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CAO – Crim

Boletim Criminal Comentado n°170, 02/2022

(semana nº 4)

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Boletim Criminal Comentado 170-
Fevereiro de 2022

Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais


Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores
Fernanda Narezi P. Rosa
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Paulo de Palma (descentralizado)
Danilo Orlando Pugliesi (descentralizado)

Núcleo de Apoio ao Tribunal do Júri


Aluisio Antonio Maciel Neto (Coordenador)
Felipe Bragantini de Lima
Flavia Flores Rigolo
Juliana Mendonça Gentil Tocunduva
Luiz Carlos Ormeleze
Thiago Alcocer Marin

Artigo 28 e Conflito de Atribuições


Marcelo Sorrentino Neira
Manoella Guz
Roberto Barbosa Alves
Walfredo Cunha Campos
Yolanda Alves Pinto Serrano
Fernando Célio de Brito Nogueira (descentralizado)

Analistas Jurídicos
Ana Karenina
Victor Gabriel Tosetto

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Boletim Criminal Comentado 170-
Fevereiro de 2022

SUMÁRIO

AVISO....................................................................................................................................................4

ESTUDOS DO CAO CRIM........................................................................................................................4

1 – Lei 14.188/2021 (violência psicológica contra a mulher). Enunciados do CAO-


CRIM......................................................................................................................................................5

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.........................................7

DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................7

1-Tema: Estelionato praticado mediante depósito. Superveniência da Lei n. 14.155/2021.


Competência. Local do domicílio da vítima. Norma processual. Aplicação imediata. Natureza Relativa.
Perpetuatio jurisdicionis.......................................................................................................................7

2-Tema: Inadimplemento da fiança como fundamentação da prisão preventiva................................10

DIREITO PENAL....................................................................................................................................11

1-Tema: Contravenção de perturbação da tranquilidade. Art. 65 do Decreto-Lei n. 3.688/1941.


Revogação pela Lei n. 14.132/2021. Abolitio criminis. Princípio da continuidade normativo-típica.
Incidência............................................................................................................................................11

2- Tema: Excesso de exação. Art. 316, § 1º, do Código Penal. Comprovada dificuldade exegética da
legislação de custas e emolumentos. Conduta resultante de equívoco na interpretação da norma
tributária. Ausência de comprovação do elemento subjetivo. Atipicidade..........................................12

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................16

1-Tema: Revisão de recusa ministerial em aditar a denúncia – manutenção.


............................................................................................................................................................16

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Boletim Criminal Comentado 170-
Fevereiro de 2022

AVISOS

1- Sobre tramitação direta dos inquéritos policiais e TCOs entre a Delegacia de Polícia e o MP

Considerando as fases de implantação da tramitação direta dos inquéritos policiais e TCOs entre a
Delegacia de Polícia e o MP, cumpre destacar que desde a primeira fase (implantada em 10 de
novembro de 2021 em algumas Promotorias de Justiça), o CAOCRIM e o CTIC vêm contando com o
apoio da equipe de servidores da Barra Funda, para sanar dúvidas dos colegas, em conjunto com
servidores do TJSP. O fluxo vem sendo cumprido sem problemas.

Os servidores das Promotorias de Justiça que participam da segunda fase de implantação, iniciada
em 1º. de fevereiro de 2022, receberam por e-mail um material de apoio atualizado, o qual pode ser
acessado pelo link https://bit.ly/3oA3Mm3. Confiram.

Reforçamos que o CAOCRIM se coloca à disposição para sanar eventuais dúvidas, que ainda podem
ser registradas no CAO ATENDE

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Boletim Criminal Comentado 170-
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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Tema: Lei 14.188/2021 (violência psicológica contra a mulher). Enunciados do CAO-CRIM

ENUNCIADO 1

O crime de violência psicológica não está restrito aos âmbitos da Lei Maria da Penha e compreende
condutas no âmbito comunitário ou em instituições públicas e privadas, tais como violência
institucional, violência obstétrica, no âmbito do trabalho, em comunidades religiosas.

ENUNCIADO 2

A prática de revitimização por parte de autoridade pública que importe em dano emocional pode
configurar crime de violência psicológica.

ENUNCIADO 3

Para os crimes que estão fora do âmbito da Lei Maria da Penha, em tese compatíveis com os
benefícios da Lei 9.099/95, deve-se atentar para a proteção da mulher, estabelecendo-se medidas
que garantam sua segurança.

ENUNCIADO 4

O dano emocional equivale ao sofrimento causado para a vítima (tristeza, crises de choro, angústia,
insônia, pesadelos, medo de iniciar relacionamentos) e prescinde da realização de laudo pericial, que
somente é necessário para o crime de lesão corporal à saúde por dano psíquico (transtorno mental).

ENUNCIADO 5

O crime se consuma com o dano emocional, que pode ser demonstrado pelo depoimento da vítima,
depoimentos de testemunhas, relatórios de atendimento e quaisquer elementos que comprovem o
impacto da conduta para o pleno desenvolvimento, controle das ações, autodeterminação e saúde
da vítima.

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ENUNCIADO 6

Na instrução, deve-se evitar a revitimização com sucessivas inquirições, perguntas invasivas e


detalhamentos quanto ao dano emocional se da conduta criminosa já é possível inferir seu grau de
lesividade.

ENUNCIADO 7

O crime de violência psicológica é habitual impróprio, podendo ser praticado mediante uma ou
sucessivas condutas, não desnaturando, no caso de reiteração, e desde que presente o mesmo
contexto fático, a unidade do crime, devendo a pluralidade de comportamentos ser considerada na
fixação da pena-base.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM


DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1-Tema: Estelionato praticado mediante depósito. Superveniência da Lei n. 14.155/2021.


Competência. Local do domicílio da vítima. Norma processual. Aplicação imediata. Natureza
Relativa. Perpetuatio jurisdicionis.

INFORMATIVO N. 4- 31 DE JANEIRO DE 2022- EDIÇÃO ESPECIAL- STJ

DESTAQUE:

A modificação de competência promovida pela Lei n. 14.155/2021 tem aplicação imediata, contudo,
por se cuidar de competência em razão do lugar, de natureza relativa, incide a regra da perpetuatio
jurisdicionis, quando já oferecida a denúncia.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:

Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, "a competência será, de regra, determinada pelo
lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o
último ato de execução".

O delito de estelionato, tipificado no art. 171, caput, do Código Penal, se consuma no lugar onde
aconteceu o efetivo prejuízo à vítima.

Por essa razão, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no caso específico de estelionato
praticado por meio de depósito em dinheiro ou transferência de valores, firmara a compreensão de
que a competência seria do Juízo onde se auferiu a vantagem ilícita em prejuízo da vítima, ou seja, o
local onde se situava a conta que recebeu os valores depositados.

