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CAOCrim

Boletim Criminal Comentado n°190,


07/2022

(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 190-
Julho de 2022

Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais


Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores
Fabiola Sucasas Negrão Covas (descentralizada)
Olavo Evangelista Pezzotti
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha
Danilo Pugliesi (descentralizado)

Núcleo de Apoio ao Tribunal do Júri


Aluisio Antonio Maciel Neto (Coordenador)
Felipe Bragantini de Lima
Flavia Flores Rigolo
Juliana Mendonça Gentil Tocunduva
Luiz Carlos Ormeleze
Thiago Alcocer Marin

Artigo 28 e Conflito de Atribuições


Marcelo Sorrentino Neira
Manoella Guz
Roberto Barbosa Alves
Walfredo Cunha Campos
Cleber Masson
Fernando Célio de Brito Nogueira (descentralizado)

Analistas Jurídicos
Ana Karenina

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Julho de 2022

SUMÁRIO

AVISOS...................................................................................................................................................4

NOTÍCIAS...............................................................................................................................................5

ESTUDOS DO CAO CRIM........................................................................................................................6

1-Tema: Transação penal e suspensão condicional do processo em crime de ação penal de iniciativa
privada. (I)legitimidade do MP..............................................................................................................6

2-Tema: Crime de violência arbitrária (art. 322 do CP) e a lei de abuso de autoridade...........................6

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.........................................9

DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................9

1-Tema: Jurisprudência em Teses do STJ traz novos entendimentos sobre colaboração premiada ......9

DIREITO PENAL....................................................................................................................................12

1-Tema: Juiz sempre deve reduzir a pena quando houver confissão do réu, define Quinta Turma do
STJ.......................................................................................................................................................12

NÚCLEO DE GÊNERO...........................................................................................................................16

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP.............................................................................................19

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AVISOS

Compartilhamos os bons frutos da reunião ordinária do CNPG (Conselho Nacional de Procuradores-


Gerais), em Porto Velho-RO, destacando a aprovação unânime das Notas Técnicas 01/2022 (Tema n.
1.208. STF - RE n. 1.368.160/RS) e 02/2022 (Res 412/CNJ).

GNCCRIM Nota Técnica 02.2022 Resolução 412 CNJ

Análise sobre a (in)constitucionalidade da Resolução nº 412/2021, do Conselho Nacional de Justiça –


CNJ, que ‘Estabelece Diretrizes e Procedimentos para a Aplicação e o Acompanhamento da Medida
de Monitoramento Eletrônico de Pessoas”

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NOTA TÉCNICA CONJUNTA 1/2022 – MPRS/MPRO

Importante para a promotoria de justiça criminal: requisitos de validade do consentimento do


morador para o ingresso em domicílio. Repercussão geral do Tema n. 1.208. STF - RE n. 1.368.160/RS

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NOTÍCIAS

CNJ publica orientações sobre remição de pena por prática de leitura e educação

Com objetivo de estabelecer parâmetros e orientar as varas de execução penal a implementar


programas para remição de pena por práticas sociais educativas, o Departamento de Monitoramento
e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Orientação Técnica n. 1/2022. O documento trata com
especial atenção a educação não escolar e as práticas de leitura, sugerindo fluxos de trabalho de
como reconhecer e contabilizar essas atividades para a remição de pena.

A orientação implementa o disposto na Resolução CNJ n. 391/2021, que trata de questões como
atividades de educação não-escolar, de socialização, de autoaprendizagem ou de aprendizagem
coletiva, entendidas como aquelas de natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional, de
saúde, entre outras, além das práticas de leitura.

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Tema: Transação penal e suspensão condicional do processo em crime de ação penal de iniciativa
privada. (I)legitimidade do MP.

Discute-se na doutrina e jurisprudência a quem cabe o propositura de transação penal e suspensão


condicional do processo em crime de ação penal de iniciativa privada. Temos, basicamente, três
correntes:

a) cabe ao MP, devidamente autorizado pelo querelante

b) cabe ao MP, independentemente da autorização do querelante

c) cabe ao querelante, atuando o MP como fiscal da ordem jurídica

Como se percebe da decisão do Setor do Art. 28 do CPP, publicada ao final deste boletim, a
Procuradoria-Geral de Justiça, depois de anos seguindo corrente diversa, altera seu entendimento
para encampar raciocínio jurisprudencial já sedimentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no
sentido de que, nos crimes que se processam mediante ação penal privada, compete à vítima a
formulação da proposta de transação penal e de suspensão condicional do processo.

2-Tema: Crime de violência arbitrária (art. 322 do CP) e a lei de abuso de autoridade

Há anos existe séria controvérsia a respeito da vigência deste tipo penal. São vários os
doutrinadores1 que sustentam ter sido tacitamente revogado pela Lei 4.898/65 (esta, por sua vez,
revogada pela Lei 13.869/19).

Na jurisprudência dos tribunais superiores, contudo, vem prevalecendo tese oposta, leia-se, de que
o art. 322 permanece vigente, pois suas características não se confundem com as do abuso de
autoridade. A respeito, destacamos o seguinte julgado proferido pelo STJ, ainda sob a vigência da Lei
4.898/65:

1
. Gilberto e Vladimir Passos de Freitas, Abuso de autoridade, p. 49; DAMÁSIO E. de Jesus, Direito Penal, v. 4,
p. 188; Julio F. MIRABETE, Manual de direito penal, v. 3, p. 326.

