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CAO – Crim

Boletim Criminal Comentado n°167, 12/2021

(semana nº 4)
Boletim Criminal Comentado 167-
Dezembro 2021

Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais


Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores
Fernanda Narezi P. Rosa
Ricardo José G. de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Paulo José de Palma (descentralizado)
Danilo Orlando Pugliesi (descentralizado)

Núcleo de Apoio ao Tribunal do Júri


Aluisio Antonio Maciel Neto (Coordenador)
Felipe Bragantini de Lima
Flavia Flores Rigolo
Juliana Mendonça Gentil Tocunduva
Luiz Carlos Ormeleze
Thiago Alcocer Marin

Artigo 28 e Conflito de Atribuições


Marcelo Sorrentino Neira
Manoella Guz
Roberto Barbosa Alves
Walfredo Cunha Campos
Yolanda Alves Pinto Serrano
Fernando Célio de Brito Nogueira (descentralizado)

Analistas Jurídicos
Ana Karenina Saura Rodrigues
Victor Gabriel Tosetto

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Dezembro 2021

SUMÁRIO

AVISOS...................................................................................................................................................4

1) Aviso sobre a publicação da RECOMENDAÇÃO Nº 85 do CNMP........................................................4

2) Aviso sobre a publicação da RECOMENDAÇÃO Nº 86 do CNMP........................................................4

3) Resolução 49/2021 da Secretaria de Estado da Segurança Pública..................................................4

4) Carta de Araxá concentra as conclusões do Congresso de Direito Penal..........................................4

ESTUDOS DO CAO CRIM........................................................................................................................5

1-Tema: Lei do Stalking e o princípio da continuidade normativo-típica...............................................5

2-Tema: ANPP. Teses apresentadas pelo CAO-CRIM de SP no Congresso do Ministério Público do


Sudeste..................................................................................................................................................5

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.........................................7

DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................7

1-Tema: Busca e apreensão em residência sem mandado judicial. Divergência entre STF e
STJ.........................................................................................................................................................7

DIREITO PENAL....................................................................................................................................10

1-Tema: STJ anula acordo de não persecução penal firmado em caso de crime de estelionato, e aplica
princípio da insignificância.............................................................................................................10

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................13

1-Tema:...............................................................................................................................................13

NÚCLEO DE APOIO A TRIBUNAL DO JÚRI(NAJ).....................................................................................20

1- Tema: No tribunal do júri é possível, mediante acordo entre as partes, estabelecer uma divisão de
tempo para debates de acusação e defesa que melhor se ajuste às peculiaridades do caso...............20

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AVISOS

1- RECOMENDAÇÃO Nº 85 do CNMP:

Aviso nº 695/2021 - PGJ-CAOCR, 30/11/2021

O Procurador-Geral de Justiça, a pedido do Núcleo de Execuções Criminais do CAOCrim, do


CAO da Saúde Pública e CAO de Direitos Humanos e Direitos Sociais, AVISA aos Promotores de
Justiça com atribuição em execução criminal, saúde pública, direitos humanos e na área da
infância e juventude (infratores) que o CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
publicou a RECOMENDAÇÃO Nº 85, DE 28 DE SETEMBRO DE 2021, que dispõe sobre o
fomento à fiscalização, pelo Ministério Público, dos parâmetros de acolhimento das pessoas
LGBTI+ privadas de liberdade em estabelecimentos penais.

2- RECOMENDAÇÃO Nº 86 do CNMP:

Aviso nº 696/2021 - PGJ-CAOCR, 30/11/2021

O Procurador-Geral de Justiça, a pedido do Núcleo de Execuções Criminais do


CAOCRIM, AVISA aos Promotores de Justiça com atribuição em execução criminal e patrimônio
público e social que o CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO publicou
a RECOMENDAÇÃO Nº 86, DE 28 DE SETEMBRO DE 2021, recomendando aos ramos e às
unidades do Ministério Público brasileiro a adoção de medidas estruturantes para a melhoria
das condições ambientais e de acesso ao trabalho no âmbito do Sistema Prisional.

