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(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 180-
Maio de 2022
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Assessores
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Olavo Evangelista Pezzotti (descentralizado)
Paulo de Palma (descentralizado)
Danilo Pugliesi (descentralizado)
Analistas Jurídicos
Ana Karenina
Victor Gabriel Tosetto
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SUMÁRIO
AVISOS...................................................................................................................................................4
3- Tema: Interrogatório do réu por carta precatória. Princípio da identidade física do juiz.................13
DIREITO PENAL....................................................................................................................................16
1-Tema: Pacote Anticrime não retirou o caráter hediondo do tráfico de drogas, define Quinta
Turma..................................................................................................................................................16
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AVISOS
O CAOCRIM, de quinze em quinze dias, começando dia 9/5, 10:30, vai promover, em sala virtual do
TEAMS, evento no formato “bate papo” com os colegas promotores e procuradores de Justiça,
esclarecendo dúvidas, destacando temas mais importantes da semana e discutindo jurisprudência
de interesse institucional.
O CAO CÍVEL também estará presente e no esquema de rodízio, sempre na segunda feira.
Trata-se de projeto inédito, que aproxima ainda mais os CAOs dos colegas da atividade fim.
Não deixem de comparecer. Será um prazer recebê-los. Já podem marcar na agenda o primeiro
encontro. Dia 9/5, 10:30.
2 - Publicado aviso alertando para prazo final para regularização da situação eleitoral de presos
provisórios
Aviso 274/2022
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ESTUDOS DO CAOCRIM
O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs correição parcial contra decisão que determinou ao ora corrigente
o traslado das peças para instrução do Agravo de Execução.
Em parecer elaborado pelo Dr. MILTON THEODORO GUIMARÃES FILHO, a douta Procuradoria Geral
de Justiça opinou pelo provimento da correição parcial, para se determinar à Serventia de origem a
extração das cópias indicadas pela parte para traslado, instruindo o recurso de agravo interposto e
ao mesmo dando seguimento.
Foi deferida a correição parcial pela 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo, proferindo a seguinte decisão:
"por maioria de votos deferiram a correição para cassar a r. decisão recorrida proferida nos autos do
Agravo de Execução Penal nº 0017446-06.2021.8.26.0996, determinando ao escrivão o traslado das
peças indicadas pelo Ministério Público para a formação do instrumento do Agravo de Execução, e
acolhe-se o que é sugerido pela douta Procuradoria Geral do Estado para que se remeta cópia deste
acórdão ao Colendo Órgão Especial deste e. Tribunal de Justiça e ao il. Presidente da Seção Criminal
para análise do Tema em questão, diante das reiteradas decisões pelo r. Juízo do DECRIM 5º RAJ da
Comarca de Presidente Prudente, contrárias ao posicionamento jurisprudencial majoritário e
predominante desta Colenda Corte, e das quais se originaram dezenas de Correições Parciais
interpostas pelo Ministério Público, vencida a terceira juíza que julgava prejudicado o pedido
correicional".
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DESTAQUE:
Antes, esta Corte dizia que o procedimento não era vinculante; agora, evoluiu no sentido de exigir
sua observância, o que não significa que a prova de autoria deverá sempre observar o procedimento
do art. 226 do Código de Processo Penal. O reconhecimento de pessoa continua tendo espaço
quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se
do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é
capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal.
O que a nova orientação buscou afastar a prática recorrente dos agentes de segurança pública de
apresentar fotografias às vítimas antes da realização do procedimento de reconhecimento de
pessoas, induzindo determinada conclusão.
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Processo: HC 721.963-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em
19/04/2022.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
3. Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o
devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do
exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de
reconhecimento;
O STJ ressalvou o entendimento do Min. Nefi Cordeiro, incorporado ao acórdão, de que não é
qualquer descumprimento do rito probatório que leva à inadmissão do reconhecimento, mas sim
que quanto maior seja o grau desse descumprimento, menor será a confiança na prova, de modo
que graves defeitos ao procedimento impeçam valorar como suficiente à admissão da autoria para a
condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração probatória adequada –
independente e idônea.
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No caso em julgamento, deve ser alertado que condenação não se amparou, exclusivamente, no
reconhecimento pessoal realizado na fase do inquérito policial, destacando-se, sobretudo, que vítima
e testemunhas reconheceram o acusado em Juízo.
