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INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: teoria & prática Porto Alegre, v.13, n.1, jan./jun. 2010.

ISSN digital 1982-1654


ISSN impresso 1516-084X

Relações interpessoais em
comunidades virtuais de aprendizagem

Interpersonal relationships in
virtual learning communities

Resumo:
Esse estudo teve como objetivo investigar as relações inter-
pessoais em comunidades virtuais de aprendizagem (CVA).
Paula Patrícia Barbosa Ventura
A pesquisa foi realizada com 18 alunos do 3º semestre do
curso de Graduação semipresencial em Letras-Português, Universidade Federal do Ceará
da Universidade Federal do Ceará, uma parceria com a Uni-
versidade Aberta do Brasil, no semestre 2008/2. Utilizou-se
como método de pesquisa o etnográfico e os princípios da
etnografia virtual. Nos resultados, foram elencadas quatro
subcategorias: amizade, informalidade, incentivo e agrade- 1 Introdução
cimento. Os resultados obtidos se manifestaram especifica-
mente nos espaços formais de aprendizagem.
Palavras-Chaves: Relações Interpessoais. Educação a

A
Distância. Comunidades Virtuais de Aprendizagem.
complexidade do mundo contemporâneo
Abstract:
This study aims at investigating the interpersonal rela- tem modificado as relações sociais. As
tionships in virtual learning communities (VLC). The resear- mídias atuais de comunicação (celular,
ch was performed with 18 students from the 3rd semester
in the Languages – Portuguese semipresential graduation computador, Internet, Ipod e muitas outras)
course in a Federal University of Ceara, a partnership with
the Open University of Brazil (Universidade Aberta do Bra- têm evidenciado novas formas de interagir e
sil), during the second semester of 2008. The ethnographic estabelecer relações, seja de forma presencial
research method and virtual ethnography were applied.
Four subcategories were assembled in the results: frien- ou virtual. A linguagem utilizada adapta-se ao
dship, informality, incentive and gratefulness. The results
obtained were manifested specifically in formal learning
meio em que os indivíduos estão inseridos e,
areas. por meio dela, substanciam-se as relações hu-
Keywords: Interpersonal Relationships. Distance Educa-
tion. Virtual Learning Communities. manas (VENTURA, 2009).
Alguns estudos (SILVA, 2002, SÉRGIO,
2007) têm investigado as relações interpes-
soais que os indivíduos estabelecem nos am-
bientes virtuais, destacando os fatores que
determinam os diferentes tipos de relações
interpessoais quando fazem uso das Tecno-
logias de Informação e Comunicação (TIC).
Entretanto, essa análise pode ser ampliada
quando se pretende investigar não apenas
os fatores que desencadeiam essas relações,
mas os tipos de relações que aparecem em
situações formais de ensino e aprendizagem,
tais como: os momentos em que o professor
explica o conteúdo, faz a mediação nos fóruns
de conteúdo e bate-papos e quando os alunos
VENTURA, Paula Patrícia Barbosa. Relações Interpessoais apresentam trabalho em grupo.
em Comunidades Virtuais de Aprendizagem. Informática na
Educação: teoria & prática, Porto Alegre, v. 13, n. 1, p. 129- Para tanto, esse estudo objetiva discutir
139, jan./jun. 2010. as relações interpessoais em cursos a distân-

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cia, a partir dos resultados de uma pesquisa1 os encontros, status do interlocutor, presença
conduzida com alunos do curso de licenciatura ou ausência de outras pessoas, etc.) (PRETTE;
semipresencial em Letras-Português, da Uni- PRETTE, 2007). Os autores enfatizam que a co-
versidade Federal do Ceará, uma parceria com municação é essencial ao indivíduo e é enten-
a Universidade Aberta do Brasil. A princípio, dida como um processo mediador do contato
é proposto o conceito de relações interpesso- entre as pessoas.
ais a partir da literatura específica. Ainda na Para Giddens (2005), a comunicação é a
mesma seção, discutem-se algumas habilida- base necessária para toda interação social, o
des sociais necessárias para o estabelecimen- que implica entendimento e compreensão en-
to das relações humanas como tentativa de tre os indivíduos que se comunicam. Sánchez
construir uma relação teórico-metodológica (1999) explicita que o ato de comunicar-se é
capaz de oferecer subsídios a algumas ques- sempre um ato voluntário e surge da vontade,
tões tratadas no decorrer desse artigo. Poste- da intenção de estabelecer contato com o ou-
riormente, propõe-se o objeto de estudo e a tro. Dessa forma, a comunicação só se torna
metodologia do trabalho. Os resultados discu- possível se os indivíduos estiverem dispostos
tem quais os tipos de relações interpessoais e manifestarem interesse em suas ações, o
foram efetivamente encontrados em situações que pode ser demonstrado por algumas habi-
de ensino-aprendizagem, como por exemplo, lidades sociais, como observar, ouvir e incen-
nas trocas comunicativas dos fóruns de dis- tivar, por exemplo.
cussão e bate-papos, nas explicações das Segundo Echeverría (2003), quando se anali-
professoras-tutoras e dos alunos entre si e sa detidamente a comunicação, se percebe que
em outros momentos detalhados neste artigo. o essencial do ato comunicacional está em es-
Nas considerações finais, são apresentadas as cutar e não apenas em falar, sendo aquele fun-
contribuições do estudo para a compreensão damental para a linguagem. O autor afirma:
do objeto analisado.
Hablamos para ser escuchados. El hablar efec-
tivo sólo se logra cuando es seguido de un es-
cuchar efectivo. El escuchar valida el hablar. Es
2 Relações interpessoais: el escuchar, no el hablar, lo que confiere sentido
comunicação e habilidades sociais a lo que decimos. Por lo tanto, el escuchar es lo
que dirige todo o proceso de la comunicación2
(ECHEVERRÍA, 2003, p. 138).