3- RESOLUÇÃO 49 de 2021 DA SECRETARIA DE ESTADO DE SEGURANÇA PÚBLICA:

A Procuradoria – Geral de Justiça propôs à Secretaria da Segurança Pública e o pleito foi


acolhido para que fosse criada uma Comissão de Monitoramento da Letalidade envolvendo
Policiais, no âmbito da Secretaria da Segurança Pública. O objetivo é discutir com órgãos
públicos e da sociedade civil o problema da morte por intervenção policial, sempre com a
finalidade de reduzir ainda mais tais estatísticas. Clique aqui.

4. CARTA DE ARAXÁ CONCENTRA AS CONCLUSÕES DO CONGRESSO DE DIREITO PENAL:

A Carta de Araxá divulga as principais conclusões do Congresso de Direito Penal do qual


participaram os Ministérios Públicos da Região Sudeste. Clique aqui.

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Tema: Lei do Stalking e o princípio da continuidade normativo-típica

Nos moldes dos Enunciados do CAOCRIM que versam sobre a Lei 14.132/2021, a Quinta Turma do
STJ decidiu que a perseguição ocorrida ao menos duas vezes, cometida e encerrada antes da Lei
14.132/21, então caracterizadora da contravenção penal do art. 65, quando presentes as
elementares do art. 147-A do CP, pode continuar sendo objeto de persecução penal, aplicando, na
hipótese, o princípio da continuidade normativo-típica.

EMENTA: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRAVENÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO.


IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ABOLITIO CRIMINIS NÃO EVIDENCIADO. CONTINUIDADE NORMATIVA-TÍPICA.
AGRAVO DESPROVIDO. 1. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a
absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é
inviável na via eleita. 2. Nos moldes do reconhecido no parecer ministerial, "os fatos do caso ocorreram em
junho de 2018, momento em que a aludida contravenção penal de perturbação da tranquilidade ainda não
havia sido retirada da Lei das Contravenções Penais (art. 65 do Decreto-Lei n.º3.888/41) pela Lei nº. 14.132/21,
que entrou em vigência apenas em 01/04/2021, quando a conduta acabou sendo reinserida no art. 147-A do
Código Penal, com a seguinte dicção: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe
a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma,
invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, prática agora também conhecida como
stalking" (e-STJ, fl. 196). 3. Incide ao caso o princípio da continuidade normativo-típica, pois, embora a Lei
n.14.342/21 tenha revogado o art. 65 do Decreto-Lei n.º 3.888/1941, a conduta que ele reprovava continua
punível, pois a própria lei revogadora deslocou tal ação para o tipo penal do art. 147-A do Código Penal, não se
cuidando, portanto, como já afirmado, de hipótese de abolitio criminis. Importante destacar que tal ato teria
ocorrido pelo menos duas vezes, não se tratando se fato isolado como defensivo pelo agravante. 4. Agravo
desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no HABEAS CORPUS Nº 680.738 - DF (2021/0221831-2) RELATOR:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS, 28 de setembro de 2021 (data do julgamento), DJE; 04/10/2021).

Leia aqui o acórdão no HC Nº 680.738 – DF

2-Tema: ANPP. Destacamos as teses apresentadas pelo CAOCRIM de SP no Congresso do Ministério


Público do Sudeste.

O CAOCRIM, no dia 3/12/21, durante o Congresso do Ministério Público do Sudeste, realizado na


cidade de Araxá/MG, apresentou cinco teses abrangendo reparação de danos e prestação pecuniária

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no âmbito do ANPP, sendo todas aprovadas e agora fazem parte da Carta de Araxá. As teses
apresentadas e aprovadas foram as seguintes:

Reparação de dano – condição obrigatória – vulnerabilidade financeira do (a) investigado (a) – ônus
da prova

Quando presente dano material suportado por vítima(s) certa(s) e determinada(s), a sua reparação
deve constar do ajuste celebrado entre o Ministério Público e o (a) investigado (a), salvo quando
demonstrada a impossibilidade de fazê-lo, incumbindo ao investigado a prova cabal de sua
vulnerabilidade financeira, não bastando a mera alegação.

Reparação de dano – dano moral – valor mínimo

Considerando que a norma do art. 28-A, do CPP não limitou o ressarcimento da vítima em relação
aos prejuízos sofridos, o órgão de execução do Ministério Público pode, diante do caso concreto,
fixar o valor mínimo do dano moral.