Aliás, sendo o agente conhecido das testemunhas, não se trata propriamente de reconhecimento,
mas identificação, dispensando a solenidade do art. 226 do CPP.
DESTAQUE:
Entende o STJ que "o afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de criança
menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação
de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao
art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n.
13.257/2016)" (HC 551.676/RN, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe
25/05/2020).
Entende, ainda, que "O art. 318-A, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.
13.769, de 19/12/2018, dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe
ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde
que: I) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e que II) não tenha
cometido o crime contra seu filho ou dependente" (HC 623.992/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta
Turma, DJe 30/04/2021).
"Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela, mas igualmente aos seus filhos, os
quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da
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Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes"
(STF, HC Coletivo n. 143.641/SP, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe
9/10/2018).
No caso, sendo a paciente mãe de criança de 6 anos de idade, deve ser aplicada a regra geral de
proteção da primeira infância, à mingua de fundamentação idônea para a mitigação da referida
garantia constitucional.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Parece importante, nesse tanto, recordar o cenário pré e pós art. 318-A do CPP.
Em fevereiro de 2018, a 2ª Turma do STF concedeu habeas corpus coletivo (HC 143.641/SP, j.
20/02/2018) no qual figuravam como pacientes “todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no
sistema penitenciário nacional” que ostentassem “a condição de gestantes, de puérperas ou de mães
com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade”, além das próprias crianças que
porventura estivessem na companhia de suas mães.
Analisando o mérito do habeas corpus, os ministros invocaram tanto a legislação nacional quanto a
internacional para justificar a concessão da ordem.
Como apontou a decisão, as Regras de Bangkok estabelecem prioridade para soluções judiciais que
promovam alternativas ao encarceramento, especialmente nas situações prévias à formação
definitiva da culpa. Além disso, temos no plano interno o art. 227 da CF/88, que determina prioridade
absoluta para a garantia dos interesses de crianças, e a manutenção de presas sem efetiva
necessidade atinge o direito delas, que acabam sofrendo injustamente as consequências da prisão.
E, por fim, o quadro revelado no processo demonstrava a necessidade de cumprir a lei sobre as
políticas públicas para a primeira infância (Lei 13.257/16), que inclusive alterou o art. 318 do CPP nas
disposições relativas à substituição da prisão preventiva pela domiciliar, permitindo-a para gestantes,
mulheres com filho de até doze anos incompletos e homens que sejam os únicos responsáveis pelos
cuidados do filho de até doze anos incompletos.
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O suporte fático para a concessão da ordem consistiu na comprovação de que mulheres grávidas e
mães de crianças (compreendidas no sentido legal conferido pelo art. 2º do ECA: até doze anos
incompletos) estavam sendo submetidas a prisões preventivas em situação degradante, não
dispunham de cuidados médicos pré-natais e pós-parto e não contavam com berçários e creches para
seus filhos.
Em razão disso, determinou-se “a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da
aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres
presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da
Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei
13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto
perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave
ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser
devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício”. E estendeu-se a ordem de
ofício a todas as demais presas gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com
deficiência, assim como às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas que estivessem na
mesma situação daquelas beneficiadas diretamente pela impetração.
Pois bem, na esteira da decisão proferida pelo STF, a Lei 13.769/18 altera a legislação processual
penal para disciplinar a matéria de forma expressa. Para tanto, a lei insere no Código de Processo
Penal os artigos 318-A e 318-B.
O art. 318-A estabelece que a prisão preventiva decretada sobre a “mulher gestante ou que for mãe
ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar”, desde
que a presa: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II – não tenha
cometido o crime contra seu filho ou dependente.
A lei processual penal, como vimos, já estabelecia a possibilidade de conceder prisão domiciliar em
substituição à prisão preventiva para gestantes e mulheres com filho de até doze anos de idade
incompletos no art. 318, incisos IV e V. Há, porém, uma diferença importante: o caput do art. 318
dispõe que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar, ao passo que o caput do novo
art. 318-A dispõe que a prisão preventiva será substituída, a não ser que uma das situações elencadas
nos incisos o impeça.
