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Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva
metodologia em período integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material
didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos
livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e trans-
versal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Para melhorar
a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A seguir, apresentamos cada seção:
MULTiMÍDiA
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidado-
sa seleção de conteúdos multimídia para complementar o reper-
tório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreen-
são, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. ÁREAS DE
Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o apro- CONHECiMENTO DO ENEM
fundamento nos temas estudados – há obras de arte, poemas, Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
imagens, artigos e até sugestões de aplicativos que facilitam os fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
estudos, com conteúdos essenciais para ampliar as habilidades aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
de análise e reflexão crítica, em uma seleção realizada com finos na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso aluno. a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resol-
vê-las com tranquilidade.
CONEXÃO ENTRE DiSCiPLiNAS
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-
borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos
conteúdos de cada área, de cada disciplina. DiAGRAMA DE iDEiAS
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran-
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão,
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los em
como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Mate-
suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aqueles
mática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com
que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio de
essa realidade por meio de explicações que relacionam a aula do
esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros,
Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da
sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o aluno consegue
aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos princi-
entender que cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz
pais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organização dos
parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive.
estudos e até a resolução dos exercícios.
HERLAN FELLiNi
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Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2021
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Autores
Lucas Limberti
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Diretor-geral
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Pedro Tadeu Vader Batista
Coordenador-geral
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Editoração eletrônica
Felipe Lopes Santos
Leticia de Brito Ferreira
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lação, tendo por fim único e exclusivo o ensino. Caso exista algum texto a respeito do
qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição para
o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e
localizar os titulares dos direitos sobre as imagens publicadas e estamos à disposição
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SUMÁRIO
ENTRE LETRAS
GRAMÁTICA
Aulas 35 e 36: Concordância verbal I 6
Aulas 37 e 38: Concordância verbal II 10
Aulas 39 e 40: Concordância nominal 13
Aulas 41 e 42: Regências nominal e verbal 16
Aulas 43 e 44: Crase 21
LITERATURA
Aulas 35 e 36: Modernismo no Brasil: 2ª fase – prosa 64
Aulas 37 e 38: Modernismo no Brasil: 3ª fase 83
Aulas 39 e 40: Poesia no Brasil: 1960-1980 100
Aulas 41 e 42: Prosa no Brasil: 1960-1980 116
Aulas 43 e 44: Literatura lusófona contemporânea:percepções críticas sobre
a lusofonia 122
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS
Todos os temas deste livro têm alta incidência Compreender como os pronomes funcionam
no Enem. dentro do período, contribuindo para
sustentar as relações de coordenação e
subordinação dentro dos períodos pode ser
um diferencial ao candidato.
Aborda o uso dos pronomes apresentados Compreender a importância das conjunções Ocorre com certa frequência as funções pro-
neste livro. Além disso, perceber a importância em relação ao estudo dos períodos simples e nominais dentro de orações e períodos. Assim,
das relações de coordenação e subordinação compostos coordenados e subordinados será o conteúdo deste livro aborda os elementos
dentro dos períodos será um diferencial para a chave para o bom desempenho. que constituem o período e as relações de
questões que envolvam textos, literários coordenação e subordinação.
ou não.
A resolução dos exercícios exige conheci- Além de saber reconhecer as regras da coloca- Aborda os sentidos possíveis decorrentes A objetividade de que se compõe dá margem
mentos sobre a especificidade de cada classe ção pronominal, o candidato deverá reunir das relações de subordinação e coordena- para questões bastante diretas sobre os
gramatical. É relevante, então, saber reconhe- a maior quantidade de conhecimento sobre ção. Compreender como essas relações se usos dos pronomes e os efeitos de sentido
cer como as próclises e ênclises atuam, bem as construções sintáticas de coordenação e constituem e por meio de quais termos elas decorrentes das relações dentro do período
como as conjunções para efeitos distintos de subordinação. se estabelecem será de grande ajuda ao composto.
sentido dentro de um período. candidato.
UFMG
Frequentemente apresenta textos configura- A relação entre linguagens verbal e não É comum questões que se atentem aos
dos por linguagens verbal e não verbal. Assim, verbal é uma constante neste vestibular. elementos sintáticos de que um texto se vale
compreender como os pronomes e as relações Propagandas e charges, então, acabam para a sua composição. Portanto, convém
dentro do período produzem determina- sendo fonte para questões. Reescrever frases estar seguro sobre o uso correto dos termos
dos efeitos de sentido será essencial ao pode ser comum, para tanto, saber utilizar que compõem os períodos compostos.
candidato. corretamente os pronomes será
um diferencial.
O uso dos pronomes pode aparecer em A abordagem deste vestibular ampara-se na Bastante direto, apresenta muitas questões a
questões de aplicação direta, por isso, atenção aos diferentes usos das conjunções, respeito de conhecimentos sobre a colocação
compreender as funções e regras de ênclise de modo a construir efeitos de sentido dentro pronominal. É comum, também, que questões
e próclise será muito importante. Ademais, de um período composto. Ademais, entender o ligadas aos efeitos de sentido advindos das
este caderno traz estudos sobre os períodos uso dos pronomes trabalhados neste caderno relações de subordinação apareçam.
simples e compostos. poderá ser de grande ajuda.
GRAMÁTICA
5
1. Sujeito formado por uma expressão partitiva (parte de...,
AULAS 35 E 36 uma porção de..., metade de..., a maioria de..., a maior parte
de..., grande parte de...), seguida de um substantivo ou pro-
nome no plural, o verbo pode ficar no singular ou no plural.
Exemplos: A maioria dos deputados aprovou / apro-
varam a proposta.
CONCORDÂNCIA Metade dos candidatos não atingiu / atingiram nenhu-
6
fizemos”, essa pessoa está se incluindo no grupo dos omis- Quinze por cento dos funcionários participam dos trei-
sos. Isso não ocorre, no entanto, se alguém disser ou escrever namentos.
“alguns de nós sabiam de tudo e nada fizeram”, frase que
Somente um por cento dos produtos costuma apresentar
soa como uma denúncia.
algum defeito.
Casos em que os pronomes interrogativo ou indefinido es-
Observação: Caso o numeral esteja adjacente ao verbo,
tiverem no singular, o verbo ficará no singular.
este deve obrigatoriamente concordar com o numeral.
Exemplos: Qual de nós é capaz?
Exemplo:
Algum de vocês fez isso.
Oitenta e cinco por cento acham difícil escolher deputados
5. Sujeito formado pelo pronome relativo “que”: a concor- e senadores.
dância em número e pessoa é feita com o antecedente do
10. Sujeito constituído por numeral fracionário seguido de
pronome.
substantivo: recomenda-se que o verbo concorde com o
Exemplos: Fui eu que paguei e saí mais cedo. numeral fracionário, que é núcleo do sujeito.
Fomos nós que compramos o carro. Exemplo:
6. Sujeito formado pela expressão “um dos que”: o verbo Um quarto dos soldados saiu ferido.
deve assumir a forma plural.
Dois terços da população apoiam o plano econômico.
Exemplo:
Observação: Caso o numeral fracionário esteja em uma
A globo foi uma das emissoras que cobriram o evento. oração de voz passiva, a concordância pode ser feita com o
complemento desse número por conta da possibilidade de
Atenção: harmonizar o gênero.
Admite-se a concordância com verbo no singular Exemplo:
quando se deseja dar destaque ao indivíduo do grupo: Apenas um quarto das ruas da cidade são pavimentadas.
Exemplo: Pedro foi um dos executivos que per- 11. Sujeito formado pela locução “um ou outro”: verbo fica
maneceu na empresa. no singular, pois a alternância indica a exclusão de um item.
Exemplo:
7. Sujeito formado pelo pronome relativo “quem”: o
verbo vai par a terceira pessoa do singular ou concorda Um ou outro ganhará o prêmio de melhor do mundo.
com o antecedente do pronome. 12. Locuções verbais realizam concordância flexionando o
Exemplos: verbo auxiliar.
Exemplos:
Fui eu quem saiu mais cedo. / Fui eu quem saí mais cedo.
Os políticos não conseguem cumprir suas promessas
Fomos nós quem comprou o carro. / Fomos nós quem
de campanha.
compramos o carro.
As pessoas podem viver em segurança nesse bairro.
8. Sujeito formado por pronome de tratamento: o verbo fica
na terceira pessoa do singular ou do plural, conforme o caso. b) Concordância com sujeito composto
Exemplos: 1. Sujeito anteposto ao verbo, este irá para o plural
Vossa Excelência está bem? Exemplo:
Os senhores podem aguardar aqui na sala ao lado. O frio e a tempestade atrapalharam o deslocamento
9. Sujeito constituído por numeral percentual seguido de do grupo.
substantivo: embora o numeral seja o núcleo, recomenda- 2. Sujeito posposto ao verbo, com núcleos no singular, au-
-se que verbo concorde com o substantivo que o acompa- toriza o verbo a ficar no plural (concordando com os dois
nha. Caso o numeral percentual seja “um por cento” (1%), núcleos) ou no singular (concordando com o mais próximo)
o verbo deve ir para o singular.
Exemplo:
Exemplo:
Virão à festa Jorge e meu primo. / Virá à festa Jorge e
Vinte por cento do petróleo é exportado. meu primo.
7
3. Sujeito formado por pronomes demarcando pessoas Observação: Admite-se o verbo no singular quando se
gramaticais diferentes, o verbo irá sempre para o plural, deseja realçar o primeiro elemento do sujeito composto
obedecendo o seguinte esquema de regras:
Exemplo:
I. Se houver primeira pessoa (eu/nós) entre os núcleos, pre-
O treinador com os jogadores deixou o campo rapidamente.
valece o plural da primeira pessoa.
8. Se o sujeito for resumido por pronome indefinido (apos-
Exemplo:
to resumidor), o verbo ficará no singular.
Eu tu e ele viajaremos no final do ano.
Exemplo:
II. Se houver segunda pessoa (tu/vós) ou terceira pessoa
Carinho, atenção, dedicação, nada fez com que ele mudasse.
(ele/eles) entre os núcleos, pode-se usar qualquer plural de
segunda ou terceira pessoa.
Observação:
Exemplo:
Não podemos nos esquecer da existência do fenô-
Tu e ela desconheceis / desconhecem os perigos em
meno da Silepse (já estudado em figuras de lingua-
que irão se meter.
gem), que consiste em um processo de realização
4. Núcleos de sujeito composto formados pela conjunção de concordância que quebra o sistema de regras
“ou”: e se sustenta em uma base ideológica (em função
I. Se não houver ideia de exclusão, o verbo vai para o plural do contexto). Para avaliarmos a Silepse em relação
à concordância verbal normativa, devemos estar
Exemplo: atentos às instruções do exercício a ser realizado
Ou eu ou você seremos designados para o trabalhos (pre- (se ele admite, ou não, avaliações coloquiais).
valece verbo na primeira pessoa do plural). Exemplo de Silepse:
II. Se houver ideia de exclusão ou alternância, o verbo con- O elenco voltou ao palco e agradeceram os
corda com o núcleo de sujeito mais próximo. aplausos (concordância realizada com a ideia de
Exemplos: que a palavra “elenco” designa um grupo de ar-
tistas. Não é normativa, mas se admite no campo
Ou o médico ou o assistente conduzirá a cirurgia.
coloquial ou estilístico das figuras de linguagem).
5. Núcleos de sujeito composto formados pela conjunção
A assembleia designaram um novo síndico (con-
“nem”:
cordância realizada com a ideia de que a palavra
I. Se não houver ideia de exclusão, o verbo vai para o plural “assembleia” designa um grupo de pessoas. Não
Exemplo: é normativa, mas se admite no campo coloquial ou
estilístico das figuras de linguagem).
Nem o prefeito nem o governador abandonaram o povo.
II. Se houver ideia de exclusão ou alternância, o verbo vai
fica no singular.
Exemplo:
Nem o Pedro nem Paulo é pai de Marta.
6. Núcleos de sujeito composto ligados pelas conjunções
“não só... mas também”, “tanto... como”, “tanto... quan-
to”, etc. prevalece o uso do verbo no plural. multimídia: livro
Exemplo:
Não só a mídia mas também o público odiaram o filme. Concordância verbal – Maria Aparecida Baccega
Este livro aborda os procedimentos facultados pela língua
Tanto ele quanto a namorada gostam de séries.
e que, conscientizados, colaboram na clareza e eficiência
7. Núcleos de sujeito composto conectados pela preposi- da capacidade de comunicação.
ção “com” fazem com que o verbo fique no plural.
Exemplo:
O ministro com os assessores abandonaram a reunião.
8
DIAGRAMA DE IDEIAS
CONCORDÂNCIA VERBAL
Verbo estabelece
concordância com o sujeito
Concorda em
número e pessoa
9
a) se o sujeito for representado pelos pronomes “isto”,
AULAS 37 E 38 “isso”, “aquilo”, “tudo”, e o predicativo estiver no plural.
Exemplos: Isso são lembranças que devem ser esquecidas.
Aquilo eram problemas urgentes.
b) se empregado na indicação de horas, dias e distâncias,
o verbo ser concorda com o numeral.
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8
Importante
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27 Na indicação de dia, o verbo ser admite as seguintes
concordâncias:
1. No singular, concordando com a palavra explícita dia.
Exemplo: Hoje é dia quatro de junho
1. A partícula ”se” 2. No plural, concordando com o numeral (sem a palavra
Dentre as diversas funções exercidas pelo “se”, há duas de dia).
particular interesse para a concordância verbal. Exemplo: Hoje são quatro de junho.
§ o “se” como índice de indeterminação do sujeito; e
§ o “se” como partícula apassivadora. c) Se o sujeito indicar peso, medida, quantidade e for se
Como índice de indeterminação do sujeito, o “se” acom- guido de palavras ou expressões como “pouco”, “muito”,
panha os verbos intransitivos, transitivos indiretos e de li- “menos de...”, “mais de...”, etc., o verbo ser fica no singular.
gação, que obrigatoriamente são conjugados na terceira Exemplo: Cinco quilos de arroz é mais do que suficiente.
pessoa do singular.
Três metros de tecido é pouco para fazer o vestido.
Exemplos: Precisa-se de vendedores com prática.
Duas semanas de férias é pouco para viajar.
Confia-se demais em pesquisas de opinião.
d) Se o sujeito for uma expressão de sentido partitivo ou
Como pronome apassivador, o “se” acompanha verbos coletivo e o predicativo estiver no plural, o verbo “ser” con-
transitivos diretos e transitivos diretos e indiretos na for- corda com o predicativo.
mação da voz passiva sintética. Nesse caso, o verbo deve
Exemplo: A grande maioria no protesto eram jovens.
concordar com o sujeito da oração.
O resto foram atitudes impensadas.
Exemplos: Construiu-se um enorme edifício onde ficava
a velha casa.
Construíram-se novos edifícios onde ficava a velha casa.
3. O verbo “parecer”
Se seguido de infinitivo, o verbo parecer admite duas con-
Aluga-se quarto para estudantes.
cordâncias:
Alugam-se quartos para estudantes. a) flexão do verbo parecer apenas.
Exemplo: Alguns amigos pareciam sorrir naquele mo-
2. O verbo “ser” mento.
A concordância verbal dá-se sempre entre o verbo e o su-
b) flexão do verbo no infinitivo apenas.
jeito da oração. No caso do verbo ser, essa concordância
pode ocorrer também entre o verbo e o predicativo do su- Exemplo: Alguns amigos parecia sorrirem naquele
jeito. O verbo ser concorda com o predicativo do sujeito: momento.
10
Observação: A primeira construção é considerada corren- Observação 2: Caso o verbo “haver” seja usado no
te e a segunda, literária. sentido de “ter”, em uma locução verbal, ele estabelecerá
concordância com o sujeito.
4. A expressão “haja vista” Exemplos
Essa expressão admite as seguintes construções: O garoto havia virado a casa do avesso.
a) Ou é invariável (seguida ou não de preposição). Os garotos haviam virado a casa do avesso.
Exemplos: Haja vista as lições dadas pelo professor III. “Haver e “fazer” indicando tempo decorrido.
(com sentido de por exemplo).
Exemplos:
Haja vista aos fatos explicados por este cientista (com o
Não ia ao trabalho havia semanas.
sentido de atenção para).
Faz dias que as noites ficaram mais geladas.
b) Ou é variável (não seguida de preposição), cujo termo
seguinte é considerado sujeito de haja. Fazia anos que não víamos um problema tão sério.
Exemplo: Hajam vista os exemplos de seu comprometi- IV. Verbos que indicam fenômenos meteorológicos.
mento. (com o sentido de vejam-se) Exemplo:
Choveu ontem à noite.
5. A concordância dos verbos “bater”, No inverno, neva em algumas regiões ao sul do país.
“dar” e soar, indicando horas,
ocorre de acordo com o numeral
Exemplos:
Deu uma hora no relógio.
Deram três horas no relógio.
11
DIAGRAMA DE IDEIAS
CONCORDÂNCIA VERBAL
Verbo estabelece
concordância com o sujeito
Concorda em
número e pessoa
12
Ex: As questões da prova estão bastante complicadas
AULAS 39 E 40 (bastante é advérbio pois intensifica o adjetivo “compli-
cadas” e, nesse caso, permanece invariável).
Ex: Compramos bastantes roupas na liquidação do sho-
pping (bastante é adjetivo pois acompanha o substantivo
“roupas” e, nesse caso, varia em número, ficando no plural).
b) Anexo e incluso
CONCORDÂNCIA São adjetivos e devem concordar com os substantivos que
os acompanham.
NOMINAL
Ex: Enviarei uma cópia anexa ao documento (anexa con-
corda com o substantivo “cópia”).
Ex: Os certificados inclusos devem ser assinados (incluso
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 concorda com o substantivo “certificados”).
13
Ex: É proibida a pichação em espaços públicos (o subs- Ex: Ocorrerão mudanças só em algumas das linhas. (só
tantivo “pichação” tem artigo, portanto a expressão é é um advérbio que modifica o sentido de “ocorrerão”).
proibido varia).
j) Obrigado
e) Mesmo e próprio
É considerado um adjetivo e deve concordar com o subs-
Concordam com o substantivo ou o pronome que os tantivo a que se refere.
acompanha.
Ex: O rapaz disse obrigado ao enfermeiro.
Ex: Ela mesma resolveu o problema (o termo mesmo
concorda com o pronome “ela”).
Ex: Foram os jogadores mesmos que pediram quebra
1.2. Um substantivo para
de contrato (o termo mesmo concorda com o subs- dois ou mais adjetivos
tantivo “jogadores”).
I. SUBSTANTIVO COM DETERMINANTE
f) Caro e barato ANTEPOSTO A DOIS ADJETIVOS:
Podem variar em uma sentença, funcionando como advér-
a) o substantivo fica no singular e acrescenta-se um artigo
bios ou adjetivos.
antes do segundo adjetivo:
Ex: Os quadros de Picasso são caros (o termo caro está
em posição predicativa, ou seja, funciona aqui como um Ex: O garoto aprendeu a língua francesa e a alemã.
adjetivo que se refere à palavra “quadros”). b) o substantivo vai para o plural e retiramos o artigo do
Ex: As viagens para o exterior custam caro (caro é um segundo adjetivo:
advérbio que modifica o sentido de “custam”). Ex: O garoto aprendeu as línguas francesa e alemã.
g) Menos e alerta
Nas gramáticas mais tradicionais de língua portuguesa, II. SUBSTANTIVO POSPOSTO A
são palavras consideradas como advérbios, portanto são
ADJETIVOS OU NUMERAIS:
invariáveis. a) o substantivo fica no singular e são colocados artigos
diante dos adjetivos ou numerais:
Ex: Nas madrugadas, há menos pessoas na rua (menos é
um advérbio que modifica o sentido de “custam”). Ex: O primeiro e o quarto andar estão em reforma
Ex: Os bombeiros permaneceram alerta devido ao risco Ex: A tradicional e a moderna literatura agradam a todos.
de desabamento (alerta é um advérbio que modifica o
b) o substantivo fica no plural e é colocado um artigo ante-
sentido de “permaneceram”).
posto ao primeiro adjetivo ou numeral :
Ex: O primeiro e quarto andares estão em reforma
Nota
Ex: A tradicional e moderna literaturas agradam a todos.
Algumas gramáticas mais recentes aceitam a fle-
xão de alerta, equiparando-o ao adjetivo “atento”.
Ex: As pessoas devem ficar alertas ao viajarem sozinhas.
1.3. Um adjetivo para dois
ou mais substantivos
h) Pseudo I. ADJETIVO ANTEPOSTO AOS SUBSTANTIVOS
Quando utilizado na formação de palavras, o termo pseu- a) se o adjetivo for adjunto adnominal, concorda com o
do permanece invariável. substantivo mais próximo:
Ex: A polícia prendeu a pseudomédica. Ex: No bairro havia velhos monumentos e prédios.
Ex: O morango é um tipo de pseudofruto. b) se for predicativo do objeto, concorda com o substantivo
i) Só mais próximo ou vai para o plural (em caso de substantivos
com gêneros diferentes, a escolha de plural obriga o uso de
Pode variar em uma sentença, funcionando como advérbio
masculino plural):
ou adjetivo.
Ex: O calor intenso deixou abafada a noite e o dia.
Ex: Os rapazes estavam sós na academia (o termo só se refere
ao substantivo “rapazes” e funciona aqui como um adjetivo) Ex: Ele deixou trancados a vidraça e o portão.
14
II. SENDO PREDICATIVO QUE SE REFERE A SUJEITO
COMPOSTO COM GÊNEROS DIFERENTES
a) sentença em ordem direta: o adjetivo fica no mascu-
lino plural:
Ex: A batedeira e o liquidificador continuavam
estragados.
multimídia: livro
b) sentença em ordem indireta: o adjetivo concorda com
o substantivo mais próximo:
Soltando a Língua 5 - Português fácil
Ex: continuava estragada a batedeira e o liquidificador. com o Prof Sergio Nogueira
No volume cinco de Soltando a Língua, Sérgio
III. ADJETIVO POSPOSTO AOS SUBSTANTIVOS Nogueira esclarece dúvidas e apresenta regras
a) dois substantivos com mesmo gênero: singular ou plural. simples sobre concordância nominal e gênero dos
Ex: Entregamos aos alunos uniforme e material novos
substantivos de nosso idioma. O professor aborda
(ou novo):
ainda a peculiar linguagem dos esportistas, espe-
cialmente do “futebolês”, assim como o uso de
b) dois substantivos de gênero diferente: concorda com o superlativos e a grafia fonética do “internetês”.
substantivo mais próximo ou vai para o plural:
Ex: Nós bebemos guaraná e soda gelados (ou gelada).
DIAGRAMA DE IDEIAS
CONCORDÂNCIA NOMINAL
ARTIGO NUMERAL
SUBSTANTIVO
ADJETIVO/
PRONOME ADJETIVO
LOCUÇÃO ADJETIVA
15
1.1. Regência nominal
AULAS 41 E 42
É a denominação dada à relação semântica que se estabe-
lece entre substantivos, adjetivos e determinados advérbios
e seus respectivos complementos nominais. Essa relação
vem sempre marcada por preposição.
Alguns nomes listados a seguir costumam vir acompanha-
dos de um complemento nominal e exigem o uso de de-
REGÊNCIAS NOMINAL terminadas preposições para que o enunciado construído
E VERBAL tenha sentido enquanto estrutura do Português.
Observação:
Muitos nomes apresentados têm exatamente a mes-
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8
ma regência de verbos dos quais são derivados. Desse
modo, a regência do verbo está automaticamente
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27
ligada à regência do nome cognato.
a) Duvidava da capacidade dele.
b) Tinha dúvida da capacidade dele.
16
§ alheio a, de
§ essencial a, para Atenção
§ passível de Para melhor compreender os principais aspectos envolvi-
§ análogo a dos na questão da regência verbal, é fundamental relem-
§ fácil de brarmos a noção de transitividade (argumentação) verbal.
§ preferível a
§ ansioso de, para, por § Quanto à predicação, os verbos podem ser classi-
§ fanático por ficados em intransitivos e transitivos.
§ prejudicial a § Verbos intransitivos apresentam sentido completo
§ apto a, para e não necessitam de complemento (objeto direto
§ favorável a ou indireto).
§ prestes a § Verbos transitivos necessitam de um complemen-
§ ávido de to de valor substantivo (objeto direto ou indireto)
§ generoso com para integrar-lhes o sentido. Nesse caso, a tran-
§ propício a sição entre o verbo e seu complemento pode ser
§ benéfico a direta (caso dos verbos transitivos diretos, que re-
§ grato a, por gem objetos diretos) ou indireta (caso dos verbos
§ próximo a transitivos indiretos, que regem objetos indiretos).
§ capaz de, para Exemplos:
§ hábil em
§ relacionado com A garota comprou uma maçã. (verbo transitivo dire-
§ compatível com to rege um objeto direto).
§ habituado a A garota gosta de maçã. (verbo transitivo indireto
§ relativo a rege um objeto indireto).
§ contemporâneo a, de
Observação: Para que seu sentido fique completo,
§ idêntico a alguns verbos exigem um objeto direto e um objeto
§ satisfeito com, de, em, por indireto, sequencialmente. A esses verbos chamamos
§ contíguo a bitransitivos.
§ impróprio para
§ semelhante a A garota deu uma maçã de presente ao amigo. (uma
§ contrário a maçã é objeto direto do verbo dar e ao amigo é ob-
§ indeciso em jeto indireto do mesmo verbo, introduzido pela pre-
posição a).
§ sensível a
§ descontente com Nesse exemplo, a preposição de, que aparece diante
§ insensível a do termo “presente”, não apresenta relação com a
§ desejoso de noção de transitividade verbal, mas introduz um ad-
§ liberal com junto adnominal do objeto direto, qualificando-o ape-
§ suspeito de nas. Assim, para a discussão de regências nominal e
§ diferente de verbal são relevantes apenas aquelas preposições que
§ natural de ligam complementos a um verbo (objetos indiretos)
§ vazio de ou a um nome (complementos nominais).
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É transitivo indireto no sentido de “satisfazer”, “ser agra- f) Custar
dável” (preposição a).
É intransitivo no sentido de “ter determinado valor ou pre-
Exemplo: A peça de teatro não agradou aos espectadores. ço”, e vem acompanhado de marcador adverbial.
b) Aspirar Exemplo: O caviar custa caro.
É transitivo direto no sentido de “sorver”, “inspirar (o ar)”, É transitivo direto no sentido de “ser obtido pelo preço de”
“inalar”.
Exemplo: A obra custou milhões de reais.
Exemplo: Aspirava o suave aroma do perfume.
É transitivo indireto no sentido de “ser difícil”.
É transitivo indireto no sentido de “desejar”, “ter como
Exemplo: Custa a ele reconhecer o problema.
ambição” (preposição a).
g) Esquecer / lembrar / recordar
Exemplo: Aspirávamos a uma viagem para a Europa.
São transitivos diretos se não forem pronominalizados.
c) Assistir
Exemplos:
É transitivo direto no sentido de “ajudar”, “prestar assistência”.
Ele esqueceu os documentos.
Exemplo: O governo deve assistir os menos favorecidos.
Lembrei o endereço de minha avó.
É transitivo indireto no sentido de “ver”, “presenciar”, “es-
tar presente” (preposição a). Recordo esses fatos incríveis.
Exemplo: Assistiremos ao filme hoje à tarde. São transitivos indiretos se forem pronominalizados.
É transitivo indireto no sentido de “caber”, “competir”. Exemplos:
Exemplos: Assiste aos pais a educação dos filhos. Ele se esqueceu dos documentos.
É intransitivo no sentido de morar ou residir e, em geral, Lembrei-me do endereço de minha avó.
vem acompanhado de adjunto adverbial de lugar introdu-
Recordo-me desses fatos incríveis.
zido pela preposição “em”.
Observação:
Exemplo: Assistimos em Campinas.