Prestação pecuniária – cumprimento parcial – detração – impossibilidade

Não possuindo as condições fixadas no acordo de não persecução penal natureza de sanções penais,
posto que pactuadas e não impostas pelo Estado, o cumprimento parcial da prestação pecuniária
não pode ser considerado para fins de detração.

Composição civil – autonomia – título executivo em caso de rescisão.

Com fundamento nos arts. 8o., 141, 356, 492 e 515, III, todos do Código de Processo Civil, aplicados
ao Código de Processo Penal (art. 3o.), o capítulo do acordo de não persecução penal relativo à
composição de danos civis poderá ser pactuado com caráter de autonomia, consHtuindo Itulo
execuHvo de natureza cível apto à execução, mesmo na hipótese de posterior rescisão do ajuste.

Fiança – reparação de danos civis – reversão – possibilidade

No caso de ter havido fixação de fiança e esta ter sido efetivamente paga pelo investigado (a), mostra-
se possível pactuar como cláusula do ajuste, considerando o disposto no art. 336 do CPP, que o valor
depositado judicialmente seja revertido a título de reparação de danos civis.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM


DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1-Tema: Busca e apreensão em residência sem mandado judicial. Divergência entre STF e STJ.

STF (decisão monocrática)

Decisão monocrática da PRIMEIRA TURMA, o STF atendeu pedido do Ministério Público de São Paulo
para declarar incabível em sede de habeas corpus individual, ao Poder Judiciário determinar ao Poder
Executivo o aparelhamento de suas polícias, assim como o treinamento de seu efetivo e a imposição
de providências administrativas como medida obrigatória para os casos de busca domiciliar, sob o
argumento de serem necessárias para evitar eventuais abusos, além de suspeitas e dúvidas sobre a
legalidade da diligência, em que pese inexistir tais requisitos no inciso XI, do artigo 5° da Constituição
Federal, nem tampouco no Tema 280 de Repercussão Geral julgado por essa SUPREMA CORTE.

Leia aqui o inteiro teor do acórdão nos autos do RE 1.342.077 SÃO PAULO

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Este tema foi objeto de análise do CAO-Crim nos boletins 128 e 133. Na oportunidade ressaltamos
que a busca domiciliar, como o próprio nome indica, é aquela feita na casa de alguém. Sendo a casa,
nos termos de preceito constitucional, o “asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, XI, da CF), somente
nas hipóteses expressamente previstas em lei, admite-se exceção a tal princípio. Preocupou-se o
constituinte, assim, em homenagear remotos dogmas da civilização, que sempre procuraram
privilegiar o direito do indivíduo de não ser molestado, quando em sua casa ou de ninguém nela
adentrar sem sua prévia autorização.

Regra geral, portanto, não é permitido o ingresso na casa alheia sem o consentimento do morador
e, por conta disso, somente nas hipóteses previstas no próprio texto constitucional, é que se admite
exceção a tal mandamento.

As duas Turmas do STJ estabeleceram cinco teses centrais a diligência:

1) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para


ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa
causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da
casa ocorre situação de flagrante delito.

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2) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza
permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se
encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir
que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente,
inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.

3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e
apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de
constrangimento ou coação.

4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do


suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela
pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato.
Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar
o processo.

5) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio
resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que
dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal dos
agentes públicos que tenham realizado a diligência.

Sem desconsiderar a louvável intenção dos Ministros da Corte Cidadã, nos parece que trabalharam
com a prova tarifária em tema que admite a liberdade de provas. O consentimento do morador pode
ser comprovado de qualquer forma.

Não bastasse, a Corte interveio no ciclo de política de segurança pública a partir de um caso concreto
(individual). Não houve o necessário debate para ser tratado como litígio estrutural. Ignorou tese
firmada pelo STF, em sede de repercussão geral:

“A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno,
quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que
dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”. (STF. Plenário. RE 603616/RO,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 - repercussão geral – Tema 280 -Info 806).

No julgado em comento, o Min. Alexandre de Moraes deu razão ao Ministério Público de São Paulo,
declarando incabível, em sede de habeas corpus individual, ao Poder Judiciário determinar ao Poder

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Executivo o aparelhamento de suas polícias, assim como o treinamento de seu efetivo e a imposição
de providências administrativas como medida obrigatória para os casos de busca domiciliar, sob o
argumento de serem necessárias para evitar eventuais abusos, além de suspeitas e dúvidas sobre a
legalidade da diligência, em que pese inexistir tais requisitos no inciso XI, do artigo 5o da Constituição
Federal, nem tampouco no Tema 280 de Repercussão Geral julgado por essa SUPREMA CORTE.