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“Com efeito, a violência arbitrária, tipificada no art. 322 do Código Penal ("Praticar violência, no
exercício de função ou a pretexto de exercê-la"), é entendida como aquela ilegalidade do funcionário
público que, violando o Direito da Administração Pública, age arbitrariamente, isto é, sem
autorização de qualquer norma legal que lhe justifique a conduta, contra o cidadão. E, por sua vez,
não está compreendida no "atentado à incolumidade física do indivíduo", previsto na alínea i, do art.
3º, da Lei n. 4.898/65, norma referente ao abuso de autoridade ou exercício arbitrário de poder, pela
qual o funcionário, ao executar sua atividade, excede-se no Poder Discricionário, que facultaria a
escolha livre do método de execução, ou desvia, ou foge da sua finalidade, descrita na norma legal
que autorizava o Ato Administrativo, ocorrendo aí uma lesão de direito que no campo penal toma
forma de abuso de poder ou exercício arbitrário de poder.

A corroborar tal entendimento, calha trazer à colação a lição apresentada por RUI STOCCO, in verbis:
"(...) No que concerne à revogação do art. 322 do CP pela alínea ‘i' do art. 3º da Lei 4.898, já decidiu
o Supremo Tribunal Federal que tal não ocorreu, como se verá adiante. (...) Há acirrada discussão
jurisprudencial quanto a estar, ou não, revogado o art. 322 do CP/40 pela Lei 4.898/65, art. 3º, ‘i'. Em
lapidar voto vencedor, o Juiz Roberto de Rezende Junqueira (Rec. 49.547, de S. Paulo, julgado em
27.9.73) traz a lume os seguintes esclarecimentos que, em parte, transcrevemos: ‘Todo ato
administrativo, por princípio, é discricionário, por que a Administração Pública deve manter-se nos
princípios da legalidade, a fim de que o Estado, que tutela o direito, não venha a ser o primeiro a
desrespeitar as regras de que tem sob custódia. ‘O Poder Discricionário, que o justifica, caracteriza-
se, ensina Pinto Ferreira (RDP 21/24), por uma certa margem de livre escolha entre as várias possíveis
soluções ou por um elenco de resoluções válidas, no limite da lei; neste caso o Código de Processo
Penal. ‘Desse modo dir-se-á que a atividade discricionária do funcionário público somente é lícita
quando há uma norma ou ordem legal que tenha criado aquela possibilidade de escolha, sempre
presente na execução das normas administrativas, que sofrem as contingências acidentais
decorrentes do momento, das pessoas e das coisas. ‘Não obstante, casos há em que o funcionário,
ao executá-la, excede-se no Poder, ou desvia, ou foge da sua finalidade, ocorrendo aí uma lesão de
direito que no campo penal toma forma de abuso de poder. ‘Essa figura, nessas condições, pressupõe
em primeiro lugar a existência de norma legal que autorizava o Ato Administrativo; em segundo, o
Poder Discricionário, que facultaria o funcionário a escolher livremente o método de execução e,
finalmente, a escolha que fez, consciente e voluntariamente, excedendo-se, desviando o poder
conferido ou a finalidade do ato. ‘O crime em apreço, outrora definido pelo art. 350 do CP, difere-se
da ‘violência arbitrária' definida no mesmo estatuto legal, no art. 322, porque neste último o
funcionário público, violando o Direito da Administração Pública, age arbitrariamente, isto é, sem
autorização de qualquer norma legal que lhe justificasse a conduta. ‘Nesta última hipótese o réu

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impõe a sua vontade, desvinculada de qualquer forma lícita, para praticar violência no exercício da
função ou a pretexto de exercer. ‘O art. 350, acima citado, foi inteiramente substituído pela Lei 4.898,
permanecendo vigente e na sua própria redação, o art. 322 do dito CP”.2

A nosso ver, as considerações feitas no julgado ainda são válidas. Embora tipifique diversas condutas
em que o agente público lança mão de violência (art. 13, art. 22, § 1º, I e art. 24), a Lei 13.869/19
disciplina, assim como a anterior, condutas cometidas com abuso de poder e, mais, com a finalidade
específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho
ou satisfação pessoal (art. 1º, § 1º). Além disso, é preciso atentar para o fato de que o legislador de
2019 revogou expressamente dois dispositivos do Código Penal cuja vigência não fazia mais sentido
diante dos crimes de abuso de autoridade (art. 150, § 2º e art. 350). Fosse, de fato, inaplicável, o art.
322 teria tido a mesma sorte.

Em suma, quando presente o abuso de autoridade (de poder), acompanhado de violência, o art. 322
do CP atuará como soldado de reserva, deixando de incidir quando o fato se subsumir ao que disposto
na norma especial (Lei 13.869/19).

2
. HC 48.083/MG, j. 20/11/2007.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM


DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1- Tema: Jurisprudência em Teses do STJ traz novos entendimentos sobre colaboração premiada

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição


194 de Jurisprudência em Teses, sobre o tema Colaboração Premiada II. A equipe responsável pelo
produto destacou duas teses.

A primeira define que o colaborador beneficiado com delação premiada pode ser ouvido em juízo
como testemunha, desde que não figure como réu no mesmo processo.