Já nos casos de estelionato praticado por meio de cheque adulterado ou falsificado, o efetivo prejuízo
se dá no local do saque da cártula, ou seja, onde o lesado mantém a conta bancária.

Entretanto, a Lei n. 14.155/2021, incluiu o § 4º ao art. 70 do Código de Processo Penal, com a seguinte
redação:"§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente
provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência
de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade
de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção."

Diante da modificação legislativa, criando hipótese específica de competência no caso de crime de


estelionato praticado mediante depósito, transferência de valores ou cheque sem provisão de fundos
em poder do sacado ou com o pagamento frustrado, não mais subsiste a distinção outrora

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consolidada por esta Corte Superior, devendo ser reconhecida a competência do Juízo do domicílio
da vítima.

A lei processual penal tem aplicação imediata. Contudo, por se cuidar de competência em razão do
lugar, de natureza relativa, incide a regra da perpetuatio jurisdicionis, quando já oferecida a denúncia,
nos termos do art. 43 do atual Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 3º do Código de
Processo Penal.

Processo: CC 181.726-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em
08/09/2021, DJe 17/09/2021.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Dadas as diversas circunstâncias em que o estelionato pode ser cometido, não raro surgem dúvidas
a respeito do juízo competente para julgamento, pois nem sempre quem sofre o prejuízo e quem
obtém a vantagem se encontram no mesmo local e, em tais situações, pode haver certa dificuldade
para estabelecer com precisão onde o estelionatário realmente alcançou o proveito de seu ardil.
O Superior Tribunal de Justiça julga incontáveis casos dessa natureza. Em seus julgamentos, a
Terceira Seção do Tribunal sempre diferenciou as situações em que a fraude é cometida por meio de
saque ou compensação de cheque das situações em que a vítima efetua depósito ou transferência
de valores para uma conta corrente designada pelo estelionatário:
“[...] 2. Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será de regra determinada pelo lugar em
que se consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no
local e momento em que é auferida a vantagem ilícita. De se lembrar que o prejuízo alheio,
apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato
e não à conduta propriamente. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão
pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de
disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa
efetivamente em sua conta corrente. 3. Há que se diferenciar a situação em que o estelionato
ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado, da
hipótese em que a própria vítima, iludida por um ardil, voluntariamente, efetua depósitos e/ou
transferências de valores para a conta corrente de estelionatário.
Quando se está diante de estelionato cometido por meio de cheques adulterados ou
falsificados, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado,
pois é nesse momento que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade da entidade
financeira sacada para, em seguida, entrar na esfera de disposição do estelionatário. Em tais

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casos, entende-se que o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a
agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, seja dizer, onde a vítima possui conta
bancária.
Já na situação em que a vítima, induzida em erro, se dispõe a efetuar depósitos em dinheiro
e/ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da
vantagem ilícita por certo ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro,
seja dizer, no momento em que ele é depositado em sua conta. Precedentes: CC 169.053/DF,
Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe
19/12/2019; CC 161.881/CE, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
13/03/2019, DJe 25/03/2019; CC 162.076/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 25/03/2019; CC 114.685/RS, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 22/04/2014; CC 101.900/RS,
Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 06/09/2010; CC
96.109/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009,
DJe 23/09/2009. 4. Tendo a vítima efetuado transferências bancárias para contas de pessoas
físicas cujas agências bancárias localizam-se todas no Município de Guarulhos/SP, é de se
reconhecer que a competência para condução do inquérito policial é do Juízo de Direito da 4ª
Vara criminal de Guarulhos/SP, o suscitado” (AgRg no CC 171.632/SC, j. 10/06/2020).
A Lei 14.155/21 inseriu no art. 70 do CPP o § 4º para dispor o seguinte:
“Nos crimes previstos no art. 171 do Código Penal, quando praticados mediante depósito,
mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com
o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida
pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-
se-á pela prevenção”.
A partir da nova Lei 14.155, portanto, grande parte da controvérsia envolvendo a competência do
estelionato plurilocal está resolvida: o crime cometido mediante depósito, emissão de cheques sem
suficiente provisão de fundos ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores
deve ser julgado segundo o domicílio da vítima.
Nota-se que a solução trazida pela nova Lei diverge um tanto da orientação firmada pelo STJ. Para o
tribunal, como vimos, o estelionato em que a vítima efetua depósito ou transferência bancária deve
ser julgado no local em que se localiza a agência na qual o criminoso recebe o dinheiro. Mas o § 4º
do art. 70 determina que, também nesse caso, a competência deve ser determinada pelo domicílio
da vítima.

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Nos casos de pagamento por cheque, as decisões do STJ fazem referência ao local em que situada a
agência bancária na qual a vítima mantém sua conta corrente. Embora, na grande maioria dos casos,
a vítima mantenha a conta bancária no mesmo lugar de seu domicílio, é possível que isso não ocorra.
Pela regra do § 4º do art. 70, importa o domicílio da vítima, não o local em que se situa a instituição
financeira.
É provável que o legislador tenha concebido a regra pensando também nas contas bancárias digitais,
operadas por instituições financeiras que têm apenas uma agência – a sede, a qual na maioria das
vezes está muito distante do local em que o crime é cometido.
O novo parágrafo acaba tornando sem eficácia as súmulas 244 STJ e 521 STF.
Por fim, debate que já nota no dia a dia (e antevisto pelo CAOCRIM no boletim 141, onde comentou
a nova Lei) consiste em averiguar a competência para as ações penais que se encontrem em
andamento. É dizer: em curso um processo envolvendo estelionato por meio de cheque sem fundos,
iniciado antes da vigência da Lei 14.155, deve ele prosseguir perante o juízo de origem, do local da
conta bancária, ou, ao revés, cumpre sua imediata remessa ao juízo do domicílio da vítima (quando
diversos)? Entendemos que deve ser mantido no juízo de origem. Impõe-se a chamada perpetuatio
juridicionis, pela qual a competência se firma, definitivamente, quando do registro ou distribuição da
ação, não mais podendo ser modificada, segundo o art. 43 do Código de Processo Civil (com aplicação
ao processo penal nos termos do art. 3º do CPP).

O perpetuatio jurisdicionis traz uma ressalva, que ocorre quando as mudanças “alterarem a
competência absoluta”. Ora, na hipótese vertente, a competência é territorial, relativa (e não
absoluta), e, como tal, não se enquadra na exceção prevista no art. 43 do CPC.