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DIREITO PENAL:

1-Tema: STJ anula acordo de não persecução penal firmado em caso de crime de estelionato, e
aplica princípio da insignificância

STJ- Pesquisa de Jurisprudência

O ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu ordem em habeas corpus
para anular acordo de não persecução penal celebrado entre investigado e o Ministério Público, em
caso em que o agente havia sido preso em flagrante por crime de estelionato, ao comercializar um
passe livre de “categoria deficiente”, relativo a transporte público, no valor de R$ 4,50. In casu,
diante da excepcionalíssima situação verificada, foi aplicado o princípio da insignificância, apesar de
que a jurisprudência do STJ ser, usualmente, no sentido de não se aplicar o referido princípio ao
crime do art. 171, §3º, do CP:

Em decisão monocrática, foi reconhecida a atipicidade da conduta:

(…)Inicialmente, é importante ressaltar que o acordo de não persecução penal, por si só, não é óbice
ao reconhecimento da atipicidade material da conduta.”

(…)o princípio da insignificância deve ser analisado em conexão com os postulados da


fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal. Por isso, tem o sentido de
excluir ou de afastar a própria tipicidade penal material. Para se aferir a sua ocorrência, deve-se ater
à presença de certos vetores, como: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma
periculosidade social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC n. 84.412-0/SP, STF, Rel. Ministro CELSO DE MELLO,
DJU 19/11/2004). No caso concreto, diante da excepcionalíssima situação verificada, pode-se
concluir haver a concorrência de todos esses vetores.”

Clique aqui para ler a decisão nos autos do HC Nº 698186 – GO

COMENTÁRIOS DO CAOCRIM

Como se nota da simples leitura do acórdão acima, o STJ reconheceu a possibilidade do remédio
heroico, mesmo após a celebração do ajuste. Em acórdão mais antigo, o STF já vinha admitindo a
possibilidade de impetração de Habeas Corpus para discutir justa causa em hipótese de aceitação da
transação penal:

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"1. AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de garrafa de vinho estimada
em vinte reais. Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da
insignificância. Atipicidade reconhecida. Extinção do processo. HC concedido para esse fim.
Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser extinto
o processo da ação penal, por atipicidade do comportamento e consequente inexistência de justa
causa.
2. AÇÃO PENAL. Suspensão condicional do processo. Inadmissibilidade. Ação penal destituída de
justa causa. Conduta atípica. Aplicação do princípio da insignificância. Trancamento da ação em
habeas corpus. Não se cogita de suspensão condicional do processo, quando, à vista da atipicidade
da conduta, a denúncia já devia ter sido rejeitada (STF - HABEAS CORPUS 88393-1 - Origem: RJ - RIO
DE JANEIRO - Relator: MIN. CEZAR PELUSO)".

Contudo, alertamos que a questão está longe de ser considerada pacificada. É que em julgado
contemporâneo, o STJ, em decisão monocrática no HC 619.751 (STJ), rejeitou Habeas Corpus
impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em que se pleiteava a aplicação do
princípio da insignificância em caso em que fora celebrado acordo de não persecução penal (ANPP).
Assim agindo, a defesa quebra a boa-fé e a lealdade processual na sua relação com o órgão acusatório
ao admitir o acordo em favor de seu assistido e posteriormente impugnar a validade da avença
firmada.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o mesmo Tribunal, no ano de 2019, decidiu que a aceitação
de transação penal pelo autor do fato o impede de discutir a própria justa causa para a ação penal:

