Você está na página 1de 1

DIONÍSIO TRÁCIO (circa 170-90 a.C.

), sobre cuja vida pouco se sabe, deve seu cognome


– “Trácio” ou “da Trácia” – ao local de nascimento de seu pai, natural da Trácia, e não ao fato
de que teria voz áspera (como a dos trácios em geral, que, para ouvidos gregos, falariam um
idioma rude), conforme informação fantasiosa de outra fonte. Deve ter nascido em Alexandria
ou em Bizâncio, e, tendo sido discípulo de Aristarco de Samotrácia (216-144 a.C.) – a quem
se credita a glória de ter conduzido a filologia helenística ao seu apogeu –, ensinou gramática
em Rodes e em Roma. Seu opúsculo Arte gramatical recolhe e sistematiza um século e meio
do labor filológico da Alexandria helenística, de Zenódoto de Éfeso (século IV-III a.C.) e
Aristófanes de Bizâncio (século III a.C.) a Aristarco de Samotrácia (séculos III-II a.C.), e ao
mesmo tempo constitui uma espécie de protótipo metodológico para os tratados gramaticais
futuros.

AS PARTES DA GRAMÁTICA E A CRÍTICA


(século II/I a.C.)

A gramática é a experiência das coisas ordinariamente ditas em poesia e em prosa. E


são seis as suas partes: a primeira, recitação experta conforme a prosódia; a segunda, exegese,
conforme os tropos poéticos existentes; a terceira, explicação do alcance das palavras e dos
relatos; a quarta, descoberta da etimologia; a quinta, exposição da analogia;1 a sexta,
discernimento crítico em relação aos poemas, a qual é a parte mais bela desta arte.2


Gramática / Comentarios antiguos. Introducción, traducción y notas de Vicente Bécares Botas. Madrid:
Gredos, 2002. Edição trilíngue: grego, latim, espanhol.

Título atribuído pelo organizador; artigo nº 1 da Gramática de Dionísio Trácio.

Tradução de Carlinda Fragale Pate Nuñez.


1
Isto é, as regularidades da língua, que permitem a depreensão de padrões coerentes nos diversos níveis de sua
estrutura; a “exposição da analogia”, portanto, consiste na apresentação sistemática das célebres regras
gramaticais, o que afinal constitui a questão central da gramática. No entanto, é também evidente a vigência do
princípio oposto, o da anomalia, que dá conta das não menos famosas exceções. A filologia grega do período
alexandrino (século III-II a.C.) manifestou aguda consciência dessa contradição, tanto que se dividiu em duas
correntes a propósito do que seria o princípio fundamental do funcionamento da língua: a chamada “Escola de
Alexandria”, identificada com os seguidores de Aristóteles, se inclinava pela analogia, ao passo que a “Escola de
Pérgamo”, filiada ao estoicismo, defendia a anomalia. Ver, a propósito: LEROY, Maurice. As grandes correntes
da linguística moderna. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 18; SOUSA, Eudoro de. Nota acerca da história da filologia
grega na Antiguidade. In: ARISTÓTELES. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966. p. 205-206.
2
Arte não no sentido moderno e estético, mas no antigo e clássico, isto é, “técnica, perícia ou habilidade
especializada, passível de aprendizagem mediante exercícios e imitação de modelos”. Nesse sentido antigo é que
se pode falar em arte da gramática.

Você também pode gostar