Em suma: a retroatividade da norma do §4º, do art. 70 do CPP, deve ser observada se o crime ainda
está na fase de investigação. Existindo processo, deve ser notado o instituto da “perpetuatio
iurisdictionis”, necessário para a estabilidade da competência de foro. Uma vez determinada e fixada
esta, quaisquer modificações de fato ou de direito supervenientes são irrelevantes em sua
estabilidade.

2-Tema: Inadimplemento da fiança como fundamentação da prisão preventiva

PESQUISA PRONTA- STJ

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DIREITO PENAL:

1-Tema: Contravenção de perturbação da tranquilidade. Art. 65 do Decreto-Lei n. 3.688/1941.


Revogação pela Lei n. 14.132/2021. Abolitio criminis. Princípio da continuidade normativo-típica.
Incidência.

INFORMATIVO 722- STJ

DESTAQUE:

A revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade - art. 65 do Decreto-Lei n. 3.688/1941


- pela Lei n. 14.132/2021, não significa que tenha ocorrido abolitio criminis em relação a todos os
fatos que estavam enquadrados na referida infração penal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

De início, convém analisar a Lei n. 14.132, de 31 de março de 2021, a qual acrescentou o art. 147-A
ao Código Penal, para prever o crime de perseguição, conhecido como stalking, e revogou o art. 65
da Lei das Contravenções Penais.

Segundo o art. 147-A do Código Penal, constitui crime "perseguir alguém, reiteradamente e por
qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de
locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou
privacidade". A pena é de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.

Como já dito, a par de criar um novo tipo penal, a Lei n. 14.132/2021 revogou expressamente o artigo
65 da Lei das Contravenções Penais, cuja redação era a seguinte: "Artigo 65 - Molestar alguém ou
perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena - prisão simples, de quinze
dias a dois meses, ou multa".

Com efeito, a revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade pela Lei n. 14.132/2021,


não significa que tenha ocorrido abolitio criminis em relação a todos os fatos que estavam
enquadrados na referida infração penal.

De fato, a parte final do art. 147-A do Código Penal prevê a conduta de perseguir alguém,
reiteradamente, por qualquer meio e "de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de
liberdade ou privacidade", circunstância que, a toda evidência, já estava contida na ação de "molestar
alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável", quando cometida de
forma reiterada, porquanto a tutela da liberdade também abrange a tranquilidade.

No caso, está consignado que o acusado, mesmo depois de processado e condenado em primeira
instância pelo mesmo crime (art. 65 da LCP), cometido contra a mesma vítima, voltou a tentar
contato ao lhe enviar três e-mails e um presente.

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Assim, considerando que o comportamento é reiterado - ação que, no momento atual, está contida
no art. 147-A do Código Penal, em razão do princípio da continuidade normativo-típica -, de rigor, no
caso, a incidência da lei anterior mais benéfica (art. 65 do Decreto Lei n. 3.688/1941).

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

A decisão em comento confirma o Enunciado 8 do CAOCRIM, publicado no Boletim 137, mais


precisamente no mês de maio de 2021:

8 - Perseguição reiterada cometida e encerrada antes da Lei 14.132/21, caracterizadora da


contravenção penal do art. 65, se presentes as elementares do art. 147-A do CP, pode continuar
sendo objeto de persecução penal. Aplica-se, na hipótese, o princípio da continuidade normativo-
típica, bem como o princípio da irretroatividade maléfica da lei penal superveniente, sendo o preceito
secundário do art. 65 da LCP ultrativo.

2- Tema: Excesso de exação. Art. 316, § 1º, do Código Penal. Comprovada dificuldade exegética da
legislação de custas e emolumentos. Conduta resultante de equívoco na interpretação da norma
tributária. Ausência de comprovação do elemento subjetivo. Atipicidade.

INFORMATIVO N. 4- 31 DE JANEIRO DE 2022- EDIÇÃO ESPECIAL -STJ

DESTAQUE:

A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:

O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal, pune o excesso na cobrança pontual de tributos (exação),
seja por não ser devido o tributo, ou por valor acima do correto, ou, ainda, por meio vexatório ou
gravoso, ou sem autorização legal. Ademais, o elemento subjetivo do crime é o dolo, consistente na
vontade do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido, ou, ainda,
de empregar meio vexatório ou gravoso na cobrança de tributo ou contribuição devidos.

E, consoante a doutrina, "se a dúvida é escusável diante da complexidade de determinada lei


tributária, não se configura o delito". Outrossim, ressalta-se que "tampouco existe crime quando o
agente encontra-se em erro, equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que
instituem e regulam a obrigação de pagar".

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Nesse palmilhar, a relevância típica da conduta prevista no art. 316, § 1º, do Código Penal depende
da constatação de que o agente atuou com consciência e vontade de exigir tributo acerca do qual
tinha ou deveria ter ciência de ser indevido. Deve o titular da ação penal pública, portanto,
demonstrar que o sujeito ativo moveu-se para exigir o pagamento do tributo que sabia ou deveria
saber indevido. Na dúvida, o dolo não pode ser presumido, pois isso significaria atribuir
responsabilidade penal objetiva ao registrador que interprete equivocadamente a legislação
tributária.

No caso, os elementos constantes do acórdão recorrido evidenciam que o texto da legislação de


regência de custas e emolumentos à época do fatos provocava dificuldade exegética, dando margem
a interpretações diversas, tanto nos cartórios do Estado, quanto dentro da própria Corregedoria,
composta por especialistas na aplicação da norma em referência. Desse modo, a tese defensiva de
que "a obscuridade da lei não permitia precisar a exata forma de cobrança dos emolumentos
cartorários no caso especificado pela denúncia" revela-se coerente com a prova dos autos.

Ademais, frisa-se que os elementos probatórios delineados pela Corte de origem evidenciam que,
embora o réu possa ter cobrado de forma errônea os emolumentos, o fez por mero erro de
interpretação da legislação tributária no tocante ao método de cálculo do tributo, e não como
resultado de conduta criminosa. Temerária, portanto, a sua condenação à pena de 4 anos de reclusão
e à gravosa perda do cargo público.

Outrossim, oportuno relembrar que, no RHC n. 44.492/SC, interposto nesta Corte, a defesa
pretendeu o trancamento desta ação ainda em sua fase inicial. A em. Ministra Laurita Vaz, relatora
do feito, abraçou a tese defensiva assentando que "não basta a ocorrência de eventual cobrança
indevida de emolumentos, no caso, em valores maiores do que os presumidamente devidos, para a
configuração do crime de excesso de exação previsto no § 1.º do art. 316 do Código Penal, o que
pode ocorrer, por exemplo, por mera interpretação equivocada da norma de regência ou pela
ausência desta, a ensejar diferentes entendimentos ou mesmo sérias dúvidas de como deve ser
cobrado tal ou qual serviço cartorial. É mister que haja o vínculo subjetivo (dolo) animando a conduta
do agente."

