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Caro aluno

Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva
metodologia em período integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material
didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos
livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e trans-
versal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Para melhorar
a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A seguir, apresentamos cada seção:

INCIDÊNCIA DO TEMA VIVENCIANDO


NAS PRINCIPAIS PROVAS
Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu
De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreen-
vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos são de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos
principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo temas para além da superficial memorização de fórmulas ou regras.
o território nacional. Para evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvol-
vida a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há
uma preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações
entre aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato
em seu dia a dia.
TEORIA
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção
tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques-
tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com-
pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas
que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua-
APLICAÇÃO DO CONTEÚDO
dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados
e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem
que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compila-
dos, deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e co-
mentados, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difí-
cil compreensão torne-se mais acessível e de bom entendimento
aos olhos do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever,
a qualquer momento, as explicações dadas em sala de aula.

MULTiMÍDiA
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidado-
sa seleção de conteúdos multimídia para complementar o reper-
tório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreen-
são, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. ÁREAS DE
Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o apro- CONHECiMENTO DO ENEM
fundamento nos temas estudados – há obras de arte, poemas, Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
imagens, artigos e até sugestões de aplicativos que facilitam os fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
estudos, com conteúdos essenciais para ampliar as habilidades aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
de análise e reflexão crítica, em uma seleção realizada com finos na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso aluno. a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resol-
vê-las com tranquilidade.
CONEXÃO ENTRE DiSCiPLiNAS
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-
borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos
conteúdos de cada área, de cada disciplina. DiAGRAMA DE iDEiAS
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran-
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão,
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los em
como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Mate-
suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aqueles
mática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com
que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio de
essa realidade por meio de explicações que relacionam a aula do
esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros,
Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da
sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o aluno consegue
aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos princi-
entender que cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz
pais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organização dos
parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive.
estudos e até a resolução dos exercícios.

HERLAN FELLiNi
© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2021
Todos os direitos reservados.

Autores
Lucas Limberti
Murilo Almeida Gonçalves
Pércio Luis Ferreira
Rodrigo Martins

Diretor-geral
Herlan Fellini

Diretor editorial
Pedro Tadeu Vader Batista

Coordenador-geral
Raphael de Souza Motta

Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica


Hexag Sistema de Ensino

Editoração eletrônica
Felipe Lopes Santos
Leticia de Brito Ferreira
Matheus Franco da Silveira

Projeto gráfico e capa


Raphael de Souza Motta

Imagens
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Shutterstock (https://www.shutterstock.com)

ISBN: 978-65-88825-76-1

Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legis-
lação, tendo por fim único e exclusivo o ensino. Caso exista algum texto a respeito do
qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição para
o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e
localizar os titulares dos direitos sobre as imagens publicadas e estamos à disposição
para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para
fins didáticos, não representando qualquer tipo de recomendação de produtos ou
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SUMÁRIO

ENTRE LETRAS
GRAMÁTICA
Aulas 35 e 36: Concordância verbal I 6
Aulas 37 e 38: Concordância verbal II 10
Aulas 39 e 40: Concordância nominal 13
Aulas 41 e 42: Regências nominal e verbal 16
Aulas 43 e 44: Crase 21

ENTRE TEXTOS: INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS


Aula 18: Leitura de imagens III: da arte barroca à neoclássica 26
Aula 19: Leitura de imagens IV: da arte romântica ao Pós-impressionismo 33
Aula 20: Leitura de imagens V: arte moderna: primeira metade do século XX 40
Aula 21: Leitura de imagens VI: arte contemporânea 46
Aula 22: Leitura de imagens VII: fotografia 57

LITERATURA
Aulas 35 e 36: Modernismo no Brasil: 2ª fase – prosa 64
Aulas 37 e 38: Modernismo no Brasil: 3ª fase 83
Aulas 39 e 40: Poesia no Brasil: 1960-1980 100
Aulas 41 e 42: Prosa no Brasil: 1960-1980 116
Aulas 43 e 44: Literatura lusófona contemporânea:percepções críticas sobre
a lusofonia 122
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

Todos os temas deste livro têm alta incidência Compreender como os pronomes funcionam
no Enem. dentro do período, contribuindo para
sustentar as relações de coordenação e
subordinação dentro dos períodos pode ser
um diferencial ao candidato.

Aborda o uso dos pronomes apresentados Compreender a importância das conjunções Ocorre com certa frequência as funções pro-
neste livro. Além disso, perceber a importância em relação ao estudo dos períodos simples e nominais dentro de orações e períodos. Assim,
das relações de coordenação e subordinação compostos coordenados e subordinados será o conteúdo deste livro aborda os elementos
dentro dos períodos será um diferencial para a chave para o bom desempenho. que constituem o período e as relações de
questões que envolvam textos, literários coordenação e subordinação.
ou não.

A resolução dos exercícios exige conheci- Além de saber reconhecer as regras da coloca- Aborda os sentidos possíveis decorrentes A objetividade de que se compõe dá margem
mentos sobre a especificidade de cada classe ção pronominal, o candidato deverá reunir das relações de subordinação e coordena- para questões bastante diretas sobre os
gramatical. É relevante, então, saber reconhe- a maior quantidade de conhecimento sobre ção. Compreender como essas relações se usos dos pronomes e os efeitos de sentido
cer como as próclises e ênclises atuam, bem as construções sintáticas de coordenação e constituem e por meio de quais termos elas decorrentes das relações dentro do período
como as conjunções para efeitos distintos de subordinação. se estabelecem será de grande ajuda ao composto.
sentido dentro de um período. candidato.

UFMG

Frequentemente apresenta textos configura- A relação entre linguagens verbal e não É comum questões que se atentem aos
dos por linguagens verbal e não verbal. Assim, verbal é uma constante neste vestibular. elementos sintáticos de que um texto se vale
compreender como os pronomes e as relações Propagandas e charges, então, acabam para a sua composição. Portanto, convém
dentro do período produzem determina- sendo fonte para questões. Reescrever frases estar seguro sobre o uso correto dos termos
dos efeitos de sentido será essencial ao pode ser comum, para tanto, saber utilizar que compõem os períodos compostos.
candidato. corretamente os pronomes será
um diferencial.

O uso dos pronomes pode aparecer em A abordagem deste vestibular ampara-se na Bastante direto, apresenta muitas questões a
questões de aplicação direta, por isso, atenção aos diferentes usos das conjunções, respeito de conhecimentos sobre a colocação
compreender as funções e regras de ênclise de modo a construir efeitos de sentido dentro pronominal. É comum, também, que questões
e próclise será muito importante. Ademais, de um período composto. Ademais, entender o ligadas aos efeitos de sentido advindos das
este caderno traz estudos sobre os períodos uso dos pronomes trabalhados neste caderno relações de subordinação apareçam.
simples e compostos. poderá ser de grande ajuda.
GRAMÁTICA

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1. Sujeito formado por uma expressão partitiva (parte de...,
AULAS 35 E 36 uma porção de..., metade de..., a maioria de..., a maior parte
de..., grande parte de...), seguida de um substantivo ou pro-
nome no plural, o verbo pode ficar no singular ou no plural.
Exemplos: A maioria dos deputados aprovou / apro-
varam a proposta.
CONCORDÂNCIA Metade dos candidatos não atingiu / atingiram nenhu-

VERBAL I ma proposta interessante.


Esse mesmo procedimento pode se aplicar aos casos dos
coletivos, se especificados:
Exemplo: Um bando de pássaros sobrevoou / sobre-
voaram o recinto.
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 2. Sujeito formado por expressão que indica quantidade
aproximada (cerca de..., mais de..., menos de..., perto de...)
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27 seguida de numeral e substantivo, o verbo concorda com
o substantivo.
Exemplos: Cerca de cinco mil pessoas participaram
da votação.

1. Concordância verbal Perto de quinhentos candidatos compareceram à prova.

Observe estas frases: Mais de um aluno atingiu o resultado esperado.


O autor aprovou a biografia.
Observação: Se a expressão “mais de um” as-
Os autores aprovaram as biografias.
sociar-se a verbos que exprimem reciprocidade, o
No primeiro exemplo, o verbo “aprovar” encontra-se na plural é obrigatório:
terceira pessoa do singular, concordando com o seu sujeito,
Exemplo: Mais de um colega ofenderam-se
“o autor”, também no singular. No segundo exemplo, o su-
na tumultuada discussão de ontem. (ofenderam
jeito, “os autores”, está concordando em número (plural)
um ao outro.)
com o verbo. Nesses dois exemplos, as flexões de pessoa e
número correspondem-se.
3. Sujeito formado por nomes que só existem no plural
A concordância verbal ocorre quando o verbo está flexio- (plural aparente), a concordância deve ser feita levando em
nado para concordar com seu sujeito. conta a ausência ou presença de artigo. Sem artigo, o verbo
deve ficar no singular. Se houver artigo no plural, o verbo
a) Concordância de sujeito
deve ficar no plural.
simples e casos especiais
Exemplos:
Regra geral Os Estados Unidos possuem grandes entidades de pesquisa.
O sujeito simples (com apenas um núcleo) concor- Minas Gerais impressiona pela be­leza da paisagem.
dará com o verbo em número e pessoa.
4. Sujeito formado por pronome interrogativo ou indefinido
Exemplos: A promotora divulgou o evento. plural (quais, quantos, alguns, poucos, muitos, quaisquer,
vários) seguido dos pronomes pessoais “nós” ou “vós”, o
As promotoras divulgaram o evento.
verbo pode concordar com o primeiro pronome (na terceira
Casos particulares: pessoa do plural) ou com o pronome pessoal.
Há casos em que o sujeito simples é constituído por cons- Exemplos: Quais de nós são / somos capazes de persistir?
truções que não são compostas apenas pelo núcleo (subs-
tantivo ou pronome) e que, por esse motivo, podem gerar Vários de nós propuseram / propusemos novas medidas.
algumas dúvidas a respeito de como devemos estabelecer Observação: a opção por uma ou outra forma indica inclu-
a concordância entre elas e o verbo. Portanto, convém ana- são ou exclusão da coisa ou pessoa mencionada. Se alguém
lisar com cuidado os casos a seguir: disser ou escrever “alguns de nós sabíamos de tudo e nada

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fizemos”, essa pessoa está se incluindo no grupo dos omis- Quinze por cento dos funcionários participam dos trei-
sos. Isso não ocorre, no entanto, se alguém disser ou escrever namentos.
“alguns de nós sabiam de tudo e nada fizeram”, frase que
Somente um por cento dos produtos costuma apresentar
soa como uma denúncia.
algum defeito.
Casos em que os pronomes interrogativo ou indefinido es-
Observação: Caso o numeral esteja adjacente ao verbo,
tiverem no singular, o verbo ficará no singular.
este deve obrigatoriamente concordar com o numeral.
Exemplos: Qual de nós é capaz?
Exemplo:
Algum de vocês fez isso.
Oitenta e cinco por cento acham difícil escolher deputados
5. Sujeito formado pelo pronome relativo “que”: a concor- e senadores.
dância em número e pessoa é feita com o antecedente do
10. Sujeito constituído por numeral fracionário seguido de
pronome.
substantivo: recomenda-se que o verbo concorde com o
Exemplos: Fui eu que paguei e saí mais cedo. numeral fracionário, que é núcleo do sujeito.
Fomos nós que compramos o carro. Exemplo:
6. Sujeito formado pela expressão “um dos que”: o verbo Um quarto dos soldados saiu ferido.
deve assumir a forma plural.
Dois terços da população apoiam o plano econômico.
Exemplo:
Observação: Caso o numeral fracionário esteja em uma
A globo foi uma das emissoras que cobriram o evento. oração de voz passiva, a concordância pode ser feita com o
complemento desse número por conta da possibilidade de
Atenção: harmonizar o gênero.
Admite-se a concordância com verbo no singular Exemplo:
quando se deseja dar destaque ao indivíduo do grupo: Apenas um quarto das ruas da cidade são pavimentadas.
Exemplo: Pedro foi um dos executivos que per- 11. Sujeito formado pela locução “um ou outro”: verbo fica
maneceu na empresa. no singular, pois a alternância indica a exclusão de um item.
Exemplo:
7. Sujeito formado pelo pronome relativo “quem”: o
verbo vai par a terceira pessoa do singular ou concorda Um ou outro ganhará o prêmio de melhor do mundo.
com o antecedente do pronome. 12. Locuções verbais realizam concordância flexionando o
Exemplos: verbo auxiliar.
Exemplos:
Fui eu quem saiu mais cedo. / Fui eu quem saí mais cedo.
Os políticos não conseguem cumprir suas promessas
Fomos nós quem comprou o carro. / Fomos nós quem
de campanha.
com­pramos o carro.
As pessoas podem viver em segurança nesse bairro.
8. Sujeito formado por pronome de tratamento: o verbo fica
na terceira pessoa do singular ou do plural, conforme o caso. b) Concordância com sujeito composto
Exemplos: 1. Sujeito anteposto ao verbo, este irá para o plural
Vossa Excelência está bem? Exemplo:
Os senhores podem aguardar aqui na sala ao lado. O frio e a tempestade atrapalharam o deslocamento
9. Sujeito constituído por numeral percentual seguido de do grupo.
substantivo: embora o numeral seja o núcleo, recomenda- 2. Sujeito posposto ao verbo, com núcleos no singular, au-
-se que verbo concorde com o substantivo que o acompa- toriza o verbo a ficar no plural (concordando com os dois
nha. Caso o numeral percentual seja “um por cento” (1%), núcleos) ou no singular (concordando com o mais próximo)
o verbo deve ir para o singular.
Exemplo:
Exemplo:
Virão à festa Jorge e meu primo. / Virá à festa Jorge e
Vinte por cento do petróleo é exportado. meu primo.

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3. Sujeito formado por pronomes demarcando pessoas Observação: Admite-se o verbo no singular quando se
gramaticais diferentes, o verbo irá sempre para o plural, deseja realçar o primeiro elemento do sujeito composto
obedecendo o seguinte esquema de regras:
Exemplo:
I. Se houver primeira pessoa (eu/nós) entre os núcleos, pre-
O treinador com os jogadores deixou o campo rapidamente.
valece o plural da primeira pessoa.
8. Se o sujeito for resumido por pronome indefinido (apos-
Exemplo:
to resumidor), o verbo ficará no singular.
Eu tu e ele viajaremos no final do ano.
Exemplo:
II. Se houver segunda pessoa (tu/vós) ou terceira pessoa
Carinho, atenção, dedicação, nada fez com que ele mudasse.
(ele/eles) entre os núcleos, pode-se usar qualquer plural de
segunda ou terceira pessoa.
Observação:
Exemplo:
Não podemos nos esquecer da existência do fenô-
Tu e ela desconheceis / desconhecem os perigos em
meno da Silepse (já estudado em figuras de lingua-
que irão se meter.
gem), que consiste em um processo de realização
4. Núcleos de sujeito composto formados pela conjunção de concordância que quebra o sistema de regras
“ou”: e se sustenta em uma base ideológica (em função
I. Se não houver ideia de exclusão, o verbo vai para o plural do contexto). Para avaliarmos a Silepse em relação
à concordância verbal normativa, devemos estar
Exemplo: atentos às instruções do exercício a ser realizado
Ou eu ou você seremos designados para o trabalhos (pre- (se ele admite, ou não, avaliações coloquiais).
valece verbo na primeira pessoa do plural). Exemplo de Silepse:
II. Se houver ideia de exclusão ou alternância, o verbo con- O elenco voltou ao palco e agradeceram os
corda com o núcleo de sujeito mais próximo. aplausos (concordância realizada com a ideia de
Exemplos: que a palavra “elenco” designa um grupo de ar-
tistas. Não é normativa, mas se admite no campo
Ou o médico ou o assistente conduzirá a cirurgia.
coloquial ou estilístico das figuras de linguagem).
5. Núcleos de sujeito composto formados pela conjunção
A assembleia designaram um novo síndico (con-
“nem”:
cordância realizada com a ideia de que a palavra
I. Se não houver ideia de exclusão, o verbo vai para o plural “assembleia” designa um grupo de pessoas. Não
Exemplo: é normativa, mas se admite no campo coloquial ou
estilístico das figuras de linguagem).
Nem o prefeito nem o governador abandonaram o povo.
II. Se houver ideia de exclusão ou alternância, o verbo vai
fica no singular.
Exemplo:
Nem o Pedro nem Paulo é pai de Marta.
6. Núcleos de sujeito composto ligados pelas conjunções
“não só... mas também”, “tanto... como”, “tanto... quan-
to”, etc. prevalece o uso do verbo no plural. multimídia: livro
Exemplo:
Não só a mídia mas também o público odiaram o filme. Concordância verbal – Maria Aparecida Baccega
Este livro aborda os procedimentos facultados pela língua
Tanto ele quanto a namorada gostam de séries.
e que, conscientizados, colaboram na clareza e eficiência
7. Núcleos de sujeito composto conectados pela preposi- da capacidade de comunicação.
ção “com” fazem com que o verbo fique no plural.
Exemplo:
O ministro com os assessores abandonaram a reunião.

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DIAGRAMA DE IDEIAS

CONCORDÂNCIA VERBAL
Verbo estabelece
concordância com o sujeito

SUJEITO VERBO Possíveis


complementos

Concorda em
número e pessoa

Ex.: Pablo e Ana


dormiram cedo

9
a) se o sujeito for representado pelos pronomes “isto”,
AULAS 37 E 38 “isso”, “aquilo”, “tudo”, e o predicativo estiver no plural.
Exemplos: Isso são lembranças que devem ser esquecidas.
Aquilo eram problemas urgentes.
b) se empregado na indicação de horas, dias e distân­cias,
o verbo ser concorda com o numeral.

CONCORDÂNCIA Exemplo: É uma hora.


São três da manhã.
VERBAL II
Eram 13 de setembro quando partimos.
Daqui até o shopping são dois quarteirões.

COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8
Importante
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27 Na indicação de dia, o verbo ser admite as seguintes
concordâncias:
1. No singular, concordando com a palavra explícita dia.
Exemplo: Hoje é dia quatro de junho
1. A partícula ”se” 2. No plural, concordando com o numeral (sem a palavra
Dentre as diversas funções exercidas pelo “se”, há duas de dia).
particular interesse para a concordância verbal. Exemplo: Hoje são quatro de junho.
§ o “se” como índice de indeterminação do sujeito; e
§ o “se” como partícula apassivadora. c) Se o sujeito indicar peso, medida, quantidade e for se­
Como índice de indeterminação do sujeito, o “se” acom- guido de palavras ou expressões como “pouco”, “muito”,
panha os verbos intransitivos, transitivos indiretos e de li- “me­nos de...”, “mais de...”, etc., o verbo ser fica no singular.
gação, que obrigatoriamente são conjugados na terceira Exemplo: Cinco quilos de arroz é mais do que suficiente.
pessoa do singular.
Três metros de tecido é pouco para fazer o vestido.
Exemplos: Precisa-se de vendedores com prática.
Duas semanas de férias é pouco para viajar.
Confia-se demais em pesquisas de opinião.
d) Se o sujeito for uma expressão de sentido partitivo ou
Como pronome apassivador, o “se” acompanha verbos coletivo e o predicativo estiver no plural, o verbo “ser” con-
transitivos diretos e transitivos diretos e indiretos na for- corda com o predicativo.
mação da voz passiva sintética. Nesse caso, o verbo deve
Exemplo: A grande maioria no protesto eram jovens.
concordar com o sujeito da oração.
O resto foram atitudes impensadas.
Exemplos: Construiu-se um enorme edifício onde ficava
a velha casa.
Construíram-se novos edifícios onde ficava a velha casa.
3. O verbo “parecer”
Se seguido de infinitivo, o verbo parecer admite duas con-
Aluga-se quarto para estudantes.
cordâncias:
Alugam-se quartos para estudantes. a) flexão do verbo parecer apenas.
Exemplo: Alguns amigos pareciam sorrir naquele mo-
2. O verbo “ser” mento.
A concordância verbal dá-se sempre entre o verbo e o su-
b) flexão do verbo no infinitivo apenas.
jeito da oração. No caso do verbo ser, essa concordância
pode ocorrer também entre o verbo e o predicativo do su- Exemplo: Alguns amigos parecia sorrirem naquele
jeito. O verbo ser concorda com o predicativo do sujeito: momento.

10
Observação: A primeira construção é considerada corren- Observação 2: Caso o verbo “haver” seja usado no
te e a segunda, literária. sentido de “ter”, em uma locução verbal, ele estabelecerá
concor­dância com o sujeito.
4. A expressão “haja vista” Exemplos
Essa expressão admite as seguintes construções: O garoto havia virado a casa do avesso.
a) Ou é invariável (seguida ou não de preposição). Os garotos haviam virado a casa do avesso.
Exemplos: Haja vista as lições dadas pelo professor III. “Haver e “fazer” indicando tempo decorrido.
(com sentido de por exemplo).
Exemplos:
Haja vista aos fatos explicados por este cientista (com o
Não ia ao trabalho havia semanas.
sentido de atenção para).
Faz dias que as noites ficaram mais geladas.
b) Ou é variável (não seguida de preposição), cujo termo
seguinte é considerado sujeito de haja. Fazia anos que não víamos um problema tão sério.

Exemplo: Hajam vista os exemplos de seu comprometi- IV. Verbos que indicam fenômenos meteorológicos.
mento. (com o sentido de vejam-se) Exemplo:
Choveu ontem à noite.
5. A concordância dos verbos “bater”, No inverno, neva em algumas regiões ao sul do país.
“dar” e soar, indicando horas,
ocorre de acordo com o numeral
Exemplos:
Deu uma hora no relógio.
Deram três horas no relógio.

6. Verbos impessoais não se referem multimídia: livro


a nenhum sujeito, por isso são usados
O Brasil das placas: viagem por um país ao pé
sempre na terceira pessoa do singular da letra – José Eduardo Camargo; L. Soares
São verbos impessoais: Estando sempre atentos à questão do preconceito
I. “Haver” no sentido de existir, acontecer ou ocorrer. linguístico, a leitura de O Brasil das placas pode ser
de grande valia para entendermos o modo como
Exemplos:
os brasileiros articulam a linguagem em seu uso
Há problemas nos encanamentos. cotidiano. O autor José Eduardo Camargo circulou
mais de 200 mil quilômetros Brasil afora, duran-
Haverá novos funcionários já na próxima semana.
te sete anos, clicando placas. As 89 fotos mais di-
II. “Haver” no sentido de existir, acontecer ou ocorrer, vertidas e mais inusitadas (em 72 cidades de 17
formando locução. Estados brasileiros) estão reunidas neste livro. O
Exemplos: cordelista L. Soares fez as legendas das fotos com
muito humor. O resultado deste trabalho é um livro
Deve haver coisas interessantes para se ver nesta loja. feito para quem enxerga o surpreendente no banal.
Pode haver produtos mais baratos que esses.
Observação 1: Caso haja opção pelo uso do verbo “exis-
tir” ao invés do “haver no sentido de existir”, tal verbo deve
ser flexionado para o plural, pois é considerado pessoal.
Exemplo:
Existem problemas nos encanamentos.
Devem existir coisas interessantes para se ver nesta loja.

11
DIAGRAMA DE IDEIAS

CONCORDÂNCIA VERBAL
Verbo estabelece
concordância com o sujeito

SUJEITO VERBO Possíveis


complementos

Concorda em
número e pessoa

Ex.: Pablo e Ana


dormiram cedo

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Ex: As questões da prova estão bastante complicadas
AULAS 39 E 40 (bastante é advérbio pois intensifica o adjetivo “compli-
cadas” e, nesse caso, permanece invariável).
Ex: Compramos bastantes roupas na liquidação do sho-
pping (bastante é adjetivo pois acompanha o substantivo
“roupas” e, nesse caso, varia em número, ficando no plural).
b) Anexo e incluso
CONCORDÂNCIA São adjetivos e devem concordar com os substantivos que
os acompanham.
NOMINAL
Ex: Enviarei uma cópia anexa ao documento (anexa con-
corda com o substantivo “cópia”).
Ex: Os certificados inclusos devem ser assinados (incluso
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 concorda com o substantivo “certificados”).

HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27 Nota 1


A construção em anexo é considerada adverbial.
Por esse motivo, não estabelece concordância com
substantivos.

1. Concordância nominal Ex: As revistas trouxeram em anexo alguns encar-


tes interessantes.
A concordância nominal baseia-se na relação entre um
substantivo e as palavras que a ele se referem para carac-
terizá-lo (artigos, adjetivos, pronomes adjetivos, numerais Nota 2
adjetivos, locuções adjetivas e particípios). Em suma, a con-
cordância nominal verifica os elementos que estabelecem O termo anexado(a) apresenta a mesma base de
concordância que “anexo(a)”.
concordância com o nome (o substantivo).
Ex: Enviarei uma cópia anexa ao documento.
Exemplo geral:
Crianças barulhentas (concordância entre o substantivo c) Meio
feminino crianças, no plural, e seu qualificador “barulhen-
Pode variar em uma sentença, funcionando como advér-
tas” também no plural e no feminino).
bios ou numeral.
A criança está agitada (concordância feita entre o subs-
Ex: Ela estava meio desconfiada do vizinho (meio é advér-
tantivo feminino criança, no singular, e seus qualificadores
bio pois intensifica o adjetivo “desconfiada” e, nesse caso,
“a” e “agitada”, também no singular e feminino).
permanece invariável).
Observação: Ex: Todos os dias eu bebo meia taça de vinho (meio é nu-
Em geral, o substantivo funciona como núcleo de um termo meral pois acompanha o substantivo “taça” e, nesse caso,
da oração e o adjetivo, o artigo, o pronome, o numeral e as varia em número e gênero).
locuções adjetivas funcionarão como adjunto adnominal. d) É proibido, é permitido, é necessário, é bom, é
Dessa forma, é o núcleo que determina se as palavras relacio- preciso, etc.
nadas a si devem ficar no singular ou no plural, no feminino São expressões predicativas com valor adjetival e vão apre-
ou no masculino. sentar variação quando o substantivo a que se referem vier
determinado por artigo ou outro elemento determinante.
1.1. Casos particulares de Caso não apareça nenhum artigo ou outro determinante
junto do substantivo, essas construções ficarão invariáveis.
concordância nominal
Ex: É proibido pichação em espaços públicos (o subs-
a) Muito, pouco e bastante
tantivo “pichação” não tem artigo ou qualquer outro de-
Podem variar em uma sentença, funcionando como advér- terminante, portanto a expressão é proibido permanece
bios ou adjetivos. invariável) ).

13
Ex: É proibida a pichação em espaços públicos (o subs- Ex: Ocorrerão mudanças só em algumas das linhas. (só
tantivo “pichação” tem artigo, portanto a expressão é é um advérbio que modifica o sentido de “ocorrerão”).
proibido varia).
j) Obrigado
e) Mesmo e próprio
É considerado um adjetivo e deve concordar com o subs-
Concordam com o substantivo ou o pronome que os tantivo a que se refere.
acompanha.
Ex: O rapaz disse obrigado ao enfermeiro.
Ex: Ela mesma resolveu o problema (o termo mesmo
concorda com o pronome “ela”).
Ex: Foram os jogadores mesmos que pediram quebra
1.2. Um substantivo para
de contrato (o termo mesmo concorda com o subs- dois ou mais adjetivos
tantivo “jogadores”).
I. SUBSTANTIVO COM DETERMINANTE
f) Caro e barato ANTEPOSTO A DOIS ADJETIVOS:
Podem variar em uma sentença, funcionando como advér-
a) o substantivo fica no singular e acrescenta-se um artigo
bios ou adjetivos.
antes do segundo adjetivo:
Ex: Os quadros de Picasso são caros (o termo caro está
em posição predicativa, ou seja, funciona aqui como um Ex: O garoto aprendeu a língua francesa e a alemã.
adjetivo que se refere à palavra “quadros”). b) o substantivo vai para o plural e retiramos o artigo do
Ex: As viagens para o exterior custam caro (caro é um segundo adjetivo:
advérbio que modifica o sentido de “custam”). Ex: O garoto aprendeu as línguas francesa e alemã.
g) Menos e alerta
Nas gramáticas mais tradicionais de língua portuguesa, II. SUBSTANTIVO POSPOSTO A
são palavras consideradas como advérbios, portanto são
ADJETIVOS OU NUMERAIS:
invariáveis. a) o substantivo fica no singular e são colocados artigos
diante dos adjetivos ou numerais:
Ex: Nas madrugadas, há menos pessoas na rua (menos é
um advérbio que modifica o sentido de “custam”). Ex: O primeiro e o quarto andar estão em reforma
Ex: Os bombeiros permaneceram alerta devido ao risco Ex: A tradicional e a moderna literatura agradam a todos.
de desabamento (alerta é um advérbio que modifica o
b) o substantivo fica no plural e é colocado um artigo ante-
sentido de “permaneceram”).
posto ao primeiro adjetivo ou numeral :
Ex: O primeiro e quarto andares estão em reforma
Nota
Ex: A tradicional e moderna literaturas agradam a todos.
Algumas gramáticas mais recentes aceitam a fle-
xão de alerta, equiparando-o ao adjetivo “atento”.
Ex: As pessoas devem ficar alertas ao viajarem sozinhas.
1.3. Um adjetivo para dois
ou mais substantivos
h) Pseudo I. ADJETIVO ANTEPOSTO AOS SUBSTANTIVOS
Quando utilizado na formação de palavras, o termo pseu- a) se o adjetivo for adjunto adnominal, concorda com o
do permanece invariável. substantivo mais próximo:
Ex: A polícia prendeu a pseudomédica. Ex: No bairro havia velhos monumentos e prédios.
Ex: O morango é um tipo de pseudofruto. b) se for predicativo do objeto, concorda com o substantivo
i) Só mais próximo ou vai para o plural (em caso de substantivos
com gêneros diferentes, a escolha de plural obriga o uso de
Pode variar em uma sentença, funcionando como advérbio
masculino plural):
ou adjetivo.
Ex: O calor intenso deixou abafada a noite e o dia.
Ex: Os rapazes estavam sós na academia (o termo só se refere
ao substantivo “rapazes” e funciona aqui como um adjetivo) Ex: Ele deixou trancados a vidraça e o portão.

14
II. SENDO PREDICATIVO QUE SE REFERE A SUJEITO
COMPOSTO COM GÊNEROS DIFERENTES
a) sentença em ordem direta: o adjetivo fica no mascu-
lino plural:
Ex: A batedeira e o liquidificador continuavam
estragados.
multimídia: livro
b) sentença em ordem indireta: o adjetivo concorda com
o substantivo mais próximo:
Soltando a Língua 5 - Português fácil
Ex: continuava estragada a batedeira e o liquidificador. com o Prof Sergio Nogueira
No volume cinco de Soltando a Língua, Sérgio
III. ADJETIVO POSPOSTO AOS SUBSTANTIVOS Nogueira esclarece dúvidas e apresenta regras
a) dois substantivos com mesmo gênero: singular ou plural. simples sobre concordância nominal e gênero dos
Ex: Entregamos aos alunos uniforme e material novos
substantivos de nosso idioma. O professor aborda
(ou novo):
ainda a peculiar linguagem dos esportistas, espe-
cialmente do “futebolês”, assim como o uso de
b) dois substantivos de gênero diferente: concorda com o superlativos e a grafia fonética do “internetês”.
substantivo mais próximo ou vai para o plural:
Ex: Nós bebemos guaraná e soda gelados (ou gelada).

DIAGRAMA DE IDEIAS

CONCORDÂNCIA NOMINAL

ARTIGO NUMERAL

SUBSTANTIVO

ADJETIVO/
PRONOME ADJETIVO
LOCUÇÃO ADJETIVA

15
1.1. Regência nominal
AULAS 41 E 42
É a denominação dada à relação semântica que se estabe-
lece entre substantivos, adjetivos e determinados advérbios
e seus respectivos complementos nominais. Essa relação
vem sempre marcada por preposição.
Alguns nomes listados a seguir costumam vir acompanha-
dos de um complemento nominal e exigem o uso de de-
REGÊNCIAS NOMINAL terminadas preposições para que o enunciado construído
E VERBAL tenha sentido enquanto estrutura do Português.

Observação:
Muitos nomes apresentados têm exatamente a mes-
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8
ma regência de verbos dos quais são derivados. Desse
modo, a regência do verbo está automaticamente
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27
ligada à regência do nome cognato.
a) Duvidava da capacidade dele.
b) Tinha dúvida da capacidade dele.

1. Noções preliminares Tanto o verbo duvidar como o substantivo dúvida


regem a preposição da (contração de + a (artigo)).
Para compreender o conceito de regência é fundamen-
tal entender que as palavras, ao ocuparem suas posi-
ções nas estruturas sintáticas da língua, podem esta- 1.1.1. Regência de alguns substantivos
belecer vínculos de subordinação com outras palavras.
§ admiração a, por
Nas estruturas subordinadas, há sempre um termo que
§ devoção a, para, com, por
subordina outro. O primeiro chama-se subordinante,
§ medo de
termo que determina e do qual depende o segundo,
§ aversão a, para, por
seu subordinado.
§ doutor em
Essa relação em que uma palavra funciona como comple- § obediência a
mento da outra chama-se regência. Diz-se que as palavras § atentado a, contra
que dependem de outras são por elas regidas. As palavras § dúvida acerca de, em, sobre
que regem as outras são chamadas de regentes. § ojeriza a
§ bacharel em
Esses vínculos de subordinação vêm, por vezes, marcados
§ horror a
por preposições, semanticamente escolhidas por determi-
§ proeminência sobre
nados nomes e verbos para marcar a relação que eles
§ capacidade de, para
estabelecem com os complementos nominais e verbais
§ impaciência com
que regem.
§ respeito a, com, para com, por
Exemplos
a) Gosto de viajar. (O verbo gostar rege um objeto indireto, 1.1.2. Regência de alguns adjetivos
a ele subordinado no interior do predicado-verbal. A prepo- § acessível a
sição de marca a regência desse verbo). § entendido em
§ necessário a
b) Tenho medo de avião. (O substantivo medo rege um
§ acostumado a, com
complemento nominal, a ele subordinado. A preposição de
§ equivalente a
marca a regência desse substantivo).
§ nocivo a
Portanto, o estudo que segue refere-se às relações que se es- § agradável a
tabelecem entre nomes e seus complementos (regência no- § escasso de
minal) e entre verbos e seus complementos (regência verbal). § paralelo a

16
§ alheio a, de
§ essencial a, para Atenção
§ passível de Para melhor compreender os principais aspectos envolvi-
§ análogo a dos na questão da regência verbal, é fundamental relem-
§ fácil de brarmos a noção de transitividade (argumentação) verbal.
§ preferível a
§ ansioso de, para, por § Quanto à predicação, os verbos podem ser classi-
§ fanático por ficados em intransitivos e transitivos.
§ prejudicial a § Verbos intransitivos apresentam sentido completo
§ apto a, para e não necessitam de complemento (objeto direto
§ favorável a ou indireto).
§ prestes a § Verbos transitivos necessitam de um complemen-
§ ávido de to de valor substantivo (objeto direto ou indireto)
§ generoso com para integrar-lhes o sentido. Nesse caso, a tran-
§ propício a sição entre o verbo e seu complemento pode ser
§ benéfico a direta (caso dos verbos transitivos diretos, que re-
§ grato a, por gem objetos diretos) ou indireta (caso dos verbos
§ próximo a transitivos indiretos, que regem objetos indiretos).
§ capaz de, para Exemplos:
§ hábil em
§ relacionado com A garota comprou uma maçã. (verbo transitivo dire-
§ compatível com to rege um objeto direto).
§ habituado a A garota gosta de maçã. (verbo transitivo indireto
§ relativo a rege um objeto indireto).
§ contemporâneo a, de
Observação: Para que seu sentido fique completo,
§ idêntico a alguns verbos exigem um objeto direto e um objeto
§ satisfeito com, de, em, por indireto, sequencialmente. A esses verbos chamamos
§ contíguo a bitransitivos.
§ impróprio para
§ semelhante a A garota deu uma maçã de presente ao amigo. (uma
§ contrário a maçã é objeto direto do verbo dar e ao amigo é ob-
§ indeciso em jeto indireto do mesmo verbo, introduzido pela pre-
posição a).
§ sensível a
§ descontente com Nesse exemplo, a preposição de, que aparece diante
§ insensível a do termo “presente”, não apresenta relação com a
§ desejoso de noção de transitividade verbal, mas introduz um ad-
§ liberal com junto adnominal do objeto direto, qualificando-o ape-
§ suspeito de nas. Assim, para a discussão de regências nominal e
§ diferente de verbal são relevantes apenas aquelas preposições que
§ natural de ligam complementos a um verbo (objetos indiretos)
§ vazio de ou a um nome (complementos nominais).

1.1.3. Regência de alguns advérbios


O principal objetivo do tópico de regência verbal é realizar
§ longe de o estudo de verbos que, ou possuam alguma transitividade
§ perto de que costume gerar dúvidas entre o uso coloquial e o uso nor-
mativo, ou que, por apresentar variação de sentido, exijam
1.2. Regência verbal mudanças de transitividade. Vejamos os casos mais comuns:
É a denominação dada à relação semântica que se esta- a) Agradar
belece entre verbos e seus respectivos complementos (ob-
jetos direto e indireto). No caso dos objetos indiretos, essa É transitivo direto no sentido de “acariciar” ou “mimar”.
relação vem sempre marcada por uma preposição. Exemplo: Sempre agrada a criança quando a vê.

17
É transitivo indireto no sentido de “satisfazer”, “ser agra- f) Custar
dável” (preposição a).
É intransitivo no sentido de “ter determinado valor ou pre-
Exemplo: A peça de teatro não agradou aos espectadores. ço”, e vem acompanhado de marcador adverbial.
b) Aspirar Exemplo: O caviar custa caro.
É transitivo direto no sentido de “sorver”, “inspirar (o ar)”, É transitivo direto no sentido de “ser obtido pelo preço de”
“inalar”.
Exemplo: A obra custou milhões de reais.
Exemplo: Aspirava o suave aroma do perfume.
É transitivo indireto no sentido de “ser difícil”.
É transitivo indireto no sentido de “desejar”, “ter como
Exemplo: Custa a ele reconhecer o problema.
ambição” (preposição a).
g) Esquecer / lembrar / recordar
Exemplo: Aspirávamos a uma viagem para a Europa.
São transitivos diretos se não forem pronominalizados.
c) Assistir
Exemplos:
É transitivo direto no sentido de “ajudar”, “prestar assistência”.
Ele esqueceu os documentos.
Exemplo: O governo deve assistir os menos favorecidos.
Lembrei o endereço de minha avó.
É transitivo indireto no sentido de “ver”, “presenciar”, “es-
tar presente” (preposição a). Recordo esses fatos incríveis.
Exemplo: Assistiremos ao filme hoje à tarde. São transitivos indiretos se forem pronominalizados.
É transitivo indireto no sentido de “caber”, “competir”. Exemplos:
Exemplos: Assiste aos pais a educação dos filhos. Ele se esqueceu dos documentos.
É intransitivo no sentido de morar ou residir e, em geral, Lembrei-me do endereço de minha avó.
vem acompanhado de adjunto adverbial de lugar introdu-
Recordo-me desses fatos incríveis.
zido pela preposição “em”.
Observação:
Exemplo: Assistimos em Campinas.
Os verbos “lembrar” e “recordar” podem ser bitransitivos.
d) Atender
Exemplo: Lembrei ao professor a tarefa.
É transitivo direto no sentido de “acolher com atenção”.
h) Implicar
Exemplo: O porteiro atendeu os visitantes.
É transitivo direto ou indireto no sentido de “causar, envol-
É transitivo indireto no sentido de “dar solução”, “realizar”
ver ou resultar”.
(preposição a).
Exemplos:
Exemplo: O governo atendeu às solicitações dos
manifestantes. Todo esse trabalho implica maiores gastos.
e) Chamar Todo esse trabalho implica em maiores gastos.
É transitivo direto no sentido de convocar, “solicitar a aten- É transitivo indireto no sentido de “mostrar antipatia”.
ção” ou “a presença de”. Exemplo:
Exemplo: Por gentileza, vá chamar o próximo candidato. O valentão implica com os mais velhos.
No sentido de “denominar”, “apelidar” (pode apresentar
É bitransitivo no sentido de “comprometer”.
objeto direto ou indireto e geralmente vem acompanhado
de predicativo do objeto, preposicionado ou não). Exemplo:
Exemplos: O depoimento do policial implicou o senador no ocorrido.
A torcida chamou o jogador pipoqueiro. i) Obedecer / desobedecer
A torcida chamou ao jogador pipoqueiro. São transitivos indiretos (Preposição a).
A torcida chamou o jogador de pipoqueiro. Exemplos:
A torcida chamou ao jogador de pipoqueiro. Ele desobedeceu às ordens do médico.

