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RECURSO ESPECIAL Nº 1990885 - MT (2022/0071333-0)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE


RECORRENTE : ANTONIA NECO DA SILVA SANTOS
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO CARDOSO RAMOS - MT026167
RECORRIDO : BANCO ITAU CONSIGNADO S.A
ADVOGADOS : ERNESTO PEREIRA BORGES FILHO - MS000379
ROSANA FARTO ROTTA - SP190494
RENATO CHAGAS CORRÊA DA SILVA - MT008184

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. JUSTIÇA GRATUITA


REVOGADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO EM
FOLHA DE PAGAMENTO COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS
MORAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO
MÉRITO. CINCO AÇÕES AJUIZADAS PELA AUTORA CONTRA O MESMO
BANCO EM SITUAÇÕES IDÊNTICAS. ABUSO DO DIREITO DE
AÇÃO. DEMANDISMO. ASSÉDIO PROCESSUAL CONFIGURADO.
DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 283/STF. REEXAME.
SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por Antonia Neco da Silva Santos,


com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão
prolatado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso assim ementado (e-STJ, fls. 67-68):

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE


NULIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO COM
REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - DESCONTOS NOS
PROVENTOS DA APOSENTADORIA DEVIDO A EMPRÉSTIMO
CONSIGNADO – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO
DO MÉRITO – CINCO AÇÕES AJUIZADAS PELA AUTORA CONTRA
O MESMO BANCO EM SITUAÇÕES IDÊNTICAS - ABUSO DO
DIREITO DE AÇÃO - DEMANDISMO - ASSÉDIO PROCESSUAL
CONFIGURADO – RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA
MANTIDA. A controvérsia cinge-se em analisar a sentença que julgou
extinto o processo sem resolução do mérito, ante a falta de interesse

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processual de agir da Apelante, posto o ajuizamento de cinco ações
contra o mesmo banco sobre as mesmas alegações. Na hipótese, a
Recorrente pulverizou seus pedidos de repetição do indébito e
indenização por danos morais em 05 (cinco) ações protocoladas em
desfavor do mesmo Banco Apelado no Juízo da Comarca de Sinop.
Assim, a multiplicidade de demandas contra a mesma Instituição
Bancária e no mesmo período, além de dificultar sobremaneira a
defesa do promovido, sobrecarrega o Poder Judiciário e a sociedade
que arca com o custo dos processos que tramitam sob o pálio da
gratuidade. Benefício cassado diante de conduta abusiva.
Considerando que constitui assédio processual ou "demandismo" a
atitude da parte que promove o fracionamento das ações como
manobra para ampliar as possibilidades de ganhos sucumbenciais e
indenizatórios, de rigor a confirmação da sentença de extinção do
processo sem resolução do mérito. Recurso desprovido. Sentença
mantida. Gratuidade revogada.

Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 84-101), a recorrente alega


violação do art. 99 do Código de Processo Civil de 2002, bem como a existência de
dissídio jurisprudencial.
Sustenta, em síntese, que a hipossuficiência foi comprovada nos autos, tanto
que concedia na origem, não havendo razões/fundamentações para a revogação da
benesse pelo acórdão recorrido.

Foram apresentadas as contrarrazões (e-STJ, fls. 150-157).

Juízo de admissibilidade positivo (e-STJ, fls. 158-163).

Brevemente relatado, decido.

O Tribunal estadual, ao julgar a apelação, consignou o seguinte (e-STJ, fls.


73-76):

Ressai do caderno processual que ANTONIA NECODA SILVA SANTOS


ingressou com Ação Declaratória de Nulidade/Inexigibilidade de Desconto
em Folha de Pagamento Cumulada com Repetição de Indébito e Danos
Morais em desfavor do BANCO ITAU CONSIGNADO S. A., alegando ser
beneficiária de aposentadoria pelo INSS, bem como que desconhece o
contrato de empréstimo consignado nº 561149708 no valor de R$ 1.141,02
(um mil cento e quarenta e um reais e dois centavos), no qual consta a
obrigação de efetuar o pagamento em 72 (setenta e duas) parcelas de R$
34,55 (trinta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos).
Alegou ser idosa e aposentada pelo INSS – Instituto Nacional de Seguridade
Social, bem como já ter realizado empréstimos, mas não na quantia que
consta no extrato do INSS.
Com esses argumentos, requereu (i) que o banco apresentasse todos os
documentos referente ao contrato; (ii) declaração de ilegalidade dos
descontos realizados na sua única fonte de renda; (iii) a condenação da Ré à
restituição, de formado brada, do valor indevidamente descontado do