O segundo entendimento aponta que a concessão dos benefícios legais decorrentes da delação
premiada depende de efetiva e eficaz contribuição do agente colaborador.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Diferentemente do que o ocorre com a confissão pura e simples, na Lei 12.850/2013, a confissão do
colaborador, à luz da chamada teoria de Bayes, tem maior credibilidade lógica. Vejamos.

Isso porque essa confissão é regida por algumas características capazes de elevar o seu
comprometimento a um nível superior, por exemplo, à de uma mera delação de corréu. Isso acontece
notadamente porque se depois for desvendado que ele mentia, ou caso ele se retrate, além de ter o
acordo rescindido, pode responder por infração penal prevista no art. 19 da Lei 12.850/2013.

Essas consequências legais, suficientemente desestimulantes à falsidade, servem para deflagração


de outras diligências investigativas aptas a corroborá-las. E é neste instante que ocorre um efeito de
retroalimentação da credibilidade do depoimento do Colaborador. Na medida em que aquela
informação serve de fonte para outras provas, e na medida em que essas investigações comprovam
a veracidade das informações inicialmente prestadas, consolida-se no processo a veracidade da
confissão do colaborador. Essas novas evidências, fruto da colaboração anterior, são capazes de
elevar a um nível adicional a crença na confissão original, agora duplamente validada face a
incidência do chamado teorema de Bayes, teoria que serve para análise da evidência baseada no
aumento da probabilidade de sua veracidade.

Robert Matthews ensina que o aumento de uma hipótese é tanto maior quanto corresponder a
obtenção de novas evidências que confirmam a hipótese inicial, o que encontra amparo no teorema

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de Bayes que mostra como as chances de uma crença num argumento inicial aumentam devido à
incidência de uma nova evidência3.

Sintetiza Dallagnol que Bayesianismo estuda a prova pelo prisma da indução e das regras da
probabilidade, fórmulas que servem para a partir de uma evidência inicial, confirmarem ou
desconfirmarem uma hipótese probatória. O quantum que uma prova reforça a probabilidade de
uma hipótese segue cálculos matemáticos de probabilidades condicionais, principalmente em casos
de análise sucessiva de provas, situação capaz de gerar uma atualização da hipótese final4.

Dada a metodologia para aferição da credibilidade que ela produz na valoração da prova, a teoria
acima vem sendo empregada largamente nos Estado Unidos para rever condenações judiciais por
meras evidências que não passam pela análise Bayesiana. Estima-se que o “Innocence Project”,
criado em 1992 na Escola de Direito Cardozo, de Nova York, para reexaminar aparentes erros da
Justiça, já tenha inocentado cerca de trezentas pessoas de crimes sérios pelos quais foram
indevidamente condenadas mediante, unicamente, confissões falsas5.

A confiança em um depoimento, segundo o critério Bayes, deve ser obtida quando a chance de
obtenção de uma confissão do culpado é maior que a chance de obtenção uma confissão de um
inocente, o que demanda análise, além do tipo de crime envolvido no caso, a racionalidade decisória
e as sucessivas evidências colhidas no caso. Assim, por exemplo, membros da máfia italiana ou de
organizações terroristas são menos propensos a confessar e delatar ex-comparsas diante das regras
o omertá, de modo que essas confissões, para receberem maior credibilidade, reclamam um ônus
argumentativo e um reforço de evidências maior do que, por exemplo, confissões de agentes
acusados de crimes empresariais e de corrupção, já que permeados por agentes que costumam
pautar suas ações pela análise racional predominantemente financeira dos resultados.

3 MATTHEWS, Robert. As leis do acaso. Como a probabilidade pode nos ajudar a compreender a incerteza.
Tradução: George Schlesinger. ed. Zahar. 2017. P. 151.

4 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das provas no processo: prova direta, indícios e presunções. Porto
Alegre: Livraria do Advogado. 2015. P. 108-109.

5 MATTHEWS, Robert. As leis do acaso. Como a probabilidade pode nos ajudar a compreender a incerteza.
Tradução: George Schlesinger. ed. Zahar. 2017. P. 170.

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O teorema de Bayes pode ser uma ferramenta útil para o descarte de confissões e colaborações
premiadas fantasiosas, motivadas exclusivamente pela obtenção dos prêmios previstos na lei, pelo
que o seu estudo, tal qual já vem ocorrendo em outros países, merece mais atenção.

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DIREITO PENAL:

1- Tema: Juiz sempre deve reduzir a pena quando houver confissão do réu, define Quinta Turma
do STJ

Notícias do STJ

Em decisão unânime que alterou sua jurisprudência, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) firmou a tese de que o réu terá direito à diminuição da pena pela confissão sempre que houver
admitido a autoria do crime perante a autoridade, como prevê o artigo 65, inciso III, "d", do Código
Penal – independentemente de a confissão ser usada pelo juiz como um dos fundamentos da
condenação, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada.

Com a nova orientação, o colegiado negou provimento ao recurso especial em que o Ministério
Público de Santa Catarina (MPSC) sustentava que um homem condenado por roubo não teria direito
à atenuação de pena concedida pelo tribunal de origem, pois o juiz não considerou sua confissão na
sentença.