18
j) Preferir
É transitivo direto no sentido de “preferência direta, sem
escolha”.
Exemplo: Eu prefiro restaurantes baratos.
É transitivo indireto no sentido de “preferência com esco-
lha” (preposição a). multimídia: livro
Exemplo: Eu prefiro frutas a doces.
Observação: Dicionário prático de regência
verbal – Celso Pedro Luft
A gramática normativa não admite que o verbo “preferir”
venha seguido de “mais... do que”, “menos... do que” ou Fruto de um trabalho minucioso do grande lexicógrafo
“antes”. O verbo em si já comporta o sentido de “prefe- Celso Pedro Luft, é uma obra de consulta indispensável
rência”, sendo desnecessário elementos intensificadores. para todos os que desejam escrever de acordo com a gra-
mática normativa:
k) Querer
§ Resolve todas as dúvidas suscitadas pela complexa
É transitivo direto no sentido de “desejar”. regência dos verbos na língua portuguesa.
Exemplo: Eu quero um carro novo. § Soluciona um dos problemas que mais afligem aos
É transitivo indireto no sentido de “ter afeto” (preposição a). que se expressam na nossa língua: o uso da prep-
osição adequada ao verbo.
Exemplo: A avó queria muito a seu netinho.
l) Visar
É transitivo direto, nos sentidos de “mirar”, “fazer ponta-
ria” e também “vistar” ou “rubricar”.
Exemplos:
A garota visou o alvo.
O gerente visou o cheque. multimídia: livro
É transitivo indireto no sentido de “ter como meta”, “ter
como objetivo” (preposição a). Dicionário prático de regência
Exemplo: Nem sempre o ensino deve sempre visar ao fu- nominal – Celso Pedro Luft
turo profissional. Esta obra finaliza o estudo sobre regência iniciado com o
Dicionário prático de regência verbal.
Observação: não esquecer que a regência dos ver- Documentando de forma didática todas as possibilida-
bos pode exercer influência em uma construção sintá- des de regência nominal, sempre oferecerá a preposição
tica que apresenta pronome relativo, por isso é impor- que complementa o substantivo ou adjetivo procurado.
tante estar atento às possíveis mudanças de sentido
em relação à sua transitividade:
Exemplos:
Aquela é donzela que aspirava as flores do campo
(aspirar no sentido de “inalar” não exige preposição)
A posição a que aspirava na empresa era a de diretor
(aspirar no sentido de “desejar” exige preposição “a”
que deve ser encaixada diante do pronome relativo).
DIAGRAMA DE IDEIAS

REGÊNCIA
Processo de argumentação
nominal / verbal

REGÊNCIA NOMINAL
REGÊNCIA VERBAL
Ocorre com substantivos,
Ocorre com os verbos
adjetivos e advérbios

para de
EX.: Temos capacidade para mudar isso. EX.: Nós necessitamos de uma nova chance.
substantivo verbo

a
EX.: Agrotóxicos são nocivos à saúde.
adjetivo

de
EX.: Moramos perto da capital.
advérbio

20
AULAS 43 E 44 Há duas maneiras básicas de verificar a existência de
um artigo feminino seguido de preposição “a”.
1. Substitua o termo feminino por um termo masculi-
no. Se antes dele a forma for ao, ocorrerá crase antes
do termo feminino.
Exemplos:
Conheço a menina. Conheço o menino.
CRASE Refiro-me ao menino. Refiro-me à menina.

2. Substitua o termo regente acompanhado da prepo-


sição “a” por outro acompanhado de uma preposição
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 diferente (para, em, de, por, sob, sobre). Se essas pre-
posições não se contraírem com o artigo, ou seja, se
não surgirem novas formas – na(s), da(s), pela(s) –,
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27
não haverá crase.
Exemplos: Penso na menina. / Apaixonei-me pela
menina.

1. Crase Atenção!
Crase é o nome que se dá à junção de duas vogais idênticas.
Não basta provar a existência somente da preposição
A junção que ocorre com maior frequência é da preposição
“a” ou somente do artigo “a”. É necessária a junção
“a” com o artigo feminino “a(s)”. Também há outros tipos
dos dois itens para demarcar a crase. 
de ocorrência que são determinantes para inserção da crase.
Na escrita, a crase é indicada pelo acento grave ( ` ). É impor-
tante salientar que, embora seja conhecido como “acento” 1.1. Casos em que a crase é proibida
grave, é uma marcação gráfica que não depende de elemen-
a) Diante de substantivos masculinos.
tos fonológicos (sonoros), e, por esse motivo, não estudamos
esse conteúdo junto com acentuação. A aplicação da crase Exemplos: Andamos a cavalo.
depende, em geral, de relações sintáticas de regência nomi- Fomos a pé.
nal e verbal. Vejamos um exemplo geral:
b) Diante de verbos no infinitivo.
Exemplo:
Exemplos: A criança começou a andar.
Eu irei à praia = Eu irei a + a praia.
Ele não tem nada a declarar.
Nesse exemplo, há ocorrência da preposição “a”, exigida
pelo verbo ir (que exige preposição “a”) e a ocorrência
do artigo a que está determinando o substantivo femi-
Observação:
nino “França”. A fusão desses dois “as” é indicada pelo Como os verbos não admitem artigos, o “a” antepos-
acento grave. to a eles nos exemplos anteriores é apenas preposi-
ção, razão pela qual não ocorre crase.
Exemplos: Conheço a estudante.
Refiro-me a + a à estudante. c) Antes de pronomes que rejeitam artigo, como os pesso-
No primeiro exemplo, o verbo “conhecer” é transitivo direto ais, de tratamento, demonstrativos, indefinidos, interrogati-
(não exige preposição). Temos apenas o “a” artigo de “estu- vos e relativos.
dante”. Desse modo, não teremos crase. Exemplos: Diga a ela que não voltarei mais.
No segundo exemplo, o verbo é transitivo indireto (o verbo Entreguei a todos a ata da reunião.
pronominalizado “referir-se” exige preposição “a”) e sua
Ele fez referência a Vossa Excelência, assim que chegou.
preposição se une ao “a” artigo de “estudante”. Portanto,
a crase é necessária. Peço a Vossa Senhoria que aguarde no saguão.

21
Mostrarei a vocês nossos novos produtos. b) Em locuções prepositivas femininas (em geral, a estrutu-
Quero informar a algumas pessoas o que foi planejado. ra é a(s) + substantivo + de)
Exemplo: Ele está à espera de uma nova oportunidade.
As exceções ficam por conta dos pronomes de tra-
tamento senhora, senhorita e dona, e de casos
pontuais em que a regra de substituição da palavra Outras locuções prepositivas
feminina por masculina consegue ser fundamentada. • à procura de
Exemplos: • à beira de
• às custas de
Ele se reportou à dona Cláudia.
Refiro-me à mesma garota (Refiro-me ao mesmo
garoto).
Atenção!
As construções em que é pressuposta a estrutura “à
d) Diante de artigo indefinido “uma”.
moda (de)” devem ser craseadas.
Exemplo: Daqui a uma semana começam as Olimpíadas.
Exemplos:
e) Com o “a” no singular diante de palavras no plural.
Exemplo: Refiro-me a pessoas fofoqueiras. Pedimos um espaguete à parisiense (à moda de Paris
ou à moda parisiense)
f) Com palavras repetidas.
Exemplo: cara a cara.
c) Em locuções conjuntivas femininas (Em geral, a estrutura
face a face. é a(s) + substantivo + que);
g) Diante das palavras “terra” e “casa” quando não forem Exemplo: Todos iam se revoltando à medida que ele dis-
determinadas. Ocorre especificamente quando “casa” tem cursava.
o sentido de “próprio lar” e “terra” tem o sentido de “ter-
ra/chão firme” (em geral, oposto a mar). Há em língua portuguesa poucas locuções conjunti-
Exemplos: vas femininas que admitem crase. Além de “à medida
que”, temos a construção “à proporção que”.
Meus primos voltam a casa amanhã.
Os barcos voltaram a terra por conta da tempestade.
1.3. Casos em que a
1.2. Casos em que a crase é facultativa
crase é obrigatória a) Diante de pronomes possessivos femininos.
a) Em locuções adverbiais formadas por preposição e pa- Exemplos: O professor destinou verbas à (a) nossa pesquisa.
lavra feminina.
O gerente se dirigiu à (a) minha sala.
Exemplo: Gosto de ficar à toa em casa.
b) Diante de substantivos próprios femininos
Outras locuções adverbiais Exemplo: Ofereci à (a) Edna minhas saudações.
• à tarde Obs: Alguns contextos podem não admitir uso de crase caso
• à noite não haja familiaridade com a detentora do nome feminino.
• à esquerda Exemplo: Eu me refiro a Clarice Lispector, autora muito
• à direita frequente em vestibulares.
• à tona
c) Na locução prepositiva “até a”
• às pressas
• às claras Exemplos: Caminhou até à (a) orla marítima..
• às vezes
• às escondidas 1.3. Casos especiais de uso de crase
• às avessas a) Diante dos pronomes demonstrativos aquele(s), aque-
la(s), aquilo

22
Exemplos: Refiro-me a + aquele episódio. / Refiro-me Vou a Curitiba. (Confirmação da crase: vim de
àquele episódio. Curitiba; permanecerei em Curitiba).
b) “A” com valor de pronome demonstrativo “aquele/ d) Transições temporais
aquela/aquilo”
A crase entre transições temporais depende da devida de-
Exemplos: Faça uma reta paralela a + aquela do centro. / terminação do elemento temporal. Por esse motivo está
Faça uma reta paralela à do centro. sujeita a três parâmetros:
c) Diante de nomes de lugares I. DE... A... (NÃO HÁ CRASE)
Alguns nomes de lugar não admitem a anteposição do ar- Exemplos: Ficarei na cidade de terça a sexta.
tigo a. Outros, entretanto, admitem esse artigo, de modo
A reunião vai demorar de duas a três horas.
que diante deles haverá crase, desde que o termo regente
exija a preposição a. II. DA(S)... A(S)... (HÁ CRASE)
Para saber se um nome de lugar admite ou não a antepo- Exemplos: A bienal vai da próxima segunda à próxima sexta.
sição do artigo feminino “a”, deve-se substituir o termo re- A reunião será das duas às quatro.
gente por um verbo que exige a preposição de ou em. A
ocorrência da contração da ou na, nesses casos, prova que III. DO... A... (HÁ CRASE)
o nome desse lugar admite o artigo e, por isso, haverá crase. Ficarei aqui do meio-dia à meia-noite.
Exemplos: Vou à Espanha. (Confirmação da crase: vim da A bienal vai do próximo domingo à próxima sexta.
Espanha; permanecerei na Espanha).

DIAGRAMA DE IDEIAS

JUNÇÃO DE
CRASE
A PREPOSIÇÃO + A ARTIGO

A
EX.: ELE SE DIRIGIU À SECRETÁRIA.
A

23
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

O Enem é conhecido por ser essencialmente inter- A interpretação de textos acontece de forma mais
pretativo. Os temas presentes neste livro servirão, prática, muitas vezes ligada aos textos literários.
portanto, como conhecimento crucial às resoluções Por isso, este livro traz aulas sobre como realizar a
das questões. interpretação de textos em versos.

Por ser um vestibular crítico, a ideia de interpretação Boa parte das questões da frente de linguagem diz A prova conduz a interpretação de textos em
acontece, sobretudo, pela habilidade compreensiva respeito à interpretação. Reconhecer textos não verbais paralelo aos textos literários, majoritariamen-
do candidato. Interpretar textos em versos poderá e ser capaz de amplificar os seus diálogos com as te. Compreender e interpretar corretamente
ser uma ferramenta eficaz no trato com os textos áreas artísticas será uma habilidade útil. textos em versos será um diferencial.
literários.

Dentre as habilidades pedagógicas, a prova A interpretação de textos pode ser a chave É uma prova de conceitos. A interpretação de De forma geral, a prova equilibra bem as frentes da
costuma trabalhar, em suas questões, a aplica- para um bom resultado. Saber ler um texto em textos ocorre de maneira direcionada, por isso, área de Português, de modo que as questões de
ção. Assim, relacionar rapidamente textos não verso será de grande ajuda. saber reconhecer, de forma rápida e eficaz, os interpretação se tornam bastante direcionadas. Co-
verbais a elementos artísticos pode ser uma elementos artísticos de um texto não verbal será nhecer os conceitos por trás da produção dos textos
forma de avaliar a capacidade interpretativa uma ferramenta extra. em versos ajudará o candidato a interpretá-los.
do aluno.

UFMG

A prova alinha a interpretação de textos às obras A habilidade interpretativa trabalha com questões O exame é objetivo e exige uma capacidade
literárias que costuma exigir na sua lista obrigatória. que exigirão do candidato uma leitura cuidadosa. leitora fundamental, que demonstre aptidão em
Por isso, este livro traz duas aulas sobre como inter- Desse modo, compreender que textos em verso reconhecer, em textos não verbais, os elementos
pretar textos em versos, para que o candidato possa têm suas peculiaridades, bem como os textos não artísticos que os compõem. Saber estruturar um
dominar todo e qualquer tipo de texto literário. verbais, será um diferencial. texto em verso pode ser um diferencial na hora
de resolver as questões.

De caráter mais material, trabalha com Perceber que essa frente se alinha às frentes A interpretação de textos é a chave para resolução
questões interpretativas que exigem um de Gramática e Literatura é um excelente da grande maioria das questões da prova. Manter-
senso crítico apurado. Por isso, seja diante primeiro passo. Por isso, compreender os -se alerta para questões que trabalhem com textos
do texto em verso ou do texto não verbal, ter recursos artísticos dos textos não verbais e em em versos será muito importante.
em mãos as ferramentas necessárias para a versos será de grande ajuda ao candidato.
interpretação será um primeiro
passo essencial.
INTERPRETAÇÃO
DE TEXTOS

25
No que diz respeito à parte estética, como resquício do
AULA 18 Renascimento, há o aprofundamento do realismo das for-
mas corporais, com um trabalho mais frequente de arre-
dondamento dos traços, o que dava uma sensação maior
de movimento às figuras que compunham a obra. Por fim,
intensifica-se o trabalho com a técnica do Chiaroscuro, que
consistia na elaboração de técnicas de projeção e entra-
LEITURA DE IMAGENS da de luz em relação a espaços mais escurecidos da obra,

III: DA ARTE BARROCA criando um contraste que foi usado até como elemento de
diálogo com o tema religioso em voga.
À NEOCLÁSSICA a) O Barroco na Itália
A arte barroca surge especificamente na Itália, mas irá
irradiar-se por outros países da Europa e chegar ao con-
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 tinente americano, colonizado por portugueses e espa-
nhóis. Trata-se de uma estética que não irá se desenvolver
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27 de maneira homogênea, apresentando algumas distin-
ções entre as produções italianas e as que vemos, por
exemplo, nos Países Baixos. Ainda assim, é possível en-
contrarmos alguns princípios gerais, como o rompimento
do equilíbrio entre sentimento e razão ou entre arte e
1. Introdução ciência, muito comuns na arte do Renascimento. Na arte
barroca haverá o predomínio das emoções.
Neste capítulo colocaremos nosso foco sobre expressões
artísticas que ocorreram entre os séculos XVII e XVIII, mais 1.1.1. A pintura barroca na Itália
especificamente o Barroco, um espaço de transição conheci-
Do ponto de vista estético, a pintura barroca na Itália apre-
do como Rococó e também a arte neoclássica. Vale a pena
sentava características muito marcantes como a disposição
ressaltar também que já teremos as primeiras experiências
dos elementos no quadro de modo diagonal, figuras de
artísticas feitas em território brasileiro (ainda que estejamos
formas arredondadas que favorecem a ideia de movimen-
falando daquelas que possuem matrizes europeias).
tação na obra e uso acentuado da técnica do claro-escuro,
o que intensifica a expressão dos sentimentos. Além disso,
1.1. Barroco costuma apresentar uma abordagem que é realista, do
A arte barroca se desenvolveu no século XVII dentro de um ponto de vista da figuração (abordando com frequência
período em que ocorreram grandes mudanças na Europa a vida de pessoas comuns), mesclada a uma temática de
da Idade Moderna. Sem dúvida, o mais importante dos ordem religiosa. Vejamos alguns exemplos:
eventos foi a Reforma Protestante, que teve início na Ale-
manha, mas logo se expandiu por outros países. Lembre-
mos que esse movimento se sucedeu aos questionamentos
feitos por Martinho Lutero a respeito das leituras bíblicas
realizadas pela igreja católica em momentos anteriores (as
teses de Martinho Lutero indagavam o modo como a igreja
católica manipulava as leituras bíblicas para justificar, por
exemplo, a venda de indulgências).
Num segundo momento, temos uma agressiva reação por
parte da igreja católica, que aproveitando-se de incertezas
que permeavam a experiência dos indivíduos no período,
reativou o Tribunal do Santo Ofício (a santa inquisição),
além de ter dado origem ao Índex (o índice de livros proi-
bidos) e à Companhia de Jesus (uma ordem religiosa que
tinha como objetivo difundir de modo mais ativo a fé cristã
pela Europa e colônias). Toda essa pressão católica que re-
cai sobre os indivíduos se torna visível na arte barroca, que
volta a explorar com maior incidência os temas religiosos. Caravaggio – Vocação de São Mateus (1599) - óleo sobre tela.

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Caravaggio (1573 – 1610) não costuma seguir tão à risca Andrea Pozzo foi outro importante artista barroco, que fi-
os parâmetros da beleza clássica vista no Renascimento, cou conhecido por suas pinturas nos tetos das igrejas. Sua
pelo menos no que diz respeito aos modelos de suas obras. obra mais conhecida é o afresco A glória de Santo Inácio,
Costumava trazer para suas telas vendedores, ciganos, mú- apresentado acima. Esse tipo de pintura explora intencional-
sicos ambulantes, entre outras pessoas simples. A pintura mente a técnica da perspectiva, dando ao espectador uma
acima evidencia as técnicas anteriormente comentadas: sensação de que as colunas se emendam ao teto e, com
temática religiosa, figuras altamente realísticas de traços isso, cria-se uma espécie de espaço celestial superior amplo,
mais arredondados (criando sensação de movimento) e o cujo objetivo seria criar uma intimidação de ordem religiosa
trabalho com a entrada de luz artificial em espaços escuros no espectador. Esse intenso caráter religioso fez com que as
da imagem. pinturas em tetos de igrejas, que já aconteciam no Renasci-
mento, passassem a ser ainda mais frequentes no período
Barroco, sendo realizadas, inclusive, em igrejas brasileiras.

1.1.2. A escultura barroca na Itália


Como já comentamos, a arte do Renascimento era carac-
teriza por equilibrar aspectos intelectuais e emocionais. Já
nas obras barrocas, esse equilíbrio desaparece e passa a
existir uma maior exaltação dos sentimentos. Também, as
formas da escultura prezam a ideia de movimento e, para
isso, se valem de linhas curvas e formas arredondadas. São
comuns os detalhamentos em vestimentas e também, no
que diz respeito à coloração, o uso frequente do dourado.

Tintoretto – Cristo em casa de Maria e Marta (1578) - óleo sobre tela.

Tintoretto (1515 – 1549) foi um artista que pintou te-


mas variados, desde religiosos até mitológicos e retratos.
Apresenta como características marcantes a ideia de os
corpos das figuras serem mais expressivos que os rostos,
além de um trabalho mais intenso com luzes e cores. Na
pintura acima, vemos um tema religioso, mais comum à
estética barroca. É possível notarmos uma espécie de li-
nha diagonal que vai da mulher agachada até as duas
figuras ao fundo.

Bernini – O êxtase de Santa Teresa. (1645 – 1652) – Mármore.

A escultura acima é uma das mais conhecidas do perío-


do barroco. Marcada por intensa dramaticidade, registra o
momento em que Santa Teresa recebe a visita de um anjo
que, portando uma flecha, fere seu peito com vários gol-
pes. Alguns estudiosos de arte comentam que o gesto do
anjo poderia denotar, em alguma medida, a ideia do amor
Andrea Pozzo – A glória de Santo Inácio (1691 – 1694) - místico de Deus, marcado por uma mescla de sentimentos
Afresco no teto da Igreja de Santo Inácio, em Roma. de prazer e dor.

27
1.1.3. A arquitetura barroca na Itália b) O Barroco na Espanha e nos Países Baixos

A arquitetura do século XVII esteve centrada em palácios Entre os séculos XVII e XVIII, o estilo barroco expandiu-se
e igrejas, sendo que a Igreja Católica desejava proclamar pela Europa e foi adquirindo feições variadas a partir das
com cada vez mais força o trunfo da fé cristã, realizando particularidades existentes em cada nação. Surgem algu-
obras que tinham a intenção de impressionar pelo seu es- mas marcas mais particulares na arquitetura, que trabalha
plendor. Os arquitetos deixam de lado qualquer perspectiva com um maior uso de ornamentação, especialmente os
de racionalidade e passam a valorizar efeitos decorativos. pórticos decorados em relevo nos edifícios civis e religiosos.
Também, passa a haver uma preocupação com o entorno
da obra arquitetônica, o que fez com passassem a ser de-
senvolvidas estruturas paisagísticas.

Catedral de Santiago de Compostela (acima – parte frontal


/ abaixo – um dos pórticos com detalhes em alto relevo).
O maior destaque fica por conta da arte pictórica, que
apresentou obras que abordavam temáticas mais amplas,
em relação ao que se costumava ver no barroco italiano.
Vários artistas – Basílica de San Lorenzo (Séc XVII)
Vejamos algumas pinturas importantes.
I. Na Espanha

Bernini (projeto) - Praça de São Pedro (Séc. XVII)


– Visão da Basílica de São Pedro.

Acima, vemos todo o detalhamento na forma da Basílica,


que passa receber mais cúpulas, além de ornamentações
em seu interior. Também há a ideia de se realizar estruturas
paisagísticas no entorno das basílicas, a fim de se ampliar
a grandiosidade do monumento principal, como vemos na
imagem da Praça de São Pedro, que fica ao lado da Basílica. El Greco – Espólio (1579) – Óleo sobre tela.

28
O artista El Greco (1541 – 1614) ficou conhecido por suas
obras que traziam o tema religioso com personagens em
alinhamento mais verticalizado, como vemos na obra aci-
ma. Essas figuras esguias e alongadas apresentam uma
tentativa de se afastar do dado mais realístico, comum ao
Renascimento, tentando recuperar o traço religioso dos
mosaicos bizantinos.

Rembrandt – A lição de anatomia do doutor


Tulp (1632) – Óleo sobre tela.

Em suas obras, Rembrandt apresentava uma técnica de


usos de luz bastante sofisticada, que explorava não só os
claros e os escuros da obra, mas várias sobreposições de
figuras (na obra acima vemos como cada um dos homens
se coloca por trás e por cima dos outros para poder acom-
panhar a lição de anatomia) e tonalidades de luz. Vemos
também que o tema não é religioso, mas de ordem científi-
ca, mostrando, em alguma medida, avanços em pesquisas
de área médica.

Velásquez – As meninas (1656 – 1657) – Óleo sobre tela.

Velásquez ficou famoso por retratar a corte espanho-


la do século XVII. Dentre esses retratos está a famosa
pintura As meninas, na qual o artista faz uso da técnica
do chiaroscuro para dar destaque à figura da infanta
Margarita no centro do quadro. Essa obra também nos
mostra as relações entre artistas e as cortes absolutistas
do século XVII.
II. Nos Países Baixos

Johannes Vermeer – A leiteira (1658) – Óleo sobre tela.

Acima, a pintura de Vermeer nos mostra o interesse dos


artistas barrocos dos Países Baixos em realizar registros
também de pessoas que não fossem ligadas à aristocracia.
Além disso, temos um trabalho aqui mais delicado com a
luz, que parece prenunciar algumas abordagens que en-
contraremos nas escolas posteriores.

1.2. O Rococó
Peter Paul Rubens – A deposição da cruz O Rococó foi um estilo decorativo e leve que surgiu como
(1610 – 1611) – Óleo sobre tela
uma evolução e também uma reação ao caráter sombrio e
A pintura acima, de Peter Paul Rubens, segue a linhagem pesado visto no Barroco. Surgiu na França na virada do sécu-
religiosa, valendo-se da técnica do claro-escuro para ilu- lo e floresceu por toda Europa durante boa parte do Século
minar um cristo que, mesmo crucificado, apresenta uma XVIII, permanecendo popular até a década de 1770, quan-
postura e corpo em postura heroica. do, aos poucos, foi cedendo espaço ao Neoclassicismo.

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Tratava-se de um estilo que misturava elegância, charme, Na obra acima vemos as características das obras do Rococó,
graça e algum erotismo divertido. Há um interesse por uma como o apego às tonalidades claras, com uso de verde e rosa,
frágil decoração profusamente colorida, e por temas que expressões da natureza (cuja imagem lembra a temática do
fossem mais triviais e simples do que edificantes. As cores carpe diem e sua ideia de afastamento do espaço urbano).
sombrias e pesadas do barroco e também suas dourações
excessivas dão lugar a claros rosas, azuis e verdes, desta- 1.3. Neoclassicismo
cando-se também, com frequência, o branco. Há também
O Neoclassicismo foi um estilo dominante na arte ociden-
personagens que vivem em um clima de forte hedonismo.
tal do fim do século XVIII até meados de 1830. Em sua
Acredita-se que o nome do estilo seja oriundo de uma brin- forma mais básica, foi um movimento artístico que seguia
cadeira pejorativa feita por um aluno do famoso pintor Jac- a tendência de reaproximação com o espírito racional das
ques-Louis David, que misturou a palavra francesa “rocaille” grandes civilizações da Grécia e de Roma antigas e rea-
– que era usada para se referir a um estilo extravagante e gir ao hedonismo e à frivolidade do Rococó. Após o longo
bobo feito com pedras e muito usado para ornamentação período de controle religioso do Barroco, os valores ilumi-
em fontes– com a palavra “barocco”, (com um “r” e dois nistas colocam em cena o desejo de retomada de um pen-
“cês”, de origem italiana, e que fazia referência ao estilo samento mais racional. Vejamos algumas obras do período.
Barroco que estudamos). A brincadeira ficava por conta de
os artistas neoclássicos considerarem o Rococó um estilo
bobo e ornamentado que degradava de maneira cômica o
Barroco. Com o passar do tempo a palavra perdeu o tom
de deboche. Vejamos algumas obras:

Jacques Louis David – A morte de Sócrates (1787)

Na obra acima, de Jacques Louis David, constatamos uma


nova retomada de temáticas relacionadas à Antiguidade
Clássica, algo que marcou o período Neoclássico da pintu-
François Boucher – Pastor tocando flauta para uma ra. O autor resgata a história em que Sócrates foi acusado
pastora (c.1747 – 1750) – Óleo sobre tela. de corromper a juventude de Atenas e introduzir falsos
deuses e, portanto, foi condenado a morrer tomando cicu-
Vemos que a temática da pintura de François Boucher se
ta (um tipo de veneno). Sócrates usa sua morte como uma
aproxima muito do que veríamos na estética literária árca-
lição final para seus pupilos, ao invés de fugir quando a
de (que começava a ser colocada em prática no período),
oportunidade surgiu, e encara a morte calmamente.
trazendo para o centro da pintura a figura do pastor em um
ambiente tranquilo e bucólico.
1.4. O Barroco e o Rococó no Brasil
Antes de iniciarmos as primeiras discussões sobre arte no
Brasil, vale ressaltar que o título desse tópico fala apenas de
Barroco e Rococó justamente pelo fato de não termos uma
experiência neoclássica declarada, como ocorreu na Europa.
Aqui no Brasil, as marcas da estética neoclássica surgirão
como um modelo de influência já dentro do Romantismo,
que estudaremos na próxima aula. No que diz respeito ao
Barroco, desenvolveu-se do século XVII ao início do sécu-
lo XIX (quando já havia sido praticamente abandonado na
Europa). Sua maior expressão ocorreu na arquitetura e na
escultura, com predominância da temática religiosa. Já a pin-
tura, em geral, foi realizada em afrescos dentro das igrejas,
Jean-Honoré Fragonard – O balanço (1767) - óleo sobre tela. seguindo, evidentemente, o tema religioso.

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No que diz respeito ao Rococó, algumas linhas desse estilo São Francisco
foram absorvidas pelos arquitetos de igrejas e escultores
Não creio em vós para vos amar.
do período, mas sem que se bloqueassem por completo
Trouxestes-me a São Francisco
as influências barrocas. Nesse sentido, o Rococó no Brasil
e me fazeis vosso escravo.
era trabalhado quase que simultaneamente ao Barroco na
Senhor, não mereço isto.
ornamentação de algumas catedrais e na tonalidade de
cores de algumas esculturas.
Não entrarei, senhor, no
templo, seu frontispício me basta.
Vossas flores e querubins
são matéria de muito amar.

Dai-me, senhor, a só beleza


destes ornatos. E não a alma.
Pressente-se dor de homem
Paralela à das cinco chagas.
Igreja de Nossa Senhora do Carmo (Recife – Pernambuco)

Mas entro e, senhor, me perco


na rósea nave triunfal.
Por que tanto baixar o céu?
Por que esta nova cilada?

Senhor, os púlpitos mudos


entretanto me sorriem.
Mais que vossa igreja, esta
sabe a voz de me embalar.

Perdão, senhor, por não amar-vos.


(Carlos Drummond de Andrade. Claro Enigma, 1951).

Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto – Minas Gerais)

Em regiões mais desenvolvidas do Brasil, especialmente


naquelas que enriqueceram por conta das atividades de
cultivo de açúcar e de trabalhos com mineração (Pernam-
buco, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro) vemos igrejas
mais bem ornamentadas no estilo barroco, com talhes dou-
rados, esculturas refinadas e produções feitas por artistas
de renome. Além, é claro, da imponência ligada às grandes
dimensões de verticalidade que as construções possuíam.
As igrejas de São Francisco de Assis, em Minas Gerais; e
São Pedro dos Clérigos, em Pernambuco – são exemplos
de igrejas imponentes, marcadas pela surpreendente ver-
ticalidade. A primeira mencionada, chegou a virar tema de
um poema de Carlos Drummond de Andrade em que o eu
lírico confessa o seu espanto diante da grandiosidade da
parte externa da igreja, além de se mostrar surpreendido
pelo modelo de pintura da parte interna, que parece trazer Frei Jesuíno do Monte Carmelo – Teto da capela-
mor da igreja do Carmo (Itu – São Paulo)
o céu para perto do espectador.

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Mestre Ataíde – Teto da Igreja de São Francisco
de Assis (Ouro Preto – Minas Gerais) Cristo carregando a cruz

As imagens acima foram realizadas no teto de importantes Para finalizarmos, vale a pena reiterar que a estética neo-
igrejas barrocas brasileiras. Destaca-se o trabalho de Manuel clássica surgirá no Brasil já no século XIX, como um modelo
da Costa Ataíde, mais conhecido como Mestre Ataíde, ce- de influência da arte romântica, Será, em alguma medida,
lebrado artista do Barroco-Rococó mineiro, e que teve uma um modelo artístico que será implantado após a formação
grande influência sobre os pintores da sua região através de das primeiras academias de arte no Brasil.
numerosos alunos e seguidores, os quais, até a metade do
século XIX, continuaram a fazer uso de seu método de com-
posição, particularmente em trabalhos de perspectiva no teto
de igrejas.

1.4.1. As esculturas de Antônio


Francisco Lisboa (o Aleijadinho)
Além de arquiteto e decorador de igrejas, Antônio Francis-
co Lisboa foi um importante escultor do período Barroco
no Brasil. Embora tenha produzido grandes trabalhos na
região de Ouro Preto, seu conjunto escultórico de maior
destaque fica no santuário do Bom Jesus de Matosinhos,
em Congonhas do Campo, no qual vemos um conjunto de
estátuas que narra o percurso da paixão de Cristo. A seguir,
vemos algumas das imagens que compõem o conjunto.

Cristo no Horto das Oliveiras

32
AULA 19

LEITURA DE IMAGENS IV:


DA ARTE ROMÂNTICA AO
PÓS-IMPRESSIONISMO Eugène Delacroix – Liberdade guiando o povo (1830) – Óleo sobre tela.

COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8

HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27

1. Romantismo
O Romantismo surge como uma reação ao Neoclassicismo e
Francisco de Goya – Três de maio de 1808 (1814) – Óleo sobre tela.
está situado historicamente entre os anos de 1820 e 1850.
A estética romântica também tem conexão com a Revolução A temática das batalhas e guerras tornou-se uma cons-
Francesa, mas já com uma certa decepção em torno do movi- tante nas pinturas do Romantismo. Alguns autores, como
mento: isso porque os pensadores iluministas – que tiveram Eugène Delacroix (1799 – 1863), por vezes articulavam
importante papel influenciador dos movimentos – tentaram o tema de modo a exaltá-lo, como vemos na obra a Li-
em suas teorias buscar uma ordem mais racional que substi- berdade guiando seu povo, em que um evento histórico
tuísse ideais religiosos, no entanto a tal racionalidade condu- relevante (no caso, a Revolução de Julho de 1830) parece
ziu a burguesia a um conjunto de revoluções sangrentas e a ser colocado em um viés idealizado (a guerra como sinô-
posteriores ações de domínio de grupos mais desfavorecidos nimo de coragem e heroísmo), a fim de agraciar os grupos
na sociedade. Toda essa decepção com o projeto racional dominantes que passavam a ocupar o poder após a re-
iniciado no século anterior fomentou o romantismo. volução. É interessante notar também nas imagens feitas
Enquanto os artistas neoclássicos concentravam-se na imita- por Delacroix que o artista já não segue tão rigidamente
ção da arte da Antiguidade Clássica e dos mestres do Renas- os parâmetros neoclássicos de composição ao captar de
cimento italiano, submetendo-se às regras já colocadas nas modo variado as impressões de luz, sombra e perspectiva,
escolas de belas-artes, o movimento romântico procurava se às vezes mais claras, em outros momentos mais “esfuma-
libertar das convenções acadêmicas em prol de uma possibi- çadas”, algo que nos dá alguns apontamentos do que ve-
lidade de livre expressão por parte dos artistas. Nesse sentido, remos mais adiante no Impressionismo.
os artistas irão enfatizar a exasperação das emoções, a tur- Já nas pinturas de Francisco de Goya, as guerras e batalhas
bulência da psicologia humana e a força terrível da natureza, são retratadas de modo a evidenciar o caráter de violência
muito maior do que a própria força humana (lembremos que, e injustiça que se torna latente nas disputas por poder. Na
nos movimentos Rococó e Neoclássico a natureza era vista pintura acima, nomeada como Três de maio de 1808, Goya
como sinônimo de equilíbrio, base do sistema racional). retoma os fuzilamentos de cidadãos espanhóis insurgentes
Vale lembrar também que, com o controle social e político sen- operados por soldados franceses do regime napoleônico,
do exercido pelos burgueses, que impunham aos indivíduos fuzilamentos esses ocorridos na data que dá nome à pintu-
relações de trabalho cada vez mais incisivas, a fim de constituir ra. Vemos que uma das maneiras que o artista utiliza para
o lucro em particular, passava-se a viver um período histórico negar a base neoclássica é voltar a articular uma técnica
em que os indivíduos cada vez mais se afastavam da noção de muito utilizada na arte barroca: o chiaroscuro, que também
coletividade, entrando em um processo de individualismo cada contribui para demarcar na obra uma posição de ordem
vez mais incisivo. Vejamos algumas obras do período. política do autor, que deixa na parte clara os cidadãos in-

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surgentes (que considera inocentes) e na parte escura os O Romantismo também traz como tema o artista como um
soldados de Napoleão. espírito amargurado, tentando entrar em comunhão com
uma natureza que não é mais amena como a do período
neoclássico. A pintura acima de Caspar David Friedrich nos
apresenta os heróis solitários da literatura romântica. O via-
jante está à beira de um precipício que pode representar o
seu fim ou o reinício de uma vida de alguém que, por acabar
de ver o mundo a partir de uma posição superior, poderá ser
um novo homem. Vale notar também o que discutimos no
início desse capítulo: a quebra da coletividade social faz com
que haja uma maior individualização dos indivíduos, como o
quadro acima mostra.

J.M.W. Turner – Vapor numa tempestade de 2. Realismo


neve (1842) – Óleo sobre tela.
Entre os anos de 1850 e 1900, surge nas artes europeias
Outro importante autor do período foi Joseph Mallord – com destaque para a pintura francesa – uma nova ten-
William Turner (1775 – 1851). O artista ficou conhecido dência que recebeu o nome de Realismo. Ela se desenvolveu
por realizar um trabalho que colocava em cena estudos como consequência do intenso processo de industrialização
de movimentos de luz em suas relações com a natureza e que ocorria no período. É importante lembrarmos que se as
aquilo que o homem criava. Suas obras procuram descrever transições entre a primeira e segunda Revoluções Industriais
não detalhes realísticos, mas uma espécie de “atmosfera” promoveram, por um lado, crescimento econômico para a
em torno do tema abordado. Vemos que na imagem acima classe burguesa, por outro, intensificaram e tornaram laten-
há o registro de um barco a vapor em meio a uma tem- tes as desigualdades sociais que já existiam na Europa. Nes-
pestade, no entanto a obra capta as formas essenciais da se sentido, os artistas percebem que não era mais possível
embarcação, das marés, e as partes brancas representam a termos uma expressão artística que se preocupasse apenas
tempestade. Surpreende aqui a aproximação com as obras em expressar as particularidades de um indivíduo ou com os
declaradamente impressionistas que veremos ao final do interesses de grupos dominantes (como ocorria no Roman-
século. Há também a ideia de contraposição à natureza tismo), mas era necessário que a arte também evidenciasse
pacífica do período neoclássico. Vemos que a natureza no as mazelas pelas quais a sociedade era acometida.
romantismo é bem mais agitada e conturbada, e quase im-
pede o reconhecimento total da imagem.

Gustave Courbet – Moças peneirando trigo


(1854 – 1855) – Óleo sobre tela.

Caspar David Friedrich – O viajante sobre um mar Honoré Daumier – Vagão de terceira classe
de nuvens (1818) – Óleo sobre tela. (1863 – 1865) – Óleo sobre tela.

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mas fruto de um processo de intensificação de desigual-
dades sociais. No caso, vemos uma criança que estende a
mão para pedir esmolas. Em suma, o retrato focaliza ma-
zelas sociais.

Jean-François Millet – As catadoras (1857) – Óleo sobre tela.

O pintor Gustave Courbet (1819 – 1877) foi considerado o


fundador do realismo social na pintura, uma vez que pro-
curou retratar em suas telas temas cotidianos, ligados às
classes trabalhadoras. Na primeira das três imagens aci- Édouard Manet – Almoço na relva (1863) – Óleo sobre tela.
ma, Courbet compõe uma obra que, além da representa-
Outro pintor importante do período foi Édouard Manet
ção fotográfica dos trabalhadores, coloca em destaque, no
que, embora não tenha se destacado por produzir uma
centro, uma moça que parece ser bastante jovem, mas já
arte de intenções sociais (o artista pertencia a uma família
obrigada a trabalhar. Essa abordagem do trabalhador irá
rica da burguesia parisiense, e seu círculo social sempre foi
surgir com frequência na pintura realista, seja focalizando
bem abastado), chamou a atenção pela qualidade técnica
os trabalhadores pobres que se deslocam para os espa-
de suas obras e, algumas vezes, por fazer algumas provo-
ços urbanos (como na pintura acima, de Honoré Daumier
cações intencionais que escandalizavam os críticos de arte.
(1808 – 1879), seja na abordagem do trabalho que era
Uma das mais conhecidas ocorreu com a obra Almoço na
realizado nas áreas mais ruralizadas, como na última ima-
relva (apresentada acima), em que o artista representa
gem, de Jean-François Millet (1814 – 1875).
uma mulher nua em companhia de dois homens elegan-
temente vestidos.

3. O Impressionismo
O Impressionismo foi um importante movimento que re-
volucionou a pintura e abriu as portas para a chegada de
novas tendências da arte do século XX. Os artistas impres-
sionistas buscavam observar os efeitos da luz solar sobre
objetos em vários momentos do dia para poder registrar
em suas obras as variações de cores da natureza. A pintura
não apresentava dimensões realistas, mas sugeria (dava a
impressão ao espectador) a figuração de algo. Os artistas
do Impressionismo não chegaram propriamente a formar
uma escola ou movimento, apenas compartilharam algu-
mas técnicas e procedimentos gerais. Os principais artistas
do período foram Claude Monet e Pierre Auguste Renoir.

William Bouguereau – A pequena pedinte (1880) – Óleo sobre tela.

A pintura acima, do artista francês William Bouguereau


(1825 – 1905) surpreende por colocar em cena um mode-
lo que não era efetivamente pautado por ideias de beleza, Monet – Regata em Argenteuil (1872) – Óleo sobre tela.

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que tentaram superar o Impressionismo. Não se tratava de
um grupo coeso ou movimento organizado que comparti-
lhava ideais ou objetivos em comum. Em geral, todos tive-
ram uma fase impressionista ou foi influenciada por algum
aspecto desse movimento. Em geral, costuma-se dizer que
o termo “Pós-impressionismo” foi usado para melhor des-
crever as obras de quatro artistas: Paul Cézanne, Georges
Seurat, Vincent Van Gogh e Paul Gauguin. Cada um deles
reagiu, à sua maneira, ao Impressionismo por meio da evo-
lução de alguma técnica ou característica.
Monet – Regata em Argenteuil sob céu
escuro (1874) – Óleo sobre tela.

