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CAOCrim

Boletim Criminal COMENTADO


n° 260/2024

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Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo

Secretária de Políticas Criminais


Daniela Moyses da Silveira Favaro

Assessores
Fernanda Priscilla Bergamaschi Moretti Iassuoka
Fabiola Sucasas Negrão Covas (Núcleo de Gênero)
Vanessa Therezinha Sousa de Almeida (descentralizada- Núcleo de Gênero)
Mariana Ueshiba da Cruz Gouveia (descentralizada- Núcleo de Gênero)
Márcio Friggi
Paulo José de Palma (Coordenador do Núcleo de Execuções Criminais)
Marcelo Orlando Mendes (descentralizado-Assessor-Núcleo de Execuções)
Olavo Evangelista Pezzotti (descentralizado para Tribunais Superiores)
Ricardo Silvares (Tribunais Superiores)
Eduardo Caetano Querobim (descentralizado)

Núcleo de Apoio ao Tribunal do Júri


Bruno Bertini
Bruno Tilelli
Carmen Natália Alves Tanikawa
Everton Zanella
Fábio Goulart
Felipe Zilberman
Fernando Fraga
Francisco Cembranelli
Juliana Gentil
Leonardo Rezek
Mariana Ueshiba
Nelson Pereira
Norberto Joia
Ricardo Silvares
Rodrigo Alves Gonçalves
Romeu Galiano
Ronaldo Muniz

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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

Soraia Bicudo Simões Munhoz


Tatiana Callé
Vinícius França
Walfredo Cunha

Coordenador: Márcio Friggi

Artigo 28 e Conflito de Atribuições


Marcelo Sorrentino Neira
Manoella Guz
Roberto Barbosa Alves
Walfredo Cunha Campos
Cleber Masson
Fernanda Narezi
Fernando Célio de Brito Nogueira (descentralizado)

Colaborador do Boletim
Rogério Sanches Cunha

Analista Jurídica
Ana Karenina

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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

SUMÁRIO
SUMÁRIO .................................................................................................................................4

Estudos do CAOCRIM ............................................................................................................... 5

1.Tema: Crime de estelionato. Inclusão do nome da vítima em cadastros de inadimplentes. Dano


moral presumido (in re ipsa). Fixação de valor indenizatório mínimo. Art. 387, IV do CPP. Instrução
probatória específica. Desnecessidade. Pedido expresso e valor pretendido indicado na denúncia.
Necessidade. ..................................................................................................................................... 5

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS....................................................8

Direito Processual Penal ...........................................................................................................9

1.Tema: Tráfico de drogas. Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Ausência de apreensão da substância
entorpecente. Comprovação da materialidade delitiva por meio de outros elementos de prova.
Impossibilidade. .................................................................................................................................9

2.Tema: Citação editalícia frustrada. Prisão preventiva. Fundamentação insuficiente. ..................... 12

Direito Penal .......................................................................................................................... 14

1.Tema: Habitualidade delitiva reconhecida. Continuidade delitiva afastada. Acordo de não


persecução penal. Impossibilidade. .................................................................................................. 14

Núcleo de Execuções Criminais..............................................................................................16


1.Tema: Execução da pena privativa de liberdade. Pessoa transgênero. Estabelecimento prisional
adequado. Liberdade sexual e de gênero. Princípio da igualdade material. Presídio feminino com
estrutura para receber mulher transgênero. Escolha da pessoa presa. ............................................. 16

Núcleo de Gênero ................................................................................................................... 18

1.Tema: Concurso Público sem restrição de gênero. Jurisprudência ................................................. 18

2.Tema: Nota Técnica 44/2022-DAPES/SAPS/MS ............................................................................ 20

MPSP: decisões do setor art. 28 do CPP .................................................................................26

1.Tema: Arquivamento de inquérito policial por entender tratar-se de crime de estelionato estando
ausente representação da vítima. Não homologação do juízo. ......................................................... 26

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Avisos

1. Tema: Crime de estelionato. Inclusão do nome da vítima em cadastros de


inadimplentes. Dano moral presumido (in re ipsa). Fixação de valor indenizatório
mínimo. Art. 387, IV do CPP. Instrução probatória específica. Desnecessidade.
Pedido expresso e valor pretendido indicado na denúncia. Necessidade.

STJ- Processo: REsp 1.986.672-SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por
maioria, julgado em 8/11/2023, DJe 21/11/2023.
Em situações envolvendo dano moral presumido (in re ipsa), a definição de um valor mínimo
para a reparação dos danos (i) não exige instrução probatória específica, (ii) requer um pedido
expresso e (iii) a indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia acerca da necessidade ou não de indicação objetiva do valor da
indenização na peça acusatória e de instrução específica para fixação do valor mínimo para
reparação dos danos morais, previsto no art. 387, inciso IV do CPP, quando se tratar de crime
de estelionato, o qual resultou em inclusão do nome da vítima em serviço de proteção de
crédito.
O sistema legal brasileiro voltado ao processo tem recentemente buscado aprimorar a garantia
fundamental do contraditório, impondo requisitos mais rigorosos tanto aos tribunais quanto às
partes envolvidas, visando a promover um debate profissional.
Nesse contexto, deve ser destacado que, no âmbito do CPC/2015, mesmo nos cenários em que
se presume o dano moral, como no presente caso originado de um delito de estelionato no qual

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a vítima foi inserida em um registro de inadimplentes, a petição inicial é obrigada a apresentar


o valor pretendido.
Com efeito, a natureza do dano moral presumido não elimina a necessidade de explicitação do
montante pela parte acusadora no arrazoado inicial acusatório. Nessa perspectiva, o dano
moral in re ipsa dispensa instrução específica, mas não exclui a necessidade de apresentação do
montante pretendido na denúncia ou queixa-crime, assim como é exigido no contexto do
processo civil atual.
No contexto de litígios envolvendo danos morais decorrentes de inclusão indevida em registros
de inadimplentes, aquele que sofre o dano, ao ingressar com um pedido de reparação na esfera
cível, precisa indicar na petição inicial o montante almejado pela parte autora da ação de
responsabilidade civil. Isso é exigência do presente no texto do art. 292, V, do CPC/2015.
No REsp n. 1.837.386/SP, o STJ estabeleceu um precedente que reafirma a validade da
orientação da Súmula 326/STJ no âmbito do CPC/2015. Embora o artigo 292, inciso V, do
CPC/2015 determine que o valor da causa em tais ações deve coincidir com o valor pretendido
para a reparação, o montante proposto pelo autor serve unicamente como um indicativo de
referência. Seu propósito principal é permitir que o juiz considere mais um elemento ao
deliberar sobre o valor da condenação, sem que essa quantia sugerida tenha caráter
obrigatório.
A partir da ratio decidendi desse julgamento, infere-se que o STJ compreende a necessidade de
incluir o valor da pretensão de indenização por dano moral na petição inicial. Contudo, é
importante ressaltar que tal inclusão não implica automaticamente estrita obrigatoriedade de
o juiz fixar o valor do dano com base no montante atribuído pela parte autora, mas sim em um
indicativo que ele considera como parte das informações relevantes ao determinar o valor da
condenação.
Vê-se que, dentro de uma perspectiva ampla da teoria do processo, as recentes modificações
na legislação processual trouxeram, também, maior refinamento ao contraditório e à ampla
defesa. Isso exige que a petição inicial especifique o valor pleiteado para a indenização, tanto
no CPC/2015 quanto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A inclusão do valor
pretendido na petição inicial é uma destas mudanças.
Embora não seja imperativa a prova do dano, visto ser um dano in re ipsa, é inteiramente
admissível indicar o montante que a acusação busca para a reparação da vítima ou de seus
familiares.
Essa medida visa a viabilizar um contraditório apropriado por parte da defesa, já que ao ser
mencionada na petição inicial, possibilita que a defesa se manifeste, por exemplo, sobre a
excessividade do pleito indenizatório.

