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CAOCrim

Boletim Criminal Comentado n°189,


07/2022

(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais


Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores
Fabiola Sucasas Negrão Covas (descentralizada)
Olavo Evangelista Pezzotti
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha
Danilo Pugliesi (descentralizado)

Núcleo de Apoio ao Tribunal do Júri


Aluisio Antonio Maciel Neto (Coordenador)
Felipe Bragantini de Lima
Flavia Flores Rigolo
Juliana Mendonça Gentil Tocunduva
Luiz Carlos Ormeleze
Thiago Alcocer Marin

Artigo 28 e Conflito de Atribuições


Marcelo Sorrentino Neira
Manoella Guz
Roberto Barbosa Alves
Walfredo Cunha Campos
Cleber Masson
Fernando Célio de Brito Nogueira (descentralizado)

Analistas Jurídicos
Ana Karenina

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

SUMÁRIO

NOTÍCIAS...............................................................................................................................................4
1 - Conheça a atuação do MPSP na Casa da Mulher Brasileira...............................................................4

2 - CONAMP, provocada pelo MPSP, questiona no STF dispositivo da Lei 14.344/22 (Lei Henry
Borel).....................................................................................................................................................6

AVISOS..................................................................................................................................................6
Sobre títulos de multa penal a protestar com irregularidades...............................................................6

ESTUDOS DO CAO CRIM........................................................................................................................7

1-Tema: Limites na atuação da Guarda Municipal na persecução penal................................................7

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................17

DIREITO PROCESSUAL PENAL:.............................................................................................................17

1- Tema: A concessão de prisão domiciliar às genitoras de menores de até 12 anos


incompletos........................................................................................................................................17

DIREITO PENAL....................................................................................................................................20

1-Tema: Furto Noturno qualificado pelo concurso de agentes afasta o Princípio da


Insignificância......................................................................................................................................20

NÚCLEO DE GÊNERO...........................................................................................................................21

1-Tema: Enunciados COPEVID e FONAVID...........................................................................................20

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NOTÍCIAS

1 - Conheça a atuação do MPSP na Casa da Mulher Brasileira

A Promotoria de Justiça da Casa da Mulher Brasileira vem desenvolvendo relevante trabalho com o
objetivo de efetivar a assistência integral e humanizada às mulheres e às pessoas que se reconheçam
do gênero feminino, brasileiras ou estrangeiras, que estejam em situação de violência, nos moldes
do que estabelece a Lei Maria da Penha.

Além do MPSP, a Casa conta com representantes da Delegacia de Defesa da Mulher, do Tribunal de
Justiça e da Defensoria Pública. O programa Guardiã Maria da Penha, nascido de parceria entre o
MPSP e a Prefeitura de São Paulo, para possibilitar que a Guarda Civil Metropolitana verifique o
cumprimento de medidas protetivas, também tem um destacamento no espaço.

No local, situado no Bairro do Cambuci na Capital, vêm sendo realizados diversos cursos de formação
e capacitação continuada dos atores da rede de enfrentamento e proteção das mulheres em situação
de violência doméstica, bem como atividades, cursos e projetos sociais para o empoderamento delas,
com a contribuição e participação de todas as integrantes do equipamento público. Parte dos cursos
de capacitação e oficinas foram realizados por iniciativa do MPSP, diretamente ou por intermédio de
convênios firmados.

“Trata-se de política pública que visa facilitar o acesso a serviços especializados, fornecendo
possibilidades e alternativas que permitam romper o ciclo da violência”, nas palavras da colega
Juliana Mendonça Gentil Tocunduva, promotora de justiça designada para atuar na referida Casa.

Outrossim, a Promotoria de Justiça da Casa da Mulher Brasileira tem atendido mulheres e familiares,
sempre com situações urgentes. Por isso, as manifestações consistem em pedidos de medida
protetiva de urgência, apresentados pela 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, pela Delegacia
Eletrônica, pela Defensoria Pública e por advogadas e advogados particulares, bem como tem
apresentado pedidos de concessão de medidas protetivas de urgência naqueles casos em que a
vítima não as pleiteou quando do registro da ocorrência, procedimentos esses que são
posteriormente distribuídos aos Juízos competentes.

Ainda, tem promovido a interlocução entre Promotorias de Justiça das mais variadas áreas de
atribuição, além de estabelecer a interlocução entre a Guarda Civil Metropolitana, executora do
Projeto Guardiã Maria da Penha e os demais serviços para cumprimento das medidas protetivas no
que diz respeito à busca de pertences e bens pessoais das vítimas, além de busca de crianças, dentre
outras funções.

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Manifestação em pedidos de Medidas Protetivas de Urgência

Mês 2019 2020 2021 2022


Janeiro 70 112 95
Fevereiro 82 110 137
Março 89 113 141
Abril 47 96 116
Maio 56 86
Junho 84 104
Julho 121 109
Agosto 100 115
Setembro 105 134
Outubro 111 111
Novembro 57 119 135
Dezembro 65 60 82

Atendimentos à vítima na Promotoria de Justiça da Casa


Casa da Mulher Brasileira
70

60

50

40

30

20

Total

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2 - CONAMP, provocada pelo MPSP, questiona no STF dispositivo da Lei 14.344/22 (Lei Henry Borel)

A CONAMP, provocada pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, depois de Representação do


CAOCRIM à eficiente Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica, questiona no Supremo Tribunal
Federal (STF) o artigo 21, §1º, da Lei 14.344/2022. Na linha do que explica o pedido do MPSP, aludido
dispositivo “subverte o entendimento, constante na Carta Magna, ao permitir, talvez por mero erro
de redação ou ausência de técnica legislativa, que a autoridade policial possa requisitar ao Ministério
Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que
envolvam violência contra crianças e adolescentes”.

