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(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 186-
Junho de 2022
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Assessores
Fabiola Sucasas Negrão Covas (descentralizada)
Olavo Evangelista Pezzotti
Ricardo Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analistas Jurídicos
Ana Karenina
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Boletim Criminal Comentado 186-
Junho de 2022
SUMÁRIO
NOTÍCIAS...............................................................................................................................................4
1- MPSP atinge a marca de trinta mil acordos de não persecução penal celebrados..........................4
2- Programa Fala, MPSP comenta sobre os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil............................5
1-Tema: Acordo de não persecução penal - ANPP. Pleito de realização do acordo. Não cabimento
após o recebimento da denúncia. Faculdade do Parquet. Recusa devidamente fundamentada...........7
2-Tema: Roubo majorado. Reconhecimento fotográfico. Procedimento previsto no art. 226 do CPP.
Obrigatoriedade. Nova orientação jurisprudencial do STJ (HC 598.886/SC). Ausência de riscos de um
reconhecimento falho. Distinguishing.................................................................................................10
3- Tema: Soberania dos vereditos. Tribunal de Justiça: Anulação da decisão absolutória do Conselho
de Sentença por manifestamente contrária à prova dos autos............................................................11
4- Tema: Jurisprudência em Teses do STJ traz novos entendimentos sobre colaboração premiada....12
DIREITO PENAL....................................................................................................................................13
1-Tema: Emprego de arma branca no roubo pode justificar aumento da pena-base, confirma Terceira
Seção em repetitivo.............................................................................................................................13
1-Tema: Definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional........17
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NOTÍCIAS
1-MPSP atinge a marca de trinta mil acordos de não persecução penal celebrados
Nesta quinta-feira, dia 9 de junho de 2022, o mapa do ANPP, disponibilizado na página do CAOCRIM,
apontou ter sido atingida a marca de trinta mil acordos de não persecução penal celebrados no
âmbito do MPSP.
Tal marca deve ser comemorada, considerando que o ANPP é um instrumento moderno para
solucionar conflitos na esfera criminal de forma rápida, consensual e resolutiva, gerando economia
de gastos da máquina pública, o desafogamento do sistema carcerário, entre outros aspectos.
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2- Programa Fala, MPSP comenta sobre os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil
A última edição do Programa Fala, MPSP, transmitido no canal do Ministério Público no YouTube
contou com a participação dos promotores de Justiça, Rogério Sanches Cunha (assessor do Centro
de Apoio Operacional Criminal) e Mylene Comploier (assessora da Escola Superior do Ministério
Público), que comentaram os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil, a ser celebrado em setembro.
Para marcar o histórico de inovações e contribuições do Júri à Justiça, além das discussões atuais, o
Ministério Público de São Paulo, a Escola Superior do MPSP e a Associação Paulista do MP, com apoio
do CNMP e CNPG, vão realizar um congresso nacional destinado aos membros do Ministério Público
brasileiro.
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ESTUDOS DO CAOCRIM
Como consta expressamente do art. 185 do CPP, a regra geral, pela qual deve o réu ser interrogado
pessoalmente pelo juiz, é que deve prevalecer. Será essa a forma de preservar o salutar contato entre
o acusado e seu julgador. Somente em caráter excepcional e desde que preenchidos os pressupostos
legais é que se admitirá o interrogatório por videoconferência.
Esse tom de excepcionalidade é que permite, em nosso pensar, a adoção da videoconferência sem
que se arranhe nenhum princípio constitucional, como proclamado por boa parte da doutrina. Em
outras palavras: se a lei dispusesse de maneira genérica, autorizando essa espécie de interrogatório
de forma aleatória, para todo e qualquer caso, não teríamos dúvida em apontar sua
inconstitucionalidade. Ao reservá-lo, porém, para hipóteses bem específicas, permite o legislador
que, à luz do princípio da razoabilidade, seja acolhido o interrogatório por videoconferência, sem
mácula de inconstitucionalidade.