Ao que tudo indica, a intenção do legislador foi criar um poder-dever para o juiz, isto é, somente os
crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa e contra o próprio filho ou
dependente podem impedir que mulheres gestantes ou responsáveis por criança ou pessoa com
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deficiência a substituição da prisão por cautelar, permanecendo presas cautelarmente. Neste passo,
a nova lei é mais pródiga na concessão do benefício do que foi a decisão do STF no habeas corpus
coletivo, cujo acórdão reconhece que “situações excepcionalíssimas” podem fundamentar a
denegação da prisão domiciliar. Nesta ressalva era possível inserir crimes que, não obstante
cometidos sem violência ou ameaça, guardavam acentuada gravidade. O STJ, por exemplo, tem
decisões nas quais se refere a situações excepcionalíssimas referentes à prática de tráfico de drogas:
“V - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641, determinou
a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das
medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas
ou mães de crianças e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante
violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas. VI
- Na presente hipótese, verifica-se situação excepcionalíssima que impede a concessão do benefício,
porquanto a paciente foi presa em flagrante realizando a mercancia e armazenamento de drogas
ilícitas em sua própria residência, local onde se encontrava seu filho de 1 ano de idade, consoante
consignado no v. acórdão vergastado. Precedentes.” (HC 471.503/RJ, j. 13/11/2018). “O fato de a
acusada comercializar entorpecentes em sua própria residência, local onde foi apreendida
quantidade relevante de cocaína, já embalada em porções individuais, além de outros petrechos
comumente utilizados para o tráfico de drogas, evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar
não cessaria a possibilidade de novas condutas delitivas no interior de sua casa, na presença dos
filhos menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza o acolhimento do pleito” (STJ – RHC
96.737/RJ, j. 19/06/2018). “O fato de a acusada realizar a contabilidade do grupo criminoso e
transmitir as ordens de seu companheiro – líder da associação, atualmente privado de sua liberdade
– evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar não seria suficiente para evitar a prática delitiva
no interior de sua residência, na presença dos filhos menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza
o acolhimento do pleito” (RHC 96.157/RS, j. 05/06/2018).
A nosso ver, não andou bem o legislador. Acabou desconsiderando o cometimento de crimes graves
como o já mencionado tráfico de drogas, a participação em associações e organizações criminosas
voltadas à prática do próprio tráfico, fraudes de grande vulto e até mesmo determinadas figuras
tipificadas na Lei 13.260/16, que trata do terrorismo.
A prisão domiciliar é, em si, uma medida de natureza cautelar e deve ser analisada sob as diretrizes
estabelecidas no art. 292 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que as medidas previstas no
Título IX devem ser aplicadas de acordo com a necessidade e com adequação da medida à gravidade
do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
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Ora, como apresentado, o novo dispositivo (art. 318-A) opõe-se abertamente às regras gerais para a
concessão de cautelares, ignorando as circunstâncias do crime cometido, se a substituição é
adequada e suficiente para impedir a reiteração delitiva e para garantir a aplicação da lei penal, a
investigação ou a instrução criminal.
A substituição automática também acaba por violar o disposto no art. 5º da Constituição Federal,
que garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Diante do plexo de direitos e garantias explicitados na Constituição, tem o legislador (e o juiz) a
obrigação de proteger os bens jurídicos de forma suficiente. Em outras palavras: é tão indesejado o
excesso quanto a insuficiência da resposta do Estado punitivo. A obrigação de que o juiz substitua a
prisão preventiva pela domiciliar torna evidentemente falha a proteção de que se incumbe o Estado.
Por fim, ainda que se admita a existência de um direito subjetivo da presa à concessão do favor legal,
sempre haverá algum espaço para que o magistrado formule um conceito de ordem subjetiva. Assim,
por exemplo, há que se analisar se a criança, filha da presa, vive efetivamente sob sua companhia,
pois é comum que se encontre sob a guarda de fato ou de direito de uma avó ou mesmo do pai. Em
relação à pessoa portadora de deficiência, ela pode, eventualmente, encontrar-se internada em uma
clínica, quando, então, os cuidados da detenta serão dispensáveis. Não se pode ignorar, também, o
cabimento da preventiva como sanção processual para o caso de descumprimento injustificado do
benefício legal.
De forma copiosa, o STJ nos dá razão ao ponderar que, mesmo diante do texto do art. 318-A, as
circunstâncias excepcionais mencionadas pelo STF no HC 143.641/SP não podem ser ignoradas.