A entidade ingressou no Supremo com a ADI 7192 com pedido de liminar. A relatora é a ministra
Rosa Weber.

“A relevância jurídica da questão manifesta-se pelos fundamentos expostos nas razões acima
mencionadas, visto que esta ação direta de inconstitucionalidade tem como objetivo preservar a
autonomia e independência de uma Instituição que exerce função essencial à Justiça”, descreve a
inicial.

A CONAMP defende que a Lei n. 14.344/2022 padece de vício de inconstitucionalidade material, já


que o Ministério Público não se submete à determinação ou ordem da autoridade policial.

AVISOS

Aviso sobre títulos de multa penal a protestar com irregularidades

O CAOCRIM AVISA que, no que concerne ao protesto das certidões de multa penal, existem
no Sistema Resgate de Valores muitas certidões com status “a protestar”, porque apresentam
irregularidades que devem ser sanadas pelo Promotor de Execução responsável. Desse modo, há
necessidade de os Promotores de Justiça de Execuções observarem as Orientações do Instituto de
Estudos de Protesto de Títulos do Brasil - IEPTB quando do envio da certidão, a fim de evitar tais
irregularidades; bem como há necessidade de consultarem o Sistema Resgate de Valores no dia
seguinte à remessa da certidão, para verificar se há pendências no preenchimento ou no título e
saná-las, viabilizando a efetivação do protesto.

Acesse aqui as orientações do IEPTB para o MPSP.

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Tema: Limites na atuação da Guarda Municipal na persecução penal

Dispõe o art. 144 da CF/88:

“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a


preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:

[...]

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,


serviços e instalações, conforme dispuser a lei. (Vide Lei nº 13.022, de 2014)”

O art. 9º da Lei 13.675/18 (Sistema Único de Segurança Pública), por sua vez, anuncia:

“É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério
Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da
Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais
integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma
cooperativa, sistêmica e harmônica”.

Sua constitucionalidade foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal:

“Dentro dessa nova perspectiva de atuação na área de segurança pública, o Plenário desta SUPREMA
CORTE, no julgamento do RE 846.854/SP, reconheceu que as Guardas Municipais executam atividade
de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da
comunidade (art. 9º, § 1º, da CF). 3. O reconhecimento dessa posição institucional das Guardas
Municipais possibilitou ao Parlamento, com base no § 7º do artigo 144 da Constituição Federal, editar
a Lei nº 13.675, de 11/6/2018, na qual as Guardas Municipais são colocadas como integrantes
operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 1º, inciso VII) [...].

(ADI 5538, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2021, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-094 DIVULG 17-05-2021 PUBLIC 18-05-2021)”.

Diante desse quadro, o CAO-Crim fez apresentação no dia da inauguração do NECRIM (Núcleo de
Estudos Criminais do Ministério Público de São Paulo), propondo teses que, agora, deverão ser
analisadas pelos colegas na próxima reunião, no mês de agosto (ainda sem data definida). Analisados
os temas e teses respectivas, na próxima reunião do NECRIM será dada oportunidade para discussão

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e criação, se o caso, de súmulas/enunciados para balizarem a atuação dos promotores e


procuradores de Justiça.

TEMA 1: POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DA GUARDA CIVIL METROPOLITANA EM ATIVIDADES


TÍPICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA, MEDIANTE AUXÍLIO ÀS FORÇAS POLICIAIS.

Delimitação: Sem prejuízo das discussões sobre os limites da atuação isolada das guardas municipais,
debater se é possível que, mediante termo de cooperação ou convênio, as guardas civis auxiliem as
forças policiais em atividades típicas de segurança pública.

Justificativa: Em diversos municípios, as guardas municipais auxiliam as Polícias em atividades que


estão fora do âmbito de incidência do art. 144, §8º, CF.

TESE: É possível a atuação da guarda civil em atividade típica de segurança pública, de forma auxiliar,
mediante convênio ou termo de cooperação com as polícias estaduais, sob supervisão e coordenação
destas.

TEMA 2: POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO, PELA GUARDA CIVIL METROPOLITANA, DE PODER DE


POLÍCIA DE TRÂNSITO.

Delimitação: Discutir se é possível às guardas civis a realização de averiguação preventiva de trânsito


(blitz), com a finalidade de constatar eventuais crimes de trânsito e infrações administrativas.

Justificativa: Em diversos municípios, as guardas municipais foram equipadas com etilômetros e


possuem aptidão para verificação de eventual prática do crime previsto no art. 306, CTB. Mais além,
são usualmente revestidas de poder de polícia de trânsito, realizando fiscalizações preventivas e
aplicando sanções administrativas.

Matéria decidida pelo Supremo Tribunal Federal em regime de Repercussão Geral (TEMA 472):

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER DE POLÍCIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA


DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Poder de polícia não se confunde
com segurança pública. O exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais,
a quem a Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção
da segurança pública. 2. A fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas
legalmente previstas, embora possa se dar ostensivamente, constitui mero exercício de poder de

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polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais. 3. O Código de
Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a competência comum
dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito. 4. Dentro de sua esfera de
atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe
compete seja exercido pela guarda municipal. 5. O art. 144, §8º, da CF, não impede que a guarda
municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Até
mesmo instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de
poder de polícia. Entendimento que não foi alterado pelo advento da EC nº 82/2014. 6.
Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: é
constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito,
inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.

Diante da tese fixada pelo Supremo, é possível concluir:

1) É possível ao Município atribuir poder de polícia de trânsito à Guarda Municipal;

2) Quando estiver no regular desempenho de poder de polícia de trânsito, a Guarda Municipal


poderá promover fiscalizações preventivas, determinando a realização de teste de
etilômetro quando entender pertinente.

