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O Profeta K h a l i l G i b r a n

A O
PRO
KHALIL GIBRAN
LEITURA COMENTADA

 CAPÍTULO 1 – O AMOR
O livro O Profeta apresenta uma linguagem fundamentalmente simbólica, mítica. Aristóteles
tem um livro chamado a arte poética no qual diz que em um mito só existe um personagem
que é você, todos os outros são fatores internos que são projetados fora; A tua cólera, os teus
caprichos, a tua inconstância, que são projetados para que você se veja de fora. Os mitos
estão narrando a história interna do homem e não uma novela com diferentes personagens.
Carl Yung com sua psicologia analítica, costumava falar que a estrutura da tua consciência
onírica, ou seja, os teus sonhos tem uma estrutura bastante parecida com o mito. No sonho,
via de regra, o único personagem é você, são aspectos projetados de fora para que você os
veja, já que dentro você não os enxerga.
Na história de Gibran, só tem um personagem que é Al Mustafá, o profeta, todos os outros
são projeções dele mesmo, e quando as pessoas se dão conta de que vão perde-lo é que de
fato passam a buscar algum conhecimento dele. Aqui percebemos que a consciência se dá por
contraste, nós só valorizamos as coisas quando as perdemos, no contraste entre o ter e o não
ter é que você vê o valor daquilo que tinha; entre o branco e o negro, se o universo inteiro
fosse de uma só cor não seria possível percebe-la. A consciência humana se dá por contraste.
No profeta, sempre há uma relação entre quem pergunta e o teor da pergunta, levando em
consideração que todo mundo é ele e que 12 representa um círculo simbólico, um círculo
zodiacal, é como se ele tivesse passado por toda uma vida e estivesse morrendo, e naquele
momento estivesse sintetizando a sabedoria que ele adquiriu ao longo da vida dele. É um
diálogo interno.
 Capítulo 1 – O amor
Gibran nos apresenta um conceito de amor que difere da alusão do amor romântico com o
qual a maioria de nós está acostumada a associar, e nos mostra um amor que primeiro eleva e
depois desce e provoca um efeito de união entre os homens, o que é em geral o que os
filósofos consideram, que primeiro o homem tem que elevar sua capacidade de amar para
depois criar vínculos com os demais, se ele tem apenas relações horizontais com as pessoas,
estas são muito superficiais e passageiras. Se esta pessoa não se eleva, não tem capacidade de
amar nem a si mesmo verdadeiramente; sentimentos verdadeiros e profundos são muito raros.
Relações verticais são
elevadas e profundas,
verdadeiras

Relações horizontais são


superficiais e fracas
O Profeta K h a l i l G i b r a n

O amor que ele nos mostra não é o do coração vermelho, é um amor elevado, um amor de
união do homem com sua essência, de união do homem com o divino. De fato, ele não nega o
amor romântico, mas aborda o tema com um nível de profundidade muito maior.
Uma sacerdotisa pergunta:
Fala-nos do amor.
E ele ergueu a cabeça e olhou para o povo,
e o silencio caiu sobre eles. E em voz poderosa ele disse:
Se tudo isso acontece dentro dele, em determinado momento da vida precisamos de um
momento de consciência e de reflexão profunda. Imagine se toda a tua personalidade, todas
as tuas vozes se calassem para ouvir esse momento de consciência profunda. A sua mente
para?? Todos nós temos como premissa ou como princípio, uma vida interior mais profunda,
uma capacidade de reflexões mais elevadas sobre o sentido da vida, mas as nossas vozes
interior se calam para que isso aconteça?
Aí quando cai essa gota de reflexão, você não a identifica e as vezes passa a vida toda na
superficialidade. O pensador Sri Ram tem um livro chamado a voz do silencio, ou seja, a voz
do falador silencioso, que é a voz da tua consciência em seu grau mais elevado, mais
humano, mais essencial, tentando falar com você e não consegue ser ouvida porque nada
dentro de você cala a boca.
Quando Al Mustafá vai falar todas as vozes, que na verdade, simbolizam as vozes da tua
personalidade ficam em silencio, a mente fica em silencio, a tua essência aquilo que as
tradições chamam de eu superior vai falar e o resto fica em silencio.
Uma pessoa com esse nível de autocontrole emocional tem um diálogo interno, uma vida
interior, tem profundidade, portanto, pode desenvolver relações profundas. Já é um bom
começo para quem quer amar, porque quem é superficial em relação a si mesmo, não vai
ser profundo em relação a ninguém.

Quando o amor vos chamar,


Segui-o, embora os seus caminhos sejam árduos e íngremes.
O amor é, classicamente, categorizado como a busca daquilo que te falta para ser completo como ser
humano, portanto, amar significa ser cada vez mais humano. Platão tem uma frase muito famosa na
qual ele dizia o seguinte: ‘A melhor coisa que você pode fazer pelas pessoas que ama, é crescer como
ser humano, porque só assim você pode garantir alguma coisa a elas’.
A melhor coisa a se fazer por quem se ama, não é ficar grudado direto, não é dar bens materiais, mas
sim crescer como ser humano, crescer é vertical, é íngreme, é esforço, é árduo e algumas coisas
devem ser deixadas pelo caminho.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Foto pessoa ajudando outra a subir pela montanha


Foto ares e Afrodite
Podemos ver em algumas estátuas o deus da guerra Ares e a deusa do amor Afrodite juntos, mas amor
e guerra andam juntos??? Na prática, dentro de nós é assim que é, é uma guerra para deixarmos coisas
para trás e crescermos para podermos realmente amar. O amor é a derrota de certas debilidades, de
certos defeitos e a conquista de territórios novos, de capacidades de fraternidade, de profundidade,
amor e guerra andam juntos. Você precisa ser vitorioso sobre alguma coisa para se elevar a um novo
patamar de generosidade, de entrega, que o permita amar verdadeiramente, e assim algumas coisas
vão ficando para trás, é um caminho árduo e íngreme.
Gibran nos apresenta um conceito de amor forte, duro, árduo, íngreme que exige muito de você.
E quando as suas asas vos envolverem,
Abraçai-o,
Embora a espada oculta sob as suas asas possa ferir.
Ou seja, o amor vai lapidar você, vai tirar tudo aquilo que sobra e vai te colocar cada vez mais leve, e
quando ele te convidar para este voo ascensional, ele vai exigir que você esteja mais leve para poder
voar junto com ele, então é preciso deixar algumas coisas pelo caminho. É como subir uma montanha
carregando uma mochila bem pesada nas costas, e conforme você vai escalando e se maravilhando
com a visão das coisas de cima, a mochila precisa ir sendo esvaziada para poder subir cada vez mais.
Da mesma forma que esvaziamos a mochila conforme tomamos gosto pela subida, assim é com o
amor que nos eleva e nos deixa mais puros, o amor é exigente e vai cada vez mais te lapidar te
purificar para que você possa voar com ele.
E quando ele falar convosco,
Acreditai nele, embora a sua voz possa
Abalar os vossos sonhos como o vento do norte devasta o jardim.
Ou seja, o amor vai fazer com que vente tudo aquilo que é artificial e está aderido a você, tudo aquilo
que não é você vai ao chão, porque ele quer você e não suas fantasias e suas máscaras. As vezes é
muito duro, você ter que constatar o que você realmente é. Podemos perceber isso na etimologia, na
palavra inteligência, que vem de intelegere, encolher dentre, escolher dentre as coisas que não são
aquilo que é, e sobretudo, escolher dentre aquilo que você não é, quem realmente é você, achar-se no
meio de todas as máscaras. Encontrar você mesmo, o amor vai exigir isso e é duro porque estamos
muito identificados com fantasias.
O amor exige que você queira se ver, saiba quem você é, e a partir disso possa construir quem você
quer ser. Eu quero ser uma pessoa que realmente ama. A tradição budista diz que uma gota do
verdadeiro amor justifica uma existência humana. É um laço tão profundo entre os seres humanos que
é como se fosse a recuperação da unidade da multiplicidade, a maior parte das coisas que nós temos
são emoções, são laços muito tênues. O próprio Platão fala sobre isso, ou é eterno ou não é amor; ata
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laços muito profundos e isso é muito exigente, e precisamos saber onde estamos e onde queremos
chegar.
O amor venta para que caiam as suas máscaras e você saiba onde está.
Pois mesmo quando o amor vos coroa,
Ele vos crucifica.
Mesmo sendo para o vosso crescimento,
Ele também vos poda.
Ele vos coroa, ele vos eleva ao ponto mais alto que a sua consciência já atingiu, faz você amar mais
profundo, mais amplo e mais verdadeiramente. Mas ele vos crucifica, porque nós estamos
acostumados com uma dimensão horizontal, que se diz que é a limitação, a escravidão dos
sentimentos, na verdade, não são nem sentimentos, é um jogo de interesses em que há a espera de
receber algo em troca. O verdadeiro amor é vertical, ele é de mão única e não espera nada em troca a
não ser o bem do ser amado e ele só acrescenta na nossa vida.
Então é o vertical que contrabalança o horizontal

Ele também vos poda, porque tudo que fica embaixo, tudo que é superficial ele vai cortando e
deixando para trás. Nas vinícolas da Europa, para se fazer um vinho de excelente qualidade, eles
cortam todos os galho inferiores das videiras e deixam apenas um no topo da planta, de maneira tal
que toda a potência da planta fica concentrado naquela fruta, e nessa viagem que a seiva faz de baixo
para cima, ela vai se depurando e assim podemos obter o melhor fruto, pois toda a potência da fruta se
concentra naquilo que ela tem de mais elevado, e este é o principal diferencial dos que não querem
desperdiçar as uvas dos galhos inferiores, não alcançam o ápice.
Dessa forma, podemos fazer um paralelo com o amor, que também faz o mesmo pelo ser humano, ele
corta tudo que é inferior para que você eleve a sua energia para aquilo que você tem de melhor, para
aquilo que você tem de mais nobre e partir daí pode voltar e irradiar sobre os homens com relações
mais profundas.
Você pode amar através de um ser humano, mas se este amor for verdadeiro ele não vai aceitar limites
e, se eu amo legitimamente esta pessoa, eu vou amar mais a humanidade e a vida como um todo. Ele
vai se espalhar, ele não vai aceitar limites; se ele fica limitado se torna egoísta, portanto, não é
legítimo e não é verdadeiro. Então ele vai te podando e te eleva ao que você tem de melhor tirando
tudo que não é bom.
Pelas vossas obras, vos conhecereis.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Mesmo quando ele sobe até vós e acaricia os vossos mais ternos ramos, que tremem ao sol, ele
também desce até vossas raízes e abala a vossa ligação com a terra.

FOTO ARVORE
Na árvore, a vida a está puxando ela pra cima e as raízes a estão prendendo no chão. Uma guerra
interna, o amor gera essa guerra no homem, porque o amor fica puxando ele pra cima e as raízes o
puxam para o chão, o amor vai questionar essas raízes, as suas bases, ele não vai te aceitar na viagem
dele se você tem posturas eminentemente egoístas e não está disposto a questioná-las.
Se você busca apenas uma realização pessoal e não ser fator de soma na vida do outro, ele não vai
aceitar esse tipo de raiz, ele vai questionar as tuas fundações. Ele exige que o homem se reconstrua
nas suas bases, não é fácil amar, é preciso uma base moral, de maturidade, muito humana e sólida. Ele
vai questionar as tuas bases, ou seja, a postura que você tem diante de si
mesmo, da vida, diante dos demais, os princípios que baseiam a tua vida. O amor exige que você
reconstrua a si próprio em outras bases. É quase como um renascimento em outra base, em outro
patamar, como uma escada.

Vai questionar as tuas raízes, abalar a tua ligação.


