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Thiago Nagafuchi1
Irinéa de Lourdes Batista2
RESUMO
“O que é demonstração?” é uma pergunta ampla, que pode ser respondida a partir de
diversas vertentes. Nosso objetivo não é obter uma resposta única, mas sim analisar e
investigar como um olhar histórico para esta pergunta pode contribuir para a Educação
Matemática. Para tal fim, este artigo, que é parte do nosso estudo de mestrado acerca das
demonstrações em matemática, propõe uma síntese de uma reconstrução histórico-
epistemológica que tem por interesse investigar e analisar, sob diversos aspectos, a noção
de demonstração em matemática ao longo dos tempos, partindo de uma análise da origem
da demonstração para chegar aos dias de hoje.
INTRODUÇÃO
-um pólo formal em que a prova matemática é caracterizada por sua forma, como
um texto que respeita algumas regras precisas [...]: uma afirmação é conhecida
como verdadeira, ou é deduzida a partir de precedentes usando-se uma regra de
inferência tomada em um conjunto bem definido de regras;
-um pólo social, ou cultural, no qual a prova matemática é caracterizada como
procedimento de validação usado pelos matemáticos. Então um texto é uma
prova matemática se ele é reconhecido como válido pelos matemáticos.
(ARSAC, 2007, p.27).
Esta polarização foi o principal alvo em nossas buscas pela história da matemática.
Este também é o conceito que foi dos personagens principais na transformação da
matemática em ciência hipotético-dedutiva. E essa é a história que queremos contar.
A ORIGEM
“Qual é a origem da prova?” é uma pergunta que abarca diversas outras questões de
nosso interesse: por que a matemática se transformou em ciência hipotético-dedutiva?
Como e onde ocorreu esta transformação? Quais foram os personagens que
protagonizaram esta transformação? Como entender esse processo transformador?
Algumas respostas são consenso dentre aqueles que pesquisaram ou pesquisam o
tema, Euclides de Alexandria (séc. III a.C.) seria o protagonista e a Grécia seria o palco.
Duas observações devem ser feitas: é notável a ausência de estudos históricos sobre o tema
e, neste trabalho, devido ao interesse pela prova rigorosa, desconsideramos, porém não
desprezamos outros níveis de prova que são anteriores ou paralelos à matemática grega.
Primeiramente, elencamos três hipóteses para a origem da demonstração na Grécia
Antiga:
(a) Uma hipótese tradicional evolucionária, em que segundo Eves, algumas
“experiências com o método demonstrativo foram se consubstanciando e se
impondo, e a feição dedutiva da matemática [...] passou ao primeiro plano. Assim,
a matemática, no sentido moderno da palavra, nasceu nessa atmosfera de
racionalismo” (EVES, 1995, p.94), completando, ainda, que esta tradição começara
com Tales de Mileto (séc. VII a.C.)
(b) Uma hipótese revolucionária internalista, em que a origem da prova entre os gregos
foi uma conseqüência do problema da incomensurabilidade/irracionalidade.
(c) E, finalmente, uma hipótese externalista, que se dá na base da afirmação de que a
“transformação da matemática em ciência hipotético-dedutiva será a ‘aplicação’
das regras do debate argumentativo que governa a vida política na cidade grega.”
(ARSAC, 1987, p.271).
A primeira hipótese versa sobre o surgimento, especificamente, da geometria
demonstrativa e atribui a Tales de Mileto seu precursor no séc. VI a.C. E é a ele que muitos
historiadores atribuem a primeira demonstração, baseados em relatos de Proclus.
As outras hipóteses, a despeito de se considerar a prova como uma conseqüência
natural da ciência, encontra nos problemas da incomensurabilidade/irracionalidade um
mote para a transformação radical desta.
A conclusão de Arsac compatível com as teses internalista e externalista, numa
forma de duas proposições negativas é de que:
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Eves (1995) cita o método da exaustação de Eudoxo e sugere que Arquimedes aplicou o método de forma
elegante, se aproximando do que conhecemos hoje por integração.
A matemática neste período, final do séc. XVII e séc. XVIII estava amalgamada
aos problemas físicos, o que foi essencial para o desenvolvimento tanto do Cálculo quanto
da Análise. Porém, neste período, o Cálculo não tinha uma base sólida e estava sob
constante ataque.