E arrematou que "a iniciativa de acionar o aparato Estatal para persecução criminal de titular de
cartório, para punir suposta má-cobrança de emolumentos, em um contexto em que se constatam
fundadas dúvidas, e ainda sem a indicação clara do dolo do agente, se apresenta, concessa venia,
absolutamente desproporcional e desarrazoada, infligindo inaceitável constrangimento ilegal ao

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acusado." (RHC n. 44.492/SC, relatora Ministra LAURITA VAZ, relator para acórdão Ministro MOURA
RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 21/8/2014, DJe 19/11/2014).

A em. relatora ficou vencida, decidindo a Turma, por maioria, pelo prosseguimento da ação penal em
desfile, desfecho esse que desconsiderou que, em observância ao princípio da intervenção mínima,
o Direito Penal deve manter-se subsidiário e fragmentário, e somente deve ser aplicado quando
estritamente necessário ao combate a comportamentos indesejados.

Portanto, não havendo previsão para a punição do crime em tela na modalidade culposa e não
demonstrado o dolo do agente de exigir tributo que sabia ou deveria saber indevido, é inviável a
perfeita subsunção da conduta ao delito previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal.

Processo: REsp 1.943.262-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade,
julgado em 05/10/2021.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

No crime de excesso de exação (art. 316, §1º., CP), pune-se -se o funcionário que se exceder na
cobrança de tributo ou contribuição social, seja porque cobra, demandando imperiosamente o que
não é devido, ou, mesmo que devido, utiliza-se de meio vergonhoso (vexatório) ou que traz ao
contribuinte maiores ônus.

No § 1º, diversamente do que ocorre no parágrafo seguinte, o tributo, depois de exigido, é


encaminhado aos cofres públicos. Trata-se de norma penal em branco imprópria ou homogênea, pois
o complemento (definição de tributo e de contribuição social) emana do próprio legislador, embora
em instância diversa.

Percebam que o Estado, mesmo enriquecido com o crime, repudia, com veemência, as
arbitrariedades do seu servidor.

O crime é punido a título de dolo, consistente na vontade dirigida à exigência de tributo ou


contribuição social indevida, ou ao emprego de meio gravoso ou vexatório na sua cobrança.

Parcela da doutrina ensina que o delito, em sua primeira parte, pune também a modalidade culposa,
conforme se extrai da expressão “deveria saber indevido”.

Tal entendimento, contudo, é contestado pela maioria, para quem o legislador, ao empregar a
referida expressão, buscou punir a conduta dolosa, porém do tipo eventual, desconsiderando a

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forma culposa. Guilherme de Souza Nucci ensina que o elemento subjetivo do tipo “é o dolo, nas
modalidades direta (‘que sabe’) e indireta (‘que deveria saber’).

Não há elemento subjetivo específico do tipo, nem se pune a forma culposa”2.

O mesmo raciocínio é encontrado na lição de Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Jr., para quem
“o elemento subjetivo do crime é representado por um dolo genérico reforçado.

Utilizando uma técnica legislativa reservada a poucos crimes, o art. 316, § 1º, exige, além dos normais
requisitos do dolo com relação aos elementos de fato, o ‘saber’ que a exação é indevida.

Logo, o agente deverá ter ciência plena de que se trata de imposto, taxa ou emolumento não
devido”3.

O entendimento presente na decisão em comento não é inédito. De acordo com o STJ, se há dúvida
interpretativa a respeito da legislação tributária que fundamenta a cobrança, afasta-se o crime, que
só se tipifica se o agente tem consciência de que atua em excesso.

2. Código Penal comentado, p. 1181.


3. Dos crimes contra a Administração Pública, p. 96.

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1-Tema: Revisão de recusa ministerial em aditar a denúncia – manutenção.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 384, §1.º

Autos n.º 1506733.68.2021.8.26.0228 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Jaú
Réus: VINÍCIUS GABRIEL SILVA CANOSSA e DIOGO RODRIGUES PEREIRA QUINTILIANO
Assunto: revisão de recusa ministerial em aditar a denúncia – manutenção.

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de VINÍCIUS GABRIEL SILVA
CANOSSA e DIOGO RODRIGO PEREIRA QUINTILIANO, imputando-lhes o crime previsto no art. 157, §
3º, inciso II (latrocínio), c.c. o art. 61, II, j, do Código Penal.

Narra a peça acusatória que no dia 17 de março de 2021, na Rua César Sancinete, na cidade
e comarca de Jaú, os acusados VINÍCIUS e DIOGO, em concurso de agentes, subtraíram, para si,
mediante emprego de violência exercida com facas, contra a vítima Ricardo Luís Nicola, uma televisão
de 32 polegadas, um telefone celular da marca Samsung, dois pares de tênis (marca Mizuno), uma
bermuda jeans, e o veículo Honda/Civic, preto, placas EQUOG21, bens esses apreendidos (fls. 21/23),
e avaliados em R$ 115.530,00 (cento e quinze mil quinhentos e trinta reais); da violência empregada,
resultou a morte da vítima, conforme laudo necroscópico (fls. 161/165).

Apurou-se dos autos que VINÍCIUS era conhecido da vítima, pois já havia frequentado a casa
de Ricardo, havendo, ainda, evidências, de que eles mantinham ou tivessem mantido algum tipo de
relacionamento mais estreito. Na data dos fatos, pretendendo subtrair bens e valores lá existentes,
VINÍCIUS dirigiu-se até a casa de Ricardo, junto com o seu comparsa DIOGO. Na casa do ofendido,
permaneceram por algumas horas; consumiram bebidas alcoólicas e comidas, havendo,
aparentemente, uma confraternização. Em determinado momento, passaram então a agredir a

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vítima com a intenção de matá-la para subtrair seus bens. Desferiram golpes com uma faca; foram
desferidas, pelo menos, 33 (trinta e três) facadas. Consumada a morte, os agentes se apoderaram
dos objetos, inserindo-os no veículo da vítima, e evadiram-se do local, em direção à cidade de São
Paulo.

Acionada a polícia militar, já na cidade de São Paulo, o veículo roubado foi notado pelo Radar,
trafegando pela Avenida Marques de São Vicente; na abordagem policial, VINÍCIUS conduzia o carro
e vestia uma bermuda e um par de tênis de propriedade da vítima; DIOGO, por sua vez, era o
passageiro do carro e usava um par de tênis do ofendido. No interior do carro, foram encontrados os
demais objetos, como o telefone celular, uma carteira e 20 (vinte) cartões bancários (cf. denúncia de
fls. 1/4).

