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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000902687

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1008151-85.2021.8.26.0297, da Comarca de Jales, em que é apelante IRACI
PEREIRA FERMINO DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado BANCO
MERCANTIL DO BRASIL S/A.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ISRAEL GÓES


DOS ANJOS (Presidente sem voto), HELIO FARIA E ERNANI DESCO FILHO.

São Paulo, 2 de novembro de 2022.

HENRIQUE RODRIGUERO CLAVISIO


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível nº 1008151-85.2021.8.26.0297


Apelante Iraci Pereira Fermino da Silva (AJG)
Apelado Banco Mercantil do Brasil S/A
Comarca Jales 3ª Vara Cível

Voto nº 43398

Declaratória e Indenizatória Inexistência do negócio


jurídico e dever de devolução em dobro dos valores
descontados indevidamente do benefício previdenciário do
autor Reconhecimento - Ausência de impugnação recursal
- Matéria transitada em julgado - Contrato bancário
Empréstimo consignado com descontos em benefício
previdenciário Dano moral Não caracterização –
Peculiaridades do caso Desconto em benefício
previdenciário que não supera o montante creditado em
conta Inexistência de comprometimento de renda ou de
anotação restritiva Ausência de comprovação de ato
depreciativo/desabonador ou de efetivas consequências na
esfera moral Inobservância ao artigo 373, inciso I, do
CPC Fatos da causa que não ensejam dano moral
Pretensão afastada Sentença mantida RITJ/SP, artigo
252 - Assento Regimental nº 562/2017, art. 23.
Recurso não provido.

Vistos,

A r. sentença de fls. 109/113 julgou procedente em


parte a ação declaratória e indenizatória, para declarar a inexistência da relação
jurídica relacionada ao contrato número 017244424, condenado o réu a proceder o
cancelamento dos descontos mensais das prestações no benefício da autora, bem
como, restituir, em dobro, os valores das prestações já cobradas nos proventos da
requerente, corrigidos monetariamente, desde cada desconto, pelos índices constantes
da Tabela de Atualização Monetária do Tribunal de Justiça de São Paulo, e juros de
mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação, mantida a tutela de urgência
deferida às fls. 37/38, penúltimo parágrafo. Também foi deferido o levantamento do
depósito de fls. 77/78, em favor do réu. Em razão da sucumbência parcial, o réu
condenado ao pagamento de 50% das custas e despesas processuais, porventura
existentes, atualizadas desde o desembolso e verba honorária da parte contrária, esta
fixada, por apreciação equitativa, em R$ 2.529,27, nos termos da Tabela de
Honorários 2022, da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (art. 85, §§ 8º e
8º-A do CPC). A autora foi condenada, em razão da sucumbência parcial, ao
pagamento de 50% das custas e despesas processuais, porventura existentes, e verba
honorária da parte contrária, esta fixada em 10% (dez por cento) do valor pleiteado a
título de indenização por danos morais (art. 85, § 2º, do CPC).

Apela a autora pretendendo o ajustamento do julgado,


sustentando que os descontos indevidos configuram situação que ultrapassa o mero
aborrecimento, caracterizada a culpa e a responsabilidade do réu, daí exsurgindo o
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dever de indenizar pelos danos morais correspondentes, devendo a fixação considerar


as funções ressarcitória e punitiva, no valor de R$ 15.000,00 (fls. 115/125).

Processado e não respondido o recurso, vieram os autos


ao Tribunal e após a esta Câmara.

É o relatório.

De início, cumpre salientar que as questões relativas à


inexistência do negócio jurídico, com o respectivo dever de devolução em dobro de
valores descontados de forma indevida, encontram-se acobertadas pela coisa julgada,
à míngua de recurso específico, cingindo-se a controvérsia à verificação do
cabimento da condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais em
favor da autora.

Com efeito, quanto aos supostos danos morais, embora


se compreenda os transtornos decorrentes da contratação fraudulenta empréstimo
consignado, com desconto em benefício previdenciário , o caso encerra
peculiaridades que não permitem que subsista a pretensão de condenação do réu ao
pagamento de indenização a tal título, sobretudo porque o desconto realizado
houve o desconto apenas da primeira parcela, já que foi providenciado pelo banco o
cancelamento, conforme a tutela de urgência deferida (fls. 87) -, conquanto indevido,
não ultrapassaram o montante creditado na conta da autora a título de empréstimo,
não havendo, por conseguinte, comprometimento de renda a gerar abalo moral.