O MPSC baseou seu entendimento na Súmula 545 do STJ, a qual dispõe que o réu fará jus à atenuante
quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador; portanto, para o
órgão de acusação, se a confissão não é utilizada pelo juiz, o réu não tem esse direito.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do recurso, afirmou que viola o princípio da legalidade condicionar
a redução da pena à citação expressa da confissão na sentença, como razão decisória, principalmente
porque o direito concedido ao réu sem ressalvas na lei não pode ficar sujeito ao arbítrio do julgador.

Segundo o Código Penal, a confissão sempre atenua a pena

O relator observou que, embora alguns julgados do STJ tenham adotado a posição defendida pelo
MPSC, eles não têm amparo em nenhum dos precedentes geradores da Súmula 545, os quais não
ordenaram a exclusão da atenuante quando a confissão não for empregada na motivação da
sentença. "Até porque esse tema não foi apreciado quando da formação do enunciado sumular",
disse o ministro.

Ribeiro Dantas destacou que o artigo 65, inciso III, "d", do Código Penal estabeleceu que a confissão
é uma das circunstâncias que "sempre atenuam a pena", de modo que o direito subjetivo à
diminuição surge no momento em que o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz
cita sua confissão na sentença condenatória (momento meramente declaratório).

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De acordo com o ministro, a súmula buscou ampliar essa garantia de atenuação em casos de
confissão parcial ou mesmo de retratação da confissão – que anteriormente eram controversos –,
motivo pelo qual é incabível a interpretação sugerida pelo MPSC, que impõe uma condição não
prevista no texto legal.

Atenuante da confissão é diferente de delação premiada

Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, observou o relator, a atenuante da confissão


não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga
para a investigação do crime, mas, sim, no senso de responsabilidade pessoal do acusado – a única
pessoa que pode decidir sobre a confissão.

Segundo Dantas, o legislador, se quisesse, "poderia, tranquilamente, limitar a atenuação da pena aos
casos em que a confissão gerasse um ganho prático à apuração do crime, como fez nos casos de
colaboração e delação premiadas".

Juiz não pode desconsiderar a confissão

Sobre a eventual existência de outras provas da culpa do acusado ou mesmo sobre a hipótese de
prisão em flagrante, o ministro considerou que tais circunstâncias não autorizam o julgador a recusar
a atenuação da pena, especialmente porque a confissão, por ser espécie única de prova, corrobora
objetivamente as demais.

No entender do relator, é contraditório que o Estado quebre a confiança depositada pelo acusado
na lei penal, ao garantir a atenuação da pena, estimulando-o a confessar, para depois desconsiderar
esse ato no processo judicial. Afinal, a decisão pela confissão é ponderada pelo réu a partir do
confronto entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da
reprimenda, apontou.

"Por tudo isso, o réu fará jus à atenuante do artigo 65, inciso III, 'd', do CP quando houver admitido a
autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz
como um dos fundamentos da sentença condenatória", concluiu o ministro.

Leia o acórdão no REsp 1.972.098.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1972098

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

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A confissão do agente serve como atenuante de pena, desde que:

(A) seja espontânea: espontânea é a assunção, livre de interferência subjetiva externa, dos fatos
imputados. A decisão de confessar deve partir do próprio agente. A confissão voluntária, decorrente
de interferência externa, pode configurar circunstância atenuante nos moldes do art. 66 do CP.

(B) perante a autoridade: a confissão deve ser feita perante a autoridade pública (juiz de direito ou
delegado de polícia).

Sempre se ensinou que a confissão policial retratada em juízo não permite a incidência da atenuante,
salvo se utilizada como fundamento para embasar a conclusão condenatória6. Nesse caso, a
atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada em favor do réu, pouco
importando se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial, ou se houve
retratação em Juízo7.

No julgado em comento o STJ vai além. A QUINTA TURMA, de forma unânime, firmou a tese de que
o réu terá direito à diminuição da pena pela confissão sempre que houver admitido a autoria do
crime perante a autoridade, como prevê o artigo 65, inciso III, "d", do Código Penal –
independentemente de a confissão ser usada pelo juiz como um dos fundamentos da condenação, e
mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada.

A confissão simples se dá quando o acusado assume a prática dos fatos que lhe são atribuídos,
podendo ser total (narrando o agente o crime com todas as suas circunstâncias) ou parcial (caso em
que não admite, por exemplo, qualificadoras ou causas de aumento). Já na confissão qualificada, o

6
. Nos termos do § 3º do art. 3º-C do CPP (juiz das garantias), os autos que compõem as matérias de
competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério
Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento,
ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de
antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. Pela simples leitura do
dispositivo em comento (art. 3º-C, § 3º), percebe-se que as matérias que não se inserem na competência do
juiz das garantias, leia-se, que estão fora dos incisos do art. 3º-B, podem, sem problemas, acompanhar a
inicial acusatória, como, por exemplo, oitivas na polícia, procedimento de inquérito civil, procedimento na
esfera da infância e juventude etc. Logo, a confissão policial, mesmo com o sistema do juiz das garantias,
continuará instruindo o processo penal.

7
. STJ: HC 456.452/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 14/08/2018; AgRg no HC 453.724/SP, Sexta
Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, j. 04/09/2018.

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réu admite a autoria do evento, mas alega fato impeditivo ou modificativo do direito (como a
presença de uma excludente de ilicitude ou culpabilidade).

No Supremo Tribunal Federal, a matéria é controvertida, pois há decisões no sentido de que é


possível aplicar a atenuante, mesmo quando a confissão é qualificada8, assim como já se decidiu pela
impossibilidade de atenuar a pena nas mesmas circunstâncias9.