3) No desempenho dessas atribuições, é possível que a Guarda Municipal se depare com


situação de flagrante delito, independentemente de suspeita prévia ou de justa causa
específica para a ordem de parada ou busca pessoal, dado o exercício preventivo de
atividade fiscalizatória de trânsito.

4) Quando a Guarda Municipal detiver poder de polícia de trânsito, constatada infração dessa
natureza, é possível a determinação de parada para autuação e averiguação.

5) Nesse contexto, infração de trânsito, por si só, é justa causa para busca veicular? E para
busca pessoal?

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA. ATUAÇÃO DAS


GUARDAS MUNICIPAIS. SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS.
TRANCAMENTO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

[...]

3. No caso dos autos, guardas municipais em atividade administrativa de fiscalização de trânsito


abordaram veículo automotor que estava sem a placa dianteira; o acusado, em interrogatório

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prestado na delegacia, admitiu que, após ficar nervoso com a abordagem, tentou tirar a arma do
porta-luvas do carro, fato percebido pelos guardas, os quais o prenderam em flagrante delito.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no RHC n. 150.724/MS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em
14/12/2021, DJe de 17/12/2021.)

Portanto, a abordagem pode ocorrer no contexto de fiscalização de trânsito e se desdobrar para


situação de flagrante ou revelar, regularmente, a prática de crime permanente.

Estabelecendo a premissa de que a ordem de parada da Guarda Civil pode ocorrer em atividade de
policiamento preventivo, com amparo em decretos e leis municipais:

CRIME DE RESISTÊNCIA. ORDEM EFETIVADA POR GUARDAS MUNICIPAIS NO EXERCÍCIO DE SUAS


FUNÇÕES. HIPÓTESE DE CONFIGURAÇÃO DO DELITO. ATIPICIDADE AFASTADA. [...]

[...]

4. Sobre o tema, inegável reconhecer a legalidade do exercício do policiamento preventivo pela


Guarda Municipal, seja com competência própria (prevista em decretos ou leis municipais), seja em
auxílio à Polícia Militar. Portanto resta claro que os guardas municipais, no exercício de suas
atribuições legais e no limite delas, podem dar ordens que, se não cumpridas, podem dar ensejo ao
crime de resistência por parte do agente que as descumpriu.

5. A outra elementar do tipo penal de resistência a ser analisada no caso é a legalidade do ato a que
se opõe o agente. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a legalidade da ordem de parada
feita ao paciente, consignando que os guardas municipais "durante patrulhamento de rotina,
visualizaram o réu e um outro indivíduo na posse do que lhes pareceu ser uma arma de fogo e uma
sacola com objeto branco, fato que deu ensejo ao sinal de parada, evidentemente, com intuito de
colaborar com a proteção da população local" (e-STJ, fl. 51).

6. Desta feita, constatada a legalidade do exercício do policiamento preventivo pelos guardas


municipais e a legalidade da ordem de parada, não se visualiza, no caso, flagrante ilegalidade na
condenação do paciente pelo crime de resistência, tendo em vista que se negou efetuar a parada.
[...]

(HC n. 712.710/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de
21/2/2022.)

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TEMA 3: POSSIBILIDADE DE PRISÃO EM FLAGRANTE PELA GUARDA MUNICIPAL, NOS TERMOS DO


ART. 301, CPP, QUANDO PRESENTE QUALQUER DAS HIPÓTESES ARROLADAS NO ART. 302.

Orientação geral:

1. No caso, não há que se falar em ilicitude das provas colhidas com fundamento na ilegitimidade dos
guardas municipais para proceder ao ato nem mesmo na violação de domicílio. A uma, porque é
assente nesta Corte Superior de Justiça a orientação de que os integrantes da guarda municipal não
desempenham a função de policiamento ostensivo; todavia, em situações de flagrante delito,
como restou evidenciado ser o caso, a atuação dos agentes municipais está respaldada no
comando legal do art. 301 do Código de Processo Penal (HC n. 471.229/SP, Ministro Joel Ilan
Paciornik, Quinta Turma, DJe 1º/3/2019); A duas, porque os agentes municipais teriam sido recebidos
pela avó do réu, a qual, de modo livre, não apenas franqueou a entrada na casa, como também disse
que os objetos possivelmente pertenciam a seu neto (fl. 200), inexistindo, portanto ilegalidade a ser
sanada.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no HC n. 595.816/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em
14/6/2022, DJe de 20/6/2022.)

Problema frequente: informação de prática delitiva e realização de diligências pela guarda municipal,
previamente à prisão em flagrante. Nulidade.

PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA MUNICIPAL. DENÚNCIA ANÔNIMA. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL.


ILEGALIDADE. INEFICÁCIA DA PROVA. ORDEM CONCEDIDA. EFEITO EXTENSIVO.

1. Consta do decreto prisional fundamentação que em principio deve ser considerada idônea, com
esteio na quantidade de droga apreendida com a paciente - 104,60g de maconha e 112,24g de
cocaína - e no fato de (supostamente) gerenciar o tráfico de drogas na localidade.

Precedentes.

2. Na hipótese, entretanto, os guardas municipais "receberam denúncia anônima no sentido de que


no endereço [...] estaria ocorrendo uma reunião de dirigentes do tráfico de drogas de Sertãozinho e
que lá estaria guardada grande quantidade de drogas, razão pela qual se dirigiram ao local".

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3. Desempenhada atividade de investigação criminal pela guarda municipal, deflagrada mediante


denúncia anônima, desbordante da situação de flagrância (art. 302 - CPP), o que não lhe compete
(art. 144, § 8º - CF), deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova

(HC n. 667.461/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região),
Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 17/9/2021.)

No entanto, se as diligências prévias estiverem inseridas no contexto de proteção ao patrimônio


municipal (bens, serviços e instalações), não haverá nulidade, pois se trataria de desempenho de
atividades típicas da Guarda Municipal. Nesse sentido:

2. Uma vez que havia fundadas suspeitas para a realização de busca pessoal no acusado, são lícitas
todas as provas obtidas por meio dessa medida.