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Outrossim, a atuação do juiz de forma oficiosa é desencorajada, visto que violaria o princípio de
congruência, presente no art. 492 do CPC, entre o que é pedido e o que é decidido, contrariando
a abordagem processual de não inclusão do valor pretendido na inicial. Isso contraria, aliás, a
própria natureza do sistema acusatório (agora expressamente declarada no art. 3º-A do CPP),
por na prática exigir que o juiz defina ele próprio um valor, sem indicação das partes. Tal
situação poderia levar a decisões definitivas sobre questões não abordadas no processo,
privando o réu da oportunidade de se manifestar a respeito do valor da indenização.
Observe-se que a construção dessa interpretação está respaldada pelo art. 3º do CPP, o qual,
claramente, estabelece a viabilidade da utilização suplementar do CPC. Tal dispositivo dispõe
que a lei processual penal admite interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o
suplemento dos princípios gerais de direito.
Dessa forma, em situações envolvendo dano moral presumido, a definição de um valor mínimo
para a reparação dos danos, embora não exija instrução probatória específica, requer pedido
expresso e indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS

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Direito Processual Penal

1. Tema: Tráfico de drogas. Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Ausência de


apreensão da substância entorpecente. Comprovação da materialidade delitiva
por meio de outros elementos de prova. Impossibilidade.

Informativo 801-STJ
A apreensão e perícia da substância entorpecente é imprescindível para a comprovação da
materialidade do crime de tráfico de drogas.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Tribunal de origem assentou que não houve a apreensão de entorpecentes com os acusados,
inexistindo, consequentemente, o laudo de exame toxicológico, definitivo ou preliminar, a
comprovar a materialidade do delito de tráfico de drogas.
Acerca da matéria, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do HC 350.996/RJ, DJe de 29/8/2016,
reconheceu que o laudo toxicológico definitivo é imprescindível para a comprovação da
materialidade dos delitos envolvendo entorpecentes, sem o qual é forçosa a absolvição do
acusado, admitindo-se, no entanto, em situações excepcionais, a possibilidade de
demonstração da materialidade do crime de tráfico de drogas por laudo de constatação
provisório, desde que tal documento permita grau de certeza idêntico ao do laudo definitivo e
haja sido elaborado por perito oficial, em procedimento e conclusões equivalentes.

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Nessa toada, por ocasião da apreciação do EREsp 1.544.057/RJ, DJe de 9/11/2016, a Terceira
Seção uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo toxicológico definitivo implica
a absolvição do acusado, por falta de provas da materialidade delitiva, não podendo essa ser
confundida com mera nulidade. Na oportunidade, foi ressalvada a possibilidade de se manter o
édito condenatório quando a prova da materialidade delitiva estiver amparada em laudo
preliminar, dotado de certeza idêntica à do definitivo, certificado por perito oficial e em
procedimento equivalente, que possa atestar, com certo grau de certeza, a existência dos
elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como droga, nos termos previstos
na Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
Pelo que se infere dos referidos precedentes, em um ou outro caso, ou seja, com laudo
toxicológico definitivo ou, de forma excepcionalíssima, com laudo de constatação provisório, a
apreensão de drogas se revela imprescindível para a condenação do acusado pela prática do
crime de tráfico de drogas, não se prestando os demais elementos de prova, por si sós, ainda
que em conjunto, à comprovação da materialidade do delito. Tal entendimento foi
recentemente consolidado pela Terceira Seção desta Corte Superior, na apreciação do HC
686.312/MS, DJe de 19/4/2023, oportunidade em que se assentou que, "para a perfectibilização
do tipo previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 [...] é necessário que a substância seja
efetivamente apreendida e periciada, para que se possa identificar, com grau de certeza, qual
é o tipo de substância ou produto e se ela(e) efetivamente encontra-se prevista(o) na Portaria
n. 344/1998 da Anvisa".
No caso, embora as provas oriundas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas
e a prova oral tenham evidenciado que os ora recorridos supostamente adquiriam, vendiam e
ofereciam "drogas" a terceiros, não havia mesmo como subsistir, como entendeu o Tribunal a
quo, a condenação pela prática do delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, na
medida em que, em nenhum momento, houve a apreensão de qualquer substância
entorpecente em poder dos corréus ou de terceiros não identificados.
Processo:REsp 2.107.251-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 26/2/2024.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Em que pese a importância da apreensão e perícia da substância, temos julgados admitindo,


mesmo que de forma excepcional, processo e condenação sem laudo. Confira-se: “PENAL E
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. 1. VIOLAÇÃO AOS
ARTS. 564, III, B, DO CPP E 50, § 1º, DA LEI N. 11.343/2006. OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO POR
TRÁFICO. NÃO APREENSÃO DA DROGA. CONSTATAÇÃO DA NATUREZA E QUANTIDADE.
AUSÊNCIA DE LAUDO. MATERIALIDADE EMBASADA APENAS EM CONFISSÃO DOS

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ENVOLVIDOS. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL OU DOCUMENTAL. FRAGILIDADE DO