8
. STF – Primeira Turma – HC 99436 – Rel. Min. Cármen Lúcia – DJe 06/12/2010; STF – Primeira Turma – HC
82337 – Rel. Min. Ellen Gracie – DJ 04/04/2003.

9
. STF – Primeira Turma – HC 119.671 – Rel. Luiz Fux – DJe 03/12/2013; STF – Primeira Turma – HC 103.172
– Rel. Min. Luiz Fux – DJe 24/09/2013.

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NÚCLEO DE GÊNERO

1-Tema: Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NAVV)- Prestação de Contas

O Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NAVV), através da Promotora de Justiça SILVIA


CHAKIAN DE TOLEDO SANTOS, apresenta sua prestação de contas desses 90 dias de funcionamento,
instalado no Fórum Criminal da Barra Funda, andar térreo (ao lado da recepção), órgão criado pela
Resolução nº 1.435/2022-CPJ, que tem a finalidade de prestar apoio integral às vítimas de delitos e
de atos infracionais violentos e seus familiares, proporcionando o acesso a serviços de assistência
jurídica, psicológica, social, à segurança e à saúde, utilizando-se do estabelecimento de convênios e
parcerias com diversas instituições.

O NAVV completou 90 dias de existência com 172 atendimentos de vítimas e familiares, em sua
maioria da Capital, casos que variaram entre crimes dolosos contra a vida (homicídios e feminicídios),
tortura, violência sexual (tanto em trâmite perante as Promotorias Criminais, como de Violência
Doméstica e também Infância - Atos Infracionais), além de crimes patrimoniais (roubos e tentativa
de latrocínio).

Na sua maioria, os casos foram encaminhados ao NAVV diretamente pelas Promotorias de Justiça,
tanto por membros, como por servidores. O restante chegou ao NAVV por demanda espontânea ou
por encaminhamento de integrantes do Poder Judiciário que tomaram conhecimento da existência
do Núcleo.

Na medida das circunstâncias e peculiaridades de cada situação em concreto, o Núcleo promoveu


acolhimento, escuta, orientação processual e sobre direitos, atendimento psicossocial, dentre outras
providências de proteção e garantia de direitos, tanto às vítimas diretas como indiretas da violência
praticada. A psicóloga do NAVV realizou os atendimentos psicológicos presencialmente e também
virtualmente, sempre em atenção à necessidade de cada solicitação, o que proporcionou que vítimas
residentes fora da Capital fossem acompanhadas. Em muitos casos, foram elaborados relatórios
psicológicos dos atendimentos, devidamente encaminhados ao Promotor Natural.

Nesse período, o NAVV disponibilizou no site do MPSP seu Planejamento Estratégico; Protocolo de
Atendimento para casos de violência que envolvem direta ou indiretamente crianças e adolescentes
(situação de orfandade decorrente de homicídio ou feminicídio ou testemunhas da violência); roteiro
de escuta/oitiva para vítimas de violência sexual maiores de 18 anos; além de outros materiais

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destinados à garantia de acesso à informação sobre direitos das vítimas de crimes violentos. Outros
protocolos de atendimento para diferentes demandas estão em fase de elaboração e revisão.

Em breve serão também disponibilizados aos colegas materiais como folders e cartazes, já em fase
de produção, para aqueles que desejarem afixar nas promotorias e salas de espera das audiências
informações visíveis sobre os direitos das vítimas de violência e seus familiares.

Também nesse período, o NAVV se fez presente em reuniões institucionais e com órgãos da rede de
atendimento, inclusive hospitais e universidades, sempre com o objetivo de concretização de
convênios e parcerias capazes de garantir melhoria nos fluxos de encaminhamento de vítimas e
familiares para garantia de seus direitos, nas diversas esferas. O NAVV também tem realizado
esforços para contribuir com a descentralização de sua atuação para o restante do Estado, havendo
avanços na implementação do NAVV descentralizado na região de Araraquara, já em funcionamento,
o que em breve também acontecerá nas regiões de Carapicuíba e Franca. O NAVV realizará no
próximo mês, em parceria com o Centro de Apoio Criminal e Escola Superior do Ministério Público,
sua segunda capacitação, desta vez com o foco na garantia de direitos nos sistemas de saúde e
justiça, para vítimas de violência sexual.

No mais, reitera-se aqui que o NAVV está à disposição dos colegas, salientando que nossa atuação
junto às vítimas e familiares tem início após pedido feito pelo(a) Promotor(a) Natural de casos de
violência que reclamem o atendimento de equipe especializada e profissional, sendo que eventual
demanda espontânea ou encaminhada por outros órgãos, públicos ou privados, será atendida após
a comunicação ao(à) Promotor(a) Natural e seu expresso consentimento, se o caso.

O encaminhamento dos casos para atendimento pelo NAVV poderá ser feito:

- presencialmente, todos os dias, diretamente a esse Núcleo (Fórum Criminal da Barra Funda, andar
térreo, avenida A, sala 30);

- por meio de email: navv@mpsp.mp.br;

- por meio do preenchimento de formulário simplificado online


(https://forms.office.com/r/3wPKRdH7wM)

- via Teams (Silvia Chakian de Toledo Santos e Priscila Marquezini Viccino);

- por telefone: 11 34296398 ou

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- por whatsapp: 11 969152644

A criação do NAVV atende ao disposto no artigo 129, inciso II da CF; à Resolução n. 40/34 da
Organização das Nações Unidas que estabelece os Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas
da Criminalidade; à Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público 243 e à necessidade de o
Ministério Público aprimorar a proteção integral e garantia de direitos das vítimas de crimes graves,
nas diversas esferas.