Oliveira (2007, p. 352) conceitua relação in-


terpessoal como a “relação que se estabelece Prette e Prette (2007) argumentam que a
entre as pessoas, como consequência do conta- interação social requer muitas habilidades so-
to”. Para Antunes (2007, p. 9) seria um “conjun- ciais, que são componentes da competência
to de procedimentos que, facilitando a comuni- interpessoal necessária para o envolvimento
cação e as linguagens, estabelece laços sólidos em várias etapas de qualquer processo pro-
nas relações humanas”. Para tanto, pode-se dutivo. Essas habilidades referem-se à capaci-
considerar que é por meio do ato comunicacio- dade de fazer e responder perguntas, elogiar,
nal que as relações acontecem. Essas relações pedir e dar feedback, iniciar, manter e encer-
não se dão no vazio e sim em determinados rar uma conversação, estabelecer relaciona-
contextos; e, em situações específicas, podem mento afetivo, expressar solidariedade, fazer
se tornar mais evidentes, como nas trocas de amizades, lidar com críticas, dizer por favor,
pensamento, ideias e significados, pois a ma- agradecer, apresentar-se, cumprimentar, des-
nifestação de diferentes relações interpessoais pedir-se, manifestar opinião, desculpar-se e
depende da dimensão pessoal (conhecimen- admitir falhas, consideradas habilidades es-
tos, sentimentos, crenças), e não somente da senciais em todo programa de treinamento de
dimensão situacional (contexto onde ocorrem relações interpessoais. Para estes autores, di-
ficilmente algum trabalho ocorre no isolamen-

1 A pesquisa é parte da dissertação de mestrado da au-


2 Tradução da autora deste artigo: “Falamos para sermos
tora desse artigo (VENTURA, 2009). Em especial, a autora
ouvidos. O falar efetivo só é alcançado quando seguido por
agradece aos professores-orientadores José Aires de Cas- uma escuta eficaz. O escutar valida o falar. É o escutar e
tro Filho e Eduardo Santos Junqueira Rodrigues pelas con- não o falar que confere sentido ao que dizemos. Portanto, o
tribuições ao longo da pesquisa. escutar é o que dirige todo o processo da comunicação”.

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to social total. Por outro lado, existem alguns da vida afetiva. Para Oliveira (2007, p. 352),
trabalhos cuja realização depende quase que “as emoções que se criam em decorrência das
inteiramente da relação com o outro, ou seja, relações interpessoais afetam de modo direto
da mediação das interações sociais. a natureza das interlocuções”, sendo estas um
Ao analisar as diversas habilidades pro- processo de produção e troca de enunciados3
postas por Prette e Prette (2007), bem como entre os interlocutores 4.
as duas habilidades citadas por Echeverría Já a afetividade é um conceito mais abran-
(2003), verifica-se que o modo como os in- gente, no qual se inserem várias manifesta-
divíduos se relacionam entre si depende das ções que possuem relativa independência dos
habilidades comunicacionais que cada um fatores corporais (GALVÃO, 1995). Por sua
possui, por isso o ato comunicacional é funda- vez, as emoções possuem características que
mental nas relações sociais. Tais habilidades comumente estão associadas ao corpo, à pos-
podem estar presentes nos trabalhos realiza- tura e à forma como são executados os ges-
dos em grupo, nas intervenções do professor, tos, sendo muitas vezes visíveis ao outro.
nas trocas propositivas entre os alunos, bem Moran (1994, p. 5) enfatiza que o afetivo
como em outros momentos que os indivíduos se manifesta pelo “clima de acolhimento, em-
se encontrem. Tanto na Educação Presencial patia, inclinação, desejo, gosto, paixão, ternu-
quanto na Educação a Distância via Internet, ra e compreensão para consigo mesmo, para
as habilidades sociais de comunicação inter- com os outros e para com o objeto do conheci-
pessoal podem possuir componentes verbais mento”, dinamizando as interações, as trocas,
e/ou simbólicos, como entonação de voz, ex- a busca e os resultados.
pressões faciais e corporais, gestos que po- Bauman (2004), ao tratar dos relaciona-
dem dar diferentes sentidos de interpretação mentos sociais, atribui significativa importân-
em resposta a uma ação. cia à afinidade entre os indivíduos. Para este
Na Educação a Distância via Internet, as sociólogo, a afinidade nasce da escolha e essa
habilidades sociais dos indivíduos são visua- escolha deve ser reafirmada constantemen-
lizadas através da linguagem escrita, pois a te, caso contrário as relações vão murchan-
comunicação é predominantemente textual. do, uma vez que a escolha de estarem juntos
Apesar disso, os participantes podem se valer deve ser por causa de e não a fim de, como
de símbolos (emoticons) ou recursos tecnoló- enfatiza Bauman (2004) ao discutir a fragili-
gicos como webcameras, microfones e outros, dade dos laços humanos. Embora as relações
que estejam disponibilizados nos ambientes sociais entre os indivíduos sejam construídas
virtuais de aprendizagem (AVA). diariamente, elas precisam ser alimentadas,
Outro fator importante a ser mencionado so- caso contrário, poderão vir a enfraquecer ou
bre as habilidades sociais explicitadas por Prette se desfazer com o tempo.
e Prette (2007) é que elas não necessariamente A amizade também é um tipo de relação in-
implicam numa relação mais próxima com o ou- terpessoal, segundo Prette e Prette (2007, p.
tro. A proximidade referenciada aqui diz respei- 99), pois pode ser caracterizada pela “reciproci-
to a estar junto em pensamento e ideias, dando dade razoavelmente equilibrada de expressões
significado às interações virtuais, e não apenas de sentimentos positivos e negativos e de atitu-
à presença física. Essa proximidade pode estar des voltada5 para o bem-estar e a felicidade do
relacionada às habilidades de demonstrar emo- outro”. Essa relação se funda na transparência,
ções positivas e negativas (alegria, raiva, de- em que os indivíduos se revelam como amigos
sagrado, tristeza, respectivamente), expressar confidentes, podendo se desenvolver natural-
solidariedade, fazer amizades, pedir feedback, mente a partir de diferentes contextos de con-
pedir desculpas e/ou admitir falhas e estabele-
cer relacionamento afetivo, que podem signifi-
car identificação com o outro, e o estabeleci- 3 Enunciado – “cada um dos segmentos discursivos gerados
mento de relações mais duradouras. por um interlocutor” (OLIVEIRA, 2007, p. 348).

