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CAOCrim

Boletim Criminal Comentado n°186,


06/2022

(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 186-
Junho de 2022

Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais


Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores
Fabiola Sucasas Negrão Covas (descentralizada)
Olavo Evangelista Pezzotti
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha

Núcleo de Apoio ao Tribunal do Júri


Aluisio Antonio Maciel Neto (Coordenador)
Felipe Bragantini de Lima
Flavia Flores Rigolo
Juliana Mendonça Gentil Tocunduva
Luiz Carlos Ormeleze
Thiago Alcocer Marin

Artigo 28 e Conflito de Atribuições


Marcelo Sorrentino Neira
Manoella Guz
Roberto Barbosa Alves
Walfredo Cunha Campos
Cleber Masson
Fernando Célio de Brito Nogueira (descentralizado)

Analistas Jurídicos
Ana Karenina

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Boletim Criminal Comentado 186-
Junho de 2022

SUMÁRIO

NOTÍCIAS...............................................................................................................................................4

1- MPSP atinge a marca de trinta mil acordos de não persecução penal celebrados..........................4

2- Programa Fala, MPSP comenta sobre os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil............................5

ESTUDOS DO CAO CRIM........................................................................................................................6

1-Tema: Parecer sobre interrogatório por videoconferência- Réu foragido..........................................6

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.........................................7

DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................7

1-Tema: Acordo de não persecução penal - ANPP. Pleito de realização do acordo. Não cabimento
após o recebimento da denúncia. Faculdade do Parquet. Recusa devidamente fundamentada...........7

2-Tema: Roubo majorado. Reconhecimento fotográfico. Procedimento previsto no art. 226 do CPP.
Obrigatoriedade. Nova orientação jurisprudencial do STJ (HC 598.886/SC). Ausência de riscos de um
reconhecimento falho. Distinguishing.................................................................................................10

3- Tema: Soberania dos vereditos. Tribunal de Justiça: Anulação da decisão absolutória do Conselho
de Sentença por manifestamente contrária à prova dos autos............................................................11

4- Tema: Jurisprudência em Teses do STJ traz novos entendimentos sobre colaboração premiada....12

DIREITO PENAL....................................................................................................................................13

1-Tema: Emprego de arma branca no roubo pode justificar aumento da pena-base, confirma Terceira
Seção em repetitivo.............................................................................................................................13

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP.............................................................................................17

1-Tema: Definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional........17

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Boletim Criminal Comentado 186-
Junho de 2022

NOTÍCIAS

1-MPSP atinge a marca de trinta mil acordos de não persecução penal celebrados

Nesta quinta-feira, dia 9 de junho de 2022, o mapa do ANPP, disponibilizado na página do CAOCRIM,
apontou ter sido atingida a marca de trinta mil acordos de não persecução penal celebrados no
âmbito do MPSP.

Tal marca deve ser comemorada, considerando que o ANPP é um instrumento moderno para
solucionar conflitos na esfera criminal de forma rápida, consensual e resolutiva, gerando economia
de gastos da máquina pública, o desafogamento do sistema carcerário, entre outros aspectos.

Abaixo, segue mapa gerado no dia 9 de junho de 2022:

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2- Programa Fala, MPSP comenta sobre os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil

A última edição do Programa Fala, MPSP, transmitido no canal do Ministério Público no YouTube
contou com a participação dos promotores de Justiça, Rogério Sanches Cunha (assessor do Centro
de Apoio Operacional Criminal) e Mylene Comploier (assessora da Escola Superior do Ministério
Público), que comentaram os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil, a ser celebrado em setembro.

Para marcar o histórico de inovações e contribuições do Júri à Justiça, além das discussões atuais, o
Ministério Público de São Paulo, a Escola Superior do MPSP e a Associação Paulista do MP, com apoio
do CNMP e CNPG, vão realizar um congresso nacional destinado aos membros do Ministério Público
brasileiro.

Em breve, mais informações sobre o Congresso.

Clique aqui para assistir à edição do programa

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Tema: Parecer sobre interrogatório por videoconferência - Réu foragido:

Como consta expressamente do art. 185 do CPP, a regra geral, pela qual deve o réu ser interrogado
pessoalmente pelo juiz, é que deve prevalecer. Será essa a forma de preservar o salutar contato entre
o acusado e seu julgador. Somente em caráter excepcional e desde que preenchidos os pressupostos
legais é que se admitirá o interrogatório por videoconferência.

Esse tom de excepcionalidade é que permite, em nosso pensar, a adoção da videoconferência sem
que se arranhe nenhum princípio constitucional, como proclamado por boa parte da doutrina. Em
outras palavras: se a lei dispusesse de maneira genérica, autorizando essa espécie de interrogatório
de forma aleatória, para todo e qualquer caso, não teríamos dúvida em apontar sua
inconstitucionalidade. Ao reservá-lo, porém, para hipóteses bem específicas, permite o legislador
que, à luz do princípio da razoabilidade, seja acolhido o interrogatório por videoconferência, sem
mácula de inconstitucionalidade.

Diante desse quadro, a Sexta Tuma do STJ, por unanimidade, denegou habeas corpus impetrado por
um réu que alegou nulidade do processo por falta de interrogatório, após o indeferimento de sua
inquirição de forma virtual enquanto estava foragido. A Corte afirmou que não se aplica ao caso
analisado o artigo 220 do Código de Processo Penal – que estabelece que pessoas impossibilitadas
por enfermidade ou velhice sejam inquiridas onde estiverem –, pois, como destacado pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJSP), isso significaria "premiar a condição de foragido". (STJ – HC 640770,
Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. em 15.06.21).

Enfrentando idêntica situação fática, o procurador de Justiça, JORGE ASSAF MALULY, elaborou
minucioso parecer em HC, destacando pontos importantes e que merecem atenção.

Clique aqui para ter acesso ao referido parecer.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM


DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1- Tema: Acordo de não persecução penal - ANPP. Pleito de realização do acordo. Não cabimento
após o recebimento da denúncia. Faculdade do Parquet. Recusa devidamente fundamentada.

