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Introdução
A Lei 8.080/1990 instituiu os Planos de Gestão da Saúde como
instrumento básico do planejamento e orçamento do Sistema Único
de Saúde (SUS) (BRASIL, 1990). O Plano Nacional de Saúde é um
instrumento central de planejamento, que deve orientar o Executivo
na elaboração do Plano Plurianual (PPA); da Lei de Diretrizes Orça-
mentárias (LDO); e da Lei Orçamentária Anual (LOA), como defini-
dos pelo art. 165 de Constituição Federal de 1988. (BRASIL, 1988).
O cumprimento dessa orientação legal é a base para garantir
recursos para o desenvolvimento das ações de saúde que devem ser
planejadas. Em tese, nenhuma ação que não esteja no plano é passí-
vel de financiamento, salvo em situações de emergência ou calami-
dade pública na saúde, conforme versa o § 2º do art. 36 da Lei 8.080
(BRASIL, 1990).
A proposta deste artigo é analisar os Planos Nacionais de Saúde,
no período 2000-2019, verificando se as ações de saúde mental pro-
postas estão em conformidade com as diretrizes da Lei da Reforma
Psiquiátrica Brasileira 10.216/2001 (BRASIL, 2001a). Analisar os
Planos de Gestão da Saúde é uma importante ferramenta para com-
preendermos a direção dada pelo governo brasileiro à Política Nacio-
nal de Saúde Mental (PNSM), bem como o processo de configuração
da mesma.
Para tanto, foi realizada pesquisa documental envolvendo cinco
planos governamentais entre 2000-2003, 2004-2007, 2008-2011,
2012-2015 e 2016-2019. Os dados foram organizados em um quadro,
considerando os períodos plurianuais e norteados por duas questões
que orientaram as análises: Quais ações da Política de Saúde Mental
foram planejadas? As ações planejadas sustentaram-se nos princípios
da Reforma Psiquiátrica? Para analisar os dados foi utilizada a Aná-
lise de Conteúdo (BARDIN, 1977), tendo por eixos: Ações de Saúde
Mental; Sustentação ou não nos princípios da Reforma Psiquiátrica.
O recorte temporal deste estudo demarcará um movimento
contraditório: Por um lado, a aprovação da Lei da Reforma Psiquiá-
trica e a realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental
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2 A denominação justifica-se pelo fato de que, apesar de não ter se obtido avanços na
política, manteve-se a coerência interna da condução política, não permitindo o desmante-
lamento das conquistas do momento germinativo, a primeira década de 1990. (BORGES;
BAPTISTA, 2008).
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3 Entrevista concedida pelo professor Pedro Gabriel Delgado à Mirian Cátia Basílio
Denadai (2015), para elaboração da tese de doutorado intitulada O Legislativo Federal
e os projetos de lei sobre drogas no Brasil: uma guerra entre velhos discursos ou novas
alternativas?.
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4 O programa De Volta Pra Casa (PVC), instituído pela Lei Federal nº 10.708, de 31
de julho de 2003 (BRASIL, 2003), associado ao SRT, constitui-se em importante estraté-
gia de desinstitucionalização, ocupando destaque no plano 2004-2007.
5 Em 2016, encontram-se cadastrados no PVC 4.394 beneficiários, número muito
aquém do previsto em 2004. (BRASIL, 2016).
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6 Esse fator demanda a ação de órgãos externos, como a Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e a Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República, para viabilizar o processo de certificação da exis-
tência desses sujeitos, que passa pelo direito à cidadania. (BRASIL, 2003).
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Conclusão
No período analisado (19 anos), observa-se que o processo de
implementação da RP ora avança, ora retrocede, dependendo da cor-
relação de forças dos sujeitos envolvidos nesse processo. Os Planos
de Gestão da Saúde evidenciam que no período 2000 e 2011, a luta
no processo de implementação das ações propostas para garantir a
reforma da PNSM foi favorável aos sujeitos comprometidos com o
projeto de implementação da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Mas,
a partir de 2012, observa-se no planejamento o resultado do tensio-
namento dos sujeitos contrários a este projeto. A configuração do
planejamento abre espaço para inserir demandas de ampliação e ins-
tituição de serviços dispostos por grupos de interesse no campo da
saúde mental, acirrando a disputa pelos parcos recursos disponíveis.
No atual cenário político brasileiro em que forças ultracon-
servadoras13 encontram-se em ascensão e forças de esquerda, que
defendem o direito ao exercício de cidadania da pessoa com sofri-
mento psíquico, estão em desvantagens, a tensão aumenta. O que
se constata é o redirecionamento da Política de Saúde Mental em
direção contrária as diretrizes da RP.
14 São elas: rede cegonha; rede de atenção às urgências e emergências; rede de atenção
psicossocial; rede de cuidados à pessoa com deficiência; e rede de atenção às pessoas com
doenças crônicas. (BRASIL, 2011).
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REFERÊNCIAS
BARDI, G. Entre a "cruz" e a "caldeirinha": doses diárias de alienação nas
comunidades terapêuticas religiosas. 2019. 343 f. Tese (Doutorado em Política
Social). Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2019.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contrarreforma: desestruturação do
Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
BORGES, Camila Furlanetti; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. O modelo
assistencial em saúde mental no Brasil: a trajetória da construção política de
1990 a 2004. Cadernos de Saúde Pública, n. 24, v. 2, p. 456-468, fev. 2008.
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em:
18/06/2013.
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 10/05/2010.
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