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Universidade Federal da Bahia

Disciplina: Introdução à Linguística Aplicada


Estudante: Marcos Willian de Melo Guedes
Professora: Denise Maria Oliveira Zoghbi
Data: 09/12/2022

A LINGUÍSTICA APLICADA E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM


DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM EXEMPLO PRÁTICO

De forma sucinta, entende-se Português Língua Estrangeira (PLE) como o


processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa para pessoas cidadãs de países
que não integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Se uma pessoa
estrangeira, falante de outra língua materna, estiver aprendendo a língua portuguesa em
um país em que ela tem estatuto de língua oficial, tem-se um contexto de Português
Língua Segunda ou Português Segunda Língua (PLS/PSL).
A Linguística Aplicada (LA), por sua vez, é definida pelo especialista europeu
Spillner (1977 apud SCHMITZ, 1992, p. 221)1 como “aquela disciplina científica
orientada para aplicação prática que contribui para a solução de problemas, tarefas e
conflitos em todos os campos humanos nos quais a linguagem está envolvida”.
Dito de outra forma, a Linguística Aplicada é um campo que propicia soluções
para os problemas do mundo real inerentes à linguagem. Não se trata, porém, de qualquer
problema, mas daqueles, nas palavras de Rojo (2006, p. 258)2, “com relevância social
suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus
participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida, num sentido ecológico”.
Nesse sentido, a Linguística Aplicada se manifesta no processo de ensino e
aprendizagem de Português Língua Estrangeira ou Português Língua Segunda nas
situações em que o relacionamos a uma construção ou mudança da realidade, uma vez
que “somos os discursos em que circulamos, o que implica dizer que podemos modificá-
los no aqui e no agora” (MOITA LOPES, 2009, p. 21)3 e, ao entender a linguagem como
discurso, a Linguística Aplicada nos convida, desde a sala de aula, a compreender a

1
SCHMITZ, J. R. Linguística aplicada e o ensino de línguas estrangeiras no Brasil. ALFA, São Paulo, v.
36: 213-236, 1992. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3921. Acesso em: 8
dez. 2022.
2
ROJO, R. H. R. Fazer Linguística Aplicada em perspectiva sócio-histórica: privação sofrida e leveza de
pensamento. In: MOITA-LOPES, Luiz Paulo da. (Org.) Por uma linguística interdisciplinar. São Paulo:
Parábola Editorial, 2006. p. 224-274
3
MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Da aplicação de Linguística à Linguística Aplicada Indisciplinar. In:
PEREIRA, R. C. M. e ROCA, M. del P. (Org.). Linguística Aplicada: um caminho com muitos acessos.
São Paulo: Editora Contexto, 2009. p. 11-24.
sociedade contemporânea e contribuir para uma agenda anti-hegemônica em um mundo
globalizado.
É, portanto, na frequente tentativa de encontrar “um modo de criar inteligibilidade
sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central” (MOITA LOPES,
2006, p. 14)4 que eu tenho elaborado grande parte das minhas atividades avaliativas e
proposto para as minhas turmas de Português Língua Estrangeira/Português Língua
Segunda do Núcleo Permanente de Extensão em Letras (Nupel). Enquanto exemplo
prático, apresento uma das atividades avaliativas que foi proposta para as turmas do
Intermediário 1, em três semestres distintos.
O enunciado da questão intitulada “O que você faria?” apresentava, inicialmente,
alguns dos resultados de um projeto que contou com a participação de um famoso artista
plástico e grafiteiro, juntamente com crianças, entre 7 e 13 anos, moradoras do Rio de
Janeiro, em 2018. Cada criança tinha resumido em uma frase o que faria se estivesse na
Presidência e a expôs no painel. Eu selecionei cinco das propostas dadas e pedi que os(as)
estudantes escolhessem uma delas e, na condição de presidente do Brasil, escrevessem o
que eles(as) fariam ou tentariam fazer para resolver o problema apresentado, levando em
conta que as suas ações ou soluções deveriam ser razoavelmente realistas.
A resposta abaixo é de uma estudante estadunidense da turma de 2021.2. É
satisfatório identificar que a solução apresentada por ela é sensível a um importante
problema social, é possível de ser concretizada e tem reverberações a longo prazo, dado
que, como a estudante pertinentemente pontua, superando-se formas de opressão mais
acentuadas, como é o caso do racismo, as demais poderão ser administradas mais
facilmente, sobretudo quando elas são tão interseccionadas como acontece em nosso país.

