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O planejamento nacional da política de saúde no Brasil:

ARTIGO ARTICLE
estratégias e instrumentos nos anos 2000

National planning of health policy in Brazil:


strategies and instruments in the 2000s

Cristiani Vieira Machado 1


Tatiana Wargas de Faria Baptista 1
Luciana Dias de Lima 1

Abstract This paper discusses the national plan- Resumo O artigo enfoca o planejamento nacio-
ning of health policy between 2003 and 2010, in nal da política de saúde de 2003 a 2010, à luz da
the light of the development of state planning in trajetória do planejamento estatal no Brasil e do
Brazil and Lula´s administration. Firstly an his- contexto do Governo Lula. Inicialmente, é traça-
torical overview is presented of the key moments do um histórico dos momentos relevantes para o
for national planning, regarding its effects on planejamento nacional, considerando suas inter-
health care. The governmental context is then faces com a saúde. A seguir, situa-se o contexto
described with a review of the strategies and in- governamental e discutem-se as estratégias e ins-
struments in health planning over recent years. trumentos de planejamento em saúde recentes. A
The methodology involved a bibliographic and metodologia envolveu revisão bibliográfica e aná-
documental review – including the Multi-year lise de documentos – os planos plurianuais, o
Plans, the National Health Plan, the Health Pact Plano Nacional de Saúde, o Pacto pela Saúde e o
and the More Health program – considering their Mais Saúde – considerando o seu propósito, con-
intention, contents and development processes. teúdo e processo de elaboração. Os resultados su-
The results indicate that national health plan- gerem um adensamento do planejamento nacio-
ning has been condensed in order to enable better nal em saúde, visando dar direcionalidade à polí-
direction of the policy. Two key moments in fed- tica. Foram identificados dois momentos no pla-
eral health planning were identified: between 2003 nejamento federal em saúde: entre 2003 e 2006,
and 2006 a managerial and participative line was predominou uma orientação participativa e ge-
followed; between 2007 and 2010, the managerial rencialista; entre 2007 e 2010, a orientação ge-
line was kept allied to an effort to tie health policy rencialista se manteve e houve um esforço de atrelar
to the development model. Despite the advances, a política de saúde ao modelo de desenvolvimen-
health planning has displayed limitations, such to. Apesar dos avanços, o planejamento em saúde
1
Departamento de as: restrictions in health financing, which has expressou limitações como a não regulamentação
Administração e compromised the execution of the plans; failure do financiamento setorial, que tem comprometi-
Planejamento em Saúde,
to tackle structural problems in the health care do a execução dos planos, o escasso enfrentamento
Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca, system; and the fragile territorial organization. de problemas estruturais do sistema de saúde e a
Fundação Oswaldo Cruz. Key words Planning in health care, National fragilidade da lógica territorial.
Rua Leopoldo Bulhões
1.480/715, Manguinhos,
planning, Health policy, Ministry of Health Palavras-chave Planejamento em saúde, Plane-
21041-210 Rio de Janeiro jamento nacional, Política de saúde, Ministério
RJ. cristiani@ensp.fiocruz.br da Saúde
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Machado CV et al.

