiros, como Flávio Rangel e Antunes Filho, para de trabalho que pretende mesmo superar Brecht,
encenar dramaturgos que se pronunciam frontal- enquanto utilidade polrtlca, e começa por recu-
mente contra a classe burguesa, como Gianfrances- perar estruturas antes usadas por grupos de agita-
co Guarnieri (A Semente) ou Dias Gomes (O Paga- ção e propaganda, integrando-as numa totalidade,
dor de Promessas), Arena e Oficina realizam um que mantém a idéia de agitação, mas recusa tor-
trabalho aparentemente divergente: na verdade se nar-se propaganda de qualquer verdade já pronta,
completam. E, se estudados juntos, revelam a po- que 'é definida como "teatro do oprimido". Talvez
tencialidade criativa e também os limites ideoló- seja possível discordar de alguns aspectos, mas sua
gicos de participação de setores da classe média definição é exemplar: devolver ao povo os meios
empenhados na construção de uma cultura socia- de produção teatral.
lista. Ambos os grupos defendem os mesmos ideais, A quinta fase, do Ato Institucional nC? 5 até
mas diferem na maneira de tratá-los: inclusive, en- 'nossos dias, é marcada pelo dlffcll e exaustivo tra-
quanto o Arena desenvolve essencial mente o tra- balho de resistência cultural./' Confuso e contradi-
balho de dramaturgia, o Oficina volta-se primor- -tório, neces!ério e dilacerante. I Realizado por
dialmente para o trabalho de encenação. Ambos profissionais e não profissionais, uma dramaturgia
cessaram atividades quase ao mesmo tempo, em que, usando a expressão de Guarnieri para definir
conseqüência da repressão policial, depois de terem luas peças, passou a ser um "teatro de ocaslão'L
conseguido manter, entre 1964 e 1968, uma firme Uma encenação que passou a pesquisar mais as for-
resistência. O Arena pára em 1971, após a prisão mas de ludibriar a censura e fazer passar a verdade
de Augusto Boal, que acaba se exilando. O Oficina e a denúncia, em detrimento de um livre desenvol-
também tem José Celso Martinez Correa preso e vimento de seus próprios recursos. Diante da arbi-
em seguida exilado. Mas acaba renascendo em trária censura policial, ergueu-se este teatro tantas
Lisboa, depois em Moçambique, e regressa ao Brasil vezes prejudicado pela necessidade da metáfora,
para reorganizar-se: depois de uma série de expe- da alusão cifrada, da revisão história deliberada-
124 Fernando Peixoto o que é Teatro 125

mente oportunista, das questões sociais tratadas sobrevivência e eficácia artística e econômica. Au·
nos estreitos limites do permissível, de uma pressa mentam os esforços em busca de um teatro vincu-
inimiga da pesquisa criativa. Tempo de silêncio, lado aos bairros e também a sindicatos e associa-
sussurros ou gritos, às vezes impacientes e descon- ções, igrejas e comunidades de base, etc' Surgem,
trolados. . . junto a organizações operárias, espetáculos escri-
. Mas apesar do cerceamento, alguns exemplos tos, produzidos e interpretados pelos próprios tra-
atestam a recusa do silêncio: Um Grito Parado no balhadores. Enfim, um teatro- institucional em cri-
Ar e Ponto de Partida, de Guarnieri; Abajur Li/ás e Se e alternativas que ainda não encontraram
Barre/a, de PI ínio Marcos; Patética, de João Ribeiro viabilidade.
Chaves Neto e O O/timo Carro, de João das Neves; Em todos os estados a mesma procura de um I ,