Diante desse quadro, a Sexta Tuma do STJ, por unanimidade, denegou habeas corpus impetrado por
um réu que alegou nulidade do processo por falta de interrogatório, após o indeferimento de sua
inquirição de forma virtual enquanto estava foragido. A Corte afirmou que não se aplica ao caso
analisado o artigo 220 do Código de Processo Penal – que estabelece que pessoas impossibilitadas
por enfermidade ou velhice sejam inquiridas onde estiverem –, pois, como destacado pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJSP), isso significaria "premiar a condição de foragido". (STJ – HC 640770,
Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. em 15.06.21).
Enfrentando idêntica situação fática, o procurador de Justiça, JORGE ASSAF MALULY, elaborou
minucioso parecer em HC, destacando pontos importantes e que merecem atenção.
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1- Tema: Acordo de não persecução penal - ANPP. Pleito de realização do acordo. Não cabimento
após o recebimento da denúncia. Faculdade do Parquet. Recusa devidamente fundamentada.
DESTAQUE:
O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do Código Penal, implementado pela Lei n.
13.964/2019, indica a possibilidade de realização de negócio jurídico pré-processual entre a acusação
e o investigado. Trata-se de fase prévia e alternativa à propositura de ação penal, que exige, dentre
outros requisitos, aqueles previstos no caput do artigo: 1) delito sem violência ou grave ameaça com
pena mínima inferior a 4 anos; 2) ter o investigado confessado formal e circunstancialmente a
infração; e 3) suficiência e necessidade da medida para reprovação e prevenção do crime. Além disso,
extrai-se do §2º, inciso II, que a reincidência ou a conduta criminal habitual, reiterada ou profissional
afasta a possibilidade da proposta.
No caso concreto, o acordo pretendido deixou de ser ofertado em razão de o Ministério Público ter
considerado que a celebração do acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção do
crime, pois violaria o postulado da proporcionalidade em sua vertente de proibição de proteção
deficiente, destacando que a conduta criminosa foi praticada no contexto de uma rede criminosa
envolvendo vários empresários do ramo alimentício e servidores do Ministério da Agricultura.
Esta Corte Superior entende que não há ilegalidade na recusa do oferecimento de proposta de acordo
de não persecução penal quando o representante do Ministério Público, de forma fundamentada,
constata a ausência dos requisitos subjetivos legais necessários à elaboração do acordo, de modo
que este não atenderia aos critérios de necessidade e suficiência em face do caso concreto.
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De acordo com entendimento já esposado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a
possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao
Ministério Público, não constituindo direito subjetivo do investigado.
Processo: RHC 161.251-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em
10/05/2022, DJe 16/05/2022.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Esse entendimento nem é propriamente novo, visto ser de há muito seguido nos casos da suspensão
condicional do processo e da transação penal. Nesse sentido, o enunciado da Súmula 696 do E.
Supremo Tribunal Federal (“Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional
do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a
questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”).
Com efeito, o acordo de não persecução penal assemelha-se a um termo de ajustamento de conduta
(TAC), mas aplicado no campo criminal. Tratando-se de modalidade de justiça negocial, assemelha-
se aos princípios e postulados básicos da transação penal e da suspensão condicional do processo.
Portanto, tal como já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal no caso
da transação penal e o sursis processual, também o acordo de não persecução deve ser encarado
como poder-dever do Ministério Público e não um direito público subjetivo do investigado.
A respeito da obrigatoriedade de propositura de acordo pelo Ministério Público, vale ressaltar o voto
do então Ministro do Tribunal Constitucional, Ayres Britto, em julgado que tratava de suspensão
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condicional do processo e que, pela natureza do instituto, pode ser aqui utilizado: “não há que se
falar em obrigatoriedade do Ministério Público quanto ao oferecimento do benefício da suspensão
condicional do processo. Do contrário, o titular da ação penal seria compelido a sacar de um
instrumento de índole tipicamente transacional, como é o sursis processual. O que desnaturaria o
próprio instituto da suspensão, eis que não se pode falar propriamente em transação quando a uma
das partes (o órgão de acusação, no caso) não é dado o poder de optar ou não por ela.” (HC
84.342/RJ, 1ª Turma).
Nesse sentido é também a lição de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio
Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes: “(...) Pensamos, portanto, que o “poderá” em questão não
indica mera faculdade, mas um poder-dever, a ser exercido pelo acusador em todas as hipóteses em
que não se configurem as condições do § 2° do dispositivo (in Juizados Especiais Criminais. 5ª ed. RT,
2005, p. 153 – grifos nossos).