“Se eu fosse Presidente do Brasil, eu enfrentaria um problema muito


importante para mim: o preconceito, com foco em preconceito racial, ou seja,
racismo. A proposta de Olivia Klang Fabra foi, “eu queria que ninguém fosse
prejudicado por ser diferente” e eu também quero isso. Mas como um
presidente pode atacar esse problema imenso? [...] Se eu tivesse o poder, eu
nomearia um de pessoas diversas aos cargos governamentais, e eu envolveria
comunidades sub-representadas como negros e pessoa indigenas. Finalmente,
eu pediria ao governo que pelo menos considerasse reparações para essas
comunidades, como tem sido feito em outros países como Alemanha e África
do Sul. Ao mesmo tempo, porque eu não posso ignorar completamente o
sentimento do público, eu começaria uma campanha publica contra o
preconceito e racismo aqui no Brasil. Eu acho que lutando contra racismo
especificamente faria a luta contra outros tipos de preconceito (porque tem
muitos outros) mais fácil.” (S., 2021.2)

4
MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Uma linguística aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo
como linguista aplicado. p. 13-44. In: FABRÍCIO, B. F. et al. Organizador: Luiz Paulo da Moita Lopes.
Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
A próxima resposta é de um estudante alemão da turma de 2022.1. São dois os
pontos que mais me chamam a atenção nesse texto: o primeiro, é que, felizmente, ele é
nitidamente orientado pela perspectiva de Direitos Humanos, “morar em uma casa
adequada e segura é um direito humano”, e o segundo ponto é que as ações descritas,
ainda que dificilmente realizáveis, considerando a conjuntura do país, são bem planejadas
e direcionadas. O estudante inclusive tem o cuidado de antecipar uma consequência mais
expressiva de uma das suas ações, a de taxar “pessoas altamente ricas”.

“‘Faria casas para as famílias que vivem na rua’ – Beni Lerner, 8 anos. Se eu
fosse o presidente do Brasil, eu empenharia muito esforço para resolver o
problema residencial. Infelizmente, a situação nesse pais é assim, que muitas
pessoas não têm uma casa ou casa em estados ruins para viver. Porém, morar
em uma casa adequada e segura é um direito humano e por isso todo o mundo
tem o direito de ter acesso a tal casa. Eu, enquanto presidente, consideraria o
estado com a obrigação de disponibilizar uma casa adequada para todo o
mundo. Para realizar isso, eu avançaria programas da construção prédios
residenciais em uma quantidade medida na necessidade dos cidadãos. A curto
prazo eu lançaria um decreto às municipais para oferecer a todas as pessoas
que moram em situações residenciais críticas ou estão sem-teto um alojamento
emergencial seguro. Para que as municipais pudessem financiar esses esforços,
eu disponibilizaria recursos financiais da República Federal às municipais.
Como o intuito de financiar os projeito de construir prédios residenciais
amplamente, eu instituiria impostos para pessoas altamente ricas, de modo que
elas são obrigadas a disponibilizar grande partes da riqueza delas para o
público. Com certeza, uma tal iniciativa desencadearia protestos dos ricos.
Contudo, eu esclareceria que essa carga de poucos serviria para o bem-estar e
a garantia dos direitos humanos de todo o mundo.” (J., 2022.1)

A última resposta trazida é de um estudante japonês da turma de 2022.2. Ele


apresenta soluções para a proposta “Eu criaria mais escolas públicas que ensinem bem”.
O estudante tanto percebe que, precisamente, há um problema histórico no Brasil –
pessoas mais pobres não têm acesso à educação –, que ele chama de “círculo vicioso”,
quanto que existe a uma relação estreita entre educação de qualidade e qualidade de vida,
especialmente a econômica. Primeiramente o estudante tenta resolver problemas mais
urgentes – alimentar na escola quem não pode estudar porque precisa trabalhar para
comer. A sua segunda grande ação é semelhante à do estudante alemão: taxar grandes
riquezas. A partir daí utilizar esses recursos para melhorar a educação do país e também
os redistribuir entre as pessoas mais pobres.

“Se eu fosse presidente do Brasil eu criaria mais escolas para quarquer pessoas
podem acessar a educação. Agora no Brasil tem círculo vicioso. As pessoas
pobres não podem acessar a educação e ficar ricos. Para que as pessoas pobres
se tornem livre do círculo, a educação de qualidade é necessária. Entretanto,
algumas pessoas têm que trabalhar para sobreviver e não têm tempo para
frequentar a escola. Por isso fornecimentos das escolas são muito importante,
como lanches, transfer, espaço de estudar e ambiente de aprender. Eu criaria
as escolas com estas coisas suficientes. Eu acho que é necessário introduzir da
sistema de tributação progressiva para realizar isso. Esta introdução contribuirá
a garantia de recursos financeiros. Além disso, essa política representa não só
a garantia da educação, mas também a redistribuição da riqueza e diminuição
da desigualdade do Brasil. Qreio que minha política ajuda a melhorar o
problema social do Brasil.” (S., 2022.2)

Os resultados acima expostos corroboram o quanto é importante, no processo de


ensino-aprendizagem, a promoção de “solução de problemas, tarefas e conflitos em todos
os campos humanos nos quais a linguagem está envolvida”. Ressalte-se que em nenhum
momento a atividade avaliativa pedia explicitamente que a resposta fosse escrita
utilizando a estrutura do Modo Condicional: o título da questão, a forma como as
sentenças do enunciado estava escrita, o fato de termos estudado ao longo da semana
aquele aspecto gramatical e, principalmente, o contexto de interlocução serviram para que
os(as) estudantes concluíssem que as suas produções textuais deveriam levar em conta as
especificidades desse tempo verbal. Assim, tanto se efetivou a linguagem como prática
social quanto os(as) estudantes – atores sociais – empregaram recursos linguísticos no ato
de uma interação dialógica suscitada pelas reflexões sobre determinada temática ou ação.

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