Conforme abordam Prette e Prette (2007), 4 Interlocutor – “Apropriador dos elementos do discurso,
enunciador, aquele que dá vida e sentido aos elementos
as habilidades de demonstrar emoções são discursivos; o autor/co-autor do contexto comunicativo
onde o enunciado se insere” (OLIVEIRA, 2007, p. 350).
diferentes do estabelecimento de relaciona-
mento afetivo, pois as emoções, assim como 5 Ainda que a palavra esteja em desarcordo com a norma
culta, por erro de concordância, se manteve a grafia origi-
os desejos e sentimentos, são manifestações nal do texto citado.

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vivência ou ser uma relação buscada proposi- DAN; BIKLEN, 1994) e os princípios da etno-
talmente junto a grupos específicos, como é o grafia virtual (HINE, 2004) na coleta e análise
caso das comunidades virtuais de aprendiza- dos dados. Para a coleta de dados foram utili-
gem em cursos a distância. zadas entrevistas e observações presenciais e
Outro elemento importante nas relações virtuais. As observações foram referentes às
interpessoais é mencionado por Prette e Pret- anotações do diário de campo, dois fóruns de
te (2007) quando afirmam que admitir erros discussão (os que tiveram o maior número de
ou falhas não é uma tarefa fácil, pois altera participações) e três bate-papos. O período de
o autoconceito e a autoestima dos indivíduos, investigação correspondeu a duas disciplinas:
e que pedir desculpas significa reconhecer os Língua Portuguesa: Frase e Latim II: Língua e
“equívocos, desfazer mal-entendidos, dimi- Cultura.
nuir ressentimentos e estabelecer a intenção A partir da observação dos eventos (diário
de superar divergências” (PRETTE; PRETTE, de campo, entrevistas, bate-papos e fóruns),
2007, p. 78) nas relações sociais. elencaram-se as categorias de análise, com
Em relação ao feedback, nas situações o intuito de construir diálogos e estabelecer
de aprendizagem é importante que o indiví- relações entre os eventos e o referencial te-
duo reconheça suas atitudes em relação ao órico, permitindo lidar com o campo comple-
grupo e “perceba como se comporta e como xo das trocas simbólicas e das interações. Em
esse comportamento afeta seu interlocutor” seguida, as categorias propostas foram agru-
(PRETTE; PRETTE, 2007, p. 69). padas em categorias maiores. Nesta etapa,
Todas as habilidades sociais apontadas pe- foi feita a triangulação dos dados (MOREIRA;
los autores são consideradas fundamentais CALEFFE, 2006), em que se estabeleceram as
nas CVA em cursos a distância, uma vez que relações existentes entre os dados, verifican-
os membros têm a possibilidade de se comu- do os pontos de convergência, divergência e
nicar (in) formalmente e estender as relações regularidades. Por fim, buscou-se mapear os
a ambientes não-formais, como o Orkut e o tipos de relações interpessoais estabelecidas
MSN, por exemplo, demonstrando a necessi- na CVA analisada.
dade de uma comunicação contínua, indepen- As relações interpessoais estão divididas
dente de ser uma exigência do curso. em subcategorias e serão apresentadas em
Na próxima seção, serão apresentados os forma de eventos e tabelas. Os eventos po-
procedimentos metodológicos de investigação. dem ser referentes às anotações do diário de
campo, às transcrições das entrevistas, men-
sagens dos fóruns ou dos bate-papos. As tabe-
3 Procedimentos metodológicos las são apresentadas ao final para demonstrar
a frequência de cada subcategoria. O objetivo
das tabelas foi mostrar que houve a presença
O estudo foi desenvolvido no semestre de cada relação interpessoal de uma CVA em
2008/2, em uma turma de Graduação semi- vários tipos de dados, tanto no ambiente pre-
presencial em Letras-Português, da Universi- sencial quanto no ambiente virtual. Os resul-
dade Federal do Ceará, realizado em parceria tados são apresentados na próxima seção.
com a Universidade Aberta do Brasil. Partici-
param da pesquisa os 18 alunos regularmente
matriculados no terceiro semestre do curso. A 4 Análise e discussão dos
disciplina contou com uma carga horária de 64 resultados
horas (16 horas presenciais, distribuídas em
quatro encontros e 48 horas, que acontece-
ram através do ambiente virtual de aprendi- Baseado nas ideias de Moran (1994), Sil-
zagem SOLAR6). A metodologia de pesquisa va (2002), Bauman (2004), Prette e Prette
teve caráter predominantemente qualitativo (2007), Echeverría (2003) e Antunes (2007),
sendo utilizado o método etnográfico (BOG- as relações interpessoais são conceituadas
como as diferentes formas de relacionamento
entre os participantes, que podem proporcio-
6 Ambiente On-Line de Aprendizagem. Foi desenvolvido
pelo Instituto UFC Virtual, da Universidade Federal do
nar vínculos positivos ou negativos e, através
Ceará. Endereço eletrônico: www.solar.virtual.ufc.br de sentimentos pessoais, os indivíduos mani-