3. É possível que, durante o patrulhamento preventivo, destinado à salvaguarda da população local,


bem como de bens, serviços e instalações, as guardas municipais se deparem com situação de
flagrante delito ou, ainda, que, diante de notitia criminis, envolvendo qualquer dos bens jurídicos
mencionados, procedam à atividade de vigilância no local indicado para se certificar de sua
veracidade, hipóteses nas quais, de nenhum modo, estariam desautorizadas a agir.

[...]

(AgRg no HC n. 621.586/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em
21/9/2021, DJe de 29/9/2021.)

Possíveis encaminhamentos:

TESE: Em caso de fundada suspeita de flagrante delito, é lícita a realização de busca pessoal e veicular
por guarda municipal, com amparo no art. 301 do Código de Processo Penal.

TESE: Constatada a presença de qualquer das hipóteses previstas no art. 302 do Código de Processo
Penal, é licita a prisão em flagrante realizada por guarda municipal, nos termos do art. 301 do referido
diploma legal.

TESE: É nula a prisão em flagrante delito decorrente de atividades investigativas e diligências


empreendidas pelas guardas municipais, salvo se referentes à tutela dos bens, serviços e instalações
municipais, nos termos do art. 144, §8º, da Constituição Federal.

Se forem esses o encaminhamento, quais seriam as consequências de uma concepção ampla de


patrimônio público municipal?

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TEMA 4: POSSIBILIDADE DE BUSCA PESSOAL / VEICULAR POR GUARDA MUNICIPAL EM CASO DE


SUSPEITA DE FLAGRÂNCIA DELITIVA

PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDAS MUNICIPAIS. ILEGALIDADE. DESVIO DE FUNÇÃO. PROVAS


ILÍCITAS. INOCORRÊNCIA. CRIME PERMANENTE. PRISÃO EM FLAGRANTE AUTORIZADA. BUSCA
PESSOAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. FUNDADAS RAZÕES.

[...]

II - Em situações de flagrante delito, como restou evidenciado v. aresto reprochado, bem como no
auto de prisão em flagrante lavrado pela autoridade policial (fls. 10-22), a atuação dos agentes
municipais está respaldada no comando legal do art. 301 do Código de Processo Penal.

III - A respeito da busca pessoal realizada, sabe-se que o artigo 240, § 2º, do Código de Processo Penal
preceitua que será realizada "busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte
consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior". Por
sua vez, o artigo 244 do aludido diploma legal prescreve que "a busca pessoal independerá de
mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de
arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for
determinada no curso de busca domiciliar". Da leitura dos referidos dispositivos, depreende-se que
a revista pessoal independe de mandado quando se está diante de fundada suspeita de que o
indivíduo traz consigo objetos ilícitos.

[...] ora agravante, que trafegava por via pública já conhecida pelos agentes como ponto utilizado
para a realização do comércio espúrio com uma sacola em suas mãos, ao notar a presença de equipe
policial que realizava patrulhamento de rotina, apresentou acentuado nervosismo, o que causou
estranheza nos milicianos, que decidiram, somente então, realizar a abordagem. Por conseguinte,
havendo, de fato, fundada suspeita de que o paciente estava na posse de objetos ilícitos, não há que
se falar em nulidade da busca pessoal realizada.

[...]

(AgRg no HC n. 684.062/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft),


Quinta Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 3/11/2021.)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA


ILÍCITA. REVISTA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA POR GUARDA MUNICIPAL. SITUAÇÃO DE

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FLAGRÂNCIA. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL


IMPROVIDO.

1. Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar e veicular executadas por guardas municipais sem
a existência de elementos reais e necessários para a efetivação da medida invasiva, nos termos do
art. § 2º do art. 240 do CPP.

2. A busca pessoal e veicular ocorridas apenas com base em denúncia anônima, sem a indicação de
dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, impõe o
reconhecimento da ilicitude das provas.

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no HC n. 679.430/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
21/9/2021, DJe de 27/9/2021.)

Conclusão: se houver poder de polícia de trânsito, ordem preventiva de parada, para fins de
fiscalização, é possível. No curso da averiguação, podem emergir motivos para a realização de busca
pessoal ou veicular.

Diversamente, ausente poder de polícia de trânsito, a ordem de parada, pela Guarda Municipal, só
se justifica, em contexto que desagua em busca pessoal ou veicular, se houver fundada suspeita de
flagrância delitiva.

Diretrizes gerais das Cortes Superiores sobre a matéria repercutem não só sobre a atuação da GCM,
mas também sobre a atuação das Polícias.

TEMA 5: POSSIBILIDADE DE BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO POR GUARDA MUNICIPAL EM


CASO DE SUSPEITA DE FLAGRÂNCIA DELITIVA

TEMA 280 – STF. Tese fixada:

“A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno,
quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que
dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”.

TEMA 1208. Repercussão Geral reconhecida. Versa sobre:

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

“Os requisitos de validade do consentimento do morador para busca e apreensão em domicílio,


considerando o disposto no artigo 5º, XI, da Constituição da República e os princípios da
inviolabilidade do domicílio, da dignidade da pessoa humana, da vedação à proteção deficiente e da
segurança jurídica”.

Não se confunde violação pela existência de fundada suspeita de flagrância delitiva com a busca
domiciliar com consentimento.

Será que a segunda hipótese – busca domiciliar, com consentimento – não se equipara à investigação
e a realização de diligências? Nesse caso, não restaria usurpada atribuição típica das forças policiais,
maculando eventual prisão em flagrante?

Se sim, possível tese:

TESE: É admissível a busca domiciliar por guarda municipal quando houver fundada suspeita de
flagrância delitiva, constatada de forma imediata.