Como feixes de trigo, ele vos junta a si próprio.
Ele vos ceifa, para desnudar-vos, ele vos peneira, para vos libertar das impurezas.
Ele vos moi até ficardes brancos. Ele vos amassa até vos tornardes moldáveis, e depois, entrega-
vos ao seu fogo sagrado, para que vos torneis pão sagrado para a sagrada festa de Deus.
Como feixes de trigo ele vos junta, a primeira coisa que o amor exige é unidade, é a superação daquilo
que a tradição tibetana chama de heresia da seperatividade, que é o egoísmo em bom português, é
acharmos que a realização é sobre os outros e não junto. É não buscarmos a unidade como finalidade
de vida, a primeira coisa que ele vai fazer é juntar você a ele, juntar você ao divino, porque o amor é
divino, fazer com que você descubra o sentimento de unidade.
Depois vos ceifa para desnudar-vos, vai tirar todas as tuas cascas, todas as suas máscaras, vai deixar
você puro. Vos peneira para libertar das impurezas, vai tirar tudo que não é você, cada vez mais puro ,
mais desnudo, ou seja, você é retirado de todas as impurezas.
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Vos amassa até vos tornardes moldáveis, vai exigir de você uma flexibilidade para se reconstruir em
outra forma, não ter apego aquela forma, apego aos nossos hábitos, aos nossos vícios com a forma de
lidar com a vida, estar disposto a reconstruir a si próprio e ser arquiteto do seu próprio destino.
Ele exige que você se desidentifique com essas cascas que hoje você vê no espelho, você não é isso,
você é aquele destino ao qual você almeja ver lá no horizonte.
Tem uma passagem no livro dos mortos egípcio, ‘Oh, discípulo, teu nome interno está no horizonte’,
significa que teu nome interno, está lá na tua meta, lá no alto, aquilo é você, isso é o que você está não
é o que você é, as tuas metas, os teus sonhos mais ousados, mais nobres isso é você. E evoluir é
procurar crescer nessa direção e ir tirando as cascas. Então o amor demanda que você seja moldável e
esteja disposto a se reconstruir. Não se considere como um produto acabado ou como um ser fixo,
esteja disposto ao trabalho de construir a si próprio. A grande obra do homem é a construção do
próprio homem.
Para que vos torneis pão sagrado. Sagrado significa a função de dar sentido, quando cada coisa
encontra a sua identidade dentro do todo, encaixa-se em um quebra-cabeça da vida, é como se fosse a
grande festa de Deus, porque cada coisa faz o papel que lhe corresponde. As plantas quando
florescem na primavera são sagradas, fazem exatamente o que a natureza espera de uma planta; um
homem quando se torna humano é sagrado e é tão belo quanto uma flor que desabrocha na primavera,
porque é um ser que encontrou o seu lugar dentro da festa sagrada de Deus.
Encontrou a sua identidade, tudo se harmoniza.
Todas essas coisas vos fará o amor até que conheçais os segredos do vosso coração e, com esse
conhecimento, vos torneis um fragmento do coração da vida.
O amor te eleva ao seu máximo potencial como ser humano, puro sem máscaras, para desempenhar o
seu papel que é ser humano e depois voltar para o plano inferior e irradiar tudo que aprendeu e nessa
volta não há espaço para egoísmo, violência, em suma, não há espaço para impurezas.
Mas se por medo, procurardes só a paz do amor e o prazer do amor, então é melhor que oculteis
a vossa nudez e vos afasteis do amor, para um mundo sem estações, onde rireis, mas não com
todo o vosso riso, e chorareis, mas não com todas as vossas lágrimas.
Se você não busca um amor legítimo, verdadeiro. É melhor que você ponha uma máscara e vá viver
meio amor, se você busca o amor como entretenimento e não como aperfeiçoamento, se busca só o
entretenimento, só o prazer, só vai ter meio amor, meia vida, e consequentemente, só vai ser meio ser
humano que recusa o que o amor tem de mais nobre para te dar, podendo ter tanto quer só a casca.
Podendo alçar voo com ele, prefere andar pela terra esburacada e pegar os restos que caem no chão.
Amor não é entretenimento, amor é aperfeiçoamento, embora ele também traga prazer. Mas isso não é
o eixo, o amor tem como propósito a construção do seu coração, a sua construção como ser humano.
o amor só se dá a si e não tira nada senão de si. O amor não possui nem é possuído, pois o amor
é suficiente ao amor.
O amor é vertical, basta a si mesmo e só precisa do bem do ser amado, ele só precisa da certeza que
está amando, ele não precisa de contrapartida, senão vira um investimento impregnado de egoísmo,
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ele se realiza em si mesmo, se realiza em amar, jorrar em se oferecer. Eu abri a porta, quantos
passarão por ela depende de cada um. Me realizo em amar, em doar, se basta e se completa em si
mesmo.
Quando amardes não deveis dizer Deus está no meu coração, mas antes eu estou no coração de
Deus.
E não penseis que podeis alterar o rumo do amor, pois o amor, se vos achar dignos, dirigirá o
vosso curso.
Platão diz que a linha divisória do amor é quando eu paro de olhar para as coisas e pensar para que
isso me serve? E passo a pensar em como eu posso servir a isso?
Deus está no centro e nós o servimos, o centro é a lei do universo, é a justiça é o bem e você se coloca
a serviço disso, senão você está contaminado pelo egoísmo e não vai ser verdadeiro amor, vai ser
utilitarismo, carência, interesse, enfim, tudo menos amor.
...alterar o rumo...
Tem um pensador romano chamado Cícero, que diz o seguinte: ‘Se amas e te tornas mais altruísta,
mais nobre, mais bondoso, mais voltado sobre a dor da humanidade, realmente amas, se amas e te
tornas mais egoísta, mais isolado, mais voltado aos teus interesses não amas e nem ama a ninguém
que assim o faça’. O amor tem uma única direção e esta não pode ser alterada. A direção é pra cima,
crescer, evoluir, atingir seu máximo potencial como ser humano e desempenhar o papel que a
natureza espera de nós.
Pelas vossas obras vos conhecereis, se fazemos isso em relação ao material, porque não podemos em
relação aos sentimentos? O teu amor me dá asas e se as está cortando cuidado porque não é amor.
O amor não tem outro desejo que o de se preencher a si próprio. Mas se amardes e precisais ter
desejos, que sejam esses os vossos desejos:
O amor não tem outro desejo que não preencher aquela parte que falta para ser amor verdadeiro,
preencher aquela parte que falta para você ser um ser humano de verdade, pro teu coração ser um
coração humano de verdade, ou seja, sacralizar sua vida e fazer com que você ocupe o seu lugar no
universo. Ele não deseja nada fora. Tudo que ele quer está nele mesmo e tudo mais nos será dado por
acréscimo.
Porém ele vai sugerir alguns desejos se preciso for.
Fundir-se e ser como um regato que corre e canta a sua melodia para a noite. Conhecer a dor do
carinho demasiado.
Ser ferido pela vossa própria compreensão do amor, e sangrar por vossa própria vontade, com
alegria.
Os rios e os regatos correm todos para o mar, todos os seres diferenciados correm para a unidade,
como a gora d’água que corre para o oceano. Ela corre com toda a boa vontade mas não visualiza
ainda o destino final, há um mistério, ela não sabe bem para onde está indo mas sabe que está indo na
direção certa, a noite representa a ideia de mistério. Eu corro em direção a unidade. A maior
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felicidade dos seres está em serem aquilo para o qual foram criados, ou seja, felicidade tem a ver com
identidade, os riachos são felizes correndo para o mar e os homens para a sabedoria, valores, virtudes.
O coração, que é o espaço que destinamos para o amor é como se ele precisasse crescer e se ampliar e
isso dói mas seria um sangrar com alegria. Com laços cada vez mais verdadeiros e profundos que
unem os seres recuperando a unidade na multiplicidade.
Acordar ao amanhecer, com um coração alado e dar graças por mais um dia de amor,
descansar ao meio-dia e meditar sobre o êxtase do amor.
Regressar a casa a noite com gratidão, e depois, adormecer com uma prece ao bem amado em
vosso coração e um cântico de louvor em vossos lábios.
Todos os seus momento do dia, acordar, meio-dia,...iluminados pela ideia do amor, é a sacralização da
vida, a sacralização do tempo, sagrado é a função de dar sentido. Um amor verdadeiramente humano.

 Capítulo 2 – O casamento
Esse diálogo que acontece dentro do profeta, na verdade, está simulando o diálogo que acontece
dentro do homem, é o centro da consciência humana quando o homem completa um ciclo de vida.
Dialogando com todos os acontecimentos da sua vida, com todos os seus pequenos ‘eu’, como se
fosse um balanço de final de vida que o ser humano deveria fazer.
Muitas tradições falam a respeito do casamento e Gibran vai, claramente, se aproveitar delas,
como podemos ver em algumas insinuações no texto. Ele se inspira muito tanto em filosofia grega
quanto em simbolismo oriental.
A etimologia da palavra casamento, casal que vem do latim casalis, que significa lugar onde você
constrói uma casa. Esposo vem de espondere que significa consagrar, ou seja, ligr através do
sagrado.
Em certas tradições religiosas quando iam fazer o cerimonial, separavam um espaço, as vezes até
com velas e faziam a cerimonia lá dentro, é uma ideia muito antiga, você delimitar um espaço,
iluminá-lo e começar por ali e depois você vai estendendo esse espaço iluminado. É como se
colocássemos um farol no meio do oceano a noite, você ilumina aquele espaço e depois vai
iluminando tudo a partir dali. Ou seja, eu crio um espaço ideal de convivência com esse ser
humano que está diante de mim, onde vou me relacionar com ele num alto nível, e a partir do
momento que eu me relacionar dessa maneira com essa pessoa, eu aprendo a lidar com os seres
humanos e eu posso estender isso para toda a humanidade.
Daí essa ideia de espondere de se delimitar um espaço de consagração, começar a partir dessa
união profunda de tal maneira a estender isso para outros seres humanos. Em suma, a ideia de
casamento era pra ser um experimento de como ter uma boa relação com um ser humano e a partir
daí começar a estender.
Então Almitra falou novamente e disse:
E que nos dizes do matrimonio mestre?
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E ele respondeu dizendo:


Vós nascerdes juntos, e juntos permanecereis para todo o sempre.
Esta é a mesma ideia que podemos ver na frase bíblica, que é tão erroneamente interpretada, ‘o
que Deus uniu, o homem não separará’, nós pensamos ser uma ordem, mas na verdade é uma
constatação, se está unido no plano divino o homem não vai conseguir separar. É uma constatação
e não uma ordem.
Platão fala em Almas Gêmeas, que o homem tem 3 m
undos e que tem a possibilidade do homem se unir a outro ser humano a partir de qualquer um
desses mundo.

nous nous

psique psique

soma soma

A tradição grega fala de nous, que é algo muito elevado que temos dentro de nós, nossos princípios,
nossos valores, a parte mais espiritual, a nossa essência. Psique e soma seria a parte física, densa, só
por instinto, e a parte psíquica. Porém, são ligações superficiais, que quando perdem o frescor do
início se esgota muito rápido e se esvai.
Kant que é um pensamos muito mais tardio, do grande racionalismo clássico, vai dizer que usar outro
ser humano como meio é uma das coisas mais imorais que existe. Meio para a tua satisfação, para o
teu prazer, a moralidade sempre consiste em ter o outro como fim e nunca como meio. Então quando
o amor é meramente físico você está usando o outro como meio.
E ao subirmos um pouco mais estabelecemos um amor psíquico, que é a união através de afinidades
psicológicas, eu gosto, eu não gosto. Mas essas afinidades vão mudando no decorrer da vida.
E as uniões do ponto de vista espiritual, em torno de valores, de virtudes, de sabedoria, de elementos
que são eternos, de justiça, de fraternidade, de bondade são as verdadeiras e mais fortes relações.
Então a ideia da frase o que Deus uniu o homem não separará, quer dizer que quando estamos unidos
pelo divino essa união supera até a morte do corpo físico, como Platão dizia, ‘ou é eterno ou não é
amor.’
Juntos estareis quando as brancas asas da morte dissiparem vossos dias.
Sim, juntos estareis até na memória silenciosa de Deus.
Mas que haja espaço na vossa junção.
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E que os ventos do céu dancem entre vós.