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benefício previdenciário, que soma o total de R$ 5.376,52 (cinco mil,
trezentos e setenta e seis reais e cinquenta e dois centavos); e (iv) a
condenação da Ré ao pagamento de indenização por dano moral sugerindo
a importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Em seguida, sobreveio sentença de extinção do processo sem resolução do
mérito, nos termos do art. 330, III, e 485,VI, ambos do CPC, ao fundamento
que a parte Autora ajuizou outras ações em desfavor o banco Apelado
alegando os mesmos fatos, oque deu azo ao vertente apelo.
De início, vale destacar que, em consulta à página deste Tribunal de Justiça
de Mato Grosso, observa-se que o patrono constituído nestes autos
distribuiu na Comarca de Sinop - MT nada menos que 12 (doze) ações em
nome da autora em face de seis instituições financeiras diferentes, contendo
05 (cinco) demandas em desfavor do mesmo Banco Apelado sobre fatos
idênticos, ao invés de propor uma única ação, o que conduziu ao
indeferimento da petição inicial, conforme fundamentado pela Juíza a quo.
Como é cediço, o art. 292 do CPC contempla a faculdade, e não a
obrigatoriedade, de se cumular vários pedidos em um mesmo processo. No
entanto, o abuso cometido por vários procuradores na distribuição de ações
que se multiplicam, principalmente da Comarca de Sinop e região, merece
atenção especial, tendo em vista o prejuízo causado a todos os
jurisdicionados daquela e, principalmente, ao cidadão contribuinte que arca
com o custo do Poder Judiciário, já que essas demandas sempre são
precedidas de pedido de gratuidade.
Desse modo, não se mostra aceitável o comportamento adotado pelo
procurador da Apelante que sobrecarrega a máquina judiciária pela utilização
de processos autônomos, olvidando os princípios da economia processual,
da boa fé e da cooperação.
(...)
Cumpre reiterar que a Recorrente pulverizou seus pedidos de Repetição do
Indébito e Indenização por danos morais em 05 (cinco) ações protocoladas
em desfavor do mesmo Banco Apelado no Juízo da Comarca de Sinop.
Assim, a multiplicidade de demandas contra a mesma instituição e no
mesmo período, concorre para dificultar a defesa do promovido, além de
sobrecarregar o Poder Judiciário, tudo com a evidente intenção de multiplicar
as possibilidades de ganhos.
Vale salientar que o ajuizamento de ações sucessivas e sem fundamento
para atingir esse tipo de objetivos é considerado “assédio processual”,
definido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça a como a prática de
abusar dos direitos fundamentais de acesso à Justiça e ampla defesa “por
mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou
incidentes temerários veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar
o processo um simulacro de processo”(REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo
de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
maioria, julgado em 10/10/2019, DJe 17/10/2019).
A ministra Nancy Andrighi anotou na ementa do REsp1.817.845-MS:
“Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é
admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso

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processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa,
não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas
também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais
processuais”.
Nesse contexto, a situação dos autos enquadra-se como abuso do direito de
ação, pois o ajuizamento dessa pluralidade de ações constitui o chamado
demandismo ou utilização predatória do processo, que prejudica a celeridade
processual e causa danos à sociedade.
Dessa forma, outro meio não há a não ser manter a sentença de primeiro
grau, que extinguiu o feito sem resolução do mérito. (Sem grifo no original).

Verifica-se que a recorrente não impugnou os fundamentos do acórdão


recorrido, incidindo, por analogia, o enunciado sumular n. 283/STF, que dispõe: "é
inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de
um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles".

Além disso, reverter a conclusão do Tribunal local, para acolher a pretensão


recursal demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se
mostra impossível ante a natureza excepcional da via eleita, consoante enunciado da
Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, quanto ao dissídio jurisprudencial, cumpre reafirmar que, tendo o


Tribunal local concluído com base no conjunto fático-probatório, impossível se torna o
confronto entre o paradigma e o acórdão recorrido, uma vez que a comprovação do
alegado dissenso reclama consideração sobre a situação fático-probatória de cada
julgamento, medida defesa nesta via excepcional, por força da Súmula n. 7 do Superior
Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

Fiquem as partes cientificadas de que a insistência injustificada no


prosseguimento do feito, caracterizada pela apresentação de recursos manifestamente
inadmissíveis ou protelatórios contra esta decisão, ensejará a imposição, conforme o
caso, das multas previstas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC/2015.

Publique-se.
Brasília, 29 de março de 2022.

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

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