TESE: É inadmissível a entrada no domicílio por guarda municipal com consentimento do morador e
para fins de busca, quando não houver fundada suspeita de flagrância delitiva, por se caracterizar o
ato como diligência de natureza investigatória.

Síntese das teses a serem debatidas:

TESE 1: É possível a atuação da guarda civil em atividade típica de segurança pública, de forma
auxiliar, mediante convênio ou termo de cooperação com as polícias estaduais, sob supervisão e
coordenação destas.

TESE 2: Em caso de fundada suspeita de flagrante delito, é lícita a realização de busca pessoal e
veicular por guarda municipal, com amparo no art. 301 do Código de Processo Penal.

TESE 3: Constatada a presença de qualquer das hipóteses previstas no art. 302 do Código de Processo
Penal, é licita a prisão em flagrante realizada por guarda municipal, nos termos do art. 301 do referido
diploma legal.

TESE 4: É nula a prisão em flagrante delito decorrente de atividades investigativas e diligências


empreendidas pelas guardas municipais, salvo se referentes à tutela dos bens, serviços e instalações
municipais, nos termos do art. 144, §8º, da Constituição Federal.

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TESE 5: É admissível a violação domiciliar por guarda municipal quando houver fundada suspeita de
flagrância delitiva, constatada de forma imediata.

TESE 6: É inadmissível a violação domiciliar por guarda municipal com consentimento do morador e
para fins de busca, quando não houver fundada suspeita de flagrância delitiva, por se caracterizar o
ato como diligência de natureza investigatória

TESE 7: É lícito às guardas civis prestar apoio ao Ministério Público na fiscalização do cumprimento
de medidas protetivas de urgência e medidas cautelares, mediante convênio ou termo de
cooperação, sob supervisão e coordenação do órgão ministerial com atribuição.

TESE 8 Nos municípios em que a Guarda Municipal detiver poder de polícia de trânsito reconhecido
por decretos, leis ou convênios, constatada infração dessa natureza, é lícita a determinação de
parada para autuação e averiguação.

TESE 9: A realização de diligências de campo pela Guarda Municipal, para averiguação de notícia de
fato que indique flagrância delitiva não configura ato de investigação e, portanto, não implica
nulidade da prisão.

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM


DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1- Tema: A concessão de prisão domiciliar às genitoras de menores de até 12 anos incompletos não
está condicionada à comprovação da imprescindibilidade dos cuidados maternos, que é
legalmente presumida.

INFORMATIVO 742 STJ

No caso em comento, as instâncias antecedentes indeferiram a prisão domiciliar visto que não fora
demonstrada a imprescindibilidade da sentenciada aos cuidados dos filhos menores de 12 anos.

Por razões humanitárias e para proteção integral da criança, é cabível a concessão de prisão
domiciliar a genitoras de menores de até 12 anos incompletos, nos termos do art. 318, V, do CPP,
desde que (a) não se trate de crime cometido com violência ou grave ameaça, (b) que não tenha sido
praticado contra os próprios filhos e (c) não esteja presente situação excepcional que contraindique
a medida (AgRg no PExt no RHC n. 113.084/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta
Turma, DJe de 10/6/2020).

Tal entendimento diverge da orientação firmada no julgamento da Rcl n. 40.676/SP (relator Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1º/12/2020), em que a Terceira Seção do STJ, dando
interpretação extensiva à decisão do STF no HC coletivo n. 143.641/SP, concluiu ser possível a
extensão do benefício de prisão-albergue domiciliar, prevista no art. 117, III, da LEP, às sentenciadas
gestantes e mães de crianças de até 12 anos, ainda que em regime semiaberto ou fechado, desde
que preenchidos os requisitos legais.

Aliás, a imprescindibilidade da genitora ao cuidado dos filhos menores de 12 anos é presumida,


"tanto que propositalmente o legislador retirou da redação do art. 318, V do CPP, a comprovação de
que seria ela imprescindível aos cuidados do menor" (STF, HC n. 169.406/MG, relatora Ministra Rosa
Weber, Primeira Turma, DJe de 26/4/2021).

AgRg no HC 731.648-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta
Turma, por maioria, julgado em 07/06/2022, DJe 23/6/2022.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

A lei processual penal já estabelecia a possibilidade de conceder prisão domiciliar em substituição à


prisão preventiva para gestantes e mulheres com filho de até doze anos de idade incompletos no art.
318, incisos IV e V. Há, porém, uma diferença importante: o caput do art. 318 dispõe que o juiz poderá

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

substituir a prisão preventiva pela domiciliar, ao passo que o caput do novo art. 318-A dispõe que a
prisão preventiva será substituída, a não ser que uma das situações elencadas nos incisos o impeça.

Ao que tudo indica, a intenção do legislador foi criar um poder-dever para o juiz, isto é, somente os
crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa e contra o próprio filho ou
dependente podem impedir que mulheres gestantes ou responsáveis por criança ou pessoa com
deficiência a substituição da prisão por cautelar, permanecendo presas cautelarmente. Neste passo,
a nova lei é mais pródiga na concessão do benefício do que foi a decisão do STF no habeas corpus
coletivo, cujo acórdão reconhece que “situações excepcionalíssimas” podem fundamentar a
denegação da prisão domiciliar. Nesta ressalva era possível inserir crimes que, não obstante
cometidos sem violência ou ameaça, guardavam acentuada gravidade. O STJ, por exemplo, tem
decisões nas quais se refere a situações excepcionalíssimas referentes à prática de tráfico de drogas:
“V - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641, determinou
a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das
medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas
ou mães de crianças e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante
violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas. VI
- Na presente hipótese, verifica-se situação excepcionalíssima que impede a concessão do benefício,
porquanto a paciente foi presa em flagrante realizando a mercancia e armazenamento de drogas
ilícitas em sua própria residência, local onde se encontrava seu filho de 1 ano de idade, consoante
consignado no v. acórdão vergastado. Precedentes.” (HC 471.503/RJ, j. 13/11/2018). “O fato de a
acusada comercializar entorpecentes em sua própria residência, local onde foi apreendida
quantidade relevante de cocaína, já embalada em porções individuais, além de outros petrechos
comumente utilizados para o tráfico de drogas, evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar
não cessaria a possibilidade de novas condutas delitivas no interior de sua casa, na presença dos
filhos menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza o acolhimento do pleito” (STJ – RHC
96.737/RJ, j. 19/06/2018). “O fato de a acusada realizar a contabilidade do grupo criminoso e
transmitir as ordens de seu companheiro – líder da associação, atualmente privado de sua liberdade
– evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar não seria suficiente para evitar a prática delitiva
no interior de sua residência, na presença dos filhos menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza
o acolhimento do pleito” (RHC 96.157/RS, j. 5/6/2018).