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festam suas aceitações e rejeições em relação decimento e informalidade, as quais são expli-
ao outro. citadas a seguir:
No ambiente presencial, as relações inter-
pessoais apareceram quando os participantes
recepcionavam os colegas quando chegavam a. Amizade
no pólo; na proximidade física com os colegas; Refere-se às manifestações emocionais
no incentivo; nas demonstrações de amizade que os participantes externalizaram aos sen-
e em confiar no outro ao assumir que não do- timentos de falta, demonstrações de carinho,
minavam determinado conteúdo. As relações afinidade de gostos, receptividade e pedido de
foram manifestadas através da linguagem for- desculpas. A amizade foi caracterizada atra-
mal e informal, dos gestos e das expressões vés de gestos, expressões faciais e corporais
faciais e corporais. e em palavras na relação com o outro. As de-
A linguagem formal foi percebida nos diá- monstrações de desapontamento para com o
logos referentes ao conteúdo, nas respostas outro foram também atribuídas às relações de
dos fóruns e em vários momentos dos bate- amizade, uma vez que as formas de expressar
papos, o que requereu um conhecimento pré- os sentimentos podem ser vistas como positi-
vio da norma culta para a comunicação entre vas ou negativas.
os participantes. Já a linguagem informal foi Para Prette e Prette (2007), a amizade se
caracterizada como uma linguagem improvi- caracteriza pela reciprocidade de sentimentos
sada utilizada nas conversas fora e dentro do positivos e negativos e de atitudes de bem-
contexto das aulas, em que não se fez uso da estar e a felicidade do outro. As relações de
rigidez das normas gramaticais. amizades se fundam “na transparência, veri-
No ambiente virtual, as relações interpes- ficando-se o frequente exercício de revelar-
soais apareceram na receptividade com os de- se ao amigo, tido como confidente” (PRETTE;
mais participantes nos bate-papos e fóruns de PRETTE, 2007, p. 99), caracterizando intera-
discussão; no incentivo; nas demonstrações ções colaborativas e não competitivas, esta-
de amizade; na informalidade ao se referir ao belecendo críticas verdadeiras e trocadas de
outro; e, em confiar no colega ao assumir que forma construtiva.
não dominava determinado conteúdo, acres- Na presencialidade, a amizade foi verifica-
centando que no fórum os alunos argumen- da na receptividade mútua, quando os alunos,
taram sentir medo de colocar uma resposta à medida que chegavam à sala de aula, iam se
errada, pois o conteúdo era complicado e eles cumprimentando com beijos; quando guarda-
não tinham certeza que a resposta estaria vam os lugares dos colegas, relatando que os
correta, conforme é mostrado no evento a amigos sentavam próximos uns dos outros e
seguir: colegas, socorro! Quem já traduziu as não se separavam; quando havia confidências
frases 6,8,10 do portfólio 03? Tenho até medo dos colegas entre si, mostrando uma relação
de colocá-las aqui, pois sei que não estão cor- pautada na confiança e no diálogo; quando di-
retas. Alguém já fez?7 (Evento 1 - Fórum de ziam para o colega que haviam sentido sua
Discussão. Disciplina - Latim II: Língua e Cul- falta no dia anterior; quando os alunos duran-
tura, 23/10/2008. Postado por Elza8). te e fora da aula externalizavam sentimentos
Apesar das manifestações das relações in- de carinho, demonstrando envolvimento com
terpessoais nos fóruns e bate-papos serem os colegas; e quando se desculpavam por al-
através da linguagem escrita, houve uma pre- gum motivo.
sença muito baixa do uso de emoticons, os Nas demonstrações de carinho foram utili-
quais geralmente são utilizados para suprir zados gestos e expressões faciais e corporais,
a ausência de expressões faciais e corporais tipo: piscadelas, bilhetinhos e beijos durante a
(GOMES, 2004). aula, mesmo que estivessem sentados distan-
As relações interpessoais foram divididas tes uns dos outros, e toques corporais quan-
em 4 subcategorias: amizade; incentivo, agra- do estavam próximos. Na entrevista, uma das
formas de amizade foi percebida quando a
aluna relatou que se zangava com as colegas
7 As respostas estão em itálico para diferenciar das cita-
ções. quando estava realizando trabalhos de grupo,
porque havia alunos que se escoravam nos ou-
8 Os nomes próprios que aparecem nesse artigo são fictí-
cios, exceto o da pesquisadora (autora deste artigo). tros membros da equipe, esperando a atitude

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de alguém para se manifestar. A importância Bianca: Sim (...). Mas às vezes eu marco um chat
com as meninas. Pessoal vamu lá pro chat con-
dada às ações do outro demonstrou um sen-
versar e aí a gente entra.
timento de preocupação e amizade, de sentir ...
segurança no outro ao relatar seu desconforto Bianca: (...) quando bate a saudade aí eu ligo.
Vixi pessoal cadê, todo mundo sumiu. Que é
na ausência de participação nos trabalhos de
isso? (...). Aí eu começo a perturbar o pessoal,
grupo, uma vez que as atitudes dos colegas de boto mesmo mensagem mesmo lá. O curso per-
equipe eram sempre muito claras em relação mite a gente de férias, eu botando mensagem lá.
ao outro. A seguir, um trecho que exemplifica Ei pessoal (riu).