Os verbos “lembrar” e “recordar” podem ser bitransitivos.
d) Atender
Exemplo: Lembrei ao professor a tarefa.
É transitivo direto no sentido de “acolher com atenção”.
h) Implicar
Exemplo: O porteiro atendeu os visitantes.
É transitivo direto ou indireto no sentido de “causar, envol-
É transitivo indireto no sentido de “dar solução”, “realizar”
ver ou resultar”.
(preposição a).
Exemplos:
Exemplo: O governo atendeu às solicitações dos
manifestantes. Todo esse trabalho implica maiores gastos.
e) Chamar Todo esse trabalho implica em maiores gastos.
É transitivo direto no sentido de convocar, “solicitar a aten- É transitivo indireto no sentido de “mostrar antipatia”.
ção” ou “a presença de”. Exemplo:
Exemplo: Por gentileza, vá chamar o próximo candidato. O valentão implica com os mais velhos.
No sentido de “denominar”, “apelidar” (pode apresentar
É bitransitivo no sentido de “comprometer”.
objeto direto ou indireto e geralmente vem acompanhado
de predicativo do objeto, preposicionado ou não). Exemplo:
Exemplos: O depoimento do policial implicou o senador no ocorrido.
A torcida chamou o jogador pipoqueiro. i) Obedecer / desobedecer
A torcida chamou ao jogador pipoqueiro. São transitivos indiretos (Preposição a).
A torcida chamou o jogador de pipoqueiro. Exemplos:
A torcida chamou ao jogador de pipoqueiro. Ele desobedeceu às ordens do médico.
18
j) Preferir
É transitivo direto no sentido de “preferência direta, sem
escolha”.
Exemplo: Eu prefiro restaurantes baratos.
É transitivo indireto no sentido de “preferência com esco-
lha” (preposição a). multimídia: livro
Exemplo: Eu prefiro frutas a doces.
Observação: Dicionário prático de regência
verbal – Celso Pedro Luft
A gramática normativa não admite que o verbo “preferir”
venha seguido de “mais... do que”, “menos... do que” ou Fruto de um trabalho minucioso do grande lexicógrafo
“antes”. O verbo em si já comporta o sentido de “prefe- Celso Pedro Luft, é uma obra de consulta indispensável
rência”, sendo desnecessário elementos intensificadores. para todos os que desejam escrever de acordo com a gra-
mática normativa:
k) Querer
§ Resolve todas as dúvidas suscitadas pela complexa
É transitivo direto no sentido de “desejar”. regência dos verbos na língua portuguesa.
Exemplo: Eu quero um carro novo. § Soluciona um dos problemas que mais afligem aos
É transitivo indireto no sentido de “ter afeto” (preposição a). que se expressam na nossa língua: o uso da prep-
osição adequada ao verbo.
Exemplo: A avó queria muito a seu netinho.
l) Visar
É transitivo direto, nos sentidos de “mirar”, “fazer ponta-
ria” e também “vistar” ou “rubricar”.
Exemplos:
A garota visou o alvo.
O gerente visou o cheque. multimídia: livro
É transitivo indireto no sentido de “ter como meta”, “ter
como objetivo” (preposição a). Dicionário prático de regência
Exemplo: Nem sempre o ensino deve sempre visar ao fu- nominal – Celso Pedro Luft
turo profissional. Esta obra finaliza o estudo sobre regência iniciado com o
Dicionário prático de regência verbal.
Observação: não esquecer que a regência dos ver- Documentando de forma didática todas as possibilida-
bos pode exercer influência em uma construção sintá- des de regência nominal, sempre oferecerá a preposição
tica que apresenta pronome relativo, por isso é impor- que complementa o substantivo ou adjetivo procurado.
tante estar atento às possíveis mudanças de sentido
em relação à sua transitividade:
Exemplos:
Aquela é donzela que aspirava as flores do campo
(aspirar no sentido de “inalar” não exige preposição)
A posição a que aspirava na empresa era a de diretor
(aspirar no sentido de “desejar” exige preposição “a”
que deve ser encaixada diante do pronome relativo).
DIAGRAMA DE IDEIAS
REGÊNCIA
Processo de argumentação
nominal / verbal
REGÊNCIA NOMINAL
REGÊNCIA VERBAL
Ocorre com substantivos,
Ocorre com os verbos
adjetivos e advérbios
para de
EX.: Temos capacidade para mudar isso. EX.: Nós necessitamos de uma nova chance.
substantivo verbo
a
EX.: Agrotóxicos são nocivos à saúde.
adjetivo
de
EX.: Moramos perto da capital.
advérbio
20
AULAS 43 E 44 Há duas maneiras básicas de verificar a existência de
um artigo feminino seguido de preposição “a”.
1. Substitua o termo feminino por um termo masculi-
no. Se antes dele a forma for ao, ocorrerá crase antes
do termo feminino.
Exemplos:
Conheço a menina. Conheço o menino.
CRASE Refiro-me ao menino. Refiro-me à menina.
1. Crase Atenção!
Crase é o nome que se dá à junção de duas vogais idênticas.
Não basta provar a existência somente da preposição
A junção que ocorre com maior frequência é da preposição
“a” ou somente do artigo “a”. É necessária a junção
“a” com o artigo feminino “a(s)”. Também há outros tipos
dos dois itens para demarcar a crase.
de ocorrência que são determinantes para inserção da crase.
Na escrita, a crase é indicada pelo acento grave ( ` ). É impor-
tante salientar que, embora seja conhecido como “acento” 1.1. Casos em que a crase é proibida
grave, é uma marcação gráfica que não depende de elemen-
a) Diante de substantivos masculinos.
tos fonológicos (sonoros), e, por esse motivo, não estudamos
esse conteúdo junto com acentuação. A aplicação da crase Exemplos: Andamos a cavalo.
depende, em geral, de relações sintáticas de regência nomi- Fomos a pé.
nal e verbal. Vejamos um exemplo geral:
b) Diante de verbos no infinitivo.
Exemplo:
Exemplos: A criança começou a andar.
Eu irei à praia = Eu irei a + a praia.
Ele não tem nada a declarar.
Nesse exemplo, há ocorrência da preposição “a”, exigida
pelo verbo ir (que exige preposição “a”) e a ocorrência
do artigo a que está determinando o substantivo femi-
Observação:
nino “França”. A fusão desses dois “as” é indicada pelo Como os verbos não admitem artigos, o “a” antepos-
acento grave. to a eles nos exemplos anteriores é apenas preposi-
ção, razão pela qual não ocorre crase.
Exemplos: Conheço a estudante.
Refiro-me a + a à estudante. c) Antes de pronomes que rejeitam artigo, como os pesso-
No primeiro exemplo, o verbo “conhecer” é transitivo direto ais, de tratamento, demonstrativos, indefinidos, interrogati-
(não exige preposição). Temos apenas o “a” artigo de “estu- vos e relativos.
dante”. Desse modo, não teremos crase. Exemplos: Diga a ela que não voltarei mais.
No segundo exemplo, o verbo é transitivo indireto (o verbo Entreguei a todos a ata da reunião.
pronominalizado “referir-se” exige preposição “a”) e sua
Ele fez referência a Vossa Excelência, assim que chegou.
preposição se une ao “a” artigo de “estudante”. Portanto,
a crase é necessária. Peço a Vossa Senhoria que aguarde no saguão.
21
Mostrarei a vocês nossos novos produtos. b) Em locuções prepositivas femininas (em geral, a estrutu-
Quero informar a algumas pessoas o que foi planejado. ra é a(s) + substantivo + de)
Exemplo: Ele está à espera de uma nova oportunidade.
As exceções ficam por conta dos pronomes de tra-
tamento senhora, senhorita e dona, e de casos
pontuais em que a regra de substituição da palavra Outras locuções prepositivas
feminina por masculina consegue ser fundamentada. • à procura de
Exemplos: • à beira de
• às custas de
Ele se reportou à dona Cláudia.
Refiro-me à mesma garota (Refiro-me ao mesmo
garoto).
Atenção!
As construções em que é pressuposta a estrutura “à
d) Diante de artigo indefinido “uma”.
moda (de)” devem ser craseadas.
Exemplo: Daqui a uma semana começam as Olimpíadas.
Exemplos:
e) Com o “a” no singular diante de palavras no plural.
Exemplo: Refiro-me a pessoas fofoqueiras. Pedimos um espaguete à parisiense (à moda de Paris
ou à moda parisiense)
f) Com palavras repetidas.
Exemplo: cara a cara.
c) Em locuções conjuntivas femininas (Em geral, a estrutura
face a face. é a(s) + substantivo + que);
g) Diante das palavras “terra” e “casa” quando não forem Exemplo: Todos iam se revoltando à medida que ele dis-
determinadas. Ocorre especificamente quando “casa” tem cursava.
o sentido de “próprio lar” e “terra” tem o sentido de “ter-
ra/chão firme” (em geral, oposto a mar). Há em língua portuguesa poucas locuções conjunti-
Exemplos: vas femininas que admitem crase. Além de “à medida
que”, temos a construção “à proporção que”.
Meus primos voltam a casa amanhã.
Os barcos voltaram a terra por conta da tempestade.
1.3. Casos em que a
1.2. Casos em que a crase é facultativa
crase é obrigatória a) Diante de pronomes possessivos femininos.
a) Em locuções adverbiais formadas por preposição e pa- Exemplos: O professor destinou verbas à (a) nossa pesquisa.
lavra feminina.
O gerente se dirigiu à (a) minha sala.
Exemplo: Gosto de ficar à toa em casa.
b) Diante de substantivos próprios femininos
Outras locuções adverbiais Exemplo: Ofereci à (a) Edna minhas saudações.
• à tarde Obs: Alguns contextos podem não admitir uso de crase caso
• à noite não haja familiaridade com a detentora do nome feminino.
• à esquerda Exemplo: Eu me refiro a Clarice Lispector, autora muito
• à direita frequente em vestibulares.
• à tona
c) Na locução prepositiva “até a”
• às pressas
• às claras Exemplos: Caminhou até à (a) orla marítima..
• às vezes
• às escondidas 1.3. Casos especiais de uso de crase
• às avessas a) Diante dos pronomes demonstrativos aquele(s), aque-
la(s), aquilo
22
Exemplos: Refiro-me a + aquele episódio. / Refiro-me Vou a Curitiba. (Confirmação da crase: vim de
àquele episódio. Curitiba; permanecerei em Curitiba).
b) “A” com valor de pronome demonstrativo “aquele/ d) Transições temporais
aquela/aquilo”
A crase entre transições temporais depende da devida de-
Exemplos: Faça uma reta paralela a + aquela do centro. / terminação do elemento temporal. Por esse motivo está
Faça uma reta paralela à do centro. sujeita a três parâmetros:
c) Diante de nomes de lugares I. DE... A... (NÃO HÁ CRASE)
Alguns nomes de lugar não admitem a anteposição do ar- Exemplos: Ficarei na cidade de terça a sexta.
tigo a. Outros, entretanto, admitem esse artigo, de modo
A reunião vai demorar de duas a três horas.
que diante deles haverá crase, desde que o termo regente
exija a preposição a. II. DA(S)... A(S)... (HÁ CRASE)
Para saber se um nome de lugar admite ou não a antepo- Exemplos: A bienal vai da próxima segunda à próxima sexta.
sição do artigo feminino “a”, deve-se substituir o termo re- A reunião será das duas às quatro.
gente por um verbo que exige a preposição de ou em. A
ocorrência da contração da ou na, nesses casos, prova que III. DO... A... (HÁ CRASE)
o nome desse lugar admite o artigo e, por isso, haverá crase. Ficarei aqui do meio-dia à meia-noite.
Exemplos: Vou à Espanha. (Confirmação da crase: vim da A bienal vai do próximo domingo à próxima sexta.
Espanha; permanecerei na Espanha).
DIAGRAMA DE IDEIAS
JUNÇÃO DE
CRASE
A PREPOSIÇÃO + A ARTIGO
A
EX.: ELE SE DIRIGIU À SECRETÁRIA.
A
23
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS
O Enem é conhecido por ser essencialmente inter- A interpretação de textos acontece de forma mais
pretativo. Os temas presentes neste livro servirão, prática, muitas vezes ligada aos textos literários.
portanto, como conhecimento crucial às resoluções Por isso, este livro traz aulas sobre como realizar a
das questões. interpretação de textos em versos.
Por ser um vestibular crítico, a ideia de interpretação Boa parte das questões da frente de linguagem diz A prova conduz a interpretação de textos em
acontece, sobretudo, pela habilidade compreensiva respeito à interpretação. Reconhecer textos não verbais paralelo aos textos literários, majoritariamen-
do candidato. Interpretar textos em versos poderá e ser capaz de amplificar os seus diálogos com as te. Compreender e interpretar corretamente
ser uma ferramenta eficaz no trato com os textos áreas artísticas será uma habilidade útil. textos em versos será um diferencial.
literários.
Dentre as habilidades pedagógicas, a prova A interpretação de textos pode ser a chave É uma prova de conceitos. A interpretação de De forma geral, a prova equilibra bem as frentes da
costuma trabalhar, em suas questões, a aplica- para um bom resultado. Saber ler um texto em textos ocorre de maneira direcionada, por isso, área de Português, de modo que as questões de
ção. Assim, relacionar rapidamente textos não verso será de grande ajuda. saber reconhecer, de forma rápida e eficaz, os interpretação se tornam bastante direcionadas. Co-
verbais a elementos artísticos pode ser uma elementos artísticos de um texto não verbal será nhecer os conceitos por trás da produção dos textos
forma de avaliar a capacidade interpretativa uma ferramenta extra. em versos ajudará o candidato a interpretá-los.
do aluno.
UFMG
A prova alinha a interpretação de textos às obras A habilidade interpretativa trabalha com questões O exame é objetivo e exige uma capacidade
literárias que costuma exigir na sua lista obrigatória. que exigirão do candidato uma leitura cuidadosa. leitora fundamental, que demonstre aptidão em
Por isso, este livro traz duas aulas sobre como inter- Desse modo, compreender que textos em verso reconhecer, em textos não verbais, os elementos
pretar textos em versos, para que o candidato possa têm suas peculiaridades, bem como os textos não artísticos que os compõem. Saber estruturar um
dominar todo e qualquer tipo de texto literário. verbais, será um diferencial. texto em verso pode ser um diferencial na hora
de resolver as questões.
De caráter mais material, trabalha com Perceber que essa frente se alinha às frentes A interpretação de textos é a chave para resolução
questões interpretativas que exigem um de Gramática e Literatura é um excelente da grande maioria das questões da prova. Manter-
senso crítico apurado. Por isso, seja diante primeiro passo. Por isso, compreender os -se alerta para questões que trabalhem com textos
do texto em verso ou do texto não verbal, ter recursos artísticos dos textos não verbais e em em versos será muito importante.
em mãos as ferramentas necessárias para a versos será de grande ajuda ao candidato.
interpretação será um primeiro
passo essencial.
INTERPRETAÇÃO
DE TEXTOS
25
No que diz respeito à parte estética, como resquício do
AULA 18 Renascimento, há o aprofundamento do realismo das for-
mas corporais, com um trabalho mais frequente de arre-
dondamento dos traços, o que dava uma sensação maior
de movimento às figuras que compunham a obra. Por fim,
intensifica-se o trabalho com a técnica do Chiaroscuro, que
consistia na elaboração de técnicas de projeção e entra-
LEITURA DE IMAGENS da de luz em relação a espaços mais escurecidos da obra,
III: DA ARTE BARROCA criando um contraste que foi usado até como elemento de
diálogo com o tema religioso em voga.
À NEOCLÁSSICA a) O Barroco na Itália
A arte barroca surge especificamente na Itália, mas irá
irradiar-se por outros países da Europa e chegar ao con-
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 tinente americano, colonizado por portugueses e espa-
nhóis. Trata-se de uma estética que não irá se desenvolver
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27 de maneira homogênea, apresentando algumas distin-
ções entre as produções italianas e as que vemos, por
exemplo, nos Países Baixos. Ainda assim, é possível en-
contrarmos alguns princípios gerais, como o rompimento
do equilíbrio entre sentimento e razão ou entre arte e
1. Introdução ciência, muito comuns na arte do Renascimento. Na arte
barroca haverá o predomínio das emoções.
Neste capítulo colocaremos nosso foco sobre expressões
artísticas que ocorreram entre os séculos XVII e XVIII, mais 1.1.1. A pintura barroca na Itália
especificamente o Barroco, um espaço de transição conheci-
Do ponto de vista estético, a pintura barroca na Itália apre-
do como Rococó e também a arte neoclássica. Vale a pena
sentava características muito marcantes como a disposição
ressaltar também que já teremos as primeiras experiências
dos elementos no quadro de modo diagonal, figuras de
artísticas feitas em território brasileiro (ainda que estejamos
formas arredondadas que favorecem a ideia de movimen-
falando daquelas que possuem matrizes europeias).
tação na obra e uso acentuado da técnica do claro-escuro,
o que intensifica a expressão dos sentimentos. Além disso,
1.1. Barroco costuma apresentar uma abordagem que é realista, do
A arte barroca se desenvolveu no século XVII dentro de um ponto de vista da figuração (abordando com frequência
período em que ocorreram grandes mudanças na Europa a vida de pessoas comuns), mesclada a uma temática de
da Idade Moderna. Sem dúvida, o mais importante dos ordem religiosa. Vejamos alguns exemplos:
eventos foi a Reforma Protestante, que teve início na Ale-
manha, mas logo se expandiu por outros países. Lembre-
mos que esse movimento se sucedeu aos questionamentos
feitos por Martinho Lutero a respeito das leituras bíblicas
realizadas pela igreja católica em momentos anteriores (as
teses de Martinho Lutero indagavam o modo como a igreja
católica manipulava as leituras bíblicas para justificar, por
exemplo, a venda de indulgências).
Num segundo momento, temos uma agressiva reação por
parte da igreja católica, que aproveitando-se de incertezas
que permeavam a experiência dos indivíduos no período,
reativou o Tribunal do Santo Ofício (a santa inquisição),
além de ter dado origem ao Índex (o índice de livros proi-
bidos) e à Companhia de Jesus (uma ordem religiosa que
tinha como objetivo difundir de modo mais ativo a fé cristã
pela Europa e colônias). Toda essa pressão católica que re-
cai sobre os indivíduos se torna visível na arte barroca, que
volta a explorar com maior incidência os temas religiosos. Caravaggio – Vocação de São Mateus (1599) - óleo sobre tela.
26
Caravaggio (1573 – 1610) não costuma seguir tão à risca Andrea Pozzo foi outro importante artista barroco, que fi-
os parâmetros da beleza clássica vista no Renascimento, cou conhecido por suas pinturas nos tetos das igrejas. Sua
pelo menos no que diz respeito aos modelos de suas obras. obra mais conhecida é o afresco A glória de Santo Inácio,
Costumava trazer para suas telas vendedores, ciganos, mú- apresentado acima. Esse tipo de pintura explora intencional-
sicos ambulantes, entre outras pessoas simples. A pintura mente a técnica da perspectiva, dando ao espectador uma
acima evidencia as técnicas anteriormente comentadas: sensação de que as colunas se emendam ao teto e, com
temática religiosa, figuras altamente realísticas de traços isso, cria-se uma espécie de espaço celestial superior amplo,
mais arredondados (criando sensação de movimento) e o cujo objetivo seria criar uma intimidação de ordem religiosa
trabalho com a entrada de luz artificial em espaços escuros no espectador. Esse intenso caráter religioso fez com que as
da imagem. pinturas em tetos de igrejas, que já aconteciam no Renasci-
mento, passassem a ser ainda mais frequentes no período
Barroco, sendo realizadas, inclusive, em igrejas brasileiras.
27
1.1.3. A arquitetura barroca na Itália b) O Barroco na Espanha e nos Países Baixos
A arquitetura do século XVII esteve centrada em palácios Entre os séculos XVII e XVIII, o estilo barroco expandiu-se
e igrejas, sendo que a Igreja Católica desejava proclamar pela Europa e foi adquirindo feições variadas a partir das
com cada vez mais força o trunfo da fé cristã, realizando particularidades existentes em cada nação. Surgem algu-
obras que tinham a intenção de impressionar pelo seu es- mas marcas mais particulares na arquitetura, que trabalha
plendor. Os arquitetos deixam de lado qualquer perspectiva com um maior uso de ornamentação, especialmente os
de racionalidade e passam a valorizar efeitos decorativos. pórticos decorados em relevo nos edifícios civis e religiosos.
Também, passa a haver uma preocupação com o entorno
da obra arquitetônica, o que fez com passassem a ser de-
senvolvidas estruturas paisagísticas.
28
O artista El Greco (1541 – 1614) ficou conhecido por suas
obras que traziam o tema religioso com personagens em
alinhamento mais verticalizado, como vemos na obra aci-
ma. Essas figuras esguias e alongadas apresentam uma
tentativa de se afastar do dado mais realístico, comum ao
Renascimento, tentando recuperar o traço religioso dos
mosaicos bizantinos.
1.2. O Rococó
Peter Paul Rubens – A deposição da cruz O Rococó foi um estilo decorativo e leve que surgiu como
(1610 – 1611) – Óleo sobre tela
uma evolução e também uma reação ao caráter sombrio e
A pintura acima, de Peter Paul Rubens, segue a linhagem pesado visto no Barroco. Surgiu na França na virada do sécu-
religiosa, valendo-se da técnica do claro-escuro para ilu- lo e floresceu por toda Europa durante boa parte do Século
minar um cristo que, mesmo crucificado, apresenta uma XVIII, permanecendo popular até a década de 1770, quan-
postura e corpo em postura heroica. do, aos poucos, foi cedendo espaço ao Neoclassicismo.
29
Tratava-se de um estilo que misturava elegância, charme, Na obra acima vemos as características das obras do Rococó,
graça e algum erotismo divertido. Há um interesse por uma como o apego às tonalidades claras, com uso de verde e rosa,
frágil decoração profusamente colorida, e por temas que expressões da natureza (cuja imagem lembra a temática do
fossem mais triviais e simples do que edificantes. As cores carpe diem e sua ideia de afastamento do espaço urbano).
sombrias e pesadas do barroco e também suas dourações
excessivas dão lugar a claros rosas, azuis e verdes, desta- 1.3. Neoclassicismo
cando-se também, com frequência, o branco. Há também
O Neoclassicismo foi um estilo dominante na arte ociden-
personagens que vivem em um clima de forte hedonismo.
tal do fim do século XVIII até meados de 1830. Em sua
Acredita-se que o nome do estilo seja oriundo de uma brin- forma mais básica, foi um movimento artístico que seguia
cadeira pejorativa feita por um aluno do famoso pintor Jac- a tendência de reaproximação com o espírito racional das
ques-Louis David, que misturou a palavra francesa “rocaille” grandes civilizações da Grécia e de Roma antigas e rea-
– que era usada para se referir a um estilo extravagante e gir ao hedonismo e à frivolidade do Rococó. Após o longo
bobo feito com pedras e muito usado para ornamentação período de controle religioso do Barroco, os valores ilumi-
em fontes– com a palavra “barocco”, (com um “r” e dois nistas colocam em cena o desejo de retomada de um pen-
“cês”, de origem italiana, e que fazia referência ao estilo samento mais racional. Vejamos algumas obras do período.
Barroco que estudamos). A brincadeira ficava por conta de
os artistas neoclássicos considerarem o Rococó um estilo
bobo e ornamentado que degradava de maneira cômica o
Barroco. Com o passar do tempo a palavra perdeu o tom
de deboche. Vejamos algumas obras:
30
No que diz respeito ao Rococó, algumas linhas desse estilo São Francisco
foram absorvidas pelos arquitetos de igrejas e escultores
Não creio em vós para vos amar.
do período, mas sem que se bloqueassem por completo
Trouxestes-me a São Francisco
as influências barrocas. Nesse sentido, o Rococó no Brasil
e me fazeis vosso escravo.
era trabalhado quase que simultaneamente ao Barroco na
Senhor, não mereço isto.
ornamentação de algumas catedrais e na tonalidade de
cores de algumas esculturas.
Não entrarei, senhor, no
templo, seu frontispício me basta.
Vossas flores e querubins
são matéria de muito amar.
31
Mestre Ataíde – Teto da Igreja de São Francisco
de Assis (Ouro Preto – Minas Gerais) Cristo carregando a cruz
As imagens acima foram realizadas no teto de importantes Para finalizarmos, vale a pena reiterar que a estética neo-
igrejas barrocas brasileiras. Destaca-se o trabalho de Manuel clássica surgirá no Brasil já no século XIX, como um modelo
da Costa Ataíde, mais conhecido como Mestre Ataíde, ce- de influência da arte romântica, Será, em alguma medida,
lebrado artista do Barroco-Rococó mineiro, e que teve uma um modelo artístico que será implantado após a formação
grande influência sobre os pintores da sua região através de das primeiras academias de arte no Brasil.
numerosos alunos e seguidores, os quais, até a metade do
século XIX, continuaram a fazer uso de seu método de com-
posição, particularmente em trabalhos de perspectiva no teto
de igrejas.
32
AULA 19
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8
1. Romantismo
O Romantismo surge como uma reação ao Neoclassicismo e
Francisco de Goya – Três de maio de 1808 (1814) – Óleo sobre tela.
está situado historicamente entre os anos de 1820 e 1850.
A estética romântica também tem conexão com a Revolução A temática das batalhas e guerras tornou-se uma cons-
Francesa, mas já com uma certa decepção em torno do movi- tante nas pinturas do Romantismo. Alguns autores, como
mento: isso porque os pensadores iluministas – que tiveram Eugène Delacroix (1799 – 1863), por vezes articulavam
importante papel influenciador dos movimentos – tentaram o tema de modo a exaltá-lo, como vemos na obra a Li-
em suas teorias buscar uma ordem mais racional que substi- berdade guiando seu povo, em que um evento histórico
tuísse ideais religiosos, no entanto a tal racionalidade condu- relevante (no caso, a Revolução de Julho de 1830) parece
ziu a burguesia a um conjunto de revoluções sangrentas e a ser colocado em um viés idealizado (a guerra como sinô-
posteriores ações de domínio de grupos mais desfavorecidos nimo de coragem e heroísmo), a fim de agraciar os grupos
na sociedade. Toda essa decepção com o projeto racional dominantes que passavam a ocupar o poder após a re-
iniciado no século anterior fomentou o romantismo. volução. É interessante notar também nas imagens feitas
Enquanto os artistas neoclássicos concentravam-se na imita- por Delacroix que o artista já não segue tão rigidamente
ção da arte da Antiguidade Clássica e dos mestres do Renas- os parâmetros neoclássicos de composição ao captar de
cimento italiano, submetendo-se às regras já colocadas nas modo variado as impressões de luz, sombra e perspectiva,
escolas de belas-artes, o movimento romântico procurava se às vezes mais claras, em outros momentos mais “esfuma-
libertar das convenções acadêmicas em prol de uma possibi- çadas”, algo que nos dá alguns apontamentos do que ve-
lidade de livre expressão por parte dos artistas. Nesse sentido, remos mais adiante no Impressionismo.
os artistas irão enfatizar a exasperação das emoções, a tur- Já nas pinturas de Francisco de Goya, as guerras e batalhas
bulência da psicologia humana e a força terrível da natureza, são retratadas de modo a evidenciar o caráter de violência
muito maior do que a própria força humana (lembremos que, e injustiça que se torna latente nas disputas por poder. Na
nos movimentos Rococó e Neoclássico a natureza era vista pintura acima, nomeada como Três de maio de 1808, Goya
como sinônimo de equilíbrio, base do sistema racional). retoma os fuzilamentos de cidadãos espanhóis insurgentes
Vale lembrar também que, com o controle social e político sen- operados por soldados franceses do regime napoleônico,
do exercido pelos burgueses, que impunham aos indivíduos fuzilamentos esses ocorridos na data que dá nome à pintu-
relações de trabalho cada vez mais incisivas, a fim de constituir ra. Vemos que uma das maneiras que o artista utiliza para
o lucro em particular, passava-se a viver um período histórico negar a base neoclássica é voltar a articular uma técnica
em que os indivíduos cada vez mais se afastavam da noção de muito utilizada na arte barroca: o chiaroscuro, que também
coletividade, entrando em um processo de individualismo cada contribui para demarcar na obra uma posição de ordem
vez mais incisivo. Vejamos algumas obras do período. política do autor, que deixa na parte clara os cidadãos in-
33
surgentes (que considera inocentes) e na parte escura os O Romantismo também traz como tema o artista como um
soldados de Napoleão. espírito amargurado, tentando entrar em comunhão com
uma natureza que não é mais amena como a do período
neoclássico. A pintura acima de Caspar David Friedrich nos
apresenta os heróis solitários da literatura romântica. O via-
jante está à beira de um precipício que pode representar o
seu fim ou o reinício de uma vida de alguém que, por acabar
de ver o mundo a partir de uma posição superior, poderá ser
um novo homem. Vale notar também o que discutimos no
início desse capítulo: a quebra da coletividade social faz com
que haja uma maior individualização dos indivíduos, como o
quadro acima mostra.