ARCABOUÇO PROBATÓRIO. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. DESCONSTITUIÇÃO
DA CONDENAÇÃO. 2. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. O Superior Tribunal de Justiça
admite, excepcionalmente, a condenação pelo delito de tráfico de drogas sem que tenha sido
realizado o laudo de constatação da natureza e quantidade do entorpecente, quando não for
possível apreender a droga e a condenação se embasar em extensa prova documental e
testemunhal produzida durante a instrução criminal, não sendo suficiente apenas a confissão
dos envolvidos. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AgRg no REsp 1407257/DF, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., j. em 27/03/2014, DJe 04/04/2014).
No mesmo sentido: “6. Não há se falar em nulidade pela ausência de laudo de exame
toxicológico, visto que existem vários laudos de exames acostados ao feito. 7. As instâncias de
origem, com base no acervo fático-probatório, condenaram o agravante pela prática dos
delitos tipificados nos artigos 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006, valendo
destacar que ele encontrava-se encarcerado, sendo, pois, muito difícil que se encontrasse
drogas em seu poder. No entanto, ainda assim liderava um esquema organizado para a
comercialização de entorpecentes. Ademais, consoante o informativo 501 do Superior Tribunal
de Justiça, a ausência de apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros
elementos de prova aptos a comprovarem o crime de tráfico” (STJ. AgRg no AREsp
1662300/RN, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, 5ª T., j. em 16/06/2020, DJe 25/06/2020).
Contudo, deve ser reforçado prevalecer tese em sentido contrário. Por ocasião do julgamento
dos EREsp n 1.544.057/RJde relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (DJe 9/11/2016),
a 3ª Seção do STJ uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo toxicológico
definitivo implica a absolvição do acusado, por ausência de provas acerca da materialidade do
delito, e não a nulidade da sentença. Foi ressalvada, no entanto, a possibilidade de se manter o
édito condenatório quando a prova da materialidade delitiva estiver amparada em laudo
preliminar de constatação, dotada de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito
oficial e em procedimento equivalente, que possa identificar, com certo grau de certeza, a
existência dos elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como droga, nos
termos em que previsto na Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do
Ministério da Saúde”. (Habeas Corpus n° 686.312-MS, STJ3° Seção, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, Relator para o acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz. por maioria, j. em 12.04.2023,
publicado no DJ em 19.04.2023) (STJ, HC 686.312, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/
acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção, j. 12.04.2023).

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2.Tema: Citação editalícia frustrada. Prisão preventiva. Fundamentação


insuficiente.

Informativo STJ- Edição especial


Não cabe a decretação de prisão preventiva amparada apenas na ausência de localização do
réu, sem a demonstração de outros elementos que justifiquem a necessidade da segregação
cautelar.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No caso analisado, após citação editalícia frustrada, a prisão preventiva foi decretada para
garantir a aplicação da lei penal, em razão de o agravante estar em local incerto e não sabido.
Sobre o tema, a doutrina orienta que "não se pode extrair da ressalva constante do art. 366,
relativamente à possibilidade de decretação da prisão preventiva, qualquer conclusão acerca
de suposta autorização para a decretação automática da prisão preventiva, como mera
decorrência da citação por edital. É dizer: não ter sido encontrado o réu não significa,
necessariamente, que ele ofereça risco à aplicação da Lei penal (art. 312 do CPP)".
Ademais, pacífica jurisprudência desta Corte indica a impossibilidade de decretação de prisão
preventiva amparada apenas na ausência de localização do réu, sem a demonstração de outros
elementos que justifiquem a necessidade da segregação cautelar (AgRg no RHC n. 167.473/SP,
relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado
em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023).
Processo:AgRg no RHC 170.036-MG, Rel. Ministro João Batista Moreira (Desembargador
convocado do TRF da 1ª Região), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe
5/12/2023.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Quando se alterou a redação do art. 366 do CPP, firmou-se um entendimento inicial no sentido
de que a prisão preventiva seria sempre cabível a partir da suspensão do processo. Afinal,
tratando-se de um réu que se encontra foragido, que foi, bem por isso, citado por edital porque
inviável seu chamamento in facien, restaria apenas decretar-lhe a prisão, como forma,
inclusive, de obter-se sua localização a fim de propiciar a retomada do curso do processo. Esse
entendimento mereceu o prestígio do Superior Tribunal de Justiça (HC n. 6789-SP).
Passado esse primeiro momento e com o amadurecimento das interpretações, o entendimento
que hoje prevalece é no sentido de que a decretação da prisão preventiva dependerá da análise
concreta, frente ao caso em exame, da presença dos requisitos e pressupostos que justifiquem
essa medida extrema. Em outras palavras: o fato, por si só, de ter sido o réu citado por edital

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(não tendo comparecido e, tampouco, constituído defensor) não implica na automática


decretação de sua prisão preventiva, sobretudo quando o código não mais prevê qualquer
hipótese em que seja obrigatória essa espécie de prisão (lembre-se que nem sempre foi assim,
já que a redação original do art. 312 do código tinha como obrigatória a decretação da
preventiva para os crimes cuja pena máxima fosse igual ou superior a dez anos). Reforça essa
impressão o caráter de exceção da preventiva, nitidamente estabelecido pela Lei n.
12.403/2011, mais precisamente no art. 282, § 4º do código, ao dispor que sua decretação
somente é cabível “em último caso”. Por vezes, com efeito, a irrelevância do delito, em tese,
perpetrado pelo réu, seus bons antecedentes, enfim, a ausência de qualquer elemento que
justificaria tivesse decretada a prisão preventiva caso citado pessoalmente, também não
autorizam a decretação da medida, somente porque citado por edital.

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Direito Penal

1. Tema: Habitualidade delitiva reconhecida. Continuidade delitiva afastada.


Acordo de não persecução penal. Impossibilidade.

Informativo STJ- Edição especial


Reconhecida a habitualidade delitiva, fica descaracterizado o crime continuado, impedindo a
celebração de acordo de não persecução penal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na espécie, as instâncias de origem foram claras ao afirmar que "o requerente praticou
condutas consideradas criminosas, de forma habitual e reiterada, por 15 (quinze vezes)", o que
impede a celebração do acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A, § 2º, II, do
Código de Processo Penal.
Ressalte-se que a proposta é uma prerrogativa do Ministério Público, e, portanto "Não cabe ao
Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara
investigatória, impor ao MP a celebração de acordos." (STF, Segunda Turma. HC n. 194.677/SP,
relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021) - (Info 1017).
De acordo com a jurisprudência desta Corte, uma vez reconhecida a habitualidade delitiva, fica
descaracterizado o crime continuado.
Processo: AgRg no HC 788.419-PB, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado
do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/9/2023, DJe 15/9/2023.

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COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Já se ensina que o §2º do art. 28-A do CPP traz um rol de pressupostos negativos do acordo.
Entre eles, condições pessoais do investigado podem servir de impedimento para o ajuste
(investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal
habitual, reiterada ou profissional).
Alerta-se que a vedação mira o criminoso habitual, que não se confunde com crime habitual.
Criminoso habitual faz do crime sua atividade, seu meio de vida. Já o crime habitual revela
delito que demanda, para sua tipificação, reiteração de atos, como acontece, por exemplo, com
o crime de perseguição (art. 147-A do CP).