Introdução A crítica ao planejamento normativo e restri-


to às tecnoburocracias deu origem ao enfoque
O debate sobre o planejamento estatal tem sido estratégico de planejamento, que valoriza o diag-
tratado sob diferentes enfoques, nos diversos nóstico ou a análise situacional como ponto de
campos de conhecimento e áreas da política. Este partida para o planejamento, o planejamento
artigo enfoca o planejamento nacional da políti- como um processo social e político amplo e o
ca de saúde no Brasil de 2003 a 2010. Além da plano como um instrumento de aposta para o
caracterização das estratégias e instrumentos de futuro2.
planejamento adotados pelo Ministério da Saú- A adoção da perspectiva estratégica na Amé-
de, busca-se analisar o planejamento nacional da rica Latina foi limitada, visto que, em muitos
saúde à luz da trajetória do planejamento estatal países, o fortalecimento do planejamento nacio-
no Brasil e do contexto do Governo Lula. nal ocorreu sob regimes autoritários, associado
A análise do planejamento setorial no perío- à centralização política e financeira. Ainda assim,
do de um governo específico encerra desafios alguns apresentaram avanços na construção das
metodológicos, relacionados ao cotejamento das bases para o planejamento e alcançaram resulta-
perspectivas: teórica e histórica; estrutural e con- dos pontuais.
juntural; nacional e federativa; geral e setorial; es- A partir do final dos anos setenta, as trans-
tatal e governamental; técnica e política. Na inter- formações mundiais e o fortalecimento das idei-
face dessas perspectivas é que se situam as pontes as neoliberais levaram ao questionamento e à crise
analíticas para explicar os avanços e limites do do Estado interventor3, gerando uma crise do
planejamento em saúde em um dado contexto. planejamento nacional. Após duas décadas de
Dada a complexidade do tema, cabe explicitar reformas, sobram evidências de que os Estados
os pontos de partida do estudo. O primeiro é o desempenham um papel fundamental na sus-
reconhecimento de que o planejamento estatal es- tentação do capitalismo e que as políticas adota-
teve, em suas origens, associado à expansão das das pelos governos têm relevância para a sua in-
funções do Estado na defesa e economia. No sécu- serção no cenário mundial4. Nesse contexto, a
lo XX, em vários países, houve aumento do inter- retomada da discussão sobre a capacidade do
vencionismo estatal por meio do planejamento e Estado e o planejamento nacional é essencial.
produção direta de serviços nas áreas econômica e Os movimentos relativos ao planejamento
social. Esse movimento envolveu, em geral, a con- estatal repercutem de forma diferenciada entre
formação de órgãos e quadros de servidores. as políticas sociais, pois tais políticas não são
O segundo ponto é que a expansão do plane- determinadas apenas pela sua inserção estrutu-
jamento estatal ocorreu de forma diferenciada nas ral no Estado capitalista. Para a compreensão
regiões e países. Na América Latina, o debate e as das funções, organização e estratégias do Estado
experiências de planejamento nacional estiveram na área social, é necessário considerar as peculia-
associados à questão do desenvolvimento1,2. O ridades das políticas sociais que as distinguem
planejamento era considerado o instrumento para nos processos históricos das sociedades5.
superar os problemas relacionados à inserção di- A trajetória do planejamento em saúde na
ferenciada dos países latino-americanos no siste- América Latina, no âmbito teórico e prático, re-
ma mundial e às condições precárias de desenvol- fletiu o cenário geral, a singularidade da saúde
vimento. O maior status do planejamento é ob- como campo de intervenção estatal2 e as especifi-
servado nos anos cinquenta e sessenta, relaciona- cidades dos sistemas de saúde dos países.
do à atuação da Comissão Econômica para a O Brasil, no século XX, apresentou momen-
América Latina (CEPAL) e ao auge das ideias de- tos de fortalecimento e crise do planejamento,
senvolvimentistas, ainda que experiências de pla- com expressões na saúde. Nas últimas décadas,
nejamento já fossem observadas anteriormente. observam-se transformações no modelo de in-
Porém, os avanços no planejamento em paí- tervenção do Estado e nas políticas setoriais.
ses da região – formação de burocracias especi- Nesse sentido, é pertinente a realização de estu-
alizadas, elaboração de planos – nem sempre dos sobre o planejamento nacional em saúde que
coincidiram com mudanças estruturais. Em al- busquem contribuir para a compreensão das re-
gumas situações, somente representaram esfor- lações entre a ação estatal e as mudanças na po-
ços de compreensão da realidade latino-ameri- lítica, o que constitui o propósito deste trabalho.
cana e de suas perspectivas, nos âmbitos técnico
e intelectual1.
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Metodologia dentro de um “projeto civilizatório”, que envolveu
a reorganização dos espaços urbanos e rurais e o
A pesquisa valorizou a influência da trajetória controle de endemias e epidemias11.
histórica nos desdobramentos das políticas, o Entre 1930 e 1945, no primeiro Governo Var-
peso das regras que regem a atuação do Estado e gas, foram montadas as bases de ampliação e
a importância dos atores nas políticas públicas, racionalização da intervenção do Estado, em ge-
ainda que suas escolhas sejam condicionadas por ral sob um regime autoritário, com centraliza-
limites estruturais e institucionais6,7. ção federal e ruptura do pacto federativo ante-
Foram privilegiadas como categorias de aná- rior. Houve uma reforma administrativa, com
lise a trajetória do planejamento estatal no Brasil, criação de novos órgãos e adoção de normas de
o contexto do Governo Lula, as estratégias e os profissionalização do serviço público, influencia-
instrumentos federais de planejamento em saúde da pelas teorias da administração científica e pela
de 2003 a 2010. As estratégias de planejamento noção weberiana de burocracia12.
foram compreendidas como os processos sob As reformas também expressaram orienta-
condução do Ministério da Saúde relacionados à ções relativas às atividades-fim do Estado, tendo
afirmação de seu papel planejador na política, in- sido criadas instituições-chave para o desenvol-
cluindo a articulação com outros setores e esferas vimento econômico. Na área social, destacaram-
de governo. Já os instrumentos são os dispositi- se a expansão da legislação trabalhista e a criação
vos que materializam a ação planejadora federal, em 1930 dos ministérios do Trabalho, Indústria
como os planos e pactos formais. e Comércio e da Educação e Saúde Pública, inau-
As estratégias metodológicas foram a revisão gurando a trajetória dual da política de saúde11.
bibliográfica e a análise documental, com desta- Os instrumentos de planejamento nacional eram
que para os planos plurianuais, o Plano Nacio- fragmentados e os planos se dirigiram para a
nal de Saúde, o Pacto pela Saúde e o Mais Saúde. área de infraestrutura.
Na análise desses instrumentos, foram conside- O terceiro momento (1950 a 1963) se relacio-
radas as variáveis propósito, forma/conteúdo e nou ao auge do desenvolvimentismo, em um
processo de elaboração. contexto democrático. No campo das ideias, as
principais correntes desenvolvimentistas desta-
cavam a importância do planejamento estatal9.
Notas sobre a trajetória do planejamento Nos governos Vargas e Kubitschek, foram cria-
nacional no Brasil e suas interfaces das estruturas estatais e implantadas estratégias
com a saúde econômicas relevantes, com mecanismos de “in-
sulamento burocrático” na administração públi-
Apesar de suas origens serem anteriores, a evolu- ca13. Destaque-se a criação do cargo de Ministro
ção do planejamento estatal no Brasil esteve, no Extraordinário de Planejamento em 1962 e a ela-
campo das ideias e das práticas, associada à ques- boração de planos de desenvolvimento com ên-
tão do desenvolvimento e ao fomento da indus- fase na área econômica e de infraestrutura, em-
trialização. Em vários momentos da história da bora alguns abordassem setores sociais.
República, observa-se a existência de uma política Houve inovações na saúde, com expansão da
deliberada que expressou a conversão das ideias intervenção do Estado na vertente previdenciária
em um guia de ação8,9. sob um padrão seletivo, heterogêneo, centraliza-
A trajetória do planejamento estatal nacional do e fragmentado14. Na vertente da saúde públi-
sugere como momentos principais: (a) 1889-1929 ca, foi criado o Ministério da Saúde em 1953,
– origens do planejamento; (b) 1930-1945 – es- mantendo o foco no coletivo e nas doenças espe-
truturação das bases para o planejamento; (b) cíficas15. Ressalte-se a atuação dos sanitaristas-
1950-1963 – planejamento desenvolvimentista; desenvolvimentistas, com a defesa de uma políti-
(c) 1964-1979 – planejamento autoritário; (d) ca de desenvolvimento includente e articulada a
1980-1994 – crise do planejamento; (e) 1995-2002 um planejamento nacional de saúde, como ex-
– planejamento gerencialista. presso na III Conferência Nacional de Saúde em
Desde a Primeira República, o positivismo in- 196316.
fluenciou a difusão das ideias de uma intervenção O quarto momento corresponde ao período
estatal planejada com o propósito de construção militar (1964-1979), quando foi conduzida uma
do futuro8. A política de defesa do café e da indús- estratégia de desenvolvimentismo autoritário
tria foram peças-chave da modernização10. A saú- associada às ideias de segurança nacional e do
de era uma questão prioritária para o Estado, “Brasil potência”17. Na esfera econômica, houve
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expansão do intervencionismo estatal por meio tuição de 1988 – traduz a tentativa de aproxima-
do planejamento, financiamento e produção por ção entre planejamento de médio prazo e orça-
empresas estatais. No âmbito institucional, res- mento federal, retoma conceitos do enfoque estra-
salte-se a reforma administrativa de 1967, com tégico, expressa a influência do planejamento cor-
criação de novas formas jurídicas, a expansão porativo e a expansão das práticas gerenciais. O
das atribuições do órgão federal de planejamen- núcleo do planejamento passa a ser a definição ex-
to e a criação do Instituto de Pesquisa Econômi- plícita de objetivos para incidir em problemas sele-
ca Aplicada18. Elaboraram-se grandes planos de cionados, com tradução das políticas públicas em
desenvolvimento, sendo que alguns incluíam programas, projetos, indicadores e metas21. Ao fi-
propostas para a saúde19. nal da década, observam-se iniciativas de planeja-
A política de saúde expressou os traços gerais mento mais consistentes, bem como a configura-
do sistema de proteção social em expansão – ção de um “novo intervencionismo regulatório”22.
centralização, fragmentação institucional, priva- No âmbito da saúde, após o reconhecimento
tização14 –, sendo reiterada a divisão entre as ver- constitucional da saúde como direito, a implanta-
tentes previdenciária e de saúde pública. A inexis- ção inicial do Sistema Único de Saúde se deu em um
tência de uma política de saúde unificada dificul- contexto desfavorável à expansão de políticas soci-
tava a afirmação de um planejamento nacional ais universalistas. A condução nacional da política
de saúde. As estratégias e instrumentos de plane- de saúde foi unificada no Ministério da Saúde, cujo
jamento sugeriam uma direcionalidade da polí- modelo de intervenção expressou uma fragilidade
tica adversa à perspectiva do direito, ainda que do planejamento integrado e a preponderância de
tenha havido iniciativas de expansão do acesso estratégias de curto prazo. Apesar de os planos se-
no âmbito previdenciário e em programas espe- rem previstos nas leis da saúde como instrumentos
cíficos do Ministério da Saúde. de gestão das três esferas de governo, durante os
Um quinto momento é a crise do planejamen- anos noventa, o Ministério da Saúde não elaborou
to (1980-1994) relacionada à crise do Estado, ao um plano nacional de saúde que explicitasse o diag-
questionamento do seu papel interventor e às re- nóstico situacional, diretrizes, prioridades e recur-
formas neoliberais. Os planos de desenvolvimen- sos de forma abrangente. Predominaram projetos
to deram lugar aos de estabilização monetária. A por áreas específicas e iniciativas pontuais de coor-
década de noventa foi marcada pela democratiza- denação intergovernamental, com base em priori-
ção e liberalização econômica20. O questionamen- dades ou metas acordadas. Em face da intensidade
to do Estado interventor e a ênfase na descentrali- da descentralização, observou-se a ênfase na regu-
zação e nas privatizações não favoreceram o pla- lação dos sistemas estaduais e municipais, por meio
nejamento nacional integrado e de longo prazo. de normas e portarias federais23.
Ainda assim, a partir de 1995, configura-se um O Quadro 1 resume os momentos históricos
sexto momento, em que a implantação dos pla- relevantes para o planejamento estatal no Brasil
nos plurianuais (PPA) – propostos pela Consti- e suas interfaces com a saúde.