O objetivo almejado deve ser o mesmo, mas que cada um faça a sua própria caminhada, cada um faça
a sua parte; o outro pode caminhar junto com você, mas não pode fazer por você a sua parte.
Amai-vos um ao outro, mas não fazei do amor um grilhão.
Que haja antes um mar ondulante entre as praias de vossas almas.
É como se cada ser humano fosse uma gota d’água, uma frase clássica da filosofia oriental fala: “uma
gota d’água buscando o oceano”, buscando a unidade, você pode ajudar outra gota d’água a caminhar
junto com você e juntos encontrarem o caminho, mas não pensem que podem fundir 2 gotas d’água e
abrir mão do oceano.
Enchei a taça um do outro, mas não bebais na mesma taça.
Dei de vosso pão ao outro, mas não comais do mesmo pedaço.
É algo clássico colocar o pão como parte de celebrações religiosas, o vinho pela presença do álcool,
do fogo e o pão representando o pão da vida. Ambos a comida e a bebida da alma, o alimento da
alma, podemos saborear o alimento da alma juntos, mas não do mesmo pedaço.
Conta-se que em uma ocasião perguntaram a Sócrates: “se você é tão bom filósofo e hábil com as
palavras, se eu amarrar uma pessoa em uma cadeira e você falar para ela durante uma hora, ao final da
hora ela será uma amante da filosofia? Sócrates respondeu, minha mãe era uma excelente parteira, só
que tem uma coisa que ela jamais seria capaz de fazer, que era dar a luz a uma mulher que não
estivesse grávida.” Se o outro não busca a sabedoria, não é bebendo da minha taça que ele vai
encontra-la.
Ou ambos tem essa capacidade de sintetizar e compartilhar o pão da vida e saborear juntos ou não vão
poder se ajudar. Não é possível essa invasão de privacidade, onde os dois acham que vão viver uma
única vida, é possível que os 2 almejem o céu, os dois almejem a própria alma, que se realizem não
um na vida do outro mas na sua própria vida e se incentivem mutuamente.
Cantai e dançai juntos e sede alegres, mas deixai cada um de vós estar sozinho, assim como as
cordas da lira são separadas e, no entanto, vibram na mesma harmonia.
Na orquestra se cada instrumentalista ficasse grudado ao outro, não haveria harmonia, cada um
precisa do seu espaço, sinfonos significa sons harmonizados, que cante, ou seja, que seja alegre, mas
que eu não atrapalhe o passo do outro, que eu não faça o outro perder o ritmo, mas que eu contribua
com ele e o deixe desempenhar sua dança.
Sri Ram dizia o seguinte, que a vida é como se fosse uma dança, onde você foi convidado por um ser
que é Deus para fazer com você uma grande dança, e você tem que pegar o passo; quando ele
retrocede você avança, você tem que entrar em sintonia com Deus através de suas múltiplas
apresentações e entrar em harmonia com ele. Um deve inspirar o outro e não atrapalhar a dança do
companheiro.
Dai vossos corações, mas não os confieis a guarda um do outro, pois somente a mão da vida
pode conter vossos corações.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

É preciso ter um certo grau de privacidade, isto não significa dizer, que devam haver segredos ocultos.
Mas sim um certo nível de vida interior, o que Platão chamava de divinos ócios, uma reflexão interior,
porque quem não tem vida interior não tem nada para compartilhar na vida exterior, eu mergulho
dentro de mim, tenho diálogos profundos com minha alma.
Só a mão da vida pode conter vossos corações, tem um determinado momento que é só você com
você, e depois você sai para compartilhar.
E vivei juntos, mas não vos aconchegueis em demasia, pois as colunas do templo erguem-se
separadamente, e o carvalho e o cipreste não cresce a sombra um do outro.
Os dois precisam crescer igualmente, um se torna maior porque está na vida do outro, crescem em
conjunto. Não abra mão da sua identidade, porque se você não tem a si próprio em profundidade, não
poderá ter a ninguém. Se eu não tenho a mim mesmo como terei o outro?

 Capítulo 3 – Os Filhos
Quando o profeta fala, tudo silencia, é um homem que conseguiu calar suas vozes internas para ouvir a
sua voz superior. A princípio, ele vai abordar os filhos físicos e, com o passar do tempo ele nota que há
outras formas de conceber filhos, e que a tarefa de ter filhos não se resume a tarefa de dar a luz a um
corpo porque isso não seria propriamente humano, a tarefa não termina aí.
Porque se assim fosse, os animais também fazem e o ser humano com todas as suas possibilidades que
tem, precisa dar mais do que luz do que simplesmente essa, e é aí que começa propriamente a tarefa de
ter filhos, que é formar seres humanos. E é disso que Gibran se propõe a falar, é complexo, é amplo.
Essa nossa necessidade que é dar a luz, não se limita simplesmente em trazer a luz corpos físicos.
E uma mulher, que segurava um bebê no colo, disse: Fala-nos dos filhos!
Quando uma mulher carrega um bebê no colo, ou no ventre, é muito difícil para ela não identificar
aquele indivíduo como seu, mas que veio ao mundo através dela, mas que não é dela. Porque, na
verdade, e posteriormente ele reitera isso, nem o nosso corpo nos pertence. Nós viemos ao mundo
através do corpo físico, mas ele pode ser tirado de nós a qualquer momento. Nada que é realmente teu
pode ser tirado de ti, se pode ser tirado de ti não era realmente teu.
Nós precisamos ter a compreensão de que viemos ao mundo através do corpo, porque senão geramos
um medo, um apego, uma carência em relação ao nosso corpo e transferimos isso para o corpo da
criança, como se ela fosse uma continuação de nós mesmos.
Platão fala sobre isso, quando aborda os filhos no diálogo a República, ele diz o seguinte: que o
verdadeiro amor não pode ser uma linha horizontal, de troca (eu dou algo esperando algo em troca), o
verdadeiro amor é sempre vertical (eu dou pelo simples desejo de ver o bem do ser amado), o amor se
realiza em si mesmo, não espera nada como contrapartida. E continua falando que dentro da sociedade,
em geral, dos amores medianos que nós conhecemos, o que mais se aproxima disso, quando é sadio, é
justamente o amor que os pais tem pelos filhos.
Mas, algumas vezes, até isso se descaracteriza, quando é contaminado pelo egoísmo. (eu fiz isso por
você!), dessa forma o sentimento é horizontalizado. Quando não temos essa relação com o nosso
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próprio corpo, que é saber que temos uma essência dentro do corpo que veio ao mundo através disso,
mas que não somos isso. Teremos um sentimento de posse em relação aos filhos. E aí gera toda uma
carência e uma dependência e cobrança. O egoísmo gera egoísmo.
E ele disse:
Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e filhas do desejo da vida por si mesma.
A essência da vida deseja se perpetuar e existem diferentes níveis de vida, a vida vibra em nossos
pensamentos e em nossas emoções, em nosso corpo. Mas dentro do plano material só tem um jeito da
vida se perpetuar, de alcançar a eternidade, que é substituindo os corpos de geração em geração. Mas se
o ser humano se limita ao plano material vai se sentir frustrado, porque essa continuidade é com outro
ser, não é mais a vez dele e é preciso encontrar essa perpetuação em planos mais sutis.
A consciência humana busca a individualidade se perpetuando sendo ela mesma, portanto, temos que
buscar a eternidade em planos mais elevados, caso contrário, nos sentiremos donos de nossos filhos.
Precisamos encontrar uma forma de perpetuar a nossa individualidade, nós mesmos, uma essência
imortal que perpetua a si mesma através de algum grau de espiritualidade.
Quando a vida nos pressiona por todos os lados a saída é para cima, não porque ela trama contra você,
mas sim porque deseja lhe ver em outro patamar.
Eles vem através de vós, mas não de vós. E, apesar de estarem convosco, não pertencem a vós.
A essência imortal do homem vem através do corpo físico, e se não temos contato algum com essa
essência, nos identificamos somente com o corpo físico.
Podeis dar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque elestem seus próprios
pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas, pois suas almas vivem na casa do
amanhã, a qual vós não podeis visitar nem mesmo em sonhos.
O máximo que podemos fazer por nossos filhos, é plantar a semente, mas talvez não venhamos a vê-las
frutificar. Significa não ter apego ao resultado final, mas sim em se preocupar em dar o melhor de si
naquele momento; esse egoísmo de querer ver o resultado precipitadamente, as vezes, gera reações não
muito saudáveis.
É preciso saber respeitar a velocidade em que as sementes amadurecem neles e saber que talvez não
consigamos ver o resultado de nosso trabalho, mas tendo a plena consciência de que ali coloquei as
melhores sementes possíveis. Ou seja, desenvolver discernimento para que eu saiba escolher dentro de
mim mesma, dentro da minha vida a boa semente, para que eu tenha o que oferecer.
O professor Jorge Angelis Braga costumava falar, que ‘que ninguém possa dizer de vós, que eu passei
por eles e não me deram nada’, ou seja, que nós procuremos gerar boas sementes para dar aos filhos, e
para tal, precisamos mergulhar dentro de nós e buscar em nós a boa semente. O que você pode oferecer
para alguém se não teve um estágio de mergulhar em si próprio e escolher o bom grão? É preciso ter a
paciência para que ele germine na velocidade dele, e não na que a sua ansiedade dita, sem vida interior
não há como distribuir vida a nossa volta.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Podeis esforçar-vos em ser como eles, mas não tentai faze-los como vós, pois a vida não volta para
trás, nem permanece no dia de ontem.
Todo homem superficial só se apega a forma, porque ele não tem mais nada de conteúdo. Se eu tenho
conteúdo apareça a forma que vier, eu sei como adaptá-lo, a pessoa que só tem uma forma mecanizada
não vai aceitar mudança e vai querer impor essa forma a seus filhos, não importa que ela esteja
ultrapassada.
Imaginem que você tem um carro muito bom, com um excelente motor. Se você anda em uma estrada
perfeitamente asfaltada, você tem uma velocidade X, se você anda em uma estrada esburacada você
terá uma velocidade Y. Você se adapta conforme as condições do terreno, mas o motor é sempre
excelente, você não pode sair correndo loucamente em uma estrada esburacada, isso é estupidez. O
motor é bom mas você roda conforme as condições do terreno, a forma não vai ser idêntica. Não
podemos pensar ‘ah meu carro é bom eu só ando acima de 80, isso é burrice.
Então se eu tenho um bom motor, uma boa essência, vida interior, uma profundidade, eu sei adaptar
isso as necessidades e a linguagem do meu filho, senão eu sou formalista, aquela pessoa rígida que não
pode questionar aquela forma porque ele só tem aquilo, aquela casca.
Se você não tem a essência, daquilo que acredita, só tem uma forma, também não vai ser capaz de
transmitir. Superficialidade não é pedagógica, a profundidade é pedagógica, convence pelo exemplo,
é capaz de responder em qualquer circunstância, é capaz de responder em qualquer circunstância. É
capaz de rodar em qualquer estrada.
Sois os arcos dos quais vossos filhos, como flechas vivas, são arremessados. O Arqueiro vê o alvo
no caminho do infinito, e Ele vos dobra, com o Seu poder, para que Suas flechas possam ir longe
e velozes.
O grande Arqueiro, que é Deus, nos usa como um instrumento, para lançar as Suas flechas que é Sua
vontade em relação ao Seu destino. ‘E Ele vos dobra....’ é algo que tem a habilidade de ser flexível e
de se dobrar à vontade divina, ao darma, a grande lei, tem essa flexibilidade de se adaptar ao que essa
vontade divina necessita dele em cada momento, de tal maneira, que através dele a vontade divina
pode atingir seu objetivo. Ele não é rígido, não é formal, é profundo, ele entende as necessidades da
vida, um dia fomos flechas e nós mesmos fomos até lá realizar a vontade divina, outro dia somos arco,
ou seja, arremessamos outros seres para que atinjam e cumpram essa vontade divina, e um dia nos
identificaremos com o próprio grande Arqueiro, um dia encontraremos Deus dentro de nós e seremos
unos com Ele, e assim podemos perceber que disso se trata a evolução humana.
Um dia sou jovem, vou lá e faço, outro dia eu tenho que ser capaz de formar aqueles que irão lá fazer,
e outro dia encontrarei Deus dentro de mim, esta é a trajetória natural de todos os seres, e aceitar o
que a vida exige de cada um de nós em cada momento, é saber faze-lo, é preparar-se para isso, para
ser capaz de cumprir com o que a natureza espera de cada um de nós em cada momento sabendo para
onde quer ir.
Deixai que o Arqueiro vos curve com alegria. Pois, assim como Ele ama a flecha que voa, Ele
também ama o arco que é estável.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Deixai que possamos ser moldados por este Arqueiro da lei da vida, para que a vida se realize através
de nós, sem abrir mão da nossa essência, mas que possamos ter uma forma para cada contexto, cada
momento, sem rigidez. Rigidez é sintoma de superficialidade.
‘Ama o arco que é estável’. Estável no sentido que permanece no mesmo lugar, percebam que quando
olhamos para a tradição egípcia, temos o símbolo do tao,

Eternidade

Essência/estabilização

Evolução humana
vertical/elevação

Que é a representação do homem sábio, ele diz que você evolui sempre em linha vertical para cima,
buscando a essência humana e, em um determinado momento quando você encontra essa essência
você estabiliza e se torna um homem equilibrado, estável, nobre, sóbrio, quando encontramos essa
estabilidade um dia vamos encontrar a eternidade que é a esfera acima, é a rota da evolução do ser
humano.
Somos flecha, subindo, um dia arcos estáveis e um dia o próprio arqueiro, a eternidade é saber
desempenhar o papel que nos correspondem em cada momento, preparar-nos para aquilo que a vida
vai precisar de nós, o que viemos fazer na vida senão servi-la? Ou seja, a chave para educar é ser, não
há nada melhor para fazer por aqueles que amamos do que crescer como seres humanos.
Aquilo que é inteligentemente flexível, não perde as suas bases, os seus princípios, mas é capaz de
obedecer as circunstancias, adaptar as suas raízes, os seus princípios à direção do vento. Deixais que
possamos ser moldáveis e flexíveis na mão do grande Arqueiro para que a vida se realize através de
nós, sem abrir mão da essência, ajustando a forma para cada contexto, para cada momento sem
rigidez.

