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COMUNIDADES DE FALA

Sou amazônes, não nado com boto, nem chupo 'piqui'


Sou do mesmo saco da farinha
Aquela da ovinha ali do uarini
Sou amazônes, num é 'fuleragi'
Eu sou bem dali e dou de 'cum força' na farinha
E sou 'inxirido até o tucupi.
-Nicolas Jr

A linguagem utilizada na canção o Amazonês, de Nicolas Junior, retrata o


falar típico da região norte do Brasil, mais especificamente do estado do Amazonas.
A escolha lexical empregada na canção representa a individualização do discurso
dos falantes dessa comunidade, isso corre devido a variação linguística presente
nas mais diferentes regiões do Brasil. Nessa seção abordo algumas questões sobre
essa variação no Brasil e as concepções de comunidades de fala.
O Brasil é um país de dimensões continentais, cujo língua oficial é a Língua
Portuguesa. Diante de sua extensão territorial é quase impossível perceber o
mesmo idioma sendo falado de forma homogênea nas diferentes regiões do país,
esse fenômeno ocorre por conta da variação linguística. Esse movimento estabelece
alguns entendimentos, de acordo com Bagno (2006), a língua é um sistema vivo e
em mudança, o Brasil não é um país monolíngue, ressalta a riqueza de cada região
e como cada dialeto exibe a identidade da comunidade de cada falante.
Segundo Faraco (1991), essa variação pode ocorrer de quatro formas:
diatópicas, esses tipos de variações envolvem as localidade em que ocorrem, como
por exemplo, a língua portuguesa falada no Brasil e Portugal. A variação diacrônica
ocorre quando há a evolução de uma língua através dos tempos, como no caso do
português medieval para o moderno. A variação diastráticas são referentes às
diferentes classes sociais e consideram os graus de escolaridade, é nesse tipo de
variação que são concebidos os dialetos. A última variação é a diafásicas, essa está
ligada às situações vivenciadas pelos indivíduos no cotidiano.
Nessa perspectiva de variação do português falado no Brasil, Costa (1996)
corrobora o supramencionado e esclarece que esse fenômeno ocorre mais
comumente na língua falada, uma vez que considera que vários tem acesso a forma
falada do idioma, mas poucos são aqueles que acessam e dominam a forma escrita.
A autora atribui à variação linguística à aquisição da língua, enquanto a fala é
adquirida naturalmente no meio da comunidade em que o falante está inserido, à
escrita ocorre em contexto formal, estabelecendo uma relação de contraposição ao
já adquirido pelo falante. A autora conclui que durante o processo de aquisição
formal do idioma é necessário valorizar os “erros” marcados na fala, dessa maneira
é possível compreender a variedade do idioma e o local da comunidade dos
falantes.
O ramo da linguística textual que se dedica a investigar as variações de uma
língua é a sociolinguística, dentro dessa holística surgem novos campos que se
ocupam da compreensão de questões mais particulares, mas que ainda se
correlacionam. Dessa forma, trato a seguir sobre comunidades de fala, alguns
conceitos, considerando os preceitos labovianos, e como percebo a comunidade a
qual estou inserida.
Como expresso acima, direciono o texto para a compreensão dos conceitos a
cerca de comunidades de fala. Inicio sob o entendimento que Bloomfield (1926,
p.42) traz sobre o tema, de acordo com autor comunidade de fala “é um grupo de
indivíduos que interage por meio da fala”, nesse contexto, o cenário de
compreensão se abrange, uma vez que, em um país como o Brasil, há essa
interação de modo geral, nessa perspectiva não há um olhar restrito às
particularidades de cada localidade.
No anseio de restringir a compreensão dada por Bloomfield sobre o assunto,
Gumperz (1968) advoga que comunidade de fala não é obrigatoriamente um grupo
de falantes do mesmo idioma, mas sim um grupo de indivíduos que compartilham
um sistema de normas e regra para o uso da língua. Nesse contexto, o autor
esclarece que deve haver marcas que possibilitem estabelecer diferenças
linguísticas entre os indivíduos que pertencem à certa comunidade de fala e os que
não a compõe. Assim, a definição de comunidade de fala dada pelo autor alcança
três aspectos, os da língua, o social e o da comunicação, contudo, o autor não
expande a disposição orgânica da comunhão entre línguas e possibilidade de se
justaporem.
O conceito de comunidade de fala empregada por Labov (1972) se traduz por
meio de um grupo de indivíduo que compartilham entre si ações sociais e normas,
sejam elas de uma língua ou de uma variedade linguística. Dessa forma, Labov
(1972) compreende comunidade de fala como:
A comunidade de fala não é definida por nenhum acordo marcado quanto
ao uso dos elementos da língua, mas, sobretudo, pela participação em um
conjunto de normas compartilhadas. Essas podem ser observadas em tipos
claros de comportamentos avaliativos, e pela uniformidade de seus termos
abstratos de variação, que são invariáveis com relação aos níveis
particulares de uso (LABOV, 1972, p. 120 -121) 1