Os acusados foram presos em flagrante na cidade de São Paulo, mas, como se tratava de
crime de latrocínio consumado na comarca de Jaú, requereu-se a remessa dos autos à comarca de
Jaú, nos termos do art. 70 do CPP (fls. 134/135).

O pleito foi atendido (fls. 136).

As investigações policiais prosseguiram perante a delegacia de polícia de Jaú tendo por


objeto o crime de latrocínio consumado.

Em relatório encartado ao exame de local informa-se que, possivelmente, a agressão teria se


iniciado em um dos quartos do imóvel, seguindo-se os rastros de sangue, até a sala, onde o corpo foi
encontrado. Na cozinha, sobre o balcão, havia embalagens de lanches, copos usados, taças e uma
garrafa de vinho vazia, tornando evidente que a vítima teria se confraternizado com alguém.
Constatou-se, de plano, que o autor subtraiu o telefone celular da vítima, além de uma televisão e o
carro do ofendido. Informações preliminares deram conta que o ofendido Ricardo era um
conceituado professor Universitário, seria homossexual e que fazia constantemente convites a
pessoas desconhecidas para comparecerem à sua residência. O minucioso relatório do investigador

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de polícia Homero Paulo Pires Lacorte Júnior apresenta imagens dos pedágios em que se observa o
carro de propriedade da vítima sendo conduzido, bem como fotos da prisão dos acusados, já na
cidade de São Paulo (fls. 179/202).

Auto de exibição e apreensão dos bens apreendidos (fls. 203).

O relatório da autoridade policial elenca os fatos e os elementos informativos (e provas)


hauridos, dentre eles, ressalta a ausência de sinais de arrombamento e os objetos encontrados na
cozinha que dariam conta da existência de confraternização prévia. Descreve-se o itinerário pelas
praças de pedágio realizado pelo carro subtraído da vítima, demonstrando-se que o autor se
deslocou, com citado veículo, do interior até a cidade de São Paulo. Refere, a autoridade policial, que
VINÍCIUS, em seu interrogatório, disse que, na noite dos fatos, estava em uma choperia, bebendo
com sua namorada, momento em que um amigo, Wellverton Ribeiro, passou por lá e disse que a
vítima Ricardo iria buscá-lo na sua casa, e que iria até a casa do ofendido, “para ficarem juntos”.
Wellverton saiu, e cerca de duas horas depois retornou, já a bordo do automóvel Honda/Civic, preto,
placas EWU0G21, de propriedade de Ricardo. Wellverton lhe teria dito que precisava de sua ajuda;
Wellerton lhe teria dado possivelmente uns R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em uma sacola.
Wellerton lhe disse que o Honda Civic subtraído já tinha sido vendido para um desmanche, em São
Paulo. Relata VINÍCIUS que embarcou no Honda Civic e veio até São Paulo; para a viagem, foi
acompanhado por seu amigo DIOGO. Afirmou VINÍCIUS que não sabia da morte de Ricardo. Afirmou
que Ricardo seria namorado de Wellerton há três anos, acreditando que o motivo da morte “foi
dinheiro”.

Bem observa a autoridade policial que a versão do acusado VINÍCIUS era fantasiosa, uma vez
que, segundo o proprietário da mencionada choperia, as atividades do comércio se encerraram no
dia 16/03/2021, às 14 horas, em razão da pandemia, de modo que a choperia estava fechada no
período noturno. Ademais, o registro de imagens do carro demonstra que o automóvel da vítima saiu
da residência dela às duas horas e 16 minutos do dia 17/03/2021, e se deslocou diretamente para a

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cidade de São Paulo. Obtempera o delegado de polícia que todas as alegações de VINÍCIUS em seu
interrogatório foram refutadas pelas investigações.

Diogo em seu interrogatório apenas disse não ter conhecimento que o veículo era roubado.

Em excerto do laudo necroscópico colacionado, ressalta a autoridade policial que a vítima,


apesar de ter sofrido múltiplas lesões, não tinha lesões de defesa; aponta também que as feridas
perfuro-incisas foram produzidas por instrumentos de tamanhos diferentes, indicando a utilização
de duas armas brancas, de modo que provavelmente cometerem o crime dois autores. Após análise
percuciente de todo o trabalho policial, concluiu a autoridade policial que Ricardo Luis Nicola foi
vítima de um crime de latrocínio, e que o mentor do crime teria algum grau de relacionamento com
ele, tendo em vista a ausência de sinal de arrombamento na casa, bem como os objetos
demonstravam a existência de uma confraternização anterior (fls. 210/221).

Laudo de local (laudo necroscópico), encartado com fotos, descreve os pacotes de papel de
lanchonete; gotejamento sucessivo dinâmico de sangue, na cama, armário, parede e chão. Na sala,
substância hematoide por empoçamento. A hipótese mais provável da dinâmica do crime é a de que
a vítima tenha recebido os primeiros golpes com instrumento pérfuro-cortante no interior do quarto,
seguiu pelo corredor do imóvel, em direção à sala e caiu sobre o chão (fls. 140/164).

O laudo cadavérico descreve todas as lesões sofridas, ressaltando a inexistência de lesões


nas mãos, não havendo sinais de ferimentos de defesa. Descreveu-se a existência de meio cruel, ante
a expressiva quantidade de ferimentos fatais; constata-se, ainda, o meio insidioso, ante a falta de
lesões de defesa (fls. 165/169, e 430/445).

A peça acusatória foi recebida (fls. 249/251).

Foram cadastrados no banco de dados de perfil genético, colhidos no dia da prisão de DIOGO
e VINÍCIUS; no IML, de Jaú, foram retirados, novamente, os materiais genéticos dos indiciados, a fim

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de que fossem confrontados com os materiais colhidos no corpo da vítima (fragmentos de pele e
exame das unhas) (fls. 291/293).

Autorização de retirada de amostras de material biológico de DIOGO e VINÍCIUS (fls. 302 e


303).

Em nova oitiva, VINÍCIUS, em sede policial, ante a exposição das diversas contradições de seu
interrogatório anterior, acabou assumindo a autoria do crime sozinho, descartando a participação de
DIOGO, o qual teria encontrado apenas em São Paulo. VINÍCIUS então admite um relacionamento
com a vítima e que, no dia dos fatos, se desentenderam. Ricardo o teria agredido, após o
desentendimento movido por ciúme; admite ter desferido diversos golpes de faca em Ricardo,
descartando a participação de DIOGO na morte. Segundo a autoridade policial, VINÍCIUS conhecia a
vítima há mais de cinco anos, colaborando com as investigações, inclusive participando
espontaneamente da reprodução simulada dos fatos, revelando, em detalhes, como teria agredido
a vítima com diversas facadas. Quanto ao investigado DIOGO, este negou a prática do crime, e que
vive em um albergue em São Paulo. Disse que não tinha conhecimento dos fatos ocorridos
anteriormente, e que indagou VINÍCIUS a respeito, e ele lhe disse que o veículo era produto de roubo,
e que teria matado a vítima, após ter entrado na casa dela, essa ter reagido ao assalto.

