Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Assessores
Fabiola Sucasas Negrão Covas (descentralizada)
Olavo Evangelista Pezzotti
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha
Danilo Pugliesi (descentralizado)
Analistas Jurídicos
Ana Karenina
2
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
SUMÁRIO
NOTÍCIAS...............................................................................................................................................4
1 - Conheça a atuação do MPSP na Casa da Mulher Brasileira...............................................................4
2 - CONAMP, provocada pelo MPSP, questiona no STF dispositivo da Lei 14.344/22 (Lei Henry
Borel).....................................................................................................................................................6
AVISOS..................................................................................................................................................6
Sobre títulos de multa penal a protestar com irregularidades...............................................................6
DIREITO PENAL....................................................................................................................................20
NÚCLEO DE GÊNERO...........................................................................................................................21
3
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
NOTÍCIAS
A Promotoria de Justiça da Casa da Mulher Brasileira vem desenvolvendo relevante trabalho com o
objetivo de efetivar a assistência integral e humanizada às mulheres e às pessoas que se reconheçam
do gênero feminino, brasileiras ou estrangeiras, que estejam em situação de violência, nos moldes
do que estabelece a Lei Maria da Penha.
Além do MPSP, a Casa conta com representantes da Delegacia de Defesa da Mulher, do Tribunal de
Justiça e da Defensoria Pública. O programa Guardiã Maria da Penha, nascido de parceria entre o
MPSP e a Prefeitura de São Paulo, para possibilitar que a Guarda Civil Metropolitana verifique o
cumprimento de medidas protetivas, também tem um destacamento no espaço.
No local, situado no Bairro do Cambuci na Capital, vêm sendo realizados diversos cursos de formação
e capacitação continuada dos atores da rede de enfrentamento e proteção das mulheres em situação
de violência doméstica, bem como atividades, cursos e projetos sociais para o empoderamento delas,
com a contribuição e participação de todas as integrantes do equipamento público. Parte dos cursos
de capacitação e oficinas foram realizados por iniciativa do MPSP, diretamente ou por intermédio de
convênios firmados.
“Trata-se de política pública que visa facilitar o acesso a serviços especializados, fornecendo
possibilidades e alternativas que permitam romper o ciclo da violência”, nas palavras da colega
Juliana Mendonça Gentil Tocunduva, promotora de justiça designada para atuar na referida Casa.
Outrossim, a Promotoria de Justiça da Casa da Mulher Brasileira tem atendido mulheres e familiares,
sempre com situações urgentes. Por isso, as manifestações consistem em pedidos de medida
protetiva de urgência, apresentados pela 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, pela Delegacia
Eletrônica, pela Defensoria Pública e por advogadas e advogados particulares, bem como tem
apresentado pedidos de concessão de medidas protetivas de urgência naqueles casos em que a
vítima não as pleiteou quando do registro da ocorrência, procedimentos esses que são
posteriormente distribuídos aos Juízos competentes.
Ainda, tem promovido a interlocução entre Promotorias de Justiça das mais variadas áreas de
atribuição, além de estabelecer a interlocução entre a Guarda Civil Metropolitana, executora do
Projeto Guardiã Maria da Penha e os demais serviços para cumprimento das medidas protetivas no
que diz respeito à busca de pertences e bens pessoais das vítimas, além de busca de crianças, dentre
outras funções.
4
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
60
50
40
30
20
Total
5
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
2 - CONAMP, provocada pelo MPSP, questiona no STF dispositivo da Lei 14.344/22 (Lei Henry Borel)
A entidade ingressou no Supremo com a ADI 7192 com pedido de liminar. A relatora é a ministra
Rosa Weber.
“A relevância jurídica da questão manifesta-se pelos fundamentos expostos nas razões acima
mencionadas, visto que esta ação direta de inconstitucionalidade tem como objetivo preservar a
autonomia e independência de uma Instituição que exerce função essencial à Justiça”, descreve a
inicial.
AVISOS
O CAOCRIM AVISA que, no que concerne ao protesto das certidões de multa penal, existem
no Sistema Resgate de Valores muitas certidões com status “a protestar”, porque apresentam
irregularidades que devem ser sanadas pelo Promotor de Execução responsável. Desse modo, há
necessidade de os Promotores de Justiça de Execuções observarem as Orientações do Instituto de
Estudos de Protesto de Títulos do Brasil - IEPTB quando do envio da certidão, a fim de evitar tais
irregularidades; bem como há necessidade de consultarem o Sistema Resgate de Valores no dia
seguinte à remessa da certidão, para verificar se há pendências no preenchimento ou no título e
saná-las, viabilizando a efetivação do protesto.