Acima vemos uma das principais características da pintura


impressionista: registrar o mesmo ambiente em momentos
diferentes do dia, a fim de fosse possível captar diferentes
impressões de luz e cor. Além disso percebemos outras ca-
racterísticas como os contornos não nítidos, afinal, a linha
de contornos não passa de uma maneira que o ser humano
criou para acentuar a imagem dos objetos. Vemos também
um uso mais natural de cores retiradas direto das paletas,
Georges Seurat – Tarde de Domingo na ilha
sem tantos matizes, afinal o registro das cores é resultado de Grande Jatte (1884 – 1886)
das impressões do artista e não de grandes técnicas de
pinturas pertencentes a alguma escola.

Edgar Degas – O foyer de dança no Ópera (1872)

A obra acima é uma outra vertente de perspectiva im-


pressionista. Em Edgar Degas vemos também uma preo-
cupação com os usos de cores como ocorria com outros Vincent Van Gogh – O terraço do café à
impressionistas, mas o destaque fica por conta da tentativa noite (1888) – Óleo sobre tela.

de flagrar algum momento da vida das pessoas e registrá-


-lo a partir de suas impressões pessoais (como se o artista
fizesse um registro fotográfico e memorial de um momen-
to específico de uma aula de balé). Nas obras de Degas
também se destacam o trabalho com as luzes artificias em
ambientes fechados (algo que também encontraremos nas
obras de Van Gogh).

4. Pós-impressionismo
O termo Pós-impressionismo se refere à obra de vários ar- Paul Cézanne – O monte Santa Vitória com
tistas que, em alguma medida, inovaram algumas técnicas pinheiro (c.1882) – Óleo sobre tela.

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Na primeira obra apresentada, de Georges Seurat, vemos a artísticos) e pela burguesia rica brasileira que agora poderia
técnica do pontilhismo, que seria um novo modo de se re- ser retratada por grandes pintores. Os principais artistas inde-
gistrar as impressões do artista. Vista de perto, percebemos pendentes foram o artista alemão Johann Moritz Rugendas e
que a imagem é composta por diversos pequenos pontos o austríaco Thomas Ender. Vejamos algumas obras desse perí-
de cores variadas que nos dão as sugestões de imagens de odo, realizadas no Brasil:
luz, sombra, pessoas, entre outras. O pontilhismo se tornou
uma técnica importante de figuração do período.
Na segunda, de Van Gogh, vemos um trabalho que, em-
bora lembre uma tela impressionista, apresenta como
evolução cores mais vibrantes, em que o artista aplicava
camadas grossas de tinta sobre a superfície da tela, sem
realizar o alisamento da tinta. Além disso, há um trabalho
mais acentuado com as linhas que compõem as superfí-
cies, de forma que elas não se tornam fugidias como na Nicolas-Antoine Taunay – Vista do Morro de Santo
arte impressionista. Antônio em 1816 (1816) – Óleo sobre tela.

Na terceira obra, de Paul Cézanne, há um trabalho de rein- Como vemos na obra acima, Taunay foi um pintor da Mis-
venção da técnica de pintura em que – diferente dos im- são Artística Francesa que se preocupou em criar registros
pressionistas, que se concentravam nos efeitos fugazes da realistas das paisagens brasileiras, especialmente do Rio
luz – o artista procurava analisar a geometria subjacente de Janeiro e regiões próximas. Vale notar que são pinturas
às rochas e à vegetação, representando-a conforme a sua de técnica realista, que tentam compor um registro fiel da
visão captava. Em suma, a preocupação de representação paisagem, valendo-se de técnicas de perspectiva e outras
não se concentrava só na luz iluminação da paisagem, mas muito usadas nas escolas clássicas.
nas linhas que formavam a vegetação.

5. Primeira metade do
século XIX no Brasil
5.1. A influência estrangeira
da missão francesa
O início do século XIX no Brasil é marcado pela vinda da famí- Jean-Baptiste Debret – Ponte da Santa Ifigênia
lia real portuguesa, que tentava ficar de fora do conflito entre (1827) – Aquarela sobre papel.
a Inglaterra e a França de Napoleão. Dom João e sua comiti-
Debret foi um pintor que realizou uma extensa produção
va desembarcam em território brasileiro, na Bahia, em 1808.
no período em que esteve no Brasil (até 1831). Seus tra-
No mesmo ano, todos se transferem para o Rio de Janeiro.
balhos retratam cenários e costumes brasileiros do século
Oito anos depois, em 1816, chega ao Brasil, a pedido do rei,
XIX, passando por festas de costumes, eventos com a famí-
a Missão Artística Francesa, que consistia num conjunto de
lia real e registros urbanos e rurais. A imagem acima chama
pintores que viria a fazer importantes registros de paisagens
a atenção também por ser não uma obra feita em tela, mas
muito variadas do Brasil. Dentre esses pintores, destacaram-
em um pequeno cartão, por meio de aquarela.
-se Nicolas-Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret.
Esse mesmo grupo, no próprio ano de 1816, criou a Esco-
la Real das Ciências, Artes e Ofícios. Mais tarde, no ano de
1826, ela seria transformada na Academia Imperial de Be-
las-Artes, que traria para o Brasil, na segunda metade do
século XIX, as influências artísticas europeias, especialmente
do neoclassicismo, que era a arte produzida nas academias.
Depois da Missão Artística Francesa, outros importantes pinto-
res independentes vieram ao Brasil atraídos pela luminosidade
dos trópicos (que traria outras perspectivas a seus trabalhos Thomas Ender – Catedral de São Paulo (1817) – Aquarela sobre papel.

37
Thomas Ender também foi mais um autor cujo trabalho
consistia em realizar registros em óleo ou aquarela das pai-
sagens brasileiras. Esse tipo de registro paisagístico, espe-
cialmente onde existiam prédios e monumentos, contribui
para que sejamos capazes de entender as mudanças pelas
quais passa um território.

Victor Meirelles – A primeira missa no Brasil (1860) – Óleo sobre tela.

Johann Moritz Rugendas – Navio negreiro (1830)

Rugendas foi um dos principais pintores estrangeiros a pas-


sar pelo território brasileiro. Sua obra realiza um grande tes-
temunho de importantes acontecimentos que envolviam o
país, registrando desde o transporte de escravos nos navios
negreiros, até detalhes de importantes paisagens brasileiras.

6. Segunda metade do
século XIX no Brasil
6.1. Pintura acadêmica no Brasil
e modernização da arte
Em meados do século XIX, com a presença da família real
no Brasil, o país passa por um período de crescimento eco-
nômico, estabilidade social e incentivo às artes como um
todo por parte do imperador dom Pedro II. A presença da
Academia Imperial de Belas-Artes fez com que passásse- Almeida Júnior – Caipira picando fumo (1893) – Óleo sobre tela.

mos a ter agora produções de grandes pintores brasileiros. Um dos principais artistas do período foi o paraibano Pedro
No entanto, como a pintura era estudada a partir de uma Américo de Figueiredo e Melo. Ele frequentou a Academia
base acadêmica europeia, ela refletia ainda muitos dados Imperial e ficou muito conhecido pelos seus registros de
conservadores dessa escola, especialmente a preocupação importantes acontecimentos históricos brasileiros, como
excessiva com o caráter realista da Antiguidade Clássica, vemos na pintura mais acima, sobre o processo de Inde-
que vimos no Neoclassicismo. Vejamos algumas obras: pendência do Brasil. Vale a pena notar o caráter não ape-
nas nacionalista da obra, mas também idealizado a partir
dos interesses dos grupos dominantes, como acontecia no
Neoclassicismo e no Romantismo. Historicamente, o grito
da independência, às margens do Ipiranga, não teria ocor-
rido de modo tão heroico quanto foi retratado nessa obra.
Outro importante artista foi o catarinense Vitor Meireles de
Lima que buscou traduzir em forma de pintura acontecimen-
tos históricos pregressos, como vemos em sua obra A primei-
ra missa no Brasil (acima), que foi realizada com base em
Pedro Américo – Independência ou morte (1888) – Óleo sobre tela relatos encontrados em registros de Pero Vaz de Caminha.

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Também vale a pena comentar que, assim como as obras
de Pedro Américo, existe uma ideia de registrar a formação
nacional brasileira a partir de um resgate um tanto ideali-
zado de seus primeiros momentos. Vemos que o registro
da primeira missa apresenta religiosos e indígenas senta-
dos tranquilamente em torno da cruz, sem nenhum tipo de
perturbação no ambiente, como se todos tivessem aceitado
tranquilamente a sobreposição religiosa que ali ocorria.
Por fim, podemos destacar a importante obra de José
Ferraz de Almeida Júnior (mais conhecido apenas como
Almeida Júnior) que também foi aluno da Academia Impe-
rial e produziu obras de espantoso realismo que retratam
momentos da vida privada e também figuras importantes Eliseu Visconti – Jardim do Luxemburgo (c.1905) – Óleo sobre tela.
do interior das grandes capitais, como vemos na pintura Vemos que as telas acima, dos dois autores brasileiros ci-
acima, Caipira picando fumo. tados, já apresentam características muito similares àquelas
que vimos nas estéticas de finais do século XIX na Europa. A
6.2. Superação do primeira, de Belmiro de Almeida, coloca no centro da pintura
academicismo no Brasil uma moça cuja captação da imagem só ocorre por conta
dos efeitos da luz solar que recaem sobre seu corpo. Nesse
Os artistas que frequentavam a Academia Imperial se- caso, a pintura não se preocupa em retratar a moça realisti-
guiam padrões trazidos pela Missão Artística Francesa. O camente, mas a partir da impressão visual que se tem do sol
principal desses padrões consistia em uma ideia de seguir que incide sobre seu corpo. Já na segunda pintura, de Eliseu
os modelos academicistas, especialmente os das escolas Visconti, misturam-se técnicas impressionistas de captação
de belas artes francesas (que, como já vimos, eram sus- de luz, mas há também um trabalho com maior incidência
tentados pelos parâmetros neoclássicos, em sua maioria, de cores por meio de pinceladas mais demarcadas, como ví-
e até em bases do Romantismo). No entanto, em finais do amos nas obras de Van Gogh no Pós-impressionismo.
século XIX, muitos importantes artistas começam a sair
do país e a ter contato com outras bases estéticas e, ao Para finalizarmos, é importante comentarmos que essa
retornarem, passam a trazer a influência de outras experi- busca por uma superação do academicismo que ocorre
ências artísticas, especialmente as do Impressionismo e do quase que simultaneamente às mudanças vistas na arte
Pós-impressionismo. Os primeiros autores que se destaca- europeia mostra o interesse dos artistas brasileiros em
ram por colocar em cena tais técnicas de sua pintura foram apresentar evoluções e variações artísticas. Tudo isso irá
Belmiro Barbosa de Almeida (1858 – 1935) e Eliseu D´An- desembocar também nas mudanças radicais que veremos
gelo Visconti (1866 – 1944), que incorporaram a técnica na arte brasileira do início do século XX, inspiradas pelas
de captação de sensações e de variação de luminosidade a inovações artísticas trazidas pela arte de vanguarda da Eu-
suas obras, como vemos a seguir. ropa, que estudaremos no próximo capítulo.

Belmiro de Almeida – Efeitos de sol (1892) – Óleo sobre tela.

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de todo esse processo de reelaboração surgirá com maior
AULA 20 ênfase nas obras artísticas do início do século XX, conheci-
das como Vanguardas Europeias.
Embora as escolas de vanguarda apresentassem significa-
tivas variações, é possível encontrar um ponto de conver-
gência entre as obras desses autores: a tentativa de es-
LEITURA DE IMAGENS capar de figurações que fossem meramente “realísticas”
ou “figurativas” (afinal, a câmera fotográfica já seria o
V: ARTE MODERNA: instrumento mais capaz de realizar um registro altamente
PRIMEIRA METADE realístico). Passará a ser mais relevante explorar aquilo que
uma máquina fotográfica não seria capaz de captar (sen-
DO SÉCULO XX sações, impressões, sentimentos, percepções psicológicas,
entre outras questões).
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 Obviamente, outro ponto relevante foi o que comentamos
no início desse parágrafo: o mundo que passava a se mo-
dernizar diante dos olhos dos homens do século XX exigia
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27
também um novo tipo de representação, que fosse capaz de
captar a velocidade, a mecanização e outros avanços que
passavam a surgir. Nesse sentido, a arte responderá às expe-
riências de intensa mecanização, industrialização e urbani-

1. Introdução zação que passarão a ocorrer, além de incorporar discussões


sobre a primeira grande guerra mundial. Vejamos as princi-
Pode-se dizer que aquilo que chamamos de arte moderna pais vertentes de vanguarda do início do século XX.
tem seu início em finais do século XIX na Europa, e se es-
tende até meados dos anos 1950 do século XX. Seu ponto
central de abertura está diretamente ligado às mudanças 2. Expressionismo
sociais que ocorreram na transição entre os século e que Foi um movimento que se configurou propriamente entre
fizeram com que muitos artistas chegassem à conclusão de os anos de 1904 e 1905 na Alemanha, inspirado na obra
que não era mais possível representar o mundo apenas de O grito (1893), de Edward Munch. Surge especificamente
modo figurativo, como sugeria o academicismo do Século como um movimento de reação ao Impressionismo pois,
XIX, mas seria necessário pensar em novas bases artísticas. enquanto este último se preocupava prioritariamente com
Outro ponto relevante foi o desenvolvimento da técnica fo- as sensações provocadas pela luz, o Expressionismo dese-
tográfica. Em 1839, é criado por Louis Jacques Daguerre, na java retratar as inquietações psicológicas do ser humano
França, um aparelho que ele chamou de daguerreótipo, e que no agitado início do século XX.
foi a primeira patente mecânica para um processo fotográfi- Essa tendência já vinha, em alguma medida, sendo traba-
co. Inicialmente, os retratos feitos neste aparelho eram muito lhada por Van Gogh, que em muitas de suas pinturas usou
caros, sendo acessíveis apenas aos que fossem muito ricos. a técnica da deformação da imagem a fim de captar e re-
No entanto, a partir da criação e desenvolvimento de outros velar o mundo interior dos indivíduos.
protótipos, e também do próprio aperfeiçoamento técnico do
daguerreótipo, em meados de 1850, a técnica fotográfica se
torna mais acessível a um maior número de pessoas.
Em suma, já na metade do século XIX a fotografia já era
acessível a um número considerável de pessoas, e o fato
de elas poderem realizar registros altamente realistas por
meio de um procedimento mecânico começa, aos poucos,
a colocar em xeque as atividades artísticas figurativas (qual
seria a relevância da pintura, se um aparelho mecânico
poderia realizar um registro realístico de modo mais rá-
pido e eficaz?). Essa entrada das artes plásticas em uma
perspectiva de “crise” (o que seria então da pintura?) faz
com que os artistas do período comecem a repensar os
“tradicionais” modelos de elaboração artística. O resultado Edward Munch – O grito (1893) – Óleo sobre tela.

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A famosa obra de Munch serviu de inspiração para o mo- outras. A ideia central dos pintores cubistas era que os ob-
vimento expressionista, pois captava não apenas uma ima- jetos se apresentassem a partir da ideia de um cubo desdo-
gem, mas também uma perspectiva psicológica de ordem brado / aberto, com todos os seus lados no plano frontal em
perturbadora que afetava um indivíduo. As linhas curvas e relação ao observador. Esse gesto faz com que se abandone
distorcidas transmitem a sensação de que algo não está a técnica perspectiva e os dados tridimensionais.
devidamente “organizado” na mente do indivíduo.

Erich Heckel – Dois homens à mesa (1912) – Óleo sobre tela.

Heckel foi um importante autor que conseguiu construir


Pablo Picasso – As damas de Avignon (1907) – Óleo sobre tela.
obras exemplares do expressionismo, como a vista acima,
denominada Dois homens à mesa. Nessa obra vemos o cli- Na obra de Picasso, apresentada acima, vemos um claro
ma obscuro alcançado pelo uso de cores lúgubres. A sensa- exemplo da estética do Cubismo. O trabalho com as for-
ção ao olharmos a obra é negativa, como se houvesse uma mas geométricas e angulosas, as cores mais simplificadas,
negociata ilegal entre os homens. Além de outros detalhes e também a ausência de perspectiva ficam evidentes nes-
que incomodam o olhar do espectador. ses trabalhos. Ainda, em uma perspectiva mais particular,
Picasso apresenta fortes influências de referências artísti-
cas de matriz africana, que passavam a ser mais estudadas
por artistas ocidentais no início do século XX. Na pintura
acima, vemos que Picasso insere algumas máscaras africa-
nas nos rostos de algumas das modelos.

Wassily Kandinsky – Improvisação III (1909) – Óleo sobre tela.

Kandinsky foi um autor que trabalhou a estética impressio-


nista a partir do uso das cores que, de acordo com o autor,
possuíam significados variados. Na obra desse artista fica
mais evidente do que nunca a tentativa de fuga de uma
figuração realista.

3. Cubismo
Foi um movimento que surgiu a partir da obra de Cézanne,
ainda em finais do século XIX, pois o autor já se preocupava
com a ideia de registrar as formas da natureza a partir de for- Georges Braques – Homem com violão
mas comuns ao artista, como cones, cilindros, esferas, entre (1911 – 1912) – Óleo sobre tela.

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Nessa pintura de Georges Braques, vemos o trabalho in-
tenso com as técnicas cubistas. O artista procurava con-
siderar a pintura como uma obra que deva ser diferente
de uma descrição objetiva da realidade. Existe, nesse caso,
uma certa dificuldade em identificarmos algum tipo de fi-
guração (o propriamente dito homem com violão).

Henry Matisse – A dança (1910) – Óleo sobre tela.

Nas duas obras acima vemos como existe um trabalho mais


“despreocupado” com as cores, que são usadas sem compo-
sição de matizes e nem sempre correspondem à cor real dos
objetos que retratam. Ainda, na obra de Matisse, vemos um
interessante trabalho com a geometria, em que o delinea-
mento semicircular nos fornece uma sensação de movimento
dos dançarinos. Ainda, esse dado de movimentação é refor-
çado pelas mãos que se soltam e pelo fato de partes dos cor-
pos se deslocarem para fora do enquadramento da imagem.

Juan Gris – Retrato de Picasso (1912) – Óleo sobre tela.

Chama a atenção também nas obras cubistas o fato de os


5. Abstracionismo
registros, mesmo de indivíduos, seguirem a perspectiva de Talvez seja o movimento que operou o afastamento mais
montagem cubista, como nessa obra do pintor Juan Gris, radical da realidade. Caracteriza-se pela ausência de rela-
na qual retrata o pintor Pablo Picasso. ção imediata entre as formas e as cores reais. Uma tela
abstrata não narra uma história, nem oferece dados plena-

4. Fauvismo mente reconhecíveis.


Foi um movimento que cresceu bastante durante o período
Foi um movimento bem pontual que surgiu na França em 1905. relacionado a era moderna da pintura, ganhando até al-
O nome do movimento é oriundo da palavra “fauves” (feras), e gumas distinções, como o abstracionismo geométrico que,
foi dado pelo crítico de arte francês Louis Vauxcelles, por conta ao invés de dispersar formas, traços e cores, passava as
do modo agressivo e intenso com que os artistas usavam as organizar de modo geométrico.
cores puras na pintura, sem utilizar misturas ou matizes.
Além do uso intenso de cores puras, os artistas do Fauvis-
mo operaram uma simplificação das formas apresentadas.
Todo esse trabalho com cores intensas e formas mais atí-
picas opera um deslocamento em relação a qualquer dado
que fosse mais realístico.

Wassily Kandinsky – Composição 8 (1923) – Óleo sobre tela.

André Derain – Ponte sobre o Riou (1906) – Óleo sobre tela. Piet Mondrian – Composição (1921) – Óleo sobre tela.

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As duas obras acima seguem fortemente a tendência de distintos, algo que se assemelha as operações mentais do
abstração, compondo imagens que não remetem a ne- sonho, de onde muitos autores surrealistas buscavam a
nhum tipo de figuração mais imediata. Inclusive, o trabalho inspiração para suas composições.
com as formas geométricas é usado aqui de modo dife-
rente do que vimos, por exemplo, no Cubismo. Na estética
abstracionista, o geométrico atende a um total afastamen-
to da composição fotográfica.

6. Surrealismo
O Surrealismo foi um movimento que esteve presente não só
nas artes plásticas, mas também na literatura. Teve início sob
a liderança do escritor André Breton e tinha como objetivo
Marc Chagall – Sobre a cidade (1915)
provar que a arte não poderia ser resultado de operações ra-
cionais e lógicas, mas sim de pensamentos absurdos e até iló-
gicos. Nesse sentido, a instancia do sonho, por exemplo, com
suas imagens desconexas, passa a ser um ponto central para
a estética pictórica surrealista, criando vários conjuntos irreais
que circundam qualquer elemento que seja pertencente à re-
alidade. Além do sonho, os autores criavam “mecanismos”
que os afastassem da realidade no momento da criação (Por
exemplo, o artista surrealista Joan Miró costumava entrar em
longos ciclos de jejum, a fim de que as alucinações da fome
orientassem as imagens que surgiam em sua obra). Joan Miró – Carnaval de Arlequim (1925)

As obras de Chagall e Miró também são surrealistas, mas


seguem caminhos um pouco diferentes, por exemplo, das
obras de Salvador Dalí. Em Chagall, vemos que a surpresa
não está na quebra da figuração da imagem, mas no fato
de vermos um casal voando sobre uma cidade. Já em Miró,
parece haver um conjunto de figuras imaginárias que com-
põem várias “sugestões” sobre o tal carnaval do arlequim.

Salvador Dalí – A persistência da memória (1931) 7. Futurismo


Como o próprio nome sugere, os futuristas valorizavam o fu-
turo e as modernizações que o acompanhavam. A velocidade
e os processos de mecanização passavam a fazer parte inte-
grante da sociedade, e os artistas desse movimento deseja-
vam incorporam as sensações e percepções que essa moder-
nidade trazia. As linhas retas que eram incorporadas a suas
telas tentavam reproduzir o movimento veloz das máquinas.

René Magritte – No limiar da liberdade (1937)

Dois dos maiores representantes do Surrealismo na Europa


foram Salvador Dalí e René Magritte. Suas obras criam apro-
ximações inusitadas entre imagens de campos semânticos Giacomo Balla – Automóvel em alta velocidade (1912)

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Lasar Segall foi o primeiro artista a colocar o Brasil em
contato com as experiências artísticas europeias de van-
guarda, ainda antes da consolidação do movimento mo-
dernista. Na obra em destaque é possível notar a influência
das vanguardas na arte brasileira, especialmente as formas
angulosas do cubismo e a variação de cores do fauvismo.

Umberto Boccioni – Dinamismo de um ciclista (1913)

É possível notar que as pinturas do Futurismo tentam por


meio de traços dinâmicos e formas geométricas transmitir
a sensação de velocidade que a modernidade tecnológica
passava a trazer ao mundo. As temáticas de suas pinturas
costumam englobar sempre situações de grande dinamismo.

A influência da arte
moderna no Brasil Anita Malfatti – O homem amarelo (1915)
O começo do século XX no Brasil é marcado por diversas
Anita Malfatti sofreu severas críticas de artistas mais con-
mudanças, como o início dos processos de industrialização,
servadores quando da exposição de seu trabalho no Brasil,
além da chegada de um grande número de imigrantes de
no ano de 1917. Posteriormente, recebeu apoio de diversos
diversos países. Como consequência, alguns Estados apre-
artistas que passavam a seguir as linhas de influência eu-
sentaram um expressivo crescimento econômico e grandes
ropeia, sendo reconhecida hoje como uma das artistas que
transformações sociais, resultantes justamente do convívio
mais chamou a atenção para os novos modelos de produção
com diferentes culturas e por conta das novas relações de
do período, especialmente os trabalhos que envolviam o uso
trabalho oriundas da grande industrialização.
das cores, como podemos ver em O homem amarelo.
Todas essas mudanças sociais fizeram com que os artistas
passassem a repensar suas criações artísticas. Na literatura,
as figuras de Oswald de Andrade e Mário de Andrade tive-
ram papel definitivo no novo modo de se elaborar a arte
brasileira, fazendo com que as obras não fossem meras có-
pias de modelos europeus, mas que incorporassem raízes
nacionais. Vejamos os principais artistas.

Di Cavalcanti – Nascimento de Vênus (1940)

Nessa obra, de Di Cavalcanti, conseguimos ver de modo


mais evidente os parâmetros antropofágicos propostos por
Oswald de Andrade, de fazer com que as referências for-
mais europeias passassem a estar sujeitas também a uma
temática nacional. Nesse sentido, Di Cavalcanti retoma a
obra de Botticelli, O nascimento de Vênus, mas coloca uma
Lasar Segall – Duas amigas (1913) – Óleo sobre tela. deusa Vênus de feições e traços negros, que é recebida por

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mulheres também negras, em território brasileiro. São no-
táveis as influencias geométricas na formação das modelos
(especialmente as formas arredondadas) que vemos nas
vanguardas europeias.

Candido Portinari – Café (1934)

Portinari foi outro importante pintor do período modernis-


ta. Suas obras retratam com frequência as relações de tra-
balho brasileiras (especialmente na terra) e o quanto elas
parecem ser duras com os indivíduos, que nos seus quadros
denotam sua força física por meio dos membros grandes e
Vicente do Rego Monteiro – Menino e ovelha (1925)
corpos volumosos, como vemos na imagem acima.
Outro importante autor do movimento modernista brasilei-
ro foi Vicente do Rego Monteiro. O autor viveu na Europa
até 1917, quando retornou ao Brasil e participou da Sema-
na de Arte Moderna de 1922. As influências vanguardistas
em sua obra são bastante notáveis, especialmente o traba-
lho com as formas geométricas circulares.

Monumento às bandeiras - Victor Brecheret (1936 – 1953)

Na escultura, o maior destaque do modernismo brasileiro


ficou por conta de Victor Brecheret, cujas obras afastaram-
-se da mera imitação da realidade e ganharam expressão
por meio de formas geométricas de linhas simples e que,
evidentemente, escapam de uma demarcação mais realís-
tica, com figuras mais esguias.

Tarsila do Amaral – O mamoeiro (1925)

Tarsila também produziu uma obra que expressava a jun-


ção das experiencias vanguardistas – como os sólidos
modelos cubistas que usava em seus quadros – com a
materialidade das vidas brasileiras, muitas vezes colocan-
do temáticas que expressavam pontos de vista críticos em
relação aos problemas sociais do brasileiro, especialmente
em suas relações de trabalho.

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AULA 21 3. Pop Art
O movimento tem seu início na década de 1960 e se vale
de criações da civilização industrial a fim de constituir uma
crítica irônica da cultura comercial de massa contemporâ-
nea. As obras artísticas da Pop art irão absorver:
§ as imagens da cultura consumista;
LEITURA DE IMAGENS VI: § os dados do ambiente nacionalista americano;

ARTE CONTEMPORÂNEA § os produtos de consumo em si;


§ os ícones da televisão, do rádio, dos quadrinhos e
do cinema.
Os artistas da Pop Art também se valem dessa estética do
COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8 consumo para questionar os valores da arte, criando obras
que seriam mais despretensiosas justamente por operar
HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27 uma linguagem mais popular.

1. Introdução
Denomina-se arte contemporânea o conjunto de manifes-
tações artísticas que passa a ser feita em várias partes do
mundo ocidental na passagem dos anos 1940 até 1960, e
que duram até os dias de hoje.
Como ponto partida, começa a haver por parte dos artistas
em diversas partes do mundo a percepção de que o cresci-
mento das dinâmicas de consumo relacionadas ao capital Richard Hamilton – O que é que torna os lares de hoje
tão diferentes, tão atraentes? (1956) - Colagem
(que trouxe novos estímulos, como a TV e o cinema) fez
com que ocorresse uma diminuição do interesse do pú- Considerada uma das obras seminais do movimento – pois
blico geral pelas bases tradicionais da arte. Essa redução teria sido aquela em que, pela primeira vez, foi utilizado
do interesse obriga os artistas a repensarem os modelos o termo “pop” – foi realizada por meio da técnica da co-
de produção artística, passando a tentar desenvolver ma- lagem de fragmentos recortados de revistas americanas,
neiras de fazer com que o espectador da obra não fosse compondo uma espécie de “mosaico” das variadas refe-
apenas um mero observador, mas sim um espectador que rencias da cultura pop do período, com quadrinhos, figuras
pudesse participar, ele mesmo, da composição. É nesse do cinema, da TV, entre outras imagens.
sentido que irá ocorrer uma ampliação das bases artísticas
que permitissem um maior contato entre obra e especta-
dor, criando uma experiência que valorizasse as possíveis
conexões entre arte e vida.

2. A ampliação das bases artísticas


A arte contemporânea, para atingir o objetivo de criar
caminhos para que o espectador passe a integrar de al-
guma maneira a obra artística, irá trabalhar com matrizes
variadas que vão para além da pintura, escultura e arqui-
tetura tradicionais, passando a trabalhar com instalações
em espaços, performances corporais e até incorporando
a natureza para atingir seu objetivo. Andy Warhol – Vinte Marilyns (1962) – Serigrafia.

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Essa obra realizada a partir da técnica da serigrafia (silk screen) engloba um conjunto de projetos críticos. Num primeiro
momento, vemos a ideia da repetição de imagens, que de acordo com Warhol objetivava realizar uma crítica da suposta
singularidade da obra de arte em um mundo de reprodução e comunicação de massa (além da própria ideia de reprodução
industrial operada pelo capital). Outro ponto é a escolha por uma celebridade como base da composição, que, além de
funcionar como crítica da idolatria sobre as celebridades, coloca em xeque a ideia de que a arte não apresentaria a mesma
penetração popular que os artistas de cinema.
Vale notar também que as repetições de Warhol promovidas pela técnica da serigrafia criam várias “Marilyns” que apre-
sentam pequenas diferenças entre si (algumas mais claras, outras mais escuras, outras mais borradas, com lábios ora mais
definidos, ora menos...), dando a entender que o controle sobre a obra por parte do artista é parcial.

Roy Lichtenstein – Whaam! (1963) – Acrílico e óleo sobre duas telas.

Nessa obra de Lichtenstein, o autor elabora uma crítica irreverente ao Expressionismo abstrato, e seu uso de cores puras
saturadas na tela. Além disso, Lichtenstein considerava o Expressonismo abstrato uma arte altamente comercial, sem grande
valor artístico, por esse motivo criou Whaam! como uma forma de apresentar uma tela que tratasse da futilidade das histó-
rias em quadrinhos dirigidas ao público infantil que muitas vezes só serviam para glorificar guerras e batalhas.

4. Instalações montagem em si, o mercado de arte negociava os estudos


preparatórios e as colagens que deram origem ao projeto,
A palavra instalação entra em uso no fim da década de a fim de financiar os custos do projeto.
1960, mas sua origem é em geral atribuída aos ready-ma-
des de Marcel Duchamp. Trata-se de montagens muitas
vezes tridimensionais que transformam o espaço de expo-
sição em um ambiente imersivo (que faça o espectador a
interagir ou tomar parte na obra).
A princípio, as instalações eram consideradas obras loca-
lizadas, criadas muitas vezes para o espaço específico de
uma galeria ou exposição. Com o passar dos anos, foram
se estendendo para fora dos espaços dos museus e passa-
ram a ganhar as ruas ou mesmo as residências dos próprios
artistas, transformadas em instalações abertas à visitação.
Esse gesto de criar montagens amplas em espaços varia-
dos tinha como objetivo zombar da ideia de que a arte era
comerciável e colecionável, consolidando uma nova ideia
de arte pela arte. É evidente que, com o passar dos anos,
muitos museus se modernizaram e passaram a constituir
espaços que acolhessem melhor as instalações, e no que Ilya Kabakov - O homem que voou / se ejetou para
diz respeito à comercialização, quando não se vendia a o espaço (1968 – 1996) – Instalação.

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Nesta obra, o espectador adentra uma sala em que tem con- Era comum aos novos realistas a incorporação em suas
tato com um quarto com o teto destruído que representa a obras de objetos que foram descartados no cotidiano, a
“fuga” de um homem que vai para o espaço, dando uma fim de estabelecer uma crítica mais precisa às relações de
ideia de que a arte é constantemente concebida como um consumo, ao desperdício, ou a tudo aquilo que a guerra
processo (a todo momento que se entra na sala, vê-se a fuga representa de negativo.
como recém ocorrida). Atualmente, a obra está na França.
Os artistas também se pautavam por uma ideia de “des-
truição criativa”, que resultavam em ações ou performan-
ces em que os indivíduos passam a ser, efetivamente, parte
integrante da obra artística.

Christo e Jeanne-Claude – Reichstag embrulhado


(1971 – 1995) – Instalação.

Nesta obra, o casal de artistas americanos Christo e Jean-


ne Claude embrulharam o prédio do parlamento alemão
com um plástico de prolipropileno revestido de alumínio e
cordas. Um autêntico exemplo de obra que não pode ser
vendida ou comercializada, pois está integrada ao espaço
público, fazendo parte, mesmo que temporariamente, da
vida das pessoas.

Arman – Lar doce lar (1960) – Máscaras de gás e caixa de madeira.

Nessa famosa obra de Arman, o artista reúne dentro de um


Ed Kienholz – Memorial de guerra portátil (1968) – Instalação. bloco de concreto um conjunto amplo e idêntico de másca-
ras de gás que fazem lembrar os horrores provocados pelas
A obra se trata de uma reflexão sobre a guerra dentro da guerras e também da tragédia promovida pelo holocausto.
vida comum. Tem referências do Pop art de um conjunto de
peças variadas retiradas do mundo (moldes em gesso, lápi-
des, quadro-negro, bandeira, pôster, mobília de restauran-
te, fotos, máquina de Coca-Cola, cão de pelúcia, madeira,
metal, fibra de vidro). Trata-se de uma reflexão a respeito
da guerra dentro da vida comum no sistema capitalista,
em que alguns, sendo soldados, morrem; enquanto outros
seguem suas vidas em espaços de consumo.

5. Novo realismo e arte performática


O novo realismo foi uma estética que surgiu em meados
dos anos 1960, numa tentativa de se afastar de modo mais
rígido do expressionismo abstrato que dominava o fim da
década de 1950.
Yves Klein – Mortalha mundo cão (1961)
Trata-se de uma estética que surge em um contexto de
pós-guerra, com crescentes avanços tecnológicos e grandes A famosa obra de Yves Klein é um exemplo importante e
mudanças políticas que exigiam uma postura da arte que precoce da arte performática. Nela, modelos vivos pinta-
voltasse a promover uma aproximação com a realidade. vam seus corpos com tinta azul e em seguida os compri-

48
miam a uma tela ou papel branco a partir de um conjunto
de gestos corporais orientados pelo artista. O artista resol-
veu chamar essa técnica de pintura com corpos de “antro-
pometria”.

6. Minimalismo
Outro projeto contemporâneo importante foi o Minimalis-
mo. O movimento visava, por meio de traços e formatos
bastante simplificados criar estruturas marcadas por certa
impessoalidade, de modo a evitar sentimentalismos muito
comuns em outras estéticas. Em suma, os trabalhos não
deveriam revelar significados, criar símbolos ou apontar
referências. O movimento caracteriza-se por trabalhar com
peças simples, com formas geométricas quadradas ou re-
tangulares se afastem de qualquer figuração mais precisa
Donald Judd – Sem título (pilha) (1967) – Laca sobre ferro.
da realidade.
As obras apresentadas são todas marcadas por grande
simplicidade, mas, ao mesmo tempo, prezam por uma
grande precisão matemática e geométrica. Esse tipo de cál-
culo preciso influenciará muitos escultores do movimento
concretista no Brasil.

7. Arte conceitual
A arte conceitual também surge em meados dos anos
1960 como um desfio às classificações impostas à arte
por museus e galerias, que costumavam afirmar ao público
“isto é arte”. Nesse sentido, a arte conceitual vem como
um movimento que insere a pergunta: o que é arte?
As raízes da Arte conceitual remontam ao Dadaísmo, e tem
como objetivo colocar um conceito à frente da obra de arte
em si. Nesse sentido, promove-se uma reflexão não sobre o
objeto, mas sobre a ideia que está sobre esse objeto. Ela foi
operada por meio de pinturas, esculturas e até performances.
Dan Flavin – Diagonal de 25 de maio de
1963 (1963) – Tubo fluorescente.

Piero Manzoni – Merda d’artista (1961) – Metal e papel.

Na obra acima, Piero Manzoni estabelece uma crítica à natu-


reza da arte (o que realmente é a arte?) e também à produ-
ção em massa numa era de consumismo. O artista produziu
90 latinhas com o rótulo Merda do artista. Cada lata conti-
nha, supostamente, as fezes de Piero, mas durante muitos
Sol LeWitt – Cubo aberto (1968) – Laca sobre alumínio. anos ninguém quis abrir nenhuma das latas, a fim de não

49
destruir o valor financeiro da obra. Alguns anos depois, um A ideia de Pistoletto nessa obra é recriar a icônica imagem
colaborador de Piero Manzoni afirmou a um jornal italiano da Antiguidade colocada ao lado dos detritos da sociedade
que as latas continham uma mistura de gesso, algodão e moderna (a pilha de roupas que a acompanha)
algum material orgânico (também, alguns compradores da
obra abriram suas latas em 1989 e em 2007).

Mario Merz – Objeto, esconda-se (1968)

A obra acima faz parte de um conjunto de obras de Merz


em que o artista constrói vários iglus a partir de materiais
naturais e artificiais. A obra intenta explicitar as relações
Joseph Kosuth - Uma e três cadeiras (1965) –
Madeira e fotografia em prata coloidal. que podem existir entre a natureza (os materiais) e a vida
cotidiana (o iglu, que é um tipo de moradia).
Na obra acima, Kosuth pretendia discutir a ideia de “for-
ma” e “conceito” de um objeto, que apresenta uma cadei-
ra física, uma outra representada em uma imagem, e uma 9. Op art
placa com a definição por escrito do que é uma cadeira. Outra importante tendência contemporânea foi a Op art (o
Nesse sentido, temos uma obra que replica o funcionamen- nome é uma abreviação para Optical Art). Seu objetivo era
to de nossa experiência conceitual entre ver/lembrar/tocar criar uma interação com o espectador a partir de tentativas
um objeto, e descrevê-lo semanticamente. de manipulação de sua percepção visual. Os artistas usa-
vam ilusões e efeitos ópticos nas obras para promover um

8. Arte povera efeito psicofisiológico sobre o observador.


Ao observarmos uma obra de Op art, muitas vezes vemos
A Arte povera, cuja tradução mais direta do italiano seria uma imagem que se move, que muda de perspectiva ou dei-
“arte pobre”, consistiu em um movimento que se afirma- xa uma pós-imagem. Para obter tais efeitos, o artista empre-
va como antielitista, e por esse motivo suas composições ga fenômenos como interferência de uma linha em ponto
eram realizadas sempre com materiais muito simples, vin- específico da obra (que pode dar sensação visual de terceira
dos da natureza ou mesmo do lixo. dimensão), perspectivas reversíveis, vibração cromática (sen-
Embora esse gesto remeta ao trabalho com os ready-ma- sação de que as cores vibram) e contraste entre cores.
des, que alguns anos antes haviam sido incorporados pela
Pop Art, os artistas da Arte povera julgavam a crítica ao
consumismo feita pela Pop Art muito esvaziada. Nesse sen-
tido, o uso de materiais comuns ou de elementos da natu-
reza passava a ser uma maneira de desafiar as tradições e
estruturas clássicas da arte.

Victor Vasarely – Marsan (1966) – Serigrafia em cores.

Michelangelo Pistoletto – Vênus dos trapos Bridget Riley – Corrente (1964) – Tinta de polímeros
(1974) – Mármore e tecidos. sintéticos sobre prancha de composição.

50
Nessas duas obras percebemos que as imagens realizadas Os túneis de Sol são instalações de túneis que se alinham
tentam interferir em nossa percepção. A obra de Vasarely ao horizonte. Esse posicionamento estratégico nos permite
tenta criar por meio de linhas uma sensação de diferentes enxergar o sol se pondo através obra, fazendo com que ela
planos na pintura. Já a obra da artista Bridget Riley utiliza estabeleça relações diretas com o ambiente, aumentando
uma certa distorção nas linhas que nos dá a sensação de o vínculo entre arte e vida.
que as curvas centrais estão sempre em um movimento
vibrante.
11. Urban / Street art
10. Land art A arte urbana se originou no fim da década de 1960 e
início da década de 1970, na Filadélfia, com alguns gra-
A Land art surge em finais dos anos 1960 buscando novos fiteiros pioneiros da região, e alguns anos depois ganha
materiais, temas e lugares para a prática artística. Os artis- notoriedade em Nova York. A princípio o grafite se con-
tas desse movimento irão explorar o potencial da paisa- centrava na produção de “marcas”, que consistiam em
gem e do meio ambiente tanto por seus materiais quanto um pseudônimo resumido inscrito em qualquer superfície
por sua localização. A principal ideia era: ao invés de sim- pública disponível.
plesmente representarem a natureza, ela agora faria parte
Em momento posterior, as marcas evoluíram para “peças”,
da obra.
que eram ilustrações caligráficas grandes e extremamente
Os primeiros artistas da Land art foram americanos. Pos- complexas, feitas com o uso de latas de tinta spray e cuja
teriormente, esse modelo estético se difundiu por outros principal mídia, se não única, era o sistema de transporte
países da Europa. As obras realizadas consistiam em escul- público, principalmente o metrô de Nova York.
turas de monumentos feitas com a própria natureza.
No início dos anos de 1980, as autoridades da cidade de
Nova York empreenderam uma “batalha” contra o que
elas chamavam de “os vândalos” grafiteiros. Ao mesmo
tempo, já existiam algumas galerias de arte que passa-
vam a olhar com mais cuidado as produções de artistas
como Dondi White, Keith Haring e Jean-Michel Basquiat.
A partir dos anos 1990 o grafite começa a se consolidar
cada vez mais como arte de rua, especialmente quando
passa a incorporar novas matrizes a sua produção, como
Robert Smithson – Quebra-mar em espiral (1970) – Earthwork. adesivos, cartazes e estênceis (como vemos nas obras mais
recentes do artista Bansky). Mais recentemente vemos o
A obra de Robert Smithson consiste numa espécie de cal-
grafite também atrelado à técnicas de caligrafia, metalur-
çada em espiral feita com pedras de basalto negro e terra
gia e exploração de folclore.
que avança para dentro do Grande Lago Salgado de Utah.
Em alguns momentos de sua história, a obra ficou encober-
ta por conta da subida das marés. Quando voltou à tona,
estava coberta de sedimentos brancos de sal, como os que
vemos na imagem.