INFORMATIVO 739 STJ

DESTAQUE:

A possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao


Ministério Público, não cabendo ao Poder Judiciário determinar ao Parquet que o oferte.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:

O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do Código Penal, implementado pela Lei n.
13.964/2019, indica a possibilidade de realização de negócio jurídico pré-processual entre a acusação
e o investigado. Trata-se de fase prévia e alternativa à propositura de ação penal, que exige, dentre
outros requisitos, aqueles previstos no caput do artigo: 1) delito sem violência ou grave ameaça com
pena mínima inferior a 4 anos; 2) ter o investigado confessado formal e circunstancialmente a
infração; e 3) suficiência e necessidade da medida para reprovação e prevenção do crime. Além disso,
extrai-se do §2º, inciso II, que a reincidência ou a conduta criminal habitual, reiterada ou profissional
afasta a possibilidade da proposta.

No caso concreto, o acordo pretendido deixou de ser ofertado em razão de o Ministério Público ter
considerado que a celebração do acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção do
crime, pois violaria o postulado da proporcionalidade em sua vertente de proibição de proteção
deficiente, destacando que a conduta criminosa foi praticada no contexto de uma rede criminosa
envolvendo vários empresários do ramo alimentício e servidores do Ministério da Agricultura.

Esta Corte Superior entende que não há ilegalidade na recusa do oferecimento de proposta de acordo
de não persecução penal quando o representante do Ministério Público, de forma fundamentada,
constata a ausência dos requisitos subjetivos legais necessários à elaboração do acordo, de modo
que este não atenderia aos critérios de necessidade e suficiência em face do caso concreto.

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De acordo com entendimento já esposado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a
possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao
Ministério Público, não constituindo direito subjetivo do investigado.

Em arremate, cuidando-se de faculdade do Parquet, a partir da ponderação da discricionariedade da


propositura do acordo, mitigada pela devida observância do cumprimento dos requisitos legais, não
cabe ao Poder Judiciário determinar ao Ministério Público que oferte o acordo de não persecução
penal.

Processo: RHC 161.251-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em
10/05/2022, DJe 16/05/2022.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

O critério de aferição da conveniência de oferecer a proposta de acordo, com vistas à prevenção e


repressão do delito, é tarefa do Ministério Público. No sistema acusatório, entende-se que não pode
o juiz emitir decisão a respeito de tal conveniência, razão pela qual, em caso de divergência de
opinião com o órgão ministerial deve encaminhar o caso ao órgão revisional do próprio Ministério
Público.

Esse entendimento nem é propriamente novo, visto ser de há muito seguido nos casos da suspensão
condicional do processo e da transação penal. Nesse sentido, o enunciado da Súmula 696 do E.
Supremo Tribunal Federal (“Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional
do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a
questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”).

O oferecimento do acordo é prerrogativa institucional do Ministério Público e não direito subjetivo


do investigado.

Com efeito, o acordo de não persecução penal assemelha-se a um termo de ajustamento de conduta
(TAC), mas aplicado no campo criminal. Tratando-se de modalidade de justiça negocial, assemelha-
se aos princípios e postulados básicos da transação penal e da suspensão condicional do processo.
Portanto, tal como já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal no caso
da transação penal e o sursis processual, também o acordo de não persecução deve ser encarado
como poder-dever do Ministério Público e não um direito público subjetivo do investigado.

A respeito da obrigatoriedade de propositura de acordo pelo Ministério Público, vale ressaltar o voto
do então Ministro do Tribunal Constitucional, Ayres Britto, em julgado que tratava de suspensão

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condicional do processo e que, pela natureza do instituto, pode ser aqui utilizado: “não há que se
falar em obrigatoriedade do Ministério Público quanto ao oferecimento do benefício da suspensão
condicional do processo. Do contrário, o titular da ação penal seria compelido a sacar de um
instrumento de índole tipicamente transacional, como é o sursis processual. O que desnaturaria o
próprio instituto da suspensão, eis que não se pode falar propriamente em transação quando a uma
das partes (o órgão de acusação, no caso) não é dado o poder de optar ou não por ela.” (HC
84.342/RJ, 1ª Turma).

Nesse sentido é também a lição de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio
Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes: “(...) Pensamos, portanto, que o “poderá” em questão não
indica mera faculdade, mas um poder-dever, a ser exercido pelo acusador em todas as hipóteses em
que não se configurem as condições do § 2° do dispositivo (in Juizados Especiais Criminais. 5ª ed. RT,
2005, p. 153 – grifos nossos).

Entender o acordo de não persecução como obrigatoriedade seria o mesmo que “estabelecer-se um
autêntico princípio da obrigatoriedade às avessas” (Renee do Ó Souza e Patrícia Eleutério Campos
Dover. Algumas respostas sobre o acordo de não persecução penal, in Acordo de não persecução
penal, organizadores Rogério Sanches Cunha e outros, Salvador, Juspodivm, 2017, p. 123).

No novo instituto, no espaço de discricionariedade regrada (poder-dever) que lhe concede a


legislação e a própria concepção do instituto sob o foco, o MP poderá se negar a formular proposta
ao investigado, pois deverá ponderar previamente e fundamentar se o acordo “é necessário e
suficiente para a reprovação e prevenção do crime” (condição subjetiva e cláusula aberta de
controle), no caso concreto.

Na Carta de Araxá, assinada no dia 3/12/21 pelos Ministérios Públicos dos estados do sudeste, foram
aprovados os seguintes enunciados relacionados ao tema em questão:

Recusa – termo preclusivo de requerimento de reexame

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, a
denúncia deve ser oferecida e o (a) investigado (a) poderá requerer o reexame no prazo da resposta
prevista no art. 396-A do Código de Processo Penal, sob pena de preclusão.

Recusa – atribuição revisional interna corporis

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Havendo recusa, por parte do órgão de execução do Ministério Público, em propor o acordo de não
persecução penal, a análise dos fundamentos de fato e de direito dessa manifestação cabe à instância
revisional da instituição.