6
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
ESTUDOS DO CAOCRIM
[...]
O art. 9º da Lei 13.675/18 (Sistema Único de Segurança Pública), por sua vez, anuncia:
“É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério
Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da
Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais
integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma
cooperativa, sistêmica e harmônica”.
“Dentro dessa nova perspectiva de atuação na área de segurança pública, o Plenário desta SUPREMA
CORTE, no julgamento do RE 846.854/SP, reconheceu que as Guardas Municipais executam atividade
de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da
comunidade (art. 9º, § 1º, da CF). 3. O reconhecimento dessa posição institucional das Guardas
Municipais possibilitou ao Parlamento, com base no § 7º do artigo 144 da Constituição Federal, editar
a Lei nº 13.675, de 11/6/2018, na qual as Guardas Municipais são colocadas como integrantes
operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 1º, inciso VII) [...].
(ADI 5538, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2021, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-094 DIVULG 17-05-2021 PUBLIC 18-05-2021)”.
Diante desse quadro, o CAO-Crim fez apresentação no dia da inauguração do NECRIM (Núcleo de
Estudos Criminais do Ministério Público de São Paulo), propondo teses que, agora, deverão ser
analisadas pelos colegas na próxima reunião, no mês de agosto (ainda sem data definida). Analisados
os temas e teses respectivas, na próxima reunião do NECRIM será dada oportunidade para discussão
7
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
Delimitação: Sem prejuízo das discussões sobre os limites da atuação isolada das guardas municipais,
debater se é possível que, mediante termo de cooperação ou convênio, as guardas civis auxiliem as
forças policiais em atividades típicas de segurança pública.
TESE: É possível a atuação da guarda civil em atividade típica de segurança pública, de forma auxiliar,
mediante convênio ou termo de cooperação com as polícias estaduais, sob supervisão e coordenação
destas.
Matéria decidida pelo Supremo Tribunal Federal em regime de Repercussão Geral (TEMA 472):
8
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais. 3. O Código de
Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a competência comum
dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito. 4. Dentro de sua esfera de
atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe
compete seja exercido pela guarda municipal. 5. O art. 144, §8º, da CF, não impede que a guarda
municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Até
mesmo instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de
poder de polícia. Entendimento que não foi alterado pelo advento da EC nº 82/2014. 6.
Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: é
constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito,
inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.
4) Quando a Guarda Municipal detiver poder de polícia de trânsito, constatada infração dessa
natureza, é possível a determinação de parada para autuação e averiguação.
5) Nesse contexto, infração de trânsito, por si só, é justa causa para busca veicular? E para
busca pessoal?
[...]
9
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
prestado na delegacia, admitiu que, após ficar nervoso com a abordagem, tentou tirar a arma do
porta-luvas do carro, fato percebido pelos guardas, os quais o prenderam em flagrante delito.
(AgRg no RHC n. 150.724/MS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em
14/12/2021, DJe de 17/12/2021.)
Estabelecendo a premissa de que a ordem de parada da Guarda Civil pode ocorrer em atividade de
policiamento preventivo, com amparo em decretos e leis municipais:
[...]
5. A outra elementar do tipo penal de resistência a ser analisada no caso é a legalidade do ato a que
se opõe o agente. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a legalidade da ordem de parada
feita ao paciente, consignando que os guardas municipais "durante patrulhamento de rotina,
visualizaram o réu e um outro indivíduo na posse do que lhes pareceu ser uma arma de fogo e uma
sacola com objeto branco, fato que deu ensejo ao sinal de parada, evidentemente, com intuito de
colaborar com a proteção da população local" (e-STJ, fl. 51).
(HC n. 712.710/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de
21/2/2022.)
10
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
Orientação geral:
1. No caso, não há que se falar em ilicitude das provas colhidas com fundamento na ilegitimidade dos
guardas municipais para proceder ao ato nem mesmo na violação de domicílio. A uma, porque é
assente nesta Corte Superior de Justiça a orientação de que os integrantes da guarda municipal não
desempenham a função de policiamento ostensivo; todavia, em situações de flagrante delito,
como restou evidenciado ser o caso, a atuação dos agentes municipais está respaldada no
comando legal do art. 301 do Código de Processo Penal (HC n. 471.229/SP, Ministro Joel Ilan
Paciornik, Quinta Turma, DJe 1º/3/2019); A duas, porque os agentes municipais teriam sido recebidos
pela avó do réu, a qual, de modo livre, não apenas franqueou a entrada na casa, como também disse
que os objetos possivelmente pertenciam a seu neto (fl. 200), inexistindo, portanto ilegalidade a ser
sanada.