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1-Tema: Oferecimento de suspensão condicional do processo em ação penal privada – revisão –


proposta compete ao querelante.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28

Autos n.º 1000xxx-6x.2020.8.26.0059 – MM. Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de


Bananal
Querelantes: ROBERTA ODETE DA SILVA e FLÁVIO ANANIAS DE CARVALHO
Querelado: THIAGO FERNANDES DA FONSECA
Assunto: oferecimento de suspensão condicional do processo em ação penal privada – revisão –
proposta compete ao querelante.

Cuida-se de queixa-crime ajuizada por Roberta Odete da Silva e Flavio Ananias de Carvalho,
imputando a prática dos crimes de difamação e injúria qualificadas pela prática na presença de
diversas pessoas e dano qualificado pelo motivo egoístico, previstos, respectivamente, nos arts. 139
e 140 c.c. art. 141, inciso III, e art. 163, parágrafo único, IV, todos na forma do art. 69 (concurso
material), todos do Código Penal, a THIAGO FERNANDES DA FOSECA (cf. queixa-crime de fls. 1/12 dos
autos n° 1000299-79.2020.8.26.0059, apensados aos presentes autos).

Segundo narram os querelantes, ambos são casados e possuem um comércio chamado Rock
Café, bem como uma loja de roupas, situados na Praça Coronel Cunha Lara, na cidade de São José do
Barreiro, comarca de Bananal, sendo que THIAGO é proprietário de uma adega, situada também na
cidade de São José do Barreiro e, em datas festivas, monta uma barraca para a venda de bebidas, ao
lado do estabelecimento dos querelantes.

Em síntese, segundo consta dos autos, em 10 de janeiro de 2020, o querelado teria praticado
crimes de difamação e injúria contra os querelantes na presença de diversas pessoas, chamando-os

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de “piranha”, “viado” e “filho da puta”, bem como os ameaçado com um martelo, dizendo que iria
matá-los e que quebraria o estabelecimento comercial e o carro dos querelantes, tendo, ainda,
praticado o crime de dano em face dos requerentes, chutando a churrasqueira que eles possuem no
estabelecimento comercial, jogando-a no chão e danificando-a (fotos de fls. 23/62 e laudo pericial
de fls. 70/73), conforme Boletim de Ocorrência nº 900003/2020 (fls. 20/22) e queixa-crime.

Ainda, narram os querelantes que, no dia 11 de setembro de 2020, THIAGO, novamente, os


xingou e ameaçou.

A fls. 222/227 a D. Representante Ministerial requereu a redistribuição dos autos no tocante


ao crime de ameaça ao Juizado Especial Criminal.

Após manifestação ministerial asseverando estarem presentes os requisitos legais da queixa-


crime (fls. 290), o MM. Juiz da Vara Única de Bananal designou audiência de conciliação,
determinando a intimação das partes (fls. 291).

Foram juntadas aos autos a folha de antecedentes (fls. 311 e 420) e certidão criminal em
nome do querelado (fls. 308/310 e 421/423).

Realizada audiência de conciliação, a mesma restou prejudicada devido à ausência do


querelado, sendo determinada a imediata remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal, tendo em
vista a pena dos delitos em apuração (fls. 312).

Recebidos os autos no JECRIM, foi designada data para audiência de instrução e julgamento
(fls. 314/315), redesignada posteriormente a fls. 347.

Realizada a audiência de instrução, a Dra. Promotora de Justiça ofereceu ao querelado a


proposta de suspensão condicional do processo, por 02 (dois) anos, com fulcro no art. 89 da Lei
9.099/95, mediante o cumprimento das condições de comparecimento mensal em Juízo para
informar e justificar suas atividades, de não frequentar bares e estabelecimentos assemelhados após

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as 22h, de não se ausentar da Comarca sem prévia autorização judicial por mais de 08 (oito) dias e
de efetuar o pagamento de um salário mínimo em favor de entidade beneficente cadastrada no Juízo,
o que foi aceito pelo querelado e seu defensor. No entanto, dada palavra aos querelantes, eles não
concordaram com o oferecimento do referido benefício ao querelado (cf. termo de audiência de fls.
430).

Assim, a MM. Juíza, então, discordando da negativa dos querelantes quanto ao oferecimento
da suspensão condicional do processo ao querelado, e sustentando que “os benefícios jurídicos já
consagrados pela jurisprudência como um direito subjetivo da parte, como o são os institutos da
suspensão condicional do processo e da transação penal se aplicam as ações penais privadas e podem
ser propostos pelo Ministério Público ainda que na condição de fiscal da lei em uma ação penal
privada (direito subjetivo da parte Querelada), o que já foi decidido no Enunciado Criminal nº 112 do
FONAJE e em diversos julgados dos Egrégios Tribunais Superiores”, determinou a remessa dos autos
a esta Chefia Institucional, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 431/432).

Eis a síntese dos autos.

A questão central reside em analisar se é possível a concessão de suspensão condicional do


processo em crimes cuja iniciativa caiba ao particular e em que condições se deve admitir a medida
despenalizadora.