Entender o acordo de não persecução como obrigatoriedade seria o mesmo que “estabelecer-se um
autêntico princípio da obrigatoriedade às avessas” (Renee do Ó Souza e Patrícia Eleutério Campos
Dover. Algumas respostas sobre o acordo de não persecução penal, in Acordo de não persecução
penal, organizadores Rogério Sanches Cunha e outros, Salvador, Juspodivm, 2017, p. 123).
Na Carta de Araxá, assinada no dia 3/12/21 pelos Ministérios Públicos dos estados do sudeste, foram
aprovados os seguintes enunciados relacionados ao tema em questão:
No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, a
denúncia deve ser oferecida e o (a) investigado (a) poderá requerer o reexame no prazo da resposta
prevista no art. 396-A do Código de Processo Penal, sob pena de preclusão.
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Havendo recusa, por parte do órgão de execução do Ministério Público, em propor o acordo de não
persecução penal, a análise dos fundamentos de fato e de direito dessa manifestação cabe à instância
revisional da instituição.
2- Tema: Roubo majorado. Reconhecimento fotográfico. Procedimento previsto no art. 226 do CPP.
Obrigatoriedade. Nova orientação jurisprudencial do STJ (HC 598.886/SC). Ausência de riscos de
um reconhecimento falho. Distinguishing.
DESTAQUE:
Processo: REsp 1.969.032-RS, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª
Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/5/2022, DJe 20/5/2022.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Em outubro de 2020, o STJ conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o
entendimento, até então vigente, de que essa norma seria "mera recomendação" e, como tal, sua
inobservância não anularia a prova.
Schietti citou julgamento do Supremo Tribunal Federal, de fevereiro do mesmo ano, em que a Corte
absolveu um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista
a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação (RHC 206.846).
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Ao falar das garantias legais para quem se encontra na posição de suspeito, o magistrado rememorou
as três teses já fixadas pelo STJ: o reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve
observar o procedimento previsto no CPP; a inobservância desse procedimento torna o ato inválido;
e a realização do reconhecimento pessoal deve ser justificada por elementos que indiquem a possível
autoria do crime, de modo a se evitarem arbitrariedades capazes de potencializar erros na verificação
dos fatos.
Não obstante o reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial não ter observado o procedimento
legal, o presente caso enseja distinguishing quanto ao acórdão paradigma da nova orientação
jurisprudencial, tendo em vista que a vítima relatou, nas fases inquisitorial e judicial, conhecer o réu
pelo apelido de "boneco", bem como o pai do acusado, por serem vizinhos, o que não denota riscos
de um reconhecimento falho.
Ademais, a jurisprudência desta Corte superior entende que a palavra da vítima possui especial
relevo, tendo em vista sobretudo o modus operandi empregado na prática desses delitos, cometidos
às escondidas.
"A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que não ofende o
princípio da soberania dos veredictos a decisão do tribunal local que, julgando recurso de apelação
interposto pelo Ministério Público, anula decisão absolutória proferida pelo Conselho de Sentença
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com base no quesito genérico (art. 483, III, c/c § 2º, do CPP) que se mostre manifestamente contrária
à prova dos autos, determinando a realização de novo julgamento pelo tribunal do júri".
AgRg no AREsp n. 1.821.209/MA, relator ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado
em 22/2/2022, DJe de 24/2/2022.
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4- Tema: Jurisprudência em Teses do STJ traz novos entendimentos sobre colaboração premiada
A primeira mostra que, a par da promulgação da Lei 12.850/2013, há, no ordenamento jurídico,
previsões esparsas de colaboração premiada – gênero do qual a delação premiada é espécie.
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DIREITO PENAL:
1- Tema: Emprego de arma branca no roubo pode justificar aumento da pena-base, confirma
Terceira Seção em repetitivo
Notícias do STJ
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema
1.110), estabeleceu tese no sentido de que, em razão da novatio legis in mellius estabelecida pela Lei
13.654/2018, o emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime
de roubo, poderá ser utilizado como fundamento para a majoração da pena-base, quando
as circunstâncias do caso concreto assim justificarem.