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1.Tema: Execução da pena privativa de liberdade. Pessoa transgênero.
Estabelecimento prisional adequado. Liberdade sexual e de gênero. Princípio da
igualdade material. Presídio feminino com estrutura para receber mulher
transgênero. Escolha da pessoa presa.

Informativo 801-STJ
É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da
preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na
unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A determinação do local do cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício
de livre discricionariedade do julgador, mas sim uma análise substancial das circunstâncias que
tem por objeto resguardar a liberdade sexual e de gênero, a integridade física e a vida das
pessoas transgênero presas, haja vista que o art. 7° da Resolução CNJ n. 348/2020 determina
que a referida decisão "será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa".
Dessa forma, o órgão estatal judicial responsável pelo acompanhamento da execução da pena
não deve ter por objeto resguardar supostos constrangimentos das agentes carcerárias, pois,
para isso, o Estado tem outros órgãos e outros instrumentos, que, inclusive, utilizam a força e

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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

a violência; e, por isso, é objetivo do Judiciário resguardar a vida e a integridade físicas das
pessoas presas, respeitando a diversidade de gênero e a liberdade sexual.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, em razão da diversidade de gênero e da igualdade
material, havia concedido medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 527, para que pessoas presas transexuais e travestis com identidade de
gênero feminino possam escolher cumprir a pena em estabelecimentos prisionais femininos ou
masculinos. Assim também determina o art. 8° da Resolução CNJ n. 348/2020.
Portanto, é dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual
acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver,
e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas
específicas.

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Núcleo de Gênero

1.Tema: Concurso Público sem restrição de gênero. Jurisprudência

DIREITO ADMINISTRATIVO. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DO ACORDO CELEBRADO ENTRE


AS PARTES APENAS PARA CONTINUIDADE DE CONCURSO PÚBLICO DA POLÍCIA MILITAR
DO DISTRITO FEDERAL. CONCURSO PÚBLICO SEM RESTRIÇÃO DE GÊNERO. DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA REFERENDADA. I - Trata-se de homologação de acordo judicial, realizado
entre as partes, para dar continuidade ao concurso público para policial militar do Distrito
Federal. O acordo foi realizado para dar prosseguimento ao certame sem as restrições de
gênero previstas no texto original do instrumento convocatório. II - A ação de controle de
constitucionalidade prosseguirá em rito ordinário. III - Acordo homologado. (STF. ADI 7433 MC-
TPI-Ref, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Tribunal Pleno, julgado em 08-11-2023, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-11-2023 PUBLIC 17-11-2023)
O Tribunal, por unanimidade, referendou a decisão que deferiu a medida cautelar para
suspender o certame em curso para o provimento de cargos no Quadro de Praças da Polícia
Militar do Distrito Federal Combatentes (QPPMC) até a análise do pedido de liminar formulado
em inicial, inclusive a divulgação de resultados, provisórios ou final, e a convocação para novas
fases do concurso, nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 16.2.2024 a
23.2.2024.]

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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO


JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. DETERMINAÇÃO
DE NOVO JULGAMENTO. ART. 593, INC. III, AL. “D” E § 3º, DO CPP. SOBERANIA DOS
VEREDICTOS: POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO. NATUREZA OBJETIVA DA
QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
(...) 18. Desse modo, no caso em análise, da leitura das decisões proferidas pelas instâncias
antecedentes, percebe-se que o entendimento ao qual chegou o Conselho de Sentença, no
primeiro julgamento, estava dissociado dos elementos de prova constantes dos autos, pois
concluído pela inviabilidade da qualificadora do feminicídio não obstante demonstrado o
cometimento do crime em contexto de relação conjugal e de violência doméstica. 19. Ao
contrário do afirmado pelo recorrente, não se há falar que a qualificadora esteja relacionada
com a motivação do delito, mas, sim, à condição da vítima. Tendo sido cometido o homicídio
no âmbito de unidade doméstica (a vítima e o réu conviviam por cerca de sete anos em união
estável, morando juntos e com filhos oriundos do relacionamento), na qual, repiso, o legislador
presume a vulnerabilidade da mulher, mostrou-se justificada a determinação de sujeição a novo
julgamento, nos termos do art. 593, § 3º, do CPP. Vale registrar que o princípio da soberania dos
veredictos não é absoluto, havendo possibilidade de se tornar insubsistente as decisões do Júri,
quando, como na espécie, “for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos
autos”. (STF. RHC 233436/SP, Min. Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, julgado em 26-02-2024,
PUBLIC 27-02-24)

(...) Há, no writ, informação de que o paciente teria descumprido as medidas protetivas de
urgência, pois "o histórico de perseguição se remonta ao ano de 2021, insistindo o Custodiado
em perseguir a ofendida, indo até Galinhos, onde fora capturado por novamente infringir
ordem judicial, consistente em se aproximar e manter contato (envio de mensagem), daí
sobressaindo sua periculosidade." Face a tais elementos, não há razões para a concessão da
ordem pleiteada. Em casos de violência doméstica e familiar, o simples descumprimento de
uma determinação judicial é suficiente para gerar, na vítima, temor, medo e caracterizar, em
tese, o crime previsto no artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006. Não é relevante, portanto, no
momento da decretação de medidas de natureza cautelar especialmente previstas naquela
legislação, o conteúdo de mensagens ou os motivos de aproximação para além do permitido
pela decisão judicial, uma vez que o ato, por si só, é danoso e demonstra aparente falta de

19
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

comprometimento do paciente em cumprir as determinações da autoridade judiciária. Pelo que


dos autos consta, a decretação da prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada,
uma vez que as medidas anteriormente aplicadas não se mostraram suficientes para proteger
a vítima de novas investidas de seu suposto agressor. (STF. HC 238063 / RN, Min. Relator(a):
DIAS TOFFOLI, julgado em 23-02-2024, PUBLIC 27-02-24)

2.Tema: Nota Técnica 44/2022-DAPES/SAPS/MS

É importante lembrar que foi ajuizada a Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamenta nº 989 pela Associação Brasileira de Bioética (ABB), Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (ABRASCO), Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e Associação da
Rede Unida, com o objetivo de reconhecer o estado de coisas inconstitucional do sistema
público de saúde em relação à realização do aborto legal em caso de estupro.
Na petição inicial, essas entidades recordaram que no Brasil existem três circunstâncias
em que o aborto é permitido: (a) quando há risco à vida da gestante (o chamado aborto
necessário, previsto no art. 128, inciso I, do Código Penal); (b) quando a gravidez é proveniente
de estupro, precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de representantes
legais (aborto humanitário, previsto no art. 128, inciso3 II, do Código Penal); e (c) quando se
está diante de anencefalia fetal (ADPF 54).
Frisaram que, a despeito disto, o acesso ao abortamento ainda é dificultado, devido à
falta de aceitação da sociedade e de barreiras impostas, inclusive pela “Atenção técnica pra
prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento”, na qual o Ministério da Saúde em
junho de 2022 indicou que após 22 semanas gestacionais não seria possível o aborto legal1. Essa
normativa estabeleceu que somente seria permitido o parto prematuro após esse prazo, o que
já fez inclusive com que criança de onze anos vítima de estupro fosse impedida de realizar o
abortamento2.