Caspar David Friedrich – O viajante sobre um mar Honoré Daumier – Vagão de terceira classe
de nuvens (1818) – Óleo sobre tela. (1863 – 1865) – Óleo sobre tela.
34
mas fruto de um processo de intensificação de desigual-
dades sociais. No caso, vemos uma criança que estende a
mão para pedir esmolas. Em suma, o retrato focaliza ma-
zelas sociais.
3. O Impressionismo
O Impressionismo foi um importante movimento que re-
volucionou a pintura e abriu as portas para a chegada de
novas tendências da arte do século XX. Os artistas impres-
sionistas buscavam observar os efeitos da luz solar sobre
objetos em vários momentos do dia para poder registrar
em suas obras as variações de cores da natureza. A pintura
não apresentava dimensões realistas, mas sugeria (dava a
impressão ao espectador) a figuração de algo. Os artistas
do Impressionismo não chegaram propriamente a formar
uma escola ou movimento, apenas compartilharam algu-
mas técnicas e procedimentos gerais. Os principais artistas
do período foram Claude Monet e Pierre Auguste Renoir.
35
que tentaram superar o Impressionismo. Não se tratava de
um grupo coeso ou movimento organizado que comparti-
lhava ideais ou objetivos em comum. Em geral, todos tive-
ram uma fase impressionista ou foi influenciada por algum
aspecto desse movimento. Em geral, costuma-se dizer que
o termo “Pós-impressionismo” foi usado para melhor des-
crever as obras de quatro artistas: Paul Cézanne, Georges
Seurat, Vincent Van Gogh e Paul Gauguin. Cada um deles
reagiu, à sua maneira, ao Impressionismo por meio da evo-
lução de alguma técnica ou característica.
Monet – Regata em Argenteuil sob céu
escuro (1874) – Óleo sobre tela.
4. Pós-impressionismo
O termo Pós-impressionismo se refere à obra de vários ar- Paul Cézanne – O monte Santa Vitória com
tistas que, em alguma medida, inovaram algumas técnicas pinheiro (c.1882) – Óleo sobre tela.
36
Na primeira obra apresentada, de Georges Seurat, vemos a artísticos) e pela burguesia rica brasileira que agora poderia
técnica do pontilhismo, que seria um novo modo de se re- ser retratada por grandes pintores. Os principais artistas inde-
gistrar as impressões do artista. Vista de perto, percebemos pendentes foram o artista alemão Johann Moritz Rugendas e
que a imagem é composta por diversos pequenos pontos o austríaco Thomas Ender. Vejamos algumas obras desse perí-
de cores variadas que nos dão as sugestões de imagens de odo, realizadas no Brasil:
luz, sombra, pessoas, entre outras. O pontilhismo se tornou
uma técnica importante de figuração do período.
Na segunda, de Van Gogh, vemos um trabalho que, em-
bora lembre uma tela impressionista, apresenta como
evolução cores mais vibrantes, em que o artista aplicava
camadas grossas de tinta sobre a superfície da tela, sem
realizar o alisamento da tinta. Além disso, há um trabalho
mais acentuado com as linhas que compõem as superfí-
cies, de forma que elas não se tornam fugidias como na Nicolas-Antoine Taunay – Vista do Morro de Santo
arte impressionista. Antônio em 1816 (1816) – Óleo sobre tela.
Na terceira obra, de Paul Cézanne, há um trabalho de rein- Como vemos na obra acima, Taunay foi um pintor da Mis-
venção da técnica de pintura em que – diferente dos im- são Artística Francesa que se preocupou em criar registros
pressionistas, que se concentravam nos efeitos fugazes da realistas das paisagens brasileiras, especialmente do Rio
luz – o artista procurava analisar a geometria subjacente de Janeiro e regiões próximas. Vale notar que são pinturas
às rochas e à vegetação, representando-a conforme a sua de técnica realista, que tentam compor um registro fiel da
visão captava. Em suma, a preocupação de representação paisagem, valendo-se de técnicas de perspectiva e outras
não se concentrava só na luz iluminação da paisagem, mas muito usadas nas escolas clássicas.
nas linhas que formavam a vegetação.
5. Primeira metade do
século XIX no Brasil
5.1. A influência estrangeira
da missão francesa
O início do século XIX no Brasil é marcado pela vinda da famí- Jean-Baptiste Debret – Ponte da Santa Ifigênia
lia real portuguesa, que tentava ficar de fora do conflito entre (1827) – Aquarela sobre papel.
a Inglaterra e a França de Napoleão. Dom João e sua comiti-
Debret foi um pintor que realizou uma extensa produção
va desembarcam em território brasileiro, na Bahia, em 1808.
no período em que esteve no Brasil (até 1831). Seus tra-
No mesmo ano, todos se transferem para o Rio de Janeiro.
balhos retratam cenários e costumes brasileiros do século
Oito anos depois, em 1816, chega ao Brasil, a pedido do rei,
XIX, passando por festas de costumes, eventos com a famí-
a Missão Artística Francesa, que consistia num conjunto de
lia real e registros urbanos e rurais. A imagem acima chama
pintores que viria a fazer importantes registros de paisagens
a atenção também por ser não uma obra feita em tela, mas
muito variadas do Brasil. Dentre esses pintores, destacaram-
em um pequeno cartão, por meio de aquarela.
-se Nicolas-Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret.
Esse mesmo grupo, no próprio ano de 1816, criou a Esco-
la Real das Ciências, Artes e Ofícios. Mais tarde, no ano de
1826, ela seria transformada na Academia Imperial de Be-
las-Artes, que traria para o Brasil, na segunda metade do
século XIX, as influências artísticas europeias, especialmente
do neoclassicismo, que era a arte produzida nas academias.
Depois da Missão Artística Francesa, outros importantes pinto-
res independentes vieram ao Brasil atraídos pela luminosidade
dos trópicos (que traria outras perspectivas a seus trabalhos Thomas Ender – Catedral de São Paulo (1817) – Aquarela sobre papel.
37
Thomas Ender também foi mais um autor cujo trabalho
consistia em realizar registros em óleo ou aquarela das pai-
sagens brasileiras. Esse tipo de registro paisagístico, espe-
cialmente onde existiam prédios e monumentos, contribui
para que sejamos capazes de entender as mudanças pelas
quais passa um território.
6. Segunda metade do
século XIX no Brasil
6.1. Pintura acadêmica no Brasil
e modernização da arte
Em meados do século XIX, com a presença da família real
no Brasil, o país passa por um período de crescimento eco-
nômico, estabilidade social e incentivo às artes como um
todo por parte do imperador dom Pedro II. A presença da
Academia Imperial de Belas-Artes fez com que passásse- Almeida Júnior – Caipira picando fumo (1893) – Óleo sobre tela.
mos a ter agora produções de grandes pintores brasileiros. Um dos principais artistas do período foi o paraibano Pedro
No entanto, como a pintura era estudada a partir de uma Américo de Figueiredo e Melo. Ele frequentou a Academia
base acadêmica europeia, ela refletia ainda muitos dados Imperial e ficou muito conhecido pelos seus registros de
conservadores dessa escola, especialmente a preocupação importantes acontecimentos históricos brasileiros, como
excessiva com o caráter realista da Antiguidade Clássica, vemos na pintura mais acima, sobre o processo de Inde-
que vimos no Neoclassicismo. Vejamos algumas obras: pendência do Brasil. Vale a pena notar o caráter não ape-
nas nacionalista da obra, mas também idealizado a partir
dos interesses dos grupos dominantes, como acontecia no
Neoclassicismo e no Romantismo. Historicamente, o grito
da independência, às margens do Ipiranga, não teria ocor-
rido de modo tão heroico quanto foi retratado nessa obra.
Outro importante artista foi o catarinense Vitor Meireles de
Lima que buscou traduzir em forma de pintura acontecimen-
tos históricos pregressos, como vemos em sua obra A primei-
ra missa no Brasil (acima), que foi realizada com base em
Pedro Américo – Independência ou morte (1888) – Óleo sobre tela relatos encontrados em registros de Pero Vaz de Caminha.
38
Também vale a pena comentar que, assim como as obras
de Pedro Américo, existe uma ideia de registrar a formação
nacional brasileira a partir de um resgate um tanto ideali-
zado de seus primeiros momentos. Vemos que o registro
da primeira missa apresenta religiosos e indígenas senta-
dos tranquilamente em torno da cruz, sem nenhum tipo de
perturbação no ambiente, como se todos tivessem aceitado
tranquilamente a sobreposição religiosa que ali ocorria.
Por fim, podemos destacar a importante obra de José
Ferraz de Almeida Júnior (mais conhecido apenas como
Almeida Júnior) que também foi aluno da Academia Impe-
rial e produziu obras de espantoso realismo que retratam
momentos da vida privada e também figuras importantes Eliseu Visconti – Jardim do Luxemburgo (c.1905) – Óleo sobre tela.
do interior das grandes capitais, como vemos na pintura Vemos que as telas acima, dos dois autores brasileiros ci-
acima, Caipira picando fumo. tados, já apresentam características muito similares àquelas
que vimos nas estéticas de finais do século XIX na Europa. A
6.2. Superação do primeira, de Belmiro de Almeida, coloca no centro da pintura
academicismo no Brasil uma moça cuja captação da imagem só ocorre por conta
dos efeitos da luz solar que recaem sobre seu corpo. Nesse
Os artistas que frequentavam a Academia Imperial se- caso, a pintura não se preocupa em retratar a moça realisti-
guiam padrões trazidos pela Missão Artística Francesa. O camente, mas a partir da impressão visual que se tem do sol
principal desses padrões consistia em uma ideia de seguir que incide sobre seu corpo. Já na segunda pintura, de Eliseu
os modelos academicistas, especialmente os das escolas Visconti, misturam-se técnicas impressionistas de captação
de belas artes francesas (que, como já vimos, eram sus- de luz, mas há também um trabalho com maior incidência
tentados pelos parâmetros neoclássicos, em sua maioria, de cores por meio de pinceladas mais demarcadas, como ví-
e até em bases do Romantismo). No entanto, em finais do amos nas obras de Van Gogh no Pós-impressionismo.
século XIX, muitos importantes artistas começam a sair
do país e a ter contato com outras bases estéticas e, ao Para finalizarmos, é importante comentarmos que essa
retornarem, passam a trazer a influência de outras experi- busca por uma superação do academicismo que ocorre
ências artísticas, especialmente as do Impressionismo e do quase que simultaneamente às mudanças vistas na arte
Pós-impressionismo. Os primeiros autores que se destaca- europeia mostra o interesse dos artistas brasileiros em
ram por colocar em cena tais técnicas de sua pintura foram apresentar evoluções e variações artísticas. Tudo isso irá
Belmiro Barbosa de Almeida (1858 – 1935) e Eliseu D´An- desembocar também nas mudanças radicais que veremos
gelo Visconti (1866 – 1944), que incorporaram a técnica na arte brasileira do início do século XX, inspiradas pelas
de captação de sensações e de variação de luminosidade a inovações artísticas trazidas pela arte de vanguarda da Eu-
suas obras, como vemos a seguir. ropa, que estudaremos no próximo capítulo.
39
de todo esse processo de reelaboração surgirá com maior
AULA 20 ênfase nas obras artísticas do início do século XX, conheci-
das como Vanguardas Europeias.
Embora as escolas de vanguarda apresentassem significa-
tivas variações, é possível encontrar um ponto de conver-
gência entre as obras desses autores: a tentativa de es-
LEITURA DE IMAGENS capar de figurações que fossem meramente “realísticas”
ou “figurativas” (afinal, a câmera fotográfica já seria o
V: ARTE MODERNA: instrumento mais capaz de realizar um registro altamente
PRIMEIRA METADE realístico). Passará a ser mais relevante explorar aquilo que
uma máquina fotográfica não seria capaz de captar (sen-
DO SÉCULO XX sações, impressões, sentimentos, percepções psicológicas,
entre outras questões).
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 Obviamente, outro ponto relevante foi o que comentamos
no início desse parágrafo: o mundo que passava a se mo-
dernizar diante dos olhos dos homens do século XX exigia
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27
também um novo tipo de representação, que fosse capaz de
captar a velocidade, a mecanização e outros avanços que
passavam a surgir. Nesse sentido, a arte responderá às expe-
riências de intensa mecanização, industrialização e urbani-
40
A famosa obra de Munch serviu de inspiração para o mo- outras. A ideia central dos pintores cubistas era que os ob-
vimento expressionista, pois captava não apenas uma ima- jetos se apresentassem a partir da ideia de um cubo desdo-
gem, mas também uma perspectiva psicológica de ordem brado / aberto, com todos os seus lados no plano frontal em
perturbadora que afetava um indivíduo. As linhas curvas e relação ao observador. Esse gesto faz com que se abandone
distorcidas transmitem a sensação de que algo não está a técnica perspectiva e os dados tridimensionais.
devidamente “organizado” na mente do indivíduo.
3. Cubismo
Foi um movimento que surgiu a partir da obra de Cézanne,
ainda em finais do século XIX, pois o autor já se preocupava
com a ideia de registrar as formas da natureza a partir de for- Georges Braques – Homem com violão
mas comuns ao artista, como cones, cilindros, esferas, entre (1911 – 1912) – Óleo sobre tela.
41
Nessa pintura de Georges Braques, vemos o trabalho in-
tenso com as técnicas cubistas. O artista procurava con-
siderar a pintura como uma obra que deva ser diferente
de uma descrição objetiva da realidade. Existe, nesse caso,
uma certa dificuldade em identificarmos algum tipo de fi-
guração (o propriamente dito homem com violão).
André Derain – Ponte sobre o Riou (1906) – Óleo sobre tela. Piet Mondrian – Composição (1921) – Óleo sobre tela.
42
As duas obras acima seguem fortemente a tendência de distintos, algo que se assemelha as operações mentais do
abstração, compondo imagens que não remetem a ne- sonho, de onde muitos autores surrealistas buscavam a
nhum tipo de figuração mais imediata. Inclusive, o trabalho inspiração para suas composições.
com as formas geométricas é usado aqui de modo dife-
rente do que vimos, por exemplo, no Cubismo. Na estética
abstracionista, o geométrico atende a um total afastamen-
to da composição fotográfica.
6. Surrealismo
O Surrealismo foi um movimento que esteve presente não só
nas artes plásticas, mas também na literatura. Teve início sob
a liderança do escritor André Breton e tinha como objetivo
Marc Chagall – Sobre a cidade (1915)
provar que a arte não poderia ser resultado de operações ra-
cionais e lógicas, mas sim de pensamentos absurdos e até iló-
gicos. Nesse sentido, a instancia do sonho, por exemplo, com
suas imagens desconexas, passa a ser um ponto central para
a estética pictórica surrealista, criando vários conjuntos irreais
que circundam qualquer elemento que seja pertencente à re-
alidade. Além do sonho, os autores criavam “mecanismos”
que os afastassem da realidade no momento da criação (Por
exemplo, o artista surrealista Joan Miró costumava entrar em
longos ciclos de jejum, a fim de que as alucinações da fome
orientassem as imagens que surgiam em sua obra). Joan Miró – Carnaval de Arlequim (1925)
43
Lasar Segall foi o primeiro artista a colocar o Brasil em
contato com as experiências artísticas europeias de van-
guarda, ainda antes da consolidação do movimento mo-
dernista. Na obra em destaque é possível notar a influência
das vanguardas na arte brasileira, especialmente as formas
angulosas do cubismo e a variação de cores do fauvismo.
A influência da arte
moderna no Brasil Anita Malfatti – O homem amarelo (1915)
O começo do século XX no Brasil é marcado por diversas
Anita Malfatti sofreu severas críticas de artistas mais con-
mudanças, como o início dos processos de industrialização,
servadores quando da exposição de seu trabalho no Brasil,
além da chegada de um grande número de imigrantes de
no ano de 1917. Posteriormente, recebeu apoio de diversos
diversos países. Como consequência, alguns Estados apre-
artistas que passavam a seguir as linhas de influência eu-
sentaram um expressivo crescimento econômico e grandes
ropeia, sendo reconhecida hoje como uma das artistas que
transformações sociais, resultantes justamente do convívio
mais chamou a atenção para os novos modelos de produção
com diferentes culturas e por conta das novas relações de
do período, especialmente os trabalhos que envolviam o uso
trabalho oriundas da grande industrialização.
das cores, como podemos ver em O homem amarelo.
Todas essas mudanças sociais fizeram com que os artistas
passassem a repensar suas criações artísticas. Na literatura,
as figuras de Oswald de Andrade e Mário de Andrade tive-
ram papel definitivo no novo modo de se elaborar a arte
brasileira, fazendo com que as obras não fossem meras có-
pias de modelos europeus, mas que incorporassem raízes
nacionais. Vejamos os principais artistas.
44
mulheres também negras, em território brasileiro. São no-
táveis as influencias geométricas na formação das modelos
(especialmente as formas arredondadas) que vemos nas
vanguardas europeias.
45
AULA 21 3. Pop Art
O movimento tem seu início na década de 1960 e se vale
de criações da civilização industrial a fim de constituir uma
crítica irônica da cultura comercial de massa contemporâ-
nea. As obras artísticas da Pop art irão absorver:
§ as imagens da cultura consumista;
LEITURA DE IMAGENS VI: § os dados do ambiente nacionalista americano;
1. Introdução
Denomina-se arte contemporânea o conjunto de manifes-
tações artísticas que passa a ser feita em várias partes do
mundo ocidental na passagem dos anos 1940 até 1960, e
que duram até os dias de hoje.
Como ponto partida, começa a haver por parte dos artistas
em diversas partes do mundo a percepção de que o cresci-
mento das dinâmicas de consumo relacionadas ao capital Richard Hamilton – O que é que torna os lares de hoje
tão diferentes, tão atraentes? (1956) - Colagem
(que trouxe novos estímulos, como a TV e o cinema) fez
com que ocorresse uma diminuição do interesse do pú- Considerada uma das obras seminais do movimento – pois
blico geral pelas bases tradicionais da arte. Essa redução teria sido aquela em que, pela primeira vez, foi utilizado
do interesse obriga os artistas a repensarem os modelos o termo “pop” – foi realizada por meio da técnica da co-
de produção artística, passando a tentar desenvolver ma- lagem de fragmentos recortados de revistas americanas,
neiras de fazer com que o espectador da obra não fosse compondo uma espécie de “mosaico” das variadas refe-
apenas um mero observador, mas sim um espectador que rencias da cultura pop do período, com quadrinhos, figuras
pudesse participar, ele mesmo, da composição. É nesse do cinema, da TV, entre outras imagens.
sentido que irá ocorrer uma ampliação das bases artísticas
que permitissem um maior contato entre obra e especta-
dor, criando uma experiência que valorizasse as possíveis
conexões entre arte e vida.
46
Essa obra realizada a partir da técnica da serigrafia (silk screen) engloba um conjunto de projetos críticos. Num primeiro
momento, vemos a ideia da repetição de imagens, que de acordo com Warhol objetivava realizar uma crítica da suposta
singularidade da obra de arte em um mundo de reprodução e comunicação de massa (além da própria ideia de reprodução
industrial operada pelo capital). Outro ponto é a escolha por uma celebridade como base da composição, que, além de
funcionar como crítica da idolatria sobre as celebridades, coloca em xeque a ideia de que a arte não apresentaria a mesma
penetração popular que os artistas de cinema.
Vale notar também que as repetições de Warhol promovidas pela técnica da serigrafia criam várias “Marilyns” que apre-
sentam pequenas diferenças entre si (algumas mais claras, outras mais escuras, outras mais borradas, com lábios ora mais
definidos, ora menos...), dando a entender que o controle sobre a obra por parte do artista é parcial.
Nessa obra de Lichtenstein, o autor elabora uma crítica irreverente ao Expressionismo abstrato, e seu uso de cores puras
saturadas na tela. Além disso, Lichtenstein considerava o Expressonismo abstrato uma arte altamente comercial, sem grande
valor artístico, por esse motivo criou Whaam! como uma forma de apresentar uma tela que tratasse da futilidade das histó-
rias em quadrinhos dirigidas ao público infantil que muitas vezes só serviam para glorificar guerras e batalhas.
47
Nesta obra, o espectador adentra uma sala em que tem con- Era comum aos novos realistas a incorporação em suas
tato com um quarto com o teto destruído que representa a obras de objetos que foram descartados no cotidiano, a
“fuga” de um homem que vai para o espaço, dando uma fim de estabelecer uma crítica mais precisa às relações de
ideia de que a arte é constantemente concebida como um consumo, ao desperdício, ou a tudo aquilo que a guerra
processo (a todo momento que se entra na sala, vê-se a fuga representa de negativo.
como recém ocorrida). Atualmente, a obra está na França.
Os artistas também se pautavam por uma ideia de “des-
truição criativa”, que resultavam em ações ou performan-
ces em que os indivíduos passam a ser, efetivamente, parte
integrante da obra artística.
48
miam a uma tela ou papel branco a partir de um conjunto
de gestos corporais orientados pelo artista. O artista resol-
veu chamar essa técnica de pintura com corpos de “antro-
pometria”.
6. Minimalismo
Outro projeto contemporâneo importante foi o Minimalis-
mo. O movimento visava, por meio de traços e formatos
bastante simplificados criar estruturas marcadas por certa
impessoalidade, de modo a evitar sentimentalismos muito
comuns em outras estéticas. Em suma, os trabalhos não
deveriam revelar significados, criar símbolos ou apontar
referências. O movimento caracteriza-se por trabalhar com
peças simples, com formas geométricas quadradas ou re-
tangulares se afastem de qualquer figuração mais precisa
Donald Judd – Sem título (pilha) (1967) – Laca sobre ferro.
da realidade.
As obras apresentadas são todas marcadas por grande
simplicidade, mas, ao mesmo tempo, prezam por uma
grande precisão matemática e geométrica. Esse tipo de cál-
culo preciso influenciará muitos escultores do movimento
concretista no Brasil.
7. Arte conceitual
A arte conceitual também surge em meados dos anos
1960 como um desfio às classificações impostas à arte
por museus e galerias, que costumavam afirmar ao público
“isto é arte”. Nesse sentido, a arte conceitual vem como
um movimento que insere a pergunta: o que é arte?
As raízes da Arte conceitual remontam ao Dadaísmo, e tem
como objetivo colocar um conceito à frente da obra de arte
em si. Nesse sentido, promove-se uma reflexão não sobre o
objeto, mas sobre a ideia que está sobre esse objeto. Ela foi
operada por meio de pinturas, esculturas e até performances.
Dan Flavin – Diagonal de 25 de maio de
1963 (1963) – Tubo fluorescente.
49
destruir o valor financeiro da obra. Alguns anos depois, um A ideia de Pistoletto nessa obra é recriar a icônica imagem
colaborador de Piero Manzoni afirmou a um jornal italiano da Antiguidade colocada ao lado dos detritos da sociedade
que as latas continham uma mistura de gesso, algodão e moderna (a pilha de roupas que a acompanha)
algum material orgânico (também, alguns compradores da
obra abriram suas latas em 1989 e em 2007).
Michelangelo Pistoletto – Vênus dos trapos Bridget Riley – Corrente (1964) – Tinta de polímeros
(1974) – Mármore e tecidos. sintéticos sobre prancha de composição.
50
Nessas duas obras percebemos que as imagens realizadas Os túneis de Sol são instalações de túneis que se alinham
tentam interferir em nossa percepção. A obra de Vasarely ao horizonte. Esse posicionamento estratégico nos permite
tenta criar por meio de linhas uma sensação de diferentes enxergar o sol se pondo através obra, fazendo com que ela
planos na pintura. Já a obra da artista Bridget Riley utiliza estabeleça relações diretas com o ambiente, aumentando
uma certa distorção nas linhas que nos dá a sensação de o vínculo entre arte e vida.
que as curvas centrais estão sempre em um movimento
vibrante.
11. Urban / Street art
10. Land art A arte urbana se originou no fim da década de 1960 e
início da década de 1970, na Filadélfia, com alguns gra-
A Land art surge em finais dos anos 1960 buscando novos fiteiros pioneiros da região, e alguns anos depois ganha
materiais, temas e lugares para a prática artística. Os artis- notoriedade em Nova York. A princípio o grafite se con-
tas desse movimento irão explorar o potencial da paisa- centrava na produção de “marcas”, que consistiam em
gem e do meio ambiente tanto por seus materiais quanto um pseudônimo resumido inscrito em qualquer superfície
por sua localização. A principal ideia era: ao invés de sim- pública disponível.
plesmente representarem a natureza, ela agora faria parte
Em momento posterior, as marcas evoluíram para “peças”,
da obra.
que eram ilustrações caligráficas grandes e extremamente
Os primeiros artistas da Land art foram americanos. Pos- complexas, feitas com o uso de latas de tinta spray e cuja
teriormente, esse modelo estético se difundiu por outros principal mídia, se não única, era o sistema de transporte
países da Europa. As obras realizadas consistiam em escul- público, principalmente o metrô de Nova York.
turas de monumentos feitas com a própria natureza.
No início dos anos de 1980, as autoridades da cidade de
Nova York empreenderam uma “batalha” contra o que
elas chamavam de “os vândalos” grafiteiros. Ao mesmo
tempo, já existiam algumas galerias de arte que passa-
vam a olhar com mais cuidado as produções de artistas
como Dondi White, Keith Haring e Jean-Michel Basquiat.
A partir dos anos 1990 o grafite começa a se consolidar
cada vez mais como arte de rua, especialmente quando
passa a incorporar novas matrizes a sua produção, como
Robert Smithson – Quebra-mar em espiral (1970) – Earthwork. adesivos, cartazes e estênceis (como vemos nas obras mais
recentes do artista Bansky). Mais recentemente vemos o
A obra de Robert Smithson consiste numa espécie de cal-
grafite também atrelado à técnicas de caligrafia, metalur-
çada em espiral feita com pedras de basalto negro e terra
gia e exploração de folclore.
que avança para dentro do Grande Lago Salgado de Utah.
Em alguns momentos de sua história, a obra ficou encober-
ta por conta da subida das marés. Quando voltou à tona,
estava coberta de sedimentos brancos de sal, como os que
vemos na imagem.
51
As obras apresentam maior crença na tecnologia, grande
rigor geométrico, e na matemática, estruturando ritmos e
relações. O desenho das obras é preciso, feito com régua
e compasso, e utilizam, tanto no suporte, quanto na maté-
ria prima, materiais industrializados produzidos em série,
como ferro, alumínio, tinta esmalte, entre outras.