2- Tema: Roubo majorado. Reconhecimento fotográfico. Procedimento previsto no art. 226 do CPP.
Obrigatoriedade. Nova orientação jurisprudencial do STJ (HC 598.886/SC). Ausência de riscos de
um reconhecimento falho. Distinguishing.

INFORMATIVO 739 STJ

DESTAQUE:

No caso em que o reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial não tenha observado o


procedimento legal, mas a vítima relata o delito de forma que não denota riscos de um
reconhecimento falho, dá-se ensejo a distinguishing quanto ao acórdão do HC 598.886/SC, que
invalida qualquer reconhecimento formal - pessoal ou fotográfico - que não siga estritamente o que
determina o art. 226 do CPP.

Processo: REsp 1.969.032-RS, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª
Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/5/2022, DJe 20/5/2022.

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Em outubro de 2020, o STJ conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o
entendimento, até então vigente, de que essa norma seria "mera recomendação" e, como tal, sua
inobservância não anularia a prova.

No habeas corpus, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro alegou a invalidade da condenação do


suspeito por ter se baseado exclusivamente no reconhecimento fotográfico feito pela vítima de um
roubo, sem respeito às formalidades do CPP e sem respaldo em outras provas.

Schietti citou julgamento do Supremo Tribunal Federal, de fevereiro do mesmo ano, em que a Corte
absolveu um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista
a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação (RHC 206.846).

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Ao falar das garantias legais para quem se encontra na posição de suspeito, o magistrado rememorou
as três teses já fixadas pelo STJ: o reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve
observar o procedimento previsto no CPP; a inobservância desse procedimento torna o ato inválido;
e a realização do reconhecimento pessoal deve ser justificada por elementos que indiquem a possível
autoria do crime, de modo a se evitarem arbitrariedades capazes de potencializar erros na verificação
dos fatos.

Contudo, no julgamento do HC 598.886/SC (maio de 2022), da relatoria do mesmo Ministro, Rogério


Schietti Cruz, decidiu a Sexta Turma, revendo anterior interpretação, no sentido de que se
"determine, doravante, a invalidade de qualquer reconhecimento formal - pessoal ou fotográfico -
que não siga estritamente o que determina o art. 226 do CPP, sob pena de continuar-se a gerar uma
instabilidade e insegurança de sentenças judiciais que, sob o pretexto de que outras provas
produzidas em apoio a tal ato - todas, porém, derivadas de um reconhecimento desconforme ao
modelo normativo - autorizariam a condenação, potencializando, assim, o concreto risco de graves
erros judiciários".

Não obstante o reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial não ter observado o procedimento
legal, o presente caso enseja distinguishing quanto ao acórdão paradigma da nova orientação
jurisprudencial, tendo em vista que a vítima relatou, nas fases inquisitorial e judicial, conhecer o réu
pelo apelido de "boneco", bem como o pai do acusado, por serem vizinhos, o que não denota riscos
de um reconhecimento falho.

Ademais, a jurisprudência desta Corte superior entende que a palavra da vítima possui especial
relevo, tendo em vista sobretudo o modus operandi empregado na prática desses delitos, cometidos
às escondidas.

3- Tema: Soberania dos vereditos. Tribunal de Justiça: Anulação da decisão absolutória do


Conselho de Sentença por manifestamente contrária à prova dos autos.

PESQUISA PRONTA- STJ

"A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que não ofende o
princípio da soberania dos veredictos a decisão do tribunal local que, julgando recurso de apelação
interposto pelo Ministério Público, anula decisão absolutória proferida pelo Conselho de Sentença

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com base no quesito genérico (art. 483, III, c/c § 2º, do CPP) que se mostre manifestamente contrária
à prova dos autos, determinando a realização de novo julgamento pelo tribunal do júri".

AgRg no AREsp n. 1.821.209/MA, relator ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado
em 22/2/2022, DJe de 24/2/2022.

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4- Tema: Jurisprudência em Teses do STJ traz novos entendimentos sobre colaboração premiada

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição 193 de


Jurisprudência em Teses, sobre o tema Colaboração Premiada. A equipe responsável pelo produto
destacou duas teses.

A primeira mostra que, a par da promulgação da Lei 12.850/2013, há, no ordenamento jurídico,
previsões esparsas de colaboração premiada – gênero do qual a delação premiada é espécie.

O segundo entendimento aponta que os institutos da colaboração premiada (Lei 12.850/2013) e da


delação premiada (presente em legislações esparsas) são dotados de natureza jurídica distinta: a
colaboração é um negócio jurídico bilateral, firmado entre as partes interessadas, enquanto a
delação é ato unilateral do acusado.

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DIREITO PENAL:

1- Tema: Emprego de arma branca no roubo pode justificar aumento da pena-base, confirma
Terceira Seção em repetitivo

Notícias do STJ

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema
1.110), estabeleceu tese no sentido de que, em razão da novatio legis in mellius estabelecida pela Lei
13.654/2018, o emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime
de roubo, poderá ser utilizado como fundamento para a majoração da pena-base, quando
as circunstâncias do caso concreto assim justificarem.

O colegiado também definiu que cabe ao julgador fundamentar o novo apenamento ou justificar a
não realização do incremento na pena-base, nos termos do artigo 387, incisos II e III, do Código de
Processo Penal. Além disso, foi firmada a tese de que não cabe ao STJ realizar a transposição
valorativa da circunstância para a primeira fase da dosimetria ou compelir que o tribunal de origem
assim o faça, em razão da discricionariedade do julgador ao aplicar a novatio legis in mellius.

As teses foram baseadas em jurisprudência pacífica do STJ e dizem respeito especificamente aos
casos anteriores ou posteriores à Lei 13.654/2018 – que retirou do crime de roubo a causa de
aumento de pena pelo uso de arma – e anteriores à Lei 13.964/2019 – que incluiu, no artigo 157, a
majoração de pena por violência ou grave ameaça exercida com o uso de arma branca (parágrafo 2º,
inciso VII).