PapaHighirte e Rasga Coreçõo, de Oduvaldo Vianna movimento sócio-cultural integrado. Basta mencio-
Filho; Gota d'Agua, de Chico- Buarque e Paulo nar o que vem sendo realizado em Manaus, por um
Pontes, etc. grupo amador dirigido por Márcio Souza, escritor
Hoje, mais uma vez, são inúmeros os caminhos e e encenador. Mas paralelamente certos setores da
incertas as perspectívaa 'uma precária liberalização juventude, formadà nos anos de ditadura, parecem,
da censura, nitidamente manipulada pelo poder em sem desonestidade, descrer das possibilidades de
sua tentativa de auto-reforma r-se, faz surgir indícios um trabalho lógico e racional. E são imensas as
de processos mais refinados de limitação à liberda- tentações de cair no voluntarismo e no universo
de de criação: produtores voltados para o lucro, em da gratuidade, da irresponsabilidade ou da pro-
conflito com a pesquisa de novas linguagens ou cura formal abstrata e vazia. Nos últimos anos ti-
contra a formulação de propostas ideológicas mais vemos claras manifestações de uma desencontrada
avançadasI Padrões medíocres de teatro comercial revolta adolescente, em confusos espetáculos que
ditados pela influência poderosa da televisão, que se auto-rotulavam de contracultura.
acabou sedimentando uma linguagem que o teatro Certamente a retomada de uma atividade mais
precisa mas não sabe como recusar. Grupos novos conseqüente e lúcida, útil e participante, a partir
que se forjam porque cresce o desemprego, ou, nos de uma análise cienHfica da realidade que nos
melhores casos, porque possuem projetos incompa- afaste do diletantismo, dependerá bastante dos im-
tíveis com as estruturas profissionais vigentes) Co- previsíveis rumos do processo histórico nacional.
operativas que ainda não encontraram conseqüen- LNo instante em que parecem ressurgir possibi-
te definição de trabalho nem uma forma sólida de Ilidades de reinstauração do processo democrático,
...
126 Fernando Peixoto

é essencial que as forças culturais, ao lado dos tra - BIBLIOGRAFIA


balhadores e dos setores de oposição progressista Araújo, Nelson de, História do Teatro, Fundação Cultural do Estado
e democrática, se organizem e se dediquem, sem da Bahia, Salvador, 1978.
qualquer tipo de rigidez dogmática, através de uma Arist6teles, Arte P06tlca, Difuslo Européia do Livro,S, Paulo, 1959.
Boal, A., Teatro do Oprimido"Civilizaç!o Brasileira, Rio, 1976.
unidade pol ítica paciente e lúcida, à consolidação Técnicas Populares do Teatro Latinoamericano, Hucitec, Sio
e ampliação deste imprescindível espaço demo- Paulo, 1979.
crático. Sem dúvida cabe ao teatro brasileiro, se Brecht, B., Teatro Dialétlco, Civilizaçllo Brasileira, Rio, 1967.
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Olho Vivo, SlIo Paulo, 1978 .