1 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.

Área Técnica de Saúde da Mulher. Atenção Humanizada ao Abortamento: norma técnica/Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas – Brasília: Ministério da Saúde,
2005.
2 G1. Ministério da Saúde suspende nota técnica que derrubava orientação do governo Bolsonaro sobre aborto
legal: recomendação do governo Bolsonaro era de que o aborto legal fosse feito até 21 semanas e 6 dias de gestação.
Nota técnica da atual gestão retirava essa orientação de prazo e reforçava que serviço de saúde deveria oferecer o
atendimento sem impor qualquer limitação além das previstas na Constituição. 29 fev. 2024. Disponível em:

20
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

Há que se ressaltar que a resistência expressa pelo texto mencionado, já que 67,4% das
vítimas de crimes sexuais não tiveram acesso ao abortamento legal e seguro e o abortamento
inseguro decorre de restrições legais, ambientais e administrativas, de políticas impeditivas ao
acesso a serviços existentes, de dificuldades dos profissionais com atitude na aceitação ao
abortamento3 e do repasse de responsabilidade pelo abortamento4. A não aceitação de
abortamento a depender da idade gestacional encontrou eco inclusive no Judiciário5, já tendo
o Superior Tribunal de Justiça em caso de criança vítima de estupro não autorizado a

https://g1.globo.com/saude/noticia/2024/02/29/ministerio-da-saude-nota-tecnica-aborto-legal.ghtml. Acesso em
03 mar. 2024.
3Para se ter dimensão do obstáculo que a objeção representação ao acesso ao serviço de abortamento deve-se
considerar que pesquisas concluíram que 40% de médicos ginecologistas e obstetras manifestam intenção de
auxiliar pacientes que desejam realizá-lo, mas somente 2% deles efetivamente fariam o abortamento (FAÚNDES,
Anibal; SHAH, Iqbal H. Evidence supporting broader access to safe legal abortion. International Journal of
Gynecology and Obstetrics. 131 (2015), S56-S59).
4 BLAKE, Marcia de Toledo; et al. Factors associated to late-term abortion after rape: literature review. Reprodução
& Climatério. 2014; 29(2): 60-65.
5BRASIL 247. Juíza nega aborto legal para menina vítima de estupro e teria exposto sentença no WhatsApp:
após sofrer perseguição de assistentes sociais e ter o aborto negado na Justiça, adolescente vítima de estupro
precisou recorrer ao MP para acessar direito. 22 set. 2021. Disponível em: <https://www.brasil247.com/geral/juiza-
nega-aborto-legal-para-menina-vitima-de-estupro-e-teria-exposto-sentenca-no-whatsapp>. Acesso em: 24 nov.
2021.

21
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

interrupção da gravidez6. Da mesma forma, atinge a sociedade, que em casos de autorização


legal já se mostrou inconformada e tentou impedir o procedimento7.
Ciente da ação 989 acima mencionada e das preocupações decorrentes do prazo
mencionado, foi editada a Nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS, no bojo da qual se
ressaltou que a viabilidade fetal não pode servir de justificativa para imposição de marco temporal
para exercício do direito de aborto permitido, nas condições previstas na lei8, ainda mais
considerando que o Código Penal nos artigos mencionados acima não trouxe qualquer limite
temporal nem o supremo. Por esta razão, na nota, destacou-se que aos serviços de saúde
incumbe o dever de garantir esse direito de forma segura, íntegra e digna oferecendo devido

6 HABEAS CORPUS. AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. ABORTO NECESSÁRI 6O. NÃO
COMPROVAÇÃO DE RISCO DE MORTE À GESTANTE. ABORTO HUMANITÁRIO. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO
A ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OCORRÊNCIA. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. VIOLÊNCIA PRESUMIDA.
VULNERABILIDADE. TEMPO DE GESTAÇÃO AVANÇADO. ORDEM DENEGADA.

1. O pedido de interrupção da gravidez está alicerçado nas complicações geradas à saúde da jovem e na configuração
do ato análogo ao estupro de vulnerável, dado presunção absoluta de violência.

2. Conquanto haja a defesa da jovem, não há documento assinado por profissional da saúde por profissional da saúde
que demonstre o iminente risco de morte. Infirmar a conclusão alcançada pela Corte de origem demandaria
necessária dilação probatória, iniciativa inviável no âmbito desta ação constitucional.

3. Em que pese o caráter limítrofe da situação apresentada – um casal de namorados, ela com 13 e ele com 14 anos
de idade, que, em decorrência de ato sexual consentido, enfrenta o peso de uma gravidez não desejada -, a rigor, se
trata de caso de ato análogo a estupro de vulnerável (Art. 217-A, do Código Penal).

4. Acerca da configuração do delito em situações como a dos autos (na espécie, ato infracional análogo), por força
do recente julgamento do REsp repetitivo n. 1.480. 881/PI, de minha relatoria, a Terceira Seção desta Corte Superior
sedimentou a jurisprudência, então já dominante, pela presunção absoluta da violência em casos da prática de
conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos.

5. A vulnerabilidade da vítima é o elemento definidor para a caracterização do delito, de modo que o fato de ser o
agente ainda um adolescente não exclui a ocorrência do ato infracional. Configurada a presunção de violência, houve
ato infracional análogo ao caso de estupro de vulnerável (art. 217-A, do Código Penal), circunstância que, por si só,
permitiria a autorização do procedimento.

6. A gravidez encontra-se, aproximadamente, na trigésima primeira semana, de modo que, a esta altura, uma
intervenção médica destinada à retirada do feto do útero materno pode representar riscos maiores tanto à vida da
paciente quanto à da criança em gestação.

7. Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC 359.733/RS, Rel. Min. ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, j. em
23.08.2016, DJe 19.09.2016)
7 GONZAGA, Vanessa. Aborto de Criança de 10 anos ocorre em segurança após expulsão de extremistas. Brasil de
Fato. 16 ago. 2020. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/08/16/aborto-legal-de-crianca-de-10-
anos-ocorre-em-seguranca-apos-a-expulsao-de-extremistas>. Acesso em: 24 nov. 2021.
8BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS. Disponível em:
https://multimidia.gazetadopovo.com.br/media/docs/1709209133_sei-ms-0038246948-nota-te-cnica-
conjunta.pdf. Acesso em 03 mar. 2024.