A arte concreta se desenvolveu bastante nos campos da
escultura e da arquitetura, como veremos a seguir:
No Brasil, a arte contemporânea também seguiu as tendên- Nas duas obras acima, vemos esculturas que seguem a ideia
cias que vimos nas escolas anteriores. Encontramos, às vezes, colocada pela estética concreta, de se trabalhar com materiais
estéticas mais definidas (vinculadas a um estilo determina- industrializados e objetos esculturais que apresentam forma-
do); e em outros momentos encontramos cruzamentos esté- tos geométricos perfeitos, trabalhados com pleno equilíbrio.
ticos. Vejamos um pouco do que se produziu nesse período.
52
As formas geométricas equilibradas também fizeram parte dos
projetos arquitetônicos do período, como vemos na imagem
acima, do Palácio da Alvorada (moradia presidencial). As co-
lunas do prédio são refletidas no espelho d’água de modo a
criar uma composição de imagens bastante simétricas entre si.
53
Os bichos são placas de metal polido unidas por do-
bradiças, que lhe permitem a articulação. As obras são
inovadoras: encorajam a manipulação do espectador,
que conjugada à dinâmica da própria peça, resulta em
novas configurações.
54
Em plena ditadura militar, o artista plástico Cildo Meireles
aplicava decalques em silk-screen em garrafas retornáveis
de Coca Cola que, então, voltavam à circulação com men-
sagens que questionavam o regime militar, ou mesmo com
instruções para fazer um coquetel molotov. No entanto,
essas mensagens só podiam ser lidas quando as garrafas
saiam cheias da fábrica e voltavam ao público. Esse tipo
de projeto já ultrapassa a própria ideia de participação do
espectador e adentra, como o próprio nome da obra revela,
um campo ou circuito ideológico, apresentando caráter de
intervenção política. Cao Guimarães – Gambiarras (2008)
Na obra acima, o artista compõe uma torre de rádios em Vik Muniz – Che (feijão e geléia) – 2000
que todos estão ligados em estações diferentes. Ao se
aproximar da torre, pode-se distinguir o que cada um dos
rádios está tocando. Música, notícias, conversa com os ou-
vintes. O caos começa a ganhar forma. O título “Babel”
reporta-se ao episódio bíblico da Torre de Babel, que teria
sido, segundo o mito, a causa primeira de todos os conflitos
entre agrupamentos humanos.
56
mas que muitos artistas talvez não quisessem perder tempo
AULA 22 em registrar (como a faca de corte de palha enterrada a fren-
te do monte). Há também uma preocupação em apresentar
áreas geométricas, como vemos com a escada e sua sombra
b) Primeiros testemunhos fotográficos
Já na segunda metade do século XIX encontramos regis-
tros fotográficos que testemunhavam grandes eventos
LEITURA DE IMAGENS como encontros, batalhas ou descobertas científicas.
VII: FOTOGRAFIA
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8
57
documentar fenômenos e eventos naturais, assim como ob- primeira metade do século XX nos mostra as primeiras ten-
servar humanos e animais e suas relações de movimento. tativas de amadurecimento estético do gênero.
a) Trabalho mais cuidadoso com a imagem
2. Fotografia da primeira Essa foto de Robert Capa até hoje passa por certos ques-
tionamentos a respeito de sua veracidade: isso porque ela
metade do século XX seria um registro do exato momento em que um soldado
em campo de batalha, que havia parado para posar para
A fotografia da era moderna esteve muitas vezes próxima uma foto, teria sido atingido por um tiro. Muitos questio-
das estéticas que estudamos na pintura. A fotografia da nam se a foto seria real ou se teria sido forjada.
58
c) Experimentação e abstração Novamente, temos uma imagem do artista Man Ray, que
além de ter atuado em produções abstracionistas, realizou
As perspectivas do abstracionismo também alcançaram
essa curiosa foto surrealista em que se temos um nu femini-
a fotografia. Na tentativa de amadurecer o gênero este-
no, associado aos ouvidos (os furos) do violino. Uma imagem
ticamente, surgiram registros fotográficos que distorciam
que objetiva a total quebra de parâmetros de racionalidade.
a figuração.
e) Fotografias de rua
As fotografias de rua colocavam em prática a ideia do “ins-
tantâneo”, que consistiam em fotografias que registravam
momentos muito particulares do cotidiano em enquadra-
mentos muitas vezes específicos ou inusitados.
O surrealismo também teve parte de sua atuação vinculada Essa foto faz parte da série “momentos decisivos” de Henri
à fotografia. A mesma perspectiva do sonho e do absurdo Cartier-Bresson, que consiste em realizar registros de mo-
que víamos na pintura também encontraremos na fotografia. mentos cotidianos de modo que eles possuam, também
enquadramentos geométricos, dando um caráter estético
a uma imagem de rua.
3. Fotografia da segunda
metade do século XX
até os dias atuais
Na segunda metade do século XX, até nossos dias, a foto-
grafia apresenta grandes avanços, e em alguns momentos
seguirá mais próxima de perspectivas que vemos na pintu-
ra; em outros, apresentará características mais particulares.
a) Performance e participação
A fotografia também explorou, assim como a pintura, pers-
pectivas relacionadas ao espectador participante em rela-
Man Ray – O violino de Ingres (1924) ções que envolviam performances.
59
Gillian Wearing – Cartazes que dizem o que você quer que eles digam e não cartazes que dizem o que outra pessoa quer que você diga (1992 – 1993)
As imagens acima fazem parte de uma série desenvolvida As séries em preto e branco de Sebastião Salgado docu-
pela fotógrafa inglesa Gilliam Wearing, na qual pedia para mentam momentos da fragilidade humana. No caso, os
pessoas que ela abordava na rua para que anotassem em indivíduos empobrecidos que se deslocavam como num
um papel aquilo que passava por suas cabeças e, em segui- formigueiro nas minas de exploração de minérios de Serra
da, posassem para uma foto exibindo o cartaz. Pelada.
b) Documentário c) Paisagem alterada pelo homem
A fotografia também explorou as relações que documen- A fotografia também atendeu a demandas relacionadas a
tam grandes problemas sociais. Em geral, são fotografias denúncias sobre degradação do meio ambiente; denúncias
marcas por forte intencionalidade, com objetivo de promo- essas que, muitas vezes, geraram fotografias memoráveis.
ver uma conscientização pelo choque.
60
Wang Qingsong – Siga-me (2003)
61
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS
O ENEM exige que o aluno tenha conhecimen- A maior parte das questões de literatura dessa
to a respeito das diferentes escolas literárias. prova se refere às obras de leitura obrigatória.
Neste caderno, você encontra algumas ques- Neste livro, encontram-se alguns exercícios
tões sobre Modernismo e Literaturas africanas, a respeito do Modernismo e de Literaturas
além de exercícios a respeito de Literatura africanas, conteúdo que está associado a
de 60 a 80, conteúdo recorrente algumas das leituras exigidas por
nesse exame. esse exame.
A maioria das questões de literatura da Uni- A Unifesp não contém uma lista obrigatória de Como a Unesp não possui uma lista obriga-
camp refere-se às obras de leitura obrigatória. livros, desse modo, as questões contemplam o tória de livros, as questões contemplam o
Neste livro, estão presentes questões sobre conhecimento das escolas literárias, bem como conhecimento acerca das escolas literárias,
Modernismo, Pós-Modernismo e Literaturas de seus principais representantes. Neste livro, bem como de seus principais representantes.
africanas. estão presentes questões sobre as estéticas Neste livro, estão presentes questões sobre
modernista, marginal, concretista, Modernismo, Pós-Modernismo e
entre outras. Literaturas africanas.
Parte das questões de literatura dessa prova Na prova da FMABC, as questões avaliam o Como a PUC-Camp não possui uma lista A prova da Santa Casa exige seus conheci-
se baseia nas obras de leitura obrigatória da conhecimento do aluno acerca dos diferentes obrigatória de livros, as questões contemplam mentos acerca dos movimentos literários no
FUVEST. Neste livro, encontram-se alguns gêneros literários e das escolas literárias o conhecimento acerca dos diferentes gêneros Brasil e em Portugal. Neste livro, estão presen-
exercícios sobre Modernismo, Literatura brasileiras, bem como de seus principais literários e das escolas literárias. Este livro con- tes questões sobre as estéticas modernista,
Pós-Modernismo e Literaturas africanas. representantes. tém exercícios sobre as estéticas modernista, marginal, concretista, entre outras.
marginal, concretista, entre outras.
UFMG
A maior parte das questões de literatura da UEL A maioria das questões de literatura da UFPR A faculdade de Ciências Médicas de MG
se refere às obras de leitura obrigatória. Neste cobram as obras de leitura obrigatória. No avalia seus conhecimentos acerca dos gêneros
livro, encontram-se alguns exercícios a respeito do entanto, para interpretar corretamente tais literários e dos movimentos literários brasi-
Modernismo e da Literatura de 60 a 80, períodos obras, é essencial conhecer bem os movimen- leiros. Neste livro, estão presentes questões
literários que estão associados a algumas das tos literários e seus principais representantes. sobre as estéticas modernista, marginal,
leituras exigidas por esse exame. concretista, entre outras.
Como a UERJ não possui uma lista obrigatória Como a Ungranrio não possui uma lista A maior parte das questões de literatura se
de livros, as questões contemplam o conheci- obrigatória de livros, as questões contemplam refere às obras de leitura obrigatória. No
mento acerca dos diferentes gêneros literários o conhecimento acerca dos diferentes gêneros entanto, também são comuns exercícios que
e das escolas literárias brasileiras, bem como literários e das escolas literárias. Este livro con- cobrem o conhecimento do aluno acerca dos
de seus principais representantes. tém exercícios que contemplam as estéticas movimentos literários em geral, bem como
modernista, marginal, concretista, de seus principais representantes.
entre outras.
LITERATURA
63
1.2. Situação dos proletários rurais
AULAS 35 E 36
Em quase todos os romances regionalistas dos anos 1930,
predomina a situação dos proletários rurais, isto é, sertane-
jos dominados por um rude esquema de trabalho sob man-
do dos grandes proprietários de terra: latifundiários que
oprimem lavradores; senhores de engenho que mantêm
MODERNISMO cangaceiros a seu serviço; grandes fazendeiros de cacau
que levam o trabalhador rural a viver em estado miserável;
NO BRASIL: 2ª flagelados da seca. Esses romances apresentam o homem
FASE – PROSA do sertão com toda sua força de homem da terra.
A relação trabalho-homem é tema presente na literatura
regionalista dos anos 1930, como neste trecho da obra
Cacau, do escritor baiano Jorge Amado:
COMPETÊNCIAS: 4e5
[...] Nove horas da noite e o silêncio enchia tudo e a gente
se estirava nas tábuas que serviam de cama e dormíamos
HABILIDADES: 12, 13, 14, 15,16 e 17
um sono só, sem sonhos e sem esperanças. Sabíamos que
no outro dia continuaríamos a colher cacau para ganhar
três mil e quinhentos que a despensa nos levaria.
Ninguém reclamava. Tudo estava certo. A gente vivia quase
1. Características do romance fora do mundo e a nossa miséria não interessava a ninguém.
A gente ia vivendo por viver. Só muito de longe surgia a ideia
regionalista dos anos 1930 de que um dia aquilo podia mudar. Como, não sabíamos.
E nas nossas vidas sem amor (existe lá amor nas fazendas
de cacau...) tínhamos momentos de nostalgia. O amor te-
ria sido feito somente para os ricos? [...]
AMADO, Jorge. Cacau. 50 ed. Rio de Janeiro: Record,1996.
64
no meio do canavial aquelas cabeças de chapéu da palha
velho subindo e descendo, no ritmo do manejo da enxada: 2. Os regionalismos
uns oitenta homens. Para melhor compreensão da literatura regionalista
– Deixa de conversa, gente! – gritava seu José Felismino. crítica que se desenvolveu a partir dos anos 1930,
– Bota pra diante o serviço. Com pouquinho o coronel está é possível dividir a produção ficcional em vários as-
aqui gritando [...]. pectos regionalistas.
Manuel Riachão puxava o eito na frente, como uma baliza.
Era o mais ligeiro. [...] O moleque Zé passarinho reman- 2.1. Romances da seca nordestina
chando, o último eito. São aqueles cuja temática centrou-se na grande tragédia
[...] Também ganhava dois cruzados, davam-lhe a mesma cíclica nordestina, a seca. O principal enfoque dos roman-
diária das mulheres na apanha de algodão. cistas nordestinos volta-se para a figura do vaqueiro e de
sua família, flagelados no tempo da seca, expostos à incle-
– Tira a peia da canela, moleque safado! O diabo não anda!”
mência da fome e da falta de trabalho.
REGO. José Lins do. Menino de engenho. Rio
de Janeiro: José Olympio,1997. Um quadro comum aos romances regionalistas da seca é o
retirante, andando com seus familiares em busca de abrigo
e de comida, cena que aparece tanto em O quinze, de Ra-
chel de Queiroz, como em A bagaceira, de José Américo de
Almeida, e, sobretudo, no eixo do já clássico Vidas secas,
de Graciliano Ramos.
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Menino de engenho
Paraíba, 1920. Após a morte da mãe, o menino Carlin-
hos (Sávio Rolim) é enviado para o engenho Santa Rosa
para ser criado pelo avô e pelos tios. Lá, ele testemunha
a chegada de um novo tempo, com o advento das mod-
ernas usinas de açúcar e as transformações econômi-
cas e sociais pelas quais passa a produção canavieira,
mudanças que irão afetar a vida de todos. Quando ele
cresce e vai para o colégio, já não é mais o garoto ingên- Xilogravura de J. Borges, autor de folhetos de
uo e inocente que chegou no engenho. cordel e ilustrador. Bezerros, PE.
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Vidas secas
Uma família miserável tenta escapar da seca no sertão
nordestino. Fabiano (Átila Iório), Sinhá Vitória (Maria Ri-
beiro), seus dois filhos e a cachorra Baleia vagam sem
destino e já quase sem esperanças pelos confins do inte-
rior, sobrevivendo às forças da natureza e à crueldade dos
homens. Adaptação da obra de Graciliano Ramos.
65
Do mesmo modo, há o poder armado, representado,
de um lado, pela polícia oficial e, de outro, pelo can-
gaço e pelos jagunços, trabalhando pelo senhor das
terras ou pelo banditismo particular. Um quadro ma-
gistralmente representado nos romances de José Lins
do Rego, cujo conjunto da obra mapeia todo o ciclo da
multimídia: vídeo cana-de-açúcar no Brasil.
São narrativas armadas em torno da colonização do Rio Grande do Sul, seu passado histórico, as guerras entre fronteiras e o estabe-
lecimento de uma sociedade marcadamente arraigada à terra. Representa essa tendência Erico Verissimo, cuja obra é um verdadeiro
mapeamento da região do extremo Sul do Brasil.
Quadro geral do regionalismo dos anos 1930
autores obra principal região/assunto
José Américo de Almeida A bagaceira Sertão nordestino/seca
Rachel de Queiroz O quinze Sertão nordestino/seca
Graciliano Ramos Vidas secas Sertão nordestino/seca
José Lins do Rego Fogo morto Sertão nordestino/engenho e cangaço
Jorge Amado Gabriela, cravo e canela Sertão nordestino/cacau, religião e amor
Erico Veríssimo O tempo e o vento Pampa gaúcho e cidade/colonização, história
e dramas urbanos
66
3. Romancistas principais – Chico, eu não posso mais... Acho até que vou morrer.
Dá-me aquela zoeira na cabeça!
3.1. Rachel de Queiroz Chico Bento olhou dolorosamente a mulher. [...] A pele,
empretecida como uma casca, pregueava nos braços e nos
peitos, que o casaco e a camisa rasgada descobriam.
A saia roída se apertava na cintura em dobras sórdidas; e
se enrolava nos ossos das pernas, como um pano posto a
enxugar se enrola nas estacas da cerca.
Num súbito contraste, a memória do vaqueiro confu-
samente começou a recordar a Cordulina do tempo do
casamento.
Rachel de Queiroz (1910-2003) publicou O quinze, em
Viu-a de branco, gorda e alegre, com um ramo de cravos no
1930, e com esse romance ganhou o prêmio Graça Aranha
cabelo oleado e argolas de ouro nas orelhas... [...]
de Literatura.
Dedicou-se ao jornalismo e à tradução. Militou durante al- Lentamente o vaqueiro voltou as costas; cabisbaixo, o
gum tempo junto à esquerda política. A terra e a tradição Pedro o seguiu.
nordestina eram, no entanto, os pontos mais altos de sua E foram andando à toa, devagarinho, costeando a margem
preocupação humanista. da caatinga.
Após forte militância política no Nordeste, Rachel de Quei- Às vezes, o menino parava, curvava-se, espiando debaixo
roz mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1932. Em 1977, dos paus, procurando ouvir a carreira de algum tejuaçu
tornou-se a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Aca- que parecia ter passado perto deles, mas o silêncio fino
demia Brasileira de Letras. do ar era o mesmo. [...]
A obra de Rachel de Queiroz traz para a literatura brasileira
De repente, um bé!, agudo e longo, estridulou na calma. E uma
a linha da reportagem sociorregional, sob o impacto da ex-
cabra ruiva, nambi, de focinho quase preto, estendeu a cabeça
periência pessoal. O homem simples, o retirante e as tensões
por entre a orla de galhos secos do caminho, aguçando os ru-
geradas pela falta de perspectiva de melhoria de vida inspi-
dimentos de orelha, evidentemente procurando ouvir, naquela
raram histórias de indisfarçável cunho político, apontando a
distensão de sentidos, uma longínqua resposta a seu apelo.
impotência do nordestino frente aos problemas do sertão.
A grande seca de 1915 inspirou O quinze, que focaliza Chico Bento, perto, olhava-a, com as mãos trêmulas, a gar-
a perplexidade de uma jovem com 18 anos em face do ganta áspera, os olhos afogueados.
flagelo. Preocupada com o papel da mulher na sociedade O animal soltou novamente o seu clamor aflito. Cauteloso,
moderna, Rachel situa-a no ambiente sociogeográfico do o vaqueiro avançou um passo.
Nordeste. Sua linguagem neorrealista, fluente e dinâmica
E de súbito em três pancadas secas, rápidas, o seu cacete
imprime à sua narrativa grande agilidade.
de jucá zuniu; a cabra entonteceu, amunhecou, e caiu em
Em João Miguel, seu segundo livro, faz coexistir o ângulo cheio por terra.
social com o psicológico. Mas é com o romance Caminho
de pedras, publicado em 1937, que ela alcança sua matu- Chico Bento tirou do cinto a faca, que de tão velha e tão gas-
ridade de escritora engajada politicamente. ta nunca achara quem lhe desse um tostão por ela. Abriu no
animal um corte que foi de debaixo da boca até separar ao
Diante da enorme censura do período Vargas, Rachel de
meio o úbere branco de tetas secas, escorridas. Rapidamente
Queiroz abandonou paulatinamente o romance de cunho
iniciou a esfolação. A faca afiada corria entre a carne e o cou-
político, enveredando pela linha psicológica que caracteriza
ro, e, na pressa, arrancava aqui pedaços de lombo, afinava ali
As três Marias.
a pele, deixando-a quase transparente. [...]
O registro do êxodo rural e das amarguras da seca é uma
Um homem de mescla azul vinha para eles em grandes
constante na obra de Rachel de Queiroz.
passadas.
Trecho do romance O quinze, de Rachel Queiroz Agitava os braços em fúria, aos berros:
Capítulo 12 – Cachorro! Ladrão! Matar minha cabrinha! Desgraçado!
[...] Cordulina, que vinha quase cambaleando, sentou-se Chico Bento, tonto, desnorteado, deixou a faca cair e, ainda
numa pedra e falou, numa voz quebrada e penosa: de cócoras, tartamudeava explicações confusas.
67
O homem avançou, arrebatou-lhe a cabra e procurou – Mãe Nácia, eu digo como a heroína de um romance que
enrolá-la no couro. li outro dia: ”Não sei amar com metade do coração...” Ao
Dentro da sua perturbação, Chico Bento compreendeu que a avó respondia, aborrecida:
apenas que lhe tomavam aquela carne em que seus olhos – Pois vá-se guiando por heroína de romance, e depois não
famintos já se regalavam, da qual suas mãos febris já ti- acabe tísica...
nham sentido o calor confortante. [...]
Mas apesar de censurar os exageros da neta, seu coração de
Capítulo 18 velha avó todo se confrangia e mortificava com a mortanda-
Sentado na salinha da Rua de São Bernardo, o velho cha- de horrorosa que aquele novembro impiedoso ia espalhan-
péu entre as pernas, uma tira áspera de cabelos cobrindo do debaixo dos cajueiros do Campo. E sua bolsa de couro
os olhos, Chico Bento conversava com Conceição e a avó preto já estava com a mola gasta de tanto fechar e abrir.
sobre o futuro, o seu incerto futuro que a perversidade de tejuaçu: teiú, um tipo de lagarto.
QUEIROZ, Rachel de. O quinze. Rio de Janeiro: José Olympo, 1976.
uma seca entregara aos azares da estrada e à promiscuida-
de miserável dum abarracamento de flagelados.
Tristemente, contou toda a sorte sofrida e as consequentes
misérias. [...]
O vaqueiro continuou a falar, no mesmo jeito encolhido,
estirando apenas, uma vez ou outra, o braço mirrado, para
vergastar o ar numa narrativa de miséria mais sentida, ou
de desespero mais pungente... multimídia: vídeo
Depois era a fuga do ladrão, e aquela noite na estrada em Fonte: Youtube
que a mulher, estirada no chão, com o Duquinha de ban- O quinze
da, todo o tempo arquejou, variando, sem sentidos, como Baseado na obra de Rachel de Queiroz, o filme se passa no
quem está pra morrer. sertão central do Ceará em 1915. Ao passar as férias na fa-
E ele de cócoras, junto dela, com os dois outros meninos agar- zenda se sua avó em Quixadá, a professora Conceição (Ka-
rados nas pernas, não teve forças nem de se mexer, de caçar rina Barum) convive que com os problemas da seca e se en-
um recurso, nem de, ao menos, tentar descobrir um rancho... volve com seu primo Vicente que é fazendeiro. Enquanto isso,
Agora, felizmente, estavam menos mal, o de que carecia era Chico Bento (Jurandir Oliveira), vaqueiro na fazenda de dona
arranjar trabalho; porque a comadre Conceição bem via que Marocas, se vê obrigado a negociar seu rebanho com Vicente
o que davam no Campo mal chegava para os meninos. e seguir com sua família rumo a Fortaleza, enfrentando as
dificuldades do percurso.
Conceição concordou:
– Eu sei, eu sei, é uma miséria! Mas você assim, compadre,
tão fraco, lá aguenta um serviço bruto, pesado, que é só o
que há para retirante?!
Ele alargou os braços, tristemente:
– A natureza da gente é que nem borracha... Havendo
precisão, que jeito? dá pra tudo...[...]
Conceição passava agora quase o dia inteiro no Campo de multimídia: vídeo
Concentração, ajudando a tratar, vendo morrer às cente-
nas as criancinhas lazarentas e trôpegas que as retirantes Fonte: Youtube
atiravam no chão, entre montes de trapos, como um lixo São Bernardo
humano que aos poucos se integrava de todo no imundo Paulo Honório (Othon Bastos), um sertanejo de origem
ambiente onde jazia. pobre que, em uma empreitada financeira, se torna dono
Dona Inácia, as vezes que podia, acompanhava a neta nes- da decadente fazenda de São Bernardo, em Viçosa, Ala-
sa labuta caridosa, em que a moça empregava o melhor goas. Determinado a fazer fortuna e ascender socialmen-
da sua natureza. te, ele recupera a fazenda, consegue entrar para a econo-
De vez em quando, porém, a avó tinha que repreendê-la mia rural e casa-se com a professora da cidade, Madalena
por quase não comer, por sempre chegar em casa atrasada, (Isabel Ribeiro). Os problemas começam quando as dife-
por consumir todo o ordenado em alimentos e purgantes renças de Paulo e sua esposa se acentuam.
para os doentinhos do Campo; ela respondia, rindo:
68
3.2. José Lins do Rego 3.2.1. Ciclo da cana-de-açúcar
Típico filho de uma família patriarcal nordestina, José Lins do
Rego (1901-1957) centrou em sua produção literária o Nor-
deste dos engenhos, onde desde cedo viveu. Testemunhou a
decadência dos engenhos de açúcar, que cederam lugar às
usinas, em um processo de transformação social e econômica.
Em 1932, publicou o romance Menino de engenho, que
lhe deu o prêmio de romance da Fundação Graça Aranha.
Mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1935, e publicou pra-
ticamente um livro por ano: Doidinho; Banguê; O moleque
Ricardo, Usina; Histórias da velha Totônia; Pureza; Pedra Obras: Menino de engenho, Doidinho, Banguê, O moleque
bonita; Riacho doce; Água-mãe. Sua obra-prima, Fogo Ricardo, Usina e Fogo morto.
morto, foi publicada em 1943. As três primeiras narrativas estão centradas nos persona-
gens Carlos de Melo e apresentam unidade.
Fogo morto deve ser visto como romance síntese não ape-
nas do ciclo da cana-de-açúcar, mas da temática da de-
cadência que percorre os romances de José Lins do Rego.
69
Trecho do romance Fogo morto,
Fogo morto de José Lins do Rego
[...]
Foi acender o candeeiro da sala de jantar. E quando trepou
na cadeira para cortar o pavio viu na porta de frente uns
homens parados na calçada. Acendeu a luz e saiu para sa-
ber o que era aquilo. Ouviu então o grito de Floripes, um
grito de desespero. Seu Lula levantou-se para ver o que era.
– O que isto, hein? O que é isto, hein?
Uma voz forte respondeu lá de fora:
– Não é nada, coronel. O negro está assombrado.
Era o capitão Antônio Silvino no Santa Fé. Os cangaceiros
cercaram a casa e o negro Floripes, amarrado, chorava de
medo.
Publicado em 1943, Fogo morto é o romance síntese do – Cala a boca, negro mofino – gritou o chefe.
ciclo da cana-de-açúcar, pois apresenta os principais te- – Hein, Amélia, quem é que está ai?
mas das produções desenvolvidas em torno do engen-
– Não é o tenente Mauricio não, coronel, pode ficar sem
ho. A decadência da sociedade patriarcal nordestina e
susto. Mande acender as luzes da casa, coronel. [...]
as ligações entre os “coronéis” (senhores de engenho)
e os cangaceiros são bem enfatizadas na obra. E voltando–se para o velho:
Dividido em três partes, na primeira ocorre o desen- – Coronel, eu sei que o senhor tem muito dinheiro.
volvimento da história de José Amaro, mestre se- – Como?
leiro, um agregado ao engenho. Homem orgulhoso – Não é preciso esconder leite, coronel. O dinheiro é seu.
e cheio de preconceitos, apoia Antonio Silvino, um Mas para que esconder?
cangaceiro, e nele busca apoio. Na segunda parte, – Capitão, aqui nesta casa não há riqueza.
destaca-se a figura do “coronel” Lula de Holanda,
– Minha senhora, eu sei que tem. Soube até que muita
um homem economicamente falido, mas que con-
moeda de ouro. Eu vim buscar um pedaço para mim. É
versa a mesma pose senhoril da época escravatura.
verdade, tenho aí estes meninos que preciso contentar.
Refugiado na religiosidade, Lula de Holanda não é
– Capitão, não há ouro nenhum.
nem aliado aos cangaceiros nem ao governo. Na
terceira parte, que integra e unifica as anteriores, [...] Depois o chefe deu as ordens.
aparece a figura de Vitorino Carneiro da Cunha, o – Vamos casvilhar tudo isso.