No que pertine à aplicação do instituto às infrações que se processam mediante queixa, em


que pese haver dissídio doutrinário e jurisprudencial a respeito, parece-nos correta a tese favorável
ao seu cabimento. Nesse sentido, inclusive, o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.


CRIMES CONTRA A HONRA. LEI DE IMPRENSA. AÇÃO PENAL
PRIVADA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEGITIMIDADE

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PARA O SEU OFERECIMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 89,


DA LEI N.º 9.099/1995.
1. O benefício processual previsto no art. 89, da Lei n.º 9.099/1995,
mediante a aplicação da analogia in bonam partem, prevista no art.
3.º, do Código de Processo Penal, é cabível também nos casos de
crimes de ação penal privada. Precedentes do STJ.
2. Recurso provido”.
(STJ, RHC n. 17.061, rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6.ª Turma,
julgado em 30/05/2006, DJE de 26/06/2006, p. 199)

Ressalte-se, porque oportuno, que até a presente data, esta Procuradoria Geral de Justiça
entendia que, nas ações penais de iniciativa privada, as propostas de transação penal e suspensão
condicional do processo (arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/95), deveriam ser formuladas pelo Ministério
Público, mediante prévia anuência do titular da queixa.

Entretanto, forçoso reconhecer que o entendimento mais recente do Colendo Superior


Tribunal de Justiça não exige a mera anuência da vítima para que seja realizada a proposta, mas
pressupõe que a proposta seja elaborada pelo próprio querelante, uma vez que é ele o titular da
ação penal. Neste sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


PROCESSUAL PENAL. CALÚNIA QUALIFICADA. ILEGALIDADE
FLAGRANTE. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE
DE OFERECIMENTO DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES. SÚMULA
N. 337/STJ. AUSÊNCIA. SENTENÇA. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUMAÇÃO. RECURSO
INTERNO. PERDA DO OBJETO.HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE
OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO.

1. Havendo desclassificação do delito ou procedência parcial da


pretensão punitiva, é cabível a aplicação dos institutos

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despenalizadores da Lei n. 9.099/1995. Aplicação da Súmula n. 337


do Superior Tribunal de Justiça.

2. A aferição do requisito objetivo da suspensão condicional do


processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9.099/1995, em se tratando de
delitos cometidos em concurso formal, é feita a partir da aplicação
da fração de aumento referente à quantidade de delitos praticados.
No caso concreto, sendo 2 (dois) os delitos, aumenta-se a pena
mínima abstratamente cominada na fração de 1/6 (um sexto).
Inteligência da Súmula n. 243 do Superior Tribunal de Justiça. (...)

4. No caso de ação penal privada, a legitimidade para formular a


proposta de suspensão condicional do processo é do ofendido.
Precedentes desta Corte Superior.

5. Não pode subsistir a condenação no caso, por não ter sido


conferida ao Agravado, então Querelante, a oportunidade de propor,
ou não, a suspensão condicional do processo, nem ao Agravante de
eventualmente aceitá-la. (...)”

(STJ, AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.815.689 - PR


(2021/0013371-2), rel. Min. LAURITA VAZ, Brasília, 6ª Turma do STJ,
julgado em 22/06/2021, DJe 30/06/2021)

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS


CORPUS. CRIMES CONTRA A HONRA. ARTS. 138, 139 E 140, C/C 141,
III, TODOS DO CÓDIGO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. QUEIXA-
CRIME. PENAS QUE SUPERAM DOIS ANOS. COMPETÊNCIA DOS
JUIZADOS ESPECIAIS AFASTADA. ALEGAÇÃO DE ERRO NA
TIPIFICAÇÃO. SUPOSTA DISPUTA ELEITORAL. REVOLVIMENTO DE
MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. TRANSAÇÃO
PENAL. LEGITIMIDADE DO QUERELANTE. INÉPCIA DA QUEIXA-
CRIME. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESCRIÇÃO DE CONDUTA QUE, EM
TESE, CONFIGURA CRIME. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS DESPROVIDO.

I - Na linha da jurisprudência desta Corte de Justiça, tratando-se de


concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da
competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma,

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em concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso


formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos
delitos, caso em que, ultrapassado o patamar de 2 (dois) anos,
afasta-se a competência do Juizado Especial. Precedentes.

(...)

IV - A jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a aplicação da


transação penal às ações penais privadas. Nesse caso, a
legitimidade para formular a proposta é do ofendido, e o silêncio
do querelante não constitui óbice ao prosseguimento da ação
penal.

V - In casu, não consta que o querelante tenha formulado proposta


de transação penal. O eg. Tribunal registrou, outrossim, que "a
Paciente recusou proposta de reconciliação própria do
procedimento dos crimes contra a honra, quando o feito ainda
tramitava perante esta Corte" considerando, assim, que não
apresentou comportamento processual compatível com a resolução
consensual do conflito. (...)

Recurso ordinário desprovido.”

(STJ, RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 102.381 - BA (2018/0222168-


0), rel. Min. FELIX FISHER, Brasília, 5ª Turma do STJ, julgado em
09/10/2018, DJe 17/10/2018)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL


PRIVADA. TRANSAÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DO
QUERELANTE. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE.