O colegiado também definiu que cabe ao julgador fundamentar o novo apenamento ou justificar a
não realização do incremento na pena-base, nos termos do artigo 387, incisos II e III, do Código de
Processo Penal. Além disso, foi firmada a tese de que não cabe ao STJ realizar a transposição
valorativa da circunstância para a primeira fase da dosimetria ou compelir que o tribunal de origem
assim o faça, em razão da discricionariedade do julgador ao aplicar a novatio legis in mellius.
As teses foram baseadas em jurisprudência pacífica do STJ e dizem respeito especificamente aos
casos anteriores ou posteriores à Lei 13.654/2018 – que retirou do crime de roubo a causa de
aumento de pena pelo uso de arma – e anteriores à Lei 13.964/2019 – que incluiu, no artigo 157, a
majoração de pena por violência ou grave ameaça exercida com o uso de arma branca (parágrafo 2º,
inciso VII).
Relator do recurso especial, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou que a Lei 13.654/2018 revogou o
inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 – retirando o acréscimo de um terço até a metade da pena em
virtude do emprego de arma, qual fosse a natureza dela – e, ao mesmo tempo, incluiu o parágrafo
2º-A, para prever aumento de pena em dois terços no caso de uso de arma de fogo.
"Tem-se, portanto, que o legislador optou por excluir da abrangência da majorante os objetos que,
embora possam ser utilizados para intimidar, não foram concebidos com esta finalidade", apontou o
ministro.
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Entretanto, Paciornik destacou que, apesar de o emprego de arma branca ter deixado de integrar a
pena do roubo, essa circunstância não é irrelevante e se configura como um acréscimo à atividade
criminosa. Por ser mais grave a ação do agente que utiliza objeto capaz até de tirar a vida da vítima,
o ministro entendeu ser possível que o julgador considere esse elemento no momento da análise das
circunstâncias judiciais para a aplicação da pena-base.
Apesar desse entendimento, Joel Ilan Paciornik enfatizou que o grau de liberdade do magistrado
nessa hipótese não o isenta de fundamentar eventual nova pena ou a não realização do incremento
da sanção, especialmente porque a utilização de arma branca nos crimes de roubo representa, sim,
maior reprovabilidade à conduta.
Ao fixar as teses repetitivas, o relator também citou precedentes no sentido de que o STJ não pode
impor aos tribunais a aplicação da circunstância do uso de arma branca na primeira fase da
dosimetria, exatamente em função da discricionariedade judicial ao aplicar a inovação benéfica ao
réu trazida pela Lei 13.654/2018.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) inseriu no § 2º o inciso VII, que majora a pena do roubo cometido
com emprego de arma branca, assim considerados todos os objetos confecciona-dos sem finalidade
bélica, porém capazes de intimidar, ferir o próximo (ex.: faca de cozinha, navalha, foice, tesoura,
guarda-chuva, pedra, pedaços de vidro, etc.).
Esta causa de aumento integrou o tipo do roubo até 2018, quando a Lei 13.654 revogou o inciso I do
§ 2º e, no inciso I do § 2º-A, restringiu a majoração ao emprego de arma de fogo. Inúmeras foram as
críticas ao procedimento adotado pelo legislador, pois, além de desconsiderar um fator que sem
dúvida torna mais grave o crime, a restrição promovida foi benéfica, ou seja, retroagiu para retirar a
majorante de roubos que haviam sido cometidos com objetos outros que não armas de fogo:
“A atual previsão contida no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal, incluído pela Lei n.
13.654/2018, limita a possibilidade de aumento de pena à hipótese de a violência ser cometida
mediante emprego de arma de fogo, assim considerado o instrumento que "(...) arremessa projéteis
empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em
uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade
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à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil", de acordo com o art. 3º, XIII,
do Decreto n. 3.665/2000.
Portanto, não se está diante de continuidade normativa, mas de abolitio criminis, na hipótese de o
delito ser praticado com emprego de artefato diverso de arma de fogo”1.