Quadro 1. Trajetória do planejamento estatal no Brasil e interfaces com a saúde no período de 1889 a 2002.

Momentos Contexto político Modelo de Principais Sistema de Marcos e


relevantes nacional desenvolvimento/ instrumentos de proteção social iniciativas da
política econômica planejamento saúde
estatal

1889-1929 Primeira - Liberalismo - Sem registro de - Organização Higienismo e


Origens República: projeto excludente; planos integrados. inicial de Caixas movimento
do planejamento civilizatório e - “Ordem e de Aposentadorias sanitarista -
construção do progresso”; e Pensões institucionalização
Estado; peso - Política de defesa - Lei Eloy Chaves das ações de Saúde
militar; influência do café; Pública; reforma
do positivismo; - Início da urbana,
repressão. industrialização; saneamento rural
- Modernização e controle de
autoritária. doenças.
continua
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Quadro 1. continuação

Momentos Contexto Modelo de Principais instrumentos Sistema de Marcos e


relevantes político desenvolvimento/ de planejamento estatal proteção social iniciativas da
nacional política econômica saúde

1930-1945 Primeiro - Projeto Ênfase nos planos de - Legislação Criação de:


Estruturação Governo Vargas: nacionalista e infraestrutura: - Plano trabalhista Ministério da
das bases para Governo estatista; Especial de Obras Públicas - Conformação Educação e
o planejamento provisório - Impulso à e Defesa Nacional (1939) dos Institutos Saúde Pública
(1930-34), industrialização: - Plano de Obras e de (MESP)-
Governo protecionismo e Equipamentos (1944) Aposentadorias controle de
Constitucional papel do Estado nas e Pensões doenças
(1934-37), linhas de crédito e (IAP) específicas;
Estado Novo na infraestrutura Ministério do
ditatorial industrial; Trabalho
(1937-45). - Conformação de Indústria e
órgãos e burocracia Comércio
estatal (ex.: DASP). (MTIC)–
assistência
médica
previdenciária
(IAP)

1950-1963 - Alternância de - Auge do - Plano Salte (Final - Expansão de - Dicotomia das


Planejamento governos desenvolvimentismo; Governo Dutra - 1950): algumas políticas de
desenvolvimentista (Dutra, Vargas, - Alternância de ênfase em transportes e políticas saúde
Café Filho, JK, fases que energia, visando à sociais; - Criação do
Jânio, Jango); privilegiaram ajuste industrialização; aborda - Agenda de Ministério da
- “Anos (Dutra, Jânio) ou setores de saúde e reformas de Saúde em 1953
Dourados” (JK): expansão da atuação alimentação, diferenciando base (Governo - acentua
crescimento e do Estado voltada saúde pública e saúde Jango) caráter
esperança; para investimentos e individual; - Políticas de estratégico no
- Momentos de crescimento (Vargas, -Plano de Metas (Governo aumentos combate de
instabilidade JK); JK -1956): energia, salariais (em grandes males.
(suicídio de - Criação de transportes, indústria de alguns - Difusão das
Vargas, estruturas base, os setores de momentos) ideias dos
renúncia de importantes: Banco alimentos e educação sanitaristas-
Jânio); Nacional de correspondiam a 6,5% dos desenvolvimentistas:
- Curto período Desenvolvimento recursos. Sem proposta para saúde adquire
parlamentarista. Econômico a saúde; significado
(BNDE), Petrobrás, - Plano Trienal (Governo econômico,
outras estatais; Jango- 1963): visava ao político e
- Criação da crescimento com melhoria ideológico (III
Superintendência de de condições de vida Conferência
Desenvolvimento do (ênfase distributiva). Nacional de
Nordeste Educação, pesquisa e saúde Saúde - 1963)
(SUDENE). pública eram áreas-chave. A
saúde deveria integrar-se ao
desenvolvimento, que
objetivava o aumento da
produção e da
disponibilidade de bens e
serviços para a população,
incluindo os de saúde.
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Quadro 1. continuação

Momentos Contexto Modelo de Principais instrumentos Sistema de Marcos e


relevantes político desenvolvimento/ de planejamento estatal proteção social iniciativas da
nacional política econômica saúde

1964-1979 - Regime militar - Desenvolvimentismo - Programa de Ação - Expansão do - Expansão da


Planejamento ditatorial, com autoritário; Estratégica de Governo sistema de medicina
autoritário diferentes fases; - Busca de (1964): foco na atenuação proteção social previdenciária e
- Nacionalismo, fortalecimento do da inflação; Valorização da centralizado, diminuição
ênfase na planejamento em educação, saúde e fragmentado e relativa do
segurança médio e longo prazo saneamento, previdência com distorções orçamento de
nacional e no (aumento de social, questão regional. no saúde pública
“Brasil atribuições do MP - Mantém visão dicotômica financiamento - Lei do Sistema
potência”; SEPLAN e criação da saúde e caráter privatista e prestação. Nacional de
- Governo do IPEA); da organização médico- - Reorganização Saúde (1975) –
Médici: - Consolidação do hospitalar; da previdência reitera
“milagre parque de empresas - Programa Estratégico de (unificação dos fragmentação
econômico” e estatais; Desenvolvimento (1968): IAPs no INPS; entre vertentes
endurecimento - Alternância de retomada do conformação previdenciária e
político; políticas de desenvolvimento. Persiste do SINPAS e de saúde pública
- Governo investimentos e de visão dicotômica da saúde. do INAMPS)- Ministério da
Geisel: restrição estabilização. Na saúde pública, foco no Fases de Saúde:
aos direitos civis combate às doenças arrocho salarial. - Plano Leonel
e políticos; endêmicas. Acentua caráter Miranda (1967)
lema da privado da saúde individual. - enfoque
“abertura lenta, Dedica subitem à restrito e
gradual e infraestrutura de saúde privatizante;
segura”. (pesquisa e assistência - Programa de
farmacêutica); Interiorização
- Metas e Bases para Ação das Ações de
do Governo (1971)- ênfase Saúde e
na educação, saúde, Saneamento
saneamento, (1976) - buscava
desenvolvimento científico estender serviços
e tecnológico e de atenção
fortalecimento da indústria básica no
nacional. Propostas para a Nordeste do
saúde pública e medicina país.
previdenciária; Vertente
- I Plano Nacional de previdenciária:
Desenvolvimento – PND - Criação do
(1972): visava ao Ministério da
crescimento a altas taxas e Previdência e
expansão industrial. Assistência
Prioridades nacionais: Social;
habitação e educação. - Plano de
Pouco se refere à saúde. No Pronta Ação
Plano para Ciência e (1974)
Tecnologia (I PBDCT), há - expansão da
propostas para produção de cobertura em
vacinas e medicamentos; saúde;
- II PND (1974): ênfase na - Fundo de
empresa nacional e na Apoio ao
política de desenvolvimento Desenvolvimento
social. Revisa a política Social (1974)
anterior do ‘crescimento’. - recursos para a
Pouca menção à saúde, mas construção de
o II PBDCT refere-se a hospitais
pesquisas de saúde pública. privados.