A nosso ver, não andou bem o legislador. Acabou desconsiderando o cometimento de crimes graves
como o já mencionado tráfico de drogas, a participação em associações e organizações criminosas
voltadas à prática do próprio tráfico, fraudes de grande vulto e até mesmo determinadas figuras
tipificadas na Lei 13.260/16, que trata do terrorismo.

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

A prisão domiciliar é, em si, uma medida de natureza cautelar e deve ser analisada sob as diretrizes
estabelecidas no art. 292 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que as medidas previstas no
Título IX devem ser aplicadas de acordo com a necessidade e com adequação da medida à gravidade
do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Ora, como apresentado, o novo dispositivo (art. 318-A) opõe-se abertamente às regras gerais para a
concessão de cautelares, ignorando as circunstâncias do crime cometido, se a substituição é
adequada e suficiente para impedir a reiteração delitiva e para garantir a aplicação da lei penal, a
investigação ou a instrução criminal.

A substituição automática também acaba por violar o disposto no art. 5º da Constituição Federal,
que garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Diante do plexo de direitos e garantias explicitados na Constituição, tem o legislador (e o juiz) a
obrigação de proteger os bens jurídicos de forma suficiente. Em outras palavras: é tão indesejado o
excesso quanto a insuficiência da resposta do Estado punitivo. A obrigação de que o juiz substitua a
prisão preventiva pela domiciliar torna evidentemente falha a proteção de que se incumbe o Estado.

Por fim, ainda que se admita a existência de um direito subjetivo da presa à concessão do favor legal,
sempre haverá algum espaço para que o magistrado formule um conceito de ordem subjetiva. Assim,
por exemplo, há que se analisar se a criança, filha da presa, vive efetivamente sob sua companhia,
pois é comum que se encontre sob a guarda de fato ou de direito de uma avó ou mesmo do pai. Em
relação à pessoa portadora de deficiência, ela pode, eventualmente, encontrar-se internada em uma
clínica, quando, então, os cuidados da detenta serão dispensáveis. Não se pode ignorar, também, o
cabimento da preventiva como sanção processual para o caso de descumprimento injustificado do
benefício legal.

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

DIREITO PENAL:

1-Tema: Furto Noturno qualificado pelo concurso de agentes afasta o Princípio da Insignificância

JURISPRUDÊNCIA DO STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça do STJ, em processo que teve como Relator o
Ministro Ribeiro Dantas, decidiu que a prática delituosa de furto durante o repouso noturno e na
forma qualificada mediante concurso de pessoas são circunstâncias que revelam maior
periculosidade social da ação e alto grau de reprovabilidade do comportamento, elementos
suficientes para afastarem a incidência do princípio da insignificância.

Acesse aqui o acórdão- (AgRg no REsp n. 1.982.707/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 29/6/2022.)

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

A aplicação do princípio da insignificância não é irrestrita. Não é suficiente que o valor do bem
subtraído seja irrelevante (furtar uma caneta da marca “Bic”, por exemplo). Os Tribunais
Superiores estabelecem alguns requisitos necessários para que se possa alegar a insignificância da
conduta. São eles: (A) a mínima ofensividade da conduta do agente, (B) a ausência de
periculosidade social da ação, (C) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e, por
fim, (D) a inexpressividade da lesão jurídica causada.

No caso em comento, as circunstâncias do crime - momento (madrugada) e modo de execução


(concurso de agentes) – justificam a não aplicação da tese da insignificância. No mesmo sentido,
STF:

“A pretensão de incidência do princípio da insignificância, submetida à consideração do Superior


Tribunal de Justiça, não foi acolhida pela Quinta Turma: ‘Na linha da jurisprudência desta eg. Corte,
ressalvado o meu entendimento pessoal, não obstante a reduzida expressividade do bem subtraído
(R$ 18,00), mostra-se incompatível com o princípio da insignificância a conduta ora examinada, haja
vista que, no caso, há de se considerar a reincidência, o concurso de agentes, bem como o fato de a
conduta ter sido realizada durante o repouso noturno. Agravo Regimental desprovido’. Esse julgado
harmoniza-se com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal segundo a qual é vedada a aplicação
do princípio da insignificância nos delitos de furto noturno, qualificado pelo concurso de agentes e
praticado por reincidente” (HC 130.617 AgR/RJ, Segunda Turma, DJe 29/2/2016).

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

NÚCLEO DE GÊNERO

1-Tema: Enunciados COPEVID e FONAVID


A COPEVID é a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), órgão do Conselho Nacional de Procuradores-
Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG).

O trabalho da comissão tem por objetivo contribuir para o cumprimento das atribuições confiadas
ao Grupo Nacional de Direitos Humanos pelo CNPG na esfera da temática do combate à violência
doméstica e familiar contra a mulher. Um dos instrumentos para a realização da sua finalidade é a
produção de enunciados que sintetizam o seu entendimento sobre determinadas matérias e que
foram debatidas por seus integrantes. Todos os enunciados da comissão são submetidos à apreciação
da plenária do GNDH que, aprovando-os, submete ao CNPG.