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COLEÇÃO PRIMEIROS PASSOS
Biografia 1 • Soelolllmo Arnaldo Splndal A. Manda. Catanl 36 • Culturo danava 66 • Rock Paulo Chacon
2 • Comunllmo Arnaldo Splndal Populor A. Augu.to Arantes 37 • 69 • Pastoral Joio Batl.ta Llba-
3 • Slndlcolllmo Ricardo C. Antu- FIIOIoflo Calo Prado Jr, 3S • Mi- nlo 70 • Contobllldede Roqua Ja-
Fernando Peixoto naa 4 • C.pltolllmo A. Mendes todo PlUlo Freire C. R. Brandão clntho 71 • Copltol Intornoclonol
Cataol 5· Anarquismo Caio Túlio 39 • Polcologlo Social S. T. Mau- Rabah Banakoucha 72 • Po.ltlvl ..
Costa 6 • Llberdodo Calo Prado rar Lane 40 • Trotoldomo J. Ro- mo João Ribeiro Jr, 73 • Loucura
Nasceu em Porto Alegre, em 1937. Jornalista desde Jr. 7 • Rocllmo J. Rufino dos
Santos 8 • Indúltrlo Culturol Tei-
berto Campos 41 • Islamismo
Jamll A. Haddad 42 • Vlolênela
João A. Frayze-Perelra 74 • Lei.
tura Maria Helena Martins 7S •
1957, trabalhou em diversos órgãos da imprensa brasileira, xeira Coelho 9 • Clnemo J. Cleu- Urbono Regi. da Moral. 43 • Poe- Questlo Palestina Helena Salem
de Bernardet 10 • Teatro· Fernan- 010 Morolnol Glauco Matto.o 44 • 76 • Punk Antonio Blvar 77 • Pr0-
tendo também colaborado em diversas revistas literárias e do Peixoto 11 • Energia Nucl••r Femlnlomo B. M. Alves/J, Pltan- pagando Ideológico Nelson Jahr
políticas. Foi editor de cultura do semanário Opinião e é J. Goldemberg 12 • Utoplo Tei-
xeira Coelho 13 • Ideologlo Ma-
guy 45 . Aotronomlo Rodolpho
Canlato 46 • Arte Jorga Coli 47 •
Garcia 78 • Maglo Joio Rlbalro
Jr. 79 • EduClçlio Flolco Vltor
membr.o do Con:selho de. Redação do jornal Movimento. rllana Chaul 14 • Subdelanvolv~ Comloooel de Fébrlco R. Antu- Marinho da Oliveira 80· Múolco
nasl A. Nogualra 48 • Geografia
Tem dlver~os artigos .pubhc~dos fora do país, em revistas mento H. Gonzalez 15 • Jornall ..
mo Clóvl. Ro••1 t8 • Arqultlturo Ruy Moralra 49 • Dlroltoo do
J. Jota da Moraa. 81 • Homo..
lexuall_ Peter Fry/Eduard
como Conjunto e Verde OlIVO de Havana' Primer Acto de Carla. A. C. Lemoa 17 • Hllt6rlo
Vavy Pachaco Borga. 18 • Oue..
Pe••08 Dalmo de Abreu Dallarl
50 • Fomlllo Oanda Prado 5t . P..
MacRae 82 . Fotografia Cláudio
A. Kubrusly 63 • Politico Nucl..r
Madrid; Travai! Thêatral, Partisans e Po;itiv de Paris II tio Agrirle Jo.é G. da Silva t9 •
Comunldode Ec. de Bele Frei
trlmOnlo Hlot6rlco Carlos A. C.
Lemos 52 • Pllqul.rla Alterna;.
Ricardo Arnt 84 • Medicina AI.
ternativa Alan fndlo Serrano 85 •
Dramma de Turim; Latin American Theatre Review de Kan. Betto 20 • Educoçlo Carla. R. tlva Alan Indla Serrano 53 • L1te- Vlolênclo Nilo Odalla 86 • Polco·
Brandia 2t • Buroeroclo F. C. raturo Marl.a Lajolo .54 • Politico n6U•• Fabio Herrman 87 • Pari..
sas, etc. Já publicou os livros: Brecht - Vida e Obra Prestes Matta 22 • Ditadura. Wolfgang Lao Maar 55 • Esplrl. mentarllmo Ruben Cesar .Kelnert
Maiakovski - . Vida e Obra, Sade - Vida e Obra [Editara Arnaldo Splndel 23 . Dloljtlco
Leandro Kondar 24 • Poder Gé-
tlomo Roqua Jaclntho 56 . Po-
der Leglllotlvo Nelson Saldanha
66 • Amor Setty Mllan 69 • Poo-
1001 Deficientes Joio B. Clntra
Paz e Terra, Rio) e Teatro em Pedaços (Hucitec, São Paulo). rard Labrun 25 • Revoluçlio FIo- 57 • Soelologlo Carla. B. Mar·
tlne 56 • Dlrolto Intamoclonal J.
Rlba. 90 • Daoobedlêncla Civil
Evaldo Vlalra 9t • Unlveroldade
restan Fernandes 26 • Multln.
Ator de cinema e teatro, participou de diversos espetãcu- clonai. Bernardo Kuclnskl 27 • Mcnserrat Filho 59 • Teorlo Ola· Lulz E. W. Wanderlay 92 • Qu_
Morketlng Ralmar Rlcher. 28 • viana Pereira 80 • Folclor. Car- tio do Morodla Lulz C. O. Rlbal-