(AgRg no HC n. 595.816/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em
14/6/2022, DJe de 20/6/2022.)
Problema frequente: informação de prática delitiva e realização de diligências pela guarda municipal,
previamente à prisão em flagrante. Nulidade.
1. Consta do decreto prisional fundamentação que em principio deve ser considerada idônea, com
esteio na quantidade de droga apreendida com a paciente - 104,60g de maconha e 112,24g de
cocaína - e no fato de (supostamente) gerenciar o tráfico de drogas na localidade.
Precedentes.
11
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
(HC n. 667.461/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região),
Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 17/9/2021.)
2. Uma vez que havia fundadas suspeitas para a realização de busca pessoal no acusado, são lícitas
todas as provas obtidas por meio dessa medida.
[...]
(AgRg no HC n. 621.586/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em
21/9/2021, DJe de 29/9/2021.)
Possíveis encaminhamentos:
TESE: Em caso de fundada suspeita de flagrante delito, é lícita a realização de busca pessoal e veicular
por guarda municipal, com amparo no art. 301 do Código de Processo Penal.
TESE: Constatada a presença de qualquer das hipóteses previstas no art. 302 do Código de Processo
Penal, é licita a prisão em flagrante realizada por guarda municipal, nos termos do art. 301 do referido
diploma legal.
12
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
[...]
II - Em situações de flagrante delito, como restou evidenciado v. aresto reprochado, bem como no
auto de prisão em flagrante lavrado pela autoridade policial (fls. 10-22), a atuação dos agentes
municipais está respaldada no comando legal do art. 301 do Código de Processo Penal.
III - A respeito da busca pessoal realizada, sabe-se que o artigo 240, § 2º, do Código de Processo Penal
preceitua que será realizada "busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte
consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior". Por
sua vez, o artigo 244 do aludido diploma legal prescreve que "a busca pessoal independerá de
mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de
arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for
determinada no curso de busca domiciliar". Da leitura dos referidos dispositivos, depreende-se que
a revista pessoal independe de mandado quando se está diante de fundada suspeita de que o
indivíduo traz consigo objetos ilícitos.
[...] ora agravante, que trafegava por via pública já conhecida pelos agentes como ponto utilizado
para a realização do comércio espúrio com uma sacola em suas mãos, ao notar a presença de equipe
policial que realizava patrulhamento de rotina, apresentou acentuado nervosismo, o que causou
estranheza nos milicianos, que decidiram, somente então, realizar a abordagem. Por conseguinte,
havendo, de fato, fundada suspeita de que o paciente estava na posse de objetos ilícitos, não há que
se falar em nulidade da busca pessoal realizada.
[...]
13
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
1. Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar e veicular executadas por guardas municipais sem
a existência de elementos reais e necessários para a efetivação da medida invasiva, nos termos do
art. § 2º do art. 240 do CPP.
2. A busca pessoal e veicular ocorridas apenas com base em denúncia anônima, sem a indicação de
dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, impõe o
reconhecimento da ilicitude das provas.
(AgRg no HC n. 679.430/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
21/9/2021, DJe de 27/9/2021.)
Conclusão: se houver poder de polícia de trânsito, ordem preventiva de parada, para fins de
fiscalização, é possível. No curso da averiguação, podem emergir motivos para a realização de busca
pessoal ou veicular.
Diversamente, ausente poder de polícia de trânsito, a ordem de parada, pela Guarda Municipal, só
se justifica, em contexto que desagua em busca pessoal ou veicular, se houver fundada suspeita de
flagrância delitiva.
Diretrizes gerais das Cortes Superiores sobre a matéria repercutem não só sobre a atuação da GCM,
mas também sobre a atuação das Polícias.
“A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno,
quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que
dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”.
14
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
Não se confunde violação pela existência de fundada suspeita de flagrância delitiva com a busca
domiciliar com consentimento.