22
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

cuidado às pessoas que buscam o acesso a esses serviços, sem imposição de qualquer limitação
e/ou discriminação, senão as impostas pela Constituição, pela lei, por decisões judiciais e
orientações cientificas internacionalmente reconhecidas9.
Foi ela ainda mais longe ao ressaltar que a restrição para a realização do aborto nas
condições previstas em lei por meio de normas infralegais como é o caso da Nota Técnica, sob a
justificativa da viabilidade de vida extrauterina, ofende o artigo 128 do Código Penal e a decisão
proferida pelo STF na ADPF n. 54/DF, pois estes não estabelecem prazo para o exercício do direito.
No plano da Constituição Federal ofende os artigos 1º, III, 3º, IV e também o ar go 5º, II, segundo o
qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” 10.
Ademais, frisou que a Nota Técnica nº 44 vulnerabiliza meninas e mulheres que precisam acessar
os serviços de aborto legal no país e traz insegurança aos profissionais de saúde que prestam este
cuidado, gerando uma atmosfera de medo e intimidação, além de induzir os profissionais à
realização de práticas obsoletas, superadas pelas evidências científicas violando, com isso, o
direito à saúde das mulheres (crianças, adolescentes e adultas) que necessitam do amplo apoio dos
profissionais e serviços de saúde em todo o território nacional11.
A nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS veio para adequar a normativa do
Ministério da Justiça aos demais marcos normativos, em especial porque já se defendia que as
normativas brasileiras do Ministério da Saúde sobre o abortamento legal e a idade gestacional
estavam desatualizadas no que tange ao conceito de aborto induzido e às possibilidades médicas
para sua realização, independentemente da idade gestacional e viabilidade fetal12.

9BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS. Disponível em:


https://multimidia.gazetadopovo.com.br/media/docs/1709209133_sei-ms-0038246948-nota-te-cnica-
conjunta.pdf. Acesso em 03 mar. 2024.
10BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS. Disponível em:
https://multimidia.gazetadopovo.com.br/media/docs/1709209133_sei-ms-0038246948-nota-te-cnica-
conjunta.pdf. Acesso em 03 mar. 2024.
11BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS. Disponível em:
https://multimidia.gazetadopovo.com.br/media/docs/1709209133_sei-ms-0038246948-nota-te-cnica-
conjunta.pdf. Acesso em 03 mar. 2024.
12MONTEIRO, MCB. A Política Pública de Aborto Legal em Decorrência de Violência Sexual e a Inapropriada
Limitação à Idade Gestacional. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. São Paulo: 21
(2022). Disponível em: https://es.mpsp.mp.br/revista_esmp/index.php/RJESMPSP/issue/view/39. Acesso em 03
mar. 2024.

23
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

Note-se que com a edição acima realizou-se também controle da disciplina do


Ministério da Saúde aos entendimentos internacionais sobre o tema. E isto porque a normativa
anterior contrariava o decidido no caso L. C. v. Peru pela CEDAW.
No caso mencionado, discutiu-se a situação de adolescente de treze anos, vítima de
estupro e grávida, que foi internada e submetida a tratamento após tentar suicídio. A despeito
da gravidade do quadro e dos riscos que a adolescente corria (paralisia), foi negado o pedido de
autorização para realização de abortamento, conferindo-se mais peso à vida do feto do que aos
direitos da adolescente, vida digna, saúde e reprodutivos, o que configura exemplo de
dominação masculina e desrespeito aos direitos dela131415.
No caso acima, a CEDAW admitiu realização de abortamento em caso de risco à saúde
e à vida da gestante e em caso de proveniência de violência sexual, ressaltando a necessidade
de respeito aos direitos de L. C. como pessoa, inclusive em desenvolvimento por ser criança, e
a preemência de protocolos facilitadores para o abortamento1617.
O caso de L. C., ou seja, criança ou adolescente grávida em virtude de estupro, não é
isolado. Intercept Brasil apurou, inclusive, que entre 2015 e 2020, mais de 9 mil meninas
estupradas engravidaram no Brasil, mas só 362 conseguiram o direito ao aborto18.
Ocorre que a nota referida foi suspensa em 29 de fevereiro de 2024, após criticas19,
desconsiderando que ela não significou a admissibilidade do aborto em casos já não admitidos

13 CEDAW. L.C. v. Peru, decision CEDAW/C/50/D/22/2009. 4 November 2011. Disponível em:


<http://www2.ohchr.org/english/law/docs/CEDAW-C-50-D-22-2009_en.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2021.
14VENTURA, Miriam; CAMARGO, Thais Medina Coeli Rochel. Direitos Reprodutivos e o aborto: As mulheres na
epidemia de Zika. Direito & Praxis, v. 07, nº 15, p. 622-651.
15BERER, Marge. Abortion Law and Policy Around the World: In Search of Decriminalization. Health and Human
Rights (jun. 2017), p. 13-27.
16 CEDAW. L.C. v. Peru, decision CEDAW/C/50/D/22/2009. 4 November 2011. Disponível em:
<http://www2.ohchr.org/english/law/docs/CEDAW-C-50-D-22-2009_en.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2021.
17NGWENA, Charles G. A Commentary on LC v Peru: The CEDAW Committee's First Decision on Abortion. Journal
of African Law, v. 57, n. 2, p. 310-324, 2013.
18LARA, Bruna de. Menos de 4% das meninas d e10 a 14 anos grávidas por estupro têm acesso ao aborto legal.
Intercept Brasil, 01 mai. 2023. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2023/05/01/estupro-meninas-ate-14-
anos-nao-tem-acesso-a-
aborto/#:~:text=Um%20levantamento%20in%C3%A9dito%20do%20Intercept,mil%20estupros%20nessa%20faix
a%20et%C3%A1ria. Acesso em 03 mar. 2024.
19PODER 360. Saúde volta atrás e suspende nota técnica sobre aborto: medida invalidava determinação do
governo anterior, que estabelecia prazo de 21 semanas e 6 dias para aborto legal. 29 fev. 2024. Disponível em:
https://www.poder360.com.br/saude/saude-volta-atras-e-suspende-nota-tecnica-sobre-

24
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

pelo ordenamento jurídico pátrio. Ignorou que ela representava buscava apenas adequar as
normas do Ministério da Saúde à Constituição, ao Código Penal, às normativas internacionais
e à jurisprudência tanto dos Tribunais Superiores como dos órgãos internacionais e não
obstáculos indevidos de acesso ao abortamento legal.
Sabe-se que os direitos humanos estão em disputa como menciona Baxi20 e a contribui
para que mulheres, crianças e adolescentes não tenham seus direitos respeitados, já que
mantém a normativa anterior que restringe o acesso ao abortamento legal e, com isso, viola a
dignidade da gestante, além dos dispositivos mencionados acima, além de configurar incentivo
para que elas se vejam em situação de risco ao buscar alternativas inseguras para interrupção
da gravidez21. Não é por outra razão que Monteiro recomendou que o Ministério Público
atuasse para estruturação de serviços de referência para realização de abortos nas hipóteses
legais de admissibilidade, inclusive para os casos de idade gestacional avançada22.