 Capítulo 4 – A Generosidade
Então um homem rico disse:
“Fala-nos da dádiva. E ele respondeu: Vós pouco dais quando dais de vossas posses. É quando
dais de vós próprios que realmente dais.”
Aqui Gibran nos mostra que, mesmo uma pessoa rica pode ser generosa e o que o podemos dar aos
outros não se restringe à bens materiais. Muitas das vezes, nós só pensamos em um único tipo de
generosidade que é dar coisas, que é mais fácil. Agora dar de si próprio, se comprometer com algo ou
alguém é muito mais complicado.
O ter não impede o ser.
O dar de bens materiais é apenas a primeira parte da generosidade.
Pois o que são vossas posses senão coisas que guardais por medo de precisardes delas amanhã?
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Aqui trata-se de posses, porém, não apenas posses físicas, um homem que acumula demasiadamente
muito mais do que necessita para uma vida digna, possui um medo, uma insegurança como se de
alguma maneira ele fosse depender disso. Como se fosse precisar, ele polarizou, ele inverteu o sentido
da sua vida, ao invés de generosidade virou necessidade, ampliou suas necessidades além do normal.
Porém, é mais difícil você abrir mão de posses emocionais do que no plano físico.
Há um conto zen que exemplifica isso:
Conta-se que havia um mestre muito sábio num mosteiro de um reino onde o príncipe era muito
generoso, e no reino não havia fome e nem necessidades físicas. E o príncipe sonhava em ser
discípulo desse mestre e sempre ia pedir mas nunca era aceito. Em certa ocasião o príncipe resolveu
fazer uma pergunta para o mestre:
“─Mestre, hoje eu ouvi falar sobre egoísmo e não entendi, você poderia me explicar o que seria o
egoísmo?
Aí nisso o mestre viu uma oportunidade de ensiná-lo e faze-lo entender o porquê dele não ser aceito.
O mestre fez de conta que estava muito irritado, ficou vermelho, colérico, aparentemente, e disse:
“─Mas que burrice! Como você me pergunta uma coisa idiota dessa?”
O príncipe se ofendeu muito, e falou:
“─Espere aí, me respeite, eu sou um príncipe, você pensa que está falando com quem?”
Aí o mestre olhou calmamente e disse:
“─Viu, isso é egoísmo! Você está disposto a entregar das tuas posses, tudo aquilo que você tem. Mas
aquilo que você pensa sobre si, o que as pessoas pensam de você, das honras que você pensa merecer,
você não entrega nada.”
Ou seja, o egoísmo foi transplantado para o plano emocional e lá o mesmo torna-se mais difícil de
vencer, pois é mais difícil de ser visto, pelo fato de ser mais sutil. Quando paramos para pensar: os
grandes homens da história foram grandes porque tiveram muitas coisas ou porque deram muitas
coisas?
Se é preciso ter muitas coisas para ser grande, a grandeza é das coisas e não minha ; os homens foram
grandes pelo tamanho da sua generosidade. A vida sempre vai nos pedir generosidade, primeiro no
plano físico, depois no sentimental e depois no mental, tais como, as nossas convicções os fanatismos,
a falta de visão, até chegar num limite onde você diga não, aí a vida vai respeitar, mas esse será o seu
tamanho, o tamanho da sua generosidade.
Então ele vai abordar desses homens que acumulam em qualquer plano, inseguros achando que vai
lhes faltar.
E amanhã, que trará o amanhã ao cão muito prudente que enterra ossos na areia movediça
enquanto segue os peregrinos para a Cidade Santa?
Aqui Gibran expressa uma ironia fina, sutil. O cão é excessivamente prudente e acha que está
guardando as coisas quando as enterra na areia movediça, sem notar que a mesma vai tragar aquilo
O Profeta K h a l i l G i b r a n

que ele está enterrando e vai sumir com tudo. Do mesmo modo o homem que acumula mais do que
precisa com medo do amanhã não nota que isso não é , de fato, seu. Alguma coisa no mundo material
é realmente nossa? Existe um antigo ditado oriental que diz: “Aquilo que é realmente teu, não pode
ser tirado de ti.”
E o cão seguindo os peregrinos para a cidade santa, representa uma peregrinação religiosa, cuja qual o
cão acompanha porque simplesmente está seguindo a massa, sem nenhuma consciência sagrada, mas
com a preocupação de ir enterrando ossos na areia. Muitos de nós são como este cão e passam pela
vida seguindo regras e ditames sociais sem ao menos entender o porquê, indo com a maioria sem
consciência alguma como um cão que segue uma multidão.
E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade? Não é vosso medo da sede,
quando vosso poço está cheio, a sede insaciável?

Aqui ele passa a ideia de que mesmo um poço cheio não é o suficiente para matar a minha
sede, é preciso armazenar mais água, foi criada uma necessidade que extrapola em muito a
natural. Onde existe muita necessidade há pouca generosidade, pois uma avidez de
proporcionar uma segurança para mim, faz com que eu me torne incessível quanto a
necessidade do outro, e assim não desenvolvemos virtudes e nem fraternidade e acabamos
abrindo mão daquilo de mais valioso que poderíamos acumular, que seriam os valores.

Carl Yung tem uma frase onde diz que “o homem moderno, que fala tanto de economia, é na verdade,
um esbanjador. Esbanja o que é mais precioso, que é o espírito.” Nós só temos essa oportunidade de
desenvolver a generosidade e jogamos fora por coisas materiais que, necessariamente, vamos perder,
que são irreais jogamos fora o real pelo irreal.
O imperador de Roma Marco Aurélio, certa fez foi perguntado, ̶ “Imperador o senhor faz tanta questão
de ser bondoso, generoso, isso é porque depois da morte o senhor quer ter um lugar privilegiado junto
aos deuses? E se não houver depois da morte? E se não houver deuses?”
Então ele dá uma resposta que seria um exercício de lógica, ele respondeu: “̶ Se tiver alguma coisa
depois da morte é bom você ser bom e generoso agora para poder merece-las, e se não tiver nada depois
da morte é bom você ser bom e generoso agora, pois é a única oportunidade que tem.”
Então de qualquer maneira meu caro, aproveite, não desperdice!
E ser é a coisa mais preciosa que podemos fazer como seres humanos.
Há os que dão pouco do muito que possuem, e o fazem para serem elogiados, e seu desejo secreto
desvaloriza suas dádivas.
Aqui ele fala das compensações que a generosidade tem, as vezes muito sutis, mas que necessitamos
delas. Esta é uma das mais evidentes, na bíblia há uma passagem que diz: que a tua mão direita não
saiba o que a esquerda fez. Se necessitamos de um reconhecimento público para as nossas ações,
estamos fazendo propaganda e não generosidade, expondo a nossa pretensa bondade.
E aos que pouco tem, e o dão inteiramente. Estes confiam na vida e na generosidade da vida e
seus cofres nunca se esvaziam.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Há pessoas que tem pouco e doam tudo que tem e pensam: Deus vai me prover, nada vai me faltar. E
mesmo que falte quando se restabelecem, a generosidade não se esvai, pois, a mesma não está ligada a
condicionantes materiais.
E há os que dão com alegria, e essa alegria é sua recompensa. E há os que dão com pena, e essa
pena é seu batismo.
Há as pessoas que dão com alegria sem esperar absolutamente nada do outro, nem mesmo uma reação
positiva, o verdadeiro generoso se satisfaz no ato de doar sem esperar nada em troca nem mesmo um
sorriso. E há aqueles que dão como se estivesse arrancando um pedaço de si, como se fosse um
sacrifício terrível e essa dor vai ajuda-los a crescer, a desapegarem. Quem espera alegria ou quem dar
com tristeza, não está exercendo a verdadeira generosidade.
E há os que dão sem sentir pena nem buscar alegria, e sem pensar na virtude.
Os que dão sem esperar resposta, sem pensar em méritos, eu dou porque sou humano e a vida espera
que eu seja humano e generoso.
Dão como no vale, o mirto espalha sua fragrância no espaço.
Eu dou porque sou humano, e para ser humano eu tenho que gerar os frutos que a natureza espera de
mim, e alguns deles são a justiça, a fraternidade, a generosidade.
Pelas mãos de tais seres Deus fala e, através de seus olhos, ele sorri para o mundo.
Nós estamos no mundo para sermos canais para esse eu divino realizar a vontade de Deus na terra,
teríamos que ser o mais humano possível para não atrapalhar que a obra da natureza se faça através de
nós. E fazemos porque queremos ser humanos e mais nada, o maior prêmio de quem ama é justamente
estar amando, se espera mais alguma coisa não é amor. Do mesmo modo, o maior prêmio de quem doa,
é justamente está doando sem esperar absolutamente nada em troca.
Quando somos fraternos, somos instrumentos da vontade de Deus. Pelas vossas obras vos conhecereis.
É belo dar quando solicitado, é mais belo, porém, dar sem ser solicitado, por haver apenas
compreendido. E para os generosos, procurar quem receba é uma alegria maior ainda que a de
dar.
Não espere que aqueles que recebam de você tenham gratidão, e nem receber algo em troca, pois o
verdadeiro generoso não faz para receber algo em troca, o faz para que o outro cresça como ser humano
e possa beneficiar outros. E devemos agradecer aos céus por ter tido a oportunidade de dar algo a
alguém, pela oportunidade da generosidade em si, pelas pessoas que nos deram a chance de sermos
generosos, sem esperar a gratidão delas, porque senão gera um condicionante.
E existe alguma coisa que possais guardar? Tudo o que possuímos será, um dia, dado. Dai agora,
portanto, para que a época da dádiva seja vossa, e não de vossos herdeiros.
Ele não insinua que seus herdeiros não devam ser generosos, mas sim, que uma vida tem que ter um
ciclo completo, ter o momento do plantio, da colheita e da distribuição daquilo que foi colhido. Se eu
não quero dar, essa oportunidade vai ser somente daqueles que virão no futuro. Dessa forma, na minha
vida não haverá colheitas, e minha vida será, portanto, um ciclo incompleto; na natureza tem um

É justo que queiramos que a geração futura seja generosa, mas, é mais justo ainda que
comecemos dando o exemplo na nossa própria vida e que não abramos mão da oportunidade
de doar.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

momento de plantar, colher e de compartilhar e a minha vida não terá todos os momentos e será um
ciclo incompleto.

Dizeis muitas vezes: eu daria, mas somente a quem merecer. As árvores de vossos pomares não
falam assim, nem os rebanhos de vossos pastos, dão para continuar a viver, pois reter é perecer.
Reter a vida dentro de si, faria com que ela morresse, reter a vida é perde-la. A vida segue seu curso
através de nós, a generosidade não é tua, é da vida que usa você como veículo.
Certamente, quem é digno de receber da vida seus dias e suas noites, é digno de receber de vós
tudo o mais. E quem mereceu beber do oceano da vida, merece encher sua taça em vosso
pequeno córrego.
Ou seja, a vida deu para o outro um lugar no mundo, um corpo, pessoas que o amam, isto é, um
oceano. E quem é digno de receber um lugar no mundo, também é digno de merecer nossa
generosidade, de receber o que podemos oferecer, sem que precisemos julgar se este ou aquele é
digno de tal ato.
E que mérito maior haverá do que aquele que reside na coragem e na confiança e, mais ainda,
na caridade de receber?
Não se sinta inseguro ou que não seja merecedor da generosidade do outro, mas sim, se sinta grato de
poder recebe-la em primeiro lugar.
E quem sois vós para que os homens devam expor o seu íntimo e desnudar seu orgulho, a fim de
que possais ver seu mérito despido e seu amor próprio rebaixado?
Para doar, não devemos querer saber da história do outro, dos seus antecedentes, e quem somos nós
para julgar o outro? Para que o outro nos faça tal confissão, que para o mesmo é constrangedora? Não
precisamos buscar méritos em quem recebe, a minha generosidade eu faço porque é isso que me cabe
como ser humano.
Procurai ver, primeiro, se mereceis ser doadores e instrumentos do dom. Pois, na verdade, é a
vida que dá a vida, enquanto vós, que vos julgais doadores, sois simples testemunhas.
Nós estamos testemunhando a vida se fazer através de nós. Sinta-se honrado, a bondade, a
generosidade passou por você, é a vida que dá a vida, é a vida que ama, é a vida que beneficia, nós
somos veículos para que a vida se cumpra.
E vós que recebeis e vós todos recebeis. Não assumais nenhum encargo de gratidão, a fim de não
colocardes um julgo sobre vós e sobre vossos benfeitores. Antes erguei-vos, junto com eles, sobre
as asas feitas de suas dádivas.
Crescimento, evolução humano, é o que a verdadeira generosidade espera, que ao crescer a tua
generosidade transborde para outros. As pessoas que recebem não devem ficar com o pensamento de
O Profeta K h a l i l G i b r a n

retribuir, ou de dívida pendente, mas sim deve encarar a dádiva como uma oportunidade de crescer e
de se erguer como ser humano e assim poder ajudar outras pessoas.
Minha generosidade deu asas a outro ser humano, ajudou ele a se erguer.
Quem é humano gera humanidade, assim como a macieira gera maçã e tomateiro gera tomate. Quem
é humano gera humanidade em si mesmo e em todos ao seu redor.