continua
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Quadro 1. continuação

Momentos Contexto Modelo de Principais instrumentos de Sistema de Marcos e


relevantes político desenvolvimento/ planejamento estatal proteção iniciativas da
nacional política social saúde
econômica

1980-1994 Crise do Estado Anos 1980: crise do Anos 1980: Anos 1980: Anos 1980:
Crise do e desenvolvimentismo - III PND (implantação - Expansão - Universalização
planejamento democratização: conservador limitada); fragmentada e gradativa da
estatal - Nova - Ênfase no - Vários planos de reestruturação assistência à
República; controle da estabilização monetária; progressista de saúde;
- Assembléia inflação e - Constituição de 1988: planos algumas - Reconhecimento
Constituinte e estabilização plurianuais (PPA) - políticas do direito à saúde
Constituição de Anos 1990: instrumentos de 1990-1994: e unificação do
1988; hegemonia do planejamento de médio prazo, - Contenção sistema (Sistema
- Governo modelo neoliberal que buscam a articulação entre de gastos Único de Saúde-
Collor (1990- - Predomínio de planejamento e orçamento. sociais; SUS)
1992): políticas de curto Os PPA compreendem - Obstrução à 1990-1994: - Leis
liberalização prazo, controle da diretrizes estratégicas e lógica da Saúde
econômica, inflação, ajuste programas referentes às várias constitucional - Início da
instabilidade e fiscal, abertura políticas; da Seguridade implementação
impeachment; econômica, - PPA 1991-1995: feito para Social do SUS
- Governo privatizações de cumprir exigência - Ênfase na
Itamar (1993- empresas estatais; constitucional – implantação descentralização
1994): Plano Real (1994) limitada, em face da político-
transição. instabilidade política e administrativa
econômica. - Dificuldades no
financiamento

1995-2002 - Governos Predomínio do - PPA 1996-1999: - Avanços - Descentralização


Planejamento Fernando liberalismo consolidação da estabilidade; institucionais sob regulação
gerencialista Henrique econômico: retomada dos investimentos em algumas federal (normas e
Cardoso (1995- - Projeto de seria consequência. Visa à políticas- portarias,
1998;1999- inserção do país construção de Estado Expansão das incentivos
2002): em um cenário moderno e eficiente; redução políticas financeiros).
democratização, mundial dos desequilíbrios espaciais e assistenciais, - Instrumentos de
liberalização e competitivo; sociais; modernização com destaque planejamento:
maior - Prossegue ênfase produtiva. Conceitos como para as de planos anuais,
estabilidade na estabilidade eixos nacionais de integração e transferência projetos
econômica e econômica, projetos estruturantes; Saúde: de renda. temáticos.
política. abertura de redução da mortalidade - Iniciativas de
mercados, infantil e acesso da população pactos
privatizações; a serviços básicos de saúde; intergovernamentais
- Fragilidade da - Projeto Brasil 2020 (1998): baseados em
política industrial; construção de cenários prioridades
- Reformas visando à orientação negociadas
constitucionais; estratégica de longo prazo; (Agenda de
- Reforma do - PPA 2000-2003: aumento da Saúde, Pacto de
aparelho do competitividade da economia; Atenção Básica,
Estado; ênfase na gestão por Programação da
- Descentralização, resultados; Saúde: qualidade e Vigilância
redução do eficiência do SUS; Saúde da Epidemiológica).
funcionalismo, Família, da mulher; redução da
ênfase no “Estado mortalidade infantil;
gerencial”, criação profissionalização da
de agências enfermagem.
reguladoras.

Fonte: Elaboração dos autores, a partir de diversas referências.


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O contexto do governo Lula e o planejamento ção de 45 metas prioritárias pela alta direção de
governo. Destaque-se ainda o projeto “Brasil em
Ainda que o governo Lula não tenha trazido rup- 3 Tempos” (2007, 2015, 2022) que, além de in-
turas radicais no modelo de atuação do Estado, cluir análise situacional, construção de cenários,
é possível identificar elementos de mudança, com busca de soluções estratégicas e monitoramento,
expressão no planejamento. procurava valorizar o plano como processo e a
No plano econômico, no primeiro mandato pactuação nacional29.
(2003-2006), instaurou-se um modelo híbrido, Observa-se também, a partir de 2003, uma
caracterizado pela combinação de mecanismos recomposição de quadros de servidores na ad-
de mercado e forte coordenação estatal. Houve ministração federal30, diferenciada por áreas.
esforços de manutenção da estabilidade associa-
dos à implantação de políticas seletivas de desen-
volvimento industrial e apoio às empresas naci- O planejamento em saúde de 2003 a 2010:
onais. Ressalte-se a revalorização do Banco Na- estratégias e instrumentos
cional do Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), como protagonista de investimentos As estratégias de planejamento em saúde no perí-
voltados para o setor privado, inserido em uma odo tiveram propósitos variados e se expressa-
política de fomento à indústria, à inovação tec- ram em instrumentos de planejamento específi-
nológica e ao comércio exterior24. Em 2007, no cos. A articulação entre planejamento e orçamen-
início do segundo mandato, em face da promes- to se deu, como nos anos noventa, por meio dos
sa de enfatizar as políticas de desenvolvimento, PPA (2004-2007 e 2008-2011). Esses PPA, elabo-
foi lançado o Plano de Aceleração do Crescimen- rados sob um mesmo presidente, apresentaram
to (PAC), um programa que envolve medidas diferenças quanto à orientação da estratégia de
econômicas e investimentos em infraestrutura25. desenvolvimento. Enquanto o primeiro enfatizou
Em relação à proteção social, há autores que a redução da desigualdade e maior inclusão so-
ressaltam continuidades em relação aos anos cial, o segundo apresentou orientação fortemente
noventa26 ou que advertem para a persistência econômica, visando à aceleração do crescimento.
de distorções estruturais e da não integração en- Estas diferenças refletiram na saúde, visto que
tre as políticas da seguridade social, o que preju- os PPA influenciaram, em cada mandato, as es-
dicaria a concretização da universalidade27. Um tratégias e instrumentos de planejamento de ini-
estudo recente identifica diferentes instituciona- ciativa do Ministério da Saúde. O fortalecimento
lidades da política social no período, com um da função planejadora federal, em uma perspec-
momento de transição no primeiro governo e a tiva mais integrada e debatida entre áreas, foi bus-
conformação de uma “institucionalidade neo- cado por meio da construção de um Plano Nacio-
desenvolvimentista” no segundo governo Lula28. nal de Saúde (2004-2007). A valorização da coor-
Em que pesem as controvérsias, observa-se a denação intergovernamental para o alcance de
implantação uma agenda social que tem contri- prioridades da política se traduziu na elaboração
buído para avanços no âmbito da cidadania, des- do Pacto pela Saúde (2006). Por fim, o esforço de
tacando-se as políticas voltadas para os pobres inserção da saúde em um projeto de desenvolvi-
(principalmente o Programa Bolsa Família) e as mento em transformação se expressou na cons-
orientadas para grupos específicos. No entanto, trução do plano Mais Saúde (2008-2011).
persistiu a evolução fragmentada de políticas
sociais, com iniciativas rarefeitas de coordena- O planejamento em saúde
ção governamental, em comparação à complexi- no primeiro governo Lula
dade e ao adensamento institucional das áreas
específicas. O PPA 2004-2007 foi elaborado em um con-
No âmbito do planejamento, a partir de 2003, texto de relativa estabilidade econômica e políti-
foram adotadas iniciativas ligadas ao gabinete ca, com a participação da sociedade civil e esferas
presidencial e à Casa Civil, que deveriam ser con- de governo na definição de objetivos e priorida-
duzidas em conjunto com o Ministério do Pla- des. Tal PPA propunha a integração de políticas
nejamento, Orçamento e Gestão, em articulação de investimento para o crescimento, políticas
com os ministérios setoriais. Uma delas foi a de- sociais e redistribuição de renda, para reduzir as
finição de uma agenda estratégica, que envolveu desigualdades e promover a inclusão social31.
a identificação pelos ministérios de mais de du- O plano estabeleceu cinco dimensões (social,
zentas iniciativas prioritárias e a posterior sele- econômica, regional, ambiental e democrática) e
2375