1. Embora admitida a possibilidade de transação penal em ação


penal privada, este não é um direito subjetivo do querelado,
competindo ao querelante a sua propositura.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1356229/PR, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE


OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA
TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 26/03/2013)

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PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUEIXA.


INJÚRIA. TRANSAÇÃO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA.
POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE DO QUERELANTE. JUSTA CAUSA
EVIDENCIADA. RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA.

I - A transação penal, assim como a suspensão condicional do


processo, não se trata de direito público subjetivo do acusado, mas
sim de poder-dever do Ministério Público (Precedentes desta e.
Corte e do c. Supremo Tribunal Federal).

II - A jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a aplicação da


transação penal às ações penais privadas. Nesse caso, a
legitimidade para formular a proposta é do ofendido, e o silêncio
do querelante não constitui óbice ao prosseguimento da ação
penal.

III - Isso porque, a transação penal, quando aplicada nas ações penais
privadas, assenta-se nos princípios da disponibilidade e da
oportunidade, o que significa que o seu implemento requer o mútuo
consentimento das partes. (...)

(APn 634/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado


em 21/03/2012, DJe 03/04/2012)

Calha citar, neste diapasão, a doutrina de Antonio Henrique Graciano Suxberger, com
conclusão semelhante à que ora se propugna:

“A transação penal pressupõe acordo entre as partes. O próprio STF


já teve oportunidade de salientar essa lição em diversas
oportunidades. A título ilustrativo, confiram-se os arestos RE
492.087/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 22/06/2007, e
RE 468.161/GO, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de
31/03/2006. Por se tratar de acordo, não se pode, então, compelir

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o querelante a ofertar proposta que não seja de seu interesse ou


não derive de sua manifestação de vontade. Ainda, vale rememorar
que a ação penal de iniciativa do ofendido é orientada pelos
postulados da oportunidade e da disponibilidade. Assim, também a
proposta de transação penal se inseriria no exercício da conveniência
e oportunidade do querelante na sua formulação” (Leis Penais
Especiais Comentadas, 4ª Edição, Editora JusPodivm, pág. 884-g.n.).

Na mesma linha, os ensinamentos de Renato Brasileiro de Lima:

“Doutrina e jurisprudência entendem que não há fundamento


razoável para não se admitir a transação penal em crimes de ação
penal privada. Admitida a possibilidade de transação penal e de
suspensão condicional do processo em crimes de ação penal de
iniciativa privada, há a necessidade de se analisar a legitimidade
para a formulação da proposta. Há entendimento segundo o qual a
proposta de transação penal deve ser feita pelo Ministério Público,
desde que não haja discordância da vítima ou de seu representante
legal. (...) Sem embargo desse entendimento, tendo em conta que
a titularidade da ação penal privada é do ofendido ou de seu
representante legal, parece-nos que a proposta de transação penal
– e de suspensão condicional do processo – só pode ser oferecida
pela vítima (querelante), sob pena de verdadeira usurpação de seu
direito de queixa, do qual o Ministério Público não é titular. Assim,
sendo cabível a transação penal e a suspensão condicional do
processo, é dever do Juiz suscitar a manifestação do querelante,
porquanto a legitimidade para o oferecimento da proposta é
exclusivamente dele”. (Legislação Criminal Especial Comentada,
Editora JusPodivm, 9ª edição, pag. 618-g.n.)

Pontuado isso, de ver que no caso concreto, os querelantes, por ocasião da audiência (fls.
430), discordaram do oferecimento do benefício previsto no art. 89 na Lei n. 9.099/95 ao querelante.

Assim, na hipótese dos autos, não havendo proposta de suspensão condicional do processo
elaborada pelos querelantes ao querelado, e sequer a concordância do oferecimento do benefício

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por eles, de rigor o prosseguimento do feito, não surtindo efeito a proposta oferecida pelo Ministério
Público em audiência.

E isto porque, se nos casos de ações penais públicas, os institutos despenalizadores da Lei
9.099/95 constituem prerrogativa institucional do Ministério Público, não encerrando direito
subjetivo do querelado, nos crimes que se processam mediante ação penal privada, considerando
que a titularidade da ação compete à vítima, também a ela caberá a formulação de proposta de
medida despenalizadora eventualmente cabível, retirando-se do Ministério Público, que atua nestes
casos apenas como Fiscal da Lei, a prerrogativa institucional de oferecê-las.

Neste cenário, inevitável a alteração de entendimento desta Procuradoria-Geral de Justiça,


para encampar o entendimento jurisprudencial já sedimentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça,
no sentido de que, nos crimes que se processam mediante ação penal privada, compete à vítima a
formulação da proposta de transação penal e de suspensão condicional do processo.

Portanto, no caso dos autos, vê-se que, embora proposto o benefício pela D. Promotora de
Justiça, considerando que a titularidade da ação penal não é do Ministério Público, não há como se
concretizar a avença, que não poderá ser homologada sem que haja proposta elaborada pelos
querelantes.

Diante do exposto, revisa-se a decisão da Douta Promotora de Justiça natural que ofereceu
o benefício da suspensão condicional do processo ao querelado, preservando-se a prerrogativa dos
querelantes quanto à eventual concessão do benefício despenalizador, restituindo-se os autos ao E.
Juízo competente para o regular o prosseguimento do feito.

São Paulo, 23 de junho de 2022.

Mário Luiz Sarrubbo


Procurador-Geral de Justiça

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