 Capítulo 5 – Comer e beber


Normalmente, quando pensamos no comer e no beber, nos referimos ao aspecto físico do corpo se
alimentando. Porém, Gibran não vai fazer alusão apenas ao plano físico, pois temos muitas fomes e
muitas sedes, que por vezes, buscamos saciar com coisas e lugares errados por falta de conhecimento
próprio.
Então um velho estalajadeiro disse: Fala-nos do comer e do beber.
Aqui temos uma figura perfeita para este tema, um velho estalajadeiro, um ancião que passou toda a
sua vida alimentando a fome e a sede física das pessoas, e de repente olha para trás e pensa: ‘será que
o que eu fiz foi bom? Será que eu poderia ter dado mais as pessoas do que comida e bebida física?’
Ele necessita ampliar a sua visão do que realmente alimenta o homem.
De que outras fomes e sedes padece o homem? Quando a consciência se aproxima do desenlace da
vida, por contraste a pessoa quer avaliar o que foi feito de sua vida, o que realmente fez diferença.
E ele respondeu: ̶ Pudésseis viver do perfume da terra e, como uma planta, nutrir-vos da luz.
Ou seja, quem dera nós precisássemos apenas de comidas mais sutis. Com Gibran, aqui podemos
aplicar a expressão não dá ponto sem nó. Pudésseis viver apenas do perfume da terra, o perfume é
captado pelo olfato, é ar; e pudésseis viver como uma planta nutrir-vos da luz, a luz é visão. Ou seja,
ele vai relacionar a luz que você capta com a visão ao fogo e o perfume que você capta através do
olfato ao ar. Isso tudo faz referência a outras duas portas que o ser humano tem pelas quais ele recebe
alimento.
Os alquimistas da idade média, relacionavam o nosso corpo físico com o elemento terra, a teoria dos
quaro elementos. Eles diziam que nós temos o corpo energético, que está associado ao elemento água,
o corpo sentimental/emocional, que está associado ao ar, e o corpo/plano mental que está associado ao
fogo/luz.
Então quando ele fala que poderíamos nos alimentar de aromas agradáveis, quer dizer que
poderíamos nos alimentar de sentimentos agradáveis e de luz, ou seja, de pensamentos
luminosos. É como se ele dissesse que não é só o corpo físico que se alimenta, você poderia se
alimentar também de sentimentos elevados no plano emocional e de ideias luminosas no plano
mental, pois nós nos alimentamos nesse plano quer saibamos ou não.

Mas, como não selecionamos os alimentos, as vezes nos alimentamos de maus odores no plano
emocional e de pensamentos obscuros no plano mental. Escolhemos muito bem aquilo com que
vamos alimentar o corpo físico, mas quando se trata do corpo mental e emocional despejamos
O Profeta K h a l i l G i b r a n

qualquer coisa, convivências, mídias, sugestões, etc. deveríamos nos preocupar também com este tipo
de alimentação e torna-la sutil, e isso por sua vez, traria bons resultados para a nossa saúde.
Mas já que deveis matar para comer e roubar do recém-nascido o leite de sua mão para saciar
vossa sede, fazei disso um ato de adoração.
Necessariamente, a vida vai se alimentar de vida. É um processo natural que eu me alimente de vida,
mas que essa vida não seja perdida em vão, que a minha vida aporte mais para a terra, para a
humanidade do que essa vida perdida, porque senão era melhor que ela ficasse e fosse eu. Então ele
vai dizer, faça com respeito com dignidade, quando você sacrifica é porque foi necessário, mas tem
que ter em mente que esse sacrifício precisa valer a pena, precisa ser válido.
E que vossa mesa seja um altar onde os puros e inocentes da floresta e da planície são
sacrificados àquilo que ainda é mais puro e inocente no homem.
O sacrifício da vida é um continuum, mas precisamos estar em harmonia com a natureza, com os seus
protocolos, eu sacrifico inocência em nome de inocência, porque senão era melhor não tê-lo feito.
Precisamos fazer toda essa vida se potencializar em nós e retorná-la com benefícios para a natureza e
não como mais prejuízos. Um preceito básico, porém errado, que todo ser humano tem é que achamos
que apenas nós devemos ser servidos e que a natureza não deve ser servida também, como se os seres
não fizessem mais do que sua obrigação em nos alimentar, como se não tivéssemos uma dívida de
toda essa vida que foi trazida até nós. Precisamos devolver mais vida e em maior qualidade, é a lei da
natureza, a vida se sacrifica por coisas mais elevadas, senão não é válido.
Quando matardes um animal, dizei-lhe de todo vosso coração: ̶ ‘Pelo mesmo poder que te
imola, eu também serei imolado, e eu também servirei de alimento para outros.’
Eu me comprometo, eu não vou viver em vão, para justificar o teu sacrifício; eu vou fazer a diferença
como você está fazendo para mim, você está me dando a vida e eu também vou dar vida. Eu também
serei imolado um dia, mas a minha vida vai somar para gerar mais vida para outros que virão, minha
vida não será perdida. Nossa vida precisa nos fazer crescer e ajudar outros a nossa volta a crescerem
também, deixar exemplo e transformação, ou seja, minha vida precisa gerar vida. Toda vida é assim,
ela se qualifica e se oferece, é o ciclo da vida.
Pois a lei que te entregou às minhas mãos, me entregará a mãos mais poderosas. Teu sangue e
meu sangue nada serão senão seiva que nutre a árvore do céu.
A vida que está entregando você para mim, em determinado momento vai me entregar em mãos
maiores. A árvore da vida, ela é típica em muitas tradições.

Ela tem suas raízes no céu e ramifica na terra. Se pararmos para


pensar: cortamos
os corpos perdem a forma. Quando de onde vem a vida?
o vínculo Elaonão
com vem daasterra,
espiritual, vem
coisas se do céu. E é
decompõem,
do céu que vem a essência de todas as coisas que tem forma no
mundo, tanto que quando os seres morrem os corpos perdem a
forma, quando é tirado o elemento espiritual, essa seiva da vida,
essas raízes
pois a vida vem de cima e não de baixo. Então existe essa ‘terra celeste’ lá em cima, que nós vamos
alimentar com nosso sangue para que ela dê mais frutos no mundo. O meu sangue e o teu sangue vão
O Profeta K h a l i l G i b r a n

servir para irrigar essa terra celeste, e ela vai trazer mais frutos ao mundo, mais virtudes, mais valores,
mais sabedoria. Nossa vida vai ser geradora de vida.
Então todos nós buscaremos usar nossa vida para irrigar a árvore do céu para que os frutos do mundo
sejam, cada vez mais, numerosos, que sejam cada vez mais completos. Que a nossa vida seja um
sacro oficio e não um sacrifício naquele sentido decadente. Mas sim um ofício sagrado, usada para
qualificar o mundo, usada como um tributo aos interesses da natureza e não apenas aos teus interesses
egoístas. Eu me alimento e eu alimento, uma coisa complementa a outra. Eu não vim aqui apenas para
consumir, mas também para oferendar para ser um gerador de vida.
E quando morderdes uma maçã, dizei-lhe no vosso coração: ‘Tuas sementes viverão no meu
corpo, e os brotos de teus amanhãs florescerão no meu coração, e teu perfume será meu hálito.
Juntos, regozijar-nos-emos em todas as estações.’
Eu te privo das sementes, eu te privo de dar frutos, mas fique tranquilo que os meus frutos serão teus
também, embutidos no meus frutos estarão as tuas sementes, na minha vida estará a tua. Você somou
para a minha vida e está na hora de eu somar na vida de outros. Nos meus frutos estarão embutidos os
teus e quando eu frutificar, você estará ali também. E aquilo que eu conquistar também será teu, da
mesma forma que eu estarei no futuro com todas as vidas que nascerão deste sacrifício. Nós estamos
aqui com as sementes de Gibran, com as de Platão e as de tantos outros, eles estão aqui com os frutos,
essa é a verdade, a vida gera vida.
Através de meu sacrifício para que a vida siga seu curso, eu também de certa forma tenho um pedaço
de mim no futuro, aquilo também faz parte de mim.
E, no outono, quando colherdes a uva de vossos vinhedos para o lagar, dizei-lhe, no vosso
coração:
Ou seja, no outono da vida, pois nós iremos dar frutos e irá chegar o momento de extrair a essência
deles. É, na verdade, o que Almustafá está fazendo, é como se ele estivesse apertando as suas uvas
para extrair a essência, o aprendizado, o sumo da vida que ele viveu.
̶ ‘Eu também sou vinhedo, e minha fruta será colhida no lagar e, como um vinho novo, serei
guardado em vasos eternos.’
Se a minha essência vai alimentar vidas futuras, em todas essas vidas que virão haverá algo de meu ,
em todo o ciclo da vida eu estarei eternamente presente e sou capaz de considerar o futuro como meu
filho e me sentir responsável por ele. Se assim não for, estaremos presos ao egoísmo e ao invés de
deixar um rastro de vida, deixaremos um de morte, é preciso que tenhamos a consciência que o que eu
faço hoje influenciará substancialmente o amanhã e assim o futuro também torna-se responsabilidade
minha, pois possui algo de meu. ‘Pelas vossas obras vos conhecereis’, poderíamos dizer pelo seu
rastro, vos conhecereis.
Então no futuro, aqueles que consumirem dessa essência, que seria o resumo de toda uma vida, todo o
esforço para deixar uma essência, uma seiva, e a presenteio generosamente para esses filhos que virão
no futuro. E quando eles se alimentarem dela, eu estarei nessa sua alegria, estarei nessa vida. Ter um
compromisso para com o futuro, da mesma maneira que recebemos tanto do passado.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

E no inverno, quando beberdes o vinho, que haja no vosso coração uma canção para cada taça.
E que haja, na canção, um pensamento para os dias de outono, para o vinhedo e para o lagar.
Quando Gibran fala das estações, tais como outono e inverno, na verdade está se referindo a momento
da vida, momentos de colheita, da maturidade, algo que os alquimistas medievais chamavam de ‘obra
em amarelo’, é a maturidade, e o inverno é o momento interior onde tudo aqui que você recebe, você
colhe dentro de você, seria um momento de recolhimento, de reflexão, como nos fala Platão o
momento do divinus ócios. Trabalhando essas essências que você conquistou, que é exatamente o que
Almustafa está fazendo, é saborear a essência da sua vida, o vinho que ele recolheu dos frutos que
frutificaram no decorrer de sua vida, colhendo tudo que plantou no decorrer de sua jornada.
Quando ele fala de saborear o vinho, na verdade, está falando de vida interior, da maturidade, da vida
interior como resultado dos frutos da vida. Pois a vida externa se esvai, mas a vida interior é eterna,
são as sementes da vida que guardamos em nós para um outro plantio no futuro, é o ciclo da vida.
Aquele que não planta e nem colhe generosamente, não extrai nenhum sumo e sai da vida tão sedento
e faminto de alma quanto chegou, alimenta ao corpo mas não a alma que morre por inanição, porque
não soubemos gerar os frutos que alimentam a nossa alma e nem mesmo gerar outros que
alimentassem as almas do futuro pois não nos sentimos obrigados à isso.
Resumidamente, Gibran não fala e muito menos critica a alimentação física, mas aborda o assunto
em um plano mais elevado, mostrando que o homem preocupa-se em alimentar apenas parte de si
mesmo, como se o homem fosse um estranho para si próprio. Um homem que tem medo de se virar
para dentro e encontrar uma alma faminta e sedenta, e acaba fugindo de si mesmo e faz da vida um
grande entretenimento. Pois a maior solidão não é estar desacompanhado do outro, mas sim de si
mesmo. É não querer confrontar essa alma faminta e sedenta que ele não tem ideia de como alimentar.
Necessariamente, a caminhada humana é sair da ignorância e ir para a sabedoria. Caminhar e ajudar
os demais a caminharem através do próprio exemplo, pois o verdadeiro ensinamento se dá através do
exemplo. E quando ele caminha e passa a ver esse rastro, ele passa a ter uma vida verdadeiramente
humana, começa a fazer a diferença, atendendo aos apelos da alma. O nascimento dessa busca, é o
nascimento da consciência humana, e a partir daí começamos a nos incorporar ao protocolos da vida.
Pois a vida espera que vinhedos deem uvas, as macieiras maçãs, e o homem dê sabedoria e que
saibamos também deixar os nossos frutos pro futuro. Não esqueçamos quem somos, e que não
deixemos que aquilo que temos de mais precioso, que é o espírito, morra de inanição.