aborto/#:~:text=A%20ministra%20da%20Sa%C3%BAde%2C%20N%C3%ADsia,e%20nem%20pela%20consultori
a%20jur%C3%ADdica%E2%80%9D. Acesso em 03 mar. 2024.
20 BAXI, Upendra. Politics of reading human rights: inclusion and exclusion within the production of human rights.
In: MECKLED-GARCIA, Saladi; ÇALI, Basak (Orgs.). The legalization of human rights: multidisciplinary perspectives
on human rights and human rights law. Nova Iorque: Routledge, 2006. 202 p. p. 182-200.
21 MONTEIRO, Mirella de Carvalho Bauzys. A política pública de garantia do direito ao aborto legal em gravidez
decorrente de estupro: a inapropriada limitação da idade gestacional e a atuação do Ministério Público. In: Marcon,
Chimelly Louise de Resenes (org). A Defesa dos direitos humanos na visão das mulheres do Ministério Público. V.
II. João Pessoa: Editora Porta, 2023, p. 622-643.
22 MONTEIRO, Mirella de Carvalho Bauzys. A política pública de garantia do direito ao aborto legal em gravidez
decorrente de estupro: a inapropriada limitação da idade gestacional e a atuação do Ministério Público. In: Marcon,
Chimelly Louise de Resenes (org). A Defesa dos direitos humanos na visão das mulheres do Ministério Público. V.
II. João Pessoa: Editora Porta, 2023, p. 622-643.

25
MPSP: decisões do setor art. 28 do CPP

1.Tema: Arquivamento de inquérito policial por entender tratar-se de crime de


estelionato estando ausente representação da vítima. Não homologação do
juízo.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – ART. 28

Autos n.º xxxxxxx--xx.2023.8.26.0050 – Juízo do DIPO X – Comarca da Capital


Investigada: Q
Assunto: arquivamento de inquérito policial por entender tratar-se de crime de estelionato
estando ausente representação da vítima – não homologação pelo MM. Juízo, com
aplicação do artigo 28 do CPP – revisão.

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a prática do crime de furto


qualificado pela fraude (CP, art. 155, §4º, II) praticado contra J, em 24 de setembro de 2022, por
volta das 11h30min., na na Avenida Campanella, 122 - Itaquera, nesta Capital. (cf. portaria de
fls. 02)

26
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

Conforme informado pela vítima, na ocasião dos fatos se encontrava na agência do


Banco Bradesco e após efetuar saque e deixar o terminal eletrônico, um indivíduo se aproximou
e informou que a máquina havia emitido um aviso para a necessidade de cadastro da biometria
e, caso não fosse realizado naquele momento, haveria a cobrança de uma taxa. Preocupado, o
ofendido deixou o indivíduo auxiliá-lo no cadastramento e, após ser esclarecido que estava tudo
resolvido, deixou o local. Posteriormente, foi contatado por uma funcionária do banco, a qual
perguntou se havia efetuado uma transferência bancária, no valor de R$ 1.990,00, para Q.
Imediatamente negou, percebendo que o suspeito que prometeu auxiliá-lo no cadastramento
da biometria, na verdade, efetuou uma transferência bancária para outra conta sem que
percebesse.

Relatório de investigação foi juntado (fl. 06), indicando a localização da beneficiária da


transação ilícita, que alegou ter emprestado sua conta para um amigo. Ainda conforme o
relatório, não foram localizadas imagens para auxiliar no esclarecimento da autoria.

Q declarou que, no dia 24/09/2022, recebeu uma notificação em seu celular que havia
recebido um PIX, no valor de R$ 1.900,00. Logo após, entrou no aplicativo de seu banco, pelo
celular, porém constatou que sua conta estava bloqueada. Pensou que poderia ser o dinheiro
da venda de um celular Iphone 12 Promax, que realizou também no valor de R$1.900,00. Devido
ao bloqueio da conta, não realizou nenhuma transferência ou sacou o dinheiro. Sua conta
permaneceu bloqueada e não tem mais acesso a ela. (fl. 07).

Ao receber o feito, o Douto Promotor de Justiça natural promoveu o arquivamento dos


autos. Considerou que a vítima, na hipótese, não tem interesse em representar criminalmente,
de modo que ausente a referida condição de procedibilidade para o exercício da ação penal no
crime em questão. (fls. 45/48)

A MM. Juíza do DIPO, entretanto, discordou. Reputou que não há necessidade de


representação da vítima para prosseguimento das investigações, por se tratar de crime de ação
penal pública incondicionada, qual seja, crime de furto mediante fraude (artigo 155, § 4º, II, do
Código Penal). Diante disso, aplicou o art. 28 do Código de Processo Penal, determinando a
remessa dos autos a esta Chefia Institucional (fls. 54/56).

27
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

Este, em síntese, o relatório.

A razão se encontra com a DD. Magistrada, com a máxima vênia do Douto


Promotor de Justiça.

Observa-se no presente caso que a vítima não entregou valores de forma consciente ao
eventual autor do delito. Conforme se apurou, a vítima se surpreendeu com a retirada indevida
de valores de sua conta corrente no Banco Bradesco.

Com efeito, os elementos até agora coletados indicam que o ofendido não foi induzido
em erro mediante ardil ou meio fraudulento, mas sim teve sua a conta acessada,
indevidamente, e subtraídos valores, mediante fraude - sem autorização.

Diante de tal quadro, pode-se asseverar que houve furto qualificado pela fraude (e não
estelionato), pois se cuida de subtração de quantia atrelada a conta corrente, realizada por
meio fraudulento, sem a anuência do titular da conta.

Nesse passo, interessante lembrar a fundamental distinção entre o furto mediante


fraude e o estelionato: naquele delito, a fraude é meio empregado para burlar a vigilância da
vítima sobre seus bens; em razão da fraude, a vítima sequer percebe a subtração; no
estelionato, a fraude é meio de induzimento da vítima a erro, para dela obter a entrega do que
lhe pertence e que traduz a indevida vantagem econômica obtida pelo agente.

Adequada a lição de Guilherme de Souza Nucci sobre o tema:

“Furto com fraude versus estelionato: eis polêmica


estabelecida no caso concreto, provocando variadas posições
na jurisprudência. O cerne da questão diz respeito ao modo de
atuação da vítima, diante do engodo programado pelo agente.
Se este consegue convencer o ofendido, fazendo-o incidir em
erro, a entregar, voluntariamente, o que lhe pertence, trata-se
de estelionato; porém, se o autor, em razão do quadro
enganoso, ludibria a vigilância da vítima, retirando-lhe o bem,
trata-se de furto com fraude...”
(Código Penal Comentado. 15 ed. Rio de Janeiro: Gen Forense,
2015, p. 885).