"A defesa impetrou, perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Habeas
Corpus, no qual aduziu a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a ação penal. Nesse
interregno, sobreveio alteração da capitulação legal dos fatos narrados e, por conseguinte, a
formulação de proposta de transação penal, que foi aceita pela defesa, razão pela qual o referido
writ foi julgado prejudicado de forma monocrática. A transação penal, prevista no artigo 76 da Lei n.
9.099/1995, prevê a possibilidade de o autor da infração penal celebrar acordo com o Ministério
Público (ou querelante), mediante a imposição de pena restritiva de direitos ou multa, obstando,
assim, o oferecimento da denúncia (ou queixa). Trata-se de instituto cuja aplicação, por natureza e
como regra, ocorre na fase pré-processual. Por conseguinte, visa impedir a instauração da persecutio
criminis in iudicio. E é por esse motivo que não se revela viável, após a celebração do acordo,
pretender discutir em ação autônoma a existência de justa causa para ação penal. Trata-se de
decorrência lógica, pois não há ação penal instaurada que se possa trancar. Por fim, vale asseverar
que a impossibilidade de impetração de habeas corpus neste caso não significa malferimento à

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garantia constitucional insculpida no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal. Tal entendimento
decorre da constatação de que, por acordo das partes, em hipótese de exceção ao princípio da
obrigatoriedade da ação penal, deixou-se de formular acusação contra o acusado, possibilitando a
solução da quaestio em fase pré-processual, de forma consensual. Portanto, seria incompatível e
contraditório com o instituto da transação permitir que se impugne em juízo a justa causa de ação
penal que, a bem da verdade, não foi deflagrada" (STJ - HC 495.148-DF, Rel. ministro Antonio
Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por maioria, julgado em 24/9/2019, DJe 3/10/2019).

É a tese que nos parece mais correta.

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1-Tema: divergência acerca do enquadramento legal dos fatos, com reflexo na atribuição funcional.

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO

Autos n.º 15057xx-6x.2021.8.26.0050 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal do Foro
Central Criminal da Barra Funda (Comarca da Capital)
Suscitante: 73ª Promotora de Justiça Capital, oficiante junto ao JECRIM Central
Suscitada: 22ª Promotora de Justiça da Capital
Assunto: divergência acerca do enquadramento legal dos fatos, com reflexo na atribuição
funcional.

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA


ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL DA CONDUTA, COM REFLEXO
NA ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL. VENDA DE PRODUTOS COM
EMBALAGENS EM DESACORDO COM AS PRESCRIÇÕES LEGAIS. CRIME
CONTRA A ORDEM ECONÔMICA (LEI N. 8.137/90, ART. 7º, INC. II) EM
VEZ DE DELITO CONTRA O CONSUMIDOR (LEI N. 8.078/90, ART. 66).
CONFRONTO ENTRE OS TIPOS PENAIS QUE REVELA, IN CASU, A
PREVALÊNCIA DO PRIMEIRO, SEJA PELO CRITÉRIO DA
TEMPORARIEDADE, SEJA EM FACE DE SUA ESPECIALIDADE.
ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1. A controvérsia havida reside em determinar se a conduta


perpetrada se subsome ao crime previsto no art. 66 do Código de
Defesa do Consumidor, cuja competência pertence aos Juizados
Especiais Criminais, ou se constitui delito atentatório às relações de
consumo, previsto na Lei n. 8.137/90.

2. O primeiro se cuida do ato de “fazer afirmação falsa ou enganosa,


ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica,
qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço
ou garantia de produtos ou serviços”. O outro, mais severamente
punido, consubstancia-se em “vender ou expor à venda mercadoria
cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em

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desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à


respectiva classificação oficial”.

3. A confrontação dos dispositivos legais revela que, em parte,


coincidem em seu campo de abrangência. O princípio do non bis in
idem, entretanto, obsta a dupla incidência das normas
incriminadoras para regular fato único. Há, destarte, conflito
aparente de normas penais.

4. Dois critérios podem ser utilizados para dirimi-lo, pois a infração


prevista na Lei n. 8.137/90, além de posterior, se revela especial em
comparação com a do Código Consumerista. Significa, em outras
palavras, que, se o comportamento sub examen diz respeito a
informações indevidas, inexatas, imprecisas, omissas ou em língua
estrangeira contidas em embalagens de produtos, prevalece a lex
specialis.

5. O laudo pericial encartado à investigação assenta que as peças


examinadas se referiam a objetos desprovidos de embalagens ou
com embalagens em franco desacordo com as prescrições legais,
pois redigidas em idioma alienígena, ausentes, ainda, os dados do
fabricante ou importador.