De acordo com o postulado acima por Labov (1972), é concebida aos falantes
de uma comunidade um aspecto de consciência sobre as regras e normas
gramaticais utilizadas por um grupo para identificar e marcar a sua comunidade de
fala. Nessa perspectiva, segundo o autor, os integrantes não precisam se prender,
obrigatoriamente, à um ato uniforme do seu falar, para Labov o ato orgânico de
compartilhamento do sistema de avaliação da língua os caracteriza como uma
comunidade. Assim, o autor consegue estabelecer uma dissociação de língua
(heterogênea) e comunidade de fala (homogênea).
A diferenciação entre língua e comunidade de fala estabelecida por Labov,
inicia um novo debate sobre os novos desdobramentos a cerca do tema. Labov
(1972) atribui aos falantes de uma comunidade significado social e os considera um
unidade uniforme. Essa visão é contestada por diferentes autores, para Figueroa
(1994) não é possível perceber uma clara vinculação entre o individuo e a
comunidade em que está inserido, para o autor o que há é um sistema de
subordinação, em que o falante é subordinado à comunidade de fala, movimento
que dificulta a observação do posicionamento linguístico do falante.
A visão laboviana sobre a uniformidade da comunidade de considera o sujeito
falante como um “tipo social” e exclui as suas particularidades, dessa forma é
possível entender que é a comunidade que molda o sujeito. Essa visão é
contraposta por diversos autores, para Romaine (1980), é justamente o contrário,
uma vez que as mudanças linguísticas e de comportamento ocorrem do individual
para o coletivos, acontecem nos sujeitos e não na comunidade de forma completa e
uniforme. Romaine (1984) questiona fortemente a visão laboviana sobre
homogeneidade da comunidade de fala, para o autor nem todos os membros da
comunidade utilizam a língua da mesma maneira, assim, o autor considera que “em
diferentes comunidades de fala, fatores sociais e linguísticos vinculam-se não
apenas de diferentes formas, mas em ‘graus’ diferentes” (ROMAINE, 1980, p. 13).

1
Tradução minha para: The speech community is not defined by any marked agreement in the use
of language elements, so munch as by participation in a set of shared norms. These norms may be
observed in overt types of evaluative behavior, and by the uniformity of abstract patterns of variation
which are invariant in respect to particular levels of usage.” (LABOV, 1972, p. 120- 121)
O debate estabelecido pelos autores construí um campo fértil para as
pesquisas que se debruçam sobre o tema, para Patrick (2004), ambos os autores
possuem suas relevâncias no debate e ambas a teorias são consideradas para a
pesquisa, o que vai motivar a utilização de uma e não de outra é o objetivo que se
ser atingir e os “padrões mais amplos de organização social, econômica, histórica e
cultural que o tornam obrigatório” (PATRICK, 2004, p. 589)
Nessa pesquisa, compreendo a visão constituída por Romaine (1980), que
considera o sujeito dentro da comunidade de fala. Contudo, postulando sobre
comunidade de fala e observando a localidade em que estou inserida, alinho-me à
visão laboviana sobre comunidade de fala. Percebo que o falar tefeense reflete a
particularidade de uma comunidade do interior do estado do Amazonas, que pode se
assemelhar aos demais municípios do estado, mas que reflete a sua própria
identidade.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, M. Nada na língua é por acaso – Por uma pedagogia da variação


linguística. São Paulo: Parábola, 2006.
BLOOMFIELD, L. A set of postulates for the science of language. Language, v.
2, n. 2, p. 153-164, 1926.
COSTA, V. L. A. A importância do conhecimento da variação linguística. Educar,
Curitiba, n.12 p.51-60. 1996.
FARACO, C. A. Lingüística histórica. São Paulo: Ática, 1991.
GUMPERZ, J. J. The speech community. In: SILLS, D. L.; MERTON, R. K. (Ed.).
International encyclopedia of the social sciences. London: MacMillan, 1968. p.
381-86.
LABOV, W. Sociolinguistic patterns. 3. ed. Philadelphia: University of Pennsylvania
Press, 1972.
ROMAINE, S. What is a speech community? In: SOCIOLINGUISTIC variation in
speech communities. London: Edward Arnold, 1980. p. 13-24.
PATRICK, Peter L. The Speech Community. In: CHAMBERS, J.K.; TRUGDILL, P.;
SCHILLING-ESTES, N. (eds.). 2004 [2002]. p. 573-597

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