Ciência & Saúde Coletiva, 15(5):2367-2382, 2010


três megaobjetivos, que buscavam articular o forma do modelo de atenção e o aprimoramento
desenvolvimento econômico ao desenvolvimen- da gestão, financiamento e controle social.
to social com democracia. Contudo, o plano con- A responsabilidade pela gestão, monitora-
figurou uma dubiedade de orientação estratégi- mento e avaliação do PNS coube à Secretaria-
ca, pois apesar de assumir como objetivos prio- Executiva do Ministério da Saúde e cada órgão e
ritários a inclusão social e a desconcentração de entidade federal deveria readequar programas e
renda, manteve políticas macroeconômicas de atividades aos objetivos, diretrizes e metas esta-
estabilização que restringiam a efetiva consoli- belecidas no plano.
dação desta diretriz32. De fato, o PNS foi um instrumento impor-
Quanto à saúde, o PPA 2004 apresenta dire- tante e diferente dos apresentados em gestões
trizes abrangentes, que reafirmam o direito à ministeriais anteriores (agenda de saúde, qua-
atenção integral à saúde e indica a necessidade de dro de metas, planos anuais, projetos temáticos
aprimoramento dos mecanismos de financia- ou relatórios de gestão) porque firmou o com-
mento e redução das desigualdades regionais, promisso político do gestor federal com a saúde,
para ampliar o acesso da população a serviços dando visibilidade às prioridades nacionais de
de qualidade. forma mais articulada e orientando os acordos
O plano define a efetivação da atenção básica entre os gestores, que seriam retomados em ou-
articulada aos demais níveis de atenção como tro instrumento: o Pacto pela Saúde de 2006.
meta prioritária e apresenta um conjunto de pro- A elaboração do Pacto pela Saúde foi desenca-
posições para cada área – atenção, vigilâncias, deada a partir da necessidade de mudanças no
ciência e tecnologia, trabalho e educação, partici- relacionamento entre as esferas de governo na saú-
pação social – e para programas específicos. de. Prevalecia entre os dirigentes uma visão crítica
O PPA também estabelece a inserção da saú- ao modelo de condução federal da descentraliza-
de num projeto abrangente de inclusão social e a ção no SUS anterior, caracterizado por intensa nor-
articulação entre as políticas sociais e outras po- matização atrelada a incentivos financeiros. Em
líticas. Assim, são definidos programas e ações 2003 e 2004, a discussão esteve voltada para o de-
intersetoriais em que o Ministério da Saúde as- nominado Pacto de Gestão, com maior ênfase nos
sume o papel de um dos executores, junto a ou- aspectos referentes à descentralização, ao financi-
tros ministérios. amento e à regionalização. Em meados de 2005,
Ainda em 2003, o Ministério da Saúde desen- houve ampliação do escopo da proposta.
cadeou a elaboração de um Plano Nacional de Após ampla discussão, o documento conten-
Saúde, que foi balizado pelas diretrizes do PPA do as diretrizes do Pacto pela Saúde 2006– Con-
em construção. Após várias rodadas de discus- solidação do SUS foi aprovado na Comissão In-
são no interior do Ministério e com outros gru- tergestores Tripartite e no Conselho Nacional de
pos do setor saúde, foi editado em dezembro de Saúde e publicado, incluindo três dimensões: pela
2004 o primeiro Plano Nacional de Saúde do SUS. Vida, em Defesa do SUS e de Gestão34. Posterior-
No Plano Nacional de Saúde (PNS), foram mente, vários documentos federais descrevem os
definidos objetivos voltados à implementação do instrumentos operacionais do pacto e fornecem
SUS, tendo como propósito promover o cumpri- orientações para políticas específicas.
mento do direito constitucional à saúde, visando à Em relação ao planejamento, são apresenta-
redução do risco de agravos e ao acesso universal e das as diretrizes e objetivos do Sistema de Plane-
igualitário às ações para sua promoção, proteção e jamento no SUS, cuja ênfase recai sobre o proces-
recuperação, assegurando a equidade na atenção, so de pactuação intergovernamental e os instru-
aprimorando os mecanismos de financiamento, mentos a serem adotados (Planos de Saúde e Pro-
diminuindo as desigualdades regionais33. gramação Pactuada e Integrada). São destacados
O PNS representava para a nova gestão mi- pontos prioritários, como a adoção do critério de
nisterial um plano estratégico que explicitava os necessidades de saúde para o planejamento e a
resultados de saúde a serem buscados no período programação, a adequação de instrumentos e a
do PPA 2004-2007 e foi assumido como um ins- cooperação entre esferas de governo para o for-
trumento de referência à atuação dos gestores do talecimento e a equidade no planejamento.
SUS. O plano propôs como eixos de orientação, Por fim, o Pacto pela Saúde propõe a forma-
para as esferas municipal, estadual e regional, a lização dos acordos estabelecidos entre as esferas
redução das desigualdades em saúde, a amplia- de governo por meio da assinatura de termos de
ção do acesso com a qualificação e humanização compromisso de gestão, que compreendem res-
da atenção, a redução dos riscos e agravos, a re- ponsabilidades, objetivos e metas associados a
2376
Machado CV et al.