Dondi White – Filhos da sepultura novamente, parte 3 (1980) – Grafite.

Acima, uma das obras mais antigas do grafite, de Dondi


White, preservada em um mural que está ao lado de uma
linha de transporte ferroviário em Nova York. Segue o pa-
drão das tags, que são as letras estilizadas formando o pri-
Nancy Holt – Túneis do Sol (1973 – 1976) – Concreto. meiro nome do artista.

51
As obras apresentam maior crença na tecnologia, grande
rigor geométrico, e na matemática, estruturando ritmos e
relações. O desenho das obras é preciso, feito com régua
e compasso, e utilizam, tanto no suporte, quanto na maté-
ria prima, materiais industrializados produzidos em série,
como ferro, alumínio, tinta esmalte, entre outras.
A arte concreta se desenvolveu bastante nos campos da
escultura e da arquitetura, como veremos a seguir:

Jean-Michel Basquiat – Cavalgando com a morte (1988)


- Acrílico e tinta de óleo em barra sobre linho.

Max Bill – Unidade tripartida (1948 – 1949) – Metal.

Bansky – Mural grafitado com estêncil de um trabalhador


removendo pinturas rupestres históricas (2008) – Mural.

Acima, vemos obras de dois importantes artistas da Arte


urbana: a primeira, de Jean-Michel Basquiat, mostra a
grande qualidade e inventividade do artista. A segunda, de
Bansky, apresenta uma crítica do artista aos apagamentos
da arte feitos por agentes estatais.

12. Arte contemporânea


no Brasil Franz Weissmann – A torre (1957) - Ferro

No Brasil, a arte contemporânea também seguiu as tendên- Nas duas obras acima, vemos esculturas que seguem a ideia
cias que vimos nas escolas anteriores. Encontramos, às vezes, colocada pela estética concreta, de se trabalhar com materiais
estéticas mais definidas (vinculadas a um estilo determina- industrializados e objetos esculturais que apresentam forma-
do); e em outros momentos encontramos cruzamentos esté- tos geométricos perfeitos, trabalhados com pleno equilíbrio.
ticos. Vejamos um pouco do que se produziu nesse período.

12.1. Arte concreta (1950-1960)


Entre os anos 1950 e 1960, durante o governo de Jusceli-
no Kubitschek, o Brasil começa a apresentar grande cresci-
mento econômico e avanços no campo da industrialização
(que geraram aspirações em relação ao trabalho) e tam-
bém no da comunicação. A partir desses avanços, a arte
concreta busca uma maior integração do trabalho de arte
com a ideia de produção e avanço industrial. Oscar Niemeyer – Palácio da Alvorada (1957 – 1958) – Arquitetura.

52
As formas geométricas equilibradas também fizeram parte dos
projetos arquitetônicos do período, como vemos na imagem
acima, do Palácio da Alvorada (moradia presidencial). As co-
lunas do prédio são refletidas no espelho d’água de modo a
criar uma composição de imagens bastante simétricas entre si.

12.2. Arte neoconcreta (1960-1970)


A arte neoconcreta surge em meio ao início da tensão políti-
ca e cultural que toma o país, além do início do regime militar
Helio Oiticica - Metaesquema (1958) – Guache sobre cartão.
no país. Seu projeto estético visava denunciar o excesso de
dogmatismo da estética anterior (concretismo), fazendo arte Segundo Oiticica, essas pinturas geométricas são importan-
segundo “receitas preestabelecidas”, e que terminavam - ao tes por apresentarem um conflito entre o espaço pictórico (a
invés de integrar a arte na vida - submetendo-a a um esque- imagem em si) e o espaço que o artista chamava de “extra-
ma de produção de potencial crítico e artístico quase zero. -pictórico” (a parte de interação do espectador). Isso porque,
se olharmos para elas por longo tempo, de modo concen-
O Manifesto Neoconcreto, apoiando-se na filosofia de
trado, temos uma leve sensação de movimento na imagem,
Merleau-Ponty, recuperava o humano, reabilitando o sensí-
que envolve o espectador. Isso, de acordo com o Oiticica,
vel, procurando-o fazer fundamento de um conhecimento
seria o prenúncio de uma posterior superação do quadro.
real. Tinha a intenção de revitalizar o relacionamento do
sujeito com seu trabalho. Nesse período, destacam-se as
obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Hélio Oiticica – Penetráveis (1967) – Instalação.


Helio Oiticica – Parangolé (1967) - Vestimenta
É um espaço em forma de labirinto no qual o espectador
O Parangolé é uma espécie de capa que se veste, com textos,
entra e, nele, passa por experiências sensoriais referentes
fotos, cores e que serve, conforme descrição do autor, como
ao tato, olfato, audição, e até paladar, além da experiência
“uma Obra-ação-multisensorial”. Trata-se de um projeto
visual. Não é uma obra de arte para ser apenas observada,
que explora a cultura popular, performance e participação
sua proposta é ser vivenciada. do espectador em uma ação que também é política, tendo
em vista o teor das mensagens que compõem a vestimenta.

Helio Oiticica - Bilaterais (1967) – Instalação

Em Bilaterais, o artista faz uso de várias tonalidades de


amarelo e laranja, sugerindo o fluxo contínuo de uma cor
à outra. Essa transição faz da obra o que ele chama de
cor-tempo, conferindo a ela uma existência psíquica. Lygia Clark – Os bichos (1965) – Metal polido.

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Os bichos são placas de metal polido unidas por do-
bradiças, que lhe permitem a articulação. As obras são
inovadoras: encorajam a manipulação do espectador,
que conjugada à dinâmica da própria peça, resulta em
novas configurações.

Amilcar de Castro – Sem título (1978) – Chapa de ferro.

As obras esculturóricas de Amilcar de Castro tem como


projeto base realizar “dobras” em figuras geométricas.
Trata-se de chapas de ferro com geometria, a princípio,
perfeita, mas em seguida a peça sofre por parte do artista
um corte preciso que permite uma “dobra” que quebra a
lógica e o racionalismo matemático da figura.

Lygia Clark – Obra mole (Trepantes) (1964) – Borracha.

Os Trepantes são um projeto de Lygia Clark que tentam


alcançar novos patamares de interação com o espectador
e com o espaço. Trata-se de recortes espiralados em metal
ou em borracha, como que, pela maleabilidade, podem ser
apoiados nos mais diferentes suportes ocasionais como
troncos de madeira ou escada. Nesse sentido, temos um
Oscar Niemeyer – Museu de Arte Contemporânea
objeto artístico que poderia ser colocado e adaptado a (RJ) (1996) – Arquitetura.
qualquer tipo de suporte, sem necessariamente ter de ser
colocado no interior de um museu. O Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Rio de Janeiro
usa as linhas de sua forma para interagir com a paisagem
12.3. Outras experiências (reparar no modo como os morros estão alinhados com as
dimensões da estrutura). Além disso, a estrutura apresenta
contemporâneas (pós-1970) um formato de linhas circulares que nos dá a impressão de
As produções artísticas mais recentes do Brasil preservam que o prédio sai do chão como um flor.
a integração entre o espectador e a obra. Para isso, os ar-
tistas se valem do acúmulo das várias experiências que
ocorreram fora do país e que vimos no começo dessa aula.
Entre as várias bases estéticas, vemos a apropriação de
materiais do cotidiano, com proposta de releitura de ob-
jetos utilizados, e ruptura com os suportes tradicionais
(destacando-se, mais uma vez, a escultura e a arquitetu-
ra). Outro ponto importante, é a exteriorização da obra de
arte (ela não se refere apenas a museus, mas busca ou-
tros espaços). Também temos uma resistência ao excesso
de racionalismo visto no concretismo. Mais recentemente,
ela também passa a se apropriar de discursos identitários Cildo Meireles – Inserção em circuitos ideológicos
(minorias e margens). (1970) – Garrafas de vidro e silk screen.

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Em plena ditadura militar, o artista plástico Cildo Meireles
aplicava decalques em silk-screen em garrafas retornáveis
de Coca Cola que, então, voltavam à circulação com men-
sagens que questionavam o regime militar, ou mesmo com
instruções para fazer um coquetel molotov. No entanto,
essas mensagens só podiam ser lidas quando as garrafas
saiam cheias da fábrica e voltavam ao público. Esse tipo
de projeto já ultrapassa a própria ideia de participação do
espectador e adentra, como o próprio nome da obra revela,
um campo ou circuito ideológico, apresentando caráter de
intervenção política. Cao Guimarães – Gambiarras (2008)

As duas imagens acima fazem parte de uma série do artis-


ta plástico Cao Guimarães, chamada Gambiarras e Mestres
de Gambiarra. Por meio dessa série, o artista demonstra a
capacidade de improvisação dos brasileiros em conjunto
com a simplicidade do espaço urbano. Tudo isso é alcança-
do por meio de uma releitura/reutilização de objetos que
ganham novos significados.

Cildo Meireles – Torre de Babel (2002) – Rádios.

Na obra acima, o artista compõe uma torre de rádios em Vik Muniz – Che (feijão e geléia) – 2000
que todos estão ligados em estações diferentes. Ao se
aproximar da torre, pode-se distinguir o que cada um dos
rádios está tocando. Música, notícias, conversa com os ou-
vintes. O caos começa a ganhar forma. O título “Babel”
reporta-se ao episódio bíblico da Torre de Babel, que teria
sido, segundo o mito, a causa primeira de todos os conflitos
entre agrupamentos humanos.

Vik Muniz – Monalisa (geléia de uva e manteiga de amendoim) 1999

Nascido na pobreza de São Paulo e passando a ser o artista


mais famoso do Brasil internacionalmente, Muniz reutiliza
Cao Guimarães – Gambiarras (2008) materiais cotidianos para apropriações intrincadas e em
camadas de obras de arte canônicas. Entre suas muitas
obras, Muniz recriou Warhol em diamantes, da Vinci na
manteiga de amendoim e geleia, e mesmo obras-primas
neoclássicas a partir de lixo retirado do maior aterro do
Brasil. Existe, desse modo, um projeto de recriação parodís-
tica de outras obras.

Ernesto Neto – Dengo (2010)

Ernesto Neto – Anthropodino (2009)

As esculturas apresentam alusões ao corpo humano no


tecido que se assemelha à epiderme e nas formas sinu-
osas que se estabelecem no espaço. No final da década
de 1990, Ernesto Neto passa a elaborar as “naves”, es-
truturas de tecido transparente e flexível, que podem ser
penetradas pelo público

56
mas que muitos artistas talvez não quisessem perder tempo
AULA 22 em registrar (como a faca de corte de palha enterrada a fren-
te do monte). Há também uma preocupação em apresentar
áreas geométricas, como vemos com a escada e sua sombra
b) Primeiros testemunhos fotográficos
Já na segunda metade do século XIX encontramos regis-
tros fotográficos que testemunhavam grandes eventos
LEITURA DE IMAGENS como encontros, batalhas ou descobertas científicas.

VII: FOTOGRAFIA

COMPETÊNCIAS: 1, 6 e 8

HABILIDADES: 1, 3, 4, 18, 19, 25 e 27


Roger Fenton – Vale da sombra da morte (1855)

Nessa imagem, Roger Fenton registra, durante a Guerra da


Criméia, um trecho de vale no qual, em toda sua extensão,
Como comentamos na aula de Arte moderna, a fotografia podemos visualizar balas de canhão e projéteis espalha-
surge no ano de 1839, a partir de uma patente mecânica dos. A foto nos dá a sensação de que seria quase impossí-
criada por Louis Jacques Daguere (o daguerreótipo). A partir vel passar pelo local sem pisar em algum fragmento.
daí, o aparelho fotográfico foi sendo cada vez mais evoluí- c) Instantaneidade e efeito
do e trabalhado a partir de perspectivas variadas que foram
compreendidas pelos especialistas em arte como momen- Uma das grandes dimensões estéticas do início da fotogra-
tos/escolas distintas. Nosso objetivo aqui é conhecermos fia consistia em tentar, dentro das limitações do aparelho,
algumas dessas vertentes que nos auxiliarão na resolução criar imagens de tons mais naturalistas, que dessem uma
de questões que envolvam conhecimentos mais detalhados real dimensão de registros da natureza, especialmente no
sobre características fotográficas de determinadas épocas. que diz respeito aos usos de luz.

1. Fotografia no século XIX


a) Imagens no daguerreótipo
As primeiras imagens no daguerreotipo, embora simples,
muitas vezes forma manipuladas de modo a conseguir
perspectivas estéticas mais profundas.

Gustave Le Gray – A gande onda, Sète (1856 – 1859)

Na fotografia acima, Gustave Le Gray tenta captar um


registro do céu e do mar sob condições de luz variáveis,
revelando-os em seguida no mesmo papel, afim de criar
uma imagem que respeitasse uma condição de luz mais
naturalista. Ou seja, a imagem que vemos é o resultado de
uma junção de várias fotografias.
William Henry Fox Talbot – O palheiro (1844) d) Fotografia e ciência
Nessa imagem, o autor tenta explorar os detalhes que contri- Entre meados e fins do século XIX, um número cada vez
buem para a verossimilhança e a realidade da representação, maior de cientistas se voltou para a fotografia a fim de

57
documentar fenômenos e eventos naturais, assim como ob- primeira metade do século XX nos mostra as primeiras ten-
servar humanos e animais e suas relações de movimento. tativas de amadurecimento estético do gênero.
a) Trabalho mais cuidadoso com a imagem

Etienne-Jules Marey – Estudo cronofotográfico de


um homem saltando com vara (1890 - 1891)

A foto acima nos mostra a técnica da cronofotografia, que


consistia no uso de um aparelho fotográfico mais moderno
capaz de captar 10 imagens por segundo em uma placa
fotográfica, o que permitia aos estudiosos verificar detalhes
de movimento como na imagem acima.
e) Ruas e sociedade
A partir do momento em que começam a se tornar mais
“portáteis”, as câmeras fotográficas passam a ser utiliza-
das pelos artistas para registrar as mazelas sociais, resulta-
do da intensificação das desigualdades sociais na Europa Herbert Ponting – Gruta num iceberg, o Terra nova a distancia (1911)
da segunda metade do século XIX.
Vemos que a imagem de Herbert Ponting já explora rela-
ções de forma e profundidade, além de uma atenção bem
específica para a questão da entrada de luz no espaço.
Também o cuidado “temporal” de fazer o registro no exato
momento em que um barco passa ao fundo.
b) Registro de guerra
O trabalho fotográfico passa a fazer parte do registro de
guerras na primeira metade do século XX. Os registros, até
hoje marcantes, nos dão uma dimensão do absurdo e da
violência que envolvem esses acontecimentos

Jacob Riis – Inquilinos de um cortiço na Bayard


Street, cinco centavos a vaga (1889)

A fotografia acima faz parte de uma importante série do


fotógrafo Jacob Riis, chamada “Como vive a outra meta-
de” (que, posteriormente, virou livro). Nessa série, o artista
registra as dificuldades enfrentadas por trabalhadores po-
bres, especialmente imigrantes, que dormiam amontoados
em pequenos alojamentos a fim de preservar postos de
trabalho exploratórios. Robert Capa – Morte de um miliciano legalista (1936)

2. Fotografia da primeira Essa foto de Robert Capa até hoje passa por certos ques-
tionamentos a respeito de sua veracidade: isso porque ela
metade do século XX seria um registro do exato momento em que um soldado
em campo de batalha, que havia parado para posar para
A fotografia da era moderna esteve muitas vezes próxima uma foto, teria sido atingido por um tiro. Muitos questio-
das estéticas que estudamos na pintura. A fotografia da nam se a foto seria real ou se teria sido forjada.

58
c) Experimentação e abstração Novamente, temos uma imagem do artista Man Ray, que
além de ter atuado em produções abstracionistas, realizou
As perspectivas do abstracionismo também alcançaram
essa curiosa foto surrealista em que se temos um nu femini-
a fotografia. Na tentativa de amadurecer o gênero este-
no, associado aos ouvidos (os furos) do violino. Uma imagem
ticamente, surgiram registros fotográficos que distorciam
que objetiva a total quebra de parâmetros de racionalidade.
a figuração.
e) Fotografias de rua
As fotografias de rua colocavam em prática a ideia do “ins-
tantâneo”, que consistiam em fotografias que registravam
momentos muito particulares do cotidiano em enquadra-
mentos muitas vezes específicos ou inusitados.

Man Ray – Rayografia (ou Rayograma) (1922)

Os Rayogramas de Man Ray consistem fotografias de ob-


jetos nas quais o artista move o objeto fotografado, alte-
rando seu tempo de exposição e sua condição de ilumina-
ção. Desse modo, sua figuração, embora perceptível, não é
100% clara.
d) Surrealismo Henri Cartier-Bresson – Atrás da Gare St. Lazare, Paris (1932)

O surrealismo também teve parte de sua atuação vinculada Essa foto faz parte da série “momentos decisivos” de Henri
à fotografia. A mesma perspectiva do sonho e do absurdo Cartier-Bresson, que consiste em realizar registros de mo-
que víamos na pintura também encontraremos na fotografia. mentos cotidianos de modo que eles possuam, também
enquadramentos geométricos, dando um caráter estético
a uma imagem de rua.

3. Fotografia da segunda
metade do século XX
até os dias atuais
Na segunda metade do século XX, até nossos dias, a foto-
grafia apresenta grandes avanços, e em alguns momentos
seguirá mais próxima de perspectivas que vemos na pintu-
ra; em outros, apresentará características mais particulares.
a) Performance e participação
A fotografia também explorou, assim como a pintura, pers-
pectivas relacionadas ao espectador participante em rela-
Man Ray – O violino de Ingres (1924) ções que envolviam performances.

59
Gillian Wearing – Cartazes que dizem o que você quer que eles digam e não cartazes que dizem o que outra pessoa quer que você diga (1992 – 1993)

As imagens acima fazem parte de uma série desenvolvida As séries em preto e branco de Sebastião Salgado docu-
pela fotógrafa inglesa Gilliam Wearing, na qual pedia para mentam momentos da fragilidade humana. No caso, os
pessoas que ela abordava na rua para que anotassem em indivíduos empobrecidos que se deslocavam como num
um papel aquilo que passava por suas cabeças e, em segui- formigueiro nas minas de exploração de minérios de Serra
da, posassem para uma foto exibindo o cartaz. Pelada.
b) Documentário c) Paisagem alterada pelo homem
A fotografia também explorou as relações que documen- A fotografia também atendeu a demandas relacionadas a
tam grandes problemas sociais. Em geral, são fotografias denúncias sobre degradação do meio ambiente; denúncias
marcas por forte intencionalidade, com objetivo de promo- essas que, muitas vezes, geraram fotografias memoráveis.
ver uma conscientização pelo choque.

Kevin Carter – Sudão (1993)

Acima, temos uma aterrorizante foto de Kevin Carter, em


que ele registra uma criança faminta sendo espreitada por
um abutre que aguarda seu desfalecimento para ataca-la.

Pieter Hugo – Erro permanente (2010)

A série de fotografias Erro permanente, do artista sul afri-


cano Pieter Hugo, demonstra as consequências ambientais
que acompanham a obsolescência programada da tecno-
logia digital contemporânea. A obra foi feita no mercado
Agbogbloshie, um depósito de lixo em Gana, que recebe
17% da tecnologia indesejada do mundo
d) Fotografia e globalização
Muitos artistas também discutiram as consequências (positi-
Sebastião Salgado – Mina de ouro, Serra pelada, Brasil (1986) vas e negativas) da globalização no mundo contemporâneo.

60
Wang Qingsong – Siga-me (2003)

Na imagem acima, o artista chinês Wang Qingsong realiza


uma fotografia em que vemos um professor diante de um
quadro exibindo imagens em inglês e mandarim, e muitos
símbolos da cultura ocidental (como McDonald’s, Nike e
Coca-Cola) que demonstram o domínio da cultura consu-
mista ocidental.
e) Rebelião e conflito
Também foram realizados importantes registros a respeito
de rebeliões e conflitos (e suas consequências) que abala-
ram o mundo na segunda metade do século XIX.

Joel Meyerowitz – De depois: arquivo do World Trade Center (2001)

Joel Meyerowitz documentou a destruição causada pelos


atentados terroristas ao World Trade Center, em setembro
de 2001, e os trabalhos de recuperação no Marco Zero,
em Manhattan.

61
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

O ENEM exige que o aluno tenha conhecimen- A maior parte das questões de literatura dessa
to a respeito das diferentes escolas literárias. prova se refere às obras de leitura obrigatória.
Neste caderno, você encontra algumas ques- Neste livro, encontram-se alguns exercícios
tões sobre Modernismo e Literaturas africanas, a respeito do Modernismo e de Literaturas
além de exercícios a respeito de Literatura africanas, conteúdo que está associado a
de 60 a 80, conteúdo recorrente algumas das leituras exigidas por
nesse exame. esse exame.

A maioria das questões de literatura da Uni- A Unifesp não contém uma lista obrigatória de Como a Unesp não possui uma lista obriga-
camp refere-se às obras de leitura obrigatória. livros, desse modo, as questões contemplam o tória de livros, as questões contemplam o
Neste livro, estão presentes questões sobre conhecimento das escolas literárias, bem como conhecimento acerca das escolas literárias,
Modernismo, Pós-Modernismo e Literaturas de seus principais representantes. Neste livro, bem como de seus principais representantes.
africanas. estão presentes questões sobre as estéticas Neste livro, estão presentes questões sobre
modernista, marginal, concretista, Modernismo, Pós-Modernismo e
entre outras. Literaturas africanas.

Parte das questões de literatura dessa prova Na prova da FMABC, as questões avaliam o Como a PUC-Camp não possui uma lista A prova da Santa Casa exige seus conheci-
se baseia nas obras de leitura obrigatória da conhecimento do aluno acerca dos diferentes obrigatória de livros, as questões contemplam mentos acerca dos movimentos literários no
FUVEST. Neste livro, encontram-se alguns gêneros literários e das escolas literárias o conhecimento acerca dos diferentes gêneros Brasil e em Portugal. Neste livro, estão presen-
exercícios sobre Modernismo, Literatura brasileiras, bem como de seus principais literários e das escolas literárias. Este livro con- tes questões sobre as estéticas modernista,
Pós-Modernismo e Literaturas africanas. representantes. tém exercícios sobre as estéticas modernista, marginal, concretista, entre outras.
marginal, concretista, entre outras.

UFMG

A maior parte das questões de literatura da UEL A maioria das questões de literatura da UFPR A faculdade de Ciências Médicas de MG
se refere às obras de leitura obrigatória. Neste cobram as obras de leitura obrigatória. No avalia seus conhecimentos acerca dos gêneros
livro, encontram-se alguns exercícios a respeito do entanto, para interpretar corretamente tais literários e dos movimentos literários brasi-
Modernismo e da Literatura de 60 a 80, períodos obras, é essencial conhecer bem os movimen- leiros. Neste livro, estão presentes questões
literários que estão associados a algumas das tos literários e seus principais representantes. sobre as estéticas modernista, marginal,
leituras exigidas por esse exame. concretista, entre outras.

Como a UERJ não possui uma lista obrigatória Como a Ungranrio não possui uma lista A maior parte das questões de literatura se
de livros, as questões contemplam o conheci- obrigatória de livros, as questões contemplam refere às obras de leitura obrigatória. No
mento acerca dos diferentes gêneros literários o conhecimento acerca dos diferentes gêneros entanto, também são comuns exercícios que
e das escolas literárias brasileiras, bem como literários e das escolas literárias. Este livro con- cobrem o conhecimento do aluno acerca dos
de seus principais representantes. tém exercícios que contemplam as estéticas movimentos literários em geral, bem como
modernista, marginal, concretista, de seus principais representantes.
entre outras.
LITERATURA

63
1.2. Situação dos proletários rurais
AULAS 35 E 36
Em quase todos os romances regionalistas dos anos 1930,
predomina a situação dos proletários rurais, isto é, sertane-
jos dominados por um rude esquema de trabalho sob man-
do dos grandes proprietários de terra: latifundiários que
oprimem lavradores; senhores de engenho que mantêm
MODERNISMO cangaceiros a seu serviço; grandes fazendeiros de cacau
que levam o trabalhador rural a viver em estado miserável;
NO BRASIL: 2ª flagelados da seca. Esses romances apresentam o homem
FASE – PROSA do sertão com toda sua força de homem da terra.
A relação trabalho-homem é tema presente na literatura
regionalista dos anos 1930, como neste trecho da obra
Cacau, do escritor baiano Jorge Amado:
COMPETÊNCIAS: 4e5
[...] Nove horas da noite e o silêncio enchia tudo e a gente
se estirava nas tábuas que serviam de cama e dormíamos
HABILIDADES: 12, 13, 14, 15,16 e 17
um sono só, sem sonhos e sem esperanças. Sabíamos que
no outro dia continuaríamos a colher cacau para ganhar
três mil e quinhentos que a despensa nos levaria.
Ninguém reclamava. Tudo estava certo. A gente vivia quase
1. Características do romance fora do mundo e a nossa miséria não interessava a ninguém.
A gente ia vivendo por viver. Só muito de longe surgia a ideia
regionalista dos anos 1930 de que um dia aquilo podia mudar. Como, não sabíamos.
E nas nossas vidas sem amor (existe lá amor nas fazendas
de cacau...) tínhamos momentos de nostalgia. O amor te-
ria sido feito somente para os ricos? [...]
AMADO, Jorge. Cacau. 50 ed. Rio de Janeiro: Record,1996.

1.1. Um Realismo crítico


Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Rachel
de Queiroz e Erico Verissimo formam o elenco de escritores
que inaugurou, no século XX, a linha do Realismo crítico,
representando problemas gerais do Brasil e outros especí-
1.3. Linguagem regional
ficos de determinadas regiões. Foi grande a preocupação dos romancistas regionalistas
com a reprodução da linguagem regional típica. As con-
O movimento em questão em nada se relacionava ao
quistas linguísticas ocorridas no primeiro tempo moder-
mero pitoresco regional ou às situações folclóricas parti-
nista proporcionaram a utilização de uma linguagem que
culares de cada local. Trata-se de uma literatura que traz
reproduzisse a fala brasileira. Assim, há grande aproveita-
para a reflexão problemas sociais marcantes do momen-
mento do vocabulário próprio de cada região, dando um
to em que as obras foram escritas. Destinado a provocar
colorido diferente a essa literatura de caráter social.
a conscientização, o romance regionalista tem como pro-
posta criticar para denunciar uma questão social, contri- “Entravam na limpa do partido da várzea. O eito bem
buindo, assim, para sua solução. pertinho do engenho. Da calçada da casa-grande viam-se

64
no meio do canavial aquelas cabeças de chapéu da palha
velho subindo e descendo, no ritmo do manejo da enxada: 2. Os regionalismos
uns oitenta homens. Para melhor compreensão da literatura regionalista
– Deixa de conversa, gente! – gritava seu José Felismino. crítica que se desenvolveu a partir dos anos 1930,
– Bota pra diante o serviço. Com pouquinho o coronel está é possível dividir a produção ficcional em vários as-
aqui gritando [...]. pectos regionalistas.
Manuel Riachão puxava o eito na frente, como uma baliza.
Era o mais ligeiro. [...] O moleque Zé passarinho reman- 2.1. Romances da seca nordestina
chando, o último eito. São aqueles cuja temática centrou-se na grande tragédia
[...] Também ganhava dois cruzados, davam-lhe a mesma cíclica nordestina, a seca. O principal enfoque dos roman-
diária das mulheres na apanha de algodão. cistas nordestinos volta-se para a figura do vaqueiro e de
sua família, flagelados no tempo da seca, expostos à incle-
– Tira a peia da canela, moleque safado! O diabo não anda!”
mência da fome e da falta de trabalho.
REGO. José Lins do. Menino de engenho. Rio
de Janeiro: José Olympio,1997. Um quadro comum aos romances regionalistas da seca é o
retirante, andando com seus familiares em busca de abrigo
e de comida, cena que aparece tanto em O quinze, de Ra-
chel de Queiroz, como em A bagaceira, de José Américo de
Almeida, e, sobretudo, no eixo do já clássico Vidas secas,
de Graciliano Ramos.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Menino de engenho
Paraíba, 1920. Após a morte da mãe, o menino Carlin-
hos (Sávio Rolim) é enviado para o engenho Santa Rosa
para ser criado pelo avô e pelos tios. Lá, ele testemunha
a chegada de um novo tempo, com o advento das mod-
ernas usinas de açúcar e as transformações econômi-
cas e sociais pelas quais passa a produção canavieira,
mudanças que irão afetar a vida de todos. Quando ele
cresce e vai para o colégio, já não é mais o garoto ingên- Xilogravura de J. Borges, autor de folhetos de
uo e inocente que chegou no engenho. cordel e ilustrador. Bezerros, PE.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Vidas secas
Uma família miserável tenta escapar da seca no sertão
nordestino. Fabiano (Átila Iório), Sinhá Vitória (Maria Ri-
beiro), seus dois filhos e a cachorra Baleia vagam sem
destino e já quase sem esperanças pelos confins do inte-
rior, sobrevivendo às forças da natureza e à crueldade dos
homens. Adaptação da obra de Graciliano Ramos.

65
Do mesmo modo, há o poder armado, representado,
de um lado, pela polícia oficial e, de outro, pelo can-
gaço e pelos jagunços, trabalhando pelo senhor das
terras ou pelo banditismo particular. Um quadro ma-
gistralmente representado nos romances de José Lins
do Rego, cujo conjunto da obra mapeia todo o ciclo da
multimídia: vídeo cana-de-açúcar no Brasil.

VIDAS SECAS - Graciliano Ramos (análise)


Fonte: Youtube
2.3. Romances baianos
Romances em torno da mística Bahia, com o seu povo
miscigenado e devoto das religiões afro-brasileiras, como
2.2. Romances do ciclo da o candomblé e a sua cozinha típica, o seu apego ao mar,
cana e do cangaço a sua sensualidade.
São aqueles centrados no desenvolvimento e decadência Essa vertente é representada com grande ênfase pelo ro-
da sociedade patriarcal canavieira e no marginalismo can- mancista Jorge Amado, cuja obra é verdadeiro itinerário
gaceiro, realçando os papéis de grupos sociais bem defini- das regiões baianas, com destaque para Ilhéus, dedicado
dos: o da classe dominante, representado pelos senhores ao ciclo do cacau, e Salvador.
de engenho; bem como o da classe dominada, representa-
do pelo trabalhador rural oprimido.

Oxalá. Óleo sobre tela, 59 x129 cm. 1965. Carybé.

2.4. Romances do Sul

São narrativas armadas em torno da colonização do Rio Grande do Sul, seu passado histórico, as guerras entre fronteiras e o estabe-
lecimento de uma sociedade marcadamente arraigada à terra. Representa essa tendência Erico Verissimo, cuja obra é um verdadeiro
mapeamento da região do extremo Sul do Brasil.
Quadro geral do regionalismo dos anos 1930
autores obra principal região/assunto
José Américo de Almeida A bagaceira Sertão nordestino/seca
Rachel de Queiroz O quinze Sertão nordestino/seca
Graciliano Ramos Vidas secas Sertão nordestino/seca
José Lins do Rego Fogo morto Sertão nordestino/engenho e cangaço
Jorge Amado Gabriela, cravo e canela Sertão nordestino/cacau, religião e amor
Erico Veríssimo O tempo e o vento Pampa gaúcho e cidade/colonização, história
e dramas urbanos

66
3. Romancistas principais – Chico, eu não posso mais... Acho até que vou morrer.
Dá-me aquela zoeira na cabeça!

3.1. Rachel de Queiroz Chico Bento olhou dolorosamente a mulher. [...] A pele,
empretecida como uma casca, pregueava nos braços e nos
peitos, que o casaco e a camisa rasgada descobriam.
A saia roída se apertava na cintura em dobras sórdidas; e
se enrolava nos ossos das pernas, como um pano posto a
enxugar se enrola nas estacas da cerca.
Num súbito contraste, a memória do vaqueiro confu-
samente começou a recordar a Cordulina do tempo do
casamento.
Rachel de Queiroz (1910-2003) publicou O quinze, em
Viu-a de branco, gorda e alegre, com um ramo de cravos no
1930, e com esse romance ganhou o prêmio Graça Aranha
cabelo oleado e argolas de ouro nas orelhas... [...]
de Literatura.
Dedicou-se ao jornalismo e à tradução. Militou durante al- Lentamente o vaqueiro voltou as costas; cabisbaixo, o
gum tempo junto à esquerda política. A terra e a tradição Pedro o seguiu.
nordestina eram, no entanto, os pontos mais altos de sua E foram andando à toa, devagarinho, costeando a margem
preocupação humanista. da caatinga.
Após forte militância política no Nordeste, Rachel de Quei- Às vezes, o menino parava, curvava-se, espiando debaixo
roz mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1932. Em 1977, dos paus, procurando ouvir a carreira de algum tejuaçu
tornou-se a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Aca- que parecia ter passado perto deles, mas o silêncio fino
demia Brasileira de Letras. do ar era o mesmo. [...]
A obra de Rachel de Queiroz traz para a literatura brasileira
De repente, um bé!, agudo e longo, estridulou na calma. E uma
a linha da reportagem sociorregional, sob o impacto da ex-
cabra ruiva, nambi, de focinho quase preto, estendeu a cabeça
periência pessoal. O homem simples, o retirante e as tensões
por entre a orla de galhos secos do caminho, aguçando os ru-
geradas pela falta de perspectiva de melhoria de vida inspi-
dimentos de orelha, evidentemente procurando ouvir, naquela
raram histórias de indisfarçável cunho político, apontando a
distensão de sentidos, uma longínqua resposta a seu apelo.
impotência do nordestino frente aos problemas do sertão.
A grande seca de 1915 inspirou O quinze, que focaliza Chico Bento, perto, olhava-a, com as mãos trêmulas, a gar-
a perplexidade de uma jovem com 18 anos em face do ganta áspera, os olhos afogueados.
flagelo. Preocupada com o papel da mulher na sociedade O animal soltou novamente o seu clamor aflito. Cauteloso,
moderna, Rachel situa-a no ambiente sociogeográfico do o vaqueiro avançou um passo.
Nordeste. Sua linguagem neorrealista, fluente e dinâmica
E de súbito em três pancadas secas, rápidas, o seu cacete
imprime à sua narrativa grande agilidade.
de jucá zuniu; a cabra entonteceu, amunhecou, e caiu em
Em João Miguel, seu segundo livro, faz coexistir o ângulo cheio por terra.
social com o psicológico. Mas é com o romance Caminho
de pedras, publicado em 1937, que ela alcança sua matu- Chico Bento tirou do cinto a faca, que de tão velha e tão gas-
ridade de escritora engajada politicamente. ta nunca achara quem lhe desse um tostão por ela. Abriu no
animal um corte que foi de debaixo da boca até separar ao
Diante da enorme censura do período Vargas, Rachel de
meio o úbere branco de tetas secas, escorridas. Rapidamente
Queiroz abandonou paulatinamente o romance de cunho
iniciou a esfolação. A faca afiada corria entre a carne e o cou-
político, enveredando pela linha psicológica que caracteriza
ro, e, na pressa, arrancava aqui pedaços de lombo, afinava ali
As três Marias.
a pele, deixando-a quase transparente. [...]
O registro do êxodo rural e das amarguras da seca é uma
Um homem de mescla azul vinha para eles em grandes
constante na obra de Rachel de Queiroz.
passadas.
Trecho do romance O quinze, de Rachel Queiroz Agitava os braços em fúria, aos berros:
Capítulo 12 – Cachorro! Ladrão! Matar minha cabrinha! Desgraçado!
[...] Cordulina, que vinha quase cambaleando, sentou-se Chico Bento, tonto, desnorteado, deixou a faca cair e, ainda
numa pedra e falou, numa voz quebrada e penosa: de cócoras, tartamudeava explicações confusas.

67
O homem avançou, arrebatou-lhe a cabra e procurou – Mãe Nácia, eu digo como a heroína de um romance que
enrolá-la no couro. li outro dia: ”Não sei amar com metade do coração...” Ao
Dentro da sua perturbação, Chico Bento compreendeu que a avó respondia, aborrecida:
apenas que lhe tomavam aquela carne em que seus olhos – Pois vá-se guiando por heroína de romance, e depois não
famintos já se regalavam, da qual suas mãos febris já ti- acabe tísica...
nham sentido o calor confortante. [...]
Mas apesar de censurar os exageros da neta, seu coração de
Capítulo 18 velha avó todo se confrangia e mortificava com a mortanda-
Sentado na salinha da Rua de São Bernardo, o velho cha- de horrorosa que aquele novembro impiedoso ia espalhan-
péu entre as pernas, uma tira áspera de cabelos cobrindo do debaixo dos cajueiros do Campo. E sua bolsa de couro
os olhos, Chico Bento conversava com Conceição e a avó preto já estava com a mola gasta de tanto fechar e abrir.
sobre o futuro, o seu incerto futuro que a perversidade de tejuaçu: teiú, um tipo de lagarto.
QUEIROZ, Rachel de. O quinze. Rio de Janeiro: José Olympo, 1976.
uma seca entregara aos azares da estrada e à promiscuida-
de miserável dum abarracamento de flagelados.
Tristemente, contou toda a sorte sofrida e as consequentes
misérias. [...]
O vaqueiro continuou a falar, no mesmo jeito encolhido,
estirando apenas, uma vez ou outra, o braço mirrado, para
vergastar o ar numa narrativa de miséria mais sentida, ou
de desespero mais pungente... multimídia: vídeo
Depois era a fuga do ladrão, e aquela noite na estrada em Fonte: Youtube
que a mulher, estirada no chão, com o Duquinha de ban- O quinze
da, todo o tempo arquejou, variando, sem sentidos, como Baseado na obra de Rachel de Queiroz, o filme se passa no
quem está pra morrer. sertão central do Ceará em 1915. Ao passar as férias na fa-
E ele de cócoras, junto dela, com os dois outros meninos agar- zenda se sua avó em Quixadá, a professora Conceição (Ka-
rados nas pernas, não teve forças nem de se mexer, de caçar rina Barum) convive que com os problemas da seca e se en-
um recurso, nem de, ao menos, tentar descobrir um rancho... volve com seu primo Vicente que é fazendeiro. Enquanto isso,
Agora, felizmente, estavam menos mal, o de que carecia era Chico Bento (Jurandir Oliveira), vaqueiro na fazenda de dona
arranjar trabalho; porque a comadre Conceição bem via que Marocas, se vê obrigado a negociar seu rebanho com Vicente
o que davam no Campo mal chegava para os meninos. e seguir com sua família rumo a Fortaleza, enfrentando as
dificuldades do percurso.
Conceição concordou:
– Eu sei, eu sei, é uma miséria! Mas você assim, compadre,
tão fraco, lá aguenta um serviço bruto, pesado, que é só o
que há para retirante?!
Ele alargou os braços, tristemente:
– A natureza da gente é que nem borracha... Havendo
precisão, que jeito? dá pra tudo...[...]
Conceição passava agora quase o dia inteiro no Campo de multimídia: vídeo
Concentração, ajudando a tratar, vendo morrer às cente-
nas as criancinhas lazarentas e trôpegas que as retirantes Fonte: Youtube
atiravam no chão, entre montes de trapos, como um lixo São Bernardo
humano que aos poucos se integrava de todo no imundo Paulo Honório (Othon Bastos), um sertanejo de origem
ambiente onde jazia. pobre que, em uma empreitada financeira, se torna dono
Dona Inácia, as vezes que podia, acompanhava a neta nes- da decadente fazenda de São Bernardo, em Viçosa, Ala-
sa labuta caridosa, em que a moça empregava o melhor goas. Determinado a fazer fortuna e ascender socialmen-
da sua natureza. te, ele recupera a fazenda, consegue entrar para a econo-
De vez em quando, porém, a avó tinha que repreendê-la mia rural e casa-se com a professora da cidade, Madalena
por quase não comer, por sempre chegar em casa atrasada, (Isabel Ribeiro). Os problemas começam quando as dife-
por consumir todo o ordenado em alimentos e purgantes renças de Paulo e sua esposa se acentuam.
para os doentinhos do Campo; ela respondia, rindo:

68
3.2. José Lins do Rego 3.2.1. Ciclo da cana-de-açúcar
Típico filho de uma família patriarcal nordestina, José Lins do
Rego (1901-1957) centrou em sua produção literária o Nor-
deste dos engenhos, onde desde cedo viveu. Testemunhou a
decadência dos engenhos de açúcar, que cederam lugar às
usinas, em um processo de transformação social e econômica.
Em 1932, publicou o romance Menino de engenho, que
lhe deu o prêmio de romance da Fundação Graça Aranha.
Mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1935, e publicou pra-
ticamente um livro por ano: Doidinho; Banguê; O moleque
Ricardo, Usina; Histórias da velha Totônia; Pureza; Pedra Obras: Menino de engenho, Doidinho, Banguê, O moleque
bonita; Riacho doce; Água-mãe. Sua obra-prima, Fogo Ricardo, Usina e Fogo morto.
morto, foi publicada em 1943. As três primeiras narrativas estão centradas nos persona-
gens Carlos de Melo e apresentam unidade.
Fogo morto deve ser visto como romance síntese não ape-
nas do ciclo da cana-de-açúcar, mas da temática da de-
cadência que percorre os romances de José Lins do Rego.