o que é dito: Cada uma tenta fazer, aí no final No evento 3, a amizade pode ser visuali-
a gente escolhe a ideia mais legal [...]. A gente zada pelo sentimento de ausência, o que de-
colocava isso, porque tem sempre alguém que monstra amizade e carinho pela colega. No
quer se encostar né e a gente num deixava, evento 4, primeiro a aluna demonstrou sentir
uma ficava vigiando a outra. (Evento 2 - En- falta da turma, marcando uma sessão de ba-
trevista realizada com a aluna Bianca, no dia te-papo com as amigas. Segundo, mesmo os
10/11/2008). colegas estando de férias, a aluna lhes enviou
Em relação ao ambiente virtual, a amiza- uma mensagem informal. Conforme os dois
de foi vista quando os alunos demonstravam exemplos, a amizade foi vista em diferentes
coletivamente sentimentos de solidariedade e momentos (formais e informais), revelando
cumplicidade para com os colegas. Nos fóruns, que esta categoria não ocorreu num único tipo
os alunos utilizavam expressões que se repe- de momento.
tiam, como: amiga e minha amiga. Nos bate-
papos, à medida que os alunos iam entrando b. Informalidade
na sala, cumprimentavam-se, mesmo que as Refere-se às formas de tratamento entre
discussões já tivessem iniciado. Ao finalizar o os participantes ou a maneira de agir em de-
bate-papo, apareceram expressões: beijos, terminadas situações. A informalidade esteve
beijoca em todos, um beijão para todos, mil relacionada tanto em momentos de trocas co-
beijos, um beijo, demonstrando não apenas municativas em sala de aula quanto em mo-
um cumprimento para com o colega, mas uma mentos extraclasse e foram percebidas pela
despedida calorosa com a turma. Nos bate- linguagem, oral e escrita, descritas em cada
papos, foi frequente o pedido de desculpas, ambiente.
quando os alunos chegavam atrasados ou uma No ambiente presencial, a informalidade
satisfação que era dada aos colegas quando foi visualizada quando os alunos se reporta-
precisavam sair; quando utilizavam palavras vam às colegas com seus nomes abreviados
em maiúsculo no meio de palavras em minús- e no diminutivo; quando diziam um palavrão
culo explicando que a intenção não era gritar 9 ao conversarem ou perguntarem algo; por ti-
e sim fora um erro na escrita; e quando se rarem uma brincadeira na aula com o cole-
equivocavam numa opinião dada ao colega. ga e por contarem piadas na hora da expli-
Nos eventos que seguem, têm-se dois cação, levando a situações de descontração e
exemplos de amizade: diminuindo os momentos de seriedade entre
os participantes. Na entrevista, uma aluna
Evento 3 (Diário de campo. Disciplina: Latim II: se reportou à colega, à turma ou à situação,
Língua e Cultura, 07/10/2008):
Uma aluna que havia chegado atrasada foi até
respectivamente, como mocinha, novinha, ai
o computador de cada colega cumprimentá-los. mulher, pessoal, meninas, colegas, gente, tá
Tal aluna percebeu que uma das colegas que es- legal, vixi.
tava em um dos computadores havia faltado no
No ambiente virtual, a informalidade foi vi-
dia anterior, e disse a ela: “eu senti sua falta,
viu”. sualizada no fórum pela forma de um aluno se
reportar ao outro, por exemplo: turma, cole-
Evento 4 (Entrevista realizada no dia gas, coleguinhas, meninas, olá, gente; ou em
10/11/2008).
Paula Patrícia: Faz amizades na turma, que pos- resposta a algum questionamento ou mensa-
sibilitam outros tipos de relação? gem de complementação ou explicação, tipo:
legal, valeu. Nos bate-papos, as formas de
tratamento e de responder aos colegas foram:
9 De acordo com a Netiqueta (regras para quem utiliza a
colegas, meninas, gente; olá, turma, pessoal,
Internet), escrever com letras maiúsculas significa gritar
com o outro (COMO..., 2006). gatinha, galera, oi, ops, ora, legal viu, oh, ufa

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e vixi. Tanto nos fóruns como nos bate-papos, L.10 Pode deixar!!! Eu vou ficar com a gorduchi-
nha por algum tempo. Ela tem uma carinha mais
os alunos se reportavam aos colegas com no-
simpática do que a minha.
mes abreviados, o que demonstrou formas de
tratamentos informais.
A informalidade nos bate-papos pode ser O evento 5 demonstra a presença de in-
considerada como algo que já era esperado, formalidade, pois os alunos estavam inician-
uma vez que as ferramentas síncronas possi- do uma sessão de bate-papo quando uma
bilitam uma linguagem mais próxima da fala aluna pediu para a colega colocar uma foto
oralizada dos participantes, porque eles sen- sua, pois no momento a aluna possuía uma
tem que podem se expressar livremente por imagem de peixe, uma vez que o ambiente
estarem em contato simultâneo com o colega, virtual de aprendizagem SOLAR, disponibiliza
e, ao mesmo tempo, receberem uma resposta de imagens de animais, da natureza e de mis-
ao que foi enviado. Segundo Oliveira (2007), celânea11. Nesse caso, o aluno pode escolher
o bate-papo é um mix de fala e escrita, de qualquer imagem caso não tenha uma foto
discurso verbal e não-verbal havendo resgate própria, por isso a aluna estava sendo repre-
da espontaneidade, aproximando os interlocu- sentada pela imagem de um peixe, e a colega
tores da troca diádica10 e criando a impressão pela imagem de uma boneca gorda. A conver-
de maior intimidade. sa também possuiu um emoticon no início, o
Santos (2005, p. 175) enfatiza que “a lin- que deu outro tom de informalidade.
guagem dos chats faz uso de gírias, nasce do Abaixo, observa-se outro exemplo de infor-
uso da associação com os sons da fala, muda malidade:
conforme muda a fala, [...]”. Ou seja:
Evento 6 (Diário de campo. Disciplina: Língua
Portuguesa-Frase, 16/09/2008):
Em um chat o erro estaria em se escrever afina-
Os alunos estavam em círculo corrigindo a ati-
do demais com as normas gramaticais. A neces-
vidade impressa e o celular de Lucas tocou. Por
sidade de velocidade, de irreverência, de cons-
sua vez, ele estava sentado de frente à profes-
trução de um estilo próprio e da constituição de
sora e olhando pra ela, falou rindo e em voz alta:
um grupo determina a norma desse gênero. E
estou em aula e a professora é muito chata, o
a norma é: cortar palavras, usar abreviaturas,
que foi motivo de brincadeira por todos.
emoticons, onomatopéias, gírias e pontuação
expressiva procurando todos os recursos capa-
zes de tornar a comunicação algo bem informal No evento 6, a ação do aluno ao falar ao te-
(SANTOS, 2005, p. 177). lefone exemplifica uma situação informal. Mes-
mo que todos estivessem num momento de
Para tanto, a informalidade no ambiente discussão e aprendizado, o aluno tira uma brin-
virtual se expressa através de uma lingua- cadeira para descontrair a turma e até mesmo
gem que pode ser considerada híbrida, a qual a professora-tutora. Pelo sorriso dos alunos e
possui traços da linguagem oral e traços da a expressão facial de Lucas, ficou demonstra-
linguagem escrita. A seguir, se exemplifica a do que aquela situação não passava de uma
categoria informalidade: brincadeira, uma vez que Lucas era tido, pe-
los colegas, como o aluno mais extrovertido e
Evento 5 (Chat 1 – turma B. Tema: Variação Lin- brincalhão. Ele continuou a descontrair a turma
güística. Disciplina: Língua Portuguesa-Frase,
23/09/2008):
em outros momentos da aula, pois os exemplos
L.1 ALDA fala para TODOS: que dava para responder as questões demons-
L.2 Valha !!! O peixe engoliu a Laura :)) travam seu senso de humor e espontaneidade
[...]
mesmo em momentos formais.
L.3 ALDA fala para TODOS:
L.4 Brincadeirinha..só para passar o tempo! Em momentos informais, não eram ape-
... nas os alunos que se distraíam entre si, mas
L.5 LAURA fala para TODOS: as professoras-tutoras também, uma vez que
L.6 Não Alda eu ainda vou colocar a minha foto
L.7 LAURA fala para TODOS: as brincadeiras não atrapalhavam totalmente o
L.8 meninas calma vou colocar a foto. andamento da aula, pois os alunos tinham cons-
L.9 ALDA fala para TODOS: ciência dos seus papéis12 (VENTURA, 2009).