 Capítulo 6 – O Trabalho
A maioria das pessoas associa a concepção de trabalho à algo ruim, uma obrigação penosa e tediosa, e
a ânsia da maior parte das pessoas é se aposentar e ficar no ócio. Mas quando ponderamos sobre isso,
notamos que uma vez sem trabalho algum, é que percebemos o quanto o mesmo era importante em
nossa vida como um todo. No contraste entre dois planos se produz a consciência, o som e o silencio,
duas cores, o ócio e o trabalho.
Então um lavrador disse: Fala-nos do trabalho.
Um lavrador, um homem que trabalha a terra, e queria saber o que vem a ser o espírito do trabalho.
E ele respondeu dizendo:
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Gibran vai abordar de uma maneira muito impactante o que diz respeito ao que nós associamos, hoje,
ao trabalho. A origem da palavra trabalho é tripalium, que era um instrumento de tortura no mundo
latino, ou seja, trabalho desde a sua etimologia é associado a algo pesado, ruim, que se não houvesse
uma coerção nos obrigando a fazer, não faríamos. Nos dias atuais, tem-se uma noção de felicidade
ligada ao carpe diem, curta o seu dia e não faça nada.
As pessoas querem trabalhar menos e ganhar mais. O trabalho é tido como uma tortura, e Gibran vai
focar em cima dessa divisão do que é o trabalho e da nossa noção sobre o mesmo.
Vós trabalhais para acompanhar o ritmo da terra, e da alma da terra, pois ser indigente é se
tornar estranho as estações e afastar-se do cortejo da vida.
Tudo no universo vibra, tem energia, toda a vida no corpo é sustentada por ritmos, sejam eles do
coração, do fluxo sanguíneo, da pressão, dentre outros, e cada coisa tem um ritmo que lhe é própria. E
a coisa mais importante para os seres é encontrar o ritmo de vibração que a natureza propôs para eles;
seria o equivalente a encontrar o seu lugar no mundo, o seu propósito. O homem deveria vibrar
gerando valores, virtudes, sabedoria.
E os animais diante dos instintos, os vegetais diante da energia, e quando cada um vibra no seu ritmo
é como uma orquestra onde tudo entra em harmonia.
E quando o homem encontra o seu lugar no universo é bom para ele e é bom para o todo, é o que
Yung chama de sincronicidade, que é o movimento que o universo faz para trazer as ferramentas que
você necessita, pois o teu bem é o bem do todo, estamos em harmonia.
Quando trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em
melodia. Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo quando tudo mais canta em uníssono?
Então é quando a orquestra está toda afinada e você não tem melodia, não tem som, não se harmoniza.
Sri Ham dizia que ‘as coisas que vem para você, não são para ficar com você’, nós somos como um
posto de enriquecimento dos dons da vida, então se a vida te dá coisas não é para você tê-las, mas sim,
para você enriquece-las, colocar o teu potencial e passar adiante, entregar ao fluxo da vida.
As coisas passam por você para serem enriquecidas, ou seja, você trabalha para requintá-las com o teu
potencial e mandar embora para a vida, se você retém os dons da vida, você vai perde-los e eles
perdem o sentido, as coisas passam através de você e saem de você melhor.
Quando enriquecemos os nossos dons da vida, esse vento entra em nossa flauta e sai como melodia,
estamos deixando nossa marca no mundo, somamos, fizemos diferença, não vivemos em vão. Então
os dons da vida entram e você tem que fazer com eles melodia e entregar ao mundo melodia, pois essa
melodia justifica a tua existência. Eu deixei melodia no mundo, eu não existi em vão.
Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição, e o labor, uma desgraça. Mas eu vos digo
que, quando trabalhais, realizais parte do sonho mais longínquo da terra, desempenhando,
assim, uma missão que vos foi designada quando este sonho nasceu.
E apegando-vos ao trabalho, estareis na verdade, amando a vida. E quem ama a vida através do
trabalho, partilha do segredo mais íntimo da vida.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Quando a natureza foi criada, ela foi criada para dar a oportunidade à todos os seres crescerem até
aquele sonho que todos os seres tem; para alcançar a perfeição. A mãe natureza criou tudo como se
tivesse feito todas as pedras para serem diamantes, todos os homens para serem generosos, fraternos,
íntegros, a natureza é idealista. E quando um ser cresce, evolui, este dá exemplo para todos aqueles
que se inspiram nele. Platão costumava dizer que ‘a melhor coisa que podemos fazer por aqueles que
amamos é crescer como ser humano’, pois apenas assim poderemos dar um referencial correto de vida
para eles.
O homem e os seres vivos como um todo vieram para o mundo com um trabalho fundamental: que é a
construção de si mesmos, e se não fizeram isso, não fizeram nada. Se você veio ao mundo sem dar um
passo na direção do seu eu ideal, em suma, a sua vida se resume a nada. Pois esta é a grande tarefa da
criação.
No plano das ideias, a natureza já estabeleceu o que seria esse eu ideal, antes que existisse o primeiro
ser humano, a natureza já havia estabelecido como seria este processo no plano das ideias, como
começaria, como avançaria e como se alcançaria o objetivo de ser um homem ideal, e ela espera de
nós que cumpramos este trajeto. Pois isto existe no plano das ideias desde que o universo foi criado.
Segundo Gibran, é disso que consiste a vida: a construção de si próprio e se você faz isso por si, gera
um exemplo para todos os demais, de que isso é possível, torna-se um referencial. Então aquele que se
apega ao trabalho, na verdade, está amando a vida, essa é a lei da vida, que todos os seres construam a
si próprio e avancem em direção ao seu ideal.
Esta seria a lei da vida, é o que tem de mais íntimo na vida, lembremos do que diz o Velho
Testamento: ‘voltar para a casa do Pai com os braços repletos de frutos’. Ou seja, tudo aquilo que a
nossa consciência recolheu ao longo do caminho, voltar para a unidade.
Mas se, em vossas dores, chamardes o nascimento ‘uma aflição’, e a necessidade de suportar a
carne ‘uma maldição inscrita na vossa fronte’, então eu vos direi que só o suor de vossa fronte
lavará este estigma.
De fato, não é fácil estar no mundo, é complexo imaginarmos que estamos em um corpo e dentro dele
existem energias, emoções, pensamentos, tudo isso vibrando e quando isso desaparece, não
conseguimos explicar; qual o sentido da vida? De onde vem a vida? Também há de se considerar a
dificuldade da matéria que carregamos, é inerte a matéria orgânica que carregamos. E Gibran vai nos
mostrar que existe apenas duas maneiras de superarmos a superficialidade da matéria, irrigando assim
a terra, seria através de nosso suor ou através de nossas lágrimas.
Em resumo, ao invés de ficar lutando eternamente contra a natureza pelas dores da vida, trabalhe para
tornar mais amenas as dores daqueles que vem atrás, trabalhe para construir para você um caminho
mais plano, trabalhe não só por você, mas por quem vem atrás, pense mais como um todo, faça o que
veio fazer, dê o seu recado.
Viemos aqui para isso, para sair da ignorância e chegar a sabedoria, o momento que tomamos
consciência é o momento de começar a caminhar. Viemos para fazer um trabalho fundamental que é a
construção de nós mesmos, e isso é inexorável. Então comecemos agora, no livro dos mortos egípcio
tem uma frase que diz: ‘Oh discípulo, quando levantares, corre’, isto significa que, quando você
O Profeta K h a l i l G i b r a n

despertar, quando tomar consciência do sentido da vida, levanta e corre para ganhar tempo, não perde
tempo à toa, e corre em direção ao ideal.
E quando chegamos a sabedoria, prestamos um serviço à todos os outros seres. Pois não existe um
único problema grande atualmente que não seja fruto da ignorância humana, do egoísmo humano, do
homem não fazer aquilo que lhe corresponde.
Disseram-vos que a vida é escuridão, e, no vosso cansaço, repetes o que os cansados disseram. E
eu vos digo que a vida é realmente escuridão, exceto quando há um impulso.
LIVRO DAS CARTAS DE AMOR DE GIBRAN
Este impulso, esta força que a natureza te dá, quando trabalhada inteligentemente, enriquece os dons
da vida e faz gerar luz, pois a vida sem trabalho, sem propósito é escuridão total.
E todo impulso é cego, exceto quando há saber. E todo saber é vão exceto quando há trabalho. E
todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.
Quando aproveitamos os impulsos, as ferramentas que a natureza nos dá para que possamos evoluir,
para que possamos usá-las de uma maneira boa. Trazemos luz ao mundo, temos saber, trabalho e
amor numa continuidade, pois o trabalho quando é feito necessariamente na direção correta,
desemboca em amor, ele é construtivo, gera mais luz para a humanidade. Se o teu trabalho não gera
luz nem para você e nem para a humanidade, não é trabalho é mecanicidade. Trabalho é amor, a
essência do que vai durar no trabalho é o amor que você empregou nele. Uma construção tem uma
data limite de duração, mas o empenho, o sentimento que eu empreguei naquilo, vai ser eterno. A
essência do que vai durar no trabalho é o amor que você empregou nele.
Conta-se que havia dois construtores da Catedral de Chartrè na França, e alguns monges vieram e
perguntaram ao primeiro construtor: ̶ ‘O que você está fazendo? E ele respondeu: ̶ Estou construindo
um muro para ganhar tantas moedas. E depois eles perguntaram ao segundo construtor: ‘̶ O que você
está fazendo?. Diz-se que ele se detém, contemplou o céu, e disse: ̶ ‘Estou construindo um templo’.
Perceba que o templo está em cada pedra que ele está colocando ali e que não são as mesmas pedras
do primeiro construtor. Está impregnado em todas as coisas o estado de espírito de quem as faz.
Querendo ou não, as pessoas deixam tudo impregnado dos seus pensamentos, das suas emoções.
Podemos deixar impregnado em todas as coisas aquilo que somos como um recado para a
humanidade, como uma herança, e aquele que se dispuser a herdar, a receber esta herança vai começar
de onde paramos, não vai começar do zero.
E o espírito com que fazemos as coisas não constroem simplesmente coisas, pois estas vão acabar,
constroem homens, ajudam a construir homens. Muito daquilo que somos hoje, veio de esforço de
pessoas que vieram antes de nós, embora não tenhamos consciência disso. E recebemos, é como se
tivéssemos uma dívida para com essas pessoas, Platão, Aristóteles, Madre Teresa, Mandela, Martin
Luther King ,Gibran dentre tantos outros, é o trabalho deles que nos ajudou a chegar onde chegamos.
Então todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.
E o que é trabalhar com amor? É tecer o tecido com fios desfiados de vosso próprio coração,
como se vosso bem amado fosse usar este tecido.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Sri Ham, diz que ‘você deve perder o seu coração todos os dias, e passar todo o seu dia procurando o
seu coração e quando você chegar ao final do dia, vai perceber que o seu coração é o coração de todas
as coisas.’
Perder o seu coração e procurar em todos os lugares, significa que, em todos os lugares vai ficar um
pouco do seu coração, significa deixar um pouco de si em todos os lugares, e isto é um trabalho e dá
trabalho, porque se não fica um pouco do seu coração, um pouco de você em todas as coisas, você não
fez nada. Construir ou destruir, com o tempo tudo isso se esvai, vai deixar de ser; mas se deixamos
amor impregnado nas coisas, isto é eterno e nunca vai deixar de ser. O amor está presente nos
mínimos detalhes ou as coisas simplesmente não fluem, o amor deve estar impregnado nas pegadas de
uma pessoa, de maneira tal, que você olha e diz: ‘aqui passou um ser humano.’
É construir uma casa com afeição, como se vosso bem amado fosse habitar esta casa. É semear
as sementes com ternura e recolher a colheita com alegria, como se vosso bem amado fosse
comer seus frutos. E pôr, em todas as coisas que fazeis, um sopro de vossa alma.
Nós temos um compromisso, diz-se que todo ser humano tem isso implícito dentro de si, até o último
dos seres da humanidade deveria caber no meu coração, então o amor que eu deixo impregnado neste
objeto, de alguma maneira, vai chegar à alguém.
Toda a humanidade é sua família e cabe dentro do seu coração, portanto, aonde deixarmos amor seja
quem for que recolha é meu bem amado. É uma oportunidade de fazer com que nosso amor chegue
mais adiante, através de seu trabalho, e se não é isso, não serviu para nada.
Muitas vezes, ouvi-vos dizer, como se estivésseis falando no sono: ‘aquele que trabalha no
mármore e encontra na pedra a forma da sua alma é mais nobre do que aquele que lavra a
terra.’
‘E aquele que agarra o arco-íris e o estende na tela em formas humanas é superior àquele que
confecciona sandálias para os nossos pés.’
Ou seja, um escultor, um pintor é superior ao lavrador e o que faz as sandálias. E ele vai falar, a lei da
necessidade, faz com que seja bom tudo aquilo que torna o ser humano um pouco melhor. Aquilo que
gera justiça, beleza, harmonia, saúde tudo isso obedece a lei da necessidade. Então é um trabalho
válido.
Lei da necessidade: mas se pensarmos, por exemplo, no músico que chega em um teatro para se
apresentar tocando o seu piano, ele precisou da pessoa que fez aquele piano, da pessoa que o carregou
até ali, da que montou aquele palco, da que trouxe luzes; ou só o pianista seria suficiente? O amor está
impregnado em todas as etapas do processo, e o pianista é o que dá o último toque em uma cadeia de
processos que resultou em algo, e a construção de tudo que é necessário ao homem é um ato de
trabalho digno é um ato de amor.
Porém, eu vos digo, não no sono, mas no pleno despertar do meio-dia, que o vento não fala com
maior doçura aos carvalhos gigantes do que à menor das hastes da relva. E Grande é somente
aquele que transforma o ulunar do vento numa canção tornada mais suave pela sua ternura.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Ou seja, aquele que sabe impregnar ternura nas coisas que passam por ele, na medida das suas
possibilidades, do seu talento e das suas habilidades, não importa se for um pequeno gesto ou uma
ação grandiosa vai ser válido, vai ser digno. Não existe grande e pequeno, existe quem constrói e
quem não constrói.
Trabalho é o amor feito visível. E se não podeis trabalhar com amor, melhor seria que
abandonásseis vosso trabalho, vos sentásseis à porta do templo, a solicitar esmolas daqueles que
trabalham com alegria.
Se considerarmos que aquilo que fazemos fica impregnado do nosso estado de humor, se for para
fazer as coisas impregnadas de má vontade, reclamando sempre, seria melhor não faze-las, pois
deixaremos esta pegada no mundo. As coisas ficam impregnadas do estado de espírito com que as
construímos.
Pois, se cozerdes o pão com indiferença, cozereis um pão amargo, que satisfaz só a metade da
fome do homem. E se espremerdes a uva de má vontade destilará, no vinho, seu veneno.
E ainda que canteis como os anjos, se não tiverdes amor ao canto, tapais os ouvidos do homem
às vozes do dia e às vozes da noite.
Fazer com que todas as coisas estejam impregnadas com o teu coração, sejam as coisas pequenas
como cozer um pão ou um trabalho grandioso.
Basicamente é isto que ele fala, que o trabalho é transformador para quem o pratica e para quem se
beneficia dele, trabalho é a construção de si próprio através do exemplo. Nos dá a oportunidade de
inspirar o ser humano a se construir também, pois a tarefa fundamental do homem é construir a si
próprio e, através das coisas ele deixa um rastro de transformação, dessa maneira, sabemos
exatamente quem trabalhou como ser humano e quem não.
‘Pelas vossas obras vos conhecereis, percebemos, sentimos isso, é algo intuitivo, e se não fazemos um
trabalho com este espírito, no fundo, não fizemos nada. As coisas que construímos com o tempo
viram pó, mas o espírito com que as construímos isso fica e transforma o mundo começando com nós
mesmos. A história da humanidade foi escrita por aqueles que sabiam trabalhar com amor, estes
fazem a história, a escrevem e com o seu trabalho deixam sua marca de amor no mundo.