Será que a segunda hipótese – busca domiciliar, com consentimento – não se equipara à investigação
e a realização de diligências? Nesse caso, não restaria usurpada atribuição típica das forças policiais,
maculando eventual prisão em flagrante?
TESE: É admissível a busca domiciliar por guarda municipal quando houver fundada suspeita de
flagrância delitiva, constatada de forma imediata.
TESE: É inadmissível a entrada no domicílio por guarda municipal com consentimento do morador e
para fins de busca, quando não houver fundada suspeita de flagrância delitiva, por se caracterizar o
ato como diligência de natureza investigatória.
TESE 1: É possível a atuação da guarda civil em atividade típica de segurança pública, de forma
auxiliar, mediante convênio ou termo de cooperação com as polícias estaduais, sob supervisão e
coordenação destas.
TESE 2: Em caso de fundada suspeita de flagrante delito, é lícita a realização de busca pessoal e
veicular por guarda municipal, com amparo no art. 301 do Código de Processo Penal.
TESE 3: Constatada a presença de qualquer das hipóteses previstas no art. 302 do Código de Processo
Penal, é licita a prisão em flagrante realizada por guarda municipal, nos termos do art. 301 do referido
diploma legal.
15
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
TESE 5: É admissível a violação domiciliar por guarda municipal quando houver fundada suspeita de
flagrância delitiva, constatada de forma imediata.
TESE 6: É inadmissível a violação domiciliar por guarda municipal com consentimento do morador e
para fins de busca, quando não houver fundada suspeita de flagrância delitiva, por se caracterizar o
ato como diligência de natureza investigatória
TESE 7: É lícito às guardas civis prestar apoio ao Ministério Público na fiscalização do cumprimento
de medidas protetivas de urgência e medidas cautelares, mediante convênio ou termo de
cooperação, sob supervisão e coordenação do órgão ministerial com atribuição.
TESE 8 Nos municípios em que a Guarda Municipal detiver poder de polícia de trânsito reconhecido
por decretos, leis ou convênios, constatada infração dessa natureza, é lícita a determinação de
parada para autuação e averiguação.
TESE 9: A realização de diligências de campo pela Guarda Municipal, para averiguação de notícia de
fato que indique flagrância delitiva não configura ato de investigação e, portanto, não implica
nulidade da prisão.
16
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
1- Tema: A concessão de prisão domiciliar às genitoras de menores de até 12 anos incompletos não
está condicionada à comprovação da imprescindibilidade dos cuidados maternos, que é
legalmente presumida.
No caso em comento, as instâncias antecedentes indeferiram a prisão domiciliar visto que não fora
demonstrada a imprescindibilidade da sentenciada aos cuidados dos filhos menores de 12 anos.
Por razões humanitárias e para proteção integral da criança, é cabível a concessão de prisão
domiciliar a genitoras de menores de até 12 anos incompletos, nos termos do art. 318, V, do CPP,
desde que (a) não se trate de crime cometido com violência ou grave ameaça, (b) que não tenha sido
praticado contra os próprios filhos e (c) não esteja presente situação excepcional que contraindique
a medida (AgRg no PExt no RHC n. 113.084/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta
Turma, DJe de 10/6/2020).
Tal entendimento diverge da orientação firmada no julgamento da Rcl n. 40.676/SP (relator Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1º/12/2020), em que a Terceira Seção do STJ, dando
interpretação extensiva à decisão do STF no HC coletivo n. 143.641/SP, concluiu ser possível a
extensão do benefício de prisão-albergue domiciliar, prevista no art. 117, III, da LEP, às sentenciadas
gestantes e mães de crianças de até 12 anos, ainda que em regime semiaberto ou fechado, desde
que preenchidos os requisitos legais.
AgRg no HC 731.648-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta
Turma, por maioria, julgado em 07/06/2022, DJe 23/6/2022.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
17
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
substituir a prisão preventiva pela domiciliar, ao passo que o caput do novo art. 318-A dispõe que a
prisão preventiva será substituída, a não ser que uma das situações elencadas nos incisos o impeça.