11 Essa denominação é do próprio ambiente e significa


10 “Interação face a face entre interlocutores, seja presen- “Imagens Variadas”.
cialmente ou por ferramenta de comunicação síncrona com
imagem e som” (OLIVEIRA, 2007, p. 353). 12 Outras categorias foram elencadas na presente pesquisa,

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Na relação entre as professoras-tutoras e acerta13, não é? (Evento 7 - Fórum de Discus-


alunos, a informalidade apareceu quando os são. Disciplina - Latim II: Língua e Cultura,
alunos faziam gracejos com elas durante a 23/10/2008. Postado por Sofia).
explicação do conteúdo, no início ou intervalo No bate-papo, o incentivo surgiu quando
das aulas. Especificamente com a professo- uma aluna estimulou os colegas a participa-
ra-tutora da disciplina de Língua Portuguesa: rem da discussão e também quando uma alu-
Frase, a informalidade também apareceu nos na falou para todos sobre seu desejo de que
bate-papos ao iniciar a seção ou ao final, na todos conseguissem postar a atividade de por-
despedida utilizando onomatopeias, emoti- tfólio no dia estipulado pela professora-tutora
cons, letras maiúsculas e pontuação expres- de Língua Portuguesa: Frase. Como foi visto
siva, e quando se referia as alunas por me- nas duas ferramentas do ambiente virtual uti-
ninas, demonstrando um tom informal, o que lizado, fórum e chat, o incentivo não ocorreu
também foi caracterizado como o papel social apenas de forma individual, como mostram os
da professora-tutora mais detalhado na cate- dois eventos a seguir:
goria papel do professor-tutor.
Evento 8 (Diário de campo. Disciplina: Língua
Portuguesa-Frase, 15/09/2008):
c. Incentivo Duas alunas conversando no intervalo e uma
O incentivo refere-se às formas de incenti- perguntou pra outra o porquê dela estar triste.
var, apoiar e confortar o outro em suas neces- Essa aluna respondeu que não havia saído o re-
sultado de uma das disciplinas anteriores e caso
sidades. Para Prette e Prette (2007), as ações
ela não tivesse sido aprovada não poderia cur-
de apoio se relacionam com a empatia, que sar a disciplina atual com a sua turma, pois teria
significa “a capacidade de compreender e sen- que repetir aquela disciplina com outra turma.
tir o que alguém pensa e sente em uma deter- A colega que estava a ouvir, disse: “mas vai dar
certo”.
minada situação” (PRETTE; PRETTE, 2007, p.
86). Segundo os autores, a comunicação em-
pática gera disposição de partilhar dificulda- Pela descrição do evento 8, o incentivo foi
des ou êxitos, estabelecendo ou fortalecendo de forma individual e, com uma frase apenas,
vínculos de amizade e cria ou intensifica um todo um contexto foi modificado, uma vez que
canal de comunicação entre os indivíduos. a aluna mostrava-se triste e calada, mas ao
De acordo com os dados da pesquisa, apa- conversar e dizer o que estava sentindo, que
receram duas formas de incentivo: individual temia não continuar com os amigos da sua
e coletivo. turma, começou a conversar com os colegas
No ambiente presencial, o incentivo apa- que estavam a sua volta, mesmo que de for-
receu diversas vezes, dentre elas: quando ma tímida.
uma aluna incentivou o colega para não de- Na relação entre as professoras-tutoras e
sistir no curso, pois o aluno havia relatado que alunos, o incentivo foi o de participarem das
trabalhava os três turnos e ainda precisava discussões, enfatizando que eles eram capa-
ser liberado da escola onde trabalhava para zes, e o de parabenizar pelas colocações ex-
frequentar as aulas do curso. Outro exemplo postas nos bate-papos e fóruns, o que moti-
diz respeito às anotações do diário de campo, vou a novas participações.
quando o mesmo aluno relatou que seu suces- Nos dados encontrados, verificou-se que
so em uma das disciplinas anteriores se deu algumas vezes foram os próprios alunos que
ao incentivo da colega. se incentivaram entre si. O incentivo surgiu
No ambiente virtual, o incentivo foi visuali- não apenas quando os alunos se sentiam de-
zado quando os alunos estavam discutindo no sencorajados ou quando estavam com algum
fórum de discussão e alguns alunos estimu- problema, mas na espontaneidade na resolu-
lavam as respostas colocadas pelos colegas, ção das atividades e nos intervalos das aulas.
como é mostrado a seguir: É tentando que As atitudes de incentivo entre os alunos foram
se consegue. Se tiver errado, nós tentaremos fundamentais para o desenvolvimento da au-