 Capítulo 7 – Alegria e Tristeza


Alegria e tristeza são dois polos em que nós oscilamos e, dificilmente, temos a serenidade, Gibran vai
focar neste aspecto de encontrarmos um estado de alegria mais humano que esteja acima dessas
polaridades, para não ficarmos oscilando de um lado para o outro como um pêndulo. Pois este tipo de
alegria superficial que temos, fica no mesmo nível da tristeza e da dor e nós a vivenciamos em um
nível de vibração muito intensa que não nos permite ter um centro, ter paz, lucidez, ter tranquilidade.
Paz é um conceito do qual falamos de mais e que conhecemos de menos, pois a verdadeira paz vem
de dentro para fora e um estado de paz exigiria que tivéssemos um nível de alegria que não estivesse
tão à mercê das circunstâncias. A alegria e a tristeza que Gibran aborda ambas estão no mesmo plano,
é como se de um lado fosse a euforia, a excitação e do outro a depressão, a dor, as duas extremidades
estão em um nível psicológico bem raso. A alegria e a tristeza não atuam como se uma fosse superior
O Profeta K h a l i l G i b r a n

a outra, ambas estão no mesmo padrão vibratório, é como se uma fosse o alívio da outra, elas se
compensam por oposição. Elas estão mais para posse de coisas e expectativa de posse do que para
realização humana, que estaria em outro patamar, em um outro degrau, sem se deixar abalar pelas
circunstâncias.
Em um nível mais baixo uma sempre vai compensar a outra, uma sempre vai preencher o vácuo da
outra, apenas quando subimos um patamar encontramos o equilíbrio, a serenidade.
Então uma mulher disse: ‘Fala-nos da alegria e da tristeza’.
Quando ele coloca a figura genérica de uma mulher para perguntar, na verdade, ele se refere ao
feminino. Sempre quando se sala da psique feminina e masculina, e não só da psique mas de toda a
estrutura humana, é como se fosse o yin e o yang é harmonia por oposição.

Nós não somos idênticos, somos complementares na natureza, cada um tem a sua identidade, e ao
sermos aquilo que somos, encaixamos, vibramos em harmonia, então há uma peculiaridade em cada
um dos veículos dos seres humanos. Se olharmos o corpo físico, veremos que a estrutura da mulher
não é preparada para ter tanta força física quanto a do homem que é mais dado a terra, é mais denso,
agora quando entramos no plano energético, a energia do homem é mais de explosão, de impulso e a
da mulher é mais de continuidade, sendo esta capaz de suportar dor por períodos mais longos do que o
homem.
Então essa referência que ele faz aqui dessa oscilação da alegria para a tristeza, este pêndulo não é
casual.
LIVRO PORTOES DE FOGO
E ele respondeu: Vossa alegria é vossa tristeza desmascarada. E o mesmo poço que dá
nascimento ao vosso riso, muitas vezes foi preenchido por vossas lágrimas e como não poderia
ser assim?
É como se fosse um copo, ele é do mesmo tamanho quando você o enche de alegria ou o esvazia e o
enche de dor. Uma pessoa que é capaz de um horizonte muito grande de euforia, de vibração
emocional, é também capaz de tristezas muito profundas.
Quanto mais profundamente a tristeza crava as garras em vosso ser, tanto mais alegrias
podereis conter. Não é a taça em que verteis vosso vinho a mesma que foi queimada no forno do
oleiro? E não é a lira que acaricia vossa alma a própria madeira que foi talhada a faca?
Se eu me deixo abater muito por uma situação, ela cava um poço dentro de mim de tristeza, e aquele
poço agora vai precisar ser preenchido por euforia e assim eu vou precisar de mais elementos de
O Profeta K h a l i l G i b r a n

prazer para preencher este poli pois fiquei mais dependente das circunstancias. Quanto mais deixamos
a tristeza cavar um buraco dentro de nós, maior terá que ser a alegria para preencher este vazio para
que eu consiga sair daquela situação.
A dor é um convite a consciência. Fazer paralelo com o rossandro klinjey
O fogo associado a figura da dor e a brandura do vinho como o prazer, ou seja, os extremos do mundo
dual, no mundo manifestado sempre oscilamos de uma para outra. Se nos prendermos a circunstancias
superficiais, seremos sempre um joguete da mão dessas circunstancias.
Quando estiverdes alegres, olhai no fundo de vosso coração e achardes o que que vos deu
tristeza é aquilo mesmo que vos está dando alegria. E quando estiverdes tristes, olhai novamente
no vosso coração e vereis que, na verdade, estais chorando por aquilo mesmo que constitui vosso
deleite.
No fundo são a mesma coisa, as duas faces da mesma moeda que estão provocando emoções
igualmente superficiais que não nos tornam melhores como ser humano. Os elementos que nos
causam euforia e depressão, em geral, são superficiais e não acrescentam nada em nossa vida e nem
das pessoas a nossa volta.
Alguns dentre vós dizeis: “A alegria é maior que a tristeza”. E outros dizem: “Não, a tristeza é
maior”. Eu, porém, vos digo que elas são inseparáveis. Vem sempre juntas, e, quando uma está
sentada à vossa mesa, lembrai-vos de que a outra dorme em vossa cama.
Alegria e tristeza ambas sempre farão parte de nossa vida, visto que uma não pode se ausentar
completamente em função da outra.
Em verdade, estais suspensos como os pratos de uma balança entre vossa tristeza e vossa
alegria. É somente quando estais vazio que estais em equilíbrio.
O drama do vazio, pois o que é vazio para o ponto de vista materialista, é cheio para o ponto de vista
espiritual, quando estamos cheios de satisfação de dever cumprido, quando nos realizamos por ter
feito aquilo que nos corresponde como seres humanos, quando fazemos um ato fraterno, pode ser que
não tenha tido um prazer ou uma dor física, pois estava vazio das coisas que o mundo valoriza, mas
estava cheio de algo que está em outro patamar.
Isto exige uma depuração do gosto, quando uma pessoa abre mão de algo em prol da fraternidade, em
vez de possuir prefere doar, para a sociedade ela perdeu, mas para esta pessoa traz um nível de
satisfação grande em outro patamar e que nada nem ninguém pode tirar dela, visto que a fraternidade
também é alegria, cuja qual não depende das circunstâncias e sim apenas de nós mesmos, está em um
nível mais elevado.
Quando a minha realização já não depende daquilo que eu tenho ou deixo de ter materialmente, eu
começo a ter uma realização que não pode ser tirada de mim, ‘nada que é realmente teu, pode ser
tirado de ti’. As coisas materiais que escoam por nossos dedos que, necessariamente, vamos perder
não são realmente nossas. Mas se somos justos, quem vai tirar isso de nós? Se somos nobres, se temos
capacidade de amar profundamente? Então estamos vazios par os padrões do mundo, e cheios para os
padrões do espírito. Dois degraus, dois patamares.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Isso por sua vez, não deve ser encarado como uma proibição de possuir bens materiais, ou de abrir
mão de tudo, como dizia Voltaire: “O problema não é você ter as coisas, mas as coisas terem você”.
Podemos ter as coisas mas precisamos saber que as mesmas são transitórias e não podemos deixar
nossa realização depender delas.
Se você está fundamentado entre alegrias e tristezas, sempre um prato vai pesar mais que o outro, mas
se a tua realização está em outro plano, você equilibra esse patamar ali embaixo.
Um frase do prof. Michel Echenique, fundador de nova acrópole no Brasil diz o seguinte: ‘Tem coisas
nossas que fazem parte da geografia terrestre, tem cumes e vales, mas tem algo em nós que é
semelhante ao sol, fica estável lá em cima, não oscila. Agora se você se identifica com a terra, vai
ficar submetido a geografia terrestre, se você se identifica com este algo solar que existe dentro de
você, vai ter serenidade, constância, pois quando o homem se identifica com algo que está acima, ele
suaviza a geografia terrestre.’
Quem tem cumes e vales muito abruptos, é porque está totalmente identificado aqui em baixo, com a
terra; quanto mais você desdobra, se desidentifica, mais o relevo tende a se tornar suave, um outro
grau de identidade, isso é o que nós conhecemos como maturidade.
Frase padre Fábio
Quando o grande Guarda do Tesouro vos suspender para pesar o seu ouro e sua prata, então
deverá a vossa alegria ou vossa tristeza subir ou descer.
O grande guarda do tesouro está associado ao divino que guarda toda a criação e quando em
determinado momento a lei divina vos suspender, ou seja, quando você for retirado da terra, significa
a morte, quando perdermos essa experiência física e pesar vosso outro e vossa prata, ou seja, quando
terminar essa experiência, iremos pesar o que de valor nós reunimos, o que é realmente precioso em
nós, nosso real ouro e prata.
Quando for medir quanto você cresceu nessa vida e o quanto permitiu as pessoas crescerem através de
você, nessa hora vai justificar você ficar realmente alegre ou triste. Estas são as únicas alegria e
tristeza reais, a minha vida fez diferença, somou para o mundo, se através da minha vida eu me tornei
um pouco melhor e permiti as pessoas crescerem também, isto é alegria. Mas se minha vida não fez
diferença nenhuma, se eu saí do mesmo tamanho que entrei, se apenas o tempo biológico passou, o
psicológico e o espiritual não existiram e ninguém cresceu porque conviveu comigo, isso é motivo
para a tristeza.
Nós podemos dar asas aos outros ou cortá-las, e ambas podem acontecer. E é nessa hora que teremos
a legítima alegria ou tristeza, de perceber que a nossa vida fez diferença ou não, se conseguimos dar
aquele recado, o acréscimo que cada um de nós veio ao mundo para dar, aquela palavra que viemos
dizer. O único modo de encontrarmos um grau de perpetuidade é fazermos algo com nossa vida que é
passageira, que some ao que é eterno. Algo que faça a diferença para nós e para os demais e é nessa
hora que o Grande Guardião do tesouro vai ver o quanto de ouro e prata acumulamos.
Aqui podemos fazer um paralelo exato com a parábola bíblica dos talentos, ou o cidadão multiplicou,
ou enterrou ou perdeu o investimento que cada um fez em sua vida. E para Gibran essa é a real alegria
ou tristeza, o resto são ilusões.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