3.2.2. Ciclo do cangaço


Obras: Pedra Bonita e Cangaceiros.
A segunda narrativa é uma espécie de continuação da primeira.

3.2.3. Romances independentes

José Lins do Rego assimilou esquemas da cultura popular


nordestina nas narrativas dos contos anônimos da tradição
oral. Associou essa forma de cultura aos padrões cultos que
aprendeu na escola, imprimindo-lhe mais densidade artística.
A orientação básica de suas produções foi retratar a
decadência das regiões produtoras de cana-de-açúcar
do Nordeste, após a abolição da escravatura. Caracteri-
zou o momento de transição do trabalho escravo para
o trabalho assalariado na vida rural nordestina. Os an-
tigos “coronéis” fazendeiros continuavam com a força Pureza, Água-mãe, Riacho doce, Eurídice e O moleque Ricardo.
política e militar, valendo-se da polícia ou dos cangacei-
ros para impor seu mando. A situação dos proletários O moleque Ricardo é um romance de caráter citadino que
rurais era crítica. focaliza as lutas proletárias do Recife. Lá ficavam os negros
que abandonaram a miséria dos engenhos pela miséria
A obra romanesca de José Lins do Rego fixa a decadência da proletária da cidade.
sociedade patriarcal, na qual o herói, solitário, vê-se dividido
entre o passado decadente e um futuro que não se afirma. Pureza apresenta um lirismo erótico que aproxima
essa narrativa de Água-mãe, Riacho doce e Eurídice.
José Aderaldo Castello dividiu a obra do escritor José Lins do Entre as “tentativas de fuga” da paisagem nordesti-
Rego em três ciclos básicos. Reproduzimos essa esquemati- na estariam esses três últimos romances, ambientados
zação, adicionando-lhe algumas observações. fora do Nordeste.

69
Trecho do romance Fogo morto,
Fogo morto de José Lins do Rego
[...]
Foi acender o candeeiro da sala de jantar. E quando trepou
na cadeira para cortar o pavio viu na porta de frente uns
homens parados na calçada. Acendeu a luz e saiu para sa-
ber o que era aquilo. Ouviu então o grito de Floripes, um
grito de desespero. Seu Lula levantou-se para ver o que era.
– O que isto, hein? O que é isto, hein?
Uma voz forte respondeu lá de fora:
– Não é nada, coronel. O negro está assombrado.
Era o capitão Antônio Silvino no Santa Fé. Os cangaceiros
cercaram a casa e o negro Floripes, amarrado, chorava de
medo.
Publicado em 1943, Fogo morto é o romance síntese do – Cala a boca, negro mofino – gritou o chefe.
ciclo da cana-de-açúcar, pois apresenta os principais te- – Hein, Amélia, quem é que está ai?
mas das produções desenvolvidas em torno do engen-
– Não é o tenente Mauricio não, coronel, pode ficar sem
ho. A decadência da sociedade patriarcal nordestina e
susto. Mande acender as luzes da casa, coronel. [...]
as ligações entre os “coronéis” (senhores de engenho)
e os cangaceiros são bem enfatizadas na obra. E voltando–se para o velho:
Dividido em três partes, na primeira ocorre o desen- – Coronel, eu sei que o senhor tem muito dinheiro.
volvimento da história de José Amaro, mestre se- – Como?
leiro, um agregado ao engenho. Homem orgulhoso – Não é preciso esconder leite, coronel. O dinheiro é seu.
e cheio de preconceitos, apoia Antonio Silvino, um Mas para que esconder?
cangaceiro, e nele busca apoio. Na segunda parte, – Capitão, aqui nesta casa não há riqueza.
destaca-se a figura do “coronel” Lula de Holanda,
– Minha senhora, eu sei que tem. Soube até que muita
um homem economicamente falido, mas que con-
moeda de ouro. Eu vim buscar um pedaço para mim. É
versa a mesma pose senhoril da época escravatura.
verdade, tenho aí estes meninos que preciso contentar.
Refugiado na religiosidade, Lula de Holanda não é
– Capitão, não há ouro nenhum.
nem aliado aos cangaceiros nem ao governo. Na
terceira parte, que integra e unifica as anteriores, [...] Depois o chefe deu as ordens.
aparece a figura de Vitorino Carneiro da Cunha, o – Vamos casvilhar tudo isso.
“Papa-Rabo”, que leva esse apelido porque costu- Estendido no marquesão, o senhor do engenho arquejava.
mava cortar o rabo dos animais. A mulher perto dele chorava, enquanto os cabras já esta-
Personagem contraditório, Vitorino Papa-Rabo acredi- vam no quarto rebulindo em tudo. Foi quando se ouviu um
ta no direito e na justiça. Coloca-se de forma ruidosa grito que vinha de fora. Apareceu o velho Vitorino, acom-
contra os poderosos e consegue, com isso, o respeito panhado de um cangaceiro:
de todos. Numa época em que ninguém se atrevia a – Capitão, este velho apareceu na estrada, dizendo que
falar, temendo a censura ditatorial do Estado Novo, queria falar com o senhor.
Vitorino levanta sua voz. – Quem é você, velho?
Outros personagens de Fogo morto são o cantador – Vitorino Carneiro da Cunha, um criado às ordens.
negro Passarinho; o “coronel” José Paulino, senhor
– E o que quer de mim?
de engenho corrupto; o temível chefe da polícia lo-
– Que respeite os homens de bem.
cal, tenente Maurício; o cego Torquato, elo entre os
cangaceiros; Adriana e Sinhá, mulheres, respectiva- – Não estou aqui para ouvir lorotas.
mente, de Vitorino e José Amaro; dona Amélia, moça – Não sou loroteiro. O capitão Vitorino Carneiro da Cunha
prendada, filha do senhor de engenho e esposa de não tem medo de ninguém. Isto que estou dizendo ao se-
Lula de Holanda. nhor disse na focinheira do tenente Mauricio.
– O que quer este velho?

70
– Tenho nome, capitão, fui batizado. vessar o rio para pegar o caminho da estação. O céu azul
– Deixa de prosa. cobria o homem que não temia os perigos. Quando a sua
– Estou falando como homem. Isto que o senhor está fa- burra cambou para a ladeira do rio, um grito estourou, qua-
zendo com o coronel Lula de Holanda é uma miséria. se que ao pé do seu ouvido:
– Cala a boca, velho. – Papa-Rabo... Papa-Rabo...
Um cangaceiro chegou-se para perto de Vitorino. Sacudiu a tabica no ar, mas não tinha força. A burra tro-
peçou na ladeira e deu com ele no chão. Uma gargalhada
– Olha, menino, estou falando com o teu chefe. Ainda não
de moleques abafou o canto dos pássaros, a gritaria dos
cheguei na cozinha.
periquitos.
– Deixa ele comigo, Beija-Flor.
– Papa-Rabo... Papa-Rabo...
– O que eu lhe digo, Capitão Antônio Silvino é o que digo
Cascavilhar: vascular
a todo mundo. Eu Vitorino Carneiro Cunha não me assusto Rebulindo: remexendo
com ninguém. (REGO, José Lins do. Fogo morto. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984).
– Para com isto, senão eu te mando dar um ensino, velho besta.
– Tenho nome. Sou inimigo político do coronel Lula, mas
estou com ele.
3.3. Jorge Amado
– Está com ele? Pega este velho, Cobra Verde.
Vitorino fez sinal de puxar o punhal, encostou-se na parede
e gritou para o cangaceiro:
– Venha devagar.
Uma coronhada de rifle na cabeça botou-o no chão, como
um fardo.
– Puxa este bicho lá para fora.
Seu Lula parecia morto, estendido no marquesão. Os ca-
bras cascavilhavam pelos quatro cantos da casa.
[...]
Vitorino apareceu na porta. Corria sangue de sua cabeça
branca.
– Estes bandidos me pagam.
– Cala a boca, velho malcriado. Pega este velho, Cobra Verde.
– Capitão, o meu primo Vitorino não é homem de regular.
O senhor não deve dar ouvido ao que ele diz.
– Não regula, coisa nenhuma. Vocês dão proteção a estes
Nascido em Itabuna, na Bahia, Jorge Amado de Faria
bandidos e é isto que eles fazem com homens de bem.
(1912-2001) passou a infância em Ilhéus, onde fez seus
– Coronel, eu me retiro. Aqui eu não vim com o intento de estudos iniciais. Filho de fazendeiros do cacau empobre-
roubar a ninguém. Vim pedir. O velho negou o corpo. cidos, desde muito cedo presenciou as lutas pela terra, e
– Pois eu lhe agradeço, capitão. a consequência social o atingiu plenamente. A amizade e
A noite já ia alta. Os cangaceiros se alinharam na porta. o convívio com trabalhadores rurais vieram a ser decisivos
Vitorino, quase que se arrastando, chegou-se e lhe disse: para sua obra.
– Capitão Antônia Silvino, o senhor sempre foi da estima do Frequentador de candomblés desde muito cedo, Jorge
povo. Mas deste jeito se desgraça. Atacar um engenho como Amado tornou-se amigo de pais de santo, perseguidos
este do coronel Lula, é mesmo que dar surra num cego. pela polícia, que os prendia e torturava. Em seus livros Ju-
– Cala a boca, velho. biabá e Tenda dos milagres, esses fatos são relatados.
– Esta que está aqui só se cala com a morte. Ligado ao Partido Comunista do Brasil, em 1945 foi eleito
[...] deputado federal por São Paulo. Mas em 1948, depois de
ter o mandato cassado, foi residir em Paris.
Nas estacas dos cercados, bando de periquitos gritavam
em festa. Os partidos do Santa Rosa eram um mar de ver- Em 1961, candidatou-se à Academia Brasileira de Letras e
dura. Gemia o canavial com a ventania. Vitorino ia atra- foi eleito por unanimidade.

71
A ditadura militar instaurada no Brasil desde 1964 acirrou- 3.3.2. Linha voltada à extração de cacau
-se a partir de 1968, quando Jorge Amado passou a ter
problemas com textos seus publicados em revistas, embora Narrativas com temática de extração do cacau nas fazen-
seus livros não fossem censurados. das de Ilhéus e Itabuna, como Terras do sem-fim, Cacau e
São Jorge dos Ilhéus.
Em 1969, publicou Tenda dos milagres e, em 1972, Teresa
Batista cansada de guerra. Passou alguns anos sem escre-
ver e, em 1976, publicou O gato malhado e a andorinha 3.3.3. Linha das narrativas de
Sinhá; em 1977, Tieta do agreste; e Farda, fardão e camiso- costumes e depoimentos líricos
la de dormir, em 1979. Distinguem-se três linhas literárias
Situam-se nessa linha as obras: Jubiabá; Mar morto; Ga-
marcantes em Jorge Amado:
briela, cravo e canela; Dona Flor e seus dois maridos; Ten-
da dos milagres; Teresa Batista casada de guerra e Tieta
do agreste.
Com Farda, fardão e camisola de dormir, cuja ação se
desenvolve em torno da Academia Brasileira de Letras,
Jorge Amado voltou a enfatizar a denúncia ditatorial do
Estado Novo.
multimídia: vídeo
Merecem destaque especial pela criatividade e elaboração
Fonte: Youtube
artística duas narrativas da segunda fase de Jorge Amado:
Tenda dos milagres Quincas Berro D’água e Velhos marinheiros.
Baseado em ampla pesquisa, Antonio Pedro Tota anali-
sa as ações da verdadeira “fábrica de ideologias” criada
pelo governo estadunidense para conquistar o apoio bra- Gabriela, cravo e canela
sileiro durante a Segunda Guerra. Uma visão inédita das
origens da influência dos EUA no Brasil.

3.3.1. Linha de romances proletários

Publicado em 1958, Gabriela, cravo e canela é uma his-


tória ambientada em Ilhéus. A cidade cacaueira, invadi-
da pelo progresso, é mostrada num momento de tran-
Narrativa crítica, bastante engajada politicamente: O país sição, em que os antigos “coronéis” são ameaçados de
do carnaval, Suor e Capitães da areia. substituição por políticos mais ágeis e mais versáteis.
A narrativa gira em torno de dois núcleos. O primeiro
é a disputa política entre Ramiro Bastos, um “coro-
nel” dos tempos da luta pela terra, e o exportador
de cacau Mundinho Falcão, político carioca, esperto
e jovem. O segundo núcleo é o caso amoroso entre o
turco Nacib e a mulata Gabriela.
multimídia: vídeo O romance entre os dois é o eixo dramático mais in-
Fonte: Youtube teressante da história, enquanto os bastidores da vida
CAPITÃES DA AREIA - Jorge Amado (análise) política de ilhéus vão sendo desvendados.

72
Fragmento do romance Gabriela, Gabriela com pássaro preso
cravo e canela, de Jorge Amado – Oh! que beleza! – musicou Gabriela vendo o sofrê.
Nacib depositou a gaiola numa cadeira, o pássaro se batia
Do pássaro sofré
contra grades.
Já não podia mais Nacib, perdidos o sossego a alegria, o
– Pra você... Pra lhe fazer companhia.
gosto de viver. Deixara até de enrolar a ponta dos bigo-
des, murchos agora sobre a boca de riso perdido. Era um Ele se havia sentado, Gabriela acomodou-se no chão a
pensar sem fim, nada igual para consumir um homem, seus pés. Tomou-lhe da mão grande e peluda, beijou-lhe
tirar-lhe o sono e o apetite, emagrecê-o, deixá-lo sem a palma naquele gesto que recordava a Nacib, nem mes-
graça, melancólico. mo sabia por que, a terra de seus pais, as montanhas da
Síria. Depois encostou a cabeça em seus joelhos, ele pas-
Tonico Bastos debruçava-se no balcão, servia-se do amar-
sou-lhe a mão nos cabelos. O pássaro sossegara, soltou
go, olhava irônico a figura abatida do dono do bar:
seu trinado.
– Você está decaindo, árabe. Nem parece o mesmo.
– Dois presentes de uma vez... Moço tão bom!
Nacib assentia com a cabeça, num desânimo. Seus grandes – Dois?
olhos arregalados pousavam-se no elegante tabelião. Toni-
co crescera em sua estima nesses tempos. Sempre tinham – O passarinho e, mais bom ainda, ter vindo trazer. Todo
sido amigos, porém de relações superficiais, conversas dia o moço só chega de noite...
sobre mulheres da vida, idas ao cabaré, tragos tomados [...]
juntos. Ultimamente, no entanto, desde a aparição de Ga-
– Me diga uma coisa: tu me quer bem?
briela, estabelecera-se entre eles uma intimidade mais pro-
funda. De todos os frequentadores diários do aperitivo, era Ela riu no canto do pássaro, era um trinado só:
Tonico o único a manter-se discreto na hora do meio-dia, – Moço bonito... Gostoso é demais... Estava sentida, aque-
quando ela chegava de flor atrás da orelha.[...] la história das idas ao bar. Por que fazê-la sofrer, não lhe
A pior coisa do mundo é um homem não saber como agir. dizer a verdade?

– Onde está a dificuldade? – Ninguém reclamou tuas idas no bar. Sou eu que não que-
ro. Vivo triste é por isso. Todo mundo te fala, dizem besteira
– Você não vê? Fico me roendo por dentro, isso me come pegam tua mão, só faltam te agarrar ali mesmo, te derru-
as carnes. Ando apalermado. Basta lhe dizer que outro dia bar no chão...
me esqueci de pagar um título, veja como ando...
Ela riu, achando engraçado:
– Paixão não é brincadeira...
– Importa não... Não ligo pra eles...
– Paixão?
– Não liga mesmo?
– E não é? Amor, a melhor e a pior coisa do mundo.
Gabriela o puxou para si, mergulhando-o nos seios. Nacib
[...] murmurou: Bié... E em sua língua de amor, que era o árabe,
– Deve ser isso mesmo. Vou lhe dizer, Tonico, sem essa mu- lhe disse a tomá-la: “De hoje em diante és Bié e essa é tua
lher não posso viver. Vou ficar maluco se ela me deixar… cama, aqui dormirás. Cozinheira não és apesar de cozinha-
res. És a mulher desta casa, o raio de sol, a luz do luar, o
– O que é que você vai fazer?
canto dos pássaros. Te chamas Bié...”
– Sei lá… O rosto de Nacib era triste de ver-se. Perdera
– Bié é o nome de griga? Me chama Bié, fale mais nessa
aquela jovialidade esparramada nas bochechas gordas. Pa-
língua... Gosto de ouvir.
recia alongar-se sorumbático, quase fúnebre.
AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela. In: GOMES,
– Porque você não casa com ela – soltou de repente Tonico, Álvaro Cardoso. Jorge Amado. São Paulo: Abril, 1982.
como a adivinhar o que ia por dentro do peito do amigo.
– Você está brincando? Com isso não se brinca…
Tonico levantava-se, mandava botar os amargos na conta,
atirava uma moeda a Chico Moleza, que a aparava no ar:
– Pois se eu fosse você era o que eu faria…
[...]

73
Os temas de Graciliano são rudes, dolorosos: o ambiente
pode ser o das secas nordestinas, a situação social é a da
exploração, em que o homem é o lobo do homem, restan-
do para o intelectual que pensa a angústia ou a prisão.
Não encontramos em suas obras um ambiente de festas
e alegrias, mas fome, desespero e opressão. Graciliano faz
desses temas uma obra de arte, com textos bem construí-
multimídia: vídeo dos, que figuram entre os melhores da Literatura Brasileira.
Fonte: Youtube Se a sociedade brasileira é representada por Jorge Amado de
Gabriela forma saborosa e colorida – mesmo quando criticava os pode-
Bahia, 1925. Uma das maiores secas da história do Nor- rosos –, Graciliano Ramos faz uma crítica dura e as diferenças
deste leva, para Ilhéus, Gabriela (Sônia Braga), uma bela sociais são acentuadas por uma matização em preto e branco.
retirante que, com sua beleza e sensualidade, conquista a
todos, principalmente Nacib (Marcello Mastroianni), dono
do bar mais popular da cidade, que emprega Gabriela para
São Bernardo
trabalhar em sua casa e com quem tem um caso. O relacio-
namento dos dois fica tão intenso que eles se casam, mas
tudo parece desmoronar quando Gabriela lhe é infiel com o
maior conquistador da cidade. Paralelamente, um “coronel“
vai ser julgado por ter matado sua mulher com o amante.

3.4. Graciliano Ramos


Aos 18 anos, Graciliano Ramos de Oliveira (1892-1953) foi
viver no Rio de Janeiro, onde trabalhou nos jornais Correio da
Manhã, A Tarde e O Século. Logo regressou a Alagoas, seu es-
Publicado em 1934, São Bernardo é um romance es-
tado natal e, em 1928, foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios.
crito em primeira pessoa, em que o personagem Paulo
Honório focaliza sua vida, de infância muito pobre e
lenta ascensão social.
Consegue enriquecer, compra a fazenda São Bernardo,
onde trabalhara duramente. Casa-se com Madalena, a
professora. Nasce seu filho e, no entanto, o casal é extrema-
mente infeliz por causa do ciúme doentio do marido.
Madalena suicida-se. Vem a ruína financeira de Paulo
Honório e sua solidão total, enfim. Decadente, põe-se a
registrar a história de sua ascensão a dono da fazenda
São Bernardo, de sua tragédia conjugal e da aridez de
sua vida afetiva.
À semelhança do romance Dom Casmurro, de Machado
O escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953).
de Assis, estão representados nessa narrativa dois tem-
Caetés, seu primeiro romance, foi publicado em 1933. São Ber- pos: os acontecimentos passados, ocorridos na vida de
nardo, em 1934. Apaixonado por educação, Graciliano Ramos Paulo Honório, e os do momento presente, em que ele
não conseguiu permanecer muito tempo em cargos políticos. escreve o livro.
No início de 1936, aceitou ser funcionário da Instrução Públi-
ca de Alagoas. Sob a alegação de que era comunista, foi pre- Procurava cortar sempre os excessos, enxugando os textos
so no mês de março. Ficou nove meses na prisão e foi solto até que alcançassem uma expressão sóbria. Seus temas pe-
em 1937 por falta de provas (ele só se filiaria ao Partido Co- diam um texto cortante, porque a realidade que representava
munista anos depois, em 1945). O tempo na cadeia ficaria assim o solicitava. Com esse procedimento harmonizava a
gravado em uma obra publicada postumamente, Memória forma do romance aos temas duros, secos e cortantes da rea-
do Cárcere (1953), narrativa dos desmandos e incoerência lidade que representava de maneira objetiva. Nota-se um es-
da ditadura a que estava submetido o Brasil. Em 1938, pu- tilo direto, objetivo e cortante, uma vez que o autor procurava
blicou o livro que é considerado sua obra-prima: Vidas secas. suprimir o que não fosse essencial à comunicação literária.

74
Trecho do romance São Bernardo De longe em longe sento-me fatigado e escrevo uma linha.
Digo em voz baixa: – Estraguei a minha vida, estraguei-a
36 estupidamente.
Faz dois anos que Madalena morreu, dois anos difíceis. E A agitação diminui.
quando os amigos deixaram de vir discutir política, isto se – Estraguei a minha vida estupidamente.
tornou insuportável. Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível
Foi aí que me surgiu a ideia esquisita de, com o auxílio de recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível
pessoas mais entendidas que eu, compor esta história. A recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu.
ideia gorou, o que já declarei. Há cerca de quatro meses, Não consigo modificar-me, é o que me aflige.
porém, enquanto escrevia a certo sujeito de Minas, recu- [...]
sando um negócio confuso de porcos e gado zebu, ouvi um
grito de coruja e sobressaltei-me. Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons
propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram
Era necessário mandar no dia seguinte Marciano ao forro com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
da igreja.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é
De repente voltou-me a ideia de construir o livro. Assinei a que me deu qualidades tão ruins.
carta ao homem dos porcos e, depois de vacilar um instan-
E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda
te, porque nem sabia começar a tarefa, redigi um capítulo.
a parte!
[...]
A desconfiança é também consequência da profissão.
O que estou é velho. Cinquenta anos pelo São Pedro. Cin-
quenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado.
a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos di-
endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta cas- ferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme,
ca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. uma boca enorme, dedos enormes.
Cinquenta anos! Quantas horas inúteis![...] Se Madalena me via assim, com certeza me achava extra-
ordinariamente feio.
Hoje não canto nem rio. Se me vejo ao espelho, a dureza da
boca e a dureza dos olhos me descontentam. Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me
exibe essas deformidades monstruosas.
Penso no povoado onde Seu Ribeiro morou, há meio sécu-
lo. Seu Ribeiro acumulava, sem dúvida, mas não acumulava A vela está quase a extinguir-se.
para ele. Tinha uma casa grande, sempre cheia, o jerimum Julgo que delirei e sonhei com cheios e uma figura de
caboclo apodrecia na roça e por aquelas beiradas ninguém lobisomem.
tinha fome, imagino-me vivendo no tempo da monarquia, à Lá fora há uma treva dos diabos, um grande silêncio. En-
sombra de Seu Ribeiro. Não sei ler, não conheço iluminação tretanto, o luar entra por uma janela fechada e o nordeste
elétrica nem telefone. Para me exprimir recorro a muita perí- furioso espalha folhas secas no chão.
frase e muita gesticulação. Tenho, como todo o mundo, uma
É horrível! Se aparecesse alguém... Estão todos dormindo.
candeia de azeite, que não serve para nada, porque à noite a
gente dorme. Podem rebentar centenas de revoluções. Não Se ao menos a criança chorasse... Nem sequer tenho ami-
receberei notícia delas. Provavelmente sou um sujeito feliz. zade a meu filho. Que miséria!
Com um estremecimento, largo essa felicidade que não é Casimiro Lopes está dormindo. Marciano está dormindo.
minha e encontro-me aqui em São Bernardo, escrevendo. Patifes!
As janelas estão fechadas. Meia-noite. Nenhum rumor na E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até
casa deserta. que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse
uns minutos.
Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. São Paulo: Martins, 1964.
Não tenho sono. Deitar-me, rolar no colchão até a madru-
gada, é uma tortura. Prefiro ficar sentado, concluindo isto. O capítulo inicial de Vidas secas focaliza os personagens
Amanhã não terei com que me entreter. em plena trajetória de retirantes.
Ponho a vela no castiçal, risco um fósforo e acendo-a. Sinto
um arrepio. A lembrança de Madalena dor da mesa. Aper- Mudança
to as mãos de tal forma que me persegue-me. Diligencio Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas
afastá-la e caminho em refiro com as unhas, e quando caio manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia
em mim estou mordendo os beiços a ponto de tirar sangue. inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente

75
andavam pouco, mas como haviam repousado bastante O capítulo dedicado à cachorra Baleia é um dos pontos
na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. altos da narrativa de Vidas secas
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos
juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da
catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais
novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabia-
no sombrio, cambaio, o aio a tiracolo, a cuia pendurada numa
correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no om-
bro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. [...]
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1994.

Vidas secas

 
Fabiano e a cachorra Baleia. Gravura. Aldemir Martins.

Baleia
A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o
pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num
fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangra-
vam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação
dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
Uma série com treze capítulos de estrutura descontínua Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princí-
compõe a obra. Cada capítulo foca um aspecto, per- pio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de
mitindo, assim, a leitura autônoma de cada um deles. sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a
Também podem ser lidos continuamente, como um pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato,
todo, porque os quadros compõem a história de uma impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas
família de retirantes nordestinos atingida pela seca. murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base,
Nessa única obra de Graciliano narrada em terceira cheia de roscas, semelhantes a uma cauda de cascavel.
pessoa, com onisciência, o narrador acompanha os
Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda
personagens a perambular pelo sertão, em busca de
de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez
melhores condições de vida.
tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.
São quatro membros da família: Fabiano, Sinhá Vitória,
o menino mais velho e o menino mais novo. Um pa-
[...]
pagaio e uma cachorra – Baleia – acompanham-nos
em suas andanças pelo sertão. A cadela brinca com os
filhos de Fabiano e o ajuda em seu trabalho de caçar
preás pelo sertão, para não morrerem de fome.
No capítulo inicial, denominado Mudança, os reti-
rantes chegam a uma velha fazenda, onde ficam como
agregados do proprietário. Desde essa chegada, até o
capítulo 12, a família vive sob essa condição. Fabiano
trabalha para o proprietário e é constantemente le-
sado pelo patrão, humilhando-se, pedindo desculpas
quase sempre; ou seja, vivendo uma subvida com
seus familiares, até que sobrevém outra grande seca. O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a
No capítulo final, denominado Fuga, a família volta à respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das
condição inicial de retirante, fugindo para o Sul. pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois sosse-
gou. Fabiano e a coisa perigosa tinham-se sumido.

76
Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão,
com certeza o sol desaparecera.
3.5. Erico Verissimo
Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o
fartum do chiqueiro espalhou-se pela vizinhança.
Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de
noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao be-
bedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meni-
nos. Estranhou a ausência deles.
Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre,
mas Baleia não atribuía a esse desastre a importância em
que se achava nem percebia que estava livre de responsa-
bilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração.
Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçua-
rana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas
afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por Erico Lopes Verissimo (1905-1975) publicou o romance
baixo do caritó onde Sinhá Vitória guardava o cachimbo. de estreia, Clarissa, em 1933, marco inicial da popularida-
Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava as de com que se distinguiu no seu estado de origem, o Rio
criaturinhas. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos Grande do Sul, e, posteriormente, no Brasil. Intensa ativi-
arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fa- dade literária e cultural marcou sua vida, desde o fato de
biano roncava na cama de varas. Estes sons não interes- lecionar Literatura Brasileira nos Estados Unidos, de 1943 a
savam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano 1945, até o posto de diretor do Departamento de Assuntos
se virava, emanações familiares revelaram-se a presença Culturais da União Pan-americana, a partir de 1953.
deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado. Erico Verissimo começou pelo romance social urbano, na
Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos des- linha de crítica aos costumes citadinos. Abordou situações
governados, a língua pendente e insensível. Não sabia que vividas pelos seus numerosos leitores, em que a degene-
tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no rescência do processo de urbanização levava os indivíduos
quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desva- a uma crise de identidade. Com a série O tempo e o vento,
neciam-se no seu espírito. Erico Verissimo reconstituiu a formação histórica do Rio
Grande do Sul.
Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que
serviam de trempe. Antes de se deitar, Sinhá Vitória re- As reflexões históricas dessa série permitiram a análise de
tirava dali os carvões e as cinzas, varria com um molho problemas sociais que não se restringem somente ao Sul:
de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um são problemas brasileiros.
bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava Na década de 1960, a crítica social de Erico Verissimo se tor-
as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, nu- na mais abrangente. Aborda a radicalização política no País
merosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de a partir da Campanha pela Legalidade, cujo centro foi o Rio
preás invadia a cozinha. Grande do Sul, instaurada para dar posse ao vice-presidente
A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de constitucional João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros.
Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esque- Essa abrangência da crítica social corresponde no plano ex-
cimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de terno ao período de envolvimento estadunidense na Guer-
mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. ra do Vietnã. O prisioneiro, por exemplo, representa uma
Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra expansão política e ideológica do escritor, indicando um
estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo compromisso com o momento histórico de outros países.
apagar-se muito cedo. Como disse na ocasião, “mais tarde ou mais cedo você terá
que tomar uma posição. Nestes nossos tempos, a neutrali-
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de
zação não é possível. Não existem mais esconderijos físicos
preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enor-
ou psicológicos no mundo. É a hora do compromisso”.
me. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela
num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria Essa postura de “compromisso” mais explícita do escritor
todo cheio de preás, gordos, enormes. já aparecera em O senhor embaixador e acentua-se mais
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1994. tarde em Incidente em Antares.

77
Assim, a trilogia termina onde começou, demonstran-
do que o tempo passa, mas o vento sempre retorna,
porque é cíclico.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Incidente em Antares
A série conta a história de um acontecimento na cidade
fictícia de Antares, na região Sul do Brasil. Certa vez, sete
pessoas morrem e, no mesmo dia, funcionários de um ce-
mitério se negam a realizar enterros, a fim de aumentarem
a pressão sobre seus patrões. À noite, os sete mortos vol- Trecho de O tempo e o vento
tam e reivindicam o direito de serem enterrados com dig-
nidade. A volta dos mortos causa uma grande confusão na
O continente
cidade, e eles começam, além das reivindicações, a contar Os anos chegavam e se iam. Mas o trabalho fazia Ana esque-
muitas coisas erradas sobre a cidade e seus moradores. cer o tempo. No inverno tudo ficava pior: a água gelava nas
gamelas que passavam a noite ao relento; pela manhã o chão
frequentemente estava branco de geada e houve um agosto
em que quando foi lavar roupa na sanga Ana teve primeiro de
O tempo e o vento quebrar com uma pedra a superfície gelada da água.

Trilogia composta por O continente, O retrato e O ar- [...]


quipélago, publicados em 1949, 1951 e 1961, narra a Muitos anos mais tarde, Ana Terra costumava sentar-se na fren-
saga da Família Terra Cambará e, com a dela, a histó- te de sua casa para pensar no passado. E no seu pensamento
ria da colonização do Rio Grande do Sul. como que ouvia o vento de outros tempos e sentia o tempo
A formação do povo gaúcho aparece em O continen- passar, escutava vozes, via caras e lembrava-se de coisas...
te, com Ana Terra, filha de bandeirantes, e sua união [...]
com o índio Pedro Missioneiro, educado por jesuítas, E era assim que o tempo se arrastava, o sol nascia e se
provindo das recém-destruídas reduções guaraníticas. sumia, a lua passava por todas as fases, as estações iam
As mulheres são personagens de muita força, porque e vinham, deixando sua marca nas árvores, na terra, nas
resistem e mantêm o núcleo familiar, enquanto os coisas e nas pessoas.
maridos vão para as guerras. Além de Ana, sua neta E havia períodos em que Ana perdia a conta dos dias. Mas
Bibiana, casada com o aventureiro Rodrigo Cambará, entre as cenas que nunca mais lhe saíram da memória esta-
é personagem feminina de grande envergadura. vam as da tarde em que dona Henriqueta fora para a cama
A segunda parte, O retrato, na virada do século XIX com uma dor aguda no lado direito, ficara se retorcendo
para o XX, tem como foco o doutor Rodrigo Cambará, durante horas, vomitando tudo o que engolia, gemendo e
neto do aventureiro, cujos ideais políticos modificam- suando frio. E quando Antônio terminou de encilhar o cavalo
-se com o tempo, pelos interesses econômicos. para ir até o Rio Pardo buscar recursos, já era tarde demais.
A mãe estava morta. Era inverno e ventava. Naquela noite
O último livro da trilogia, O arquipélago, mostra a
ficaram velando o cadáver de dona Henriqueta. Todos esta-
fragmentação da família, focando a diversidade de
vam de acordo numa coisa: ela tinha morrido de nó na tripa.
ideais dos personagens e da própria sociedade brasi-
Um dos escravos disse que conhecia casos como aquele.
leira na metade do século XX.
Fosse como fosse, estava morta: “Descansou” – disse Ana
Essa é uma obra mais intimista e reflexiva sobre sua para si mesma; e não teve pena da mãe. O corpo dela ficou
época. Inclui na narrativa personagens reais, como estendido em cima duma mesa, enrolado na mortalha que a
Getúlio Vargas, mas o protagonista é Floriano Cam- filha e a nora lhe haviam feito. Em cada canto da mesa ardia
bará, filho de Rodrigo e seu grande contestador. uma vela de sebo. Os homens estavam sentados em silên-
Tentando resgatar suas origens, Floriano começa a cio. Quem chorava mais era Eulália, Pedrinho, de olhos muito
escrever a história de sua família. arregalados, olhava ora para a morta ora para as sombras
dos vivos que se projetavam nas paredes do rancho. Ana

78
não chorou. Seus olhos ficaram secos e ela estava até alegre, – É ela, mãe? – sussurrou Pedro.
porque sabia que a mãe finalmente tinha deixado de ser es- – Ela quem?
crava. Podia haver outra vida depois da morte, mas também
podia não haver. Se houvesse, estava certa de que dona Hen- – A vovó?
riqueta iria para o céu; se não houvesse, tudo ainda estava – Tua avó está enterrada lá em cima da coxilha.
bem, porque sua mãe ia descansar para sempre. Nada teria – É a alma dela.
mais que cozinhar, ficar horas pedalando na roça, em cima
– Não é nada, meu filho. Deve ser o vento.
do estrado, fiando, suspirando e cantando as cantigas tristes
de sua mocidade. Pensando nessas coisas, Ana olhava para Em outras madrugadas Ana tornou a ouvir o mesmo ruído.
o pai que se achava a seu lado, de cabeça baixa, ombros Por fim convenceu-se de que era mesmo a alma da mãe que
encurvados, tossindo muito, os olhos riscados de sangue. vinha fiar na calada da noite. Nem mesmo na morte a infeliz
se livrara de sua sina de trabalhar, trabalhar, trabalhar...
Não sentia pena dele. Por que havia de ser fingida? Não
sentia. Agora ele ia ver o quanto valia a mulher que Deus VERÍSSIMO, Érico. O continente I. São Paulo:
Globo, 1990. Col.: O tempo e o vento.
lhe dera. Agora teria de se apoiar na nora ou nela, Ana,
pois precisava de quem lhe fizesse a comida, lavasse a rou-
pa, cuidasse da casa. Precisava, enfim, de alguém a quem
pudesse dar ordens, como a uma criada. Henriqueta Terra
jazia imóvel sobre a mesa e seu rosto estava tranquilo.
No outro dia pela manhã enterraram-na perto do Lucinho,
no alto da coxilha, e sobre o seu túmulo plantaram outra
cruz feita com dois galhos de guajuvira. Quando voltaram multimídia: livro
para casa, soprava o minuano sob um céu limpo e azul.
Maneco e Antônio iam na frente, com as pás às costas.
Manifesto Regionalista – Gilberto Freyre
“As mesmas pás que cavaram a sepultura do Pedro” – pen-
O Manifesto foi lido no Primeiro Congresso Brasileiro de
sou Ana, que descia a encosta puxando o filho pela mão.
Regionalismo, que se reuniu na cidade do Recife, durante
À noite, Pedrinho, que dormia abraçando à mãe, apertou-a o mês de fevereiro de 1926, e que foi o primeiro do gênero,
de leve e cochilou: não só no Brasil como na América, só depois do Congresso
– Mãe. do Recife tendo se reunido nos Estados Unidos, a Conferên-
Ana Terra voltou-se para ele resmungando: cia Regionalista de Charlottesville (Virgínia), com o apoio de
Franklin D. Roosevelt e de outros eminentes estadunidenses
– Que é? e do qual participou o autor do “Manifesto de 1926“ do
– Está ouvindo? Recife, por iniciativa e convite do seu colega Ruediger Bilden.
– Ouvindo o quê?
– Um barulho. Escuta...
Ana abriu os olhos, viu a escuridão e ouviu o ressonar de
Maneco.
– É o teu avô roncando – disse.
– Não é, não. É a roca.
Sim, Ana agora ouvia o ruído da roca a rodar, ouviu as ba- multimídia: vídeo
tidas do pedal, bem como nos tempos em que sua mãe ali
Fonte: Youtube
se ficava a fiar e a cantar. Mas procurou tranquilizar o filho:
Terra em transe
– Não é ninguém. Dorme, Pedrinho.
O senador Porfírio Diaz (Paulo Autran) detesta seu povo e
Ficaram em silêncio. Mas não puderam dormir. Ana escu- pretende tornar-se imperador de Eldorado, um país locali-
tava o tá-tá-tá da roda, que agora se confundia com as zado na América do Sul. Porém, existem diversos homens
batidas apressadas de seu próprio coração e com as do que querem este poder e resolvem enfrentá-lo. Enquanto
coração de Pedro que ela tinha apertado contra o peito. isso, o poeta e jornalista Paulo Martins (Jardel Filho), ao
Devia ser a alma de sua mãe que voltava para à noite e, perceber as reais intenções de Diaz, muda de lado, aban-
enquanto os outros dormiam, punha-se a fiar. Sentiu um donando seu antigo protetor.
calafrio. Quis erguer-se, ir ver, mas não teve coragem.

79
multimídia: livro multimídia: livro

Jorge Amado, vida e obra – Miécio Tati Antologia poética – Murilo Mendes
Neste trabalho, moveu-se apenas a intenção de fixar, atra- É uma compilação inédita de poemas selecionados
vés de uma análise de conjunto da obra de Jorge Amado e por Júlio Castañon Guimarães, da Fundação Casa de
dos principais eventos que lhe têm marcado a vida, o rotei- Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, e Murilo Marcondes de
ro literário do grande escritor baiano. Este ensaio, não obs- Moura, professor de Literatura Brasileira na Universida-
tante, abre um caminho: é um primeiro levantamento da de de São Paulo. Ambos também assinam os posfácios.
vida de Jorge Amado e uma primeira análise geral de sua O livro traz ainda o texto “A poesia e o nosso tempo”,
obra, em tamanho de livro. As fontes que serviram em gran- publicado no Jornal do Brasil, em 1959, em que Murilo
de parte do trabalho foram informações colhidas junto ao Mendes analisa sua trajetória.
próprio romancista ou a seu irmão, escritor James Amado,
e uma soma de recortes de jornais do arquivo do escritor.

VIVENCIANDO

Artes plásticas

Operários, de Tarsila do Amaral (1933)

80
VIVENCIANDO

O sujeito que domina e entende o movimento vivido no Brasil da década de 1930, sobretudo espelhado nos
romances que tinham a seca como sua temática predominante, não pode jamais deixar de relacionar o aspec-
to natural com o social. Se de um lado o país atravessava adversidades oriundas da estiagem nas zonas do
semiárido, de outro havia – e sempre houve –, um interesse na manutenção da pobreza e da “seca social” no
Nordeste, curral eleitoral de muitos políticos no país, que sempre se valeram das péssimas condições sociais para
comprar votos, fazer promessas nunca cumpridas e manter um estado de coisas onde a ordem de poder mantém
a mesma, até os dias de hoje.

