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Esses capítulos discutem como os modelos científicos podem nos ajudar a

abordar sistemicamente a questão de como as “ficções” podem ser científicas.


A evidência da utilidade de modelos científicos inclui argumentos de o que é
uma estratégia de pesquisa produtiva, significativa para a prática científica e
tem precedente histórico.

A sua forma de ilustrar este ponto logo no capitulo 3 é através do modelo


mecânico do éter a que Maxwell recorreu como ferramenta para facilitar a sua
investigação dos fenómenos eletromagnéticos, modelo que ele próprio sabia
que não poderia ter uma ligação direta com a natureza, mas que era muito
mais fácil de pesquisar. O importante - de acordo com Morrison - não é que
Maxwell pudesse ter derivado suas equações de um modelo falso, mas que as
restrições em jogo em seu modelo mecânico provinham das teorias que ele
sabia aplicadas ao caso que estava modelando e não meramente de sua
imaginação. “Qualquer avaliação do papel investigativo desta classe de
modelos deve considerar especificamente quais recursos desempenham um
papel na transmissão de informações”, que apenas neste caso, foi a
capacidade do modelo de representar a função corresponde à corrente de
deslocamento, à qual Maxwell recorre alguns anos depois quando publica sua
equação de onda eletromagnética. Os modelos científicos devem ser
interpretados de forma heurística, ou seja, de forma pessoal, e sempre no seu
contexto particular, tendo o cuidado de os distinguir dos modelos idealizados e
daqueles que recorrem à abstração.

Dando continuidade ao quarto capítulo, no qual pode-se perceber uma defesa


do papel representacional dos modelos científicos, apesar do fato de que uma
teoria filosófica geral dessa capacidade seria tão inviável quanto uma teoria
similar para a representação científica simples. Morrison irá buscar um modelo
para a aplicação da teoria. Qualquer teoria que se propusesse tão sofisticada a
ponto de alcançar algo semelhante não teria a capacidade de nos esclarecer
quando queremos encontrar os prós e contras de um modelo específico.
Novamente, o argumento é que a análise epistêmica sempre depende do
domínio da ação e de seus usos pretendidos. Ora, isso vem acompanhado de
uma aposta na centralidade da representação, a tal ponto que Morrison parece
sugerir que se um modelo não representa – necessariamente com certo grau
de imprecisão – ele não pode ser considerado um modelo em si. Para reafirmar
esse ponto Morrison critica a interpretação de Cartwright (1999) do modelo
BCS de supercondutividade em termos de modelos interpretativos e modelos
representacionais, nos quais Cartwright dá prioridade ao primeiro. Uma
cuidadosa reconstrução dos avanços que levaram ao modelo BCS permite
defender que, embora existam algo como "modelos interpretativos", desde que
façam parte de um referencial teórico, eles só podem cumprir esse papel após
um modelo.

Em "Tirar o melhor proveito" — título do quinto capítulo —, encontramos outro


complemento à discussão sobre a representação, lado a lado com os casos em
que um mesmo fenômeno tem muitos modelos que podem ser incompatíveis
entre si, o que imediatamente nos leva a nos obrigar a nos perguntar sobre a
veracidade com que esses modelos tão diferentes estariam falando do mundo,
para além do sucesso preditivo ou explicativo que eles possam ter por si
mesmos. O debate filosófico gira em torno do perspectivismo proposto por
Ronald Giere para dar conta dessa multiplicidade de perspectivas, enquanto o
debate científico gira em torno de duas circunstâncias em que modelos
diferentes são usados, mas cuja interpretação é muito diferente: fluxos
turbulentos e física nuclear. No primeiro caso estamos diante de um fenômeno
extremamente difícil de tratar, pois as equações de Navier-Strokes são um
tanto complicadas e sem soluções analíticas para a grande maioria dos casos.
Embora o problema seja geralmente superado recorrendo a diferentes
modelos, não estaríamos diante de um caso de incompatibilidade, pois o que
se faz é descrever diferentes seções do fluido em estudo com modelos
separados; cada um representa seções nas quais o fluido não tem as mesmas
propriedades. Como não há mudança fundamental nas suposições sobre a
natureza do que está sendo modelado, poderíamos falar de “modelos
complementares”. É o que não ocorre com os diferentes modelos de núcleo
atômico, que devem ser interpretados como incompatíveis. Por exemplo, um
modelo que tem a capacidade de explicar muitas propriedades dos núcleos
atômicos é o modelo da gota líquida, originalmente desenvolvido por George
Gamow e posteriormente ampliado por Bohr e Wheeler, no qual o núcleo é
interpretado como uma gota de fluido de altíssima densidade nuclear, ou seja,
como um objeto clássico. Isso o deixa como um modelo claramente
incompatível com os modelos que pretendem dar conta do núcleo descrevendo
sua estrutura interna. Para além de um problema de níveis de análise ou
perspectivas, Morrison encontra nesses casos um exemplo claro de um
problema epistêmico que mostra uma tensão na forma como é abordado por
filósofos e cientistas, além de ser aquele em que nenhuma posição filosófica
pode ser resolvida, pois não é um problema interpretativo, mas puramente
científico. O fato de existirem cerca de 30 modelos do átomo com pressupostos
muito diferentes faz com que eles se contradigam e a complexidade do
fenômeno simplesmente não permite que a cromo dinâmica quântica defina
quais são os corretos. Não há nada a ganhar com o perspectivismo, posição
que Morrison descreve como parte da própria atividade científica. Diante
desses modelos incompatíveis, enquanto o problema científico é resolvido, ele
sugere tomar partido de um instrumentalismo. Tudo isso indica que Morrison
subscreve uma espécie de realismo fraco, mas apenas nos casos em que
temos motivos para acreditar que nossos melhores modelos reconstroem o
mesmo mundo.
UERJ – UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DFNAE – Departamento de Física Nuclear e Altas Energias.

Filosofia da Física
Tayan Sequeira

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