Em decisões posteriores, o STJ concluiu que o emprego de arma branca era apto a fundamentar o
aumento da pena-base devido às circunstâncias mais graves do roubo, e esta operação poderia ser
feita até mesmo em grau de recurso sobre fatos cometidos ainda sob a vigência da majorante
revogada, sem que se cogitasse a ocorrência de reformatio in pejus:
“(...) Em grau de apelação, o Tribunal de origem, por maioria, reformou parcialmente a sentença para
afastar a majorante pelo emprego da arma branca no roubo, mas reposicionou a força negativa dessa
circunstância para o primeiro estágio dosimétrico, a fim de exasperar em mais 1 (um) ano a pena-
base, o que resultou na sanção corporal de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime
inicial fechado, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa (e-STJ fl. 195).
Os embargos infringentes e de nulidade manejados pela defesa (e-STJ fls. 240-242) foram acolhidos
para afastar a valoração negativa sobre o emprego da arma branca e, com isso, redimensionar a pena
corporal para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento
de 20 (vinte) dias-multa (e-STJ fls. 255-269).
(...)
Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 322-343), o Ministério Público reputou contrariado os arts.
617 e 619 do Código de Processo Penal e o art. 59 do Código Penal. Suscitou, em primeiro lugar, a
omissão do Tribunal de origem sobre a suposta inconstitucionalidade da supressão do inciso I do §
2º do art. 157 do CP. Na sequência, alegou que o emprego da arma branca, embora não seja mais
passível de configurar causa de aumento para o crime de roubo, pode ser utilizado para majoração
da pena-base. Demais disso sustentou a ausência de reformatio in pejus no caso concreto, pois, a
despeito do recurso exclusivo da defesa, a transposição da referida circunstância do terceiro para o
primeiro estágio dosimétrico não implicou a fixação de pena definitiva maior que a estabelecida no
primeiro grau de jurisdição.
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(...)
Ao que se nota, a reforma do acórdão referente ao julgamento da apelação foi justificado pela
inadmissibilidade da reformatio in pejus no caso de recurso exclusivo da defesa.
Contudo, consoante a jurisprudência desta Corte Superior, "[não] há que se falar no presente caso
em ofensa ao princípio da ne reformatio in pejus. De fato, esta Corte Superior entende que o
emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime de roubo, poderá
ser utilizado para majoração da pena-base, quando as circunstâncias do caso concreto assim
justificarem" (HC n. 436.314⁄SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 16⁄8⁄2018,
DJe 21⁄8⁄2018).
(...)
No caso concreto, conforme assinalado no voto condutor do julgamento da apelação, "o uso
ostensivo de um facão, arma com altíssima potencialidade lesiva, para ameaçar a vítima" (e-STJ fl.
193) durante a execução do roubo, elevou o senso de reprovabilidade da conduta a ponto de
justificar a exasperação da pena-base, por valoração negativa das circunstâncias do crime”.2
Com a majorante ressuscitada, para os fatos cometidos a partir de sua vigência, não há mais
necessidade de fundamentar o aumento da pena-base em razão da maior gravidade da conduta
cometida com armas brancas. Aliás, considerar essa circunstância na pena-base e como majorante,
caracteriza indisfarçável “bis in idem”.
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1-Tema: Definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional.
Autos n.º 1510xxx-6x.2021.8.26.0604 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal da
Comarca de Sumaré
Suscitante: xº Promotor de Justiça de Sumaré oficiante no Juizado Especial Criminal
Suscitado: xº Promotor de Justiça de Sumaré oficiante Juízo Criminal comum
Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional.
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Segundo consta dos autos, no dia 06 de maio de 2021, às 21h20min, a vítima saiu de sua
casa, no condomínio residencial situado na Avenida da Amizade, nº 1460, Vila Carlota, na cidade e
comarca de Sumaré, para entregar uma encomenda de salgados dentro do próprio condomínio,
ocasião em que notou que HIAGO a observava de seu apartamento, acompanhando-a com o olhar.
Após a entrega, ao retornar para sua casa, na saída do elevador, a criança se deparou com o
investigado totalmente nu, o qual estava rindo e a chamou, tendo a vítima saído correndo, assustada,
para casa, onde relatou o fato a sua mãe (cf. boletim de ocorrência – fls. 03/04).
A genitora da criança, Jenniffer David Batista Lacerda, foi ouvida a fls. 07, confirmando os
fatos e dizendo que HIAGO já praticou a mesma conduta contra outra vítima, moradora do
condomínio, anteriormente.