No caso julgado pela Corte Cidadã (HC 426.526/RJ, j. 12/02/2019), a impetrante era acusada de ter
cometido tráfico de drogas em associação com o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, sendo que
a imputação, que lhe atribuía a função de líder do tráfico na região e o emprego arma de fogo, fazia
referência à apreensão de grande quantidade de drogas sob sua responsabilidade (470g de maconha
e 857g de cocaína).
Em seu voto, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca admite que o art. 318-A do CPP estabelece um
poder-dever do juiz, ou seja, reconhece-se o caráter objetivo da norma, que em regra deve ser
aplicada diante de situações que se subsumam às suas disposições. Isto, no entanto, não afasta os
requisitos impostos pelo STF no habeas corpus coletivo, que, segundo o ministro, continua aplicável
porque a Lei 13.769/18 contém clara omissão:
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“Entendo que não se trata de um silêncio eloquente da norma, mas apenas como uma omissão
legislativa e é assim que deve ser interpretado.
De fato – e aqui faço propositadamente uma redução ao absurdo da novidade legal, de forma a
demonstrar a inevitabilidade da sua interpretação no sentido de que houve omissão legislativa –, a
leitura do disposto em termos literais forçaria a concessão da prisão domiciliar à mãe que nem sequer
convive ou criou os filhos, unicamente porque o crime não envolveu violência ou grave ameaça ou
dirigiu-se contra a prole.
(…)
O fato de o legislador não ter inserido outras exceções na lei, não significa que o Magistrado esteja
proibido de negar o benefício quando se deparar com casos excepcionais. Tenho que deve prevalecer
a interpretação teleológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis. Com efeito,
naquilo que a lei não regulou, o precedente da Suprema Corte deve continuar sendo aplicado, pois
uma interpretação restritiva da norma pode representar, em determinados casos, efetivo risco direto
e indireto à criança cuja proteção deve ser integral e prioritária, como determina a Constituição no
art. 227, bem como à pessoa deficiente.”
3- Tema: Interrogatório do réu por carta precatória. Princípio da identidade física do juiz.
"O interrogatório do réu por meio de carta precatória não ofende o postulado da identidade física
do juiz, sob pena de se criar entraves à jurisdição favorecendo aqueles que pretendem se furtar à
aplicação da Lei (CC 99.023/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe
28/8/2009)."
AgRg no HC 541.871/SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em
17/08/2021, DJe 24/08/2021.
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COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Iniciativa das mais relevantes, trazida pela Lei n° 11.719/2008, foi a adoção, tantas vezes reclamada
pela doutrina, do princípio da identidade física do juiz, como se vê, com todas as letras, do teor do
art. 399 do CPP. Antes previsto apenas no âmbito do processo civil, foi definitivamente incorporado
ao processo penal, onde se mostra muito mais urgente e necessário, por propiciar o indispensável
contato físico e visual entre acusado e julgador, bem como a colheita imediata da prova por aquele
que, efetivamente, vai proferir a decisão.
Daí não se deve apressadamente concluir que, a partir do sistema inaugurado, restaria inibida a
possibilidade de se expedir carta precatória a fim de que se proceda ao interrogatório do réu ou à
oitiva de testemunhas. Aliás, em relação a esta última, o art. 222 do CPP, que autoriza a oitiva de
testemunhas por precatória, continua em pleno vigor e é, inclusive, expressamente mencionado no
art. 400.
Lembremos que nosso país possui uma dimensão continental, traduzindo verdadeiro absurdo
imaginar-se que um acusado, por exemplo, que resida em Manaus, tenha que se deslocar até a
cidade de Curitiba, onde tramita o processo, para ser interrogado (sobretudo quando sua presença
é facultativa, consequência lógica do direito ao silêncio constitucional do qual é titular). O mesmo se
aplica à testemunha. Em situações como a narrada acima, o interrogatório do réu por precatória se
encontra plenamente justificado e, antes, se impõe, como única forma pela qual se propiciará sua
oitiva em juízo, a fim de ofertar sua valiosa versão para os fatos, no mais amplo exercício de
autodefesa. Por óbvio que duas opções sempre restarão: a primeira, já mencionada, consistente na
negativa do réu em ser interrogado; e, a segunda, na possibilidade dele, por conta própria, deslocar-
se ao juízo do feito, o que parece improvável quando se conhece a clientela que frequenta nossos
processos-criminais, em sua imensa maioria desprovida de recursos financeiros.