O procedimento de elaboração de enunciados pelas comissões permanentes é disciplinado pelo


Regimento Interno do GNDH. Exige-se quorum de maioria absoluta de seus membros, considerados
os indicados pelos Procuradores-Gerais para a comissão.

A COPEVID, ao longo de mais de 10 anos, já submeteu e aprovou mais de quarenta enunciados, que
visam orientar a atuação do membro do Ministério Público brasileiro, objetivando propiciar o
intercâmbio de experiências, informações e materiais de forma a viabilizar uma atuação uniforme,
despersonalizada e mais eficaz entre os Ministérios Públicos dos Estados e da União.

No âmbito do Poder Judiciário, o grupo que congrega magistrados de todos os Estados brasileiros e
do Distrito Federal envolvidos com a temática de violência de gênero é o FONAVID - Fórum Nacional
de Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID), que nasceu em 31 de março
de 2009 na III Jornada Maria da Penha, evento anual promovido pelo Conselho Nacional de Justiça.

O FONAVID tem como objetivo propiciar a discussão das questões relacionadas à aplicabilidade da
Lei 11.340/2006 e conta com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Escola de Formação
e Aperfeiçoamento dos Magistrados (ENFAM), da Secretaria de Reforma do Poder Judiciário do
Ministério da Justiça (SRJ/MJ), da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e da Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB).

O Núcleo de Gênero do Centro de Apoio Criminal selecionou alguns enunciados da COPEVID e do


FONAVID, dando publicidade e conferindo destaque ao seu conteúdo, acreditando que possam servir
para a atividade-fim, ora para nortear a atuação dos colegas, ora para servir de referência nas peças
ante a importância da sua representatividade e caráter nacional.

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

Nos compilados em destaque, há temas que suscitam debates e implicações na atividade-fim,


trazendo a transversalidade da aplicação da Lei Maria da Penha no cenário.

A Lei Henry Borel, por exemplo, que cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da
violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, veio fundamentada também na Lei
13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente vítima ou testemunha de violência. Nesse passo, lembramos do enunciado 17 da
COPEVID, que aborda justamente a necessidade da participação do Conselho Tutelar nas articulações
necessárias para a garantia de direitos das crianças e adolescentes expostos à violência doméstica e
familiar contra a mulher; lembramos também do enunciado 28 da COPEVID, que chama a atenção
para a possibilidade de aplicação de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha
para as testemunhas e vítimas indiretas perante a Vara do Júri.

Os demais temas serão aprofundados nos próximos boletins do CAO Crim.

ENUNCIADOS SELECIONADOS:

1 – FEMINICÍDIO

ENUNCIADO Nº 25 da COPEVID:

Configura a qualificadora do feminicídio do art. 121, §2º-A, inciso II, do Código Penal o contexto de:
tráfico de mulheres, exploração sexual, violência sexual, mortes coletivas de mulheres, mutilação ou
desfiguração do corpo, exercício de profissões do sexo, entre outras.

ENUNCIADO Nº 27 da COPEVID:

Durante o processo e julgamento de feminicídio, o Ministério Público deve zelar para que seja
preservada a imagem e a memória da vítima de feminicídio, consumado ou tentado.

ENUNCIADO Nº 28 da COPEVID:

Em casos de feminicídio, é recomendável o requerimento pelo Ministério Público de medidas


protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha para a vítima sobrevivente, testemunhas e
vítimas indiretas, inclusive perante a Vara do Júri.

ENUNCIADO Nº 32 do FONAVID:

As vítimas de crime de feminicídio e seus familiares devem contar com a assistência jurídica gratuita,
devendo a juíza ou o juiz designar defensora(or) pública(o) ou advogada(o) dativa(o) para atuar em

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

sua defesa nos processos de competência do Tribunal do Júri, exceto se estiverem assistidos por
advogada(o) ou defensora(or) pública(o).

ENUNCIADO Nº 47 DO FONAVID:

A plenitude da defesa no júri deve se conformar ao disposto no art. 7°, “e”, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher “Convenção de Belém do
Pará” e ao disposto no capítulo IX itens 9.1.2 e 9.1.3 das Diretrizes Nacionais para Investigar,
Processar e Julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres – Feminicídio, sendo
recomendável à juíza e/ou ao juiz presidente considerar como excesso de linguagem argumentos
violentos ofensivos à dignidade da mulher por questão de gênero, devendo intervir nos termos dos
arts. 400-A, 474-A e 497, III, do CPP, e art. 10-A da Lei 11.340/06.

2 - CRIANÇAS E ADOLESCENTES EXPOSTOS À VIOLÊNCIA

ENUNCIADO Nº 17 da COPEVID:

A prática de atos de violência doméstica contra a mulher na presença de crianças ou adolescentes


constituiu forma de violência psicológica contra estes, a demandar o imediato encaminhamento de
cópia das peças de informação ao Conselho Tutelar, para garantia de direitos. Nessa situação, caso o
agressor exerça a autoridade, guarda ou vigilância sobre a criança ou adolescente, o Ministério
Público pode oferecer denúncia com base no artigo 232 do Estatuto da Criança e Adolescente. Nas
demais hipóteses, é possível pleitear a elevação da pena base (CP, art. 59) no crime de violência
doméstica contra a mulher, diante das consequências mais gravosas do crime.

ENUNCIADO Nº 49 da COPEVID:

Nos casos de crimes praticados em situação de violência doméstica e familiar contra mulher, havendo
imprescindibilidade em ouvir crianças e adolescentes como vítimas ou testemunhas, tais
depoimentos devem ser tomados na forma da Lei 13.431/2017.