indicadores de monitoramento. A adesão aos ter- rias e a resolução de conflitos federativos. Falta
mos substitui os antigos processos de habilita- avançar nos instrumentos de planejamento, re-
ção previstos nas normas operacionais do SUS gulação e financiamento propostos para a con-
como requisito para transferência de responsa- formação de sistemas públicos de saúde regio-
bilidades e recursos. nais em diferentes recortes territoriais.
Ressalte-se que o Pacto pela Saúde representa
uma inflexão na forma de atuação federal e nas O planejamento em saúde
relações federativas no SUS, acentuando a neces- no segundo governo Lula
sidade de cooperação intergovernamental na
política de saúde. Além disso, a concepção de re- O PPA 2008-2011 insere-se num contexto de
gionalização embutida no pacto representa um continuidade de governo e num cenário econô-
“novo ciclo” da descentralização da saúde no mico favorável ao crescimento, que exigia políti-
Brasil35. Ao mesmo tempo em que resgata seu cas de investimento e de expansão econômica. O
conteúdo político, admite que a organização es- plano propõe três eixos estratégicos: crescimen-
pacial do sistema de saúde deva levar em conta a to econômico, com a definição do Programa de
diversidade do território brasileiro e buscar a Aceleração do Crescimento (PAC), educação de
complementaridade entre as regiões. Entretanto, qualidade, com o Plano de Desenvolvimento da
evidenciam-se alguns limites do pacto como um Educação (PDE) e a agenda social.
instrumento de planejamento, de indução e co- Na agenda social, identifica-se a ênfase em
ordenação federal de políticas. políticas de investimento articuladas ao PAC: a
Embora a pactuação federativa seja a princi- Agenda Social priorizará iniciativas voltadas para
pal estratégia e o eixo transversal das proposi- a acessibilidade na habitação de interesse social,
ções do pacto, a base para a elaboração dos com- nos transportes e nas escolas; atendimento de rea-
promissos é a expectativa de solidariedade entre bilitação e concessão de órteses e próteses no Siste-
os entes e não o planejamento nacional, estadual ma Único de Saúde (SUS); educação inclusiva e
ou local. Um dos pontos frágeis da proposta, inserção no mercado de trabalho37.
portanto, é o descolamento entre os processos A orientação para a saúde mantém a tônica
de planejamento e de pactuação intergoverna- na expansão da atenção básica (ampliação das
mental. Isso é evidenciado pela limitada ênfase equipes de saúde da família e saúde bucal), indi-
no diagnóstico, como condição prévia à forma- cando como desafio a melhoria do SUS. O plano
lização de compromissos entre os gestores, pelas difere bastante do PPA anterior, com um diag-
dificuldades de adaptação dos processos de pac- nóstico tímido dos desafios do setor e com pe-
tuação e definição de prioridades a cada realida- quena articulação com outras áreas e políticas de
de situacional36 e pela indefinição das estratégias governo.
e instrumentos para o alcance das metas (inves- Sem dúvida, o eixo mais valorizado do PPA
timentos, incorporação e regulação tecnológica, 2008 é o PAC, lançado no início de 2007 como
garantia de recursos humanos capacitados, pro- marco da busca de um novo modelo de desen-
tocolos de atenção e mecanismos de assegurar o volvimento no segundo governo Lula. No rastro
acesso, entre outros). do PAC, alguns ministérios formularam propos-
Outro aspecto refere-se à relação entre o pro- tas setoriais. O Ministério da Educação lançou o
cesso de celebração dos pactos e o modelo de Plano de Desenvolvimento da Educação no pri-
intervenção federal. Esta relação poderia ser apri- meiro semestre de 2007, possibilitando que este
morada, com maior valorização do planejamen- fosse incluído no PPA.
to nacional, que não se restringe à coordenação Já o Ministério da Saúde, apesar de ter desen-
de um processo “de base local e ascendente”, vis- cadeado o processo de formulação do “PAC-Saú-
to que existem atributos próprios do planeja- de” no primeiro semestre, só conseguiu lançá-lo
mento em cada âmbito territorial. em dezembro de 2007, após a divulgação do PPA.
Por fim, não estão claras as relações entre os O processo de planejamento envolveu a mobili-
processos de regionalização e de celebração dos zação das áreas do ministério para a proposição
pactos, visto que, nas bases atuais, este último de medidas e metas objetivas, sob coordenação
pode ocorrer sem que o primeiro seja de fato da Secretaria Executiva e com o apoio de consul-
fortalecido. Os Colegiados de Gestão Regional, toria externa, bem como a montagem de um sis-
em implantação nas regiões de saúde intraesta- tema de monitoramento.
duais, ainda não apresentam estrutura e recur- O plano, intitulado “Mais Saúde - Direito de
sos que permitam o desenvolvimento de parce- Todos”, destaca em suas diretrizes que a saúde
2377

Ciência & Saúde Coletiva, 15(5):2367-2382, 2010


possui duas dimensões que se associam a uma O Mais Saúde é o principal instrumento de
nova aposta de desenvolvimento para o Brasil: a planejamento da saúde no segundo governo Lula,
de proteção social e a econômica. Compreende bastante vinculado ao projeto do então Ministro
uma proposta ousada de articular a reforma sa- da Saúde, de expansão de ações e de busca de
nitária brasileira e a consolidação de um sistema uma nova inserção da saúde em um modelo de
de saúde universal com um novo padrão de de- desenvolvimento em transformação. No entan-
senvolvimento comprometido com o crescimen- to, duas limitações podem ser apontadas.
to, o bem-estar e a equidade. Valoriza a promo- A primeira é que nem todos os eixos do docu-
ção da saúde, a intersetorialidade e o fortaleci- mento apresentam a mesma abrangência e tra-
mento do complexo produtivo e de inovação em duzem de forma igualmente consistente as políti-
saúde para tal transformação. Ressalta ainda a cas sob condução das áreas específicas. A segun-
importância da coordenação federativa, com da e mais decisiva é que o plano foi lançado no
menção ao Pacto pela Saúde e à regionalização. mês em que o Congresso Nacional decidiu pela
Por fim, aponta a necessidade de equacionar a não aprovação da continuidade da Contribuição
situação de subfinanciamento do SUS para que Provisória sobre Movimentação Financeira
tais diretrizes sejam alcançadas38. (CPMF), o que comprometeu sua execução, par-
As propostas para o setor são apresentadas ticularmente no que concerne à expansão de ações.
inicialmente em sete eixos (Tabela 1). Ressalte-se Isso foi enfatizado pela cúpula do Ministério da
que a Fundação Nacional da Saúde havia se anteci- Saúde ao final de 2009, quando foi lançada a ter-
pado e divulgado em setembro de 2007 o PAC- ceira versão do Plano, que explicita ações priori-
FUNASA, contendo propostas de saneamento bá- tárias em face das restrições orçamentárias39.
sico que se aproximavam da lógica de infraestru- O Quadro 2 apresenta a caracterização dos ins-
tura do PAC geral e que destacavam grupos especí- trumentos de planejamento em saúde analisados.
ficos valorizados na agenda social do governo (in-
dígenas, quilombolas). Tais ações foram incorpo-
radas a edições posteriores do Mais Saúde. Considerações finais
Em cada eixo, são propostas medidas e me-
tas físicas e financeiras, com explicitação do or- O Brasil apresenta uma longa história de planeja-
çamento assegurado e de recursos para “expan- mento estatal, embora sob um modelo específico,
são” de ações, que foram negociados com a área caracterizado pela centralização federal e por lon-
econômica. A Tabela 1 mostra que 86% dos re- gos períodos de autoritarismo. Foi no âmbito da
cursos do plano se referiam ao eixo de atenção à industrialização que o planejamento teve indubi-
saúde e que os eixos que mais dependeriam de tável destaque, embora se registrem estratégias de
novos recursos seriam a promoção da saúde, o planejamento em outras políticas. A partir dos anos
complexo industrial da saúde e a cooperação in- oitenta, houve uma fragilização do planejamento
ternacional. nacional em função da crise do Estado.

Tabela 1. Previsão orçamentária inicial do Mais Saúde 2008-2011, por eixos.


Eixos Assegurado(R$) Expansão(R$) Total(R$) % Expansão/ % do Eixo/
Total Eixo Total Plano
Promoção da saúde 531.080.890 1.675.052.481 2.206.133.371 75,9 2,4
Atenção à Saúde 60.098.608.401 20.310.278.055 80.408.886.456 25,3 86,0
Complexo Industrial da Saúde 1.159.213.000 854.695.652 2.013.908.652 42,4 2,2
Força de Trabalho em Saúde 1.734.180.000 824.864.343 2.559.044.343 32,2 2,7
Qualificação da gestão 1.339.350.000 603.634.813 1.942.984.813 31,1 2,1
Participação social 267.000.000 29.450.870 296.450.870 9,9 0,3
Cooperação internacional 15.000.000 43.100.000 58.100.000 74,2 0,1
Saneamento* 4.000.000.000 0 4.000.000.000 0,0 4,3
Total 69.144.432.291 24.341.076.214 93.485.508.505 26,0 100,0
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde38.
* Nota: Na 1ª edição do Mais Saúde, de 2007, não consta o Saneamento. Na 2ª edição, de 2008, utilizada para construção da tabela, o PAC-
Saneamento aparecia como anexo. Na 3ª edição, de 2009, o Saneamento é incorporado como eixo.
2378
Machado CV et al.