dentre elas os papéis esperados e não-esperados das profes- 13 Todos os eventos que estão em itálico ou em citações
soras-tutoras e dos alunos. Maiores detalhes, a dissertação com recuo (mais de 3 linhas) no item Análise dos Dados
encontra-se disponível em: http://www.tede.ufc.br/tde_ e Resultados são transcrições literais dos participantes da
busca/processaPesquisa.php?pesqExecutada=1&id=2686 pesquisa, embora contenha erros gramaticais.

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tonomia, pois os alunos tinham a iniciativa de da relação apenas por parte de uma pessoa.
iniciar as discussões e de promover o debate, Segundo Echeverría (2003), agradecer não é
pois esperar apenas pelas professoras-tutoras apenas dizer obrigado, é construir uma relação
os levaria ao erro de focalizá-las como as úni- com o outro. Para o autor, quando se agradece
cas pessoas ativas da relação professor-aluno. “no solo asumimos uma postura ‘frente’ a los
Ativas no sentido de tomar a frente das dis- otros y ‘frente’ a la vida. Al hacerlo, participa-
cussões, das opiniões e das trocas entre os mos en la generación de nuestras relaciones
participantes. O incentivo não deve ser ape- con ellos y en la de la propia construcción de
nas atribuição do docente14, pois o aluno pode nuestra vida” (ECHEVERRÍA, 2003, p. 82)15.
criar rótulos ao achar que é só o professor No ambiente presencial, as formas de
quem deve estimular, caminhar junto, forne- agradecimento estiveram relacionadas à aju-
cer ajuda ao aluno e outras atribuições que da e aos favores que os alunos faziam uns aos
comumente lhe são designadas. outros, como: explicar o conteúdo; emprestar
No evento a seguir, o incentivo é apresen- material; ceder à cadeira ao colega e as caro-
tado de forma coletiva: nas que os alunos davam entre si. As ações de
agradecimento foram das mais elementares,
Evento 9 (Fórum de Discussão. Tema: 4ª e 5ª de- desde ceder o lugar ao colega, até ações mais
clinações. Disciplina: Latim II: Língua e Cultura,
21/10/2008):
complexas, como explicar o conteúdo. Todas
Telma [aluna] as formas de prestar atendimento ao colega
Turma, nunca pensei que Latim fosse tão compli- eram gratificadas, conforme apresentado nos
cado. (...) Mas... coragem, força de vontade e as
dados da pesquisa.
explicações das colegas chegaremos lá.Espero.
(...) No ambiente virtual, o agradecimento pôde
ser visualizado quando os alunos se ajudavam
A relação de incentivo que Telma estabele- entre si, no fórum: fornecendo feedback; ti-
ceu no fórum não foi apenas a um aluno em rando dúvidas ou complementando as men-
específico, mas à turma toda, pois os alunos sagens dos colegas. No bate-papo, quando
estavam com muitas dúvidas acerca do traba- alguns alunos chegavam atrasados e os cole-
lho a ser entregue (a tradução de vinte frases gas que já estavam on-line cumprimentavam
da língua latina para a língua portuguesa). O desejando boas vindas; ou quando repetiam
referido fórum foi para tirar dúvidas dos alu- alguma colocação importante da professora-
nos acerca desse trabalho, e o trecho cora- tutora que havia passado despercebida, e, ao
gem, força de vontade e as explicações das final do bate-papo, quando a aluna agradeceu
colegas chegaremos lá demonstrou que mes- à turma pelos esclarecimentos na resolução
mo com as dificuldades a colega acreditava dos exercícios; quando os alunos agradece-
nos companheiros, levando-a a incentivar com ram aos colegas e a professora-tutora por te-
palavras de estímulo e ânimo. rem gostado da discussão e pela contribuição
em seu aprendizado.
d. Agradecimento
Referem-se às formas de expressar grati- Evento 10 (Fórum de Discussão. Tema: 4ª e 5ª
declinações. Disciplina: Latim II: Língua e Cultu-
dão às ações dos demais participantes. Para ra, 22/10/2008):
Prette e Prette (2007), gratificar tem sido con- Raísa [aluna]
siderada uma competência tradicionalmente Obrigada Marta valeu muito.Gostaria de agra-
decer e parabenizar os colegas pela interação e
associada a pessoas carismáticas, populares
colaboração como a Alda coloca e muito bem:
e líderes, uma vez que é um ingrediente rele- “nada mais é do que crescimento e colaboração”,
vante nas relações sociais satisfatórias e equi- continuem sempre com essa postura, acima de
libradas. Relações satisfatórias e equilibra- tudo,humana.

das são aquelas em que há escuta, atenção


e feedback às ações que são realizadas por No evento 10, Raísa não apenas agradeceu,
um indivíduo, não ficando a responsabilidade mas parabenizou Marta por outras atitudes

14 Conforme a nota de rodapé anterior, a categoria Papéis


foi elencada como parte dos dados da pesquisa. O incen- 15 Tradução da autora deste artigo: “Não somente assumi-
tivo foi categorizado tanto como papel do aluno quanto do mos uma postura frente aos outros e frente a vida. Ao fazer
professor. Para uma melhor compreensão, ler a íntegra da isso, participamos da geração de nossas relações com eles
dissertação (VENTURA, 2009). e na construção da nossa própria vida”.