los encenados pelo Teatro Oficina de SP, onde permaneceu EmpregOl e Solirlol P. R. de Io. Rodrlgua. Brandia 6t • Exl.. ro/Robart M. Pechman 93 • Jazz
de 1963 a 1970, e de vários filmes, entre os quais O Predi- Souza 29 • Intelectualo Horâclo
Gonzalez 30 • R_1m Paulo
tonelolllmo Joio da Panha 62 •
Dlrolto Robarto Lyra Filho 63 •
Roberto Mugglatl 94 • Blbllot8CI
Lulz Mllana.1 95 • Portlclpoçlio
leto de R Palmari, A Queda de Ruy Guerra Fogo Morto de Sandronl 3t . Rellgllo Rubam Poesia Fernando Paixão 64 • C.. Juan E. Dfaz Bordenave 96 • Ca-
Marcos Farias, Doramundo de J. B. de ~drade, Eles não' Alva. 32 • Igrelo P. Evarl.to. Car-
daal Arn. 33 • Reformo AgrArla
pltol Ladl.lau Oowbor 85 • Moi..
Vallo Paulo Sandronl 66 • R..u....
poeiro Almlr da. Areia. 97 • UII\o
bendo Patricia Slrman.
J~ EII Valga 34 • Stollnlomo J.
usam black-tie de Leon Hirszman. Escreveu roteiros de cio Paulo Netto 35 • Imporlallomo
101 Humenoo Flávio de Talado
67 • Comunlcoçlio Juan Draz Bar-
nema com Ruy Guerra e textos para televisão com Maurice
Capovilla e G. Guarnieri. Diretor de teatro, encenou princi-
palmente Frank V de Durrenmatt, Tambores na Noite de ASAIR:
Brecht, Dom Juan de Moliere, Um Grito Parado no Ar e
Alfobetlzoçlo Ana Maria Poppo- zo Educoçlo Amblentol José mento Fomlllor R. Oarcy da 011·
Ponto de Partida de Guarnieri, Mortos sem Sepultura de vic Angústia André Galarsa Ar· M. Almerde Jr. Educoçlo Indlgo- valra Plonolomonto Urbeno Cin-
Sartre, Ca!'Jbar de Chico Buarque e Ruy Guerra, etc. queologla Ulplano B. Menezes
Aotrologlo JUan MOllar Auto-
no Aracl L. Silva Educodor Ru·
bam Alvas EltodOl Unldoo Paulo
dido M. Campo. Politico Culturol
Martin C. Faljó Prevldlnelo So-
Tem ~versas traduções publicadas, principalmente peças nomismo Maurrclo Tragtenberg
Autoritarismo Carlos Estevan
Francis E8tudar Paulo Freire F.
tlche L1l1ana Sagnlnl Flolco Er·
clol Moy.a. Ouadro. Palcologlo
Arno Engelman Polcomotrlcldode
de Górki e Bertolt Brecht. Escreveu a maior parte dos ver. Martins Biologia Warnlck Karr nest Hamburger Fome Ricardo Eduardo Ravagnl Rollgllo Populor
betes de te~tro da E,nciclopédia Mirador Universal, dirigida
Condombli Lenl Myra Slvar.taln Abramovay Goologlo Conrado Rubam C. Farnanda. Rtpr_
C.pltolllmo Monopolloto de E.. Paochoala Goopolltlco Ruy Mo- SexUlI Marllana Chaul Borvlço
tedo J. M. Cardo.o da Mallo ralra Infleçlio J. B. Amaral Filho Soelel Ana Maria E.tavlo SII....
por AntOnIO HouaISS e Otto Maria Carpeaux. Lecionou Carnaval' Roberto da Matta CI. Judolomo Anita Novlnsky L1nguo- elo André Gala..a Slotemo Ro-
te~tro na Escol.a de Artes e Comunicações da USP. No pre. bem'tlco Jocalyn Bannaton C~
dadonlo Sérgio Adorno Clinelo
gem Carla. Vogt Uteroturo Pa-
pulor Jo.ep~ M. Luytan Moçono·
gério Machado Solo Urbono Sér·
glo Souza Lima Toylorlomo
lo. Teatro:a Crise e o Desafio e Teatro no Brasil no Séc.Xx. Rubam Alva. ComunlClçlio Ru· rio Arnaldo Mlndlln MoeIlclno Pa- Eduardo Moralra/Luzla Ragn 10-
ral Juan O. Bordenave Contr. pulor Elda Rlzzo da Ollvalra Mo- levlllo Waltar Salle. Jr. T....
cultura Carlos A. Pereira Corpo teflolco Gerd A. Sornhaln Mu- 10010 Rubem Alva. Te"orlomo
Ana. VarOnlca Mautnar Critico seu Marlene Suano Nacionalida- Sérgio Souza Lima Trobelho Er-
MarIana Billn.ky Curondelrl.. de Guilherme R. Ruben Naclon.. nlldo Stalne Vinho Abalardo

-a mo \Zalla Salblltz Democroclo nomo Talado Machado Popol Oté· Blenco.

•• ••
Ruben Cesar Kelnert Economia via ,Roth Plonolomento Em_
Politico L. G. da Mallo Belluz· oorlol Rogério Machado PloneJ..

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