Ao que tudo indica, a intenção do legislador foi criar um poder-dever para o juiz, isto é, somente os
crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa e contra o próprio filho ou
dependente podem impedir que mulheres gestantes ou responsáveis por criança ou pessoa com
deficiência a substituição da prisão por cautelar, permanecendo presas cautelarmente. Neste passo,
a nova lei é mais pródiga na concessão do benefício do que foi a decisão do STF no habeas corpus
coletivo, cujo acórdão reconhece que “situações excepcionalíssimas” podem fundamentar a
denegação da prisão domiciliar. Nesta ressalva era possível inserir crimes que, não obstante
cometidos sem violência ou ameaça, guardavam acentuada gravidade. O STJ, por exemplo, tem
decisões nas quais se refere a situações excepcionalíssimas referentes à prática de tráfico de drogas:
“V - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641, determinou
a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das
medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas
ou mães de crianças e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante
violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas. VI
- Na presente hipótese, verifica-se situação excepcionalíssima que impede a concessão do benefício,
porquanto a paciente foi presa em flagrante realizando a mercancia e armazenamento de drogas
ilícitas em sua própria residência, local onde se encontrava seu filho de 1 ano de idade, consoante
consignado no v. acórdão vergastado. Precedentes.” (HC 471.503/RJ, j. 13/11/2018). “O fato de a
acusada comercializar entorpecentes em sua própria residência, local onde foi apreendida
quantidade relevante de cocaína, já embalada em porções individuais, além de outros petrechos
comumente utilizados para o tráfico de drogas, evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar
não cessaria a possibilidade de novas condutas delitivas no interior de sua casa, na presença dos
filhos menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza o acolhimento do pleito” (STJ – RHC
96.737/RJ, j. 19/06/2018). “O fato de a acusada realizar a contabilidade do grupo criminoso e
transmitir as ordens de seu companheiro – líder da associação, atualmente privado de sua liberdade
– evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar não seria suficiente para evitar a prática delitiva
no interior de sua residência, na presença dos filhos menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza
o acolhimento do pleito” (RHC 96.157/RS, j. 5/6/2018).
A nosso ver, não andou bem o legislador. Acabou desconsiderando o cometimento de crimes graves
como o já mencionado tráfico de drogas, a participação em associações e organizações criminosas
voltadas à prática do próprio tráfico, fraudes de grande vulto e até mesmo determinadas figuras
tipificadas na Lei 13.260/16, que trata do terrorismo.
18
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
A prisão domiciliar é, em si, uma medida de natureza cautelar e deve ser analisada sob as diretrizes
estabelecidas no art. 292 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que as medidas previstas no
Título IX devem ser aplicadas de acordo com a necessidade e com adequação da medida à gravidade
do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Ora, como apresentado, o novo dispositivo (art. 318-A) opõe-se abertamente às regras gerais para a
concessão de cautelares, ignorando as circunstâncias do crime cometido, se a substituição é
adequada e suficiente para impedir a reiteração delitiva e para garantir a aplicação da lei penal, a
investigação ou a instrução criminal.
A substituição automática também acaba por violar o disposto no art. 5º da Constituição Federal,
que garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Diante do plexo de direitos e garantias explicitados na Constituição, tem o legislador (e o juiz) a
obrigação de proteger os bens jurídicos de forma suficiente. Em outras palavras: é tão indesejado o
excesso quanto a insuficiência da resposta do Estado punitivo. A obrigação de que o juiz substitua a
prisão preventiva pela domiciliar torna evidentemente falha a proteção de que se incumbe o Estado.
Por fim, ainda que se admita a existência de um direito subjetivo da presa à concessão do favor legal,
sempre haverá algum espaço para que o magistrado formule um conceito de ordem subjetiva. Assim,
por exemplo, há que se analisar se a criança, filha da presa, vive efetivamente sob sua companhia,
pois é comum que se encontre sob a guarda de fato ou de direito de uma avó ou mesmo do pai. Em
relação à pessoa portadora de deficiência, ela pode, eventualmente, encontrar-se internada em uma
clínica, quando, então, os cuidados da detenta serão dispensáveis. Não se pode ignorar, também, o
cabimento da preventiva como sanção processual para o caso de descumprimento injustificado do
benefício legal.
19
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
DIREITO PENAL:
1-Tema: Furto Noturno qualificado pelo concurso de agentes afasta o Princípio da Insignificância
JURISPRUDÊNCIA DO STJ
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça do STJ, em processo que teve como Relator o
Ministro Ribeiro Dantas, decidiu que a prática delituosa de furto durante o repouso noturno e na
forma qualificada mediante concurso de pessoas são circunstâncias que revelam maior
periculosidade social da ação e alto grau de reprovabilidade do comportamento, elementos
suficientes para afastarem a incidência do princípio da insignificância.