Não se verifica, desse modo, a ocorrência de desfalque


na conta da autora a ponto de lhe tornar devedor ou impedir a satisfação de
obrigações, tampouco abalando seu nome perante a sociedade ou mercado,
observado que inexiste notícia de apontamento restritivo.

Conforme ensina Yussef Said Cahali, citando


Dalmartello, “... Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus
próprios elementos; portanto, 'como a privação ou diminuição daqueles bens que
têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de
espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a
honra e os demais sagrados afetos'; classificando-se, desse modo, em dano que afeta
a “parte social do patrimônio moral” (honra, reputação etc.) e dano que molesta a
“parte afetiva do patrimônio moral” (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que
provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano
moral puro (dor, tristeza etc.).” (in Dano moral, 3ª ed., rev. ampl. e atual, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 22).

Dos autos, verifica-se que inexiste prova de abalo a


qualquer direito de personalidade da autora, ônus que lhe competia (artigo 373,
inciso I, do CPC), e tampouco de constrangimento moral a justificar a indenização
pretendida, vale dizer, os fatos narrados constituem aborrecimentos e transtornos
toleráveis, dadas as peculiaridades do caso concreto, até porque, repita-se, embora os
descontos sejam indevidos e ocorram sobre verba de caráter alimentar, inexistiu

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desfalque significativo nos recursos financeiros do demandante, já que houve crédito


da quantia indevidamente emprestada em conta corrente. Portanto, a simples
cobrança de valores não pode ser erigida à condição de conduta capaz de violar
gravemente os direitos da personalidade, ainda mais quando se considera o depósito
de valores na conta da autora.

Nesse sentido, observado o conceito jurídico de dano


por violação de direito ou excesso no seu exercício (artigos 186 a 188 do Código
Civil), superada a questão relativa ao nexo causal pela natureza do vínculo, mesmo
que reconhecida eventual fraude, bem como advir daí para a autora preocupação,
incerteza e insegurança, tão só a ofensa à dignidade do demandante (artigo 4º do
CDC), como consumidor, de forma relevante e gravosa, é que permitiria a sanção
moral, até porque, observadas as disposições dos artigos 186 e 927 do Código Civil,
e como ensina a doutrina: “... só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame,
sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no
comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia,
desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou
sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de
fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os
amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a
ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender,
acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de
indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.” (Sérgio Cavalieri Filho, Programa
de Responsabilidade Civil, São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 83/4).

Aliás, de se lembrar que: “... no plano do dano moral


não basta o fato em si do acontecimento, mas, sim, a prova de sua repercussão
prejudicialmente moral.” (Yussef Said Cahali, Dano moral, Editora Revista dos
Tribunais, 2ª ed., p. 703), e mais: “... não será toda e qualquer situação de
sofrimento, tristeza, transtorno ou aborrecimento que ensejará a reparação, mas
apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana em
seus diversos substratos materiais, já identificados, quais sejam, a igualdade, a
integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano
extrapatrimonial em sentido estrito.” (Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à
Pessoa Humana, uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais, Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 189).

Ora, não é qualquer fato vivenciado pela parte que gera


dano passível de indenização, mas aquele que ultrapassa a esfera patrimonial da
vítima, atingindo os direitos fundamentais inerentes à personalidade e, como
consequência, lhe causa constrangimento, mágoa ou tristeza, o que significa se
entender que a situação vivenciada nos autos não revela circunstância que suplanta
hipótese de dissabor, inexistindo ofensa a direitos da personalidade.

Da mesma forma, já decidiu esta C. Corte:


“BANCÁRIOS Ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição de
indébito e indenização por danos morais Sentença de parcial procedência
Empréstimo consignado não reconhecido (...) Banco que não se desincumbiu do

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ônus de provar a existência da relação jurídica geradora do débito Contratação


não provada Danos morais Não ocorrência Parte ativa que se utilizou do
valor creditado que depois alegou não ter contratado, e valor de descontos que não
supera aquele valor - Indenização indevida Retorno das partes ao status quo
“ante” Restituição e compensação de valores Cabimento Sentença
parcialmente modificada Decaimento recíproco (NCPC, art. 86, “caput”)
Recurso parcialmente provido.” (TJSP; Apelação Cível 1008040-32.2020.8.26.0008;
Relator (a): José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto; Órgão Julgador: 37ª Câmara
de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 29/03/2021; Data de Registro: 29/03/2021).