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do ato obsceno, prevista no art. 233 do Código Penal, uma vez que ausente a prática efetiva de ato
libidinoso. Assim, requereu a redistribuição do feito ao Juizado Especial Criminal, tendo em vista a
pena máxima cominada ao delito (fls. 18).
Os autos foram remetidos a esta Chefia institucional para resolução do impasse (fls. 30).
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do
Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado
(conflito negativo), ou quando dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem
a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime
Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 486-487).
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Pois bem.
Verte dos autos que o investigado, após contemplar a vítima, criança de apenas 11 anos de
idade à época, enquanto ela andava pelo condomínio, dirigiu-se até o elevador do prédio,
aguardando que ela voltasse àquele local, postando-se em sua frente, completamente nu, sorrindo
e a chamando. Ao se deparar com tal cena, a criança saiu correndo, assustada, para sua casa, onde
relatou o ocorrido para sua mãe.
A controvérsia reside em determinar se, com isso, o averiguado a) assediou, por qualquer
meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso (ECA, art. 241-D); b)
exibiu-se publicamente, ofendendo o pudor público (CP, Art. 233); ou c) praticou ato libidinoso
visando a satisfazer a lascívia própria na presença de menor de 14 anos (CP, art. 218-A).
Com relação à aventada hipótese de que a conduta ora em análise possa configurar o crime
previsto no artigo 241-D do ECA, com a máxima vênia ao D. Promotor de Justiça Suscitante, ela não
prospera.
Isto porque, o artigo acima mencionado determina que é crime “Aliciar, assediar, instigar ou
constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato
libidinoso”, e foi incluído no ECA pela Lei 11.829 de 25 de novembro de 2008, a qual foi criada “para
aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar
a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet”,
conforme se verifica da ementa da referida lei.
Desta forma, tendo em vista que a vítima não foi ‘provocada’ pelo acusado através de meios
de comunicação, mas sim em contato presencial, a situação dos autos não se enquadra no referido
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tipo penal, que pressupõe que a conduta criminosa se dê através de meios de comunicação – tais
como mensagens em redes sociais, mensagem em aplicativos de telefone celular, entre outras – com
o intuito de se combater a pedofilia na internet.
Já com relação ao crime de ato obsceno, da mesma forma, tem-se que a conduta do
averiguado extrapolou o mero exibicionismo, que poderia se enquadrar na infração de menor
potencial ofensivo descrita no art. 233 do CP.
E isto porque, não se limitou o agente, com efeito, à exposição pública de seu corpo,
aviltando o pudor de pessoas indeterminadas, apenas e tão somente. Mais que isso, praticou
inegável ato libidinoso, de certo para dar vazão à própria concupiscência, em presença de criança.
Neste sentido, vale destacar o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que
pontua, com base na doutrina, a diferença entre o ato obsceno e a importunação ofensiva ao pudor.
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Neste contexto, de notar ainda que, no caso dos autos, se trata de fato inegavelmente
direcionado à infante, evidenciando que se cuida de crime sexual contra pessoa determinada (e não
de conduta agressiva ao pudor de terceiros indeterminados).
Diante do exposto, a conduta não se subsume ao tipo penal de ato obsceno, previsto no
artigo 233 do CP, não constituindo, portanto, delito de competência do Juizado Especial Criminal.
Resta, então, analisar a conduta prevista no artigo 218-A do Código Penal, que estabelece
que é crime, apenado com reclusão de 2 a 4 anos, “praticar, na presença de alguém menor de 14
(catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer
lascívia própria ou de outrem”.
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Neste sentido, com a máxima vênia ao D. Suscitado, e conforme já mencionado acima, ato
libidinoso consiste em uma conduta capaz de proporcionar a satisfação da libido, a excitação, o
prazer sexual, não sendo necessário que o agente, com a sua prática, atinja o clímax, bastando que
o ato, ao menos aparentemente, tenha essa finalidade (conforme ensina Plínio Antônio Britto Gentil
e Ana Paula Jorge, em Código Penal Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Coordenadores: Mauricio
Schaun Jalil e Vicente Grecco Filho, Ed. Manole, 4ª Edição, editada e revisada 2021, as fls. 631).