“Papa-Rabo”, que leva esse apelido porque costu- Estendido no marquesão, o senhor do engenho arquejava.
mava cortar o rabo dos animais. A mulher perto dele chorava, enquanto os cabras já esta-
Personagem contraditório, Vitorino Papa-Rabo acredi- vam no quarto rebulindo em tudo. Foi quando se ouviu um
ta no direito e na justiça. Coloca-se de forma ruidosa grito que vinha de fora. Apareceu o velho Vitorino, acom-
contra os poderosos e consegue, com isso, o respeito panhado de um cangaceiro:
de todos. Numa época em que ninguém se atrevia a – Capitão, este velho apareceu na estrada, dizendo que
falar, temendo a censura ditatorial do Estado Novo, queria falar com o senhor.
Vitorino levanta sua voz. – Quem é você, velho?
Outros personagens de Fogo morto são o cantador – Vitorino Carneiro da Cunha, um criado às ordens.
negro Passarinho; o “coronel” José Paulino, senhor
– E o que quer de mim?
de engenho corrupto; o temível chefe da polícia lo-
– Que respeite os homens de bem.
cal, tenente Maurício; o cego Torquato, elo entre os
cangaceiros; Adriana e Sinhá, mulheres, respectiva- – Não estou aqui para ouvir lorotas.
mente, de Vitorino e José Amaro; dona Amélia, moça – Não sou loroteiro. O capitão Vitorino Carneiro da Cunha
prendada, filha do senhor de engenho e esposa de não tem medo de ninguém. Isto que estou dizendo ao se-
Lula de Holanda. nhor disse na focinheira do tenente Mauricio.
– O que quer este velho?
70
– Tenho nome, capitão, fui batizado. vessar o rio para pegar o caminho da estação. O céu azul
– Deixa de prosa. cobria o homem que não temia os perigos. Quando a sua
– Estou falando como homem. Isto que o senhor está fa- burra cambou para a ladeira do rio, um grito estourou, qua-
zendo com o coronel Lula de Holanda é uma miséria. se que ao pé do seu ouvido:
– Cala a boca, velho. – Papa-Rabo... Papa-Rabo...
Um cangaceiro chegou-se para perto de Vitorino. Sacudiu a tabica no ar, mas não tinha força. A burra tro-
peçou na ladeira e deu com ele no chão. Uma gargalhada
– Olha, menino, estou falando com o teu chefe. Ainda não
de moleques abafou o canto dos pássaros, a gritaria dos
cheguei na cozinha.
periquitos.
– Deixa ele comigo, Beija-Flor.
– Papa-Rabo... Papa-Rabo...
– O que eu lhe digo, Capitão Antônio Silvino é o que digo
Cascavilhar: vascular
a todo mundo. Eu Vitorino Carneiro Cunha não me assusto Rebulindo: remexendo
com ninguém. (REGO, José Lins do. Fogo morto. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984).
– Para com isto, senão eu te mando dar um ensino, velho besta.
– Tenho nome. Sou inimigo político do coronel Lula, mas
estou com ele.
3.3. Jorge Amado
– Está com ele? Pega este velho, Cobra Verde.
Vitorino fez sinal de puxar o punhal, encostou-se na parede
e gritou para o cangaceiro:
– Venha devagar.
Uma coronhada de rifle na cabeça botou-o no chão, como
um fardo.
– Puxa este bicho lá para fora.
Seu Lula parecia morto, estendido no marquesão. Os ca-
bras cascavilhavam pelos quatro cantos da casa.
[...]
Vitorino apareceu na porta. Corria sangue de sua cabeça
branca.
– Estes bandidos me pagam.
– Cala a boca, velho malcriado. Pega este velho, Cobra Verde.
– Capitão, o meu primo Vitorino não é homem de regular.
O senhor não deve dar ouvido ao que ele diz.
– Não regula, coisa nenhuma. Vocês dão proteção a estes
Nascido em Itabuna, na Bahia, Jorge Amado de Faria
bandidos e é isto que eles fazem com homens de bem.
(1912-2001) passou a infância em Ilhéus, onde fez seus
– Coronel, eu me retiro. Aqui eu não vim com o intento de estudos iniciais. Filho de fazendeiros do cacau empobre-
roubar a ninguém. Vim pedir. O velho negou o corpo. cidos, desde muito cedo presenciou as lutas pela terra, e
– Pois eu lhe agradeço, capitão. a consequência social o atingiu plenamente. A amizade e
A noite já ia alta. Os cangaceiros se alinharam na porta. o convívio com trabalhadores rurais vieram a ser decisivos
Vitorino, quase que se arrastando, chegou-se e lhe disse: para sua obra.
– Capitão Antônia Silvino, o senhor sempre foi da estima do Frequentador de candomblés desde muito cedo, Jorge
povo. Mas deste jeito se desgraça. Atacar um engenho como Amado tornou-se amigo de pais de santo, perseguidos
este do coronel Lula, é mesmo que dar surra num cego. pela polícia, que os prendia e torturava. Em seus livros Ju-
– Cala a boca, velho. biabá e Tenda dos milagres, esses fatos são relatados.
– Esta que está aqui só se cala com a morte. Ligado ao Partido Comunista do Brasil, em 1945 foi eleito
[...] deputado federal por São Paulo. Mas em 1948, depois de
ter o mandato cassado, foi residir em Paris.
Nas estacas dos cercados, bando de periquitos gritavam
em festa. Os partidos do Santa Rosa eram um mar de ver- Em 1961, candidatou-se à Academia Brasileira de Letras e
dura. Gemia o canavial com a ventania. Vitorino ia atra- foi eleito por unanimidade.
71
A ditadura militar instaurada no Brasil desde 1964 acirrou- 3.3.2. Linha voltada à extração de cacau
-se a partir de 1968, quando Jorge Amado passou a ter
problemas com textos seus publicados em revistas, embora Narrativas com temática de extração do cacau nas fazen-
seus livros não fossem censurados. das de Ilhéus e Itabuna, como Terras do sem-fim, Cacau e
São Jorge dos Ilhéus.
Em 1969, publicou Tenda dos milagres e, em 1972, Teresa
Batista cansada de guerra. Passou alguns anos sem escre-
ver e, em 1976, publicou O gato malhado e a andorinha 3.3.3. Linha das narrativas de
Sinhá; em 1977, Tieta do agreste; e Farda, fardão e camiso- costumes e depoimentos líricos
la de dormir, em 1979. Distinguem-se três linhas literárias
Situam-se nessa linha as obras: Jubiabá; Mar morto; Ga-
marcantes em Jorge Amado:
briela, cravo e canela; Dona Flor e seus dois maridos; Ten-
da dos milagres; Teresa Batista casada de guerra e Tieta
do agreste.
Com Farda, fardão e camisola de dormir, cuja ação se
desenvolve em torno da Academia Brasileira de Letras,
Jorge Amado voltou a enfatizar a denúncia ditatorial do
Estado Novo.
multimídia: vídeo
Merecem destaque especial pela criatividade e elaboração
Fonte: Youtube
artística duas narrativas da segunda fase de Jorge Amado:
Tenda dos milagres Quincas Berro D’água e Velhos marinheiros.
Baseado em ampla pesquisa, Antonio Pedro Tota anali-
sa as ações da verdadeira “fábrica de ideologias” criada
pelo governo estadunidense para conquistar o apoio bra- Gabriela, cravo e canela
sileiro durante a Segunda Guerra. Uma visão inédita das
origens da influência dos EUA no Brasil.
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Fragmento do romance Gabriela, Gabriela com pássaro preso
cravo e canela, de Jorge Amado – Oh! que beleza! – musicou Gabriela vendo o sofrê.
Nacib depositou a gaiola numa cadeira, o pássaro se batia
Do pássaro sofré
contra grades.
Já não podia mais Nacib, perdidos o sossego a alegria, o
– Pra você... Pra lhe fazer companhia.
gosto de viver. Deixara até de enrolar a ponta dos bigo-
des, murchos agora sobre a boca de riso perdido. Era um Ele se havia sentado, Gabriela acomodou-se no chão a
pensar sem fim, nada igual para consumir um homem, seus pés. Tomou-lhe da mão grande e peluda, beijou-lhe
tirar-lhe o sono e o apetite, emagrecê-o, deixá-lo sem a palma naquele gesto que recordava a Nacib, nem mes-
graça, melancólico. mo sabia por que, a terra de seus pais, as montanhas da
Síria. Depois encostou a cabeça em seus joelhos, ele pas-
Tonico Bastos debruçava-se no balcão, servia-se do amar-
sou-lhe a mão nos cabelos. O pássaro sossegara, soltou
go, olhava irônico a figura abatida do dono do bar:
seu trinado.
– Você está decaindo, árabe. Nem parece o mesmo.
– Dois presentes de uma vez... Moço tão bom!
Nacib assentia com a cabeça, num desânimo. Seus grandes – Dois?
olhos arregalados pousavam-se no elegante tabelião. Toni-
co crescera em sua estima nesses tempos. Sempre tinham – O passarinho e, mais bom ainda, ter vindo trazer. Todo
sido amigos, porém de relações superficiais, conversas dia o moço só chega de noite...
sobre mulheres da vida, idas ao cabaré, tragos tomados [...]
juntos. Ultimamente, no entanto, desde a aparição de Ga-
– Me diga uma coisa: tu me quer bem?
briela, estabelecera-se entre eles uma intimidade mais pro-
funda. De todos os frequentadores diários do aperitivo, era Ela riu no canto do pássaro, era um trinado só:
Tonico o único a manter-se discreto na hora do meio-dia, – Moço bonito... Gostoso é demais... Estava sentida, aque-
quando ela chegava de flor atrás da orelha.[...] la história das idas ao bar. Por que fazê-la sofrer, não lhe
A pior coisa do mundo é um homem não saber como agir. dizer a verdade?
– Onde está a dificuldade? – Ninguém reclamou tuas idas no bar. Sou eu que não que-
ro. Vivo triste é por isso. Todo mundo te fala, dizem besteira
– Você não vê? Fico me roendo por dentro, isso me come pegam tua mão, só faltam te agarrar ali mesmo, te derru-
as carnes. Ando apalermado. Basta lhe dizer que outro dia bar no chão...
me esqueci de pagar um título, veja como ando...
Ela riu, achando engraçado:
– Paixão não é brincadeira...
– Importa não... Não ligo pra eles...
– Paixão?
– Não liga mesmo?
– E não é? Amor, a melhor e a pior coisa do mundo.
Gabriela o puxou para si, mergulhando-o nos seios. Nacib
[...] murmurou: Bié... E em sua língua de amor, que era o árabe,
– Deve ser isso mesmo. Vou lhe dizer, Tonico, sem essa mu- lhe disse a tomá-la: “De hoje em diante és Bié e essa é tua
lher não posso viver. Vou ficar maluco se ela me deixar… cama, aqui dormirás. Cozinheira não és apesar de cozinha-
res. És a mulher desta casa, o raio de sol, a luz do luar, o
– O que é que você vai fazer?
canto dos pássaros. Te chamas Bié...”
– Sei lá… O rosto de Nacib era triste de ver-se. Perdera
– Bié é o nome de griga? Me chama Bié, fale mais nessa
aquela jovialidade esparramada nas bochechas gordas. Pa-
língua... Gosto de ouvir.
recia alongar-se sorumbático, quase fúnebre.
AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela. In: GOMES,
– Porque você não casa com ela – soltou de repente Tonico, Álvaro Cardoso. Jorge Amado. São Paulo: Abril, 1982.
como a adivinhar o que ia por dentro do peito do amigo.
– Você está brincando? Com isso não se brinca…
Tonico levantava-se, mandava botar os amargos na conta,
atirava uma moeda a Chico Moleza, que a aparava no ar:
– Pois se eu fosse você era o que eu faria…
[...]
73
Os temas de Graciliano são rudes, dolorosos: o ambiente
pode ser o das secas nordestinas, a situação social é a da
exploração, em que o homem é o lobo do homem, restan-
do para o intelectual que pensa a angústia ou a prisão.
Não encontramos em suas obras um ambiente de festas
e alegrias, mas fome, desespero e opressão. Graciliano faz
desses temas uma obra de arte, com textos bem construí-
multimídia: vídeo dos, que figuram entre os melhores da Literatura Brasileira.
Fonte: Youtube Se a sociedade brasileira é representada por Jorge Amado de
Gabriela forma saborosa e colorida – mesmo quando criticava os pode-
Bahia, 1925. Uma das maiores secas da história do Nor- rosos –, Graciliano Ramos faz uma crítica dura e as diferenças
deste leva, para Ilhéus, Gabriela (Sônia Braga), uma bela sociais são acentuadas por uma matização em preto e branco.
retirante que, com sua beleza e sensualidade, conquista a
todos, principalmente Nacib (Marcello Mastroianni), dono
do bar mais popular da cidade, que emprega Gabriela para
São Bernardo
trabalhar em sua casa e com quem tem um caso. O relacio-
namento dos dois fica tão intenso que eles se casam, mas
tudo parece desmoronar quando Gabriela lhe é infiel com o
maior conquistador da cidade. Paralelamente, um “coronel“
vai ser julgado por ter matado sua mulher com o amante.
74
Trecho do romance São Bernardo De longe em longe sento-me fatigado e escrevo uma linha.
Digo em voz baixa: – Estraguei a minha vida, estraguei-a
36 estupidamente.
Faz dois anos que Madalena morreu, dois anos difíceis. E A agitação diminui.
quando os amigos deixaram de vir discutir política, isto se – Estraguei a minha vida estupidamente.
tornou insuportável. Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível
Foi aí que me surgiu a ideia esquisita de, com o auxílio de recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível
pessoas mais entendidas que eu, compor esta história. A recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu.
ideia gorou, o que já declarei. Há cerca de quatro meses, Não consigo modificar-me, é o que me aflige.
porém, enquanto escrevia a certo sujeito de Minas, recu- [...]
sando um negócio confuso de porcos e gado zebu, ouvi um
grito de coruja e sobressaltei-me. Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons
propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram
Era necessário mandar no dia seguinte Marciano ao forro com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
da igreja.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é
De repente voltou-me a ideia de construir o livro. Assinei a que me deu qualidades tão ruins.
carta ao homem dos porcos e, depois de vacilar um instan-
E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda
te, porque nem sabia começar a tarefa, redigi um capítulo.
a parte!
[...]
A desconfiança é também consequência da profissão.
O que estou é velho. Cinquenta anos pelo São Pedro. Cin-
quenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado.
a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos di-
endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta cas- ferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme,
ca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. uma boca enorme, dedos enormes.
Cinquenta anos! Quantas horas inúteis![...] Se Madalena me via assim, com certeza me achava extra-
ordinariamente feio.
Hoje não canto nem rio. Se me vejo ao espelho, a dureza da
boca e a dureza dos olhos me descontentam. Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me
exibe essas deformidades monstruosas.
Penso no povoado onde Seu Ribeiro morou, há meio sécu-
lo. Seu Ribeiro acumulava, sem dúvida, mas não acumulava A vela está quase a extinguir-se.
para ele. Tinha uma casa grande, sempre cheia, o jerimum Julgo que delirei e sonhei com cheios e uma figura de
caboclo apodrecia na roça e por aquelas beiradas ninguém lobisomem.
tinha fome, imagino-me vivendo no tempo da monarquia, à Lá fora há uma treva dos diabos, um grande silêncio. En-
sombra de Seu Ribeiro. Não sei ler, não conheço iluminação tretanto, o luar entra por uma janela fechada e o nordeste
elétrica nem telefone. Para me exprimir recorro a muita perí- furioso espalha folhas secas no chão.
frase e muita gesticulação. Tenho, como todo o mundo, uma
É horrível! Se aparecesse alguém... Estão todos dormindo.
candeia de azeite, que não serve para nada, porque à noite a
gente dorme. Podem rebentar centenas de revoluções. Não Se ao menos a criança chorasse... Nem sequer tenho ami-
receberei notícia delas. Provavelmente sou um sujeito feliz. zade a meu filho. Que miséria!
Com um estremecimento, largo essa felicidade que não é Casimiro Lopes está dormindo. Marciano está dormindo.
minha e encontro-me aqui em São Bernardo, escrevendo. Patifes!
As janelas estão fechadas. Meia-noite. Nenhum rumor na E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até
casa deserta. que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse
uns minutos.
Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. São Paulo: Martins, 1964.
Não tenho sono. Deitar-me, rolar no colchão até a madru-
gada, é uma tortura. Prefiro ficar sentado, concluindo isto. O capítulo inicial de Vidas secas focaliza os personagens
Amanhã não terei com que me entreter. em plena trajetória de retirantes.
Ponho a vela no castiçal, risco um fósforo e acendo-a. Sinto
um arrepio. A lembrança de Madalena dor da mesa. Aper- Mudança
to as mãos de tal forma que me persegue-me. Diligencio Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas
afastá-la e caminho em refiro com as unhas, e quando caio manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia
em mim estou mordendo os beiços a ponto de tirar sangue. inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente
75
andavam pouco, mas como haviam repousado bastante O capítulo dedicado à cachorra Baleia é um dos pontos
na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. altos da narrativa de Vidas secas
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos
juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da
catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais
novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabia-
no sombrio, cambaio, o aio a tiracolo, a cuia pendurada numa
correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no om-
bro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. [...]
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1994.
Vidas secas
Fabiano e a cachorra Baleia. Gravura. Aldemir Martins.
Baleia
A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o
pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num
fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangra-
vam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação
dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
Uma série com treze capítulos de estrutura descontínua Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princí-
compõe a obra. Cada capítulo foca um aspecto, per- pio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de
mitindo, assim, a leitura autônoma de cada um deles. sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a
Também podem ser lidos continuamente, como um pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato,
todo, porque os quadros compõem a história de uma impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas
família de retirantes nordestinos atingida pela seca. murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base,
Nessa única obra de Graciliano narrada em terceira cheia de roscas, semelhantes a uma cauda de cascavel.
pessoa, com onisciência, o narrador acompanha os
Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda
personagens a perambular pelo sertão, em busca de
de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez
melhores condições de vida.
tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.
São quatro membros da família: Fabiano, Sinhá Vitória,
o menino mais velho e o menino mais novo. Um pa-
[...]
pagaio e uma cachorra – Baleia – acompanham-nos
em suas andanças pelo sertão. A cadela brinca com os
filhos de Fabiano e o ajuda em seu trabalho de caçar
preás pelo sertão, para não morrerem de fome.
No capítulo inicial, denominado Mudança, os reti-
rantes chegam a uma velha fazenda, onde ficam como
agregados do proprietário. Desde essa chegada, até o
capítulo 12, a família vive sob essa condição. Fabiano
trabalha para o proprietário e é constantemente le-
sado pelo patrão, humilhando-se, pedindo desculpas
quase sempre; ou seja, vivendo uma subvida com
seus familiares, até que sobrevém outra grande seca. O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a
No capítulo final, denominado Fuga, a família volta à respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das
condição inicial de retirante, fugindo para o Sul. pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois sosse-
gou. Fabiano e a coisa perigosa tinham-se sumido.
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Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão,
com certeza o sol desaparecera.
3.5. Erico Verissimo
Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o
fartum do chiqueiro espalhou-se pela vizinhança.
Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de
noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao be-
bedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meni-
nos. Estranhou a ausência deles.
Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre,
mas Baleia não atribuía a esse desastre a importância em
que se achava nem percebia que estava livre de responsa-
bilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração.
Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçua-
rana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas
afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por Erico Lopes Verissimo (1905-1975) publicou o romance
baixo do caritó onde Sinhá Vitória guardava o cachimbo. de estreia, Clarissa, em 1933, marco inicial da popularida-
Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava as de com que se distinguiu no seu estado de origem, o Rio
criaturinhas. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos Grande do Sul, e, posteriormente, no Brasil. Intensa ativi-
arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fa- dade literária e cultural marcou sua vida, desde o fato de
biano roncava na cama de varas. Estes sons não interes- lecionar Literatura Brasileira nos Estados Unidos, de 1943 a
savam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano 1945, até o posto de diretor do Departamento de Assuntos
se virava, emanações familiares revelaram-se a presença Culturais da União Pan-americana, a partir de 1953.
deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado. Erico Verissimo começou pelo romance social urbano, na
Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos des- linha de crítica aos costumes citadinos. Abordou situações
governados, a língua pendente e insensível. Não sabia que vividas pelos seus numerosos leitores, em que a degene-
tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no rescência do processo de urbanização levava os indivíduos
quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desva- a uma crise de identidade. Com a série O tempo e o vento,
neciam-se no seu espírito. Erico Verissimo reconstituiu a formação histórica do Rio
Grande do Sul.
Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que
serviam de trempe. Antes de se deitar, Sinhá Vitória re- As reflexões históricas dessa série permitiram a análise de
tirava dali os carvões e as cinzas, varria com um molho problemas sociais que não se restringem somente ao Sul:
de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um são problemas brasileiros.
bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava Na década de 1960, a crítica social de Erico Verissimo se tor-
as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, nu- na mais abrangente. Aborda a radicalização política no País
merosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de a partir da Campanha pela Legalidade, cujo centro foi o Rio
preás invadia a cozinha. Grande do Sul, instaurada para dar posse ao vice-presidente
A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de constitucional João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros.
Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esque- Essa abrangência da crítica social corresponde no plano ex-
cimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de terno ao período de envolvimento estadunidense na Guer-
mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. ra do Vietnã. O prisioneiro, por exemplo, representa uma
Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra expansão política e ideológica do escritor, indicando um
estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo compromisso com o momento histórico de outros países.
apagar-se muito cedo. Como disse na ocasião, “mais tarde ou mais cedo você terá
que tomar uma posição. Nestes nossos tempos, a neutrali-
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de
zação não é possível. Não existem mais esconderijos físicos
preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enor-
ou psicológicos no mundo. É a hora do compromisso”.
me. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela
num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria Essa postura de “compromisso” mais explícita do escritor
todo cheio de preás, gordos, enormes. já aparecera em O senhor embaixador e acentua-se mais
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1994. tarde em Incidente em Antares.
77
Assim, a trilogia termina onde começou, demonstran-
do que o tempo passa, mas o vento sempre retorna,
porque é cíclico.
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Incidente em Antares
A série conta a história de um acontecimento na cidade
fictícia de Antares, na região Sul do Brasil. Certa vez, sete
pessoas morrem e, no mesmo dia, funcionários de um ce-
mitério se negam a realizar enterros, a fim de aumentarem
a pressão sobre seus patrões. À noite, os sete mortos vol- Trecho de O tempo e o vento
tam e reivindicam o direito de serem enterrados com dig-
nidade. A volta dos mortos causa uma grande confusão na
O continente
cidade, e eles começam, além das reivindicações, a contar Os anos chegavam e se iam. Mas o trabalho fazia Ana esque-
muitas coisas erradas sobre a cidade e seus moradores. cer o tempo. No inverno tudo ficava pior: a água gelava nas
gamelas que passavam a noite ao relento; pela manhã o chão
frequentemente estava branco de geada e houve um agosto
em que quando foi lavar roupa na sanga Ana teve primeiro de
O tempo e o vento quebrar com uma pedra a superfície gelada da água.
78
não chorou. Seus olhos ficaram secos e ela estava até alegre, – É ela, mãe? – sussurrou Pedro.
porque sabia que a mãe finalmente tinha deixado de ser es- – Ela quem?
crava. Podia haver outra vida depois da morte, mas também
podia não haver. Se houvesse, estava certa de que dona Hen- – A vovó?
riqueta iria para o céu; se não houvesse, tudo ainda estava – Tua avó está enterrada lá em cima da coxilha.
bem, porque sua mãe ia descansar para sempre. Nada teria – É a alma dela.
mais que cozinhar, ficar horas pedalando na roça, em cima
– Não é nada, meu filho. Deve ser o vento.
do estrado, fiando, suspirando e cantando as cantigas tristes
de sua mocidade. Pensando nessas coisas, Ana olhava para Em outras madrugadas Ana tornou a ouvir o mesmo ruído.
o pai que se achava a seu lado, de cabeça baixa, ombros Por fim convenceu-se de que era mesmo a alma da mãe que
encurvados, tossindo muito, os olhos riscados de sangue. vinha fiar na calada da noite. Nem mesmo na morte a infeliz
se livrara de sua sina de trabalhar, trabalhar, trabalhar...
Não sentia pena dele. Por que havia de ser fingida? Não
sentia. Agora ele ia ver o quanto valia a mulher que Deus VERÍSSIMO, Érico. O continente I. São Paulo:
Globo, 1990. Col.: O tempo e o vento.
lhe dera. Agora teria de se apoiar na nora ou nela, Ana,
pois precisava de quem lhe fizesse a comida, lavasse a rou-
pa, cuidasse da casa. Precisava, enfim, de alguém a quem
pudesse dar ordens, como a uma criada. Henriqueta Terra
jazia imóvel sobre a mesa e seu rosto estava tranquilo.
No outro dia pela manhã enterraram-na perto do Lucinho,
no alto da coxilha, e sobre o seu túmulo plantaram outra
cruz feita com dois galhos de guajuvira. Quando voltaram multimídia: livro
para casa, soprava o minuano sob um céu limpo e azul.
Maneco e Antônio iam na frente, com as pás às costas.
Manifesto Regionalista – Gilberto Freyre
“As mesmas pás que cavaram a sepultura do Pedro” – pen-
O Manifesto foi lido no Primeiro Congresso Brasileiro de
sou Ana, que descia a encosta puxando o filho pela mão.
Regionalismo, que se reuniu na cidade do Recife, durante
À noite, Pedrinho, que dormia abraçando à mãe, apertou-a o mês de fevereiro de 1926, e que foi o primeiro do gênero,
de leve e cochilou: não só no Brasil como na América, só depois do Congresso
– Mãe. do Recife tendo se reunido nos Estados Unidos, a Conferên-
Ana Terra voltou-se para ele resmungando: cia Regionalista de Charlottesville (Virgínia), com o apoio de
Franklin D. Roosevelt e de outros eminentes estadunidenses
– Que é? e do qual participou o autor do “Manifesto de 1926“ do
– Está ouvindo? Recife, por iniciativa e convite do seu colega Ruediger Bilden.
– Ouvindo o quê?
– Um barulho. Escuta...
Ana abriu os olhos, viu a escuridão e ouviu o ressonar de
Maneco.
– É o teu avô roncando – disse.
– Não é, não. É a roca.
Sim, Ana agora ouvia o ruído da roca a rodar, ouviu as ba- multimídia: vídeo
tidas do pedal, bem como nos tempos em que sua mãe ali
Fonte: Youtube
se ficava a fiar e a cantar. Mas procurou tranquilizar o filho:
Terra em transe
– Não é ninguém. Dorme, Pedrinho.
O senador Porfírio Diaz (Paulo Autran) detesta seu povo e
Ficaram em silêncio. Mas não puderam dormir. Ana escu- pretende tornar-se imperador de Eldorado, um país locali-
tava o tá-tá-tá da roda, que agora se confundia com as zado na América do Sul. Porém, existem diversos homens
batidas apressadas de seu próprio coração e com as do que querem este poder e resolvem enfrentá-lo. Enquanto
coração de Pedro que ela tinha apertado contra o peito. isso, o poeta e jornalista Paulo Martins (Jardel Filho), ao
Devia ser a alma de sua mãe que voltava para à noite e, perceber as reais intenções de Diaz, muda de lado, aban-
enquanto os outros dormiam, punha-se a fiar. Sentiu um donando seu antigo protetor.
calafrio. Quis erguer-se, ir ver, mas não teve coragem.
79
multimídia: livro multimídia: livro
Jorge Amado, vida e obra – Miécio Tati Antologia poética – Murilo Mendes
Neste trabalho, moveu-se apenas a intenção de fixar, atra- É uma compilação inédita de poemas selecionados
vés de uma análise de conjunto da obra de Jorge Amado e por Júlio Castañon Guimarães, da Fundação Casa de
dos principais eventos que lhe têm marcado a vida, o rotei- Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, e Murilo Marcondes de
ro literário do grande escritor baiano. Este ensaio, não obs- Moura, professor de Literatura Brasileira na Universida-
tante, abre um caminho: é um primeiro levantamento da de de São Paulo. Ambos também assinam os posfácios.
vida de Jorge Amado e uma primeira análise geral de sua O livro traz ainda o texto “A poesia e o nosso tempo”,
obra, em tamanho de livro. As fontes que serviram em gran- publicado no Jornal do Brasil, em 1959, em que Murilo
de parte do trabalho foram informações colhidas junto ao Mendes analisa sua trajetória.
próprio romancista ou a seu irmão, escritor James Amado,
e uma soma de recortes de jornais do arquivo do escritor.
