O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um recurso de apelação sobre um caso envolvendo descontos indevidos de empréstimo consignado. O Tribunal manteve a sentença de primeira instância, negando indenização por danos morais à autora, por não haver comprovação de abalo significativo em sua esfera moral ou financeira.
O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um recurso de apelação sobre um caso envolvendo descontos indevidos de empréstimo consignado. O Tribunal manteve a sentença de primeira instância, negando indenização por danos morais à autora, por não haver comprovação de abalo significativo em sua esfera moral ou financeira.
O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um recurso de apelação sobre um caso envolvendo descontos indevidos de empréstimo consignado. O Tribunal manteve a sentença de primeira instância, negando indenização por danos morais à autora, por não haver comprovação de abalo significativo em sua esfera moral ou financeira.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
1008151-85.2021.8.26.0297, da Comarca de Jales, em que é apelante IRACI PEREIRA FERMINO DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ISRAEL GÓES
DOS ANJOS (Presidente sem voto), HELIO FARIA E ERNANI DESCO FILHO.
São Paulo, 2 de novembro de 2022.
HENRIQUE RODRIGUERO CLAVISIO
Relator(a) Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação Cível nº 1008151-85.2021.8.26.0297
Apelante Iraci Pereira Fermino da Silva (AJG) Apelado Banco Mercantil do Brasil S/A Comarca Jales 3ª Vara Cível
Voto nº 43398
Declaratória e Indenizatória Inexistência do negócio
jurídico e dever de devolução em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício previdenciário do autor Reconhecimento - Ausência de impugnação recursal - Matéria transitada em julgado - Contrato bancário Empréstimo consignado com descontos em benefício previdenciário Dano moral Não caracterização – Peculiaridades do caso Desconto em benefício previdenciário que não supera o montante creditado em conta Inexistência de comprometimento de renda ou de anotação restritiva Ausência de comprovação de ato depreciativo/desabonador ou de efetivas consequências na esfera moral Inobservância ao artigo 373, inciso I, do CPC Fatos da causa que não ensejam dano moral Pretensão afastada Sentença mantida RITJ/SP, artigo 252 - Assento Regimental nº 562/2017, art. 23. Recurso não provido.
Vistos,
A r. sentença de fls. 109/113 julgou procedente em
parte a ação declaratória e indenizatória, para declarar a inexistência da relação jurídica relacionada ao contrato número 017244424, condenado o réu a proceder o cancelamento dos descontos mensais das prestações no benefício da autora, bem como, restituir, em dobro, os valores das prestações já cobradas nos proventos da requerente, corrigidos monetariamente, desde cada desconto, pelos índices constantes da Tabela de Atualização Monetária do Tribunal de Justiça de São Paulo, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação, mantida a tutela de urgência deferida às fls. 37/38, penúltimo parágrafo. Também foi deferido o levantamento do depósito de fls. 77/78, em favor do réu. Em razão da sucumbência parcial, o réu condenado ao pagamento de 50% das custas e despesas processuais, porventura existentes, atualizadas desde o desembolso e verba honorária da parte contrária, esta fixada, por apreciação equitativa, em R$ 2.529,27, nos termos da Tabela de Honorários 2022, da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (art. 85, §§ 8º e 8º-A do CPC). A autora foi condenada, em razão da sucumbência parcial, ao pagamento de 50% das custas e despesas processuais, porventura existentes, e verba honorária da parte contrária, esta fixada em 10% (dez por cento) do valor pleiteado a título de indenização por danos morais (art. 85, § 2º, do CPC).
Apela a autora pretendendo o ajustamento do julgado,
sustentando que os descontos indevidos configuram situação que ultrapassa o mero aborrecimento, caracterizada a culpa e a responsabilidade do réu, daí exsurgindo o Apelação Cível nº 1008151-85.2021.8.26.0297 -Voto nº 43398 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
dever de indenizar pelos danos morais correspondentes, devendo a fixação considerar
as funções ressarcitória e punitiva, no valor de R$ 15.000,00 (fls. 115/125).
Processado e não respondido o recurso, vieram os autos
ao Tribunal e após a esta Câmara.
É o relatório.