Uso de arma branca torna mais grave o crime de roubo

Relator do recurso especial, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou que a Lei 13.654/2018 revogou o
inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 – retirando o acréscimo de um terço até a metade da pena em
virtude do emprego de arma, qual fosse a natureza dela – e, ao mesmo tempo, incluiu o parágrafo
2º-A, para prever aumento de pena em dois terços no caso de uso de arma de fogo.

"Tem-se, portanto, que o legislador optou por excluir da abrangência da majorante os objetos que,
embora possam ser utilizados para intimidar, não foram concebidos com esta finalidade", apontou o
ministro.

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Entretanto, Paciornik destacou que, apesar de o emprego de arma branca ter deixado de integrar a
pena do roubo, essa circunstância não é irrelevante e se configura como um acréscimo à atividade
criminosa. Por ser mais grave a ação do agente que utiliza objeto capaz até de tirar a vida da vítima,
o ministro entendeu ser possível que o julgador considere esse elemento no momento da análise das
circunstâncias judiciais para a aplicação da pena-base.

Juiz deve fundamentar aumento da pena-base ou razões para não o fazer

Apesar desse entendimento, Joel Ilan Paciornik enfatizou que o grau de liberdade do magistrado
nessa hipótese não o isenta de fundamentar eventual nova pena ou a não realização do incremento
da sanção, especialmente porque a utilização de arma branca nos crimes de roubo representa, sim,
maior reprovabilidade à conduta.

Ao fixar as teses repetitivas, o relator também citou precedentes no sentido de que o STJ não pode
impor aos tribunais a aplicação da circunstância do uso de arma branca na primeira fase da
dosimetria, exatamente em função da discricionariedade judicial ao aplicar a inovação benéfica ao
réu trazida pela Lei 13.654/2018.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1921190

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) inseriu no § 2º o inciso VII, que majora a pena do roubo cometido
com emprego de arma branca, assim considerados todos os objetos confecciona-dos sem finalidade
bélica, porém capazes de intimidar, ferir o próximo (ex.: faca de cozinha, navalha, foice, tesoura,
guarda-chuva, pedra, pedaços de vidro, etc.).

Esta causa de aumento integrou o tipo do roubo até 2018, quando a Lei 13.654 revogou o inciso I do
§ 2º e, no inciso I do § 2º-A, restringiu a majoração ao emprego de arma de fogo. Inúmeras foram as
críticas ao procedimento adotado pelo legislador, pois, além de desconsiderar um fator que sem
dúvida torna mais grave o crime, a restrição promovida foi benéfica, ou seja, retroagiu para retirar a
majorante de roubos que haviam sido cometidos com objetos outros que não armas de fogo:

“A atual previsão contida no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal, incluído pela Lei n.
13.654/2018, limita a possibilidade de aumento de pena à hipótese de a violência ser cometida
mediante emprego de arma de fogo, assim considerado o instrumento que "(...) arremessa projéteis
empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em
uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade

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à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil", de acordo com o art. 3º, XIII,
do Decreto n. 3.665/2000.

Portanto, não se está diante de continuidade normativa, mas de abolitio criminis, na hipótese de o
delito ser praticado com emprego de artefato diverso de arma de fogo”1.

Em decisões posteriores, o STJ concluiu que o emprego de arma branca era apto a fundamentar o
aumento da pena-base devido às circunstâncias mais graves do roubo, e esta operação poderia ser
feita até mesmo em grau de recurso sobre fatos cometidos ainda sob a vigência da majorante
revogada, sem que se cogitasse a ocorrência de reformatio in pejus:

“(...) Em grau de apelação, o Tribunal de origem, por maioria, reformou parcialmente a sentença para
afastar a majorante pelo emprego da arma branca no roubo, mas reposicionou a força negativa dessa
circunstância para o primeiro estágio dosimétrico, a fim de exasperar em mais 1 (um) ano a pena-
base, o que resultou na sanção corporal de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime
inicial fechado, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa (e-STJ fl. 195).

Os embargos infringentes e de nulidade manejados pela defesa (e-STJ fls. 240-242) foram acolhidos
para afastar a valoração negativa sobre o emprego da arma branca e, com isso, redimensionar a pena
corporal para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento
de 20 (vinte) dias-multa (e-STJ fls. 255-269).

(...)

Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 322-343), o Ministério Público reputou contrariado os arts.
617 e 619 do Código de Processo Penal e o art. 59 do Código Penal. Suscitou, em primeiro lugar, a
omissão do Tribunal de origem sobre a suposta inconstitucionalidade da supressão do inciso I do §
2º do art. 157 do CP. Na sequência, alegou que o emprego da arma branca, embora não seja mais
passível de configurar causa de aumento para o crime de roubo, pode ser utilizado para majoração
da pena-base. Demais disso sustentou a ausência de reformatio in pejus no caso concreto, pois, a
despeito do recurso exclusivo da defesa, a transposição da referida circunstância do terceiro para o
primeiro estágio dosimétrico não implicou a fixação de pena definitiva maior que a estabelecida no
primeiro grau de jurisdição.

1. STJ - REsp 1.519.860/RJ, j. 17/05/2018.

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(...)

Ao que se nota, a reforma do acórdão referente ao julgamento da apelação foi justificado pela
inadmissibilidade da reformatio in pejus no caso de recurso exclusivo da defesa.

Contudo, consoante a jurisprudência desta Corte Superior, "[não] há que se falar no presente caso
em ofensa ao princípio da ne reformatio in pejus. De fato, esta Corte Superior entende que o
emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime de roubo, poderá
ser utilizado para majoração da pena-base, quando as circunstâncias do caso concreto assim
justificarem" (HC n. 436.314⁄SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 16⁄8⁄2018,
DJe 21⁄8⁄2018).

(...)