VIVENCIANDO
Artes plásticas
80
VIVENCIANDO
O sujeito que domina e entende o movimento vivido no Brasil da década de 1930, sobretudo espelhado nos
romances que tinham a seca como sua temática predominante, não pode jamais deixar de relacionar o aspec-
to natural com o social. Se de um lado o país atravessava adversidades oriundas da estiagem nas zonas do
semiárido, de outro havia – e sempre houve –, um interesse na manutenção da pobreza e da “seca social” no
Nordeste, curral eleitoral de muitos políticos no país, que sempre se valeram das péssimas condições sociais para
comprar votos, fazer promessas nunca cumpridas e manter um estado de coisas onde a ordem de poder mantém
a mesma, até os dias de hoje.
81
DIAGRAMA DE IDEIAS
82
nos para o “sul maravilhas”, em busca de oportunida-
AULAS 37 E 38 des melhores de vida.
O problema social era evidente, sobretudo em São Paulo e
no Rio de Janeiro. Mas os sonhos de grandeza sobrepujam
a situação: em 1960, mesmo ano da inauguração de Bra-
sília, Jânio Quadros (1917-1992) foi eleito presidente com
seis milhões de votos.
MODERNISMO NO
BRASIL: 3ª FASE
COMPETÊNCIAS: 2, 5 e 6
HABILIDADES: 5, 15, 16 e 17
1. O contexto pós-guerra
Kubitschek e inaugurada em 1960.
83
Clarice Lispector aproximou da palavra escrita o ato de dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima.
pensar e de narrar com grande criatividade, e Guimarães Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito
Rosa realizou uma verdadeira alquimia verbal ao fundir sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde
na palavra sua experiência pessoal à experiência coletiva. os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze
Os escritos de Clarice revelam uma ficcionista de aguda léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso
sensibilidade, o que levaria a crítica literária ao espanto vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O
diante de sua obra. Perplexos também ficaram os críticos Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira
com as obras de Guimarães Rosa, cujas ousadias mórficas dele, tudo há – fazendões de fazendas, almargem de vargens
estabeleceram uma completa transformação linguística na de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em
mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O
literatura ao recriar o mundo sertanejo.
gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim,
cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é
2.1. Costumes do tempo e questão de opiniães... O sertão está em toda parte”
narradores intimistas ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1951.
Se Clarice Lispector e Guimarães Rosa representam tendên-
cias diferenciadas na ficção do terceiro tempo modernista,
outros narradores que também se formaram nas décadas de
2.2.2. Da consciência para o inconsciente
1940 e de 1950 devem ser considerados. A escritora Lygia A consciência de um ou mais personagens é flagrada e
Fagundes Telles faz parte desse grupo. Sua estreia literária relatada numa época qualquer em lugar qualquer. Assim
deu-se em 1944, com a publicação de Praia viva, obra que se dá também nos romances e contos de Clarice Lispec-
trouxe para a literatura brasileira uma linha narrativa intimis- tor: um acontecimento pode liberar ideais que vão até o
ta, caracterizada por evocações de cenas e estados de alma inconsciente da personagem.
da infância e da adolescência. Os costumes de tempo tam- [...]
bém foram objeto de reflexão na obra de Lygia, bem como Os músculos do rosto da aniversariante não a interpreta-
para Ricardo Ramos (Tempo de esperança), Sônia Coutinho vam mais, de modo que ninguém podia saber se ela esta-
(Os venenos de Lucrecia), Edla Van Steen (Corações mordi- va alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma
dos), Marcos Rey (Malditos paulistas) e outros. velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca.
– Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais
2.2. Características de ficção velho agora que Jonga tinha morrido. – Oitenta e nove
do terceiro tempo modernista anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em ad-
miração pública e como sinal imperceptível para todos.
2.2.1. Narrativas interiorizadas: Todos se interromperam atentos e olharam a aniversarian-
fluxo da consciência te de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça
em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela
Uma das marcas mais flagrantes da ficção experimental é aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim
a interiorização da narrativa – o chamado fluxo da consci- senhor! disseram alguns sorrindo timidamente.
ência. Geralmente, as narrativas são centradas em momen-
– Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de
tos de vivência interior dos personagens. Acontecimentos
José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos
exteriores provocam a interiorização. É assim em Grande
riram, menos sua esposa.
sertão: veredas, de Guimarães Rosa, em que Riobaldo –
A velha não se manifestava.
personagem central – vê-se impelido a “lembrar” os acon-
tecimentos que viveu, em um longo monólogo, a partir de [...]
um evento cotidiano rotineiro, que é o ato de praticar tiro A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.
ao alvo no terreiro. – Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos quatro filhos, é ela
“Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo. quem deve partir! assegurou incerta a todos, com ar íntimo
Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos,
Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abu- ela se tornou de repente impetuosa: – parta o bolo, vovó!
sões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação,
verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantane- como se hesitando um momento ela toda caísse para a
amente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O se frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.
nhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que LISPECTOR, Clarice. Feliz aniversário. Laços de
situado sertão é por os campos gerais a fora a dentro, eles família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
84
2.2.3. Narrativas em primeira pessoa Revelando-se uma “sentidora”, uma “intuitiva”, ressaltou
em alguns depoimentos que seus livros, mais do que his-
A narração em primeira pessoa não é um mero acaso na tórias, continham “impressões”, pois “não se preocupam
ficção desse tempo. Ela proporciona ao relato um intimis- com os fatos em si, porque o importante é a repercussão
mo inigualável, assim como lhe outorga verossimilhança. do fato no indivíduo”.
O narrador funciona como uma pessoa que confessa e o
leitor ou ouvinte, como confidente: 3.1.1. Personagens tensos e
[...] inadaptados ao mundo
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os
crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o
homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não
tem diabo nenhum.
[...] Tive medo. Sabe? Tudo foi isso: tive medo! Enxerguei
os confins do rio, do outro lado. Longe, longe, com que
prazo se ir até lá? Medo e vergonha.
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.
3. Principais autores da
ficção experimental
Cena de A hora da estrela, filme de Suzana Amaral
3.1. Clarice Lispector baseado no romance de Clarice Lispector.
Nascida numa pequena aldeia da Ucrânia, Clarice Lispector Seus personagens, representativos da situação alienada
(1925-1977) migrou para o Brasil em 1926. Morou em dos indivíduos das grandes cidades, geralmente são tensos
Alagoas e em Pernambuco. Aos 12 anos, passou a viver e inadaptados a um mundo repetitivo e inautêntico, que os
no Rio de Janeiro, onde cursou a Faculdade Nacional de despersonaliza.
Direito; empregou-se como redatora na Agência Nacional
(1941) e, posteriormente, no jornal A Noite.
Por força da profissão do marido, Maury Gurgel, um diplo-
mata de carreira, Clarice viveu 15 anos no exterior. Voltou de-
finitivamente ao Brasil, em 1960, e morou no Rio de Janeiro.
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
A hora da estrela
Macabéa (Marcélia Cartaxo) é uma imigrante nordesti-
na que vive em São Paulo. Ela trabalha como datilógrafa
em uma pequena firma e vive em uma pensão miserável,
onde divide o quarto com outras três mulheres. Macabéa
não tem ambições, apesar de sentir desejo e querer ter
um namorado. Um dia, ela conhece Olímpico (José Du-
mont), um operário metalúrgico com quem inicia namo-
ro. Só que Glória (Tamara Taxman), colega de trabalho de
Macabéa, tem outros planos, após se consultar com uma
cartomante (Fernanda Montenegro).
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3.1.2. Quebra da fronteira entre a voz
mesmo por que se deslocou de Alagoas para o Rio de
do narrador e dos personagens Janeiro, onde passara a viver com mais quatro colegas
Clarice afasta-se das técnicas tradicionais do romance, ca- na rua do Acre, e porque trabalhava como datilógrafa.
racterizado como um espelho de época. Sua literatura é
Seu namorado, Olímpico de Jesus, também nordestino,
um ambíguo espelho da mente, registrado através do fluxo
procurava a ascensão social a qualquer preço – seja
da consciência, que indefine as fronteiras entre a voz do
roubo ou crime de morte. Ela nada possuía nesse sen-
narrador e a dos personagens.
tido: vai perdê-lo, por isso, para sua colega Glória, que
possuía os atrativos materiais que ele ambicionava.
3.1.3. Narrativa interiorizada
Rompe-se a narrativa referencial, ligada a acontecimentos. Em
lugar dela, emerge a narrativa interiorizada, centrada num mo-
mento de vivência interior do personagem (ou do narrador). É
possível até mesmo que um acontecimento exterior provoque
o desencadear do fluxo da consciência: um acontecimento
pode liberar ideias que vão ao inconsciente do personagem.
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As poucas conversas entre os namorados versavam so-
bre farinha, carne de sol, carne--seca, rapadura, melado.
Pois esse era o passado de ambos e eles esqueciam o
amargor da infância porque esta, já que passou, é sem-
pre acre-doce e dá até nostalgia. Pareciam por demais
irmãos, coisa que – só agora estou percebendo – não
dá para casar. Mas eu não sei se eles sabiam disso. Ca-
multimídia: vídeo sariam ou não? [...]
Fonte: Youtube “Enfim o que fosse acontecer, aconteceria. E por en-
AMOR - Conto de Clarice Lispector quanto nada acontecia, os dois não sabiam inventar
acontecimentos. Sentavam-se no que é de graça: banco
de praça pública. E ali acomodados, nada os distinguia
Trecho do romance A hora da estrela do resto do nada. Para a grande glória de Deus.
[...] Ele: – Pois é.
Olímpico de Jesus trabalhava de operário numa metalúr- Ela: – Pois é o quê?
gica e ela nem notou que ele não se chamava de “ope- Ele: – Eu só disse pois é!
rário” e sim de “metalúrgico”. Macabéa ficava contente Ela: – Mas “pois é” o quê?
com a posição social dele porque também tinha orgulho
Ele: – Melhor mudar de conversa porque você não me
de ser datilógrafa, embora ganhasse menos que o salá-
entende.
rio mínimo. Mas ela e Olímpico eram alguém no mundo.
“Metalúrgico e datilógrafa” formavam um casal de clas- Ela: – Entender o quê?
se. A tarefa de Olímpico tinha o gosto que se sente quan- Ele: – Santa Virgem, Macabea, vamos mudar de assunto
do se fuma um cigarro acendendo-o do lado errado, na e já!
ponta da cortiça. O trabalho consistia em pegar barras Ela: – Falar então de quê?
de metal que vinham deslizando de cima da máquina
Ele: – Por exemplo, de você.
para colocá-las embaixo, sobre uma placa deslizante.
Ela: – Eu?!
Nunca se perguntara por que colocava a barra embaixo.
A vida não lhe era má e ele até economizava um pouco Ele: – Por que esse espanto? Você não é gente? Gente
de dinheiro: dormia de graça numa guarita em obras de fala de gente.
demolição por camaradagem do vigia. Ela: – Desculpe, mas não acho que sou muito gente.
Macabéa disse: Ele: – Mas todo mundo é gente, meu Deus!
– As boas maneiras são a melhor herança. Ela: – é que não me habituei.
– Pois para mim a melhor herança é mesmo muito di- Ele: – não se habituou com quê?
nheiro. Mas um dia vou ser muito rico, disse ele que Ela: – Ah, não sei explicar.
tinha uma grandeza demoníaca: a sua força sangrava.
Ela: – E então?
Os negócios públicos interessavam Olímpico. Ele adora-
Ele: – Olhe, eu vou embora porque você é impossível!
va ouvir discursos [...] Ele dizia alto e sozinho:
Ela: – É que só sei ser impossível, não sei mais nada. Que
– Sou muito inteligente, ainda vou ser deputado.
é que eu faço para conseguir ser possível?
[...]
Ele: – Pare de falar porque você só diz besteira! Diga o
Macabéa era na verdade uma figura medieval enquan- que é do teu agrado.
to Olímpico de Jesus se julgava peça-chave, dessas que
Ela: – Acho que não sei dizer.
abrem qualquer porta. Macabéa simplesmente não era
técnica, ela era só ela. Não, não quero ter sentimentalis- Ele: – Não sabe quê?
mo e portanto vou cortar o coitado implícito dessa moça. Ela: – Hein?
Mas tenho que anotar que Macabéa nunca recebera Ele: – Olhe, até estou suspirando de agonia. Vamos não
uma certa em vida e o telefone do escritório só chamava falar em nada, está bem?
o chefe e Glória. Ela uma vez pediu o Olímpico que lhe
Ela: – Sim, está bem, como você quiser.
telefonasse. Ele disse:
Ele: – É, você não tem solução. Quanto a mim, de tanto
– Telefonar para ouvir as tuas bobagens?
me chamarem, eu virei eu. No sertão da Paraíba não há
[...] quem não sabia quem é Olímpico. E um dia o mundo
87
todo vai saber de mim. A outra história é a primeira mesmo e chama-se “O As-
– É? sassinato”. Começa assim: queixei--me de baratas. Uma
senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o
– Pois se eu estou dizendo! Você não acredita?
assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia
– Acredito sim, acredito, acredito, não quero lhe ofender. queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao
[...] andar térreo e escalavam os canos do edifício até o nosso
In: CAMPEDELLI, Samira Youssef; ABDALA JR. Benjamin. lar. Só na hora de preparar a mistura é que elas se tornaram
Clarice Lispector. São Paulo: Abril Educação, 1981. minhas também. Em nosso nome, então, comecei a medir
e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais
A legião estrangeira intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de ultraje.
De dia as baratas eram invisíveis e ninguém acreditaria no
A legião estrangeira, coletânea de contos e crônicas, foi mal secreto que roía casa tão tranquila. Mas se elas, como
inicialmente publicada em 1964 e várias vezes reedita- os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a prepa-
do. Uma das obras mais marcantes de Clarice Lispector, rar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o
essa obra apresenta com persistência a temática da elixir da longa morte. Um medo excitado e meu próprio mal
descoberta da verdade, obsessão constante da autora. secreto me guiavam. Agora eu só queria gelidamente uma
A quinta história é um conto desafiador: são várias coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos
histórias que sempre começam de forma semelhante, canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a recei-
tomando depois caminhos diferentes. Este é também ta estava pronta, tão branca. Como para baratas espertas
um texto obsessivo de tentativas de descobertas. como eu, espalhei habilmente o pó até que este mais pare-
cia fazer parte da natureza. De minha cama, no silêncio do
apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma até a
área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha alerta
no varal. Acordei horas depois em sobressalto de atraso. Já
era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área
lá estavam elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara.
Em nosso nome, amanhecia. No morro um galo cantou.
A terceira história que ora se inicia é a das “Estátuas”.
Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois
vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em que, de
madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozi-
nha. Mais sonolenta que eu está a área na sua perspectiva
de ladrilhos. E na escuridão da aurora, um arroxeado que
distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras:
dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que
haviam endurecido de dentro para fora. Algumas de bar-
riga para cima. Outras no meio de um gesto que não se
completaria jamais. Na boca de umas um pouco da co-
mida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em
Pompeia. Sei como foi esta última noite, sei da orgia no es-
curo. Em algumas o gesso terá endurecido tão lentamente
A quinta história como num processo vital, e elas, com movimentos cada
Esta história poderia chamar-se “As Estátuas”. Outro vez mais penosos, terão sofregamente intensificado as
nome possível é “O Assassinato”. E também “Como Ma- alegrias da noite, tentando fugir de dentro de si mesmas.
tar Baratas”. Farei então pelo menos três histórias, verda- Até que de pedra se tornam, em espanto de inocência, e
deiras porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma com tal, tal olhar de censura magoada. Outras – subita-
única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem. mente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer
A primeira, “Como Matar Baratas”, começa assim: quei- ter tido a intuição de um molde interno que se petrificava!
xei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. – essas de súbito se cristalizam, assim como a palavra é
Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse em cortada da boca: eu te… Elas que, usando o nome de
partes iguais açúcar, farinha e gesso. A farinha e o açú- amor em vão, na noite de verão cantavam. Enquanto
car as atrairiam, o gesso esturricaria o de dentro delas. aquela ali, a de antena marrom suja de branco, terá adi-
Assim fiz. Morreram. vinhado tarde demais que se mumificara exatamente por
88
não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em Prestou concurso para o Itamaraty e, em 1938, já era côn-
vão: “é que olhei demais para dentro de mim! é que olhei sul-adjunto na cidade de Hamburgo, Alemanha. Em Bogo-
demais para dentro de…” – de minha fria altura de gente tá foi secretário da Embaixada Brasileira.
olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra
Após a publicação dos contos de Sagarana, em 1946, Gui-
antena de barata morta freme seca à brisa. Da história
anterior canta o galo.
marães Rosa estabeleceu na Literatura Brasileira uma com-
pleta transformação linguística, que foi se intensificando
A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa
sempre à medida que suas outras obras de ficção apare-
como se sabe: queixei-me de baratas. Vai até o momento
ciam. Em 1952, em excursão ao estado do Mato Grosso,
em que vejo os monumentos de gesso. Mortas, sim. Mas
conviveu com vaqueiros do Oeste do Brasil e começou a re-
olho para os canos, por onde esta mesma noite renovar-
-se-á uma população lenta e viva em fila indiana. Eu iria
alizar um projeto majestoso: o livro Grande sertão: veredas,
então renovar todas as noites o açúcar letal? – como que publicou em 1956.
quem já não dorme sem a avidez de um rito. E todas as Destacam-se, além do romance, os livros de contos Saga-
madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão? rana: primeiras estórias, Tutameia (terceiras estórias), Ma-
– no vício de ir ao encontro das estátuas que minha noi- nuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá no Pinhém, Noites
te suada erguia. Estremeci de mau prazer à visão daque- do sertão: estas estórias.
la vida dupla de feiticeira. E estremeci também ao aviso
do gesso que seca: o vício de viver que rebentaria meu
molde interno. Áspero instante de escolha entre dois ca-
minhos que, pensava eu, se dizem “adeus”, e certa de
que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha
alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração
uma placa de virtude: “Esta casa foi dedetizada”.
A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do multimídia: livro
Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me de baratas.
In: CAMPEDELLI, Samira Youssef; ABDALA JR. Benjamin.
Clarice Lispector. São Paulo: Abril Educação, 1981. Sagarana: o Brasil de Guimarães
Rosa – Nildo Maximo Benedetti
3.2. João Guimarães Rosa Nesta obra, o leitor de Sagarana (1946) encontrará aná-
lises de todos os seus contos: em busca de uma inter-
pretação social, Nildo Maximo Benedetti empreendeu um
estudo apurado, percebendo vínculos entre os contos e
também entre estes e Grande sertão: veredas. Inspirado
em leituras de Luiz Roncari sobre a obra de Guimarães
Rosa, Nildo empenha-se por mostrar como uma repre-
sentação do Brasil da Primeira República constitui o sig-
nificado central de Sagarana. O foco da análise é o texto
da obra rosiana e é nele que o crítico se concentra com
rigorosa disciplina, eximindo-se de emitir juízos sobre as
ideias políticas e sociais que podem ser inferidas da obra.
89
3.2.4. Inserção de momentos de “epifania”
São histórias, historietas, eventos que “revelam” da perso-
nagem aspectos antes não percebidos.
90
Chamando--se Livíria, Rivília ou Irlívia, a que, nesta ob- da barca, de novo respeitado, quieto. Vá-se a camisa,
servação, a Jó Joaquim apareceu. que não o dela dentro. Era o seu um amor meditado, a
Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Ali- prova de remorsos. Dedicou-se a endireitar-se.
ás, casada. Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maior Mais.
e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se. Voan- No decorrer e comenos, Jó Joaquim entrou sensível a
do o mais em ímpeto de nau tangida a vela e vento. Mas aplicar-se, a progressivo, jeitoso afã. A bonança nada tem
tendo tudo de ser secreto, claro, coberto de sete capas. a ver com a tempestade. Crível? Sábio sempre foi Ulis-
Porque o marido se fazia notório, na valentia com ciúme; ses, que começou por se fazer de louco. Desejava ele, Jó
Joaquim, a felicidade – ideia inata. Entregou-se a remir,
e as aldeias são a alheia vigilância. Então ao rigor geral
redimir a mulher, à conte inteira. Incrível? É de notar que
os dois se sujeitaram, conforme o clandestino amor em
o ar vem do ar. De sofrer e amar, a gente não se desafaz.
sua forma local, conforme o mundo é mundo. Todo abis-
Ele queria os arquétipos, platonizava. Ela era um aroma.
mo é navegável a barquinhos de papel.
Nunca tivera ela amantes! Não um. Não dois. Disse-
Não se via quando e como se viam. Jó Joaquim, além
-se e dizia isso Jó Joaquim. Reportava a lenda a embus-
disso, existindo só retraído, minuciosamente. Esperar é
tes, falsas lérias escabrosas. Cumpria-lhe descaluniá-la,
reconhecer-se incompleto. Dependiam eles de enorme
obrigavase por tudo. Trouxe à boca de cena do mundo,
milagre. O inebriado engano. Até que – deu-se o des- de caso raso, o que fora tão claro como água suja. De-
mastreio. O trágico não vem a conta-gotas. Apanhara o monstrando-o, amatemático, contrário ao público pen-
marido a mulher: com outro, um terceiro... Sem mais cá samento e à lógica, desde que Aristóteles a fundou.
nem mais lá, mediante revólver, assustou-a e matou-o. O que não era tão fácil como fritar almôndegas. Sem
Diz-se, também, que a ferira, leviano modo. malícia, com paciência, sem insistência, principalmente.
Jó Joaquim, derrubadamente surpreso, no absurdo desis- O ponto está em que o soube, de tal arte: por antipesquisas,
tia de crer, e foi para o decúbito dorsal, por dores, frios, ca- acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendados
lores, quiçá lágrimas, devolvido ao barro, entre o inefável e testemunhos. Jó Joaquim, genial, operava o passado –
o infando. Imaginara-a jamais a ter o pé em três estribos; plástico e contraditório rascunho. Criava nova, transforma-
chegou a maldizer de seus próprios e gratos abusufrutos. da realidade, mais alta. Mais certa?
Reteve-se de vê-la. Proibia-se de ser pseudo personagem, Celebrava-a, ufanático, tendo-a por justa e averiguada,
em lance de tão vermelha e preta amplitude. com convicção manifesta. Haja o absoluto amar – e
Ela – longe – sempre ou ao máximo mais formosa, já qualquer causa se irrefuta.
sarada e sã. Ele exercitava-se a aguentar-se, nas defei- Pois produziu efeito. Surtiu bem. Sumiram-se os pontos
tuosas emoções. das reticências, o tempo secou o assunto. Total o transa-
Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim é impos- to desmanchava-se, a anterior evidência e seu nevoeiro.
sível? Azarado fugitivo, e como à Providência praz, o ma- O real e válido, na árvore, é a reta que vai para cima.
rido faleceu, afogado ou de tifo. O tempo é engenhoso. Todos já acreditavam. Jó Joaquim primeiro que todos.
Soube-o logo Jó Joaquim, em seu franciscanato, dolorido Mesmo a mulher, até, por fim. Chegou-lhe lá a notícia,
onde se achava, em ignota, defendida, perfeita distância.
mas já medicado. Vai, pois, com a amada se encontrou
Soube-se nua e pura. Veio sem culpa. Voltou, com den-
– ela sutil como uma colher de chá, grude de engodos, o
gos e fofos de bandeira ao vento.
firme fascínio. Nela acreditou, num abrir e não fechar de
ouvidos. Daí, de repente, casaram-se. Alegres, sim, para Três vezes passa perto da gente a felicidade. Jó Joaquim
feliz escândalo popular, por que forma fosse. e Vilíria retomaram-se, e conviveram, convolados, o ver-
dadeiro e melhor de sua útil vida.
Mas.
E pôs-se a fábula em ata.
Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os tempos se
Desenredo. João Guimarães Rosa. In: BOSI, Alfredo (org.).
seguem e parafraseiam-se. Deu--se a entrada dos demônios. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, s.d..
Da vez, Jó Joaquim foi quem a deparou, em péssima
hora: traído e traidora. De amor não a matou, que não Trecho da obra Grande sertão: veredas
era para truz de tigre ou leão. Expulsou-a apenas, apos- Primeiro segmento (Refere-se ao início do relato.)
trofando-se, como inédito poeta e homem. E viajou a “NONADA. Tiros que o senhor ouviu foram de briga
mulher, a desconhecido destino. de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no
Tudo aplaudiu e reprovou o povo, repartido. Pelo fato, quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia
Jó Joaquim sentiu-se histórico, quase criminoso, reinci- isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade.
dente. Triste, pois que tão calado. Suas lágrimas corriam [...] O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não
atrás dela, como formiguinhas brancas. Mas, no frágio
seja: que situado sertão é por os campos gerais a fora a
91
dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do [...] Eu sabia que ele, a bem dizer, só guardava memória
Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, de um amigo: Joca Ramiro. Joca Ramiro tinha sido a ad-
o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar ser- miração grave da vida dele: Deus no Céu e Joca Ramiro
tão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde na outra banda do rio. Tudo o justo. Mas ciúme é mais
um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente
morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arreda- – o escuro, escuros.
do do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montes [...] E corri lembrança em Joca Ramiro: porte luzido,
oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões passo ligeiro, as botas russianas, a risada, os bigodes,
de fazendas, almargem de vantagens de bom render, as o olhar bom e mandante, a testa muita, o topete de
vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras cabelos anelados, pretos, brilhando. Como que brilhava
ele todo. Porque Joca Ramiro era mesmo assim sobre os
de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre
homens, ele tinha uma luz, rei da natureza.
em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um
o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão [...] Quando conheceu Joca Ramiro, então achou outra
esperança maior: para ele, Joca Ramiro, era único homem,
de opiniões... O sertão está em toda a parte. [...]
par de frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso,
Segundo segmento (Focaliza o momento em que Rio-
mandando por lei, de sobregoverno. Fato que Joca Ramiro
baldo conheceu Diadorim.)
também igualmente saía por justiça a alta política, mas
[...] só em favor de amigos perseguidos; e sempre conserva
Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa ár- seus bons haveres. Mas Medeiro Vaz era duma raça de
vore, pitando cigarro. Menino mocinho, pouco menos do homem que o senhor mais não vê; eu ainda vi. Ele tinha
que eu, ou devia de regular minha idade. Ali estava, com cospeito tão forte, que perto dele até o doutor, o padre
um chapéu de couro, de sujigola baixada, e se ria para e o rico, se compunham. Podia abençoar ou amaldiçoar,
mim. Não se mexeu. Antes fui eu que vim para perto e homem mais moço, por valente que fosse, de beijar a
dele. Então ele foi me dizendo, com voz muito natural, mão dele não se vaxava. Por isso, nós todos obedecíamos.
que aquele comprador era o tio dele, e que moravam Cumpríamos choro e riso, doideira em juízo. Tenente nos
gerais – ele era. A gente era os Medeiro-vazes.
num lugar chamado Os-Porcos, meio-mundo diverso,
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.
onde não tinha nascido. Aquilo ia dizendo, e era um me-
Rio de Janeiro: José Olympio, 1963.
nino bonito, claro, com a testa alta e os olhos aos-gran- nonada: coisa de pouco valor, ninharia
des, verdes. Muito tempo mais tarde foi que eu soube toleima: tolice
que esse lugarim Os-Porcos existe de se ver, menos lon- cristo-jesus: calvário, sofrimento.
arredado: afastado
ge daqui, nos gerais de Lassance. [...]
almargem: pastagem
Eu vi o rio. Via os olhos dele, produziam uma luz. – “Que
é que a gente sente, quando se tem medo?” – ele inda-
gou, mas não esta remoqueando; não pude ter raiva. –
“Você nunca teve medo?” – foi o que me veio, de dizer.