81
DIAGRAMA DE IDEIAS

SEGUNDA FASE MODERNISTA


NO BRASIL: PROSA

A PROSA DA SEGUNDA FASE MODERNIS- A PROSA DE 30 , TAMBÉM CHAMADA DE RO-


TA VAI DE 1930 A 1945 E AMPLIOU OS MANCE REGIONALISTA, PROBLEMATIZOU OS
IDEAIS HEROICOS DO PRIMEIRO TEMPO PROBLEMAS DA SECA E DA CONSTITUIÇÃO
MODERNISTA, COM TEXTOS RÍGIDOS, DOS RETIRANTES DIANTE DA PROBLEMÁTICA
IDEOLÓGICOS E VINCULADOS À SECA. DA POBREZA NO NORDESTE BRASILEIRO.

EM 1930, RACHEL DE QUEIROZ PUBLICOU


O ROMANCE “O QUINZE”, QUE TROUXE A
OS PRINCIPAIS ESCRITORES BRASILEIROS TRADICIONAL TEMÁTICA DA SECA INCIDINDO
DESSE PERÍODO SÃO: GRACILIANO RAMOS, SOBRE UMA FAMÍLIA DE RETIRANTES A CAMINHO
RACHEL DE QUEIROZ, JOSÉ LINS DO REGO, DO SERTÃO DE FORTALEZA ATÉ O LITORAL. A
JORGE AMADO E ERICO VERISSIMO. HISTÓRIA CARREGA TONS DA EXPERIÊNCIA
BIOGRÁFICA DA AUTORA, QUE VIVEU A
CONHECIDA SECA DE 1915 NO BRASIL.

JORGE AMADO É CONHECIDO POR RETRA- ERICO VERISSIMO É UMA EXCEÇÃO EM


TAR AS PROBLEMÁTICAS REGIONAIS DA RELAÇÃO AOS OUTROS ESCRITORES
BAHIA. SUA OBRA “CAPITÃES DA AREIA” É DE SEU TEMPO, POIS EM VEZ DE RE-
UM DOS LIVROS MAIS VENDIDOS EM TODA TRATAR O NORDESTE, SUAS OBRAS SE
A HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA. PASSAM NA REGIÃO SUL DO PAÍS.

82
nos para o “sul maravilhas”, em busca de oportunida-
AULAS 37 E 38 des melhores de vida.
O problema social era evidente, sobretudo em São Paulo e
no Rio de Janeiro. Mas os sonhos de grandeza sobrepujam
a situação: em 1960, mesmo ano da inauguração de Bra-
sília, Jânio Quadros (1917-1992) foi eleito presidente com
seis milhões de votos.
MODERNISMO NO
BRASIL: 3ª FASE

COMPETÊNCIAS: 2, 5 e 6

HABILIDADES: 5, 15, 16 e 17

Vista parcial de Brasília, idealizada por Juscelino

1. O contexto pós-guerra
Kubitschek e inaugurada em 1960.

Terminada a Segunda Guerra Mundial (1945), Getúlio 2. Terceira fase modernista:


Vargas foi deposto e o Brasil voltou a respirar demo-
cracia. Uma Constituição (1946) estabeleceu novo pac- ficção experimental
to social. Houve liberdade de organização partidária, As experimentações que acrescentaram direções novas ao
eleições diretas e secretas, mas a euforia democrática cursor literário no Brasil ganharam corpo com a publica-
durou pouco: os ventos da “guerra fria” entre Estados ção, em 1943, do romance Perto do coração selvagem, de
Unidos e União Soviética atingiram o Brasil. Voltaram as Clarice Lispector. Nessa obra, a escritora esmiúça o interior
perseguições e a censura. do ser humano, dando à luz a grandeza da vida e do signi-
Em 1951, Getúlio Vargas voltou ao poder, via eleições di- ficado das experiências dos seres.
retas, e seu polêmico governo durou até 1954, ano em Três anos mais tarde, em 1946, Guimarães Rosa publicou o
que se suicidou, propiciando um período de instabilidade livro de contos Sagarana, no qual as regiões brasileiras dos
política, até que Juscelino Kubitschek (1902-1976) assu- sertões indefinidos transcendiam o âmbito da realidade
miu o poder, no ano seguinte, e implantou uma política histórica e transformavam-se em espaços de seres míticos.
desenvolvimentista com crescimento industrial e urbano.
Juscelino introduziu a indústria automobilística e im-
pulsionou as indústrias de base. E, marco-síntese da
esperança e da modernização, instalou-se a capital
do País em Brasília (1960), cidade projetada por Oscar
Niemeyer e Lúcio Costa. Com Brasília, tivemos uma das
maiores realizações do Modernismo na arquitetura e
no urbanismo.
As imagens otimistas do futuro já eram mostradas pela televi-
são. Nas linhas arquitetônicas de Brasília, aparecia a perspec-
tiva do futuro. Cresciam, entretanto, as tensões sociais: setores
populares reivindicavam os benefícios da industrialização.
Se, de um lado, o Brasil ingressou numa era desenvol-
vimentista, por outro, a urbanização trouxe consigo a
subvida das favelas e a intensa imigração de nordesti- Capa de Geraldo de Castro para a primeira edição de Sagarana, 1946.

83
Clarice Lispector aproximou da palavra escrita o ato de dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima.
pensar e de narrar com grande criatividade, e Guimarães Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito
Rosa realizou uma verdadeira alquimia verbal ao fundir sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde
na palavra sua experiência pessoal à experiência coletiva. os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze
Os escritos de Clarice revelam uma ficcionista de aguda léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso
sensibilidade, o que levaria a crítica literária ao espanto vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O
diante de sua obra. Perplexos também ficaram os críticos Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira
com as obras de Guimarães Rosa, cujas ousadias mórficas dele, tudo há – fazendões de fazendas, almargem de vargens
estabeleceram uma completa transformação linguística na de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em
mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O
literatura ao recriar o mundo sertanejo.
gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim,
cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é
2.1. Costumes do tempo e questão de opiniães... O sertão está em toda parte”
narradores intimistas ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1951.
Se Clarice Lispector e Guimarães Rosa representam tendên-
cias diferenciadas na ficção do terceiro tempo modernista,
outros narradores que também se formaram nas décadas de
2.2.2. Da consciência para o inconsciente
1940 e de 1950 devem ser considerados. A escritora Lygia A consciência de um ou mais personagens é flagrada e
Fagundes Telles faz parte desse grupo. Sua estreia literária relatada numa época qualquer em lugar qualquer. Assim
deu-se em 1944, com a publicação de Praia viva, obra que se dá também nos romances e contos de Clarice Lispec-
trouxe para a literatura brasileira uma linha narrativa intimis- tor: um acontecimento pode liberar ideais que vão até o
ta, caracterizada por evocações de cenas e estados de alma inconsciente da personagem.
da infância e da adolescência. Os costumes de tempo tam- [...]
bém foram objeto de reflexão na obra de Lygia, bem como Os músculos do rosto da aniversariante não a interpreta-
para Ricardo Ramos (Tempo de esperança), Sônia Coutinho vam mais, de modo que ninguém podia saber se ela esta-
(Os venenos de Lucrecia), Edla Van Steen (Corações mordi- va alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma
dos), Marcos Rey (Malditos paulistas) e outros. velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca.
– Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais
2.2. Características de ficção velho agora que Jonga tinha morrido. – Oitenta e nove
do terceiro tempo modernista anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em ad-
miração pública e como sinal imperceptível para todos.
2.2.1. Narrativas interiorizadas: Todos se interromperam atentos e olharam a aniversarian-
fluxo da consciência te de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça
em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela
Uma das marcas mais flagrantes da ficção experimental é aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim
a interiorização da narrativa – o chamado fluxo da consci- senhor! disseram alguns sorrindo timidamente.
ência. Geralmente, as narrativas são centradas em momen-
– Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de
tos de vivência interior dos personagens. Acontecimentos
José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos
exteriores provocam a interiorização. É assim em Grande
riram, menos sua esposa.
sertão: veredas, de Guimarães Rosa, em que Riobaldo –
A velha não se manifestava.
personagem central – vê-se impelido a “lembrar” os acon-
tecimentos que viveu, em um longo monólogo, a partir de [...]
um evento cotidiano rotineiro, que é o ato de praticar tiro A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.
ao alvo no terreiro. – Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos quatro filhos, é ela
“Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo. quem deve partir! assegurou incerta a todos, com ar íntimo
Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos,
Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abu- ela se tornou de repente impetuosa: – parta o bolo, vovó!
sões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação,
verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantane- como se hesitando um momento ela toda caísse para a
amente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O se frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.
nhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que LISPECTOR, Clarice. Feliz aniversário. Laços de
situado sertão é por os campos gerais a fora a dentro, eles família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

84
2.2.3. Narrativas em primeira pessoa Revelando-se uma “sentidora”, uma “intuitiva”, ressaltou
em alguns depoimentos que seus livros, mais do que his-
A narração em primeira pessoa não é um mero acaso na tórias, continham “impressões”, pois “não se preocupam
ficção desse tempo. Ela proporciona ao relato um intimis- com os fatos em si, porque o importante é a repercussão
mo inigualável, assim como lhe outorga verossimilhança. do fato no indivíduo”.
O narrador funciona como uma pessoa que confessa e o
leitor ou ouvinte, como confidente: 3.1.1. Personagens tensos e
[...] inadaptados ao mundo
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os
crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o
homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não
tem diabo nenhum.
[...] Tive medo. Sabe? Tudo foi isso: tive medo! Enxerguei
os confins do rio, do outro lado. Longe, longe, com que
prazo se ir até lá? Medo e vergonha.
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.

3. Principais autores da
ficção experimental
Cena de A hora da estrela, filme de Suzana Amaral
3.1. Clarice Lispector baseado no romance de Clarice Lispector.

Nascida numa pequena aldeia da Ucrânia, Clarice Lispector Seus personagens, representativos da situação alienada
(1925-1977) migrou para o Brasil em 1926. Morou em dos indivíduos das grandes cidades, geralmente são tensos
Alagoas e em Pernambuco. Aos 12 anos, passou a viver e inadaptados a um mundo repetitivo e inautêntico, que os
no Rio de Janeiro, onde cursou a Faculdade Nacional de despersonaliza.
Direito; empregou-se como redatora na Agência Nacional
(1941) e, posteriormente, no jornal A Noite.
Por força da profissão do marido, Maury Gurgel, um diplo-
mata de carreira, Clarice viveu 15 anos no exterior. Voltou de-
finitivamente ao Brasil, em 1960, e morou no Rio de Janeiro.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
A hora da estrela
Macabéa (Marcélia Cartaxo) é uma imigrante nordesti-
na que vive em São Paulo. Ela trabalha como datilógrafa
em uma pequena firma e vive em uma pensão miserável,
onde divide o quarto com outras três mulheres. Macabéa
não tem ambições, apesar de sentir desejo e querer ter
um namorado. Um dia, ela conhece Olímpico (José Du-
mont), um operário metalúrgico com quem inicia namo-
ro. Só que Glória (Tamara Taxman), colega de trabalho de
Macabéa, tem outros planos, após se consultar com uma
cartomante (Fernanda Montenegro).

85
3.1.2. Quebra da fronteira entre a voz
mesmo por que se deslocou de Alagoas para o Rio de
do narrador e dos personagens Janeiro, onde passara a viver com mais quatro colegas
Clarice afasta-se das técnicas tradicionais do romance, ca- na rua do Acre, e porque trabalhava como datilógrafa.
racterizado como um espelho de época. Sua literatura é
Seu namorado, Olímpico de Jesus, também nordestino,
um ambíguo espelho da mente, registrado através do fluxo
procurava a ascensão social a qualquer preço – seja
da consciência, que indefine as fronteiras entre a voz do
roubo ou crime de morte. Ela nada possuía nesse sen-
narrador e a dos personagens.
tido: vai perdê-lo, por isso, para sua colega Glória, que
possuía os atrativos materiais que ele ambicionava.
3.1.3. Narrativa interiorizada
Rompe-se a narrativa referencial, ligada a acontecimentos. Em
lugar dela, emerge a narrativa interiorizada, centrada num mo-
mento de vivência interior do personagem (ou do narrador). É
possível até mesmo que um acontecimento exterior provoque
o desencadear do fluxo da consciência: um acontecimento
pode liberar ideias que vão ao inconsciente do personagem.

3.1.4. Epifania ou momentos de revelação


A abertura da consciência para momentos “luminosos”, de
revelação, é o que mais marca os personagens de Clarice
Lispector.
Segundo Affonso Romano de Sat’Anna, os romances e con-
tos dessa escritora percorrem, geralmente, quatro passos:
1. O personagem é disposto em uma determinada situação
cotidiana;
2. Prepara-se um evento, que é pressentido discretamente;
3. Ocorre o evento, que lhe “ilumina” a vida; e
4. Ocorre o desfecho, que aponta um personagem muda-
do, “reformado” interiormente.
Destacam-se em sua obra os romances Perto do coração
multimídia: livro
selvagem, A maçã no escuro, A paixão segundo G.H., Uma
aprendizagem ou O livro dos prazeres, A hora da estrela e
os livros de contos Laços de família, Felicidade clandestina Clarice Lispector: esboço para um possível retrato –
e A legião estrangeira. Olga Borelli
O livro não é exatamente o que eu esperava. Quando
se vai afoito esperando quase que uma cronologia de
A hora da estrela Clarice, com sua vida bem esmiuçada, o que se encontra
A hora da estrela (1977) foi o último livro publicado em na verdade é o livro de uma amizade em celebração. É
vida por Clarice Lispector. O narrador do romance é Rodri- bonito, não perde por ser o livro que é e não aquele que
go S. M., escritor que ironiza, por meio de contínuas intru- eu esperava, mas não deveria ser vendido como uma
sões no texto, o estilo de narrativa que ele próprio utiliza. biografia a meu ver.
A protagonista é Macabéa, reduzida ao apelido Maca,
imagem irônica dos sete macabeus, personagens
bíblicas, “herança do sertão”, todas as formas de re-
pressão cultural, o que a deixa alheada de si e da so-
ciedade. Dessa forma, segundo o narrador, ela nunca
se deu “conta de que vivia numa sociedade técnica
onde ela era um parafuso dispensável”. Ignorava até

86
As poucas conversas entre os namorados versavam so-
bre farinha, carne de sol, carne--seca, rapadura, melado.
Pois esse era o passado de ambos e eles esqueciam o
amargor da infância porque esta, já que passou, é sem-
pre acre-doce e dá até nostalgia. Pareciam por demais
irmãos, coisa que – só agora estou percebendo – não
dá para casar. Mas eu não sei se eles sabiam disso. Ca-
multimídia: vídeo sariam ou não? [...]
Fonte: Youtube “Enfim o que fosse acontecer, aconteceria. E por en-
AMOR - Conto de Clarice Lispector quanto nada acontecia, os dois não sabiam inventar
acontecimentos. Sentavam-se no que é de graça: banco
de praça pública. E ali acomodados, nada os distinguia
Trecho do romance A hora da estrela do resto do nada. Para a grande glória de Deus.
[...] Ele: – Pois é.
Olímpico de Jesus trabalhava de operário numa metalúr- Ela: – Pois é o quê?
gica e ela nem notou que ele não se chamava de “ope- Ele: – Eu só disse pois é!
rário” e sim de “metalúrgico”. Macabéa ficava contente Ela: – Mas “pois é” o quê?
com a posição social dele porque também tinha orgulho
Ele: – Melhor mudar de conversa porque você não me
de ser datilógrafa, embora ganhasse menos que o salá-
entende.
rio mínimo. Mas ela e Olímpico eram alguém no mundo.
“Metalúrgico e datilógrafa” formavam um casal de clas- Ela: – Entender o quê?
se. A tarefa de Olímpico tinha o gosto que se sente quan- Ele: – Santa Virgem, Macabea, vamos mudar de assunto
do se fuma um cigarro acendendo-o do lado errado, na e já!
ponta da cortiça. O trabalho consistia em pegar barras Ela: – Falar então de quê?
de metal que vinham deslizando de cima da máquina
Ele: – Por exemplo, de você.
para colocá-las embaixo, sobre uma placa deslizante.
Ela: – Eu?!
Nunca se perguntara por que colocava a barra embaixo.
A vida não lhe era má e ele até economizava um pouco Ele: – Por que esse espanto? Você não é gente? Gente
de dinheiro: dormia de graça numa guarita em obras de fala de gente.
demolição por camaradagem do vigia. Ela: – Desculpe, mas não acho que sou muito gente.
Macabéa disse: Ele: – Mas todo mundo é gente, meu Deus!
– As boas maneiras são a melhor herança. Ela: – é que não me habituei.
– Pois para mim a melhor herança é mesmo muito di- Ele: – não se habituou com quê?
nheiro. Mas um dia vou ser muito rico, disse ele que Ela: – Ah, não sei explicar.
tinha uma grandeza demoníaca: a sua força sangrava.
Ela: – E então?
Os negócios públicos interessavam Olímpico. Ele adora-
Ele: – Olhe, eu vou embora porque você é impossível!
va ouvir discursos [...] Ele dizia alto e sozinho:
Ela: – É que só sei ser impossível, não sei mais nada. Que
– Sou muito inteligente, ainda vou ser deputado.
é que eu faço para conseguir ser possível?
[...]
Ele: – Pare de falar porque você só diz besteira! Diga o
Macabéa era na verdade uma figura medieval enquan- que é do teu agrado.
to Olímpico de Jesus se julgava peça-chave, dessas que
Ela: – Acho que não sei dizer.
abrem qualquer porta. Macabéa simplesmente não era
técnica, ela era só ela. Não, não quero ter sentimentalis- Ele: – Não sabe quê?
mo e portanto vou cortar o coitado implícito dessa moça. Ela: – Hein?
Mas tenho que anotar que Macabéa nunca recebera Ele: – Olhe, até estou suspirando de agonia. Vamos não
uma certa em vida e o telefone do escritório só chamava falar em nada, está bem?
o chefe e Glória. Ela uma vez pediu o Olímpico que lhe
Ela: – Sim, está bem, como você quiser.
telefonasse. Ele disse:
Ele: – É, você não tem solução. Quanto a mim, de tanto
– Telefonar para ouvir as tuas bobagens?
me chamarem, eu virei eu. No sertão da Paraíba não há
[...] quem não sabia quem é Olímpico. E um dia o mundo

87
todo vai saber de mim. A outra história é a primeira mesmo e chama-se “O As-
– É? sassinato”. Começa assim: queixei--me de baratas. Uma
senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o
– Pois se eu estou dizendo! Você não acredita?
assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia
– Acredito sim, acredito, acredito, não quero lhe ofender. queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao
[...] andar térreo e escalavam os canos do edifício até o nosso
In: CAMPEDELLI, Samira Youssef; ABDALA JR. Benjamin. lar. Só na hora de preparar a mistura é que elas se tornaram
Clarice Lispector. São Paulo: Abril Educação, 1981. minhas também. Em nosso nome, então, comecei a medir
e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais
A legião estrangeira intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de ultraje.
De dia as baratas eram invisíveis e ninguém acreditaria no
A legião estrangeira, coletânea de contos e crônicas, foi mal secreto que roía casa tão tranquila. Mas se elas, como
inicialmente publicada em 1964 e várias vezes reedita- os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a prepa-
do. Uma das obras mais marcantes de Clarice Lispector, rar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o
essa obra apresenta com persistência a temática da elixir da longa morte. Um medo excitado e meu próprio mal
descoberta da verdade, obsessão constante da autora. secreto me guiavam. Agora eu só queria gelidamente uma
A quinta história é um conto desafiador: são várias coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos
histórias que sempre começam de forma semelhante, canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a recei-
tomando depois caminhos diferentes. Este é também ta estava pronta, tão branca. Como para baratas espertas
um texto obsessivo de tentativas de descobertas. como eu, espalhei habilmente o pó até que este mais pare-
cia fazer parte da natureza. De minha cama, no silêncio do
apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma até a
área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha alerta
no varal. Acordei horas depois em sobressalto de atraso. Já
era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área
lá estavam elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara.
Em nosso nome, amanhecia. No morro um galo cantou.
A terceira história que ora se inicia é a das “Estátuas”.
Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois
vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em que, de
madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozi-
nha. Mais sonolenta que eu está a área na sua perspectiva
de ladrilhos. E na escuridão da aurora, um arroxeado que
distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras:
dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que
haviam endurecido de dentro para fora. Algumas de bar-
riga para cima. Outras no meio de um gesto que não se
completaria jamais. Na boca de umas um pouco da co-
mida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em
Pompeia. Sei como foi esta última noite, sei da orgia no es-
curo. Em algumas o gesso terá endurecido tão lentamente
A quinta história como num processo vital, e elas, com movimentos cada
Esta história poderia chamar-se “As Estátuas”. Outro vez mais penosos, terão sofregamente intensificado as
nome possível é “O Assassinato”. E também “Como Ma- alegrias da noite, tentando fugir de dentro de si mesmas.
tar Baratas”. Farei então pelo menos três histórias, verda- Até que de pedra se tornam, em espanto de inocência, e
deiras porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma com tal, tal olhar de censura magoada. Outras – subita-
única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem. mente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer
A primeira, “Como Matar Baratas”, começa assim: quei- ter tido a intuição de um molde interno que se petrificava!
xei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. – essas de súbito se cristalizam, assim como a palavra é
Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse em cortada da boca: eu te… Elas que, usando o nome de
partes iguais açúcar, farinha e gesso. A farinha e o açú- amor em vão, na noite de verão cantavam. Enquanto
car as atrairiam, o gesso esturricaria o de dentro delas. aquela ali, a de antena marrom suja de branco, terá adi-
Assim fiz. Morreram. vinhado tarde demais que se mumificara exatamente por

88
não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em Prestou concurso para o Itamaraty e, em 1938, já era côn-
vão: “é que olhei demais para dentro de mim! é que olhei sul-adjunto na cidade de Hamburgo, Alemanha. Em Bogo-
demais para dentro de…” – de minha fria altura de gente tá foi secretário da Embaixada Brasileira.
olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra
Após a publicação dos contos de Sagarana, em 1946, Gui-
antena de barata morta freme seca à brisa. Da história
anterior canta o galo.
marães Rosa estabeleceu na Literatura Brasileira uma com-
pleta transformação linguística, que foi se intensificando
A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa
sempre à medida que suas outras obras de ficção apare-
como se sabe: queixei-me de baratas. Vai até o momento
ciam. Em 1952, em excursão ao estado do Mato Grosso,
em que vejo os monumentos de gesso. Mortas, sim. Mas
conviveu com vaqueiros do Oeste do Brasil e começou a re-
olho para os canos, por onde esta mesma noite renovar-
-se-á uma população lenta e viva em fila indiana. Eu iria
alizar um projeto majestoso: o livro Grande sertão: veredas,
então renovar todas as noites o açúcar letal? – como que publicou em 1956.
quem já não dorme sem a avidez de um rito. E todas as Destacam-se, além do romance, os livros de contos Saga-
madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão? rana: primeiras estórias, Tutameia (terceiras estórias), Ma-
– no vício de ir ao encontro das estátuas que minha noi- nuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá no Pinhém, Noites
te suada erguia. Estremeci de mau prazer à visão daque- do sertão: estas estórias.
la vida dupla de feiticeira. E estremeci também ao aviso
do gesso que seca: o vício de viver que rebentaria meu
molde interno. Áspero instante de escolha entre dois ca-
minhos que, pensava eu, se dizem “adeus”, e certa de
que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha
alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração
uma placa de virtude: “Esta casa foi dedetizada”.
A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do multimídia: livro
Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me de baratas.
In: CAMPEDELLI, Samira Youssef; ABDALA JR. Benjamin.
Clarice Lispector. São Paulo: Abril Educação, 1981. Sagarana: o Brasil de Guimarães
Rosa – Nildo Maximo Benedetti
3.2. João Guimarães Rosa Nesta obra, o leitor de Sagarana (1946) encontrará aná-
lises de todos os seus contos: em busca de uma inter-
pretação social, Nildo Maximo Benedetti empreendeu um
estudo apurado, percebendo vínculos entre os contos e
também entre estes e Grande sertão: veredas. Inspirado
em leituras de Luiz Roncari sobre a obra de Guimarães
Rosa, Nildo empenha-se por mostrar como uma repre-
sentação do Brasil da Primeira República constitui o sig-
nificado central de Sagarana. O foco da análise é o texto
da obra rosiana e é nele que o crítico se concentra com
rigorosa disciplina, eximindo-se de emitir juízos sobre as
ideias políticas e sociais que podem ser inferidas da obra.

3.2.1. Manejo da palavra e


deslocamento da sintaxe
O ciclo de novelas de Corpo de baile – desdobrado em
Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá no Pinhém, e
Noites do sertão – e o romance Grande sertão: veredas
apresentam uma alteração profunda no manejo da pa-
lavra, que consiste, sobretudo, de um incomum desloca-
Formado em medicina, o mineiro João Guimarães Rosa mento da sintaxe; no emprego de um vocabulário ora
(1908-1967) exerceu pouco a profissão. O domínio de vá- arcaico, ora neológico: na ousadia mórfica, que recria
rios idiomas levou Guimarães Rosa à carreira diplomática. a linguagem.

89
3.2.4. Inserção de momentos de “epifania”
São histórias, historietas, eventos que “revelam” da perso-
nagem aspectos antes não percebidos.

3.2.5. Temática universalizante


multimídia: vídeo Ao transformar o sertão no mundo, Guimarães Rosa
torna-o universal, fazendo caber dentro dele todos os
Fonte: Youtube
temas. Ao mesmo tempo, “o sertão é dentro da gente”,
Grande sertão: veredas ou seja, é a interpretação que cada um de nós tem do
A série, baseada no clássico homônimo de Guimarães mundo.
Rosa, narra a história de Riobaldo (Tony Ramos), que
“Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da
é um grande conhecedor do sertão de Minas Gerais,
contando das lutas heroicas sobre vingança, amor e gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Vi-
mortes. Ele e Reinaldo (Bruna Lombardi) possuem ver é muito perigoso...” (ROSA, João Guimarães. Grande
um forte laço de amizade, que chega a perturbar a sertão: veredas).
mente de Riobaldo, mas que, ainda assim, cultiva a
relação com o amigo. O que ele não imagina é que Tutameia (terceiras estórias)
Reinaldo tem um grande segredo que poderia mudar
suas histórias. O livro de contos Tutameia apareceu em 1967, inicial-
mente chamado de Terceiras estórias. O nome Tuta-
meia, cuja origem é a aglutinação da expressão lusi-
3.2.2. Transcendência do regionalismo tana “tuta e meia”, significa: “ninharia, quase nada,
coisa vil, pouco dinheiro”.
O conjunto de 40 contos foi disposto em ordem alfabé-
tica e apresentam-se curtos e condensados, o que re-
presenta grande capacidade de síntese do escritor. Essa
coletânea foi a última organizada por Guimarães Rosa.
É curioso, no todo da produção rigorosa, ter havido as
primeiras e as terceiras estórias, deixando em aberto
o espaço que deveria ser ocupado pelas segundas es-
tórias, que não existem.

Sertão, seus vazios. Xilogravura. Arlindo Daibert.

Os elementos folclóricos pitorescos e meramente docu-


mentais, lugares-comuns da maioria das obras regionalis-
tas, ganhariam novos significados com Guimarães Rosa. O
escritor lida com eles de uma forma inusitada, situando-se
entre a realidade e a fantasia, localizando lugares e perso-
nagens em um plano mítico.
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube

3.2.3. Reinvenção do sertão A Hora e vez De Augusto Matraga - Guimarães


Questionando a linguagem da ficção e reunindo ele-
mentos linguísticos da própria realidade sertaneja, Desenredo
reinventa o sertão, chamando a atenção – em todas as
obras, mas principalmente em Grande sertão: veredas Do narrador seus ouvintes:
– para o fato de que “o sertão é o mundo”. Transfor- – Jó Joaquim, cliente, era quieto, respeitado, bom como
ma, assim, esse território num espaço-metáfora, em que o cheiro de cerveja. Tinha-o para não ser célebre. Como
tudo pode acontecer. elas quem pode, porém? Foi Adão dormir e Eva nascer.

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Chamando--se Livíria, Rivília ou Irlívia, a que, nesta ob- da barca, de novo respeitado, quieto. Vá-se a camisa,
servação, a Jó Joaquim apareceu. que não o dela dentro. Era o seu um amor meditado, a
Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Ali- prova de remorsos. Dedicou-se a endireitar-se.
ás, casada. Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maior Mais.
e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se. Voan- No decorrer e comenos, Jó Joaquim entrou sensível a
do o mais em ímpeto de nau tangida a vela e vento. Mas aplicar-se, a progressivo, jeitoso afã. A bonança nada tem
tendo tudo de ser secreto, claro, coberto de sete capas. a ver com a tempestade. Crível? Sábio sempre foi Ulis-
Porque o marido se fazia notório, na valentia com ciúme; ses, que começou por se fazer de louco. Desejava ele, Jó
Joaquim, a felicidade – ideia inata. Entregou-se a remir,
e as aldeias são a alheia vigilância. Então ao rigor geral
redimir a mulher, à conte inteira. Incrível? É de notar que
os dois se sujeitaram, conforme o clandestino amor em
o ar vem do ar. De sofrer e amar, a gente não se desafaz.
sua forma local, conforme o mundo é mundo. Todo abis-
Ele queria os arquétipos, platonizava. Ela era um aroma.
mo é navegável a barquinhos de papel.
Nunca tivera ela amantes! Não um. Não dois. Disse-
Não se via quando e como se viam. Jó Joaquim, além
-se e dizia isso Jó Joaquim. Reportava a lenda a embus-
disso, existindo só retraído, minuciosamente. Esperar é
tes, falsas lérias escabrosas. Cumpria-lhe descaluniá-la,
reconhecer-se incompleto. Dependiam eles de enorme
obrigavase por tudo. Trouxe à boca de cena do mundo,
milagre. O inebriado engano. Até que – deu-se o des- de caso raso, o que fora tão claro como água suja. De-
mastreio. O trágico não vem a conta-gotas. Apanhara o monstrando-o, amatemático, contrário ao público pen-
marido a mulher: com outro, um terceiro... Sem mais cá samento e à lógica, desde que Aristóteles a fundou.
nem mais lá, mediante revólver, assustou-a e matou-o. O que não era tão fácil como fritar almôndegas. Sem
Diz-se, também, que a ferira, leviano modo. malícia, com paciência, sem insistência, principalmente.
Jó Joaquim, derrubadamente surpreso, no absurdo desis- O ponto está em que o soube, de tal arte: por antipesquisas,
tia de crer, e foi para o decúbito dorsal, por dores, frios, ca- acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendados
lores, quiçá lágrimas, devolvido ao barro, entre o inefável e testemunhos. Jó Joaquim, genial, operava o passado –
o infando. Imaginara-a jamais a ter o pé em três estribos; plástico e contraditório rascunho. Criava nova, transforma-
chegou a maldizer de seus próprios e gratos abusufrutos. da realidade, mais alta. Mais certa?
Reteve-se de vê-la. Proibia-se de ser pseudo personagem, Celebrava-a, ufanático, tendo-a por justa e averiguada,
em lance de tão vermelha e preta amplitude. com convicção manifesta. Haja o absoluto amar – e
Ela – longe – sempre ou ao máximo mais formosa, já qualquer causa se irrefuta.
sarada e sã. Ele exercitava-se a aguentar-se, nas defei- Pois produziu efeito. Surtiu bem. Sumiram-se os pontos
tuosas emoções. das reticências, o tempo secou o assunto. Total o transa-
Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim é impos- to desmanchava-se, a anterior evidência e seu nevoeiro.
sível? Azarado fugitivo, e como à Providência praz, o ma- O real e válido, na árvore, é a reta que vai para cima.
rido faleceu, afogado ou de tifo. O tempo é engenhoso. Todos já acreditavam. Jó Joaquim primeiro que todos.
Soube-o logo Jó Joaquim, em seu franciscanato, dolorido Mesmo a mulher, até, por fim. Chegou-lhe lá a notícia,
onde se achava, em ignota, defendida, perfeita distância.
mas já medicado. Vai, pois, com a amada se encontrou
Soube-se nua e pura. Veio sem culpa. Voltou, com den-
– ela sutil como uma colher de chá, grude de engodos, o
gos e fofos de bandeira ao vento.
firme fascínio. Nela acreditou, num abrir e não fechar de
ouvidos. Daí, de repente, casaram-se. Alegres, sim, para Três vezes passa perto da gente a felicidade. Jó Joaquim
feliz escândalo popular, por que forma fosse. e Vilíria retomaram-se, e conviveram, convolados, o ver-
dadeiro e melhor de sua útil vida.
Mas.
E pôs-se a fábula em ata.
Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os tempos se
Desenredo. João Guimarães Rosa. In: BOSI, Alfredo (org.).
seguem e parafraseiam-se. Deu--se a entrada dos demônios. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, s.d..
Da vez, Jó Joaquim foi quem a deparou, em péssima
hora: traído e traidora. De amor não a matou, que não Trecho da obra Grande sertão: veredas
era para truz de tigre ou leão. Expulsou-a apenas, apos- Primeiro segmento (Refere-se ao início do relato.)
trofando-se, como inédito poeta e homem. E viajou a “NONADA. Tiros que o senhor ouviu foram de briga
mulher, a desconhecido destino. de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no
Tudo aplaudiu e reprovou o povo, repartido. Pelo fato, quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia
Jó Joaquim sentiu-se histórico, quase criminoso, reinci- isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade.
dente. Triste, pois que tão calado. Suas lágrimas corriam [...] O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não
atrás dela, como formiguinhas brancas. Mas, no frágio
seja: que situado sertão é por os campos gerais a fora a

91
dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do [...] Eu sabia que ele, a bem dizer, só guardava memória
Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, de um amigo: Joca Ramiro. Joca Ramiro tinha sido a ad-
o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar ser- miração grave da vida dele: Deus no Céu e Joca Ramiro
tão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde na outra banda do rio. Tudo o justo. Mas ciúme é mais
um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente
morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arreda- – o escuro, escuros.
do do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montes [...] E corri lembrança em Joca Ramiro: porte luzido,
oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões passo ligeiro, as botas russianas, a risada, os bigodes,
de fazendas, almargem de vantagens de bom render, as o olhar bom e mandante, a testa muita, o topete de
vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras cabelos anelados, pretos, brilhando. Como que brilhava
ele todo. Porque Joca Ramiro era mesmo assim sobre os
de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre
homens, ele tinha uma luz, rei da natureza.
em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um
o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão [...] Quando conheceu Joca Ramiro, então achou outra
esperança maior: para ele, Joca Ramiro, era único homem,
de opiniões... O sertão está em toda a parte. [...]
par de frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso,
Segundo segmento (Focaliza o momento em que Rio-
mandando por lei, de sobregoverno. Fato que Joca Ramiro
baldo conheceu Diadorim.)
também igualmente saía por justiça a alta política, mas
[...] só em favor de amigos perseguidos; e sempre conserva
Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa ár- seus bons haveres. Mas Medeiro Vaz era duma raça de
vore, pitando cigarro. Menino mocinho, pouco menos do homem que o senhor mais não vê; eu ainda vi. Ele tinha
que eu, ou devia de regular minha idade. Ali estava, com cospeito tão forte, que perto dele até o doutor, o padre
um chapéu de couro, de sujigola baixada, e se ria para e o rico, se compunham. Podia abençoar ou amaldiçoar,
mim. Não se mexeu. Antes fui eu que vim para perto e homem mais moço, por valente que fosse, de beijar a
dele. Então ele foi me dizendo, com voz muito natural, mão dele não se vaxava. Por isso, nós todos obedecíamos.
que aquele comprador era o tio dele, e que moravam Cumpríamos choro e riso, doideira em juízo. Tenente nos
gerais – ele era. A gente era os Medeiro-vazes.
num lugar chamado Os-Porcos, meio-mundo diverso,
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.
onde não tinha nascido. Aquilo ia dizendo, e era um me-
Rio de Janeiro: José Olympio, 1963.
nino bonito, claro, com a testa alta e os olhos aos-gran- nonada: coisa de pouco valor, ninharia
des, verdes. Muito tempo mais tarde foi que eu soube toleima: tolice

que esse lugarim Os-Porcos existe de se ver, menos lon- cristo-jesus: calvário, sofrimento.
arredado: afastado
ge daqui, nos gerais de Lassance. [...]
almargem: pastagem
Eu vi o rio. Via os olhos dele, produziam uma luz. – “Que
é que a gente sente, quando se tem medo?” – ele inda-
gou, mas não esta remoqueando; não pude ter raiva. –
“Você nunca teve medo?” – foi o que me veio, de dizer.
Ele respondeu: – “Costumo não” – e, passado o tempo
dum meu suspiro: – “Meu pai disse que não se deve de
ter...” Ao que meio pasmei. Ainda ele terminou: – “...
Meu pai é o homem mais valente deste mundo.” multimídia: livro
Terceiro segmento (Apresentação de chefes jagunços.)
[...] Chefe nosso, Medeiro Vaz, nunca perdia guerreiro.
O léxico de Guimarães Rosa –
Medeiro Vaz era homem sobre o sisudo, nos usos for-
Nilce Sant’anna Martins
mado, não gastava as palavras. [...] Ossoso, com a nuca
enorme, cabeçona meia baixa, ele era dono do dia e da
Dentre os muitos estudos sobre os textos do escritor mi-
noite – que quase não dormia mais: sempre se levantava
neiro, faltava uma pesquisa que congregasse o vocabu-
no meio das estrelas, percorria o arredor, vagaroso, em
lário de toda sua produção, seguido de explicações pos-
passos, calçado com suas botas de caititu, tão antigas. Se
síveis sobre o acervo de palavras utilizadas. Organizado
ele em honrado juízo achasse que estava certo, Medeiro
na forma de dicionário, é justamente isso o que este livro
Vaz era solene de guardar o rosário na algibeira, se traçar fornece ao leitor, que toma contato aqui com a extensão e
o sinal da cruz e dar firme ordem para se matar uma a a complexidade do léxico do escritor, podendo distinguir o
uma as mil pessoas. Desde o começo, eu apreciei aquela que nele pertence ao patrimônio dicionarizado do idioma
fortaleza de outro homem. O segredo dele era de pedra. e o que é produto de experimentação com a linguagem.

92
4. Na poesia 4.1.2. Intenção estética
Assim como os parnasianos dos últimos anos do século
No pós-guerra, houve uma geração de escritores chamada
XIX, os poetas de 1945 cultivaram uma linguagem lírica,
de Geração de 1945, que procurou recuperar procedimen-
com imagens intencionalmente estéticas, às vezes reto-
tos poéticos tradicionais, dando ênfase à experimentação
mando o conceito de “arte pela arte”, ou seja, o cultivo do
literária e ao “rigor” da expressão. lirismo em torno de temas pouco poéticos.
Nesse caminho, a obra de João Cabral de Melo Neto é Sirvam de exemplo do esteticismo convencional as estrofes
exemplar por seguir uma linha construtiva marcada pela do poema “Urubu”, de Geir Campos, construídas em de-
simetria dos versos e do poema. cassílabos, embora sem rima:
Em outros poetas, o rigor formal foi tal, que se chegou a fa- Sobreviventes da pureza antiga,
lar em neoparnasianismo – uma obsessão tão rigorosa pela As pernas brancas, no debrum das asas,
perfeição verbal chegou a ser até mesmo antimodernista. Pesam como remorsos a encurvá-las;
Mais tarde, alguns poetas dessa linha – Geir Campos, Péri- Vírgulas negras duma negra história.
cles Eugênio da Silva Ramos, Mário Quintana. Paulo Mendes
Como que o sentimento do pecado
Campos, Darcy Damasceno, Dantas Mota e Thiago de Melo Neutraliza a intenção e trunca gestos,
– trilharam caminhos diversos ao neoparnasianismo. E o voo – lento cair espirado,
O rigor da forma foi perseguido não só pelos de 1945 Misto de hesitação e de abandono –
como pelos artistas plásticos, como se vê na geometria das Penetra fundo e carne azul da tarde:
obras do pintor Alfredo Volpi (1896-1988). Longa verruma de carvão e sono.
CAMPOS, Geir. Canto claro e poemas anteriores.
4.1. Características da poesia de 1945 Rio de Janeiro: José Olympio, 1957.