Para Kline,
E foi neste período – no qual também ocorreu a criação das álgebras não
convencionais e da geometria não-euclidiana, que excluía, por exemplo, a propriedade de
auto-evidência dos axiomas – que surgiram as primeiras tentativas de suster um
fundamento firme para a Matemática, em especial a Análise.
Este movimento foi chamado de rigorização ou aritmetização da Análise, que
consistia na axiomatização dos sistemas numéricos. Reis sintetiza o movimento em três
fases distintas:
(i) a primeira proposição é um axioma; (ii) cada uma das outras ou é um axioma
ou é dedutível diretamente das que a precedem na seqüência; (iii) a última
proposição é aquilo que se pretendia demonstrar. (Tarski, 1969, p.75).
O MOVIMENTO AXIOMÁTICO
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A tentativa foi primeiro feita por E. Zernelo (1871 – 1953) e aprimorada por A. Fraenkel (1891 – 1965).
(Domingues, 2002).
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O problema das quatro cores consiste em demonstrar que qualquer mapa, numa superfície plana ou numa
esfera, pode ser colorido sem utilizar mais de quatro cores diferentes. A única exigência, é a de que quaisquer
dois países com uma fronteira comum não tenham a mesma cor. (DAVIS e HERSH apud PONTE et al.,
1997)
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O problema proposto por Fermat há mais de 350 anos atrás, para o qual não há solução para equação x n +
y = zn, para qualquer valor n maior que 2.
n
“Theorems for a price: Tomorrow’s semi-rigorous mathematical culture”, prevendo um
estado de “semi-rigor”, em que os altos preços de provas assistidas por computadores
resultaria em escolhas mais baratas e, por conseguinte, menos completas; o segundo artigo,
de George Andrews, de 1994, intitulado “The death of proof? Semi-rigorous mathematics?
You’ve got to be kidding!”, contra-argumentando a visão de Zeilberger, dizendo que o alto
preço dos algoritmos não significaria que os matemáticos desistiriam da idéia da prova
absoluta, pois ela possibilita o descobrimento matemático e, o autor arremata, tem a sua
beleza.
Uma alegoria interessante é feita por Rav (1999) em seu artigo entitulado “Why do
we prove theorems?”. Ele propõe um exercício mental, supondo a existência de um
programa de computador “oracular” chamado PYTHIAGORA, capaz de responder
qualquer questão matemática à velocidade da luz. O conhecimento matemático sofreria
uma explosão, visto que todo suor e trabalho seriam revertidos no simples ato de escrever o
problema e esperar uma resposta do programa. Bastariam os matemáticos criarem
conjecturas e deixar a PYTHIAGORA responder “verdadeiro” ou “falso”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Edgar Blücher, 1974.
DAVIS, P.; HERSH, R., A Experiência Matemática. Trad. Por João B. Pitombeira. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1985.
DOMINGUES, H. H., A Demonstração ao Longo dos Séculos, Bolema, Ano 15, n° 18:
55-67, 2002.
EVES, H., Introdução à História da Matemática. Trad. Por Hygino H. Domingues.
Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.
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History, Epistemology and Cognition to classroom practice, Rotterdam: Sense Publishers,
2007, p. 3-16.
HOGENDIJK, J.P., Pure Mathematics in Islamic Civilization. In: Grattan-Guinness (ed.)
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Um interessante trabalho é o de Irineu Bicudo que consta no número especial da revista BOLEMA de 2002,
cujos artigos são frutos de um seminário entitulado “Como a demonstração é Considerada em Diversas Áreas
do Conhecimento”, que aconteceu em Rio Claro no ano de 2002.
Companion Encyclopedia of the History and Philosophy of the Mathematical Sciences v.1.
London: Routledge, 1994, p. 70-9.
HORGAN, J., The Death of Proof. Scientific American, 269, n. 4., 1993.
KLINE, M., Mathematical Thought from Anciente to Modern Times. New York, Oxford:
Oxford Univesity Press, 1972.
REIS, F.S., A Tensão entre Rigor e Intuição no Ensino de Cálculo e Análise: a Visão de
Professores-pesquisadores e Autores de Livros Didáticos. Tese de Doutorado. Campinas:
Unicamp, 2001.
TARSKI, A., Truth and Proof, Scientific American, 220: 63-70, 75-77, 1969.