No caso concreto, conforme assinalado no voto condutor do julgamento da apelação, "o uso
ostensivo de um facão, arma com altíssima potencialidade lesiva, para ameaçar a vítima" (e-STJ fl.
193) durante a execução do roubo, elevou o senso de reprovabilidade da conduta a ponto de
justificar a exasperação da pena-base, por valoração negativa das circunstâncias do crime”.2

Com a majorante ressuscitada, para os fatos cometidos a partir de sua vigência, não há mais
necessidade de fundamentar o aumento da pena-base em razão da maior gravidade da conduta
cometida com armas brancas. Aliás, considerar essa circunstância na pena-base e como majorante,
caracteriza indisfarçável “bis in idem”.

2. AgRg no REsp 1.818.235/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 19/9/2019.

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1-Tema: Definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional.

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO

Autos n.º 1510xxx-6x.2021.8.26.0604 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal da
Comarca de Sumaré
Suscitante: xº Promotor de Justiça de Sumaré oficiante no Juizado Especial Criminal
Suscitado: xº Promotor de Justiça de Sumaré oficiante Juízo Criminal comum
Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional.

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO ENTRE


PROMOTORES DE JUSTIÇA. DIVERGENCIA SOBRE A TIPIFICAÇÃO
LEGAL DOS FATOS, COM REFLEXO NA ATRIBUIÇÃO CRIMINAL.
JECRIM (ART. 233 CP) X JUIZO COMUM (ECA, ART. 241-D OU CP, 218-
A). CONFIGURAÇÃO DO ARTIGO 218-A DO CP. JUIZO CRIMINAL
COMUM.
1. No caso concreto, o investigado, após contemplar a vítima
(criança de 11 anos de idade) enquanto ela andava pelo
condomínio, pela janela de seu apartamento, dirigiu-se até o
elevador do prédio, aguardando que ela voltasse àquele local,
postando-se em sua frente, completamente nu, sorrindo e a
chamando. Ao se deparar com tal cena, a criança saiu correndo,
assustada, para sua casa, onde relatou o ocorrido para sua mãe.
2. A controvérsia reside em determinar se, com isso, o averiguado:
a) assediou, por qualquer meio de comunicação, criança, com o
fim de com ela praticar ato libidinoso (ECA, art. 241-D); b) exibiu-
se publicamente, ofendendo o pudor público (CP, Art. 233); ou c)
praticou ato libidinoso visando a satisfazer a lascívia própria na
presença de menor de 14 anos (CP, art. 218-A).
3. As características do fato sugerem a configuração do delito
previsto no artigo 218-A do Código Penal. A vítima não foi

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‘provocada’ pelo acusado através de meios de comunicação, o


que afasta o tipo penal previsto no ECA. Da mesma forma, a
conduta do averiguado extrapolou o mero exibicionismo, não se
limitando o agente à exposição pública de seu corpo, aviltando o
pudor de pessoas indeterminadas, o que afasta o art. 233 do CP.
4. No caso, o investigado praticou inegável ato libidinoso, para dar
vazão à própria concupiscência, em presença de criança,
inegavelmente o direcionando à infante, o que evidencia que se
cuida de crime sexual contra pessoa determinada.
5. Ciente de que a vítima era uma criança, o autor a esperou em
frente ao elevador completamente nu e, assim que a menina
desembarcou, com ele se deparando, o autor, rindo, a chamou,
visando atraí-la para perto dele, demonstrando prazer em tal
ato, o qual foi praticado visando satisfazer sua própria lascívia e
causando claro constrangimento e abalo psíquico à criança, que
assustada, correu para sua casa e contou para a mãe o ocorrido.
6. Tendo em vista que o tipo penal previsto no artigo 218-A, tem
como bem jurídico tutelado a vulnerabilidade, em matéria
sexual, do menor de 14 anos e sua moral sexual, o ato de
expor/submeter o menor a presenciar ato libidinoso, sem dele
participar, caracteriza conduta criminosa.
7. Neste sentido, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo já entendeu
que a conduta de, simplesmente, exibir o órgão sexual a vítimas
adolescentes maiores de 14 anos consiste na prática de ato
libidinoso e caracteriza o crime do artigo 215-A do Código Penal
e não mero ato obsceno (Apelação Criminal nº 1500581-
55.2020.8.26.0481).
8. Da mesma forma, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em
caso concreto análogo ao presente, afastou a figura típica do ato
obsceno (CP, art. 233), para reconhecer o delito do art. 218-A, do
Código Penal (Embargos Infringentes e de Nulidade 0020596-
72.2013.8.26.0576).
9. Há precedente, neste sentido, também nesta Procuradoria-Geral
de Justiça (Protocolado n.º 24.371/15 – PGJ-SP).
10. Não há dúvidas, portanto, de que a conduta ora em análise se
enquadra no contexto de ato libidinoso, caracterizando, em tese,
o tipo penal previsto no artigo 218-A do CP, uma vez que a vítima

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é menor de 14 anos – criança, portanto –, sendo a referida norma


mais específica do que o artigo 215-A do Código Penal.

Solução: conflito de atribuição conhecido e dirimido, reconhecendo


a atribuição do D. Suscitado, oficiante na Vara Criminal Comum.

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração de suposto crime de satisfação


de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, previsto no art. 218-A do CP, em tese,
perpetrado por HIAGO ALLAN CASTORINO SILVA, em face de Eloá David Batista Servo, menina de 11
de idade à época dos fatos (cf. portaria inaugural de fls. 02).

Segundo consta dos autos, no dia 06 de maio de 2021, às 21h20min, a vítima saiu de sua
casa, no condomínio residencial situado na Avenida da Amizade, nº 1460, Vila Carlota, na cidade e
comarca de Sumaré, para entregar uma encomenda de salgados dentro do próprio condomínio,
ocasião em que notou que HIAGO a observava de seu apartamento, acompanhando-a com o olhar.
Após a entrega, ao retornar para sua casa, na saída do elevador, a criança se deparou com o
investigado totalmente nu, o qual estava rindo e a chamou, tendo a vítima saído correndo, assustada,
para casa, onde relatou o fato a sua mãe (cf. boletim de ocorrência – fls. 03/04).