Os poetas entenderam que as conquistas dos modernistas 4.1.3. Poesia de participação social
de 1922 deveriam ser abandonadas. Partiram, portanto,
para a reabilitação de regras mais rígidas para a compo- Alguns poetas da Geração de 1945 voltaram-se para os te-
sição do verso. mas sociais, com grande ênfase, chamando a atenção para
o homem diminuído na sua condição oprimida. É o caso,
por exemplo, de João Cabral de Melo Neto, que desenvolve
4.1.1. Volta ao rigor do verso uma poesia socializante, simétrica e formal. O mesmo ocor-
Uma das primeiras conquistas dos modernistas de 1922, o re com Ferreira Gullar, cuja participação social é marcante.
verso livre, foi abolido do ideário dos poetas de 1945. Eles Pratica uma poesia de enfoque político, em torno das ques-
revigoraram a metrificação com o emprego do verso decas- tões imediatas que abalavam o País.
sílabo e de outras medidas poéticas consideradas obsole-
tas. Assim, renasceu o soneto como forma fixa predileta. O 4.2. João Cabral de Melo Neto
desleixo do ritmo foi repudiado e, em lugar, observou-se o Em 1942, sem querer cursar a universidade, prestou con-
equilíbrio rítmico. curso para o funcionalismo público. Em 1945, ingressou no
Este poema de João Cabral de Melo Neto é uma amostra Itamaraty e publicou O engenheiro. A carreira diplomática
de como o trabalho do poeta aproxima-se do trabalho do levou-o pelo mundo afora: Barcelona, Londres, Sevilha,
engenheiro: rigor construtivo medido, sem excessos: Marselha, Genebra, Berna, Assunção, Dacar.

A luz, o sol, o ar livre


envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.
O lápis, o esquadro, o papel;
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.
MELO NETO, João Cabral de. Cão sem
plumas. Rio de Janeiro: Alfaguara. Aos 17 anos, João Cabral de Melo Neto (1920–1999) desponta como poeta.

93
Em 1956, escreveu o poema dramático Morte e vida Se- Severina, em que a denúncia da miséria nordestina segue os
verina, que foi encenado, em 1966, no Tuca, Teatro da dois movimentos que aparecem no título: morte/vida.
Universidade Católica de São Paulo, musicado por Chico
Dentre suas obras, destacam-se; Pedra do sono; O enge-
Buarque de Holanda e visto por mais de 100 mil pessoas. A
nheiro; Psicologia da composição; Fábula de Anfion; Antio-
peça consagrou definitivamente o poeta João Cabral, eleito
de; O cão sem plumas; O rio; Duas águas; A educação pela
imortal pela Academia Brasileira de Letras, em 1969.
pedra; e Museu de tudo.
Mais de uma vez mencionado como um “poeta de sime-
trias”, caracteriza-se pela “palavra justa”, exata, extrema-
mente racionalizada. Ele sempre teve alta consciência de O cão sem plumas
seus poemas, cujas características são: O cão sem plumas, de 1950, foi escrito em Barcelona,
Espanha. Trata-se de um longo poema que dá início
4.2.1. Ruptura com a poesia de inspiração a um ciclo na obra de João Cabral. O poeta explicita
O autor prega uma poesia que não está no sentimento do sua preocupação com a realidade pernambucana. Ele
poeta ou na beleza dos fatos, mas na organização do texto, busca, em meio a uma atmosfera de degradação, um
no rigor de sua construção. homem vivo. A ênfase sociológica também vai marcar
as produções posteriores.

4.2.2. Busca de simetria O cão sem plumas desenvolve-se em prosa discursiva


O ideal de simetria só pode ser alcançado mediante um e é dividido em quatro partes: I. Paisagem do Capiba-
trabalho rigoroso da linguagem poética. Em O engenhei- ribe; II. Paisagem do Capibaribe; III. Fábula do Capiba-
ro, de 1945, emerge o ideal de um projeto geométrico ribe; IV. Discurso do Capibaribe.
de construção.
II. Paisagem do Capibaribe
Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
como um cão
humilde e espesso.
Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casas de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.
Como o rio
aqueles homens
são como cães sem plumas
(um cão sem plumas
4.2.3.Objetividade da palavra escrita é mais
Na trilogia, Psicologia da composição, Fábula de Anfion e que um cão saqueado;
Antiode, de 1947, rompe de vez com a fantasia e constrói é mais
poemas por meio da objetividade da palavra escrita e não que um cão assassinado).
pelos “estados de alma” da tradição romântica.
[...]

4.2.4.Poesia com ênfase sociológica O rio sabia


O cão sem plumas, de 1950, inicia um ciclo de poemas com daqueles homens sem plumas.
ênfase sociológica, acompanhado de O rio e de Morte e vida Sabia

94
de suas barbas expostas, Trecho de Morte e Vida Severina
de seu doloroso cabelo
de camarão e estopa. O retirante explica ao leitor quem é e a que vai
– O meu nome é Severino,
[...]
como não tenho outro de pia.
E sabia [...]
da magra cidade de rolha, Somos muitos Severinos
onde homens ossudos, iguais em tudo na vida:
onde pontes, sobrados ossudos na mesma cabeça grande
(vão todos que a custo é que se equilibra,
vestidos de brim) no mesmo ventre crescido
secam sobre as mesmas pernas finas
até sua mais funda caliça. e iguais também porque o sangue,
[...] que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
Mas ele conhecia melhor iguais em tudo na vida,
os homens sem pluma. morremos de morte igual,
Estes mesma morte severina:
secam que é a morte de que se morre
ainda mais além de velhice antes dos trinta,
de sua caliça extrema de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
[...]
[...]
Porque é na água do rio Retirante, Mestre Vitalino
que eles se perdem Aproxima-se do rio do retirante um dos mu-
(lentamente cambos que existem o cais e a água do rio:
e sem dente). [...]
Ali se perdem – Seu José, mestre carpina,
(como uma agulha não se perde). e que interesse, me diga,
Ali se perdem há nessa vida a retalho
(como um relógio não se quebra). que é cada dia adquirida?
[...] espera poder um dia
comprá-la em grandes partidas?
Na paisagem do rio – Severino, retirante,
difícil é saber não sei bem o que lhe diga:
onde começa o rio; não é que espere comprar
onde a lama em grosso tais partidas,
começa do rio; mas o que compro a retalho
onde a terra é, de qualquer forma, vida.
começa da lama; – Seu José, mestre carpina,
onde o homem, que diferença faria
onde a pele se em vez de continuar tomasse a melhor saída:
começa da lama; a de saltar,
onde começa o homem numa noite,
naquele homem. fora da ponte e da vida?
[...] [...]
(MELO NETO, João Cabral de. O cão sem O carpina fala com o retirante que este-
plumas. Rio de Janeiro: Alfaguara.) ve de fora, sem tomar parte em nada:

95
Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender, Terra em transe
só com palavras, a vida, Um incrível filme que foi teleteatro musical produzido pela
TV Globo em 1981, dirigido por Walter Avancini, com versos
ainda mais quando ela é
de João Cabral de Melo Neto e música de Chico Buarque.
esta que vê, Severina A temática está centrada na trajetória de Severino, um reti-
mas se responder não pude rante nordestino que abandona o sertão rumo ao litoral em
à pergunta que fazia, busca de sobrevivência. O autor deixa claro que não fala de
ela, a vida, a respondeu um só Severino, mas de um grande grupo: os retirantes nor-
destinos, que têm todos a mesma sina, a morte e a vida sev-
com sua presença viva.
erina: “Somos muitos Severinos, iguais em tudo na vida”.
E não há melhor resposta
No decorrer do poema, Severino se põe a contar as durezas
que o espetáculo da vida: enfrentadas por essa gente: as jornadas para fugir da seca
vê-la desfiar seu fio, onde não nasce nem planta brava, em busca de terra que
que também se chama vida, lhe dê o que comer.
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina multimídia: livro
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina. Lira e Antilira (Mário, Drummond, Cabral) – Luiz Costa Lima
(NADA, José Fulaneti de. João Cabral de Melo
Neto. São Paulo: Abril Educação, 1982.) Mário de Andrade, Carlos Drummond e João Cabral –
numa obra tanto fundamental quanto fundante sobre o
tema/assunto. Fundante porque determinada um cami-
nho essencial e obrigatório aos iniciantes ou doutores nos
três poetas supracitados; fundamental [diga-se também
obrigatória] porque não deveria faltar na estante de qual-
quer um que se dedique ao estudo de lírica brasileira – e
mesmo literatura brasileira em geral –, também dada a
premência desses três modernos/modernistas.

96
VIVENCIANDO

Artes plásticas

Criança morta, de Cândido Portinari (1944)

97
ÁREAS DO CONHECIMENTO DO ENEM

HABILIDADE 5
Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos,
mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de pro-
dução e recepção.

HABILIDADE 16
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.

Esta competência trata de uma das várias formas de expressão artística existentes, a literatura. Mas um texto
pode ser também arte, assim como a música, a dança e a pintura? Sim, aqueles textos que satisfazem alguma
necessidade artística humana, provocando alguma sensação de prazer no leitor, e que são definidos socialmente
como importantes e representativos de uma forma de pensar (através da escola, autores e instituições da área),
são considerados literários.
Esta habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso o conceito de uma
escola literária específica. A construção dos procedimentos literários está ligada aos fatores estéticos que podem
levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação ao a concepção artística do contexto.

MODELO 1
(Enem) Contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.

98
A busca pela identidade constitui uma faceta da tradição literária, redimensionada pelo olhar contemporâneo. No poema,
essa nova dimensão revela a:
a) ausência de traços identitários.
b) angústia com a solidão em público.
c) valorização da descoberta do “eu” autêntico.
d) percepção da empatia como fator de autoconhecimento.
e) impossibilidade de vivenciar experiências de pertencimento.

ANÁLISE EXPOSITIVA

O título do poema alude a Narciso, figura mitológica que, encantado pela sua própria beleza refletida na
água da lagoa, definha e morre, podendo ser entendido como o símbolo da vaidade e do individualismo.
“Contranarciso” seria, dessa forma, a inversão do mito, a expressão da necessidade do eu lírico de “beber”
em outros lagos, incapaz de desfrutar plenamente de seu próprio eu sem a ajuda de outros.

RESPOSTA Alternativa D

DIAGRAMA DE IDEIAS

TERCEIRA FASE MODERNISTA


NO BRASIL

A TERCEIRA FASE MODERNISTA TEM OS PRINCIPAIS ESCRITORES BRASILEI-


INÍCIO EM 1945 E AMPLIOU OS IDEAIS ROS DESSE PERÍODO SÃO: JOÃO GUI-
DOS TEMPOS ANTERIORES COM A PRO- MARÃES ROSA, CLARICE LISPECTOR
SA FICCIONAL E A RIGIDEZ POÉTICA. E JOÃO CABRAL DE MELO NETO.

A MAGNÂNIMA NOVELA “A HORA DA ES-


TRELA”, DE CLARICE LISPECTOR, APRESENTA
MACABÉA, PERSONAGEM FAMOSA NA
JOÃO CABRAL DE MELO NETO SURGE
LITERATURA BRASILEIRA, QUE VAI PARA O
COM A OBRA “MORTE E VIDA SEVERINA”,
RIO DE JANEIRO E VIVERÁ SUA EXISTÊNCIA
UMA POESIA RÍGIDA E FORTE NA
PISADA PELO ARDOR DA CIDADE GRAN-
DICÇÃO EXISTENCIAL DO SERTÃO NA
DE. ESCRITOS RECHEADOS DE UM OLHAR
TRAJETÓRIA DE SEVERINO (“SEVERINOS”),
CRÍTICO E SINGELO PARA A CONDIÇÃO
DO INTERIOR AO LITORAL.
DA MULHER A PARTIR DE UM REVELADOR
MERGULHO EM SUA GEOGRAFIA ÍNTIMA.

99
1.1. Ferreira Gullar
AULAS 39 E 40
Em 1951, José Ribamar Ferreira (1930), que assina Ferreira
Gullar, deixou São Luís para morar no Rio de Janeiro, onde en-
trou em contato com pessoas ligadas ao jornalismo e à litera-
tura ao trabalhar como revisor de textos na revista O Cruzeiro.

POESIA NO BRASIL: Em 1954, publicou o livro Luta corporal e ligou-se ao grupo


da poesia concreta, em São Paulo. Discordou, em seguida, dos
1960-1980 concretistas e fundou o grupo neoconcreto, no Rio de Janeiro.
No início dos anos 1960, já rompido com as vanguardas, Fer-
reira Gullar entrou em contato com os problemas sociais que
assolavam o Brasil. Sua poesia tomou um rumo de denúncia
social, participante.
COMPETÊNCIAS: 2e5

HABILIDADES: 5, 15, 16 e 17

1. Concretismo
Com Luta corporal, apontado como o “verdadeiro início de sua
atividade poética”, Ferreira Gullar ganhou lugar de destaque
nas letras nacionais. Um pouco acima do chão, Luta corporal,
João Boa-Morte, Cabra marcada pra morrer (cordel), Quem
Paulo Leminski. Lua na Água, 1982 matou Aparecida? (cordel), Dentro da noite veloz, Poema sujo,
A geração de 1945 foi fortemente marcada pela questão es- Na vertigem do dia são seus títulos publicados.
tética. A aventura da linguagem, a preocupação com a forma A obra de Ferreira Gullar é marcada por:
e com o rigor do texto tornaram-se o objetivo básico dessa
geração, cujos nomes são de grande expressão poética.
1.1.1.Consciência estética e cotidiano
Depois de 1950, os poetas do primeiro momento do pós- Alta consciência estética, preocupação com um cotidiano
-guerra dividiram-se, partindo para experimentações dife- abrutalhado e busca da essência da realidade.
rentes. Alguns permaneceram no esteticismo formalista, 1.1.2. Adesão ao Concretismo
outros se encaminharam para uma poesia participante,
como Thiago de Melo e Ferreira Gullar – um dos poetas Com Poemas, de 1954, Ferreira Gullar adere ao movimen-
mais importantes do terceiro tempo modernista. Os po- to concretista, considerando-o “válido na época em que
etas José Paulo Paes, Afonso Ávila, Affonso Romano de surgiu, como uma resposta a uma crise na linguagem
Sant’Anna, Adélia Prado e Ilka Laurito voltaram-se para as poética”. Mais tarde, renega-o pelo seu radicalismo e por
tensões sociais do mundo contemporâneo. achá-lo muito limitado.
No entanto, algumas produções de Poemas são de extraor-
dinário lirismo e nada limitadas, como se vê:
mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
Concretion 5629. 1956. Luiz Sacilotto mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul

100
fez-se moça sem ter cama,
nasceu na Praia do Pinto,
morreu no mesmo lugar.
Praia do Pinto é favela
que fica atrás do Leblon.
multimídia: livro O povo que mora nela
é tão pobre quanto bom:
Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos,
cozinha sem ter panela,
1950-1960 – Augusto de Campos, Décio Pignatari e Ha-
roldo de Campos namora sem ter janela,
O Concretismo alterou profundamente a realidade da tem por escola a miséria
poesia brasileira. Revisou o passado literário do país e e a paciência por dom.
retomou o diálogo com o Modernismo de 1922; pôs
ideias em circulação e colocou à arte novos desafios. Já bem cedo Aparecida
Hoje, está presente também na linguagem da propa- trabalhava pra comer:
ganda, nos slogans da televisão, na diagramação de
vendia os bolos que a mãe
livros, nas letras de bossa nova. Este volume reúne os
textos inaugurais do movimento concreto e recupera fazia pra ela vender;
uma história que andava obscurecida pelos preconcei- carregava baldes d’água
tos de seus opositores.
para banhar e beber.
Comida pouca e água suja
1.1.3. Poesia “participante” e engajada que até dá raiva dizer.
Considerando a poesia concreta uma resposta às necessi- Da porta de seu barraco,
dades de uma geração, Ferreira Gullar logo abandona essa
de zinco e madeira velha,
vertente para embrenhar-se na chamada “poesia partici-
pante”, caracterizada pelo tom popular que o poeta lhe olhava o mundo dos ricos
imprimiu, principalmente em João Boa-Morte, Cabra mar- com suas casas de telha.
cada pra morrer e Quem matou Aparecida? A obra Dentro
da noite veloz pode ser considerada elaboração de poesia Os blocos de apartamento
social, na qual pontificam os elementos do cotidiano ina- quase tocando no céu
ceitável poetizados com dor.
dos quais nem em pensamento
Quem matou Aparecida? contém a “poesia participan-
um deles seria seu.
te”, caracterizada pelo tom popular, e segue as linhas
da literatura de cordel – ou seja, poemas, narrativas, im- Daquele chão de monturo,
pressos de modo rudimentar e vendidos pendurados em via o mundo dividido:
varais, nas feiras e mercados nordestinos. São textos em
Do lado de cá, escuro,
linhagem bem simples e exploram os dramas das cama-
das menos favorecidas da população. O didatismo é o e do lado de lá, colorido.
principal aspecto desses poemas participantes, como se À sua volta a pobreza,
nota neste trecho reproduzido:
a fome, a doença, a morte;
Aparecida, esta moça e ali adiante a riqueza
cuja história vou contar, dos que tinham melhor sorte.
não teve glória nem fama Nossa Aparecida achava
de que se possa falar. que tinha era dado azar
Não teve nome distinto: porque ela ignorava
criança brincou na lama, que o mundo pode mudar.

101
[...] Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
Por que existem favelas? a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Por que há ricos e pobres? Digo adeus à ilusão
Por que uns moram na lama mas não ao mundo. Mas não à vida,
e outros vivem como nobres? meu reduto e meu reino.
Só te pergunto estas coisas Do salário injusto,
para ver se tu descobres. da punição injusta,
Se não descobres te digo da humilhação, da tortura,
para que possas saber: do horror,
o mundo assim dividido retiramos algo e com ele construímos um artefato
não pode permanecer. um poema
Foi esse mundo que mata uma bandeira.
GULLAR, Ferreira. Ob. cit.
uma criança ao nascer,
que negou à Aparecida
o direito de viver.
Quem ateou fogo às vestes
dessa menina infeliz
foi esse mundo sinistro multimídia: livro
que ela nem fez nem quis
– que deve ser destruído Reduchamp – Augusto de Campos; Julio Plaza
pro povo viver feliz. “Reduchamp“ é um poema-ensaio, num livro-poema
em que Augusto de Campos reinventa a crítica da arte.
GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
Ilustrado com iconogramas do artista e teórico Julio Pla-
O livro Dentro da noite veloz, publicado em 1975, traz za, os autores expõem, em imagens e versos, pura pro-
uma produção poética dos anos negros da ditadura mili- sa porosa, a poética de Marcel Duchamp. Lançado em
tar, quando Ferreira Gullar esteve no exílio. Leia um poema 1976, numa edição dos autores, o livro é resultado de
pertencente a essa obra: uma parceria das mais inovadoras e de fundamental
importância para as artes gráficas e suas relações com
a poesia no Brasil, que se iniciou com Poemóbiles (1974,
Agosto 1964 reeditado em 1985) e Caixa preta (1975). Duchamp
Entre lojas de flores e de sapatos, bares, é um iniciador. Ele já estava lá, antes, profanando o que
era considerado estético, transformando um gesto filosó-
mercados, butiques,
fico em obra de arte.
viajo
num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio, 2. Vanguarda concretista
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
Em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, foi lan-
que a vida
çado oficialmente o Movimento da Poesia Concreta, na Ex-
eu compro à vista aos donos do mundo. posição Nacional de Arte Concreta. A poesia concreta logo

102
ganhou adesões e apoios, mas também comentários espanta- É o que se vê no poema Agiotagem, de Mário Chamie:
dos e repúdios em face da desintegração total do verso tradi-
cional e da nova adaptação da palavra ao espaço visual – no
que competia com as artes plásticas, ao apresentar o mesmo
despojamento que se vê nas formas da arquitetura de Brasília.
Em fevereiro de 1957, a mesma exposição foi transferida
para o saguão do Ministério da Educação e Cultura, no
Rio de Janeiro.
O Concretismo era visto por alguns como um fenômeno,
um produto desorientado, sem rumos, a exemplo do que
acontecia em música, com o rock’n roll, e no Cinema Novo,
com Glauber Rocha. Outros, entretanto, viram no Concre-
tismo a mesma disciplina da então iniciante bossa nova,
capitaneada pelo músico e compositor João Gilberto.
O Concretismo deu origem a outras manifestações poéticas.

Mário Chamie

Agiotagem
Um
Dois
multimídia: livro
Três

Viva vaia: poesia 1949-1979 – Augusto de Campos o juro: o prazo


Esta edição de Viva vaia, obra que estava esgotada, é a o pôr / o cento / o mês / o ágio
mais completa de todas as que já vieram a público. Além
de manter o projeto gráfico original, de Julio Plaza, ela p o r c e n t a g i o.
devolve a impressão em cores a alguns poemas – den- dez
tre os quais o clássico “Luxo”. Este volume contém ain-
cem
da um encarte com o poema-objeto “Linguaviagem”,
que não foi incluído nas versões anteriores por motivos mil
técnicos. Vem encartado, com o livro, o CD “Poesia é
o lucro: o dízimo
risco“, que contém quinze poemas musicados por Cid
Campos, filho do autor. o ágio / a mora / a monta em péssimo
e m p r é s t i m o.

2.1. Poesia-práxis muito

Em 1962, um grupo dissidente dos concretistas manifes- nada


tou-se contra o radicalismo dos “mais concretos”. Criou-se tudo
a poesia-práxis, cujo líder foi o poeta Mário Chamie. A obra
a quebra: a sobra
Lavra-lavra, de 1962, traz uma espécie de manifesto didá-
tico em que se proclama a instauração da práxis: a monta / o pé / o cento / a quota
[...] “as palavras não são corpos inertes, imobilizados a hajanota
partir de quem as profere e as usa...
agiota.
As palavras são corpos vivos. Não vítimas passivas
do contexto. Os poetas da práxis foram: Mário Chamie, Armando Freitas Fi-
A poesia-práxis preocupou-se com a palavra-energia, que lho, Mauro Gama, Aliton Medeiros, Camargo Meyer, Lousada
gera outras palavras – uma valorização do ato de compor”. Filho, Carlos Cabral, José Guilherme Merquior, entre outros.

103
2.2. Poema-código
O crescimento do movimento concretista ficou evidente
nos anos 1960, sempre muito ligado à vanguarda artís-
tica. As palavras participante, invenção, construção
estavam muito ligadas ao movimento, que vinha sempre
incorporando novas técnicas. Em 1964, Décio Pignatari e
Luiz Ângelo Pinto lançaram a teoria do poema-código
ou semiótico – predominantemente visual, que incorpo-
rava outras linguagens, como a da publicidade, a do jornal,
montando-se o texto à moda dos dadaístas. É o caso do
poema Psiu(hush!), de 1966, de Augusto de Campos.

infinito. Pedro Xisto.

Velocidade. Ronaldo Azeredo.

2.3. Características do Concretismo


2.3.1. Desintegração do verso
Como unidade do poema, o verso deu lugar à palavra, ZEN. Pedro Xisto.
que passou a ser manifestada, simultaneamente, em
três dimensões: 2.4. A tríade do Concretismo
§ verbal (aspecto sintático e semântico);
§ oral (aspecto sonoro); e Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos são
§ visual (aspecto gráfico). os fundadores e os mais importantes poetas do Concretismo.

A palavra libertou-se da distribuição linear da linguagem Reunidos em fins de 1948 no Clube de Poesia, logo se
verbal e aproximou-se do imediatismo da comunicação desligaram da geração de 1945, por entenderem que esta
visual; o espaço de papel passou a integrar o significado era um núcleo tradicional e pouco criativo. Em 1952, o trio
do poema. resolveu fundar um órgão de imprensa que registrasse esse
novo modo de “poetar” chamado Concretismo. Nascia en-
tão a revista Noigandres, que durou até 1962, publicação
2.3.2. Incorporação de técnicas visuais
que contou com cinco números.
A proximidade com as artes plásticas e visuais provocou
A expressão “poesia concreta” surgiu em 1955 e foi criada
um “diálogo” entre poetas e pintores concretistas que, nos
por Augusto de Campos. Em 1956, no Museu de Arte Mo-
anos 1950, pontificaram no Brasil e fora dele. Técnicas pró-
derna de São Paulo, houve seu lançamento oficial.
prias de outras artes passaram a ser utilizadas para compor
o poema: colagens, desenhos, grafismos, fotografias. É o A adesão de muitos poetas ao grupo motivou congressos,
que marca o poema-código. exposições, mesas redondas e também muita crítica.

104
“De sol a sol
Soldado
de sal a sal
salgado
de sova a sova
sovado
de suco a suco
sugado
de sono a sono
sonado
sangrado
de sangue a sangue”
Haroldo de Campos

2.5. Desdobramentos

Pulsar. Augusto de Campos. 1975.

3. Pós-vanguarda e
poesia marginal
Décio, de Jundiaí, SP, nasceu em em 1927;
Augusto, em 1931, e Haroldo de Campos, em Nos tristes e repressivos anos 1970, a poesia rompeu o
1929, foram os nomes do movimento concretista. compromisso com a realidade, com o intelectualismo e
O grupo concretista foi influenciado por muitos e também com o hermetismo modernista e partiu para ser marginal,
influenciou muita gente. Em 1967, por exemplo, o Movi- diluidora, anticultural, pós-modernista.
mento Tropicalista esteve diretamente ligado aos irmãos Sem constituir um movimento unificado, poetas jovens de-
Campos e a Décio Pignatari. O cantor e compositor Caeta- clararam-se marginais e surgiram de norte a sul do País,
no Veloso é adepto da poesia concreta, assim como alguns espalhando que a poesia perdera a pompa e a solenidade
poetas marginais que apareceram nos anos 1970 e 1980. e decretando o fim da modernidade – e o início da pós-mo-
Além de várias obras individuais, o grupo concretista tem dernidade, nome empregado, inicialmente, para denominar
uma literatura cuja marca traz a resistência à ditadura mi-
poemas reproduzidos na revista Noigandres; também nas
litar como emblema.
revistas Invenção, Navilouca, Código, Pólen, Artéria, Poesia
em Greve e Qorpo Estranho. Leia abaixo os poemas de Cacaso:

Jogos florais I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá

105
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
multimídia: vídeo
Jogos florais II Fonte: Youtube

Minha terra tem Palmares Bruta aventura em verso


A escritora Ana Cristina Cesar foi um ícone da poesia
memória cala-te já.
marginal dos anos 1970 no Rio de Janeiro. Ela se ma-
Peço licença poética tou em 1983, aos 31 anos, deixando inúmeros leitores
Belém capital Pará. e adeptos. Partindo da apropriação de sua obra por ou-
tros artistas, o documentário procura captar a beleza e a
Bem, meus prezados senhores originalidade de sua escrita através do olhar de atores,
dado o avançado da hora dançarinos, poetas e amigos. O filme une, pela primeira
vez, imagens históricas de Ana Cristina enquanto cons-
errata e efeitos do vinho
trói uma narrativa audiovisual a partir de seus poemas.
o poeta sai de fininho.
(CACASO, “Jogos Florais”)
3.2. Corpo a corpo com a censura
3.1. “Negros verdes anos 70” A censura atingiu a grande imprensa, provocando alguns
O título acima é também um verso do poeta Cacaso e protestos em jornais e revistas, que passaram a utilizar es-
refere-se a uma década iniciada à sombra do terrível tratagemas para denunciar as “tesouradas”.
Ato Institucional nº 5 (editado a 13 de dezembro de
1968), anunciador de um tempo nebuloso, que abala- A censura foi também implacável com a chamada “im-
ria a história política brasileira. Aqueles que viveram o prensa alternativa”, objeto de permanente perseguição.
grande sonho dos anos 1960 agora estavam exilados, Jornais como O Pasquim e Opinião tratavam verdadeira-
silenciados, desencantados. mente corpo a corpo com os censores e tiveram várias de
suas edições retiradas das bancas; seus editores, jornalistas
A poesia desenvolvida sob a mira da polícia e da política,
e colaboradores foram vítimas constantes de prisões.
nos anos 1970, foi uma manifestação de denúncia e de
protesto, uma exploração de literatura geradora de poemas
espontâneos, aparentemente mal-acabados, irônicos, colo-
quiais, que falam do mundo imediato do próprio poeta,
zombam da cultura, escarnecem da própria literatura.
A profusão de grupos e movimentos poéticos, jogando
para o ar padrões estéticos estabelecidos, mostra um poeta
cujo perfil pode ser mais ou menos assim delineado: é jo-
vem, seu campo é a banalidade cotidiana, aparentemente
não tem nem grandes paixões, nem grandes imagens e faz
questão de ser marginal.

Primeira página do Jornal do Brasil, de 14 de dezembro de 1968. O AI-5 O irreverente tabloide O Pasquim tornou-se símbolo da
inaugurou um triste tempo de mordaças. resistência à ditadura.

106
Recuperaram-se alguns laços com a produção do primeiro
Modernismo (1922) – poemas-minuto, poema-piada; ex-
perimentaram-se técnicas – colagem, desmontagem dada-
ísta; praticaram-se formas consagradas – sonetos, haicai
(poema de origem japonesa em três versos e 17 sílabas).
Tudo foi possível no território livre da poesia marginal, até
escrevê-los em outro idioma, como os de Paulo Leminski à
multimídia: livro moda de um grafite:

Verdade tropical – Caetano Veloso en la lucha de clases


Autobiografia, memórias, histórias e ensaio mesclam-se todas las armas son buenas
num texto elegante, escrito por Caetano Veloso, que cati-
va da primeira à última página. Além de contar fatos mar- piedras
cantes de sua carreira, Caetano narra diversos episódios noches
decisivos de sua vida pessoal, incluindo, entre outros, a
infância e a adolescência em Santo Amaro, o primeiro ca- poemas
samento, a prisão em 68 e o exílio em Londres. O tema do
livro enfoca também a música popular. Caetano conta e 3.3.2. Proximidade com as artes visuais
interpreta a história do tropicalismo, relacionando-o com
Essa proximidade provocou o diálogo entre poetas concre-
outras manifestações musicais significativas. Mais ainda:
tos e poetas marginais. Técnicas próprias de outras artes
Verdade tropical reflete sobre questões que eclodiram nas
passaram a ser usadas para compor o poema – colagens,
décadas de 60 e 70, revelando um panorama da ditadu-
desenhos, grafismos, fotografias –, provocando uma lin-
ra do Cinema Novo de Glauber Rocha, da presença dos
guagem visual fragmentária, como neste poema de Nei
Beatles e dos Rolling Stones, das drogas e do amor livre.
Leandro de Castro:

3.3. Características da poesia marginal


Cumpre ressaltar, de início, que o adjetivo “marginal” refere-
-se exclusivamente à opção dos poetas de não se integrarem
ao sistema estabelecido. É, portanto, uma exclusão voluntária. 1822. Poema/processo de Nei Leandro de Castro.
A colagem feita em cima da data da independência
Explorando todas as possibilidades do papel – folhetos, do Brasil aproxima o poema de uma composição-
jornais – os artistas desse movimento foram às praças, alia- código ou poema-processo. Quer mostrar a
profunda dependência do País, invadido pelo capital
ram-se à música e organizaram exposições. estrangeiro – Ford, Telefunken, Nestlé etc.

3.3.1. Poesia mutante 3.3.3. Poesia de domínio público


A poesia que floresceu nos anos 1970 é inquieta, anárqui- A opção por ser marginal, por estar fora dos circuitos co-
ca: não se filia a nenhuma estética literária em particular, merciais do livro, circular de mão em mão, estar pichada
embora se possam encontrar nela traços de algumas van- nos muros, impressa em folhetos jogados do alto de edifí-
guardas que a precederam, como o Concretismo dos anos cios, fez dessa poesia um trabalho coloquial e lúdico, que
1950 a 1960 e o poema-processo. se voltou para a realidade mais imediata.

Os jovens poetas posicionaram-se contra as portas fecha- A descontração foi sua marca registrada. Com ela hou-
das da ditadura, contra o discurso organizado, contra o dis- ve certa alegria, uma forma de enfrentar a dureza dos
curso culto, contra a poesia tradicional e/ou universal. dias em que “falar de flores é quase um crime”, como
diz Bertold Brecht.
A poesia saiu da página impressa do livro e ganhou as ruas,
os muros, os sanitários públicos, as margens de outros tex-
tos em forma de carona literária. Estava em folhetos mime-
ografados, distribuídos de mão em mão, em bares, praias,
feiras, em qualquer parte.

107
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
multimídia: livro
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
Modernidade líquida – Zygmunt Bauman
Torquato Neto,
A modernidade imediata é leve, líquida, fluida e infini- Torquatália. Rio de Janeiro: Rocco, 2004
tamente mais dinâmica que a modernidade sólida que
suplantou. A passagem de uma a outra acarretou pro-
fundas mudanças em todos os aspectos da vida humana.
Zygmunt Bauman cumpre aqui sua missão de sociólogo,
esclarecendo como se deu essa transição e nos auxilian-
do a repensar os conceitos e esquemas cognitivos usados
para descrever a experiência individual humana e sua
história conjunta. Este Modernidade líquida complemen-
ta e conclui a análise realizada pelo autor em Globaliza-
ção: as consequências humanas e Em busca da política.
Juntos, esses três volumes formam uma análise brilhante
das condições cambiantes da vida social e política.

3.4. Principais poetas 3.4.2. Paulo Leminski


3.4.1. Torquato Neto
A maioria dos estudiosos da produção marginal dos anos
1970 aponta para o nome de Torquato Pereira de Araújo
Neto (1944-1972) como um dos que melhor representam
as múltiplas tendências daquele tempo: verdadeiro pai fun-
dador do que seria essa vanguarda.
Ele foi poeta e letrista de música popular e jornalista. Dono de
um tom polêmico e iconoclasta, seu livro Últimos dias de pau-
péria é uma publicação póstuma, organizada por Waly Salomão.
Veja um poema de Torquato Neto publicado no Almana-
que Biotônico Vitalidade, em 1969.
O curitibano Paulo Leminski (1944-1989) foi professor
Cogito de História e Redação em cursos pré-vestibulares, diretor
eu sou como eu sou de criação e redator de publicidade. Seus primeiros textos
pronome foram publicados em revistas alternativas, antologias do
pessoa intransferível tempo marginal: Qorpo estranho, Muda e Código.
do homem que iniciei Segundo ele mesmo, foram “publicações que consagraram
da medida do impossível grande parte da produção dos anos 1970, pequenas revistas,
atípicas, prototípicas, não típicas, coletivas, antológicas, repre-
eu sou como eu sou
sentando um grupo ou tendências (formalistas, pornôs, margi-
agora nais), no qual predominou a faixa etária dos 20 aos 30 anos”.
sem grandes segredos dantes
Leminski incluiu-se entre os poetas que praticaram a au-
sem novos secretos dentes toedição (samizdat): “todo mundo juntando grana para
nesta hora comprar a droga da poesia”, declarou.

108
Precocemente falecido, viveu em Curitiba com a poetisa ser um poeta social
Alice Ruiz, que vem organizando toda a obra dele. Entre
rosto queimado
outros livros de poesia editados nos anos 1980, há Capri-
chos e relaxos, La vie em close, Não fosse isso e era menos pelo hálito das multidões
/ Não fosse tanto e era quase. em vez
johny? está me ouvindo? olha eu aqui
johny? está me ouvindo? sim sim claro tua mãe e pondo sal
eu perdoamos já perdoamos eu disse perdoamos
nesta sopa rala
isso acontece claro acontece a qualquer um eu disse
qualquer um é to anyone do you hear me yes we for- que mal vai dar para dois
give you i Said your mother your mother forgives you LEMINSKI, Paulo. La vie em close. Ob. cit.
yes you do you hear me now whatever it is é claro
tudo perdoado tua mãe perdoa mãe sempre perdoa 3.4.3. Cacaso
tudo eu disse tudo tudo forgives yes your mother and
i we never pai sempre perdoa i forgive you perdoo
perdoo agora vá dormir my poor johny dormir eu dis-
se já disse que perdoo tua mãe perdoa agora johny
está me ouvindo johny está me ouvindo when i say
do you hear me yes johny do you do you do.
LEMINSKI, Paulo. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de; MESSEDER,
Carlos Alberto.
Poesia jovem, anos 70. São Paulo: Abril Educação. 1982.

Lápide 1 O poeta, compositor e ensaísta Antonio Carlos de Brito (1944-


epitáfio para o corpo 1988) assinou seus poemas e suas músicas com o pseudô-
nimo Cacaso. Professor da Universidade Federal do Rio de
Aqui jaz um grande poeta. Janeiro, fez sua estreia literária em 1967, com o volume de
Nada deixou escrito. poemas A palavra cerzida, em que ainda se notam influências
de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto,
Este silêncio, acredito
Cecília Meireles, entre outros poetas da modernidade.
são suas obras completas.
Com Grupo escolar, publicado em 1970, mudam-se os ei-
Lápide 2 xos de sua poesia, agora mais marcada pela presença de
epitáfio para a alma Manuel Bandeira e, principalmente, Oswald de Andrade.

aqui jaz um artista Cacaso caminhou para uma grande independência literária
com Beijo na Boca e Segunda classe (este em coautoria
mestre em disfarces com Luís Olavo Fontes), ambos de 1975, integrantes da
viver coleção Vida de Artista.
com a intensidade da arte Agudo crítico literário, foi dos primeiros ensaístas a analisar a
poesia marginal em Tudo da minha terra – bate-papo sobre po-
levou-o ao infarte
esia marginal, de 1975, ensaio com que participou de um de-
deus tenha pena bate promovido pelo Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro.
dos seus disfarces
Poema de Cacaso
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos.
São Paulo: Brasiliense, 1984. Logia e mitologia
eu queria tanto Meu coração
ser um poeta maldito de mil e novecentos e setenta e dois
a massa sofrendo já não palpita fagueiro
enquanto eu profundo medito sabe que há morcegos de pesadas olheiras
eu queria tanto que há cabras malignas que há

109
cardumes de hienas infiltradas Eu penso
no vão da unha da alma a face fraca do poema / a metade da página partida
um pouco belicoso de radar Mas calo a face dura
e que sangra e ri flor apagada no sonho
e que sangra e ri Eu penso
a vida anoitece provisória a dor visível do poema / a luz prévia
centuriões sentinelas dividida
do Oiapoque ao Chuí Mas calo a superfície negra
In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de;
MESSEDER, Carlos Alberto. Op. cit. pânico iminente do nada
CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. Poesia/
3.4.4. Ana Cristina César prosa. São Paulo: Brasiliense, 1991.

3.4.5. Presenças femininas


Um sem-número de livros e antologias provocaram efer-
vescência editorial independente com a produção feminina
aos anos 1970.
A literatura foi formada pela imaginação feminina e pela
palavra da mulher. Algumas antologias agruparam essas
Ana Cristina César (1952-1983), licenciada em Letras produções: Mulheres da vida, de 1978; Palavra de mulher,
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, de 1979; e Abolição da escravatura, de 1979.
em 1976, exerceu intensa atividade jornalística e editorial.
Adélia Prado, Leila Micolis, Isabel Câmara, Ângela Melin,
Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro, em 1979, passou alguns anos no exterior, com Alice Ruiz, Ledusha, entre outras, são escritoras dessa safra,
bolsa de estudos pela Rotary Foundation. que deixou um dos maiores acervos da década.

A teus pés (poesia e prosa), publicado em 1983, reúne três Basta de cristandade
livros: Cenas de abril, Correspondência completa e Luvas
de pelica. De publicação póstuma são Inéditos e dispersos, de santidade
Escritos na Inglaterra e Escritos no Rio.
de moralidade
A maioria dos textos de Ana ficou inédita e foi organizada em
forma de livro por familiares, amigos e por Armando de Freitas obscuridade
Filho, com quem viveu. Esses textos revelam alguém que mui- Desejo a obscenidade
to refletiu sobre a condição feminina, recusando-se a aceitar
a ideia de que a mulher deve escrever sobre coisas diáfanas, a oleosidade
leves, etéreas, nuvens e riachos. Em depoimento de 1983, dis- a realidade
se que “talvez o feminino seja uma coisa mais violenta do que
isso. Talvez o feminino seja mais sangue, mais ligado à terra...” Desde essa idade
curto Marquês de Sade
Tenho uma folha branca
     e limpa à minha espera: me arde antes que seja tarde.
Cristina Ohana
mudo convite
tenho uma cama branca Haikai
     e limpa à minha espera: o ai

mudo convite quando um flho


tenho uma vida branca cai
     e limpa à minha espera: Alice Ruiz

110
Venho e vou lua Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Uma mulher tem só caprichos, baby. Ataquei-os por trás com mão e palavras
Os cheiros delas. Que nunca suspeitei conhecesse.
Adoro. Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
Adoro, baby. gritei meu urro, a torrente de impropérios.
os gestos nos anéis. Ajuntou gente, escureceu o sol,
Lavandas. a poeira adensou como cortina.
O Banho, feito eterno. Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
E os dias pretos. sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida,
A gaze preta delas. uivava.
Véus Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se
pelas mãos, pelas pernas. Quando não pude mais fiquei rígida,

São sem olhos. as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,


Ângela Melin eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
Verdes anos as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo graças.
minha tia escutava bolero Desde então faço milagres.
PRADO, Adélia. Bagagem. Rio de Janeiro: Record.
dias e dias só chorando
secava
maldizendo ficasse grande
Glória Perez

Amor e dor
Quanto mais você demora
mais me assalta.
Depois
Adélia Prado
não sei se quero o homem que me chega
ou o que me
falta
Maria Rita Kehl

Quem diante do amor


ousa falar do inferno?
Quem diante do inferno multimídia: vídeo
ousa falar do Amor? Fonte: Youtube
Ninguém me ama Entreatos
ninguém me quer De 25 de setembro a 27 de outubro de 2002, a
equipe de filmagem acompanhou, passo a passo, a
ninguém me chama de Baudelaire
campanha de Luís Inácio Lula da Silva à presidência
Isabel Câmara. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque da República. O filme revela os bastidores de um
de; MESSEDER, Carlos Alberto. Op. cit.
momento histórico através de material exclusivo,
Briga no beco como conversas privadas, reuniões estratégicas, te-
Encontrei meu marido às três horas da tarde
lefonemas, traslados, gravações de pronunciamen-
tos e programas eleitorais.
com uma loura oxidada.