Acesse aqui o acórdão- (AgRg no REsp n. 1.982.707/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 29/6/2022.)
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
A aplicação do princípio da insignificância não é irrestrita. Não é suficiente que o valor do bem
subtraído seja irrelevante (furtar uma caneta da marca “Bic”, por exemplo). Os Tribunais
Superiores estabelecem alguns requisitos necessários para que se possa alegar a insignificância da
conduta. São eles: (A) a mínima ofensividade da conduta do agente, (B) a ausência de
periculosidade social da ação, (C) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e, por
fim, (D) a inexpressividade da lesão jurídica causada.
20
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
NÚCLEO DE GÊNERO
O trabalho da comissão tem por objetivo contribuir para o cumprimento das atribuições confiadas
ao Grupo Nacional de Direitos Humanos pelo CNPG na esfera da temática do combate à violência
doméstica e familiar contra a mulher. Um dos instrumentos para a realização da sua finalidade é a
produção de enunciados que sintetizam o seu entendimento sobre determinadas matérias e que
foram debatidas por seus integrantes. Todos os enunciados da comissão são submetidos à apreciação
da plenária do GNDH que, aprovando-os, submete ao CNPG.
A COPEVID, ao longo de mais de 10 anos, já submeteu e aprovou mais de quarenta enunciados, que
visam orientar a atuação do membro do Ministério Público brasileiro, objetivando propiciar o
intercâmbio de experiências, informações e materiais de forma a viabilizar uma atuação uniforme,
despersonalizada e mais eficaz entre os Ministérios Públicos dos Estados e da União.
No âmbito do Poder Judiciário, o grupo que congrega magistrados de todos os Estados brasileiros e
do Distrito Federal envolvidos com a temática de violência de gênero é o FONAVID - Fórum Nacional
de Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID), que nasceu em 31 de março
de 2009 na III Jornada Maria da Penha, evento anual promovido pelo Conselho Nacional de Justiça.
O FONAVID tem como objetivo propiciar a discussão das questões relacionadas à aplicabilidade da
Lei 11.340/2006 e conta com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Escola de Formação
e Aperfeiçoamento dos Magistrados (ENFAM), da Secretaria de Reforma do Poder Judiciário do
Ministério da Justiça (SRJ/MJ), da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e da Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB).
21
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
A Lei Henry Borel, por exemplo, que cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da
violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, veio fundamentada também na Lei
13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente vítima ou testemunha de violência. Nesse passo, lembramos do enunciado 17 da
COPEVID, que aborda justamente a necessidade da participação do Conselho Tutelar nas articulações
necessárias para a garantia de direitos das crianças e adolescentes expostos à violência doméstica e
familiar contra a mulher; lembramos também do enunciado 28 da COPEVID, que chama a atenção
para a possibilidade de aplicação de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha
para as testemunhas e vítimas indiretas perante a Vara do Júri.
ENUNCIADOS SELECIONADOS:
1 – FEMINICÍDIO
ENUNCIADO Nº 25 da COPEVID:
Configura a qualificadora do feminicídio do art. 121, §2º-A, inciso II, do Código Penal o contexto de:
tráfico de mulheres, exploração sexual, violência sexual, mortes coletivas de mulheres, mutilação ou
desfiguração do corpo, exercício de profissões do sexo, entre outras.
ENUNCIADO Nº 27 da COPEVID:
Durante o processo e julgamento de feminicídio, o Ministério Público deve zelar para que seja
preservada a imagem e a memória da vítima de feminicídio, consumado ou tentado.
ENUNCIADO Nº 28 da COPEVID:
ENUNCIADO Nº 32 do FONAVID:
As vítimas de crime de feminicídio e seus familiares devem contar com a assistência jurídica gratuita,
devendo a juíza ou o juiz designar defensora(or) pública(o) ou advogada(o) dativa(o) para atuar em
22
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
sua defesa nos processos de competência do Tribunal do Júri, exceto se estiverem assistidos por
advogada(o) ou defensora(or) pública(o).
ENUNCIADO Nº 47 DO FONAVID:
A plenitude da defesa no júri deve se conformar ao disposto no art. 7°, “e”, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher “Convenção de Belém do
Pará” e ao disposto no capítulo IX itens 9.1.2 e 9.1.3 das Diretrizes Nacionais para Investigar,
Processar e Julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres – Feminicídio, sendo
recomendável à juíza e/ou ao juiz presidente considerar como excesso de linguagem argumentos
violentos ofensivos à dignidade da mulher por questão de gênero, devendo intervir nos termos dos
arts. 400-A, 474-A e 497, III, do CPP, e art. 10-A da Lei 11.340/06.