Ele respondeu: – “Costumo não” – e, passado o tempo
dum meu suspiro: – “Meu pai disse que não se deve de
ter...” Ao que meio pasmei. Ainda ele terminou: – “...
Meu pai é o homem mais valente deste mundo.” multimídia: livro
Terceiro segmento (Apresentação de chefes jagunços.)
[...] Chefe nosso, Medeiro Vaz, nunca perdia guerreiro.
O léxico de Guimarães Rosa –
Medeiro Vaz era homem sobre o sisudo, nos usos for-
Nilce Sant’anna Martins
mado, não gastava as palavras. [...] Ossoso, com a nuca
enorme, cabeçona meia baixa, ele era dono do dia e da
Dentre os muitos estudos sobre os textos do escritor mi-
noite – que quase não dormia mais: sempre se levantava
neiro, faltava uma pesquisa que congregasse o vocabu-
no meio das estrelas, percorria o arredor, vagaroso, em
lário de toda sua produção, seguido de explicações pos-
passos, calçado com suas botas de caititu, tão antigas. Se
síveis sobre o acervo de palavras utilizadas. Organizado
ele em honrado juízo achasse que estava certo, Medeiro
na forma de dicionário, é justamente isso o que este livro
Vaz era solene de guardar o rosário na algibeira, se traçar fornece ao leitor, que toma contato aqui com a extensão e
o sinal da cruz e dar firme ordem para se matar uma a a complexidade do léxico do escritor, podendo distinguir o
uma as mil pessoas. Desde o começo, eu apreciei aquela que nele pertence ao patrimônio dicionarizado do idioma
fortaleza de outro homem. O segredo dele era de pedra. e o que é produto de experimentação com a linguagem.
92
4. Na poesia 4.1.2. Intenção estética
Assim como os parnasianos dos últimos anos do século
No pós-guerra, houve uma geração de escritores chamada
XIX, os poetas de 1945 cultivaram uma linguagem lírica,
de Geração de 1945, que procurou recuperar procedimen-
com imagens intencionalmente estéticas, às vezes reto-
tos poéticos tradicionais, dando ênfase à experimentação
mando o conceito de “arte pela arte”, ou seja, o cultivo do
literária e ao “rigor” da expressão. lirismo em torno de temas pouco poéticos.
Nesse caminho, a obra de João Cabral de Melo Neto é Sirvam de exemplo do esteticismo convencional as estrofes
exemplar por seguir uma linha construtiva marcada pela do poema “Urubu”, de Geir Campos, construídas em de-
simetria dos versos e do poema. cassílabos, embora sem rima:
Em outros poetas, o rigor formal foi tal, que se chegou a fa- Sobreviventes da pureza antiga,
lar em neoparnasianismo – uma obsessão tão rigorosa pela As pernas brancas, no debrum das asas,
perfeição verbal chegou a ser até mesmo antimodernista. Pesam como remorsos a encurvá-las;
Mais tarde, alguns poetas dessa linha – Geir Campos, Péri- Vírgulas negras duma negra história.
cles Eugênio da Silva Ramos, Mário Quintana. Paulo Mendes
Como que o sentimento do pecado
Campos, Darcy Damasceno, Dantas Mota e Thiago de Melo Neutraliza a intenção e trunca gestos,
– trilharam caminhos diversos ao neoparnasianismo. E o voo – lento cair espirado,
O rigor da forma foi perseguido não só pelos de 1945 Misto de hesitação e de abandono –
como pelos artistas plásticos, como se vê na geometria das Penetra fundo e carne azul da tarde:
obras do pintor Alfredo Volpi (1896-1988). Longa verruma de carvão e sono.
CAMPOS, Geir. Canto claro e poemas anteriores.
4.1. Características da poesia de 1945 Rio de Janeiro: José Olympio, 1957.
Os poetas entenderam que as conquistas dos modernistas 4.1.3. Poesia de participação social
de 1922 deveriam ser abandonadas. Partiram, portanto,
para a reabilitação de regras mais rígidas para a compo- Alguns poetas da Geração de 1945 voltaram-se para os te-
sição do verso. mas sociais, com grande ênfase, chamando a atenção para
o homem diminuído na sua condição oprimida. É o caso,
por exemplo, de João Cabral de Melo Neto, que desenvolve
4.1.1. Volta ao rigor do verso uma poesia socializante, simétrica e formal. O mesmo ocor-
Uma das primeiras conquistas dos modernistas de 1922, o re com Ferreira Gullar, cuja participação social é marcante.
verso livre, foi abolido do ideário dos poetas de 1945. Eles Pratica uma poesia de enfoque político, em torno das ques-
revigoraram a metrificação com o emprego do verso decas- tões imediatas que abalavam o País.
sílabo e de outras medidas poéticas consideradas obsole-
tas. Assim, renasceu o soneto como forma fixa predileta. O 4.2. João Cabral de Melo Neto
desleixo do ritmo foi repudiado e, em lugar, observou-se o Em 1942, sem querer cursar a universidade, prestou con-
equilíbrio rítmico. curso para o funcionalismo público. Em 1945, ingressou no
Este poema de João Cabral de Melo Neto é uma amostra Itamaraty e publicou O engenheiro. A carreira diplomática
de como o trabalho do poeta aproxima-se do trabalho do levou-o pelo mundo afora: Barcelona, Londres, Sevilha,
engenheiro: rigor construtivo medido, sem excessos: Marselha, Genebra, Berna, Assunção, Dacar.
93
Em 1956, escreveu o poema dramático Morte e vida Se- Severina, em que a denúncia da miséria nordestina segue os
verina, que foi encenado, em 1966, no Tuca, Teatro da dois movimentos que aparecem no título: morte/vida.
Universidade Católica de São Paulo, musicado por Chico
Dentre suas obras, destacam-se; Pedra do sono; O enge-
Buarque de Holanda e visto por mais de 100 mil pessoas. A
nheiro; Psicologia da composição; Fábula de Anfion; Antio-
peça consagrou definitivamente o poeta João Cabral, eleito
de; O cão sem plumas; O rio; Duas águas; A educação pela
imortal pela Academia Brasileira de Letras, em 1969.
pedra; e Museu de tudo.
Mais de uma vez mencionado como um “poeta de sime-
trias”, caracteriza-se pela “palavra justa”, exata, extrema-
mente racionalizada. Ele sempre teve alta consciência de O cão sem plumas
seus poemas, cujas características são: O cão sem plumas, de 1950, foi escrito em Barcelona,
Espanha. Trata-se de um longo poema que dá início
4.2.1. Ruptura com a poesia de inspiração a um ciclo na obra de João Cabral. O poeta explicita
O autor prega uma poesia que não está no sentimento do sua preocupação com a realidade pernambucana. Ele
poeta ou na beleza dos fatos, mas na organização do texto, busca, em meio a uma atmosfera de degradação, um
no rigor de sua construção. homem vivo. A ênfase sociológica também vai marcar
as produções posteriores.
94
de suas barbas expostas, Trecho de Morte e Vida Severina
de seu doloroso cabelo
de camarão e estopa. O retirante explica ao leitor quem é e a que vai
– O meu nome é Severino,
[...]
como não tenho outro de pia.
E sabia [...]
da magra cidade de rolha, Somos muitos Severinos
onde homens ossudos, iguais em tudo na vida:
onde pontes, sobrados ossudos na mesma cabeça grande
(vão todos que a custo é que se equilibra,
vestidos de brim) no mesmo ventre crescido
secam sobre as mesmas pernas finas
até sua mais funda caliça. e iguais também porque o sangue,
[...] que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
Mas ele conhecia melhor iguais em tudo na vida,
os homens sem pluma. morremos de morte igual,
Estes mesma morte severina:
secam que é a morte de que se morre
ainda mais além de velhice antes dos trinta,
de sua caliça extrema de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
[...]
[...]
Porque é na água do rio Retirante, Mestre Vitalino
que eles se perdem Aproxima-se do rio do retirante um dos mu-
(lentamente cambos que existem o cais e a água do rio:
e sem dente). [...]
Ali se perdem – Seu José, mestre carpina,
(como uma agulha não se perde). e que interesse, me diga,
Ali se perdem há nessa vida a retalho
(como um relógio não se quebra). que é cada dia adquirida?
[...] espera poder um dia
comprá-la em grandes partidas?
Na paisagem do rio – Severino, retirante,
difícil é saber não sei bem o que lhe diga:
onde começa o rio; não é que espere comprar
onde a lama em grosso tais partidas,
começa do rio; mas o que compro a retalho
onde a terra é, de qualquer forma, vida.
começa da lama; – Seu José, mestre carpina,
onde o homem, que diferença faria
onde a pele se em vez de continuar tomasse a melhor saída:
começa da lama; a de saltar,
onde começa o homem numa noite,
naquele homem. fora da ponte e da vida?
[...] [...]
(MELO NETO, João Cabral de. O cão sem O carpina fala com o retirante que este-
plumas. Rio de Janeiro: Alfaguara.) ve de fora, sem tomar parte em nada:
95
Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender, Terra em transe
só com palavras, a vida, Um incrível filme que foi teleteatro musical produzido pela
TV Globo em 1981, dirigido por Walter Avancini, com versos
ainda mais quando ela é
de João Cabral de Melo Neto e música de Chico Buarque.
esta que vê, Severina A temática está centrada na trajetória de Severino, um reti-
mas se responder não pude rante nordestino que abandona o sertão rumo ao litoral em
à pergunta que fazia, busca de sobrevivência. O autor deixa claro que não fala de
ela, a vida, a respondeu um só Severino, mas de um grande grupo: os retirantes nor-
destinos, que têm todos a mesma sina, a morte e a vida sev-
com sua presença viva.
erina: “Somos muitos Severinos, iguais em tudo na vida”.
E não há melhor resposta
No decorrer do poema, Severino se põe a contar as durezas
que o espetáculo da vida: enfrentadas por essa gente: as jornadas para fugir da seca
vê-la desfiar seu fio, onde não nasce nem planta brava, em busca de terra que
que também se chama vida, lhe dê o que comer.
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina multimídia: livro
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina. Lira e Antilira (Mário, Drummond, Cabral) – Luiz Costa Lima
(NADA, José Fulaneti de. João Cabral de Melo
Neto. São Paulo: Abril Educação, 1982.) Mário de Andrade, Carlos Drummond e João Cabral –
numa obra tanto fundamental quanto fundante sobre o
tema/assunto. Fundante porque determinada um cami-
nho essencial e obrigatório aos iniciantes ou doutores nos
três poetas supracitados; fundamental [diga-se também
obrigatória] porque não deveria faltar na estante de qual-
quer um que se dedique ao estudo de lírica brasileira – e
mesmo literatura brasileira em geral –, também dada a
premência desses três modernos/modernistas.
96
VIVENCIANDO
Artes plásticas
97
ÁREAS DO CONHECIMENTO DO ENEM
HABILIDADE 5
Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos,
mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de pro-
dução e recepção.
HABILIDADE 16
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
Esta competência trata de uma das várias formas de expressão artística existentes, a literatura. Mas um texto
pode ser também arte, assim como a música, a dança e a pintura? Sim, aqueles textos que satisfazem alguma
necessidade artística humana, provocando alguma sensação de prazer no leitor, e que são definidos socialmente
como importantes e representativos de uma forma de pensar (através da escola, autores e instituições da área),
são considerados literários.
Esta habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso o conceito de uma
escola literária específica. A construção dos procedimentos literários está ligada aos fatores estéticos que podem
levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação ao a concepção artística do contexto.
MODELO 1
(Enem) Contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.
98
A busca pela identidade constitui uma faceta da tradição literária, redimensionada pelo olhar contemporâneo. No poema,
essa nova dimensão revela a:
a) ausência de traços identitários.
b) angústia com a solidão em público.
c) valorização da descoberta do “eu” autêntico.
d) percepção da empatia como fator de autoconhecimento.
e) impossibilidade de vivenciar experiências de pertencimento.
ANÁLISE EXPOSITIVA
O título do poema alude a Narciso, figura mitológica que, encantado pela sua própria beleza refletida na
água da lagoa, definha e morre, podendo ser entendido como o símbolo da vaidade e do individualismo.
“Contranarciso” seria, dessa forma, a inversão do mito, a expressão da necessidade do eu lírico de “beber”
em outros lagos, incapaz de desfrutar plenamente de seu próprio eu sem a ajuda de outros.
RESPOSTA Alternativa D
DIAGRAMA DE IDEIAS
99
1.1. Ferreira Gullar
AULAS 39 E 40
Em 1951, José Ribamar Ferreira (1930), que assina Ferreira
Gullar, deixou São Luís para morar no Rio de Janeiro, onde en-
trou em contato com pessoas ligadas ao jornalismo e à litera-
tura ao trabalhar como revisor de textos na revista O Cruzeiro.
HABILIDADES: 5, 15, 16 e 17
1. Concretismo
Com Luta corporal, apontado como o “verdadeiro início de sua
atividade poética”, Ferreira Gullar ganhou lugar de destaque
nas letras nacionais. Um pouco acima do chão, Luta corporal,
João Boa-Morte, Cabra marcada pra morrer (cordel), Quem
Paulo Leminski. Lua na Água, 1982 matou Aparecida? (cordel), Dentro da noite veloz, Poema sujo,
A geração de 1945 foi fortemente marcada pela questão es- Na vertigem do dia são seus títulos publicados.
tética. A aventura da linguagem, a preocupação com a forma A obra de Ferreira Gullar é marcada por:
e com o rigor do texto tornaram-se o objetivo básico dessa
geração, cujos nomes são de grande expressão poética.
1.1.1.Consciência estética e cotidiano
Depois de 1950, os poetas do primeiro momento do pós- Alta consciência estética, preocupação com um cotidiano
-guerra dividiram-se, partindo para experimentações dife- abrutalhado e busca da essência da realidade.
rentes. Alguns permaneceram no esteticismo formalista, 1.1.2. Adesão ao Concretismo
outros se encaminharam para uma poesia participante,
como Thiago de Melo e Ferreira Gullar – um dos poetas Com Poemas, de 1954, Ferreira Gullar adere ao movimen-
mais importantes do terceiro tempo modernista. Os po- to concretista, considerando-o “válido na época em que
etas José Paulo Paes, Afonso Ávila, Affonso Romano de surgiu, como uma resposta a uma crise na linguagem
Sant’Anna, Adélia Prado e Ilka Laurito voltaram-se para as poética”. Mais tarde, renega-o pelo seu radicalismo e por
tensões sociais do mundo contemporâneo. achá-lo muito limitado.
No entanto, algumas produções de Poemas são de extraor-
dinário lirismo e nada limitadas, como se vê:
mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
Concretion 5629. 1956. Luiz Sacilotto mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
100
fez-se moça sem ter cama,
nasceu na Praia do Pinto,
morreu no mesmo lugar.
Praia do Pinto é favela
que fica atrás do Leblon.
multimídia: livro O povo que mora nela
é tão pobre quanto bom:
Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos,
cozinha sem ter panela,
1950-1960 – Augusto de Campos, Décio Pignatari e Ha-
roldo de Campos namora sem ter janela,
O Concretismo alterou profundamente a realidade da tem por escola a miséria
poesia brasileira. Revisou o passado literário do país e e a paciência por dom.
retomou o diálogo com o Modernismo de 1922; pôs
ideias em circulação e colocou à arte novos desafios. Já bem cedo Aparecida
Hoje, está presente também na linguagem da propa- trabalhava pra comer:
ganda, nos slogans da televisão, na diagramação de
vendia os bolos que a mãe
livros, nas letras de bossa nova. Este volume reúne os
textos inaugurais do movimento concreto e recupera fazia pra ela vender;
uma história que andava obscurecida pelos preconcei- carregava baldes d’água
tos de seus opositores.
para banhar e beber.
Comida pouca e água suja
1.1.3. Poesia “participante” e engajada que até dá raiva dizer.
Considerando a poesia concreta uma resposta às necessi- Da porta de seu barraco,
dades de uma geração, Ferreira Gullar logo abandona essa
de zinco e madeira velha,
vertente para embrenhar-se na chamada “poesia partici-
pante”, caracterizada pelo tom popular que o poeta lhe olhava o mundo dos ricos
imprimiu, principalmente em João Boa-Morte, Cabra mar- com suas casas de telha.
cada pra morrer e Quem matou Aparecida? A obra Dentro
da noite veloz pode ser considerada elaboração de poesia Os blocos de apartamento
social, na qual pontificam os elementos do cotidiano ina- quase tocando no céu
ceitável poetizados com dor.
dos quais nem em pensamento
Quem matou Aparecida? contém a “poesia participan-
um deles seria seu.
te”, caracterizada pelo tom popular, e segue as linhas
da literatura de cordel – ou seja, poemas, narrativas, im- Daquele chão de monturo,
pressos de modo rudimentar e vendidos pendurados em via o mundo dividido:
varais, nas feiras e mercados nordestinos. São textos em
Do lado de cá, escuro,
linhagem bem simples e exploram os dramas das cama-
das menos favorecidas da população. O didatismo é o e do lado de lá, colorido.
principal aspecto desses poemas participantes, como se À sua volta a pobreza,
nota neste trecho reproduzido:
a fome, a doença, a morte;
Aparecida, esta moça e ali adiante a riqueza
cuja história vou contar, dos que tinham melhor sorte.
não teve glória nem fama Nossa Aparecida achava
de que se possa falar. que tinha era dado azar
Não teve nome distinto: porque ela ignorava
criança brincou na lama, que o mundo pode mudar.
101
[...] Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
Por que existem favelas? a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Por que há ricos e pobres? Digo adeus à ilusão
Por que uns moram na lama mas não ao mundo. Mas não à vida,
e outros vivem como nobres? meu reduto e meu reino.
Só te pergunto estas coisas Do salário injusto,
para ver se tu descobres. da punição injusta,
Se não descobres te digo da humilhação, da tortura,
para que possas saber: do horror,
o mundo assim dividido retiramos algo e com ele construímos um artefato
não pode permanecer. um poema
Foi esse mundo que mata uma bandeira.
GULLAR, Ferreira. Ob. cit.
uma criança ao nascer,
que negou à Aparecida
o direito de viver.
Quem ateou fogo às vestes
dessa menina infeliz
foi esse mundo sinistro multimídia: livro
que ela nem fez nem quis
– que deve ser destruído Reduchamp – Augusto de Campos; Julio Plaza
pro povo viver feliz. “Reduchamp“ é um poema-ensaio, num livro-poema
em que Augusto de Campos reinventa a crítica da arte.
GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
Ilustrado com iconogramas do artista e teórico Julio Pla-
O livro Dentro da noite veloz, publicado em 1975, traz za, os autores expõem, em imagens e versos, pura pro-
uma produção poética dos anos negros da ditadura mili- sa porosa, a poética de Marcel Duchamp. Lançado em
tar, quando Ferreira Gullar esteve no exílio. Leia um poema 1976, numa edição dos autores, o livro é resultado de
pertencente a essa obra: uma parceria das mais inovadoras e de fundamental
importância para as artes gráficas e suas relações com
a poesia no Brasil, que se iniciou com Poemóbiles (1974,
Agosto 1964 reeditado em 1985) e Caixa preta (1975). Duchamp
Entre lojas de flores e de sapatos, bares, é um iniciador. Ele já estava lá, antes, profanando o que
era considerado estético, transformando um gesto filosó-
mercados, butiques,
fico em obra de arte.
viajo
num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio, 2. Vanguarda concretista
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
Em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, foi lan-
que a vida
çado oficialmente o Movimento da Poesia Concreta, na Ex-
eu compro à vista aos donos do mundo. posição Nacional de Arte Concreta. A poesia concreta logo
102
ganhou adesões e apoios, mas também comentários espanta- É o que se vê no poema Agiotagem, de Mário Chamie:
dos e repúdios em face da desintegração total do verso tradi-
cional e da nova adaptação da palavra ao espaço visual – no
que competia com as artes plásticas, ao apresentar o mesmo
despojamento que se vê nas formas da arquitetura de Brasília.
Em fevereiro de 1957, a mesma exposição foi transferida
para o saguão do Ministério da Educação e Cultura, no
Rio de Janeiro.
O Concretismo era visto por alguns como um fenômeno,
um produto desorientado, sem rumos, a exemplo do que
acontecia em música, com o rock’n roll, e no Cinema Novo,
com Glauber Rocha. Outros, entretanto, viram no Concre-
tismo a mesma disciplina da então iniciante bossa nova,
capitaneada pelo músico e compositor João Gilberto.
O Concretismo deu origem a outras manifestações poéticas.
Mário Chamie
Agiotagem
Um
Dois
multimídia: livro
Três
103
2.2. Poema-código
O crescimento do movimento concretista ficou evidente
nos anos 1960, sempre muito ligado à vanguarda artís-
tica. As palavras participante, invenção, construção
estavam muito ligadas ao movimento, que vinha sempre
incorporando novas técnicas. Em 1964, Décio Pignatari e
Luiz Ângelo Pinto lançaram a teoria do poema-código
ou semiótico – predominantemente visual, que incorpo-
rava outras linguagens, como a da publicidade, a do jornal,
montando-se o texto à moda dos dadaístas. É o caso do
poema Psiu(hush!), de 1966, de Augusto de Campos.
A palavra libertou-se da distribuição linear da linguagem Reunidos em fins de 1948 no Clube de Poesia, logo se
verbal e aproximou-se do imediatismo da comunicação desligaram da geração de 1945, por entenderem que esta
visual; o espaço de papel passou a integrar o significado era um núcleo tradicional e pouco criativo. Em 1952, o trio
do poema. resolveu fundar um órgão de imprensa que registrasse esse
novo modo de “poetar” chamado Concretismo. Nascia en-
tão a revista Noigandres, que durou até 1962, publicação
2.3.2. Incorporação de técnicas visuais
que contou com cinco números.
A proximidade com as artes plásticas e visuais provocou
A expressão “poesia concreta” surgiu em 1955 e foi criada
um “diálogo” entre poetas e pintores concretistas que, nos
por Augusto de Campos. Em 1956, no Museu de Arte Mo-
anos 1950, pontificaram no Brasil e fora dele. Técnicas pró-
derna de São Paulo, houve seu lançamento oficial.
prias de outras artes passaram a ser utilizadas para compor
o poema: colagens, desenhos, grafismos, fotografias. É o A adesão de muitos poetas ao grupo motivou congressos,
que marca o poema-código. exposições, mesas redondas e também muita crítica.
104
“De sol a sol
Soldado
de sal a sal
salgado
de sova a sova
sovado
de suco a suco
sugado
de sono a sono
sonado
sangrado
de sangue a sangue”
Haroldo de Campos
2.5. Desdobramentos
3. Pós-vanguarda e
poesia marginal
Décio, de Jundiaí, SP, nasceu em em 1927;
Augusto, em 1931, e Haroldo de Campos, em Nos tristes e repressivos anos 1970, a poesia rompeu o
1929, foram os nomes do movimento concretista. compromisso com a realidade, com o intelectualismo e
O grupo concretista foi influenciado por muitos e também com o hermetismo modernista e partiu para ser marginal,
influenciou muita gente. Em 1967, por exemplo, o Movi- diluidora, anticultural, pós-modernista.
mento Tropicalista esteve diretamente ligado aos irmãos Sem constituir um movimento unificado, poetas jovens de-
Campos e a Décio Pignatari. O cantor e compositor Caeta- clararam-se marginais e surgiram de norte a sul do País,
no Veloso é adepto da poesia concreta, assim como alguns espalhando que a poesia perdera a pompa e a solenidade
poetas marginais que apareceram nos anos 1970 e 1980. e decretando o fim da modernidade – e o início da pós-mo-
Além de várias obras individuais, o grupo concretista tem dernidade, nome empregado, inicialmente, para denominar
uma literatura cuja marca traz a resistência à ditadura mi-
poemas reproduzidos na revista Noigandres; também nas
litar como emblema.
revistas Invenção, Navilouca, Código, Pólen, Artéria, Poesia
em Greve e Qorpo Estranho. Leia abaixo os poemas de Cacaso:
Jogos florais I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
105
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
multimídia: vídeo
Jogos florais II Fonte: Youtube
Primeira página do Jornal do Brasil, de 14 de dezembro de 1968. O AI-5 O irreverente tabloide O Pasquim tornou-se símbolo da
inaugurou um triste tempo de mordaças. resistência à ditadura.
106
Recuperaram-se alguns laços com a produção do primeiro
Modernismo (1922) – poemas-minuto, poema-piada; ex-
perimentaram-se técnicas – colagem, desmontagem dada-
ísta; praticaram-se formas consagradas – sonetos, haicai
(poema de origem japonesa em três versos e 17 sílabas).
Tudo foi possível no território livre da poesia marginal, até
escrevê-los em outro idioma, como os de Paulo Leminski à
multimídia: livro moda de um grafite:
Os jovens poetas posicionaram-se contra as portas fecha- A descontração foi sua marca registrada. Com ela hou-
das da ditadura, contra o discurso organizado, contra o dis- ve certa alegria, uma forma de enfrentar a dureza dos
curso culto, contra a poesia tradicional e/ou universal. dias em que “falar de flores é quase um crime”, como
diz Bertold Brecht.
A poesia saiu da página impressa do livro e ganhou as ruas,
os muros, os sanitários públicos, as margens de outros tex-
tos em forma de carona literária. Estava em folhetos mime-
ografados, distribuídos de mão em mão, em bares, praias,
feiras, em qualquer parte.
107
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
multimídia: livro
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
Modernidade líquida – Zygmunt Bauman
Torquato Neto,
A modernidade imediata é leve, líquida, fluida e infini- Torquatália. Rio de Janeiro: Rocco, 2004
tamente mais dinâmica que a modernidade sólida que
suplantou. A passagem de uma a outra acarretou pro-
fundas mudanças em todos os aspectos da vida humana.
Zygmunt Bauman cumpre aqui sua missão de sociólogo,
esclarecendo como se deu essa transição e nos auxilian-
do a repensar os conceitos e esquemas cognitivos usados
para descrever a experiência individual humana e sua
história conjunta. Este Modernidade líquida complemen-
ta e conclui a análise realizada pelo autor em Globaliza-
ção: as consequências humanas e Em busca da política.
Juntos, esses três volumes formam uma análise brilhante
das condições cambiantes da vida social e política.
108
Precocemente falecido, viveu em Curitiba com a poetisa ser um poeta social
Alice Ruiz, que vem organizando toda a obra dele. Entre
rosto queimado
outros livros de poesia editados nos anos 1980, há Capri-
chos e relaxos, La vie em close, Não fosse isso e era menos pelo hálito das multidões
/ Não fosse tanto e era quase. em vez
johny? está me ouvindo? olha eu aqui
johny? está me ouvindo? sim sim claro tua mãe e pondo sal
eu perdoamos já perdoamos eu disse perdoamos
nesta sopa rala
isso acontece claro acontece a qualquer um eu disse
qualquer um é to anyone do you hear me yes we for- que mal vai dar para dois
give you i Said your mother your mother forgives you LEMINSKI, Paulo. La vie em close. Ob. cit.
yes you do you hear me now whatever it is é claro
tudo perdoado tua mãe perdoa mãe sempre perdoa 3.4.3. Cacaso
tudo eu disse tudo tudo forgives yes your mother and
i we never pai sempre perdoa i forgive you perdoo
perdoo agora vá dormir my poor johny dormir eu dis-
se já disse que perdoo tua mãe perdoa agora johny
está me ouvindo johny está me ouvindo when i say
do you hear me yes johny do you do you do.
LEMINSKI, Paulo. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de; MESSEDER,
Carlos Alberto.