Quadro 2. Instrumentos federais de planejamento em saúde no período de 2003 a 2010.

Instrumento Propósito Forma/Conteúdo Processo de elaboração


PPA Estratégia de desenvolvimento Orientação estratégica de governo Participação da sociedade civil
2004-2007 de longo prazo sob quatro Megaobjetivo I- dimensão social: visa à e das esferas de governo:
Brasil de eixos: redução das desigualdades sociais e a 1- fóruns de participação social
todos: 1. Inclusão social e inclusão social; em todas as UF;
participação e desconcentração de renda Megaobjetivo II – dimensões econômica, 2- reuniões no Conselho de
inclusão com vigoroso crescimento do regional e ambiental: visa ao crescimento Desenvolvimento Econômico
produto e do emprego; com geração de renda e emprego, e Social;
2. Crescimento ambientalmente sustentável e redutor das 3- reuniões gerais e regionais
ambientalmente sustentável, desigualdades regionais; com os secretários de
redutor das disparidades Megaobjetivo III- dimensão democrática: planejamento dos estados;
regionais, dinamizado pelo visa à expansão da cidadania e o 4- reuniões com os conselhos
mercado de consumo de fortalecimento da democracia. de classe e representantes da
massa, por investimentos e Orientação estratégica sociedade civil patrocinadas
por elevação da produtividade; do Ministério da Saúde pelos ministérios específicos.
3. Redução da vulnerabilidade Promover a atenção integral à saúde,
externa por meio da expansão aprimorando os mecanismos de
das atividades competitivas financiamento, reduzindo as desigualdades
que viabilizam o crescimento regionais e ampliando o acesso da população
sustentado; a ações e serviços de qualidade e
4. Fortalecimento da humanizados, com as metas:
cidadania e da democracia. - efetivar a atenção básica como estratégia
de acesso do cidadão ao SUS;
- reorganizar os hospitais com a inversão da
lógica de pagamento por procedimentos
para a de agravos prioritários e a
estruturação de uma rede de atenção às
urgências e emergências;
- estímulo a modelos alternativos de atenção
especializada, evitando a fragmentação da
atenção e as intervenções desnecessárias.

PNS Promover o cumprimento do Eixos de orientação para a discussão das Processo de construção
2004-2007 direito constitucional à saúde, prioridades nas esferas municipal, estadual envolvendo amplo conjunto
Um pacto pela visando à redução do risco de e regional: de atores:
saúde no agravos e ao acesso universal e 1. Redução das desigualdades em saúde; 1- Seminário com técnicos do
Brasil igualitário às ações para sua 2. Ampliação do acesso com a qualificação MS, CNS, CONASS,
promoção, proteção e e humanização da atenção; CONASEMS, MPOG e outras
recuperação, assegurando a 3. Redução dos riscos e agravos; áreas do governo federal;
equidade na atenção, 4. Reforma do modelo de atenção; 2- Pesquisa junto a
aprimorando os mecanismos 5. Aprimoramento dos mecanismos de participantes da 12ª
de financiamento, gestão, financiamento e controle social. Conferência Nacional de
diminuindo as desigualdades Esta definição de prioridades indica a Saúde para sugestões de
regionais e provendo serviços responsabilidade de cada esfera de governo prioridades e opiniões;
de qualidade, oportunos e e a necessidade de recursos. Exige um 3- Discussão nos colegiados e
humanizados;Indica ambiente de efetiva pactuação entre União, fóruns internos do MS, CIT e
necessidade de uma agenda estados e municípios, na lógica do CNS;
estratégica para a melhoria da estabelecimento de um pacto de gestão, 4- Elaboração de pré-proposta
saúde no país com: com a revisão do processo de gestão e da do plano com base em 12
- revisão do modelo de relação intergestores, afirmando CNS, Projeto Saúde 2004 e
financiamento; compromissos entre gestores e a PPA Governo Federal;
- definição de uma política de responsabilidade sanitária. 5- Nova rodada de discussão
investimento direcionada para dos órgãos e entidades do MS;
a redução das desigualdades no 6- Oficinas de trabalho
Brasil; macrorregionais com técnicos
- efetivação de um pacto de e gestores das três esferas de
gestão entre os gestores das governo na saúde;
três esferas. 7- Proposta encaminhada para
o CNS em agosto de 2004.
continua
2379

Ciência & Saúde Coletiva, 15(5):2367-2382, 2010


Quadro 2. continuação

Instrumento Propósito Forma/Conteúdo Processo de elaboração


Pacto pela Corresponde ao pacto firmado Inclui três dimensões: Processo de discussão de cerca
Saúde entre os três gestores do SUS - Pacto pela Vida: corresponde à definição de dois anos, envolvendo os
Pactos pela para a reforma de aspectos de prioridades sanitárias, que se traduzem técnicos e a direção das
Vida, em institucionais vigentes, em objetivos e metas de melhoria das diversas áreas do Ministério da
Defesa do promovendo inovações nos condições de saúde da população, a serem Saúde, do Conselho Nacional
SUS e de processos e instrumentos de acordadas pelas três esferas de governo; de Secretários Municipais de
Gestão gestão que visam alcançar - Pacto em Defesa do SUS: indica a Saúde – CONASEMS e do
maior efetividade, eficiência e necessidade de um movimento político Conselho Nacional de
qualidade de suas amplo, explicitando iniciativas e ações Secretários de Saúde –
respostas.Redefine para garantia dos princípios e diretrizes da CONASS. O documento final
responsabilidades coletivas por reforma sanitária, que transcendam os foi aprovado na Comissão
resultados sanitários em limites setoriais e aumentem a base de Intergestores Tripartite e no
função das necessidades de apoio à política de saúde nos governos e Conselho Nacional de Saúde.
saúde da população e na busca na sociedade;
da equidade social. - Pacto de Gestão: dimensão com maior
densidade e detalhamento, estabelece
diretrizes para o aprimoramento da gestão
do SUS em oito aspectos:
descentralização, regionalização,
financiamento, planejamento,
Programação Pactuada e Integrada (PPI),
regulação, participação e controle social,
gestão do trabalho e educação na saúde.

PPA Acelerar o crescimento Para viabilizar a estratégia de O processo contou com a


2008-2011 econômico, promover a desenvolvimento, prioriza: participação de segmentos
Desenvolvimento inclusão social e reduzir as - as políticas públicas voltadas para o representativos da sociedade
com inclusão desigualdades regionais; crescimento e a promoção da distribuição em quarenta conferências
social e Três agendas prioritárias: o de renda; sobre diversas políticas
educação de Programa de Aceleração do - a elevação da qualidade da educação; públicas, numerosos fóruns e
qualidade Crescimento (PAC), o Plano - o aumento da produtividade e da conselhos.
de Desenvolvimento da competitividade;
Educação (PDE) e a Agenda - a expansão do mercado de consumo de
Social. massa;
- a utilização da diversidade dos recursos
naturais de forma sustentável;
- a melhoria da infraestrutura, inclusive
urbana (e regiões metropolitanas);
- a redução das desigualdades regionais;
- a segurança e o fortalecimento da
democracia e da cidadania.
Orientação política para a saúde
Desenvolver as políticas setoriais de saúde
e também buscar o esforço coordenado de
vários órgãos governamentais e da
sociedade para garantia da saúde - políticas
de inclusão social, de educação, de
segurança no trabalho, de esportes e
cultura, de segurança pública, de
organização do espaço urbano, de trânsito
e transporte.

continua

No caso da saúde, a trajetória fragmentada Único de Saúde em 1988, previa-se um fortaleci-


da política não possibilitava o planejamento na- mento do planejamento público que foi, no en-
cional integrado. Com a instituição do Sistema tanto, prejudicado pelo contexto de reformas do
2380
Machado CV et al.