6. O art. 7.º da Lei n. 8.137/90 é apenado com detenção, de 2 (dois)


a 5 (cinco) anos, ou multa. Não há falar-se, portanto, em infração de
menor potencial ofensivo.

Decisão: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar


que a atribuição para oficiar nos autos compete à Insigne Suscitada,
DD. 22ª Promotora de Justiça da Capital, oficiante junto ao Juízo
Comum Criminal do Foro Central.

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do crime


descrito no art. 7.º, inc. II, da Lei n.º 8.137/90, cometido, em tese, por DAIANA EUN JOO LEE.

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Segundo consta, no dia 25 de agosto de 2020, por volta das 13h30min, policiais civis, em
cumprimento de ordem de serviço expedida no âmbito da operação “Fashion e High Tech”,
compareceram ao Shopping Lotte, localizado na Rua Galvão Bueno, nº 200, Liberdade, nesta cidade.

Em diligências realizadas no local, verificaram que no box 35/36, onde funcionava a loja
“Daiana Presentes” eram comercializados produtos que aparentavam estar em desconformidade
com a legislação consumerista. Na oportunidade, diversas mercadorias foram apreendidas (fls. 8/7)
e encaminhadas para perícia.

A diligência foi acompanhada por Woon Ja Um, a qual indicou DAIANA EUN JOO LEE como
proprietária da loja (fls. 11).

O laudo pericial de fls. 19/24 confirmou as irregularidades, sobretudo por violação ao direito
à informação, previsto no art. 6º, inciso III, e art. 31, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

Ouvida em solo policial, a investigada disse que não sabia sobre as irregularidades e
acreditava que estava comercializando os produtos conforme a regulamentação sobre a matéria.
Após o ocorrido obteve a orientação de como proceder com seus produtos expostos à venda,
procedendo a regularização das mercadorias conforme preceito legal pertinente (fls. 36).

Finalizadas as providências de polícia judiciária, a Douta Promotora de Justiça que recebeu o


feito, oficiante no juízo criminal comum, entendeu que a conduta investigada se subsome ao art. 66,
caput, do CDC, infração de menor potencial ofensivo, motivo por que requereu o envio dos autos ao
Juizado Especial Criminal (fls. 61/62).

A Ilustre Representante Ministerial destinatária, contudo, discordou de sua antecessora e,


entendendo configurado delito contra as relações de consumo, tipificado no art. 7.º, inciso II, da Lei
n.º 8.137/90, que teria derrogado o art. 66 do CDC, suscitou conflito negativo de atribuição, porque
a pena máxima cominada ao delito contra as relações de consumo é de cinco anos de detenção e,

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mesmo que aplicada eventual redução da modalidade culposa, ainda assim extrapola os limites
previstos na Lei n.º 9.099/95 (fls. 73/76).

Vieram os autos a esta Chefia Institucional para a resolução do impasse (fls. 77).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão a esta Chefia


Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93, configurando-se,
portanto, o incidente supramencionado entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do
Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado
(conflito negativo), ou quando dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem
a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime
Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 486-487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não


se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser
adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências),
devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de
oficiar nos autos.

Pois bem.

Assiste razão à Ilustre Suscitante, com a devida vênia da Douta Suscitada; senão, vejamos.

O ponto central da controvérsia reside em determinar se a conduta perpetrada se subsome


ao crime previsto no Código de Defesa do Consumidor, de competência dos Juizados Especiais
Criminais, ou se constitui delito atentatório às relações de consumo, previsto na Lei n.º 8.137/90.

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Conforme já expôs a Procuradoria-Geral de Justiça em decisões anteriores, o primeiro se


cuida do ato de “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza,
característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de
produtos ou serviços”.

O outro, mais severamente punido, consubstancia-se em “vender ou expor à venda


mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as
prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial”.

A confrontação dos dispositivos legais revela que, em parte, coincidem em seu campo de
abrangência. O princípio do non bis in idem, entretanto, obsta a dupla incidência das normas
incriminadoras para regular fato único.

Há, destarte, conflito aparente de normas penais.

Dois critérios podem ser utilizados para dirimi-lo, pois a infração prevista na Lei n.º 8.137/90,
além de posterior, revela-se especial em comparação com a do Código Consumerista.