Poesia jovem, anos 70. São Paulo: Abril Educação. 1982.
aqui jaz um artista Cacaso caminhou para uma grande independência literária
com Beijo na Boca e Segunda classe (este em coautoria
mestre em disfarces com Luís Olavo Fontes), ambos de 1975, integrantes da
viver coleção Vida de Artista.
com a intensidade da arte Agudo crítico literário, foi dos primeiros ensaístas a analisar a
poesia marginal em Tudo da minha terra – bate-papo sobre po-
levou-o ao infarte
esia marginal, de 1975, ensaio com que participou de um de-
deus tenha pena bate promovido pelo Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro.
dos seus disfarces
Poema de Cacaso
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos.
São Paulo: Brasiliense, 1984. Logia e mitologia
eu queria tanto Meu coração
ser um poeta maldito de mil e novecentos e setenta e dois
a massa sofrendo já não palpita fagueiro
enquanto eu profundo medito sabe que há morcegos de pesadas olheiras
eu queria tanto que há cabras malignas que há
109
cardumes de hienas infiltradas Eu penso
no vão da unha da alma a face fraca do poema / a metade da página partida
um pouco belicoso de radar Mas calo a face dura
e que sangra e ri flor apagada no sonho
e que sangra e ri Eu penso
a vida anoitece provisória a dor visível do poema / a luz prévia
centuriões sentinelas dividida
do Oiapoque ao Chuí Mas calo a superfície negra
In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de;
MESSEDER, Carlos Alberto. Op. cit. pânico iminente do nada
CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. Poesia/
3.4.4. Ana Cristina César prosa. São Paulo: Brasiliense, 1991.
A teus pés (poesia e prosa), publicado em 1983, reúne três Basta de cristandade
livros: Cenas de abril, Correspondência completa e Luvas
de pelica. De publicação póstuma são Inéditos e dispersos, de santidade
Escritos na Inglaterra e Escritos no Rio.
de moralidade
A maioria dos textos de Ana ficou inédita e foi organizada em
forma de livro por familiares, amigos e por Armando de Freitas obscuridade
Filho, com quem viveu. Esses textos revelam alguém que mui- Desejo a obscenidade
to refletiu sobre a condição feminina, recusando-se a aceitar
a ideia de que a mulher deve escrever sobre coisas diáfanas, a oleosidade
leves, etéreas, nuvens e riachos. Em depoimento de 1983, dis- a realidade
se que “talvez o feminino seja uma coisa mais violenta do que
isso. Talvez o feminino seja mais sangue, mais ligado à terra...” Desde essa idade
curto Marquês de Sade
Tenho uma folha branca
e limpa à minha espera: me arde antes que seja tarde.
Cristina Ohana
mudo convite
tenho uma cama branca Haikai
e limpa à minha espera: o ai
110
Venho e vou lua Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Uma mulher tem só caprichos, baby. Ataquei-os por trás com mão e palavras
Os cheiros delas. Que nunca suspeitei conhecesse.
Adoro. Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
Adoro, baby. gritei meu urro, a torrente de impropérios.
os gestos nos anéis. Ajuntou gente, escureceu o sol,
Lavandas. a poeira adensou como cortina.
O Banho, feito eterno. Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
E os dias pretos. sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida,
A gaze preta delas. uivava.
Véus Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se
pelas mãos, pelas pernas. Quando não pude mais fiquei rígida,
Amor e dor
Quanto mais você demora
mais me assalta.
Depois
Adélia Prado
não sei se quero o homem que me chega
ou o que me
falta
Maria Rita Kehl
111
VIVENCIANDO
Fotografia
Tropicalistas: da esquerda para a direita, em pé: Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias e Tom Zé; sentados: Rogério
Duprat, Caetano Veloso, Gal Costa e Torquato Neto. Gilberto Gil. Nos quadros: Nara Leão e Capinan.
Artes plásticas
112
VIVENCIANDO
113
ÁREAS DO CONHECIMENTO DO ENEM
HABILIDADE 5
Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos,
mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de pro-
dução e recepção.
HABILIDADE 16
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
Esta competência trata de uma das várias formas de expressão artística existentes, a literatura. Mas um texto
pode ser também arte, assim como a música, a dança e a pintura? Sim, aqueles textos que satisfazem alguma
necessidade artística humana, provocando alguma sensação de prazer no leitor, e que são definidos socialmente
como importantes e representativos de uma forma de pensar (através da escola, autores e instituições da área),
são considerados literários.
Esta habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso o conceito de
uma escola literária específica. A construção dos procedimentos literários está ligada aos fatores estéticos que
podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação à concepção artística do contexto.
MODELO 1
(Enem)Logia e mitologia
Meu coração
de mil e novecentos e setenta e dois
já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras
que há cabras malignas que há
cardumes de hienas infiltradas
no vão da unha na alma
um porco belicoso de radar
e que sangra e ri
e que sangra e ri
a vida anoitece provisória
centuriões sentinelas
do Oiapoque ao Chui.
CACASO Lero-ero, Rio de Janeiro: 7Letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002,
O título do poema explora a expressividade de termos que representam o conflito do momento histórico vivido pelo poeta
na década de 1970. Nesse contexto, é correto afirmar que
a) o poeta utiliza uma série de metáforas zoológicas com significado impreciso.
b) “morcegos”, “cabras” e “hienas” metaforizam as vítimas do regime militar vigente.
c) o “porco”, animal difícil de domesticar, representa os movimentos de resistência.
d) o poeta caracteriza o momento de opressão através de alegorias de forte poder de impacto.
e) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agentes que garantem a paz social experimentada
114
ANÁLISE EXPOSITIVA
Os versos de Cacaso mostram a opressão que caracterizavam os anos 70, típicos de um regime severo, atra-
vés de uma alegoria já mostrada no título. “Logia e Mitologia” o estudo de um mito através de uma lógica.
RESPOSTA Alternativa D
DIAGRAMA DE IDEIAS
CONCRETISMO
115
um dos nomes daquilo que é hoje também certa caracte-
AULAS 41 E 42 rística literária, inclusive, balizada pelo mercado editorial:
o constante fluxo de produção dos autores que vivem tão
somente da Literatura.
PROSA NO BRASIL:
1960-1980
COMPETÊNCIA: 5
HABILIDADES: 15, 16 e 17
O cinema e a literatura se renderam às armadilhas
da BR-381. Por ironia, o autor da ficção mais famosa
a tratar dos perigos da estrada morreu num desastre
116
que a Literatura produzida entre as décadas de 60 e 80, Caio Fernando de Abreu nasceu no Rio Grande do Sul em
acontece sob os seguintes eventos: setembro de 1948. Caio foi um escritor e jornalista agra-
ciado três vezes com o prêmio Jabuti de Literatura, prêmio
§ Desdobramentos do governo de Juscelino Kubitschek;
de maior prestígio em território nacional. Tendo feito parte
§ Efervescência cultural (bossa nova, cinema, teatro de do cenário literário alternativo e até mesmo marginal da
arena); época, Caio chegou, inclusive, a morar com Hilda Hilst, im-
§ Golpe militar de 64; portante poeta brasileira, em Campinas, no ano de 1968,
quando ele estava sendo perseguido pela ditadura militar.
§ Nacionalismo capitalizado pelo tricampeonato mundial
da Seleção Brasileira; Embora publicasse desde 1966, entre contos e romances,
sua publicação mais famosa Morangos Mofados, data
§ Lei da Anistia (1979); de 1982. Caio Fernando de Abreu foi uma das vítimas
§ Os anos 80 iniciam as mobilizações populares pelas famosas do vírus HIV, o qual se descobriu portador em
eleições direta; 1994. Na tentativa de diminuir o estigma sobre a doença,
declara sua condição publicamente nas mídias impressas.
É comum que textos desse período apareçam Em 1996, com 47 anos, falece em Porto Alegre, em de-
como aparatos para questões que vão desde a corrência da doença.
interpretação de textos até mesmo problemas
interdisciplinares envolvendo Geografia e Histó- 2.1.1. Morangos Mofados
ria. Assim, dominar características da produção Publicado em 1982, Morangos Mofados marca o final dos
do período, bem como aprofundar os estudos anos de ditadura e consequente abertura política no país. É
sobre os gêneros literários é e será, sem dúvida, um livro de contos que se divide em três partes, estrutura-
uma ferramenta a mais para o estudante elabo- das da seguinte maneira:
rar, com calma, as respostas aos problemas pro-
postos pelo exame vestibular. § 1ª parte – o mofo: constituí-se de nove contos. Nessa
primeira parte, representa-se o que foi a ditadura mili-
tar, vemos um processo de desumanização e impotên-
2. Contos cia de liberdade.
§ 2ª parte – morangos: constituí-se de oito contos. Assim
O romance e o conto se deixam comparar analogica-
como na última parte, trata-se da gradual transição da
mente com o cinema e a fotografia, na medida que um
morte à vida, da solidão à esperança. Há, assim, um
filme é em princípio uma "ordem aberta", romanesca,
enquanto uma fotografia bem realizada pressupõe uma
leve teor de esperança, um pequeno fio, que inclusive
justa limitação prévia, imposta em parte pelo reduzido
singulariza este livro dos demais do autor.
campo que a câmara abrange e pela forma com que o § 3ª parte – morangos mofados: apresenta um único
fotógrafo utiliza esteticamente essa limitação. [...] conto, este que dá nome ao livro.
O contista sabe que não pode proceder acumulativa- A obra aborda o que podemos considerar como temas
mente, que não tem o tempo por aliado; seu único re- preponderantes no autor: estranhemento, marginalização,
curso é trabalhar em profundidade, verticalmente, seja dor, solidão. Ambientados em um espaço marcado pela
para cima ou para baixo do espaço literário. pós-modernidade, vemos personagens degradados, pela
– J. Cortázar esquizofrênia, pela Aids, pelo desencanto. A cidade é o ce-
nário da maioria dos contos e a realidade se faz filtrada
2.1. Caio Fernando de Abreu pela interioridade de seus personagens.
"Não queria que ele pensasse que eu andava bebendo,
e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando
também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro,
chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estô-
mago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse
que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria
que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse,
e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que
não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava
relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu
andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem
117
soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto
porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu O PIROTÉCNICO ZACARIAS
não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era."
E se levantará pela tarde sobre ti uma luz como
– ABREU, C. F. Além do ponto. In.: Morangos mofados. a do meio-dia; e quando te julgares consumido,
nascerás como a estrela-d’alva.
Nessa direção, a obra adquire tom intimista e o que antes
se marcava como preocupação social se multiplica também ( Jó, xi, 17)
em constituição psicológica a partir de traumas pessoais Raras são as vezes que, nas conversas de amigos
das personagens. Trata-se, assim, de uma literatura urbana, meus, ou de pessoas das minhas relações, não surja
com linguagem coloquial, que trabalha com temas pouco esta pergunta. Teria morrido o pirotécnico Zacarias?
comuns (como o amor homoerótico) e expande, assim, o
A esse respeito as opiniões são divergentes. Uns
repertório e o alcance da literatura. acham que estou vivo — o morto tinha apenas
alguma semelhança comigo. Outros, mais supers-
2.2. Murilo Rubião ticiosos, acreditam que a minha morte pertence ao
rol dos fatos consumados e o indivíduo a quem an-
dam chamando Zacarias não passa de uma alma
penada, envolvida por um pobre invólucro huma-
no. Ainda há os que afirmam de maneira categórica
o meu falecimento e não aceitam o cidadão exis-
tente como sendo Zacarias, o artista pirotécnico,
mas alguém muito parecido com o finado.
Uma coisa ninguém discute: se Zacarias morreu, o
seu corpo não foi enterrado.
A única pessoa que poderia dar informações cer-
tas sobre o assunto sou eu. Porém estou impedido
Murilo Rubião nasceu em Minas Gerais, na cidade que é de fazê-lo porque os meus companheiros fogem
hoje Carmo de Minas, em 1916. Embora tenha escrito um de mim, tão logo me avistam pela frente. Quando
número pequeno de contos, é considerado o pioneiro da li- apanhados de surpresa, ficam estarrecidos e não
teratura fantástica no país. Entre jornais e revistas, publicou conseguem articular uma palavra.
cerca de 50 contos, embora, os seus sete livros lançados
totalizem somente 33, pois, perfeccionista, o autor sempre Em verdade morri, o que vem ao encontro da ver-
buscou lapidar ao máximo os seus textos. são dos que creem na minha morte. Por outro lado,
também não estou morto, pois faço tudo o que an-
Na década de 40, mais especificamente em 1947, já pu- tes fazia e, devo dizer, com mais
blicava seu primeiro livro. Contudo, a maior parte de suas
agrado do que anteriormente.
publicações se dá após a década de 60. Além disso, as ino-
vações que traz ao campo literário são de forte expressão, [...]
distanciando-a de uma estética puramente modernista. RUBIÃO, M. O pirotécnico Zacarias. In.: Obra Completa.
2.2.1 Características
Rubião desenvolve uma vertente literária que a crítica no- 2.3. Dalton Trevisan
meia de realismo fantástico ou realismo mágico. Tra-
ta-se, assim, de um estilo literário marcado pela concepção
de situações absurdas, inexplicáveis, mas orientadas por
uma lógica realista e racional, causando um efeito de estra-
nhamento ao leitor. Exemplo disso, é o conto "Pirotécnico
Zacarias", no qual, um morto-vivo, intriga-se com a própria
morte e tece, a partir disso, reflexões sobre a sua condição.
Acentuando o realismo fantástico, a linguagem objetiva do
autor faz com que se construa uma naturalização das situa-
ções apresentadas, por mais inusitadas que sejam. Além disso,
verifica-se a importância do narrador como condutor do leitor
na trama e figuração da imersão no elemento do fantástico.
118
Dalton Trevisan é autor curitibano nascido em 1925. Em ção de um jornal dentro do colégio. Nesse período, passa
2012, recebeu o prêmio Camões pelo conjunto de sua a escrever artigos e crônicas para revistas da região, tor-
obra. É considerado o maior contista brasileiro vivo e, nando seu nome localmente conhecido. Em 1941, com 18
embora tenha todos esses prêmios, seu apelido "o vam- anos, está na faculdade de Direito de Minas Gerais.
piro de curitiba", título de seu primeiro livro, lançado em
Seus contos são reunidos em seu primeiro livro Os grilos não
1965, justifica-se em função da personalidade reclusa e
cantam mais (1941), é o seu primeiro lançamento literário.
tímida do autor.
Passa a contribuir com revistas e jornais literários fora de Mi-
nas Gerais, participando de suplementos no Rio de Janeiro.
2.3.1. Características Durante esse período o escritor formou amizade com outros
Com contos marcados pelo conflito, a linguagem de Dalton escritores mineiros, como, em ordem alfabética, Hélio Pelle-
Trevisan é rápida e ágil. Seus textos apresentam dramas grino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Rezende.
de personagens comumente marginalizados, expectativas Fernando Sabino irá publicar O encontro marcado em 1956,
de felicidade diante da realidade nua, crua e infértil, por livro que fará muito sucesso com a crítica e com o público. É
exemplo, são lugares comuns na sua literatura. um romance longo, que surpreende seus leitores, acostuma-
Seus contos são normalmente ambientados em uma Curi- dos a contos, crônicas e artigos de jornal. O livro será lançado
tiba fantástica, o que leva ao leitor a sensação de não saber também em Portugal e na Alemanha nos anos seguintes.
ao certo se lê sobre lugares reais ou ficcionais. Dalton, em Perto dos seus 40 anos, em 1960, Fernando Sabino se
sua Curitiba mítica, explora a fria capital como um espaço torna correspondente do Jornal Brasil em Cuba. Escreve
de ardente vida e transformação. reportagens sobre a revolução cubana. O autor funda,
Não somente, Dalton explora o gênero conto em grande ainda, duas editoras: Editora do autor, da qual ele deixa de
proporção, sendo conhecido como pioneiro do microconto, participar em 1965 para fundar a Editora Sabiá.
isto é, o conto em sua máxima potência de síntese. Quando João Goulart governa, em 1964, Fernando Sabino
se torna Adido Cultural (responsável por representar os in-
119
Acompanhamos, assim, um Fernando Sabino que é também contra a censura e que foi assinada pelos mais represen-
Eduardo, pelas ruas de Belo Horizonte e na sua trajetória no tativos intelectuais do Brasil."
Rio de Janeiro. Dividido em duas partes, O encontro marcado http://www.academia.org.br/academicos/lygia-fagundes-telles/biografia
120
Antonio Candido foi um importante estudioso do gênero 6.1.1. Características
no Brasil. Para ele, havia um certo estigma de que a crônica
O autor traz como marca o uso do tom coloquial, o que
fosse um gênero menor, algo que, na sua acepção, talvez
não quer dizer que sua escrita esteja despida de elegância,
fosse justamente uma benção do modo de se escrever o
pelo contrário, Veríssimo traz no prosaísmo um domínio
breve texto. Assim, em seus estudos, discorre sobre alguns
célebre da língua portuguesa. Seus personagens, assim,
tipos de crônicas, sistematizados a seguir:
representam, ora de forma humorada, ora de forma refle-
§ Crônica diálogo: apresenta um diálogo, seja entre o xiva, muito bem os aspectos da realidade brasileira. Nessa
cronista e o seu interlocutor imaginário ou entre os direção, ironiza problemáticas sociais e políticas, trazendo
personagens criados no texto. uma crítica velada, mas sempre bem humorada.
§ Crônica narrativa: aproxima-se do conto, na medida que
ação, tempo e espaço são importantes elementos. Brin- A metamorfose
da o leitor com diálogos ágeis e finais surpreendentes. Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado
num ser humano. Começou a mexer suas patas e viu que só
§ Crônica de exposição poética: divagação lírica sobre
tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação
determinado assunto. difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpre-
§ Crônica biográfica lírica: biografa uma personalidade sa e sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram
de forma poética. É uma forma comumente usada para aterrorizadas para trás do móvel. Ella quis segui-las, mas não
coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi: “Que
se prestar homenagens.
horror… Preciso acabar com essas baratas…”
Fernando Sabino, Paulo Mendes e outros autores, na se- Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela
gunda metade do século XX, exploraram e se beneficiaram seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez uma espécie
da crônica, em especial no que diz respeito às potenciali- de manto com a cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu
dades do gênero: maior alcance entre o público. Porém, o pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa
nome que se sobressai dentro do gênero é o de Luis Fer- de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita.
Para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais,
nando Veríssimo, sem excluir as importantes crônicas feitas
mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou
na história da literatura brasileira. um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome
não bastava. A que classe pertencia?… Tinha educação?….
6.1. Luis Fernando Veríssimo Referências?… Conseguiu a muito custo um emprego como
faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro
não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas
os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem
as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar ?
Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa
e banho. Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada.
Filas no Instituto Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O
marido desempregado… Finalmente acertou na loteria. Quase
quatro milhões ! Entre as baratas ter ou não ter quatro milhões
não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro.
Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer
Luis Fernando Veríssimo, nascido em Porto Alegre, no ano de bem, a cuidar onde põe o pronome. Subiu de classe. Contratou
babás e entrou na Pontifícia Universidade Católica.
1936, é filho do, também escritor, Érico Veríssimo. Escritor, hu-
morista, tradutor, cartunista, entre outras atribuições conside- Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em
barata. Seu penúltimo pensamento humano foi : “Meu Deus!…
radas literárias, o autor tem seu merecido destaque como um
A casa foi dedetizada há dois dias!…”. Seu último pensamento
importante cronista na história da literatura brasileira.
humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira e que o
Entre seus diversos títulos e antologias, como Comédias safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois desceu
para se ler na escola e As mentiras que os homens con- pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava
mais em nada. Era puro instinto. Morreu cinco minutos depois ,
tam, é possível identificar características de estilo bastante
mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.
pertinentes ao autor e também ao gênero. Luis Fernando
Veríssimo, afinal, é, sem dúvida, um ponto de referência, Kafka não significa nada para as baratas…
que continua a escrever nos tempos atuais, para aqueles VERÍSSIMO, Luis Fernando. A metamorfose.
que se aventuram pelo gênero.
121
[...] carecíamos de um português sem Portugal, de um
AULAS 43 E 44 idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar
uma identidade própria. Até se dar o encontro com o
português brasileiro, nós falávamos uma língua que não
nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade,
é um outro modo de viver calado. [...]
2. Caminhos poéticos
1. Lusofonia Historicamente, sabe-se que grande parte da população
de países africanos lusófonos não teve acesso à educação
A língua portuguesa, afirmou o escritor [LUANDINO
VIEIRA], logo após a libertação de Angola, é um “troféu
formal durante o período em que se encontravam como
de guerra”*. Na imagem bélica evidencia-se a vitória so- colônia portuguesa. Assim, uma cultura marcada pela ora-
bre o inimigo e a consequente conquista de um valioso lidade irá repercutir não somente nas primeiras tentativas
espólio, que as guerras de um modo geral colocam em de produção literária como até hoje nas produções mais
jogo. É possível perceber ainda na frase de Luandino cer- recentes. Nesse aspecto, no contexto específico, a poesia
ta ironia, uma vez que a vitória é proclamada justamente se mostrou como o caminho literário mais seguro para, ini-
na língua do inimigo, agora um “troféu”, para que sobre
cialmente, ser percorrido.
esta conquista não paire nenhuma dúvida.
– MARTINS, Aulus Mandagará. A OUTRA MARGEM: Vale ressaltar que, assim, ainda que cada país possui uma
A QUESTÃO DA LUSOFONIA E DA ORALIDADE trajetória particular, mesmo tendo sido dominados pela mes-
EM LUANDINO VIEIRA E MIA COUTO.
ma metrópole. O que quer dizer que cada um deles contou
São cinco os países africanos que trazem o português como com processos de independência diferentes. Todavia, é pos-
língua oficial: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçam- sível identificar algumas fases comuns e bem marcadas na
bique e São Tomé e Príncipe. Assim como o Brasil, a histó- busca de suas respectivas independências culturais.
ria desses países é marcada pela luta e resistência contra
a colonização, em busca da independência. Nessa direção,
a libertação das amarras coloniais portuguesas trouxe uma 3. Panorama da Literatura
importante questão: como definir uma identidade autônoma
que se distinga das imposições colonizadoras. Assim, a litera-
Africana de Língua Portuguesa
tura figura como um campo de trabalho para que a resposta Fase da Assimilação
a essa pergunta possa ser encontrada. Nesta primeira fase, o escritor que teve acesso aos meios
Nesse trabalho com a língua portuguesa, que sem dúvida para produzir simplesmente repete os modelos europeus. É
deixou marcas na história de todos os países colonizados considerado um momento de alienação em relação à pró-
por Portugal, uma das questões que se levanta é: uma li- pria condição.
teratura de expressão portuguesa reflete, sempre, a tensão Fase de resistência
desses dois mundos. De tal modo, escrever em língua por-
tuguesa pode significar, aparentemente, uma derrota cul- Nesta segunda fase, ocorre a ruptura com a tradição euro-
tural aos escritores. Contudo, Mia Couto traz significativa peia. O escritor assume a função de construir e defender a
e importante revelação, aproximando o Brasil dos países cultura africana. Os temas abordados denotam uma per-
africanos colonizados. cepção nacionalista.
122
Fase de construção da identidade africana ainda os meus olhos
Consolidação do processo de tomada de consciência. Coin- ainda os meus gritos
cide com momentos de proclamação da independência. A Ainda o dorso vergastado
produção é voltada ao meio social em que vive o escritor. o coração abandonado
Marca seu lugar na sociedade pós-colonial.
a alma entregue à fé
Fase da definição da independência literária ainda a dúvida
Nesse momento, reconstitui-se a individualidade autoral.O E sobre os meus cantos
texto começa a surgir com temáticas próprias de seu espa-
os meus sonhos
ço, ao mesmo tempo que se reconhece como dotado de
os meus olhos
um lugar de valor no campo universal da literatura. Traça-
os meus gritos
-se, assim, rumos para o futuro literário de cada país.
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado
Se quisermos ter uma visão de conjunto das literatu-
ras africanas de língua portuguesa, torna-se neces- Ainda o meu espírito
sário considerar essas fases da produção do texto ainda o quissange
mas também os grandes momentos de ruptura com a marimba
os códigos estabelecidos. A crítica e os historiadores
a viola
concordam que os fundamentos desses momentos
o saxofone
caracterizam-se pelo surgimento de movimentos li-
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco
terários significativos ou de obras importantes para
o desenvolvimento das literaturas, entre os quais po- Ainda a minha vida
dem ser citados: oferecida à Vida
a) em Cabo Verde, a publicação da revista Claridade ainda o meu desejo
(1936-1960);
Ainda o meu sonho
b) em São Tomé e Príncipe, a publicação do livro de o meu grito
poemas Ilha de nome santo (1942), de Francisco
o meu braço
José Tenreiro;
a sustentar o meu Querer
c) em Angola, o movimento “Vamos descobrir An-
gola” (1948) e a publicação da revista Mensagem E nas sanzalas
(1951-1952); nas casas
d) em Moçambique, a publicação da revista Msaho no subúrbios das cidades
(1952); para lá das linhas
e) na Guiné-Bissau, a publicação da antologia Man- nos recantos escuros das casas ricas
tenhas para quem luta! (1977), pelo Conselho Na- onde os negros murmuram: ainda
cional de Cultura
O meu desejo
FONSECA, Maria; MOREIRA, Terezinha. PANORAMA
DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA transformado em força
PORTUGUESA. Disponível em: <https://www4.pucminas. inspirando as consciências desesperadas.
br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_ARQ_
ARQUI20121019162329.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2021. NETO, Agostinho. Aspiração. Disponível em: <https://lusofoniapoetica.
com/angola/agostinho-neto/aspiracao>. Acesso em: 08 jun. 2021.
Aspiração
Ainda o meu canto dolente
4. Caminhos da prosa
e a minha tristeza Sem dúvida, em boa parte do Brasil, estamos acostumados
no Congo, na Geórgia, no Amazonas com o mundo da escrita e dos livros. No entanto, em relação
aos irmãos de colonização do continente africano, tal qual
Ainda Angola e Moçambique, por exemplo, que enfrentaram duros
o meu sonho de batuque em noites de luar anos de Guerra pela independência e seguidas guerras civis,
ainda os meus braços ainda em 2005, segundo relatório do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, o índice de analfabetismo
123
desses países era, respectivamente, 33,20% e 53,50%. Muito mais do que uma literatura voltada para os costumes
internos de moçambique, o que propõe Mia Couto é algo
Contudo, deixa-se bem claro, esse fato não significa que nes-
semelhante às evocações roseanas que buscavam elevar
sas sociedades não seja produzida cultura, como por vezes é,
o Sertão ao status de mundo, uma literatura que mostre o
preconceituosamente, de senso comum. Na mesma direção,
universal dentro de algo tão particular: a leitura do mundo a
isso também não significa que a literatura não desempenhe
partir de Moçambique.
importante papel nesse meio. Assim, nesse contexto, aproxi-
mam-se oratura e literatura e os escritores, então, tomam a
decisão de participar do processo de construção da identidade 5.2. Luandino Vieira
nacional de seu povo, transformando suas obras literárias em
espaço de resgate da tradição oral que fundamenta o país, tra-
dição, que anos de colonização não foram capazes de apagar.
5. Autores
5.1. Mia Couto
124
5.3. Paulina Chiziane Estudiosa da literatura e das questões de gênero, a primei-
ra incursão literária de Isabela foi publicada em 1988, um
conto. Em 2009, porém, sua obra autobiográfica Caderno
de memórias coloniais faz um grande sucesso; a autora
vem, inclusive, ao Brasil, divulgar seu livro. Outra obra de
expressiva importância da autora é A gorda, de 2016.
5.5. Pepetela
125
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas
e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da iden-
tidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da
própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a
natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da reali-
dade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem
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