Acrescente-se, ainda, que há atos que são libidinosos por natureza, tais como o coito anal,
outros, porém, só adquirem tal caráter diante de certas circunstâncias.
Nesse sentido, leciona Nelson Hungria que basta que o ato seja ofensivo ao pudor do homem
médio, não importando qual a compreensão da vítima sobre o ato, mas sim como ele objetivamente
se apresenta (Hungria, Nelson. 1981, v. III, p. 122-3)
Some-se a isto que os atos libidinosos podem ser classificados através de três critérios: (i) ato
objetivamente libidinoso, aquele que é indubitavelmente lascivo, tais como o sexo oral, coito anal e
felação; (ii) ato objetivamente não libidinoso, mas libidinoso para o agente: aquele que é capaz de
propiciar-lhe satisfação ou excitação sexual, embora não seja objetivamente um ato sexual (por
exemplo: sujeito que se excita ao acariciar o cotovelo de alguém); (iii) ato objetivamente não
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libidinoso, mas libidinoso para a vítima, quando – consciente desta circunstância – o agente (por
exemplo, carícias no cotovelo para alguém que o agente sabe recebê-las com conotação lasciva).
Portanto, tendo em vista que o tipo penal previsto no artigo 218-A, tem como bem jurídico
tutelado a vulnerabilidade, em matéria sexual, do menor de 14 anos e sua moral sexual, o ato de
expor/submeter o menor a presenciar ato libidinoso, sem dele participar, caracteriza conduta
criminosa.
Isto considerado, no caso concreto, tem-se que o autor, ciente de que a vítima era uma
criança, após segui-la com os olhos pela janela de seu apartamento, enquanto ela andava pelo
condomínio onde moram, esperou-a em frente ao elevador completamente nu e, assim que a
menina saiu do elevador, com ele se deparando, o autor, rindo, a chamou, visando atraí-la para perto
dele, demonstrando prazer em tal ato, o qual foi praticado visando satisfazer sua própria lascívia e
causando claro constrangimento e abalo psíquico à criança, que assustada correu para sua casa e
contou para a mãe o ocorrido.
Ressalte-se, por fim, que em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu-
se que conduta de, simplesmente, exibir o órgão sexual à vítimas adolescentes maiores de 14 anos
consiste na prática de ato libidinoso e caracteriza o crime do artigo 215-A do Código Penal e não
mero ato obsceno. Vejamos:
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Embora o ato libidinoso, por sua própria natureza, não tenha deixado
qualquer tipo de vestígio, a conduta restou sobejamente
comprovada pela prova oral produzida, que se encaixa, sem
divergência, a partir das declarações prestadas pelas vítimas na
delegacia e reiteradas, sob o crivo do contraditório, perante a
autoridade judiciária. Tais elementos são esclarecedores o suficiente
para se alcançar a certeza da responsabilidade do réu pelo delito de
“importunação sexual”.
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Ainda neste sentido, destaca-se o precedente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo,
que em determinado caso concreto, afastou a figura típica do ato obsceno (CP, art. 233), para
reconhecer o delito do art. 218-A, do Código Penal, em situação análoga à destes autos:
Neste cenário, não há dúvidas de que a conduta ora em análise se enquadra no contexto de
ato libidinoso, caracterizando, em tese, o tipo penal previsto no artigo 218-A, uma vez que a vítima
é menor de 14 anos – criança, portanto –, sendo a referida norma mais específica do que o artigo
215-A do Código Penal.
Some-se a isto, por fim, que por vigorar nesta fase o princípio in dubio pro societate, mesmo
que a controvérsia não pudesse ser definitivamente solucionada, o que não parece ser o caso, ainda
assim deveria subsistir a imputação mais abrangente.
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Desta forma, ao menos neste momento, pelos elementos constantes dos autos, os fatos se
amoldam, em tese, ao crime previsto no artigo 218-A do CP.
Ante o exposto, conhece-se do presente incidente para dirimi-lo e declarar que a atribuição
para oficiar nos autos é do Douto Suscitado, DD. xº Promotor de Justiça de Sumaré oficiante no Juízo
Criminal Comum.
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