A genitora da criança, Jenniffer David Batista Lacerda, foi ouvida a fls. 07, confirmando os
fatos e dizendo que HIAGO já praticou a mesma conduta contra outra vítima, moradora do
condomínio, anteriormente.

HIAGO não foi encontrado para ser ouvido.

Relatada a investigação criminal, o Douto Promotor de Justiça oficiante na 2ª Vara Criminal


de Sumaré, declinou de suas atribuições, entendendo que a conduta do investigado não configura o
crime de satisfação de lasciva mediante presença de criança ou adolescente, mas sim a figura típica

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do ato obsceno, prevista no art. 233 do Código Penal, uma vez que ausente a prática efetiva de ato
libidinoso. Assim, requereu a redistribuição do feito ao Juizado Especial Criminal, tendo em vista a
pena máxima cominada ao delito (fls. 18).

O Douto Promotor de Justiça destinatário, contudo, discordou de seu antecessor e suscitou


o presente conflito de atribuição. Argumentou que os fatos se amoldam, em verdade, ao crime
previsto no art. 241-D do ECA, consistente na conduta de aliciar, assediar, instigar ou constranger,
por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso, cuja pena
é de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, uma vez que a conduta, em tese, praticada pelo investigado
visava a prática de ato libidinoso com a ofendida (fls. 28/29).

Os autos foram remetidos a esta Chefia institucional para resolução do impasse (fls. 30).

Eis a síntese do necessário.

A remessa se fundamenta no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.o 734/93,


encontrando-se configurado o incidente supramencionado entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do
Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado
(conflito negativo), ou quando dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem
a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime
Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 486-487).

Considere-se, outrossim, que, em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não


se converte no promotor natural do caso; assim, que não lhe cumpre determinar qual a providência
a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de
diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos
autos.

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Pois bem.

A razão se encontra com o Ilustre Suscitante, quanto ao Juízo competente para o


processamento do feito, com a devida vênia do Douto Suscitado. Vejamos.

Verte dos autos que o investigado, após contemplar a vítima, criança de apenas 11 anos de
idade à época, enquanto ela andava pelo condomínio, dirigiu-se até o elevador do prédio,
aguardando que ela voltasse àquele local, postando-se em sua frente, completamente nu, sorrindo
e a chamando. Ao se deparar com tal cena, a criança saiu correndo, assustada, para sua casa, onde
relatou o ocorrido para sua mãe.

A controvérsia reside em determinar se, com isso, o averiguado a) assediou, por qualquer
meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso (ECA, art. 241-D); b)
exibiu-se publicamente, ofendendo o pudor público (CP, Art. 233); ou c) praticou ato libidinoso
visando a satisfazer a lascívia própria na presença de menor de 14 anos (CP, art. 218-A).

Com relação à aventada hipótese de que a conduta ora em análise possa configurar o crime
previsto no artigo 241-D do ECA, com a máxima vênia ao D. Promotor de Justiça Suscitante, ela não
prospera.

Isto porque, o artigo acima mencionado determina que é crime “Aliciar, assediar, instigar ou
constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato
libidinoso”, e foi incluído no ECA pela Lei 11.829 de 25 de novembro de 2008, a qual foi criada “para
aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar
a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet”,
conforme se verifica da ementa da referida lei.

Desta forma, tendo em vista que a vítima não foi ‘provocada’ pelo acusado através de meios
de comunicação, mas sim em contato presencial, a situação dos autos não se enquadra no referido

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tipo penal, que pressupõe que a conduta criminosa se dê através de meios de comunicação – tais
como mensagens em redes sociais, mensagem em aplicativos de telefone celular, entre outras – com
o intuito de se combater a pedofilia na internet.

Já com relação ao crime de ato obsceno, da mesma forma, tem-se que a conduta do
averiguado extrapolou o mero exibicionismo, que poderia se enquadrar na infração de menor
potencial ofensivo descrita no art. 233 do CP.

E isto porque, não se limitou o agente, com efeito, à exposição pública de seu corpo,
aviltando o pudor de pessoas indeterminadas, apenas e tão somente. Mais que isso, praticou
inegável ato libidinoso, de certo para dar vazão à própria concupiscência, em presença de criança.

Neste sentido, vale destacar o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que
pontua, com base na doutrina, a diferença entre o ato obsceno e a importunação ofensiva ao pudor.

“Ato obsceno, elemento normativo do artigo 233, na lição de Cleber


Masson, constitui “ato dotado de sexualidade, idôneo a ferir o
sentimento médio de pudor de determinada sociedade em dado
momento histórico. Não precisa voltar-se à satisfação da lascívia de
alguém, bastando a conotação sexual”. O ato, impregnado de
obscenidade, é cometido sem destinação ou direcionamento a
pessoa ou pessoas determinadas.

Já o libidinoso, diferentemente, constitui ato revestido de


conotação sexual, dirigido, praticado pelo agente contra pessoa
determinada e sem sua anuência.

Sobre o artigo 215-A, ressalta Masson que o tipo se destina a


“proteger as pessoas contra o incômodo, a perturbação, o
molestamento de alguém de natureza sexual”.

Ao distinguir os delitos, o sobredito autor refere que “na


importunação sexual, o ato libidinoso é praticado contra uma

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pessoa determinada (ou pessoas determinadas), e sem o seu


consentimento. Por esta razão, o delito foi alocado no capítulo I do
título VI da Parte Especial do Código Penal, entre os crimes contra a
liberdade sexual. De seu turno, o ato obsceno ofende o ultraje
público ao pudor (capítulo VI do título VI da Parte Especial do Código
Penal). A conduta prevista no artigo 233 do Código Penal consiste em
'praticar ato obsceno em lugar público ou aberto ao público'.
Portanto, se o sujeito se masturba para uma pessoa específica, sem
o consentimento desta, visando satisfazer a própria lascívia ou de
terceiro, a ele será imputado o crime de importunação sexual. Por
outro lado, se o agente se masturbar em um local público uma praia,
por exemplo, sem direcionar sua conduta a pessoa determinada,
estará configurado o crime de ato obsceno” (Código Penal
Comentado, 8ª edição, 2020, Gen/Método, págs. 999 e 1048).”