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teve ressaltado seu caráter de ato defensivo, por conta das alterações que experimentou com o
advento da Lei n° 10.792/03.
Sendo assim, o juízo deprecante deve se empenhar no sentido de que a audiência de instrução e
julgamento seja realizada antes do interrogatório do acusado, informando, inclusive, sua data ao
juízo deprecado, para que esse, de sua parte, vele para que o ato ocorra após a audiência marcada
no juízo de origem. A sentença, obviamente, não será proferida em audiência, porquanto a carta
precatória, a essa altura, ainda não terá sido devolvida, cumprindo ao juiz, por consequência, aplicar
o art. 403, § 4°, juntando-se os memoriais das partes e proferindo-se a sentença. Só assim, a nosso
juízo, se atenderá a ratio legis.
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DIREITO PENAL:
1- Tema: Pacote Anticrime não retirou o caráter hediondo do tráfico de drogas, define Quinta
Turma
Notícias do STJ
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que as alterações promovidas
pela Lei 13.964/2019 – conhecida como Pacote Anticrime – na Lei 8.072/1990 não retiraram a
equiparação do delito de tráfico de entorpecentes a crime hediondo. O colegiado destacou que a
classificação da narcotraficância como infração penal equiparada a hedionda está prevista na própria
Constituição (artigo 5º, inciso XLIII).
Ação, prevista constitucionalmente, cabível sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
que buscava o reconhecimento de que o tráfico de drogas teria perdido a sua caracterização como
crime equiparado a hediondo após o início da vigência do Pacote Anticrime, que revogou o artigo 2º,
parágrafo 2º, da Lei 8.072/1990. O dispositivo trazia parâmetros para a progressão de regime no caso
de crimes hediondos e equiparados – a prática da tortura, o tráfico de drogas e o terrorismo.
Como consequência da revogação do dispositivo, a defesa pedia a aplicação, ao delito de tráfico, das
frações de progressão de regime previstas na Lei de Execução Penal (LEP) para os crimes comuns.
O relator do habeas corpus, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, explicou que, nos termos do artigo
5º, inciso XLIII, da Constituição, a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos.
"O próprio constituinte assegurou que o tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo são merecedores
de tratamento penal mais severo", complementou.
De acordo com o ministro, o fato de o Pacote Anticrime ter expressamente consignado, no artigo
112, parágrafo 5º, da LEP, que não se considera hediondo ou equiparado a ele o tráfico de drogas
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descrito no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 apenas consagrou o tratamento diferenciado
que já era atribuído pela jurisprudência ao tráfico privilegiado.
"Isso, no entanto, não autoriza deduzir que a mesma descaracterização como delito equiparado a
hediondo tenha sido estendida ao crime do artigo 33, caput e parágrafo 1º, da Lei de Drogas",
afirmou o relator.
Reynaldo Soares da Fonseca também lembrou que a Terceira Seção, em 2021 – após o Pacote
Anticrime, portanto –, no julgamento do Tema Repetitivo 1.084, reconheceu a possibilidade de
aplicação retroativa do artigo 112, inciso V, da LEP a condenados por crimes hediondos ou
equiparados que fossem reincidentes genéricos – e o caso concreto dizia respeito especificamente a
condenado por tráfico de drogas.
"Patente, assim, que a jurisprudência desta corte é assente no sentido de que as alterações trazidas
pela Lei 13.964/2019 em nada influenciaram na qualificação do crime de tráfico de drogas como
delito equiparado a hediondo", concluiu o ministro.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
O art. 44 da Lei 11.343/06 prevê consequências típicas de um crime hediondo (aliás, até mais
rigorosas) para os delitos previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37 da Lei.
Por conta desta peculiar maneira de redigir a norma restritiva, temos doutrina ensinando que passam
a ser equiparados a hediondo não apenas o tráfico de drogas e maquinários (arts. 33, caput, § 1º, 34
e 36), mas todos os demais tipos incriminadores referidos no art. 44 (arts. 35 e 37).
Prevalece, contudo, que a equiparação a crime hediondo tem gênese constitucional, não podendo o
legislador ordinário reduzir ou suplantar o rol taxativo apresentado pelo constituinte. Logo, apesar
de sofrer praticamente todos os consectários de um crime hediondo,, não podem ser a ele
equiparado os delitos dos arts. 34, 35 e 37, pois neles não ocorre tráfico de drogas propriamente dito
(ficando abrangidos somente os arts. 33, caput, § 1º e 36).