O exame datiloscópico - impressões digitais- encontradas na caixa de sanduíche, nos copos,


no prato, da casa da vítima, coincidem com os datilogramas dos dedos médio direito, polegar direito,
indicador direito e médio direito, de VINÍCIUS GABRIEL SILVA CANOSSA (fls. 314/322).

Contudo, não foram constatadas a existência de datilogramas quanto ao investigado DIOGO


(fls. 271/279).

Reprodução simulada dos fatos, com fotos, encartada a fls. 330/407, em que o próprio
indiciado VINÍCIUS participa.

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Resposta à acusação em nome da Defesa de DIOGO a fls. 420/427, em que se faz detalhada
análise das provas do processo, pugnando-se pela concessão de liberdade provisória.

Resposta à acusação do acusado VINÍCIUS a fls. 454/457.

Foi mantida a custódia cautelar dos acusados (fls. 458/459).

Folhas de antecedentes e certidões referentes aos acusados a fls. 510/525.

O exame tendo por objeto a análise genética dos resíduos orgânicos no local do crime
apontou para a existência, nas amostras de goma de mascar, mordida, pelo e subungueal coincidente
com o perfil genético da vítima Ricardo Luis Nicolas; no copo II foi obtido o perfil genético de VINÍCIUS
(fls. 533/541).

Pedido de diligência formulado pela Defensoria Pública a fls. 542/544.

Laudo pericial tendo por objeto o veículo subtraído a fls. 549/553.

Foi realizada audiência de instrução, debates e julgamento, colhendo-se depoimentos das


testemunhas arroladas pelas partes, sendo os réus interrogados. Determinou-se a abertura de vista
às partes para apresentação de alegações finais escritas (fls. 554/555).

O Douto Promotor de Justiça oficiante na 2ª Vara Criminal da Comarca de Jaú fixou a


compreensão de que os elementos obtidos convergiriam para a existência de crime doloso contra a
vida perpetrado por VINÍCIUS contra Ricardo, e subtração patrimonial subsequente, além do que
faltariam indícios quanto à participação de DIOGO na empreitada delitiva. Refere, o Culto Promotor
de Justiça, que, durante a instrução, teria ficado clara a existência de anterior relação entre VINÍCIUS
e Ricardo. Esse relacionamento amoroso estaria patente pelo fato de VINÍCIUS estar trajando uma
sunga de propriedade da vítima (apreendida, por sinal); e, no dia do crime, VINÍCIUS e a vítima
estiveram em uma lanchonete juntos. Afirma, também, o Diligente Promotor, que VINÍCIUS afirmou

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ter agido em legítima defesa, e que toda a prova oral e pericial aponta que, no momento do crime,
estavam apenas VINÍCIUS e Ricardo no local dos fatos. Para o Douto Promotor criminal, a aventada
intenção de matar para roubar ou de matar roubando estaria completamente isolada, uma vez que
as graves agressões surgiram em razão de desentendimentos motivados por questões afetas ao
próprio relacionamento, não se constatando o animus furandi. Salienta, ainda, que a participação de
DIOGO não estaria minimamente confirmada, uma vez que teria se encontrado com VINÍCIUS apenas
em São Paulo. Refere que, ainda que os bens da vítima tenham sido levados por VINÍCIUS, não se
vislumbraria que o seu dolo fosse o de se assenhorear da propriedade alheia, à custa da morte da
vítima, de modo que o animus furandi, que deveria ser preexistente ao início dos atos executórios
do crime, não estaria caracterizado. Conclui, então, o ínclito Promotor, requerendo a remessa dos
autos ao 3º Promotor de Justiça de Jaú, com atribuição para atuar nos crimes dolosos contra a vida,
para aditamento da peça inicial, ou para que suscitasse o conflito de atribuição (fls. 575/577).

A pedido do Ministério Público, foi revogada a prisão do acusado DIOGO (fls. 578).

O Douto Promotor de Justiça recipiente, em manifestação fundamentada, discordou do seu


antecessor, referindo que todos os elementos informativos, desde o início da persecução penal,
apontavam para a existência do crime de latrocínio, inexistindo qualquer alteração fática- de
elementares ou circunstâncias- que autorizassem a modificação da imputação inicial, por meio de
aditamento para o crime de homicídio. Obtemperou o estudioso Promotor de Justiça que inexistem
as condições para que seja reconhecida a mutatio libelli, que pressupõe, como o próprio nome indica,
alteração, mudança, durante a instrução, no quadro fático; in casu, segundo o nobre Promotor, não
houve alteração substancial nos fatos que pudesse justificar um novo enquadramento típico. Referiu
que o réu VINÍCIUS se afirma heterossexual, negando relacionamento íntimo com a vítima; refere,
ainda, que, mesmo que houvesse tal relação íntima, nada impediria o cometimento de latrocínio por
parte do agente “interesseiro” da relação, que, ao se aproximar da vítima, ganhando a sua confiança,
se aproveita dessa condição, para perpetrar o latrocínio. Aduz que o acusado VINÍCIUS, não podendo
mais negar a autoria do latrocínio, passou a sustentar a tese de homicídio em legítima defesa, na

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esperança de ser injustamente absolvido pelo Tribunal do Júri. Como não existe, sob a ótima do
Douto Promotor atuante no Júri, prova inconteste de outro motivo para se matar a vítima, que não
o interesse patrimonial, não haveria motivo para se readequar a tipicidade dos fatos, até mesmo
porque o próprio réu VINÍCIUS se declara heterossexual. Em razão desse raciocínio, o Insigne
Promotor de Justiça deixou de apresentar alegações finais, deixando de aditar a denúncia, uma vez
que todas as autoridades que atuaram no decorrer da persecução penal concluíram, em uníssono,
que o crime a ser atribuído ao agente era o do latrocínio consumado (art. 121, § 3º, do CP). Requereu,
então, o retorno dos autos ao 3º Promotor de Justiça.

A Douta Magistrada da 2ª Vara Criminal de Jaú, vislumbrando a possibilidade de nova


definição jurídica dos fatos, determinou, a remessa dos autos, com estribo no art. 384, § 1º do CPP,
a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 636).