De início, cumpre salientar que as questões relativas à
inexistência do negócio jurídico, com o respectivo dever de devolução em dobro de valores descontados de forma indevida, encontram-se acobertadas pela coisa julgada, à míngua de recurso específico, cingindo-se a controvérsia à verificação do cabimento da condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor da autora.
Com efeito, quanto aos supostos danos morais, embora
se compreenda os transtornos decorrentes da contratação fraudulenta empréstimo consignado, com desconto em benefício previdenciário , o caso encerra peculiaridades que não permitem que subsista a pretensão de condenação do réu ao pagamento de indenização a tal título, sobretudo porque o desconto realizado houve o desconto apenas da primeira parcela, já que foi providenciado pelo banco o cancelamento, conforme a tutela de urgência deferida (fls. 87) -, conquanto indevido, não ultrapassaram o montante creditado na conta da autora a título de empréstimo, não havendo, por conseguinte, comprometimento de renda a gerar abalo moral.
Não se verifica, desse modo, a ocorrência de desfalque
na conta da autora a ponto de lhe tornar devedor ou impedir a satisfação de obrigações, tampouco abalando seu nome perante a sociedade ou mercado, observado que inexiste notícia de apontamento restritivo.
Conforme ensina Yussef Said Cahali, citando
Dalmartello, “... Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, 'como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos'; classificando-se, desse modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio moral” (honra, reputação etc.) e dano que molesta a “parte afetiva do patrimônio moral” (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.).” (in Dano moral, 3ª ed., rev. ampl. e atual, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 22).
Dos autos, verifica-se que inexiste prova de abalo a
qualquer direito de personalidade da autora, ônus que lhe competia (artigo 373, inciso I, do CPC), e tampouco de constrangimento moral a justificar a indenização pretendida, vale dizer, os fatos narrados constituem aborrecimentos e transtornos toleráveis, dadas as peculiaridades do caso concreto, até porque, repita-se, embora os descontos sejam indevidos e ocorram sobre verba de caráter alimentar, inexistiu
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desfalque significativo nos recursos financeiros do demandante, já que houve crédito
da quantia indevidamente emprestada em conta corrente. Portanto, a simples cobrança de valores não pode ser erigida à condição de conduta capaz de violar gravemente os direitos da personalidade, ainda mais quando se considera o depósito de valores na conta da autora.
Nesse sentido, observado o conceito jurídico de dano
por violação de direito ou excesso no seu exercício (artigos 186 a 188 do Código Civil), superada a questão relativa ao nexo causal pela natureza do vínculo, mesmo que reconhecida eventual fraude, bem como advir daí para a autora preocupação, incerteza e insegurança, tão só a ofensa à dignidade do demandante (artigo 4º do CDC), como consumidor, de forma relevante e gravosa, é que permitiria a sanção moral, até porque, observadas as disposições dos artigos 186 e 927 do Código Civil, e como ensina a doutrina: “... só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia, desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.” (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 83/4).
Aliás, de se lembrar que: “... no plano do dano moral
não basta o fato em si do acontecimento, mas, sim, a prova de sua repercussão prejudicialmente moral.” (Yussef Said Cahali, Dano moral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 703), e mais: “... não será toda e qualquer situação de sofrimento, tristeza, transtorno ou aborrecimento que ensejará a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana em seus diversos substratos materiais, já identificados, quais sejam, a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano extrapatrimonial em sentido estrito.” (Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à Pessoa Humana, uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 189).
Ora, não é qualquer fato vivenciado pela parte que gera
dano passível de indenização, mas aquele que ultrapassa a esfera patrimonial da vítima, atingindo os direitos fundamentais inerentes à personalidade e, como consequência, lhe causa constrangimento, mágoa ou tristeza, o que significa se entender que a situação vivenciada nos autos não revela circunstância que suplanta hipótese de dissabor, inexistindo ofensa a direitos da personalidade.