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que esta estava demonstrando durante todos vezes a gente quer dizer uma coisa engraçada e,
às vezes a pessoa pode achar que a gente tá né
os questionamentos, dentre eles o de dominar
questionando alguma coisa, dando piada, aí às
o conteúdo. Esse agradecimento, assim como vezes a pessoa responde de uma forma, valha
outros no fórum, foi de agradecimento às co- não foi bem assim, eu acho que eu não soube
me expressar.
locações sempre precisas de Marta.
Na relação entre professoras-tutoras e alu-
nos, o agradecimento apareceu em diversas Nos fóruns, o menor índice foi na subca-
ocasiões: quando os alunos agradeciam à par- tegoria amizade, pois conforme o relato de
ticipação e discussões de todos; quando agra- Bianca, os alunos deviam se atentar para o
deciam à receptividade da professora-tutora, que era dito no fórum, embora aparecessem
da disciplina de Língua Portuguesa: Frase, nas mensagens de Incentivo, Agradecimento e de
seções de bate-papo, pois mesmo tendo co- Informalidade. A frequência que mais se des-
meçado a aula, ela sempre recepcionava o alu- taca é a da Informalidade, o que evidencia o
no que estava entrando na discussão; quando caráter informal entre os alunos em momen-
uma aluna agradeceu também por ela pror- tos formais de ensino e aprendizagem, como
rogar o prazo das atividades; quando agra- os diálogos entre os discentes e as docentes.
deceu pelo modo de correção dos trabalhos Ainda que as discussões se voltassem ao con-
individuais, uma vez que ela corrigia fazendo teúdo, as mensagens tinham caráter informal,
alterações no próprio documento e quando o que não descaracterizou as mensagens ditas
enviou um arquivo aos alunos por e-mail com formais.
orientações de como realizar as atividades. As A seguir, apresenta-se a frequência de cada
ações de agradecimento dos alunos para com subcategoria das relações interpessoais entre
duas professoras-tutoras aconteceram pela professoras-tutoras e alunos:
ferramenta fórum e chat.
A seguir, segue a frequência de cada sub-
TABELA 2 – Frequência da Subcategoria - Relações Inter-
categoria das relações interpessoais entre os pessoais: Professor-Tutor e Alunos
alunos:
Diário
Relações Entre- Bate-
de Fóruns
Interpessoais vistas papos
Campo
TABELA 1 – Frequência da Subcategoria - Relações Inter-
Amizade 0 - 0 0
pessoais Entre Alunos
Informalidade 2 - 0 7
Relações Diário Entre- Fóruns Bate- Incentivo 1 - 7 68
Interpessoais de vistas papos
Campo Agradecimento 0 - 2 17
Amizade 16 11 3 21
Informalidade 24 27 33 93
Incentivo 3 1 8 6
Agradecimento 1 0 11 12
De acordo com os dados da Tabela 2, as
relações entre professoras-tutoras e alunos
mais evidentes foram no ambiente virtual. As
Conforme os dados da Tabela 1, o agra- ações de incentivar nos bate-papos foram fun-
decimento foi a subcategoria que apresentou damentais, uma vez que a professora-tutora
a menor frequência no diário de campo e a havia relatado que os alunos estavam com di-
ausência de ocorrência nas entrevistas. Nas ficuldade no conteúdo, o que foi explicitado
entrevistas, há apenas uma ocorrência na em detalhes na categoria Papéis do professor-
subcategoria incentivo, quando Bianca relatou tutor. Portanto, suas ações de incentivar e en-
que usava indevidamente a ferramenta fórum fatizar que os alunos eram capazes contribuí-
para incentivar os colegas, e que recebia al- ram para que as participações aumentassem.
guns puxões de orelha por postar algumas As formas de agradecimento eram um retorno
coisas para a turma, pois às vezes achava o que os alunos forneciam as professoras-tuto-
curso meio frio porque queria dizer uma coisa ras, pois ao agradecerem relatavam a postura
engraçada quando alguém respondia de forma positiva de cada uma delas para com eles.
séria, como é mostrado no evento a seguir:

Evento 11 (Trecho da Entrevista realizada com a


aluna Bianca, no dia 10/11/2008).
Esse curso às vezes é meio frio né, porque às

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5 Considerações finais tilhadas, dentre outras fundamentais para que


se dê a interação e consequentemente às for-
mas diferenciadas de relacionamento.
Os dados evidenciam a importância das re- Os dados atestaram ainda uma forte pre-
lações interpessoais nos processos de apren- sença dos encontros presenciais para o for-
dizagem, sejam eles presenciais ou virtuais. talecimento das relações interpessoais, indi-
Comprovou-se que o uso do espaço virtual cando que essas não aconteceram de forma
não interferiu nos tipos de relações, permi- separada (só interações presenciais e só inte-
tindo que os alunos utilizassem uma multipli- rações virtuais), e sim foram complementadas
cidade de deixas simbólicas para o ato comu- quando iniciadas no ambiente presencial. Daí
nicacional. a importância de se considerar todos os mo-
Considera-se também que as relações in- mentos de encontros entre os participantes,
terpessoais nos ambientes formais de ensino pois presencial e virtual não podem ser vis-
e aprendizagem devem se valer de habilidades tos como contextos separados e isolados, mas
comunicacionais voltadas não apenas ao lado complementares e interdependentes. Dessa
intelectual, mas ao lado social e pessoal, como forma, pode-se pensar numa continuidade de
a capacidade de ouvir as necessidades do ou- relações, sejam elas formais ou informais, e
tro, apoiar, respeitar as diferenças do outro e que essas podem sofrer modificações com o
se perceber como sujeito nas trocas compar- tempo e a intensidade das interações.

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Recebido em novembro de 2009.


Aprovado para publicação em setembro de 2010.

Paula Patrícia Barbosa Ventura


Mestre em Educação, com ênfase em Tecnologias Digitais na Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialis-
ta em Informática Educativa (UFC) e Graduada em Pedagogia (UFC) – Fortaleza-CE/Brasil.
Email: paula@virtual.ufc.br

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