111
VIVENCIANDO

Fotografia

Tropicalistas: da esquerda para a direita, em pé: Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias e Tom Zé; sentados: Rogério
Duprat, Caetano Veloso, Gal Costa e Torquato Neto. Gilberto Gil. Nos quadros: Nara Leão e Capinan.

Artes plásticas

Alta–mira, de Eduardo Kobra (2011)

112
VIVENCIANDO

Série de angústias, de Diego Limberti (2015)

113
ÁREAS DO CONHECIMENTO DO ENEM

HABILIDADE 5
Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos,
mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de pro-
dução e recepção.

HABILIDADE 16
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.

Esta competência trata de uma das várias formas de expressão artística existentes, a literatura. Mas um texto
pode ser também arte, assim como a música, a dança e a pintura? Sim, aqueles textos que satisfazem alguma
necessidade artística humana, provocando alguma sensação de prazer no leitor, e que são definidos socialmente
como importantes e representativos de uma forma de pensar (através da escola, autores e instituições da área),
são considerados literários.
Esta habilidade pressupõe que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso o conceito de
uma escola literária específica. A construção dos procedimentos literários está ligada aos fatores estéticos que
podem levar em consideração a forma e/ou conteúdo do texto em relação à concepção artística do contexto.

MODELO 1
(Enem)Logia e mitologia
Meu coração
de mil e novecentos e setenta e dois
já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras
que há cabras malignas que há
cardumes de hienas infiltradas
no vão da unha na alma
um porco belicoso de radar
e que sangra e ri
e que sangra e ri
a vida anoitece provisória
centuriões sentinelas
do Oiapoque ao Chui.
CACASO Lero-ero, Rio de Janeiro: 7Letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002,

O título do poema explora a expressividade de termos que representam o conflito do momento histórico vivido pelo poeta
na década de 1970. Nesse contexto, é correto afirmar que
a) o poeta utiliza uma série de metáforas zoológicas com significado impreciso.
b) “morcegos”, “cabras” e “hienas” metaforizam as vítimas do regime militar vigente.
c) o “porco”, animal difícil de domesticar, representa os movimentos de resistência.
d) o poeta caracteriza o momento de opressão através de alegorias de forte poder de impacto.
e) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agentes que garantem a paz social experimentada

114
ANÁLISE EXPOSITIVA
Os versos de Cacaso mostram a opressão que caracterizavam os anos 70, típicos de um regime severo, atra-
vés de uma alegoria já mostrada no título. “Logia e Mitologia” o estudo de um mito através de uma lógica.

RESPOSTA Alternativa D

DIAGRAMA DE IDEIAS

CONCRETISMO

A POESIA CONCRETA MARCOU UM MOVIMENTO INTE-


RESSANTE EM NOSSA LITERATURA, NO QUE DIZ RES- OS PRINCIPAIS ESCRITORES E TEÓRICOS DA POESIA
PEITO À EXPERIMENTAÇÃO DA PALAVRA QUE SE APRO- CONCRETA BRASILEIRA SÃO: AUGUSTO DE CAM-
PRIA DOS ESPAÇOS EM BRANCO DO PAPEL E SE VALE POS, HAROLDO DE CAMPOS E DÉCIO PIGNATARI.
DE NOVAS DINÂMICAS SINTÁTICAS E SEMÂNTICAS.

POESIA MARGINAL E CONTEMPORÂNEA

A OBRA “VERDADE TROPICAL”, DE CAETANO


A POESIA MARGINAL RESSIGNIFICOU AS REGRAS VELOSO, DISSERTA, A PARTIR DE UM PONTO
DO MERCADO EDITORIAL COM POEMAS SOLTOS EM DE VISTA PECULIAR E SIGNIFICATIVO, SOBRE
GUARDANAPOS, BARES, SARAUS E MIMEÓGRAFOS. O QUE FOI A IDEIA DA TROPICÁLIA E COMO
ELA REVERBEROU NA LITERATURA E NA
ARTE EM GERAL DO BRASIL NO PERÍODO.

AS PRINCIPAIS FIGURAS DA POESIA MARGINAL BRA-


SILEIRA SÃO: ANA CRISTINA CÉSAR, PAULO LEMINSKI,
WALLI SALOMÃO, TORQUATO NETO E CACASO.

115
um dos nomes daquilo que é hoje também certa caracte-
AULAS 41 E 42 rística literária, inclusive, balizada pelo mercado editorial:
o constante fluxo de produção dos autores que vivem tão
somente da Literatura.

PROSA NO BRASIL:
1960-1980

COMPETÊNCIA: 5

HABILIDADES: 15, 16 e 17
O cinema e a literatura se renderam às armadilhas
da BR-381. Por ironia, o autor da ficção mais famosa
a tratar dos perigos da estrada morreu num desastre

1. Caminhos para criar na Rodovia da Morte. Em 1967, o mineiro Oswaldo


França Júnior publicou Jorge, um brasileiro, cujo en-
“A criação literária? O escritor pode ser louco, mas não redo é a saga de oito caminhoneiros numa viagem
enlouquece o leitor, ao contrário, pode até desviá-lo da do Vale do Aço a Belo Horizonte. No fim do romance,
loucura. O escritor pode ser corrompido, mas não cor-
ele alertou os leitores: “Perto de Monlevade, entra-
rompe. Pode ser solitário e triste e ainda assim vai ali-
mentar o sonho daquele que está na solidão”.
mos na estrada nova e começamos a correr. Tive que
me lembrar e diminuir aquela correria, porque com
Lygia Fagundes Telles.
carros pesados como estavam aqueles, isso não era
Sabe-se que a partir da década de 50, diversos movimentos coisa boa”. Vinte e dois anos depois, o Escort que o
buscavam solucionar certo impasse literário gerado pelo le- romancista dirigia rodou na pista e despencou numa
gado modernista e pela sinalização do momento político. ribanceira, de 60 metros, perto de Monlevade.
Na poesia, tiveram início os influxos concretistas, seguido
França Júnior tinha ido à cidade para um encontro
pelo tropicalismo e pela conhecida literatura marginal. Já a
cultural. Seu romance, no ano da publicação, fora
prosa parecia enfrentar uma estagnação ainda maior, uma
contemplado com o Walmap, o principal prêmio de
vez que a renovação se fazia, e ainda hoje se faz, pouco
literatura da época. Dois dos jurados foram Guima-
palpável, após o impacto a ser introduzido por escritores
rães Rosa e Jorge Amado. Um ano antes de o escritor
como Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
morrer, Jorge, um brasileiro foi destaque no cinema.
Avançando um pouco no tempo, a década de 60, contudo, Levado para a telona em 1988, o filme foi estrelado
passa a figurar como um marco, ainda que incerto, de uma por Carlos Alberto Riccelli. O sucesso do romance
mudança no lugar social do autor/escritor. Em seu livro, A inspirou ainda o seriado Carga pesada, exibido na
dimensão da noite (2004), João Luiz Lafetá elenca o perío- TV Globo. Poucas mudanças significativas ocorreram
do como o momento de modificação no meio editorial, para na estrada desde a morte do escritor, em junho de
ele, é a partir desse momento que surge, de forma ampla, 1989, quando a 381 era chamada de 262
a profissão de escritor, bem como o fato de que o mercado Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/
editorial passa, agora, a publicar não somente aqueles que gerais/2013/03/10/interna_gerais,355881/autor-
de-livro-que-tratava-dos-riscos-da-br-381-morreu-
atuavam sob o manto bacharel-funcionário público. na-estrada.shtml>. Acesso em: 08 jun. 2021.

Nessa direção, comenta ainda que há nomes como Cyro


dos Anjos, Murilo Rubião e Otto Lara Rezende, que publi- Nesse ínterim, cabe, também, destacar que a década de
carão, sem deixar de ser sérios ou melhores em qualidade, 60 é marcada pelo Golpe Militar de 64, questão que, sem
livros, ao longo de "uma vintena de anos", de forma espo- sombra de dúvida, influencia, em forma, conteúdo e distri-
rádica. Contudo, outros, como Oswaldo França Júnior, será buição, o trabalho literário. Desse modo, pode-se pensar

116
que a Literatura produzida entre as décadas de 60 e 80, Caio Fernando de Abreu nasceu no Rio Grande do Sul em
acontece sob os seguintes eventos: setembro de 1948. Caio foi um escritor e jornalista agra-
ciado três vezes com o prêmio Jabuti de Literatura, prêmio
§ Desdobramentos do governo de Juscelino Kubitschek;
de maior prestígio em território nacional. Tendo feito parte
§ Efervescência cultural (bossa nova, cinema, teatro de do cenário literário alternativo e até mesmo marginal da
arena); época, Caio chegou, inclusive, a morar com Hilda Hilst, im-
§ Golpe militar de 64; portante poeta brasileira, em Campinas, no ano de 1968,
quando ele estava sendo perseguido pela ditadura militar.
§ Nacionalismo capitalizado pelo tricampeonato mundial
da Seleção Brasileira; Embora publicasse desde 1966, entre contos e romances,
sua publicação mais famosa Morangos Mofados, data
§ Lei da Anistia (1979); de 1982. Caio Fernando de Abreu foi uma das vítimas
§ Os anos 80 iniciam as mobilizações populares pelas famosas do vírus HIV, o qual se descobriu portador em
eleições direta; 1994. Na tentativa de diminuir o estigma sobre a doença,
declara sua condição publicamente nas mídias impressas.
É comum que textos desse período apareçam Em 1996, com 47 anos, falece em Porto Alegre, em de-
como aparatos para questões que vão desde a corrência da doença.
interpretação de textos até mesmo problemas
interdisciplinares envolvendo Geografia e Histó- 2.1.1. Morangos Mofados
ria. Assim, dominar características da produção Publicado em 1982, Morangos Mofados marca o final dos
do período, bem como aprofundar os estudos anos de ditadura e consequente abertura política no país. É
sobre os gêneros literários é e será, sem dúvida, um livro de contos que se divide em três partes, estrutura-
uma ferramenta a mais para o estudante elabo- das da seguinte maneira:
rar, com calma, as respostas aos problemas pro-
postos pelo exame vestibular. § 1ª parte – o mofo: constituí-se de nove contos. Nessa
primeira parte, representa-se o que foi a ditadura mili-
tar, vemos um processo de desumanização e impotên-
2. Contos cia de liberdade.
§ 2ª parte – morangos: constituí-se de oito contos. Assim
O romance e o conto se deixam comparar analogica-
como na última parte, trata-se da gradual transição da
mente com o cinema e a fotografia, na medida que um
morte à vida, da solidão à esperança. Há, assim, um
filme é em princípio uma "ordem aberta", romanesca,
enquanto uma fotografia bem realizada pressupõe uma
leve teor de esperança, um pequeno fio, que inclusive
justa limitação prévia, imposta em parte pelo reduzido
singulariza este livro dos demais do autor.
campo que a câmara abrange e pela forma com que o § 3ª parte – morangos mofados: apresenta um único
fotógrafo utiliza esteticamente essa limitação. [...] conto, este que dá nome ao livro.
O contista sabe que não pode proceder acumulativa- A obra aborda o que podemos considerar como temas
mente, que não tem o tempo por aliado; seu único re- preponderantes no autor: estranhemento, marginalização,
curso é trabalhar em profundidade, verticalmente, seja dor, solidão. Ambientados em um espaço marcado pela
para cima ou para baixo do espaço literário. pós-modernidade, vemos personagens degradados, pela
– J. Cortázar esquizofrênia, pela Aids, pelo desencanto. A cidade é o ce-
nário da maioria dos contos e a realidade se faz filtrada
2.1. Caio Fernando de Abreu pela interioridade de seus personagens.
"Não queria que ele pensasse que eu andava bebendo,
e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando
também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro,
chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estô-
mago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse
que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria
que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse,
e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que
não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava
relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu
andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem

117
soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto
porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu O PIROTÉCNICO ZACARIAS
não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era."
E se levantará pela tarde sobre ti uma luz como
– ABREU, C. F. Além do ponto. In.: Morangos mofados. a do meio-dia; e quando te julgares consumido,
nascerás como a estrela-d’alva.
Nessa direção, a obra adquire tom intimista e o que antes
se marcava como preocupação social se multiplica também ( Jó, xi, 17)
em constituição psicológica a partir de traumas pessoais Raras são as vezes que, nas conversas de amigos
das personagens. Trata-se, assim, de uma literatura urbana, meus, ou de pessoas das minhas relações, não surja
com linguagem coloquial, que trabalha com temas pouco esta pergunta. Teria morrido o pirotécnico Zacarias?
comuns (como o amor homoerótico) e expande, assim, o
A esse respeito as opiniões são divergentes. Uns
repertório e o alcance da literatura. acham que estou vivo — o morto tinha apenas
alguma semelhança comigo. Outros, mais supers-
2.2. Murilo Rubião ticiosos, acreditam que a minha morte pertence ao
rol dos fatos consumados e o indivíduo a quem an-
dam chamando Zacarias não passa de uma alma
penada, envolvida por um pobre invólucro huma-
no. Ainda há os que afirmam de maneira categórica
o meu falecimento e não aceitam o cidadão exis-
tente como sendo Zacarias, o artista pirotécnico,
mas alguém muito parecido com o finado.
Uma coisa ninguém discute: se Zacarias morreu, o
seu corpo não foi enterrado.
A única pessoa que poderia dar informações cer-
tas sobre o assunto sou eu. Porém estou impedido
Murilo Rubião nasceu em Minas Gerais, na cidade que é de fazê-lo porque os meus companheiros fogem
hoje Carmo de Minas, em 1916. Embora tenha escrito um de mim, tão logo me avistam pela frente. Quando
número pequeno de contos, é considerado o pioneiro da li- apanhados de surpresa, ficam estarrecidos e não
teratura fantástica no país. Entre jornais e revistas, publicou conseguem articular uma palavra.
cerca de 50 contos, embora, os seus sete livros lançados
totalizem somente 33, pois, perfeccionista, o autor sempre Em verdade morri, o que vem ao encontro da ver-
buscou lapidar ao máximo os seus textos. são dos que creem na minha morte. Por outro lado,
também não estou morto, pois faço tudo o que an-
Na década de 40, mais especificamente em 1947, já pu- tes fazia e, devo dizer, com mais
blicava seu primeiro livro. Contudo, a maior parte de suas
agrado do que anteriormente.
publicações se dá após a década de 60. Além disso, as ino-
vações que traz ao campo literário são de forte expressão, [...]
distanciando-a de uma estética puramente modernista. RUBIÃO, M. O pirotécnico Zacarias. In.: Obra Completa.

2.2.1 Características
Rubião desenvolve uma vertente literária que a crítica no- 2.3. Dalton Trevisan
meia de realismo fantástico ou realismo mágico. Tra-
ta-se, assim, de um estilo literário marcado pela concepção
de situações absurdas, inexplicáveis, mas orientadas por
uma lógica realista e racional, causando um efeito de estra-
nhamento ao leitor. Exemplo disso, é o conto "Pirotécnico
Zacarias", no qual, um morto-vivo, intriga-se com a própria
morte e tece, a partir disso, reflexões sobre a sua condição.
Acentuando o realismo fantástico, a linguagem objetiva do
autor faz com que se construa uma naturalização das situa-
ções apresentadas, por mais inusitadas que sejam. Além disso,
verifica-se a importância do narrador como condutor do leitor
na trama e figuração da imersão no elemento do fantástico.

118
Dalton Trevisan é autor curitibano nascido em 1925. Em ção de um jornal dentro do colégio. Nesse período, passa
2012, recebeu o prêmio Camões pelo conjunto de sua a escrever artigos e crônicas para revistas da região, tor-
obra. É considerado o maior contista brasileiro vivo e, nando seu nome localmente conhecido. Em 1941, com 18
embora tenha todos esses prêmios, seu apelido "o vam- anos, está na faculdade de Direito de Minas Gerais.
piro de curitiba", título de seu primeiro livro, lançado em
Seus contos são reunidos em seu primeiro livro Os grilos não
1965, justifica-se em função da personalidade reclusa e
cantam mais (1941), é o seu primeiro lançamento literário.
tímida do autor.
Passa a contribuir com revistas e jornais literários fora de Mi-
nas Gerais, participando de suplementos no Rio de Janeiro.
2.3.1. Características Durante esse período o escritor formou amizade com outros
Com contos marcados pelo conflito, a linguagem de Dalton escritores mineiros, como, em ordem alfabética, Hélio Pelle-
Trevisan é rápida e ágil. Seus textos apresentam dramas grino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Rezende.
de personagens comumente marginalizados, expectativas Fernando Sabino irá publicar O encontro marcado em 1956,
de felicidade diante da realidade nua, crua e infértil, por livro que fará muito sucesso com a crítica e com o público. É
exemplo, são lugares comuns na sua literatura. um romance longo, que surpreende seus leitores, acostuma-
Seus contos são normalmente ambientados em uma Curi- dos a contos, crônicas e artigos de jornal. O livro será lançado
tiba fantástica, o que leva ao leitor a sensação de não saber também em Portugal e na Alemanha nos anos seguintes.
ao certo se lê sobre lugares reais ou ficcionais. Dalton, em Perto dos seus 40 anos, em 1960, Fernando Sabino se
sua Curitiba mítica, explora a fria capital como um espaço torna correspondente do Jornal Brasil em Cuba. Escreve
de ardente vida e transformação. reportagens sobre a revolução cubana. O autor funda,
Não somente, Dalton explora o gênero conto em grande ainda, duas editoras: Editora do autor, da qual ele deixa de
proporção, sendo conhecido como pioneiro do microconto, participar em 1965 para fundar a Editora Sabiá.
isto é, o conto em sua máxima potência de síntese. Quando João Goulart governa, em 1964, Fernando Sabino
se torna Adido Cultural (responsável por representar os in-

3. Romances teresses culturais de seu país) na embaixada brasileira em


Londres. Funda a Bem-te-vi Filmes já na década de 70 e,
em 1975, encerra sua permanência no Jornal Brasil.
3.1. Fernando Sabino A partir daí, em 1977, passa a publicar crônicas semanais
no jornal "O Globo" – contribuição que se dará por 12
anos (seus textos serão reproduzidos em Lisboa e em ou-
tros oitenta jornais do Brasil).
Sabino falece na cidade do Rio de Janeiro, em 2004.

3.1.1. O encontro marcado


O encontro marcado é um romance de Fernando Sabino de
surpreendente repercussão, já que o autor nunca antes ha-
via escrito um romance extenso como esse. Publicado em
1956, o livro conta a história de um jovem com aspirações
a escritor por volta da década de 30. Parte, assim, de um
lugar comum aos sentimentos dos jovens da época e aca-
Fernando Sabino é Fernando Tavares Sabino, importante ba ficando marcado como um grande romance de geração.
nome da literatura brasileira que nasceu em Minas Gerais na
Rapidamente, portanto, o livro se tornou uma espécie de
década de 20 e se consagrou como um grande escritor com
guia para os jovens da época. Vale dizer, ainda, que o livro
seus contos e com o romance O encontro marcado (1956).
embrenha-se muito na própria vida do autor, de modo que
O autor nasceu em 1923 e aprendeu a ler com a sua mãe, podemos, inclusive, fazer algumas transferências: a epígra-
em casa. Assim, em 1930 ingressou no grupo escolar Afon- fe que abre a obra é de Hélio Pellegrino, escritor mineiro re-
so Pena. Os seus anos de ginásio foram cumpridos no Gi- presentado na obra pela personagem Mauro. Hugo é Otto
násio Mineiro, de onde saiu como primeiro da turma. Lara Resende. É claro, porém, que buscar esses pontos não
No ano de 1936, Fernando Sabino já tinha publicado o seu nos interessa muito, já que a leitura da obra se dá pelo
primeiro conto. Nos anos seguintes, faria parte da funda- texto que ali se apresenta, sobretudo.

119
Acompanhamos, assim, um Fernando Sabino que é também contra a censura e que foi assinada pelos mais represen-
Eduardo, pelas ruas de Belo Horizonte e na sua trajetória no tativos intelectuais do Brasil."
Rio de Janeiro. Dividido em duas partes, O encontro marcado http://www.academia.org.br/academicos/lygia-fagundes-telles/biografia

tece reflexões sobre a vida e sobre a escrita, podendo ser vis-


to como um metarromance que trata temas como a política, 5.2.1. As meninas
o psicanalítico, o existencialismo, a arte literária e o idealismo
As meninas (1973) apresenta-se como uma grande obra da
autora. Ímpar em seu enredo e composição, a obra fez grande
5.2. Lygia Fagundes Telles sucesso na época de sua publicação, tratando de temas polê-
micos mesmo dentro de um contexto de ditadura e repressão.
A trama gira em torno da vida de três meninas que vivem em
uma pensão, Lia, Lorena e Ana Clara. É na maneira de narrá-la,
porém, que a genialidade de Lygia Fagundes Telles entra em
cena. A obra tem como temporalidade predominante o tempo
psicológico, de modo que passado e presente podem parecer
se misturar, assim como uma pluralidade estilística na me-
dida que vamos acompanhando cada uma das personagens.
Temos a ideia de um narrador, que cede a sua voz majoritaria-
mente para que as próprias meninas deem voz à narrativa. É
interessante notar como, também, o leitor sempre sabe, depois
do primeiro contato com as meninas, qual delas está narrando
a obra, devido às diferentes formas que cada uma enxerga o
mundo e o ambiente ao seu redor. Nesse sentido, fala-se de
Lygia Fagundes Telles (LFT) é uma escritora paulista, nas-
um narrador onisciente, cuja principal função é apenas mer-
cida em abril de 1923, que muito se destaca na Literatura
gulhar, a cada momento, na psique de uma das personagens.
Brasileira. Ela faz parte da Acadêmia Brasileira de Letras,
ocupando a quarta cadeira. Lygia é formada em Direito,
mas a vocação literária surge na sua adolescência; vocação
essa que seria bastante incentivada por grandes amigos li-
terários: Carlos Drummond de Andrade, o poeta de Itabira,
e Érico Veríssimo, ambos modernistas.
Embora tenha começado a escrever na adolescência, é de
Lygia a frase “a pouca idade não justifica o nascimento de
textos prematuros, que deveriam continuar no limbo”, utili-
zada pela autora como uma forma de negar os escritos juve-
nis. Autora de uma série de livros de contos e de romances,
seu primeiro livro tido pela crítica literária como um livro da
maturidade é Ciranda de Pedra (1954), também o seu pri-
meiro romance. O livro foi bem recebido por grandes nomes
da crítica, como Antonio Candido e Otto Maria Carpeaux.
Na sua trajetória literária, LFT teve participação ativa, conside- Cartaz do filme As Meninas (1995), baseado
na obra de Lygia Fagundes Telles.
rando, ela mesma, a sua literatura como uma arte engajada.
Lygia, afinal, de alguma maneira, compõe a terceira geração A obra trata de temas como o sexo, o aborto, as drogas, a
modernista, ou seja, possuindo uma obra comprometida com repressão, a prostituição, a religião, a perspectiva feminina,
a difícil condição do ser humano em um país comumente o Brasil, a urbanização, entre outras questões importantes.
marcado por frágeis sistema educacionais e de saúde.
"Participante desse tempo e dessa sociedade a escritora
buscou apresentar através da palavra escrita a realidade 6. Crônica
envolta na sedução do imaginário e da fantasia. Mas
enfrentando sempre a realidade desse país: em 1976, o que interessa é que a crônica acusada injustamente
durante a ditadura militar, integrou uma comissão de es- como um desdobramento marginal ou periférico do fa-
critores que foi a Brasília entregar ao Ministro da Justiça zer literário, é o próprio fazer literário.
o famoso “Manifesto dos Mil”, veemente declaração – Eduardo Portella

120
Antonio Candido foi um importante estudioso do gênero 6.1.1. Características
no Brasil. Para ele, havia um certo estigma de que a crônica
O autor traz como marca o uso do tom coloquial, o que
fosse um gênero menor, algo que, na sua acepção, talvez
não quer dizer que sua escrita esteja despida de elegância,
fosse justamente uma benção do modo de se escrever o
pelo contrário, Veríssimo traz no prosaísmo um domínio
breve texto. Assim, em seus estudos, discorre sobre alguns
célebre da língua portuguesa. Seus personagens, assim,
tipos de crônicas, sistematizados a seguir:
representam, ora de forma humorada, ora de forma refle-
§ Crônica diálogo: apresenta um diálogo, seja entre o xiva, muito bem os aspectos da realidade brasileira. Nessa
cronista e o seu interlocutor imaginário ou entre os direção, ironiza problemáticas sociais e políticas, trazendo
personagens criados no texto. uma crítica velada, mas sempre bem humorada.
§ Crônica narrativa: aproxima-se do conto, na medida que
ação, tempo e espaço são importantes elementos. Brin- A metamorfose
da o leitor com diálogos ágeis e finais surpreendentes. Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado
num ser humano. Começou a mexer suas patas e viu que só
§ Crônica de exposição poética: divagação lírica sobre
tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação
determinado assunto. difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpre-
§ Crônica biográfica lírica: biografa uma personalidade sa e sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram
de forma poética. É uma forma comumente usada para aterrorizadas para trás do móvel. Ella quis segui-las, mas não
coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi: “Que
se prestar homenagens.
horror… Preciso acabar com essas baratas…”
Fernando Sabino, Paulo Mendes e outros autores, na se- Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela
gunda metade do século XX, exploraram e se beneficiaram seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez uma espécie
da crônica, em especial no que diz respeito às potenciali- de manto com a cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu
dades do gênero: maior alcance entre o público. Porém, o pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa
nome que se sobressai dentro do gênero é o de Luis Fer- de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita.
Para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais,
nando Veríssimo, sem excluir as importantes crônicas feitas
mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou
na história da literatura brasileira. um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome
não bastava. A que classe pertencia?… Tinha educação?….
6.1. Luis Fernando Veríssimo Referências?… Conseguiu a muito custo um emprego como
faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro
não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas
os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem
as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar ?
Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa
e banho. Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada.
Filas no Instituto Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O
marido desempregado… Finalmente acertou na loteria. Quase
quatro milhões ! Entre as baratas ter ou não ter quatro milhões
não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro.
Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer
Luis Fernando Veríssimo, nascido em Porto Alegre, no ano de bem, a cuidar onde põe o pronome. Subiu de classe. Contratou
babás e entrou na Pontifícia Universidade Católica.
1936, é filho do, também escritor, Érico Veríssimo. Escritor, hu-
morista, tradutor, cartunista, entre outras atribuições conside- Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em
barata. Seu penúltimo pensamento humano foi : “Meu Deus!…
radas literárias, o autor tem seu merecido destaque como um
A casa foi dedetizada há dois dias!…”. Seu último pensamento
importante cronista na história da literatura brasileira.
humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira e que o
Entre seus diversos títulos e antologias, como Comédias safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois desceu
para se ler na escola e As mentiras que os homens con- pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava
mais em nada. Era puro instinto. Morreu cinco minutos depois ,
tam, é possível identificar características de estilo bastante
mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.
pertinentes ao autor e também ao gênero. Luis Fernando
Veríssimo, afinal, é, sem dúvida, um ponto de referência, Kafka não significa nada para as baratas…

que continua a escrever nos tempos atuais, para aqueles VERÍSSIMO, Luis Fernando. A metamorfose.
que se aventuram pelo gênero.

121
[...] carecíamos de um português sem Portugal, de um
AULAS 43 E 44 idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar
uma identidade própria. Até se dar o encontro com o
português brasileiro, nós falávamos uma língua que não
nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade,
é um outro modo de viver calado. [...]

LITERATURA LUSÓFONA Descobríamos essa nação num momento histórico em


que nos faltava ser nação. O Brasil – tão cheio de África,
CONTEMPORÂNEA: tão cheio da nossa língua e da nossa religiosidade – nos
entregava essa margem que nos faltava para sermos rio.
PERCEPÇÕES CRÍTICAS – COUTO, Mia.

SOBRE A LUSOFONIA. Nessa direção, desenvolve-se uma relação de irmandade e


um aprendizado entre os países: a língua é de quem fala. A
fala de Luandino Vieira, portanto, ganha um importante im-
COMPETÊNCIA: 5 pacto ao mostrar a apropriação de uma língua como algo que
será sempre a expressão da cultura de um povo, mesmo que,
HABILIDADES: 15, 16 e 17 no passado, tenha sido instrumento de dominação. A língua,
afinal, é viva, e atua a favor dos interesses de quem a usa.

2. Caminhos poéticos
1. Lusofonia Historicamente, sabe-se que grande parte da população
de países africanos lusófonos não teve acesso à educação
A língua portuguesa, afirmou o escritor [LUANDINO
VIEIRA], logo após a libertação de Angola, é um “troféu
formal durante o período em que se encontravam como
de guerra”*. Na imagem bélica evidencia-se a vitória so- colônia portuguesa. Assim, uma cultura marcada pela ora-
bre o inimigo e a consequente conquista de um valioso lidade irá repercutir não somente nas primeiras tentativas
espólio, que as guerras de um modo geral colocam em de produção literária como até hoje nas produções mais
jogo. É possível perceber ainda na frase de Luandino cer- recentes. Nesse aspecto, no contexto específico, a poesia
ta ironia, uma vez que a vitória é proclamada justamente se mostrou como o caminho literário mais seguro para, ini-
na língua do inimigo, agora um “troféu”, para que sobre
cialmente, ser percorrido.
esta conquista não paire nenhuma dúvida.
– MARTINS, Aulus Mandagará. A OUTRA MARGEM: Vale ressaltar que, assim, ainda que cada país possui uma
A QUESTÃO DA LUSOFONIA E DA ORALIDADE trajetória particular, mesmo tendo sido dominados pela mes-
EM LUANDINO VIEIRA E MIA COUTO.
ma metrópole. O que quer dizer que cada um deles contou
São cinco os países africanos que trazem o português como com processos de independência diferentes. Todavia, é pos-
língua oficial: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçam- sível identificar algumas fases comuns e bem marcadas na
bique e São Tomé e Príncipe. Assim como o Brasil, a histó- busca de suas respectivas independências culturais.
ria desses países é marcada pela luta e resistência contra
a colonização, em busca da independência. Nessa direção,
a libertação das amarras coloniais portuguesas trouxe uma 3. Panorama da Literatura
importante questão: como definir uma identidade autônoma
que se distinga das imposições colonizadoras. Assim, a litera-
Africana de Língua Portuguesa
tura figura como um campo de trabalho para que a resposta Fase da Assimilação
a essa pergunta possa ser encontrada. Nesta primeira fase, o escritor que teve acesso aos meios
Nesse trabalho com a língua portuguesa, que sem dúvida para produzir simplesmente repete os modelos europeus. É
deixou marcas na história de todos os países colonizados considerado um momento de alienação em relação à pró-
por Portugal, uma das questões que se levanta é: uma li- pria condição.
teratura de expressão portuguesa reflete, sempre, a tensão Fase de resistência
desses dois mundos. De tal modo, escrever em língua por-
tuguesa pode significar, aparentemente, uma derrota cul- Nesta segunda fase, ocorre a ruptura com a tradição euro-
tural aos escritores. Contudo, Mia Couto traz significativa peia. O escritor assume a função de construir e defender a
e importante revelação, aproximando o Brasil dos países cultura africana. Os temas abordados denotam uma per-
africanos colonizados. cepção nacionalista.

122
Fase de construção da identidade africana ainda os meus olhos
Consolidação do processo de tomada de consciência. Coin- ainda os meus gritos
cide com momentos de proclamação da independência. A Ainda o dorso vergastado
produção é voltada ao meio social em que vive o escritor. o coração abandonado
Marca seu lugar na sociedade pós-colonial.
a alma entregue à fé
Fase da definição da independência literária ainda a dúvida
Nesse momento, reconstitui-se a individualidade autoral.O E sobre os meus cantos
texto começa a surgir com temáticas próprias de seu espa-
os meus sonhos
ço, ao mesmo tempo que se reconhece como dotado de
os meus olhos
um lugar de valor no campo universal da literatura. Traça-
os meus gritos
-se, assim, rumos para o futuro literário de cada país.
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado
Se quisermos ter uma visão de conjunto das literatu-
ras africanas de língua portuguesa, torna-se neces- Ainda o meu espírito
sário considerar essas fases da produção do texto ainda o quissange
mas também os grandes momentos de ruptura com a marimba
os códigos estabelecidos. A crítica e os historiadores
a viola
concordam que os fundamentos desses momentos
o saxofone
caracterizam-se pelo surgimento de movimentos li-
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco
terários significativos ou de obras importantes para
o desenvolvimento das literaturas, entre os quais po- Ainda a minha vida
dem ser citados: oferecida à Vida
a) em Cabo Verde, a publicação da revista Claridade ainda o meu desejo
(1936-1960);
Ainda o meu sonho
b) em São Tomé e Príncipe, a publicação do livro de o meu grito
poemas Ilha de nome santo (1942), de Francisco
o meu braço
José Tenreiro;
a sustentar o meu Querer
c) em Angola, o movimento “Vamos descobrir An-
gola” (1948) e a publicação da revista Mensagem E nas sanzalas
(1951-1952); nas casas
d) em Moçambique, a publicação da revista Msaho no subúrbios das cidades
(1952); para lá das linhas
e) na Guiné-Bissau, a publicação da antologia Man- nos recantos escuros das casas ricas
tenhas para quem luta! (1977), pelo Conselho Na- onde os negros murmuram: ainda
cional de Cultura
O meu desejo
FONSECA, Maria; MOREIRA, Terezinha. PANORAMA
DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA transformado em força
PORTUGUESA. Disponível em: <https://www4.pucminas. inspirando as consciências desesperadas.
br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_ARQ_
ARQUI20121019162329.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2021. NETO, Agostinho. Aspiração. Disponível em: <https://lusofoniapoetica.
com/angola/agostinho-neto/aspiracao>. Acesso em: 08 jun. 2021.

Aspiração
Ainda o meu canto dolente
4. Caminhos da prosa
e a minha tristeza Sem dúvida, em boa parte do Brasil, estamos acostumados
no Congo, na Geórgia, no Amazonas com o mundo da escrita e dos livros. No entanto, em relação
aos irmãos de colonização do continente africano, tal qual
Ainda Angola e Moçambique, por exemplo, que enfrentaram duros
o meu sonho de batuque em noites de luar anos de Guerra pela independência e seguidas guerras civis,
ainda os meus braços ainda em 2005, segundo relatório do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, o índice de analfabetismo

123
desses países era, respectivamente, 33,20% e 53,50%. Muito mais do que uma literatura voltada para os costumes
internos de moçambique, o que propõe Mia Couto é algo
Contudo, deixa-se bem claro, esse fato não significa que nes-
semelhante às evocações roseanas que buscavam elevar
sas sociedades não seja produzida cultura, como por vezes é,
o Sertão ao status de mundo, uma literatura que mostre o
preconceituosamente, de senso comum. Na mesma direção,
universal dentro de algo tão particular: a leitura do mundo a
isso também não significa que a literatura não desempenhe
partir de Moçambique.
importante papel nesse meio. Assim, nesse contexto, aproxi-
mam-se oratura e literatura e os escritores, então, tomam a
decisão de participar do processo de construção da identidade 5.2. Luandino Vieira
nacional de seu povo, transformando suas obras literárias em
espaço de resgate da tradição oral que fundamenta o país, tra-
dição, que anos de colonização não foram capazes de apagar.

5. Autores
5.1. Mia Couto

Luandino Vieira é o nome literário de José Vieira Mateus


da Graça. Nascido em maio de 1935, o escritor passou a
infância e a juventude em Luanda, na Angola. Lá, lutou
e ajudou na independência de Angola, tendo participado
ativamente do MPLA (Movimento Popular de Libertação de
Angola) e sido preso, várias vezes, pelo PIDE (Polícia inter-
nacional de defesa do Estado), a polícia portuguesa.
Em uma dessas prisões, foi condenado a 14 anos de pena.
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mia_Couto_(9623658386).jpg Assim, em 1964, foi transferido para um Campo de Con-
Mia Couto é o pseudônimo de Antônio Emílio Leite Couto, centração, onde escreveu vários de seus livros. Em 1965,
escritor moçambicano, biólogo de formação. Mia nasceu inclusive, recebeu reconhecimento da Sociedade Portugue-
em 1955, na cidade de Beira, em Moçambique. O autor sa de Escritores, que atribuiu a seu livro Luuanda o Grande
Prêmio de Novela. O governo português, porém, censurou
é laureado internacionalmente, ganhou o Prêmio Camões
o fato e extinguiu a sociedade naquele mesmo ano.
(2013) e o Neustadt Prize (2014). Seu destaque literário
global aconteceu com a publicação do seu livro Terra So- Somente em 1972 foi liberto, em Lisboa. A partir desse
nâmbula (1992). ano, passou a publicar a sua obra, grande parte escrita na
prisão. Em 1975, retorna a angola, após a independência
Couto é um escritor branco, descendente de portugueses
do país. Ajudou a organizar o país política e culturalmente,
em um país africano. Ler literatura africana de língua por- tendo, cofundado a União dos escritores angolanos, entre
tuguesa é, portanto, constantemente colocar em discussão outras ações do cenário artístico e político do país.
questões que vão desde a temática dos textos abordados
às condições de produção literária em países que venceram Em 1992, voltou a Portugal, onde vive até hoje.
suas guerras de libertação e conquistaram relativa estabili-
Em 2006, Luandino recebeu o prêmio Camões, mas
dade política há pouco tempo.
o recusou por "razões íntimas e pessoais". Entrevis-
Mia couto é escritor que traz em sua obra referências de tas futuras, porém, indicaram que o autor acreditava
leituras bastante conhecidas, como é o caso do escritor bra- que o prêmio deveria ser entregue a um escritor em
sileiro Guimarães Rosa. É importante, de tal modo, pensar atividade, não a um "autor morto". Curiosamente,
a relação literária entre países colonizados. De que forma, depois desse evento, escreveu ainda mais três livros.
afinal, o Brasil – país em que nos encontramos – espelha-se
e refrata a realidade criada pela literatura moçambicana?

124
5.3. Paulina Chiziane Estudiosa da literatura e das questões de gênero, a primei-
ra incursão literária de Isabela foi publicada em 1988, um
conto. Em 2009, porém, sua obra autobiográfica Caderno
de memórias coloniais faz um grande sucesso; a autora
vem, inclusive, ao Brasil, divulgar seu livro. Outra obra de
expressiva importância da autora é A gorda, de 2016.

5.5. Pepetela

Paulina Chiziane foi a primeira mulher a publicar um ro-


mance em Moçambique. Nascida nos subúrbios hoje Ma-
puto, até então, Lourenço Marques, Paulina cresceu em
uma família protestante, onde eram faladas as línguas
Chope e Ronga. A língua portuguesa, por sua vez, a autora
foi aprender dentro da escola de uma missão católica.
Participou ativamente das frentes de luta pela independên-
cia de Moçambique. Porém, após a libertação, por desilusão
política, parou de se envolver com o movimento e focou na
publicação da suas obras. Parte disso, acredita-se, deriva-se
Pepetela é o pseudônimo de Artur Carlos Maurício Pesta-
do fato de no governo recém formado, as políticas desti-
na dos Santos, angolano. O autor lutou pela libertação da
nadas as mulheres não serem igualitárias, restrigindo-as.
angola pelo MPLA e seu romance Mayombe (1980) traz
Seus primeiros contos são publicados em 1984. Em 2003, à tona um relato sobre as problemáticas e as realizações
a autora ganhou o prêmio José Craveirinha. Seus escritos dos guerrilheiros daquela época. A partir de 1990, Pepetela
refletem temas polêmicos à cultura moçambicana: da po- passou mais tempo em Portugal e também no Brasil, tor-
ligamia aos efeitos do carimbo da guerra pela libertação e nando-se um escritor lusófono bastante reconhecido.
do domínio colonial.
Em 1997, o autor foi laureado o prêmio Camões pelo con-
Anunciou, em 2016, que pararia de escrever; cansada de junto de sua obra, tornando-se o autor mais jovem a rece-
uma vida de lutas ao longo dos anos. ber esse prêmio.

5.4. Isabela Figueiredo

Isabela Figueiredo faz parte de um grupo que pode ser de-


nominado de "os retornados". Nascidos em território de
colônia, como, no caso de Isabela, Lourenço Marques, mas
filhos de portugueses, esses escritores ocupam um lugar no
mundo particular: não há reconhecença total em Moçam-
bique e nem em Portugal.

125
Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para
sua vida.
H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas
e grupos sociais.
H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da iden-
tidade.
H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.
Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da
própria identidade.
H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.
Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a
natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da reali-
dade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional
Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.
Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.
Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida
pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte,
às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem

126

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