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"A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, para fins de
remição pela aprovação no ENCCEJA, devem ser consideradas 1.600 horas para os anos finais do
ensino fundamental e 1.200 horas para o ensino médio, o que corresponde a 50% da carga horária
legalmente prevista para os referidos níveis de ensino, nos termos da Lei 9.394/1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e da Recomendação 44/2013 do Conselho Nacional de
Justiça (HC 602.425/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em
10/03/2021, DJe 06/04/2021)."
AgRg no HC 616.724/SC, Rel. desembargador convocado do TRF 1ª região Olindo Menezes, Sexta
Turma, julgado em 22/06/2021, DJe 28/06/2021.
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COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
De acordo com a legislação em vigor, o condenado que cumpre a pena em regime fechado,
semiaberto, aberto ou beneficiado pelo livramento condicional, pode remir um dia de pena a cada
12 horas de frequência escolar, caracterizada por atividade de ensino fundamental, médio, inclusive
profissionalizante, superior, ou ainda de requalificação profissional.
De acordo com a Recomendação n. 44 do CNJ, para fins de remição por estudo deve ser considerado
o número de horas correspondente à efetiva participação do apenado nas atividades educacionais,
independentemente de aproveitamento, exceto quando o condenado for autorizado a estudar fora
do estabelecimento penal. Neste caso, o preso tem que comprovar, mensalmente, por meio de
autoridade educacional competente, tanto a frequência, quanto o aproveitamento escolar.
As atividades de estudo podem ser desenvolvidas de forma presencial ou pelo Ensino a Distância
(EAD), modalidade que já é realidade em alguns presídios do país, desde que certificadas pelas
autoridades educacionais competentes.
A norma do CNJ possibilita também a remição aos presos que estudam sozinhos e, mesmo assim,
conseguem obter os certificados de conclusão de ensino fundamental e médio, com a aprovação no
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A controvérsia novamente instalada nas duas Turmas do STJ diz respeito à remição da pena no
patamar de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental, em virtude da
aprovação no ENCCEJA. Questiona-se se as 1.200h/1.600h dispostas na Recomendação n. 44/2013
do CNJ já equivalem aos 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino ou se os
50% incidirão sobre essas 1.200h/1.600h.
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Trata-se de investigação criminal instaurada para apurar o delito de lesão corporal culposa
no trânsito (art. 303 da Lei n. 9.503/97), que teria sido perpetrado pelo investigado EDSON PEREIRA
DA SILVA contra a vítima Maria Pereira de Santana, no dia 13 de setembro de 2021, por volta das
12h23min, na Rua Antônio Agu, 1, com a Rua Dante Batiston, Centro, na cidade e Comarca de Osasco
(cf. boletim de ocorrência a fls. 03/06).
Conforme se apurou, a Polícia Militar foi acionada para atender ocorrência de acidente de
trânsito com vítima. A viatura para lá se dirigiu, deparando-se com Maria Pereira de Santana sentada,
com a roda dianteira do ônibus sobre sua perna esquerda. Ela se encontrava consciente, mas um
pouco desorientada. Acionado o resgate, foram prestados primeiros socorros a ela, conduzindo-a ao
Hospital Municipal Central, onde permaneceu internada na U.T.I., tendo sua perna esquerda
amputada, estando em estado grave.
Ouvida pela autoridade policial, Maria Pereira de Santana alegou que, ao atravessar a Rua
Dante Batiston, antes de acessar a calçada, foi atropelada por um ônibus coletivo que vinha pela Rua
Antônio Agu, que após finalizar a curva ali existente nela bateu, ocasionando sua queda ao solo e,
em seguida, uma das rodas do veículo passou pela sua perna esquerda. Disse não se recordar de
outros fatos, pois desmaiou, sendo socorrida até o Hospital Antonio Giglio, onde permaneceu
internada até o dia 27 de setembro de 2021, submetendo-se à intervenção cirúrgica, na qual foi
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amputada a sua perna esquerda. Alegou que o acidente se deu próximo à faixa de pedestres e que,
na data dos fatos, não estava chovendo. Manifestou seu desejo de representar criminalmente contra
o autor do fato pelas lesões sofridas (fls. 07).