ENUNCIADO Nº 17 da COPEVID:
ENUNCIADO Nº 49 da COPEVID:
Nos casos de crimes praticados em situação de violência doméstica e familiar contra mulher, havendo
imprescindibilidade em ouvir crianças e adolescentes como vítimas ou testemunhas, tais
depoimentos devem ser tomados na forma da Lei 13.431/2017.
ENUNCIADO Nº 59 do FONAVID:
A violência praticada contra a mulher na presença dos filhos e filhas pode ser valorada como
circunstância judicial desfavorável (art. 59 do Código Penal).
23
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
De modo inédito, o Anuário também publicou a compilação de dados referentes aos registros
de perseguição (artigo 147-A, CP) e violência psicológica (artigo 147-B, CP), cujos tipos penais foram
introduzidos no Código Penal através da Lei nº 14.132, de 2021 e da Lei nº 14. 188, de 2021). Dos 27
estados brasileiros, São Paulo lidera e se destaca nos registros de perseguição, pois está na frente
de Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Distrito Federal.
Apurou também o documento que, apesar da redução dos casos de feminicídio, houve
aumento das demais formas de violência contra as mulheres e meninas, destacando o fato de que
os estupros aumentaram em 4,2%, tendo como autor pessoa conhecida da vítima em quase 80% dos
casos. Outrossim, que são os estupros de vulnerável os mais recorrentes, figurando, dentre os
estupros e os estupros de vulnerável, em 61,3%, vítimas com até 13 anos de idade.
24
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
4. Violência sexual
. em uma década (2012 a 2021), 583.156 pessoas foram vítimas de estupro e estupro de
vulnerável no Brasil;
. em 2021, foram registrados 66.020 boletins de ocorrência de estupro e estupro de
vulnerável, com crescimento de 4,2% em relação ao ano anterior;
. os estupros de vulnerável figuram em 75,5% dos casos registrados; os estupros, 24,5%;
. mulheres representam 88,2% das vítimas; as vítimas do sexo masculino (11,8%) são,
majoritariamente, crianças;
. 8 em cada 10 casos registrados no ano passado foram de autoria de um conhecido da
vítima. Os conhecidos figuram em 79,6% dos casos; desconhecidos, 20,4%;
. 61.3% das vítimas tinham entre 0 e 13 anos de idade.
25
Boletim Criminal Comentado 189 - Julho de 2022
5. Violência Doméstica
. Dados do Conselho Nacional de Justiça, reunidos no Monitoramento da Política
Judiciária Nacional de Enfretamento à Violência contra as Mulheres, apontam que, entre
2016 e 2021, houve um crescimento de quase 45% no número de casos novos de
violência doméstica por 100 mil mulheres, saltando de 404, em 2016, para 587, em 2021;
. houve aumento 4.0% de ligações 190 para casos de violência doméstica, apurando-se
que ao menos uma pessoa ligou por minuto, em 2021, para o canal. Só em São Paulo, o
aumento registrado foi de 32,5% de chamadas 190;
. os feminicídios apresentaram queda de 3,8% na taxa, por 100 mil mulheres, mas os
números ainda assustam: nos últimos dois anos, 2.695 mulheres foram mortas pela
condição de serem mulheres;
. os feminicídios tem como a maior parte das vítimas mulheres em idade reprodutiva. Em
66,3% dos casos, as vítimas tinham idade de 18 a 44 anos;
. as mulheres negras figuram em 62% dos casos e brancas, 37,5%. Houve aumento da
vitimização de mulheres negras e redução de mortes de mulheres brancas:
Mulheres brancas – 37,5% (2020) e 28,6% (2021);
Mulheres negras – 62,0% (2020) e 70,7% (2021).
. nos feminicídios, o principal autor é o companheiro ou ex-companheiro da vítima
(81,7%), seguido de parente (14,4%);
. o principal instrumento empregado nos feminicídios são armas brancas (50%), seguido
de armas de fogo (29,2%); em sentido inverso, o principal instrumento nos demais
homicídios de mulheres são armas de fogo (65%), seguido de armas brancas (22,1%);
. as residências continuam sendo o local em que as mulheres são mais vítimas de
feminicídio: em 65,6% dos casos, foram praticados na residência.
26