Quadro 2. continuação

Instrumento Propósito Forma/Conteúdo Processo de elaboração


Mais Saúde – Articular a reforma sanitária Inicialmente organizado em sete eixos, Parte das diretrizes do governo
Direito de brasileira com um novo depois incorpora o saneamento. Cada eixo Lula e das prioridades da nova
Todos - padrão de desenvolvimento compreende medidas e metas físicas e gestão ministerial.
2008-2011 comprometido com o financeiras. O Plano foi elaborado ao
crescimento, o bem-estar e a Eixo 1 – Promoção da Saúde: pressupõe longo de 2007, sob
equidade, visando à melhoria convergência de políticas econômicas e coordenação da Secretaria
das condições de saúde dos sociais, articulação no governo federal e Executiva, com participação de
cidadãos. Diretrizes com outras esferas; seria um eixo consultoria externa. O
estratégicas: transversal aos demais; processo envolveu rodadas de
1. Avançar na consolidação de Eixo 2 – Atenção à Saúde: envolve discussão para a definição de
um sistema público, equânime atenção básica, média e alta medidas e metas nas várias
e universal; complexidade, regulação da assistência áreas do Ministério da Saúde.
2. Consolidar ações de médica suplementar, vigilâncias. Houve ênfase na montagem de
promoção da saúde e Compreende o maior número de medidas um sistema de gestão e
intersetorialidade; e mais de 85% dos recursos; monitoramento.
3. Priorizar objetivos do Pacto Eixo 3 – Complexo industrial à saúde: visa No segundo semestre de 2007,
pela Vida; dotar o país de uma base produtiva e de houve apresentação da
4. Aprofundar a conhecimento para garantir capacidade de proposta na CIT e CNS.
regionalização, a participação atendimento integral à saúde. Eixo muito O lançamento em dezembro
social e relação federativa; valorizado e com expectativa de expansão; de 2007 envolveu um evento
5. Fortalecer o complexo Eixo 4 – Força de trabalho em saúde: na Presidência da República,
produtivo e de inovação em qualificação dos profissionais, expansão e com presença da cúpula do
saúde; adequação dos contratos de trabalho; governo, diversos ministros e
6. Dar um salto de qualidade Eixo 5- Qualificação da gestão: representantes do setor saúde.
na gestão e produção de preocupação com modernização do As medidas de saneamento
serviços de saúde; Estado e com coordenação das ações no foram preparadas
7. Equacionar a situação de arranjo sistêmico da saúde; separadamente e lançadas
subfinanciamento do SUS. Eixo 6 – Participação e controle social: como “PAC-FUNASA”, em
voltado para fortalecer os conselhos de setembro de 2007. Na 2ª
saúde, ouvidoria e divulgação de direitos edição do Mais Saúde, o
dos usuários; Saneamento entra como
Eixo 7 - Cooperação internacional: visa Anexo e na 3ª, como Eixo 8.
ao fortalecimento do Brasil no cenário
internacional da saúde;
Eixo 8 – Saneamento: engloba áreas
indígenas e quilombolas, áreas de interesse
epidemiológico (doença de Chagas e
malária), pequenos municípios, áreas
rurais, controle de qualidade da água e
reciclagem.

Fonte: Elaboração dos autores a partir dos documentos oficiais.

Estado dos anos noventa. Somente ao final da- As estratégias de planejamento adotadas pelo
quela década, houve uma retomada de estratégi- Ministério da Saúde no período refletiram ele-
as mais consistentes de planejamento estatal, com mentos do contexto geral (a lógica do planeja-
iniciativas também na saúde. mento estatal no país, a conjuntura do governo
No período correspondente ao Governo Lula Lula) e as peculiaridades da saúde (a especifici-
(2003 a 2010), há uma valorização do planeja- dade do campo, a trajetória da política, o modus
mento estatal, que parece influenciar positiva- operandi do Ministério e a orientação política das
mente as iniciativas setoriais de planejamento. gestões ministeriais).
Ressalte-se o desafio de fortalecer o planejamen- Observa-se um adensamento das estratégias e
to nacional em um contexto democrático e fede- instrumentos de planejamento nacional em saúde,
rativo, o que implica debates e formação de con- como uma tentativa de dar direcionalidade à polí-
sensos entre grupos sociais e esferas de governo. tica. O Ministério da Saúde procurou fortalecer o
2381

Ciência & Saúde Coletiva, 15(5):2367-2382, 2010


seu papel por meio do planejamento, compre- ações e metas, as dificuldades na definição de atri-
endido como um processo técnico-político e so- buições positivas para o gestor federal e os con-
cial, que requer o envolvimento de vários atores. flitos federativos relacionados à centralização-
Ademais, foram identificados dois momen- descentralização.
tos no que concerne ao planejamento federal em Porém, as maiores fragilidades remetem a
saúde. O planejamento em saúde no primeiro fatores de ordem geral, que sinalizam um lugar
governo (2003 a 2006) é marcado por uma ori- modesto da política de saúde no modelo de de-
entação democrática e gerencialista, envolvendo senvolvimento. Um deles é a não regulamenta-
ao mesmo tempo um intenso processo de debate ção do financiamento da saúde, que tem com-
interno ao Ministério e com outros atores (do prometido as propostas delineadas nos instru-
governo federal, de outras esferas de governo) e mentos setoriais de planejamento. Outro é o ca-
o esforço de tradução das prioridades políticas ráter delimitado das prioridades governamen-
em metas objetivas. No período correspondente tais para o setor e o pouco enfrentamento de
ao segundo governo (2007-2010), a orientação problemas estruturais do sistema de saúde, como
gerencialista se mantém e observa-se um movi- as distorções nas relações público-privadas e as
mento setorial de atrelar a política de saúde ao imensas desigualdades em saúde.
debate do modelo de desenvolvimento, com re- Por fim, ressalte-se a fragilidade da lógica ter-
percussões incertas. Por outro lado, o processo ritorial no planejamento em saúde, que reflete um
de planejamento não expressa tão fortemente a fenômeno mais geral de limitada apropriação da
adoção de mecanismos participativos amplos, dimensão territorial no planejamento nacional. É
marcante no período anterior. premente a retomada da abordagem territorial
Em que pesem os avanços observados, o pla- com vistas à formulação de políticas diferencia-
nejamento em saúde no período expressa fragili- das segundo necessidades regionais e a realização
dades. Algumas delas se relacionam à complexi- de investimentos para a redução das desigualda-
dade do campo e da condução nacional de uma des em saúde. Em um país imenso, heterogêneo e
política de implementação descentralizada: as li- desigual, essas são questões críticas a serem en-
mitações na realização de uma adequada análise frentadas para que o planejamento seja uma prá-
situacional, a escassez de mecanismos de coor- tica transformadora da realidade social.
denação, diante de uma grande variedade de

Colaboradores Referências

CV Machado, TW Baptista e LD Lima foram 1. Instituto Latinoamericano de Planificación Econo-


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