Laudo de exame toxicológico concluiu que o investigado não se encontrava embriagado (fls.
10/12).
Laudo de perícia realizada no local do acidente e no veículo não identificou os motivos pelos
quais o coletivo, ao fazer a conversão obrigatória à direita, atingiu a vítima, que fazia a travessia fora
da faixa de pedestre. Apurou-se, igualmente, que, por volta das 12h17min., o veículo apresentava
velocidade aproximada de 20 km/h chegando a zero (fls. 20/31 e 36/47).
Laudo de perícia realizada na vítima, concluiu que esta sofreu lesão corporal de natureza
gravíssima, devido à perda ou inutilização de membro, à deformidade permanente, à incapacidade
permanente para o trabalho e à limitação social plena ocasionada pela amputação do membro (fls.
33/35).
Ouvido pela autoridade policial, EDSON declarou que, no local do acidente, há um poste, para
o qual teve que se atentar para tangenciar o ônibus, e uma curva, para a qual também teve que se
atentar para não subir na calçada. No entanto, apesar dos cuidados, do lado oposto da via, existe um
“ponto morto”, onde a vítima estava, razão pela qual não a viu. Esclareceu que, no local, os pedestres
não costumam atravessar a via pela faixa própria, tampouco respeitam a sinalização de trânsito e,
por esta razão, sempre procura ter atenção redobrada. Informou que é motorista profissional há
mais de trinta anos e que jamais se envolveu em ocorrências como essa. Frisou que foi uma fatalidade
e que a vítima estava atravessando a via fora da faixa (fls. 48).
Relatado o inquérito policial (fls. 50/51), a pedido do Ministério Público (fls. 54), foi designada
audiência preliminar de tentativa de conciliação.
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Instalada a audiência, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.099/95, a composição dos danos civis
restou infrutífera. Na sequência, a vítima manifestou o desejo de representar contra o autor do fato.
O Ilustre Representante Ministerial, então, deixou de propor a transação penal, dada a gravidade da
lesão sofrida, de modo que a proposta do benefício seria desproporcional no caso (fls. 71).
O MM. Juízo, contudo, discordou do Membro Ministerial, por reputar presentes todos os
requisitos para a proposta de transação penal, nos termos do art. 76, § 2º, incisos I ao III, da Lei
9.099/95, argumentando que a gravidade abstrata do delito não é óbice oponível à proposição da
transação penal e, uma vez satisfeitos os requisitos subjetivos e objetivos, deve o Parquet propor a
transação penal, sendo verdadeiro direito subjetivo do averiguado, consoante entendimento
esposado pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 81.228-RJ. Assim, aplicando por analogia
a Súmula 696 do STF e o art. 28 do CPP, determinou a remessa do feito a esta Chefia Institucional
(fls. 72/73).
É o relatório.
Pondere-se, de início, que o art. 129, inc. I, da CF, atribui ao Ministério Público a titularidade
exclusiva da ação penal pública, motivo por que, tratando-se do dominus litis, aos membros da
Instituição incumbe verificar o cabimento das medidas despenalizadoras contidas na Lei n.º
9.099/95, seja a transação penal ou a suspensão condicional do processo.
Nestes termos, a Súmula n.º 696 do Egrégio Supremo Tribunal Federal e a jurisprudência do
Colendo Superior Tribunal de Justiça, o qual proclama cuidar-se a formulação da proposta de
verdadeira prerrogativa funcional do Parquet.
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A razão está com o Digno Promotor de Justiça, com a devida vênia da MM. Juíza.
Assim, trata-se de crime apenado com pena máxima superior a dois anos, que não se
caracteriza como infração de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.099/95.
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Bem por isso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça aprovaram súmulas
vedando a suspensão condicional do processo em casos de concurso de crimes em que a pena
mínima, em abstrato, exceda um ano (súmulas n.º 723 do STF e 243 do STJ). O mesmo raciocínio
deve ser adotado em relação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo.
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Não bastasse, como bem asseverou o Douto Promotor de Justiça Natural, estão igualmente
ausentes os requisitos subjetivos para a transação penal, pois não indicam as circunstâncias do
delito, ser necessária e suficiente a adoção da medida (art. 76, § 2º, III, da Lei do Juizado Especial
Criminal).
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