(TJSP; Apelação Criminal nº 1500581-55.2020.8.26.0481; Relator:


Otávio de Almeida Toledo; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito
Criminal; Foro de Presidente Epitácio; Data do Julgamento:
28/09/2021)

Neste contexto, de notar ainda que, no caso dos autos, se trata de fato inegavelmente
direcionado à infante, evidenciando que se cuida de crime sexual contra pessoa determinada (e não
de conduta agressiva ao pudor de terceiros indeterminados).

Diante do exposto, a conduta não se subsume ao tipo penal de ato obsceno, previsto no
artigo 233 do CP, não constituindo, portanto, delito de competência do Juizado Especial Criminal.

Resta, então, analisar a conduta prevista no artigo 218-A do Código Penal, que estabelece
que é crime, apenado com reclusão de 2 a 4 anos, “praticar, na presença de alguém menor de 14
(catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer
lascívia própria ou de outrem”.

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Neste sentido, com a máxima vênia ao D. Suscitado, e conforme já mencionado acima, ato
libidinoso consiste em uma conduta capaz de proporcionar a satisfação da libido, a excitação, o
prazer sexual, não sendo necessário que o agente, com a sua prática, atinja o clímax, bastando que
o ato, ao menos aparentemente, tenha essa finalidade (conforme ensina Plínio Antônio Britto Gentil
e Ana Paula Jorge, em Código Penal Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Coordenadores: Mauricio
Schaun Jalil e Vicente Grecco Filho, Ed. Manole, 4ª Edição, editada e revisada 2021, as fls. 631).

Ainda neste sentido, ensina Magalhães Noronha:

“Os atos libidinosos nem sempre implicam uma atividade direta do


sexo como função [...], mas constituem uma atividade que procura
satisfação própria, caracteristicamente subjetiva e particular,
inspirada numa descomedida concupiscência que sufoca a
sexualidade, ou a ela se dirige por degeneração do mecanismo
fisiopsíquico, invertendo e desnaturando todo o processo natural da
sexualidade” (NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 2000, v. 3,
pag. 91)

Acrescente-se, ainda, que há atos que são libidinosos por natureza, tais como o coito anal,
outros, porém, só adquirem tal caráter diante de certas circunstâncias.

Nesse sentido, leciona Nelson Hungria que basta que o ato seja ofensivo ao pudor do homem
médio, não importando qual a compreensão da vítima sobre o ato, mas sim como ele objetivamente
se apresenta (Hungria, Nelson. 1981, v. III, p. 122-3)

Some-se a isto que os atos libidinosos podem ser classificados através de três critérios: (i) ato
objetivamente libidinoso, aquele que é indubitavelmente lascivo, tais como o sexo oral, coito anal e
felação; (ii) ato objetivamente não libidinoso, mas libidinoso para o agente: aquele que é capaz de
propiciar-lhe satisfação ou excitação sexual, embora não seja objetivamente um ato sexual (por
exemplo: sujeito que se excita ao acariciar o cotovelo de alguém); (iii) ato objetivamente não

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libidinoso, mas libidinoso para a vítima, quando – consciente desta circunstância – o agente (por
exemplo, carícias no cotovelo para alguém que o agente sabe recebê-las com conotação lasciva).

Portanto, tendo em vista que o tipo penal previsto no artigo 218-A, tem como bem jurídico
tutelado a vulnerabilidade, em matéria sexual, do menor de 14 anos e sua moral sexual, o ato de
expor/submeter o menor a presenciar ato libidinoso, sem dele participar, caracteriza conduta
criminosa.

O que determina a ocorrência ou não do crime é a potencialidade da conduta para abalar


psiquicamente a vítima e que o ato praticado se destine à satisfação da lascívia de alguém.

Isto considerado, no caso concreto, tem-se que o autor, ciente de que a vítima era uma
criança, após segui-la com os olhos pela janela de seu apartamento, enquanto ela andava pelo
condomínio onde moram, esperou-a em frente ao elevador completamente nu e, assim que a
menina saiu do elevador, com ele se deparando, o autor, rindo, a chamou, visando atraí-la para perto
dele, demonstrando prazer em tal ato, o qual foi praticado visando satisfazer sua própria lascívia e
causando claro constrangimento e abalo psíquico à criança, que assustada correu para sua casa e
contou para a mãe o ocorrido.

Ressalte-se, por fim, que em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu-
se que conduta de, simplesmente, exibir o órgão sexual à vítimas adolescentes maiores de 14 anos
consiste na prática de ato libidinoso e caracteriza o crime do artigo 215-A do Código Penal e não
mero ato obsceno. Vejamos:

“Infere-se da prova produzida que, ele, acusado, deslocou-se da


porta até o balcão e retornou à frente das meninas com o órgão
sexual à mostra, valendo-se, à toda evidência, da parcial abertura do
estabelecimento comercial, que lhe conferia alguma privacidade,
permitindo, porém, a visualização pelas vítimas e não de eventuais
transeuntes que dali por ventura se aproximassem.

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Assim, a despeito de não ter havido contato efetivo entre o réu e as


vítimas, consistindo sua conduta apenas na exposição acintosa do
órgão sexual, resultou configurado o delito de “importunação
sexual”, porquanto evidenciadas todas as elementares do artigo
215-A do Código Penal, que assim descreve a conduta ilícita:
“praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o
objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.

O ato praticado pelo réu, a despeito da ausência de contato físico,


é de natureza libidinosa, eis que revestido de conotação sexual e
dirigido especificamente às adolescentes.

Em verdade, OZÉIAS não se masturbou, não simulou masturbação


nem manuseou seu pênis, pelo menos não na frente das meninas,
que também não foram tocadas de modo lascivo pelo réu. Nem por
isso é possível afastar a incidência da referida norma incriminadora,
cuja descrição típica visa tutelar a dignidade sexual da pessoa,
especificamente o direito de não ser incomodado em sua liberdade
sexual.