Eis a síntese do necessário.

Razão assiste ao órgão do Ministério Público oficiante na 3ª Promotoria de Justiça de Jaú,


com a máxima vênia do Culto Julgador e do ilustre 1º Promotor de Justiça de Jaú, ambos oficiantes
na 2ª Vara Criminal de Jaú.

O fulcro da questão ora debatida é se deve ser imputada aos acusados VINÍCIUS e DIOGO,
em concurso de agentes, a prática do delito de homicídio qualificado, em concurso material com o
delito de furto, que teria sido cometido posteriormente ao crime doloso contra a vida; ou, se a
melhor adequação típica não seria a que perdurou até esse momento adiantado da marcha
processual, que é o da imputação da prática de latrocínio consumado.

Sustenta, em síntese, o Douto 1º Promotor de Justiça, para justificar a atribuição do colega


do Júri, que o agente VINÍCIUS não teria agido com animus furandi desde o início, ou seja, que a sua
intenção não era de matar para roubar a vítima; pelo contrário, como haveria uma relação íntima
entre as partes, teria havido uma discussão entre ambos, quando eles já tinham jantado e bebido

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juntos, sozinhos na casa do ofendido; em razão dessa discussão, houve troca de agressões físicas, e
VINÍCIUS- segundo a sua versão- agindo em legítima defesa, matou a vítima. Segundo o nobre 1º
Promotor de Justiça, depois desse crime de homicídio, que poderia ser considerado então como
passional, VINÍCIUS deliberou furtar os objetos de propriedade do ofendido Ricardo, colocando-os
no carro da vítima, dirigindo-se para São Paulo. Segundo seu raciocínio, os agentes, especialmente
VINÍCIUS (uma vez que o Douto Promotor de Justiça não vislumbrou responsabilidade penal quanto
ao acusado DIOGO), deveria responder pela prática de homicídio qualificado, em conexão com o
delito de furto, ambos de competência do Tribunal do Júri; para tanto, seria necessário, contudo,
aditamento prévio para capitular-se o crime como sendo doloso contra a vida, com todas as
circunstâncias atinentes à essa configuração típica.

Evidente que o ânimo inicial do agente VINÍCIUS é insondável e imperscrutável, de modo que
não há como se auscultar seu espírito para se apurar sua real intenção quando entrou na casa do
ofendido Ricardo (e de onde o ofendido nunca mais saiu com vida).

Mas há elementos concretos, objetivamente auferíveis, que apontam que, com a devida
vênia ao Douto 1º Promotor de Justiça, que a intenção, o dolo, do acusado VINÍCIUS era, desde o
início, o de matar para roubar os valiosos bens da vítima.

A possibilidade de existir alguma amizade, íntima ou não, ou mesmo relacionamento


amoroso entre VINÍCIUS e a vítima Ricardo, como aventado pelo Douto 1º Promotor de Justiça de
Jaú, não impede, de per si, a prática do delito de latrocínio. Pelo contrário, justamente a proximidade
trazida pela amizade ou pelo relacionamento íntimo entre as partes, ao ponto de VINÍCIUS conhecer
a casa e as posses da vítima, e os seus bens de valor, possivelmente aguçou sua cupidez e o desejo
infame de subtrair os bens de Ricardo, mesmo tendo que matá-lo para tanto. O latrocínio não é crime
que envolve, sempre e necessariamente, vítima e agente desconhecidos entre si; uma relação de
amizade ou mesmo amorosa pode ser o pano de fundo para a prática desse crime complexo, impelido
unicamente pela vontade de se apropriar dos bens do ofendido, alguns dos quais se chegou a

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conhecer seu expressivo valor, justamente por já se ter privado da intimidade do lar daquele que não
esperava ser atraiçoado.

Ora, a subtração de uma televisão de 32 polegadas, um telefone celular da marca Samsung,


dois pares de tênis (marca Mizuno), uma bermuda jeans, 20 cartões bancários, colocado todos esses
bens no interior do veículo Honda/Civic, preto, placas EQUOG21, e cujo valor foi orçado em R$
115.530,00 (cento e quinze mil quinhentos e trinta reais), demonstra que a intenção de matar para
roubar de VINÍCIUS foi adredemente planejada; e ainda: imediatamente após a morte da vítima,
VINÍCIUS já se dirigiu para a cidade de São Paulo, percorrendo mais de 300 quilômetros de distância
com o carro da vítima, não sem antes entrar em contato com o corréu DIOGO para procurarem juntos
um desmanche para a venda do carro subtraído.

Essa rapidez, organização e dinamismo das subtrações, escolhendo os bens mais valiosos da
casa da vítima, sua colocação no carro, a longa viagem até São Paulo, o contato com quem apontaria
o desmanche que pagasse melhor pelas peças do carro roubado, tudo está a demonstrar que a
intenção prévia de VINÍCIUS era- desde o início- a de matar para roubar; não se tratou de um furto
improvisado e desajeitado após um homicídio passional, como quer fazer crer o acusado, mas de
crime complexo contra o patrimônio e contra a vida, premeditado, fria e cruelmente, calculado e
executado.

Ademais, os fatos objetivos como a apreensão, já em São Paulo, de todos os bens da vítima,
inclusive o tênis e o carro de sua propriedade, não deixam margem à dúvida; de idêntica forma, o
próprio corréu DIOGO, quando ouvido em sede policial, disse que indagou VINÍCIUS a respeito do
ocorrido, e ele lhe disse que o veículo era produto de roubo, e que teria matado a vítima, após ter
entrado na casa dela, essa ter reagido ao assalto.

Mas não é só.

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Em um primeiro momento, VINÍCIUS negou a prática do crime, dizendo que na ocasião do


delito estava em uma choperia com a sua namorada; um amigo seu, Wellverton Ribeiro, passou por
lá e disse que a vítima Ricardo iria buscá-lo na sua casa, e que iria até a casa do ofendido “para ficarem
juntos”. Wellverton saiu, e cerca de duas horas depois, já a bordo do automóvel Honda/Civic, preto,
placas EWU0G21, de propriedade de Ricardo, retornou. Wellverton lhe teria dito que precisava de
sua ajuda; Wellerton lhe teria dado possivelmente uns R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em uma
sacola. Wellerton lhe disse que o Honda Civic subtraído já tinha sido vendido para um desmanche,
em São Paulo. Relata VINÍCIUS que embarcou no Honda Civic e veio até São Paulo; para a viagem, foi
acompanhado por seu amigo DIOGO. Afirmou VINÍCIUS que não sabia da morte de Ricardo. Afirmou
que Ricardo seria namorado de Wellerton há três anos, acreditando que o motivo da morte “foi
dinheiro”. Essa foi a primeira versão do acusado VINÍCIUS: negou qualquer envolvimento com a
morte da vítima.