Significa, em outras palavras, que, se o comportamento sub examen diz respeito a


informações indevidas, inexatas, imprecisas, omissas ou em língua estrangeira contidas em
embalagens de produtos, prevalece a lex specialis.

O laudo pericial encartado à investigação, nessa ordem de ideias, assenta com clareza
meridiana que as peças examinadas não atendiam às especificações exigidas pelo CDC, porque
algumas estavam com inscrições e instruções de uso em língua estrangeira, desprovidas de marca,
origem de fabricação e composição do material, ao passo que outros objetos estavam desprovidos
de dados do fabricante, origem de fabricação e composição do material (fls. 19/24).

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O art. 7.º da Lei n.º 8.137/90 é apenado com detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
Não há falar-se, portanto, em infração de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, a tranquila
jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA


AS RELAÇÕES DE CONSUMO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS. PENA ALTERNATIVA DE MULTA.
IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO PRETÓRIO
EXCELSO. RECURSO PROVIDO.
1. O advento da Lei n.º 11.313/2006 veio consolidar entendimento
pacificado neste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que se
considera crime de menor potencial ofensivo aquele cuja pena
máxima não exceda o limite de 2 (dois) anos.
2. No caso, a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de
3 (três) anos e 4 (quatro) meses de detenção. E, apesar da previsão
de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para
definir se a infração reveste-se de menor gravidade e, portanto, se
ao Indiciado podem ser oferecidos os benefícios da Lei n.º 9.099/95,
é exatamente o quantum máximo da pena privativa de liberdade
abstratamente cominada.
3. Recurso provido”.
(STJ, R.Esp. n. 968.766/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA,
julgado em 10/09/2009, DJe de 28/09/2009; grifo nosso).

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a
atribuição para oficiar nos autos compete à Insigne Suscitada, DD. 22ª Promotora de Justiça da
Capital, oficiante junto ao Juízo Comum Criminal do Foro Central.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, dada a diversa capitulação
jurídica do fato, caso a Ilustre Representante Ministerial subscritora da manifestação de fls. 61/62
ainda esteja em exercício no cargo, designa-se outro promotor de justiça para intervir nos autos,

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facultada a observação do disposto no art. 4-A da Resolução n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de


janeiro de 2003, com redação dada pela Resolução n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de
2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático, se necessário.

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

Mário Luiz Sarrubbo


Procurador-Geral de Justiça

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MP/SP: NÚCLEO DE APOIO A TRIBUNAL DO JÚRI (NAJ)

1-Tema: No tribunal do júri é possível, mediante acordo entre as partes, estabelecer uma divisão
de tempo para debates de acusação e defesa que melhor se ajuste às peculiaridades do caso.

STJ- Informativo de Jurisprudência nº 0719

A plenitude de defesa é um dos princípios constitucionais básicos que amparam o instituto do júri
(art. 5º, XXXVIII, da CF/1988), razão pela qual é louvável a decisão do magistrado que busca efetivar
tal garantia aos acusados.

Entretanto, é importante que as normas processuais que regem o referido instituto sejam
observadas, a fim de que sejam evitadas futuras alegações de nulidades.

Dessa forma, considerado o rigor formal do procedimento do júri, não é possível que,
unilateralmente, o juiz de primeiro grau estabeleça prazos diversos daqueles definidos pelo
legislador, para mais ou para menos, sob pena de chancelar uma decisão contra legem.

Não obstante, nada impede que, no início da sessão de julgamento, mediante acordo entre as partes,
seja estabelecida uma divisão de tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso concreto.

O Código de Processo Civil de 2015, consagrou a denominada cláusula geral de negociação


processual, ao dispor, em seu art. 190, que "Versando o processo sobre direitos que admitam
autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para
ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e
deveres processuais, antes ou durante o processo". Na hipótese, à luz do disposto no art. 3º do CPP,
é viável a aplicação analógica do referido dispositivo.

À vista de tal consideração, ponderadas as singularidades do caso em análise, em reforço ao que já


prevê o art. 477 do CPP, constata-se a viabilidade de que as partes interessadas entrem em um
consenso a fim de dilatar o prazo de debates, respeitados os demais princípios que regem o instituto
do júri.

Leia aqui o inteiro teor do acórdão nos autos do HC 703.912-RS

Este tema se refere ao HC 703.912-RS

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