Inadmissível, portanto, cogitar-se de eventual desclassificação


sequer pleiteada pela Defesa para a figura delitiva do “ato obsceno”,
previsto no artigo 233 do Código Penal.

(...)

Na precisa abordagem de Victor Eduardo Rios Gonçalves, aludindo à


configuração da “importunação sexual”, o texto legal exige que “o
ato seja praticado contra alguém e não com alguém, de modo que o
contato físico não é imprescindível. É necessário, porém, que a
conduta seja direcionada especificamente a uma ou algumas
pessoas” (Direito Penal Esquematizado Parte Especial, 9ª edição,
2019, Saraiva, pág. 619).

Na mesma linha de raciocínio é o escólio do eminente


Desembargador Guilherme de Souza Nucci, que, em seu “Manual de

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Direito Penal”, refere que “a conduta incriminada é a satisfação da


lascívia mediante a prática de ato libidinoso. Esta última leva àquela;
subordina-se à principal”.

Adiante, leciona que “comete o crime de importunação sexual


qualquer um que realize ato libidinoso em relação a outra pessoa
(com ou sem contato físico, mas visível e identificável), satisfazendo
seu prazer sexual, sem que haja concordância válida das partes
envolvidas”. (...) “Em cenário sexual, pessoas acima de 14 anos
podem dar consentimento válido para o contato sexual. Por outro
lado, sem o consentimento, inúmeras condutas podem ser inseridas
no contexto do novo crime: masturbar-se na frente de alguém de
maneira persecutória; ejacular em alguém ou próximo à pessoa, de
modo que esta se constranja; exibir o pênis a alguém de maneira
persecutória; tirar a roupa diante de alguém igualmente, de
maneira persecutória, dentre outros atos envolvendo libidinagem,
desde que se comprove a finalidade específica de satisfação da
lascívia, ao mesmo tempo que constranja a liberdade sexual da
vítima” (Editora Gen/Forense, 16ª edição, 2020, págs. 1272/1174).

Embora o ato libidinoso, por sua própria natureza, não tenha deixado
qualquer tipo de vestígio, a conduta restou sobejamente
comprovada pela prova oral produzida, que se encaixa, sem
divergência, a partir das declarações prestadas pelas vítimas na
delegacia e reiteradas, sob o crivo do contraditório, perante a
autoridade judiciária. Tais elementos são esclarecedores o suficiente
para se alcançar a certeza da responsabilidade do réu pelo delito de
“importunação sexual”.

(TJSP; Apelação Criminal nº 1500581-55.2020.8.26.0481; Relator:


Otávio de Almeida Toledo; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito
Criminal; Foro de Presidente Epitácio; Data do Julgamento:
28/09/2021)

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Ainda neste sentido, destaca-se o precedente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo,
que em determinado caso concreto, afastou a figura típica do ato obsceno (CP, art. 233), para
reconhecer o delito do art. 218-A, do Código Penal, em situação análoga à destes autos:

Embargos infringentes – Réu que exibiu o pênis para menor em fila


de supermercado – Condenação singular por ato obsceno (art. 233
do CP) reformada, por maioria – Imposição das penas do art. 218-A
do Código Penal – Divergência quanto à nova capitulação e
consequente exasperação do apenamento – Posicionamento
majoritário que deve prevalecer – Embargos rejeitados.

(TJSP; Embargos Infringentes e de Nulidade 0020596-


72.2013.8.26.0576; Relator (a): Ivan Sartori; Órgão Julgador: 4ª
Câmara de Direito Criminal; Foro de São José do Rio Preto - 3ª. Vara
Criminal; Data do Julgamento: 15/09/2015; Data de Registro:
21/09/2015).

Importante ressaltar, ainda, que a Procuradoria-Geral de Justiça, em caso similar, no qual se


discutia se a conduta do agente que se masturbou em via pública, visando à satisfação da lascívia na
presença de uma criança de dez anos, configurava ato obsceno ou o crime do art. 218-A do CP,
dirimiu o conflito em favor desta capitulação (Protocolado n.º 24.371/15 – PGJ-SP).

Neste cenário, não há dúvidas de que a conduta ora em análise se enquadra no contexto de
ato libidinoso, caracterizando, em tese, o tipo penal previsto no artigo 218-A, uma vez que a vítima
é menor de 14 anos – criança, portanto –, sendo a referida norma mais específica do que o artigo
215-A do Código Penal.

Some-se a isto, por fim, que por vigorar nesta fase o princípio in dubio pro societate, mesmo
que a controvérsia não pudesse ser definitivamente solucionada, o que não parece ser o caso, ainda
assim deveria subsistir a imputação mais abrangente.

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Desta forma, ao menos neste momento, pelos elementos constantes dos autos, os fatos se
amoldam, em tese, ao crime previsto no artigo 218-A do CP.

Ressalte-se, contudo, que se trata de conclusão apriorística, embasada nos elementos


probatórios existentes, até o momento, no inquérito policial, sem prejuízo de configurar crime mais
grave diante de eventuais novos elementos de provas a serem obtidos durante a instrução.

Ante o exposto, conhece-se do presente incidente para dirimi-lo e declarar que a atribuição
para oficiar nos autos é do Douto Suscitado, DD. xº Promotor de Justiça de Sumaré oficiante no Juízo
Criminal Comum.

Em respeito, porém, ao princípio da independência funcional, ante a opinio delicti exarada,


caso o Ilustre subscritor da manifestação de fls. 18 ainda esteja em exercício no cargo, designa-se
outro Promotor de Justiça para atuar nos autos em lugar do D. Suscitado.

Faculta-se ao Douto Promotor de Justiça designado observar o disposto no art. 4-A da


Resolução n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pela Resolução
n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria, se necessário, designando o substituto automático.

São Paulo, 10 de maio de 2022.

Mário Luiz Sarrubbo


Procurador-Geral de Justiça

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