 Capítulo 8 – As Habitações
Então um pedreiro se aproximou e disse: “Fala-nos das habitações.” E ele respondeu
dizendo: Construís com vossos sonhos um abrigo no deserto antes de construir uma
moradia no recinto da cidade.
Existe uma necessidade na natureza humana em se afastar um pouco, não ficar tão perto uns dos
outros, ter um momento de vida interna, de solidão, de se entremear com a natureza interna, para
que os homens deem fôlego uns aos outros para respirarem, para desenvolverem algum nível de
reflexão. Uma coisa que sempre é dita a respeito da convivência, é que nós devemos nos inspirar
para termos uma convivência perfeita, que seria algo como que o que o sol faz com os outros
planetas, o sol relaciona-se com todos os planetas, dá luz, calor, porém, cada um deles na sua
distância, no seu ritmo.
O que aconteceria se o sol quisesse grudar em todos os planetas? Os torraria com tanto calor! A
convivência é uma questão de ritmos e distância, então, chega um determinado momento em que
o homem tem que mergulhar dentro de si, tem que ter uma certa distância. A solidão considera-se
altamente sadio, tem que ter uma hora em que você precisa de um pouco de distanciamento, ele
diz que seria melhor colocar uma casa em cada tantos metros no deserto do que amontoá-las.
Pois, da mesma forma, por que voltais para casa no crepúsculo, assim faz o viajante que
vive em vós, o sempre distante e solitário.
Tem certas coisas que fazemos sozinhos, nascemos sozinhos, morremos sozinhos, mas também
crescemos sozinhos, pois tem um determinado momento em que ingerimos conhecimento e outro
em que o digerimos o assimila e isso é um processo interno. Nós não recebemos automaticamente
conhecimento, nós precisamos digeri-lo, o professor Jorge Angeli Braga costumava dizer que o
‘homem não vive daquilo que ele come, mas daquilo que ele assimila’. Ingerimos muita coisa,
mas só aquilo que assimilamos é que realmente nos serve, nos alimenta, nos dá vida. É o
momento de assimilar, de digerir tudo aquilo e se não temos esse momento não iremos absorver
vida interior. Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.
Vossa casa é vosso corpo mais amplo. Cresce ao sol e dorme no silêncio da noite, e também
ela tem sonhos. Vossa casa não sonha e, sonhando, escapa da cidade para o bosque ou a
colina?
Todas as coisas tem um ideal, o que é uma casa? A maioria dos animais não necessita de uma
casa da maneira que nós necessitamos, uma casa é um certo ambiente que teria sido criado para
proporcionar um determinado isolamento e privacidade ao ser humano para que ele pudesse
reciclar sua consciência. Então existe um ideal de uma casa humana, que não consiste em luxo ou
em grandes padrões de conforto, mas sum em um ambiente onde se possa fazer esta reciclagem,
como se fosse uma câmara de purificação, um lugar de conforto no sentido de um conforto
espiritual, de tranquilidade, de serenidade, de acertar as contas com a sua consciência e quando
esta casa não atinge esse plano é como se ela ansiasse por cumprir o seu papel, e como nós não
sabemos o que esperar de uma casa vamos construindo casas que atendem cada vez menos, cada
vez mais alienadas e distantes daquilo para o qual uma casa humana serviria.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

“Ah! Se pudesse enfeixar vossas casas na minha mão e, como um semeador, espalhá-las nas
florestas e nas campinas! Fossem os vales vossas ruas, e os atalhos verdejantes, vossas
veredas, para que pudésseis procurar-vos uns aos outros através dos vinhedos e voltar com
fragrância de terra nas vossas roupas.”
Imagine espalhar as casas em uma campina e estar em contato com a natureza, ele diz que é
preciso chegar com cheiro de terra em casa, precisamos apreciar mais a natureza. Ou seja, que nós
pudéssemos nos mesclar com a natureza, que nós pudéssemos ao mesmo tempo que respeitá-la,
usufruir um pouco dessa saudável companhia da natureza.
Contudo, o tempo dessas coisas ainda não chegou. No seu temor, vossos pais juntaram-vos
demasiado perto uns dos outros. E esse medo sobreviverá à algum tempo ainda. E, durante
esse tempo, as muralhas de vossas cidades separarão vossos campos de vossos lares.
O medo fez com que nos amontoássemos, mas nos colocamos ao lado do maior perigo, pois quem
faz o mal ao ser humano é o próprio ser humano! Como Rousseau dizia: ‘ o homem é o lobo do
homem’, o homem se tornou o maior risco para o próprio homem e quando você amontoa uma
sociedade, você não a protege, você a expõe ao máximo, desgasta e expõe.
E dizei-me, povo de Orphalese, o que possuís nestas habitações? E que objetos guardais
atrás destas portas trancadas?
O que ele quer dizer é, o que tanto você tem medo de que te roubem?
Acaso possuís a paz, esse impulso tranquilo que revela vossa potência?
O que é tão precioso para você que tem tanto medo de perder? Você tem a paz? Este estado de
espírito de serenidade, de equilíbrio, você tem isso para proteger?
Possuís as recordações, essas abóbadas cintilantes que se estendem sob os cumes do espírito?
As recordações não são qualquer memória, qualquer recordação. Ele está falando de algo
chamado cofre de ouro, aqueles momentos mais belos da sua vida, os que te ensinaram, os que
você teve certeza de ser verdadeiramente humano. Algo que te iluminou.
Possuís a beleza que conduz o coração dos objetos confeccionados com madeira e pedra
para a montanha sagrada?
A madeira, a pedra ou o metal que estão dentro da tua casa, algum deles tem alguma função
simbólica que remeta a algo que seja sagrado para você? Existe algum objeto na sua casa que
remeta a algo que vai além do próprio material? Porque isso é o símbolo, é algo material que
remete a algo espiritual, o físico com o metafísico, ainda que não tenha valor material, mas que
faz com que sua consciência remeta a algo mais elevado, você tem? Você cultiva a beleza à sua
volta para te ajudar a ser um cultivador da elevação da sua consciência?
Dizei-me, possuís tudo isso em vossas casas? Ou tendes somente o conforto e a cobiça do
conforto. Esse desejo furtivo que entra em casa como uma visita e depois, torna-se hóspede
e, mais tarde, dono?
O Profeta K h a l i l G i b r a n

Um dos conceitos mais errôneos que temos atualmente em nossa sociedade é relacionar a
felicidade com a lei do menor esforço, imaginar que para ser feliz não temos que ter trabalho com
nada. Isso seria viver como uma pedra! Ou seja, quanto menos eu fizer mais feliz serei? Mais feliz
para que? Pois a felicidade consiste justamente em fazer as obras que deixamos pelo caminho,
inclusive a nós mesmos, que somos a nossa maior obra. E o que há de mais vicioso é o vício no
conforto como felicidade.
Sim, e torna-se também domador, e com forcado e açoite, reduz a títeres vossos desejos mais
vastos.
Se você desejava justiça e fraternidade, agora você só deseja um colchão mais macio, uma TV
maior, vai tornando o homem cada vez mais medíocre mergulhado na inércia e assim não
aprendemos nada nem para o bem e nem para o mal, se temos muito para andar é melhor que
nossa cadeira seja dura ou confortável? É melhor que seja dura, senão, não saímos da cadeira.
E
Embora suas mãos sejam de seda, seu coração é de ferro. Ele vos embala até dormirdes, só
para rondar vosso leito e zombar da dignidade de vosso corpo. Zomba também de vossos
sentidos normais: deita-os na penugem macia como um vaso frágil.
Quanto menos eu souber, quanto menos eu ver melhor, não quero ver nada e não quero saber de
nada.
Na verdade, vossa paixão pelo conforto assassina as paixões mais nobres de vossas almas, e
depois, zombeteira, acompanha seu enterro.
O torpor que a não consciência causa nos paralisa de todo o potencial que poderíamos ter como
seres humanos, os comodismos pouco a pouco nos destroem, pois afinal de contas em que
consiste uma vida assim? Quanto o comodismo rouba de nós.
Mas vós filhos do espaço, vós os inquietos no repouso, vós não caireis em armadilhas nem
sereis domesticados. Vossa casa não será uma ancora.
MAS VÓS FILHOS DO ESPAÇO, VÓS OS INQUIETOS NO REPOUSO, VÓS NÃO
CAIREIS EM ARMADILHAS NEM SEREIS DOMESTICADOS. VOSSA CASA NÃO
SERÁ UMA ÂNCORA, MAS UM MASTRO.
ESSA INQUIETUDE QUE TEM O SER HUMANO DE IR ALEM DE SEUS
LIMITES.QUERER VER UM POUCO DO MISTÉRIO DA CONDIÇÃO HUMANA, NÃO
QUERER MORRER NO MESMO PONTO EM QUE NASCEU. NOSSA CASA SERA UM
LUGAR QUE NOS INTIGA A AVANÇAR SEMPRE, A NOS SUPERAR UM AMBIENTE
QUE NOS INTIGE SEMPRE A EVOLUIR. ELA TE SOFRA PARA FRENTE, TE EMPURRA
PARA FRENTE, VAI SER UM PONTO DE ENCONTRO CONSIGO MESMO.
NÃO SERÁ UMA FITA RELUZENTE QUE RECOBRE UM FERIMETO, MAS UMA
PÁLPEBRA QUE PROTEGE O OLHO.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

OU SEJA, SUA CASA NÃO VAI ESCONDER UMA FERIDA QUE VOCE TEM, ELA VAI
APENAS PERMITIR UM BREVE DESCANSO PARA RECOBRAR AS ENERGIAS E
PARTIR NOVAENTE, ELA NÃO VAI ESCONDER AS TUAS DEBILIDADES ELA VAI
CURÁ-LAS PRA QUE VOCE POSSA VOLTAR PARA O ALTO MAR E CONTINUE
PROCURANDO O SEU PORTO, ELA NÃO VAI TE PROTEGER PARA QUE VOCE NÃO
FAÇA NADA, ELA VAI TE EMPURRAR PARA FRENTE.
NÃO DOBRAREIS AS ASAS PARA PODER ATRAVESSAR AS PORTAS NEM
CURVAREIS A CABEÇA PARA NÃO BATER NOS TETOS. NEM RETEREIS VOSSA
RESPIRAÇÃO PARA NÃO SACUDIR E ABALAR AS PAREDES.
VOCE NÃO VAI SE ENCOLHER PARA ENTRAR DENTRO DE CASA, A CASA VAI SE
EXPANDIR PARA TE ACOLHER, ELA VAI TE DAR ASAS, NÃO VAI OBRIGAR VC A SE
ENCOLHER E RASTEJAR PARA CABER DENTRO DELA. IMAGINE AQUILO DE MAIS
BELO E DE MAIS NOBRE, IMAGINE QUE DENTRO DA SUA CASA VOCE NÃO DESSE 2
PASSOS SEM CRUZAR COM AQUILO, AQUELE LIVRO, AQUELE TEXTO AQUELE
QUADRO, ESPALHADO PELA SUA CASA, AQUILO QUE TE PUXA PARA CIMA, QUE
TIPO DE ASA SERIA ESSA?
NÃO MORAREIS EM TUMBAS FEITAS PELOS MORTOS PARA OS VIVOS.
AQUELES AMORTECIDOS PELO DESEJO DE CONFORTO QUE VIVEM EM TUMBAS E
CONSTROEM TUMBAS. SÃO TUMBAS A PESSOA ENTRA ALI PARA ESQUECER DE
TUDO E PARA AMORTECER TUDO. E NÃO PARA LEMBRAR DE NADA.
E, APESAR DE SUA MAGINIFICÊNCIA E ESPLENDOR, VOSSA CASA NÃO
CONTERÁ VOSSO SEGREDO NEM ABRIGARA VOSSA NOSTALGIA.
ELA NÃO SERA PARA RETER OS TEUS SONHOS NEM PARA SUFOCAR AQUILO QUE
VOCE TEM DE MAIS BELO, MUITO PELO CONTRARIO ELA TEM QUE SER UM
ESPAÇO DE REENCONTRO, SENAO NÃO SERRA UMA CASA DIGNA DE UM SER
HUMANO.
POIS AQUILO QUE É ILIMITADO EM VÓS MORA NO CASTELO DO
FIRMAMENTO, CUJA PORTA É A BRUMA DA AURORA E CUJA JANELAS SÃO OS
CANTICOS E OS SILENCIOS DA NOITE.
MINHA CASA TEM QUE ME PROPORCIONAR UMA ELEVAÇÃO ESPIRITUAL E ME
LEMBRAR DO CASTELO DO FIRMAMENTO POIS SOU DE LA E UM DIA PARA LA
VOLTAREI. PORTANTO TENHO QUE SELECIONAR AS COISAS QUE GUARDO NA
VIDA PARA QUE SEJAM LEMBRETES. DEVO CONVIVER COM AS COISAS QUE ME
REMETEM PARA CIMA POIS TUDO NOS INFLUENCIA, QUALWUER COISA TEM
DENTRO DE SI UMA IDEIA, UM PADRAO, O AMBIENTE DA NOSSA CASA NOS
INFLUENCIA É COMO SE A NOSSA CASA FOSSE UM PEDAÇO DO NOSSO CORAÇÃO.
O Profeta K h a l i l G i b r a n

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