ENUNCIADO Nº 59 do FONAVID:

A violência praticada contra a mulher na presença dos filhos e filhas pode ser valorada como
circunstância judicial desfavorável (art. 59 do Código Penal).

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

2. Tema 2: Anuário 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

Publicado o Anuário 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o documento aponta


que no Brasil houve o aumento da violência de gênero dos dados apurados do ano de 2021 em
relação ao ano de 2020, apresentando números alarmantes de violência doméstica e familiar contra
a mulher e violência contra a população LGBTQIA+. Por outro lado, houve redução dos casos de
feminicídio, com aumento de 14,4% de concessão de medidas protetivas de urgência pelos Tribunais
de Justiça no último ano.

De modo inédito, o Anuário também publicou a compilação de dados referentes aos registros
de perseguição (artigo 147-A, CP) e violência psicológica (artigo 147-B, CP), cujos tipos penais foram
introduzidos no Código Penal através da Lei nº 14.132, de 2021 e da Lei nº 14. 188, de 2021). Dos 27
estados brasileiros, São Paulo lidera e se destaca nos registros de perseguição, pois está na frente
de Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Distrito Federal.

O Anuário, ao referir sobre os casos de homotransfobia, atentou para as dificuldades de


registros dos casos de injúria racial e racismo, sem que São Paulo apresentasse qualquer dado. Dos
27 estados da federação, 15 estados registraram dados, concluindo o documento que o Brasil teve
aumento de 147,4% de casos de racismo por homofobia ou transfobia.

Apurou também o documento que, apesar da redução dos casos de feminicídio, houve
aumento das demais formas de violência contra as mulheres e meninas, destacando o fato de que
os estupros aumentaram em 4,2%, tendo como autor pessoa conhecida da vítima em quase 80% dos
casos. Outrossim, que são os estupros de vulnerável os mais recorrentes, figurando, dentre os
estupros e os estupros de vulnerável, em 61,3%, vítimas com até 13 anos de idade.

Destacamos os seguintes dados levantados pelo Anuário de 2022:

1. Estupros e Estupros de vulnerável, dados gerais do Brasil:


. aumento de 4,2% de casos de estupro, tendo como autor pessoa conhecida da vítima
em quase 80% dos casos;

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

. do total de 66.020 casos, 61,3% das vítimas tinham até 13 anos;


. em São Paulo, houve aumento de 5,9%: em 0,8 % casos de estupros e em 7,5% os casos
de estupros de vulnerável.

2. Perseguição e violência psicológica:


. foram registrados 27.722 casos de perseguição em 2021;
. foram registrados 8.390 casos de violência psicológica em 2021;
. São Paulo foi o estado que mais registrou casos de perseguição, totalizando 10.572,
seguido do Rio Grande do Sul (3.866), Paraná (2.878), Goiás (1.671) e Distrito Federal
(1.351).

3. Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável


. Houve aumento de 22,7% de registros no Brasil.
. São Paulo lidera os registros. Só em 2021 foram 1.023, o que representa 32,6% do total
do Brasil (3.181).

4. Violência sexual
. em uma década (2012 a 2021), 583.156 pessoas foram vítimas de estupro e estupro de
vulnerável no Brasil;
. em 2021, foram registrados 66.020 boletins de ocorrência de estupro e estupro de
vulnerável, com crescimento de 4,2% em relação ao ano anterior;
. os estupros de vulnerável figuram em 75,5% dos casos registrados; os estupros, 24,5%;
. mulheres representam 88,2% das vítimas; as vítimas do sexo masculino (11,8%) são,
majoritariamente, crianças;
. 8 em cada 10 casos registrados no ano passado foram de autoria de um conhecido da
vítima. Os conhecidos figuram em 79,6% dos casos; desconhecidos, 20,4%;
. 61.3% das vítimas tinham entre 0 e 13 anos de idade.

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Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022

5. Violência Doméstica
. Dados do Conselho Nacional de Justiça, reunidos no Monitoramento da Política
Judiciária Nacional de Enfretamento à Violência contra as Mulheres, apontam que, entre
2016 e 2021, houve um crescimento de quase 45% no número de casos novos de
violência doméstica por 100 mil mulheres, saltando de 404, em 2016, para 587, em 2021;
. houve aumento 4.0% de ligações 190 para casos de violência doméstica, apurando-se
que ao menos uma pessoa ligou por minuto, em 2021, para o canal. Só em São Paulo, o
aumento registrado foi de 32,5% de chamadas 190;
. os feminicídios apresentaram queda de 3,8% na taxa, por 100 mil mulheres, mas os
números ainda assustam: nos últimos dois anos, 2.695 mulheres foram mortas pela
condição de serem mulheres;
. os feminicídios tem como a maior parte das vítimas mulheres em idade reprodutiva. Em
66,3% dos casos, as vítimas tinham idade de 18 a 44 anos;
. as mulheres negras figuram em 62% dos casos e brancas, 37,5%. Houve aumento da
vitimização de mulheres negras e redução de mortes de mulheres brancas:
Mulheres brancas – 37,5% (2020) e 28,6% (2021);
Mulheres negras – 62,0% (2020) e 70,7% (2021).
. nos feminicídios, o principal autor é o companheiro ou ex-companheiro da vítima
(81,7%), seguido de parente (14,4%);
. o principal instrumento empregado nos feminicídios são armas brancas (50%), seguido
de armas de fogo (29,2%); em sentido inverso, o principal instrumento nos demais
homicídios de mulheres são armas de fogo (65%), seguido de armas brancas (22,1%);
. as residências continuam sendo o local em que as mulheres são mais vítimas de
feminicídio: em 65,6% dos casos, foram praticados na residência.

A pesquisa completa e o infográfico podem ser acessados no site:


https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=4

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