28
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

Com efeito, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL


X JUSTIÇA ESTADUAL. DENÚNCIA. FURTO DE CARTÃO DE
CONTA BANCÁRIA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL QUE
TINHA A SENHA ANOTADA JUNTO A ELE. SAQUE INDEVIDO
EM CONTA CORRENTE. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE QUE
TRAGA PREJUÍZO À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. PREJUÍZO
APENAS À VITIMA PESSOA FÍSICA. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido
de que a realização de saques indevidos (ou transferências
bancárias) na conta corrente da vítima sem o seu
consentimento, seja por meio de clonagem de cartão e/ou
senha, seja por meio de furto do cartão, seja via internet,
configuram o delito de furto mediante fraude (art. 155, § 4º,
II, do CP).
2. Em tais situações, a fraude é caracterizada pelo ato de
ludibriar o sistema informatizado de proteção de valores,
mantidos sob guarda bancária. Nesse sentido, invariavelmente,
haveria, também, prejuízo da instituição bancária na medida
em que, sendo ela a responsável pela implementação de
mecanismos de proteção dos valores e bens sob sua guarda,
será dela o ônus de arcar com o prejuízo advindo de eventual
falha em tais mecanismos.
(...)
(CC 149.752/PI, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe
01/02/2017).

“CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. MPF E JUIZ FEDERAL. IPL.


MOVIMENTAÇÃO E SAQUES FRAUDULENTOS EM CONTA
CORRENTE DA CEF POR MEIO DA INTERNET.
MANIFESTAÇÃO DO MPF PELA DEFINIÇÃO DA CONDUTA
COMO FURTO MEDIANTE FRAUDE E DECLINAÇÃO DA
COMPETÊNCIA PRA O LOCAL ONDE MANTIDA A CONTA
CORRENTE. INTERPRETAÇÃO DIVERSA DO JUÍZO FEDERAL,
QUE ENTENDE TRATAR-SE DE ESTELIONATO.
INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES.
ARQUIVAMENTO INDIRETO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO
ART. 28 DO CPP. PRECEDENTES DA 3A. SEÇÃO DESTA
CORTE. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO
CONFLITO. CONFLITO DE ATRIBUIÇÃO NÃO CONHECIDO.

29
Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024

1. A 3ª. Seção desta Corte definiu que configura o crime de


furto qualificado pela fraude a subtração de valores de conta
corrente, mediante transferência ou saque bancários sem o
consentimento do correntista; assim, a competência deve
ser definida pelo lugar da agência em que mantida a conta
lesada.
2. Inexiste conflito de atribuição quando o membro do
Ministério Público opina pela declinação de competência e o
Juízo não acata o pronunciamento; destarte, não oferecida a
denúncia, em razão da incompetência do juízo, opera-se o
denominado arquivamento indireto, competindo ao Juiz
aplicar analogicamente o art. 28 do CPP, remetendo os autos à
2ª. Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Precedentes do
STJ.
3. A hipótese igualmente não configura conflito de
competência, ante a ausência de pronunciamento de uma das
autoridades judiciárias sobre a sua competência para conhecer
do mesmo fato criminoso.
4. Conflito de atribuição não conhecido.”
(STJ, CAt n. 222/MG, 3.ª Seção, Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, DJe de 16/05/2011; grifo nosso).

No mesmo sentido, o entendimento do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO (ART. 155, §


4º, INC. II (FRAUDE), DO CÓDIGO PENAL). ABSOLVIÇÃO POR
FALTA DE PROVAS – INOCORRÊNCIA – MATERIALIDADE E
AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS – RÉ QUE
CONFESSOU A SUBTRAÇÃO – PROVA ORAL QUE
COMPROVA A AUTORIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
ESTELIONATO – DESCABIMENTO – CONDUTA QUE SE
COADUNA COM A DESCRIÇÃO CONTIDA NO ART. 155, § 4º,
INC. II, DO CP. REALIZAÇÃO DE SAQUES INDEVIDOS NA
CONTA CORRENTE DA VÍTIMA, SEM O SEU
CONSENTIMENTO, SEJA POR MEIO DE CLONAGEM DE
CARTÃO E/OU SENHA, SEJA POR MEIO DE FURTO DO
CARTÃO, SEJA VIA INTERNET, CONFIGURAM O DELITO DE
FURTO MEDIANTE FRAUDE – PRECEDENTES DO STJ.

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PENA, COM SUBSTITUIÇÃO, E O REGIME APLICADO DE


FORMA CORRETA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO

(TJSP; Apelação Criminal 0002209-57.2015.8.26.0311; Relator


(a): Ivana David; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal;
Foro de Junqueirópolis - Vara Única; Data do Julgamento:
28/08/2020; Data de Registro: 28/08/2020) (grifamos)

Nota-se, assim, que, cuidando-se de furto qualificado pela fraude, desnecessário o


oferecimento da representação criminal, pois trata-se de ação penal pública incondicionada.

De ver, finalmente, que a investigação revelou a existência de indícios suficientes da


participação de Q no delito investigado.

Nesse sentido, inicialmente ela informou que emprestou sua conta para um amigo sem
prestar maiores informações (fls. 06) e, quando ouvida em declarações, alterou a versão e
informou que imaginou que o dinheiro recebido em sua conta fosse referente a um celular
vendido (fls. 07).

De qualquer modo, restou evidenciado que, quando o agente realizou a subtração dos
valores da conta da vítima, ele já sabia para onde o numerário deveria ser transferido,
evidenciando-se que Q estava ciente e, portanto, concorrendo para prática delitiva.

O fato, portanto, deve ser objeto de persecução penal.

Lembre-se que o oferecimento de denúncia não representa um juízo definitivo de


censura, mas apenas a constatação de um mínimo de embasamento para a deflagração do
devido processo legal:

“Segundo pacífica jurisprudência desta Corte Superior, a


propositura da ação penal exige tão somente a presença de
indícios mínimos e suficientes de autoria. A certeza será
comprovada ou afastada durante a instrução probatória,
prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio

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do in dubio pro societate.” (STJ, RHC 79.154/SP, Rel. Ministro


FELIX FISCHER, 5ª TURMA, DJe de 10/08/2017).

Diante do exposto, designa-se outro Promotor de Justiça para oficiar nos autos,
analisando o eventual cabimento de medidas despenalizadoras ou oferecer denúncia e
prosseguir nos ulteriores termos da ação penal, facultada a observação do disposto no art. 4-A
da Resolução n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pela
Resolução n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria, se necessário, designando o substituto automático.

São Paulo, 04 de dezembro de 2023.

Mário Luiz Sarrubbo


Procurador-Geral de Justiça

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