Da mesma forma, já decidiu esta C. Corte:
“BANCÁRIOS Ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição de indébito e indenização por danos morais Sentença de parcial procedência Empréstimo consignado não reconhecido (...) Banco que não se desincumbiu do
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ônus de provar a existência da relação jurídica geradora do débito Contratação
não provada Danos morais Não ocorrência Parte ativa que se utilizou do valor creditado que depois alegou não ter contratado, e valor de descontos que não supera aquele valor - Indenização indevida Retorno das partes ao status quo “ante” Restituição e compensação de valores Cabimento Sentença parcialmente modificada Decaimento recíproco (NCPC, art. 86, “caput”) Recurso parcialmente provido.” (TJSP; Apelação Cível 1008040-32.2020.8.26.0008; Relator (a): José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/2021; Data de Registro: 29/03/2021).
Ainda: “AÇÃO DECLARATÓRIA Contrato
de Empréstimo Consignado/Cartão de Crédito - Sentença de parcial procedência - Recurso de ambas as partes DO RECURSO DO RÉU - Empréstimo consignado não reconhecido pela autora Hipótese em que o banco apresentou documentos relativos à contratação do empréstimo Autora que negou a autenticidade da assinatura aposta nos documentos Requerimento de prova pericial Deferimento - Banco que, intimado, não apresentou o documento para realização da prova e nada justificou a respeito Desinteresse na produção da prova - Tratando- se de contestação de assinatura, o ônus da prova da sua veracidade incumbe à parte que produziu o documento - Art. 429, II do CPC Precedente - Manutenção do decidido Honorários recursais - Recurso não provido. RECURSO DA AUTORA (...) DANOS MORAIS - Inocorrência - Inexistência de qualquer elemento que indique que o autor tenha sofrido danos - Ausência de prejuízo efetivo ao direito da personalidade - Questão meramente patrimonial - Mero aborrecimento - Autor que, ademais, nada mencionou quanto ao crédito do contrato impugnado, não havendo qualquer manifestação nos autos que pudesse indicar a intenção de devolução da quantia Recurso não provido neste tema Reforma parcial da sentença, sem modificação da verba sucumbencial - Recurso parcialmente provido. DIPOSITIVO Recurso do réu não provido e recurso da autora parcialmente provido.” (TJSP; Apelação Cível 1002705-75.2021.8.26.0047; Relator (a): Achile Alesina; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Assis - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/12/2021; Data de Registro: 21/12/2021).
Também: “RECURSO - Recorrente que impugnou os
fundamentos da sentença recorrida - Presentes os requisitos de admissibilidade (art. 1.010, II e III, do CPC) - Recurso conhecido. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Sentença de improcedência - Arcabouço probatório que não demonstra a certeza quanto à contratação pela autora - Perícia grafotécnica prejudicada porque o réu não apresentou os contratos originais ou cópias com alta resolução - Autenticidade dos contratos não comprovada pelo demandado, ônus que não se desincumbiu - De rigor a declaração de inexigibilidade dos débitos e a condenação do banco a restituir à autora os valores descontados indevidamente, com determinação de compensação mediante devolução dos valores recebidos pela requerente em sua conta bancária - Devolução em dobro - Inadmissibilidade - Ausência de demonstração de má-fé - Inaplicabilidade do recente entendimento do STJ, conforme decidido em recurso repetitivo EAREsp nº
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679.608/RS, exarado mediante modulação de efeitos - Nova tese em relação às
cobranças indevidas, por privilegiar o princípio da segurança jurídica, “apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão” (30/03/2021) - Precedente - Dano moral - Não caracterização - Ausente negativação - Parcelas descontadas por vários anos sem qualquer impugnação da autoras - Não houve comprometimento substancial de modo a abalar a subsistência digna da requerente - Situação vivenciada que não é apta a gerar abalo de ordem psíquica - Dissabores experimentados não ultrapassam o campo do mero aborrecimento - Recurso parcialmente provido para declarar inexigíveis os débitos lançados a título de contratos de empréstimos descontados do benefício previdenciário da autora, bem como para condenar o réu a restituir à autora os valores descontados indevidamente, de forma simples, determinada a compensação mediante devolução dos valores recebidos pela demandante, reconhecida a sucumbência recíproca.” (TJSP; Apelação Cível 1010127-62.2018.8.26.0482; Relator (a): Mendes Pereira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Prudente - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021).
Por tais motivos, fica mantida a r. sentença recorrida,
por seus próprios e jurídicos fundamentos (artigo 252 do RITJ/SP c/c art. 23 do Assento Regimental nº 562/2017), ora adotados em complemento aos do presente voto.