Em nova oitiva, VINÍCIUS, em sede policial, ante a exposição das diversas contradições de seu
interrogatório anterior, e, sobretudo, com o conhecimento de que suas impressões datiloscópicas
foram identificadas na casa da vítima, nos copos e plástico da embalagem da refeição da lanchonete
(fls. 314/322), percebeu que não havia mais como manter a versão absolutamente inverossímil
anterior; como era impossível negar a sua presença na casa da vítima na noite do crime, ante a
irrefutável perícia datiloscópica, resolveu então assumir a autoria, dizendo que teria matado a vítima,
em legítima defesa, porque teria sido agredido por ela.

Sendo comprovadamente falsa a primeira versão de VINÍCIUS, resta analisar se essa segunda
narrativa, que, por sinal não é inédita e que já estava nos autos desde a fase do inquérito policial,
guarda alguma verossimilhança ou não. Pela reprodução simulada dos fatos, VINÍCIUS sustenta que
teria havido uma luta corporal entre ele e Ricardo, no entanto, alguns dados objetivos devem ser
considerados, dentre eles, o de que a vítima não apresentava nenhuma lesão de defesa.

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Conforme o Dicionário de Medicina Legal4,

“LESÃO DE DEFESA: Lesão que resulta do gesto ou atitude de quem


procura resguardar-se dos golpes desferidos contra sua pessoa.
Mais do que pela sua natureza e aspecto, caracteriza-se pela
localização, tendo por sedes habituais:

a) a palma das mãos, quando a vítima procura apossar-se da arma,


em geral de gume, com que pretendem atingi-la. (...)

b) o dorso das mãos e a face posterior dos antebraços, em resultado


do gesto instintivo de aparar o golpe dirigido contra o rosto ou o
peito; aí são também comuns as feridas de qualquer tipo, além de
equimoses, escoriações, etc.

A importância médico-legal das lesões de defesa reside na


possibilidade que elas oferecem de se estabelecer, pelo menos
presumivelmente, a causa jurídica da morte: sua presença,
indicando reação da vítima contra o agressor, depõe em favor de
prática homicida, excluindo a hipótese de suicídio” (grifos nossos).

Segundo Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira, no seu Manual de Medicina Legal5:

“Lesões de Defesa- Cabe destaque às lesões de defesa,


encontradiças no homicídio, comumente localizados nos dedos ou
nas palmas das mãos, quando indicam que a vítima tentou agarrar o
instrumento, ou no dorso delas ou dos punhos (...) mostrando que
ela tentou se proteger dos golpes (grifos nossos).

Ora, como não há qualquer lesão de defesa da vítima, como bem ressaltado no
laudo necroscópico de fls. 165/169, está demonstrado que a nova versão de VINÍCIUS de que teria

4
Dicionário de Medicina Legal, 2ª edição. Revista e Ampliada. Manif e Elias. São Paulo: IBRASA. 1991. Página
276
5
Manual de Medicina Legal, Um Vade Mecum da Especialidade, Volume 2, página 303.

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havido uma discussão, agressão, seguida de homicídio é, mais uma vez, mendaz, uma vez que
desacreditada pela perícia.

Com base em- mais uma- versão fantasiosa do acusado VINÍCIUS, não existe fundamento
para o aditamento da peça acusatória, a uma, porque essa narrativa não é inédita- e está nos autos
desde a fase do inquérito policial, não havendo se falar, assim, em mutatio libelli; a duas, porque, se
o Ministério Público dependesse exclusivamente da narrativa do acusado, no exercício de sua ampla
defesa em sede de interrogatório, para exercer o seu mister, mesmo que ao arrepio de toda a prova
testemunhal e pericial que a contraria, a acusação, que é pública, se transformaria em um
instrumento de vocalização dos interesses particulares do acusado em detrimento do interesse social
que só se contenta com a busca da verdade dos fatos.

E, sem dúvida, in casu, a verdade real melhor se adequa à prática do crime de latrocínio, e
não de homicídio seguido de furto; essa última classificação jurídica só foi aventada, pelo próprio
acusado, quando notou que a sua negativa restou totalmente isolada nos autos, desmentida pelas
impressões datiloscópicas e pelo exame de DNA; restava construir então, ante esse calhamaço de
provas técnicas irrefutáveis, outra versão, de crime passional, ou de legítima defesa, contando-
inadvertidamente- com eventual indevida benevolência do Tribunal do Júri, que poderia absolvê-lo,
mesmo que negando as provas dos autos.

O direito à autodefesa e à defesa técnica, consagrados no devido processo legal substantivo,


têm status constitucional e devem ser exercidos em sua plenitude, mas não significa se dizer que o
Ministério Público deva alterar seu posicionamento, sem provas convincentes e confiáveis, que lhe
demonstrem o erro da imputação inicial; no caso em tela, como já se viu, o que há é um
caleidoscópico de versões do acusado, sem que qualquer uma delas possa merecer qualquer
credibilidade.

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Quanto à expressiva quantidade de ferimentos contra a vítima, a caracterizar inclusive o meio


cruel, não aponta necessariamente para a prática do homicídio passional, como pode parecer à
primeira vista; cada lesão, dentre as dezenas que sofreu o ofendido Ricardo, bem demonstra o
grande sadismo e crueldade do agente, que, não contente em matar a vítima para roubar, se
esmerou, se esforçou e perdeu certamente tempo relevante, fazendo com que a vítima sofresse mais
do que era necessário para morrer. A extrema crueldade do agente ao perpetrar o latrocínio- sempre
impelido pela ganância e cupidez do desejo de bens materiais- não transmuta o latrocínio em
homicídio, mas apenas retrata o caráter sádico do agressor; trata-se de consideração a ser levada em
conta quando da eventual fixação de pena-base pelo crime de latrocínio, e não critério para se mudar
a competência do órgão de Justiça.

Diante de todo o exposto, É MANTIDA A RECUSA DE ADITAMENTO, restituindo-se os autos


à origem, para prosseguimento e julgamento da ação penal, mantendo-se a imputação original do
crime de latrocínio, para que se dê continuidade aos tramites legais, apresentando-se os memoriais
pelo Ministério Público.

Para tanto, para que não haja menoscabo ao princípio da independência funcional, designa-
se outro Membro Ministerial para prosseguir na ação penal, facultada a observação do disposto no
art. 4-A da Resolução n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pela
Resolução n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

Mário Luiz Sarrubbo


Procurador-Geral de Justiça

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