Ainda: “AÇÃO DECLARATÓRIA Contrato


de Empréstimo Consignado/Cartão de Crédito - Sentença de parcial procedência -
Recurso de ambas as partes DO RECURSO DO RÉU - Empréstimo consignado não
reconhecido pela autora Hipótese em que o banco apresentou documentos
relativos à contratação do empréstimo Autora que negou a autenticidade
da assinatura aposta nos documentos Requerimento de prova pericial
Deferimento - Banco que, intimado, não apresentou o documento para realização da
prova e nada justificou a respeito Desinteresse na produção da prova - Tratando-
se de contestação de assinatura, o ônus da prova da sua veracidade incumbe à parte
que produziu o documento - Art. 429, II do CPC Precedente - Manutenção do
decidido Honorários recursais - Recurso não provido. RECURSO DA AUTORA
(...) DANOS MORAIS - Inocorrência - Inexistência de qualquer elemento que
indique que o autor tenha sofrido danos - Ausência de prejuízo efetivo ao direito da
personalidade - Questão meramente patrimonial - Mero aborrecimento - Autor que,
ademais, nada mencionou quanto ao crédito do contrato impugnado, não havendo
qualquer manifestação nos autos que pudesse indicar a intenção de devolução da
quantia Recurso não provido neste tema Reforma parcial da sentença, sem
modificação da verba sucumbencial - Recurso parcialmente provido. DIPOSITIVO
Recurso do réu não provido e recurso da autora parcialmente provido.”
(TJSP; Apelação Cível 1002705-75.2021.8.26.0047; Relator (a): Achile Alesina;
Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Assis - 3ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 21/12/2021; Data de Registro: 21/12/2021).

Também: “RECURSO - Recorrente que impugnou os


fundamentos da sentença recorrida - Presentes os requisitos de admissibilidade (art.
1.010, II e III, do CPC) - Recurso conhecido. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Sentença de improcedência - Arcabouço
probatório que não demonstra a certeza quanto à contratação pela autora - Perícia
grafotécnica prejudicada porque o réu não apresentou os contratos originais ou
cópias com alta resolução - Autenticidade dos contratos não comprovada pelo
demandado, ônus que não se desincumbiu - De rigor a declaração de inexigibilidade
dos débitos e a condenação do banco a restituir à autora os valores descontados
indevidamente, com determinação de compensação mediante devolução dos valores
recebidos pela requerente em sua conta bancária - Devolução em dobro -
Inadmissibilidade - Ausência de demonstração de má-fé - Inaplicabilidade do
recente entendimento do STJ, conforme decidido em recurso repetitivo EAREsp nº

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679.608/RS, exarado mediante modulação de efeitos - Nova tese em relação às


cobranças indevidas, por privilegiar o princípio da segurança jurídica, “apenas
serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do
acórdão” (30/03/2021) - Precedente - Dano moral - Não caracterização - Ausente
negativação - Parcelas descontadas por vários anos sem qualquer impugnação da
autoras - Não houve comprometimento substancial de modo a abalar a subsistência
digna da requerente - Situação vivenciada que não é apta a gerar abalo de ordem
psíquica - Dissabores experimentados não ultrapassam o campo do mero
aborrecimento - Recurso parcialmente provido para declarar inexigíveis os débitos
lançados a título de contratos de empréstimos descontados do benefício
previdenciário da autora, bem como para condenar o réu a restituir à autora os
valores descontados indevidamente, de forma simples, determinada a compensação
mediante devolução dos valores recebidos pela demandante, reconhecida a
sucumbência recíproca.” (TJSP; Apelação Cível 1010127-62.2018.8.26.0482;
Relator (a): Mendes Pereira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Presidente Prudente - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de
Registro: 17/12/2021).

Por tais motivos, fica mantida a r. sentença recorrida,


por seus próprios e jurídicos fundamentos (artigo 252 do RITJ/SP c/c art. 23 do
Assento Regimental nº 562/2017), ora adotados em complemento aos do presente
voto.

Recurso não provido.

Des. Henrique Rodriguero Clavisio


Relator

Apelação Cível nº 1008151-85.2021.8.26.0297 -Voto nº 43398 6

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