Gálatas 3.10-14 - Est. Contextual - David Silva de Freitas

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SEMINÁRIO TEOLÓGICO PRESBITERIANO REV.

DENOEL
NICODEMUS ELLER

DAVID SILVA DE FREITAS

A SUPERIORIDADE DE CRISTO SOBRE A LEI


GÁLATAS 3.10-14

Belo Horizonte
2021
DAVID SILVA DE FREITAS

A SUPERIORIDADE DE CRISTO SOBRE A LEI


GÁLATAS 3.10-14

Exegese apresentada ao RDNE, como


requisito parcial para o aproveitamento da
disciplina Exegese do Novo Testamento
III do Curso de Teologia.

Prof. Rev. José Silva Lapa

Belo Horizonte
2021
Sumário

INTRODUÇÃO.................................................................................................................4

ESTUDO CONTEXTUAL...............................................................................................4
1 Contexto histórico da passagem.................................................................................4
1.1. Autor.......................................................................................................................4
1.2. Leitor......................................................................................................................6
1.3. Data.........................................................................................................................7
1.4. Circunstâncias históricas........................................................................................7
1.5. Objetivo................................................................................................................10
2 Contexto literário da passagem................................................................................11
2.1. Gênero literário.....................................................................................................11
2.2. Estrutura do livro..................................................................................................11
2.3. Contexto remoto...................................................................................................12
2.4. Contexto próximo.................................................................................................13
3 Contexto canônico da passagem...............................................................................14
3.1. Antigo testamento.................................................................................................14
3.2. Novo Testamento..................................................................................................16
INTRODUÇÃO

Neste trabalho nos propusemos a analisar exegeticamente o texto de Gálatas


3.10-14, que nas nossas Bíblias é uma parte do texto intitulado “A experiência de
Abraão”.
O nosso objetivo nesse trabalho é estudar e analisar, à luz das Escrituras e do
texto específico, a metodologia, os procedimentos e o conteúdo da mensagem de
exortação e ensino de Paulo aos gálatas. Para isso nos valemos da metodologia histórica
gramatical, por meio da qual analisaremos o contexto histórico da passagem, do livro e,
além disso, analisaremos ainda o texto em seu original. Para esse último nos valemos da
quinta edição revisada do Novo Testamento do Novum Testamentum Graece de Nestle-
Aland1. Usamos o seu aparato como parâmetro, buscando também auxílios em
comentaristas bíblicos para complementar e enriquecer o trabalho.
O trabalho é composto de três estudos, sendo o Contextual, o Textual e o
Canônico Teológico. No primeiro estudaremos o contexto histórico, cultural e bíblico
da passagem, buscando uma aproximação maior com o autor e com os destinatários. No
segundo estudaremos o texto no idioma original, analisaremos as variantes textuais e,
por fim, a nossa interpretação exegética da passagem. Na terceira e última parte vemos
em que o texto contribui para teologia e para a vida prática de nossa igreja. Para
citações usamos a metodologia padrão conforme as exigências da Associação Brasileira
de Normas Técnicas (ABNT).
Portanto, passamos para o estudo da passagem, buscando desta forma um estudo
mais profundo da palavra do Senhor.

ESTUDO CONTEXTUAL

1 Contexto histórico da passagem

1.1. Autor

A autoria dos livros da bíblia, antigo e novo testamento, é, às vezes, debatida.


Isto ocorre quando não há no livro uma indicação clara e proposital do nome do autor,
1
O NOVO TESTAMENTO GREGO. 5. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblia do Brasil, [20--?].
ou quando o livro dá margem para uma mudança de discurso, de narrativa ou de estilo
de escrita. No livro de Gálatas, este debate não existe, uma vez que consta claramente
no livro quem foi seu autor.
O livro aos Gálatas foi escrito pelo apóstolo Paulo. O livro já inicia com a
habitual apresentação de Paulo (1.1), mostrando uma clara evidência interna de sua
autoria. Nos escritos deste apóstolo, e também nos escritos antigos, era comum ter-se
uma apresentação inicial, mostrando aos leitores quem os estava falando. Gundry afirma
que “as cartas antigas tinham início com uma saudação, a qual incluía o nome de quem
as enviava e o nome do endereçado.”2 Neste ínterim, nas cartas paulinas “o fato de ter
uma saudação, um corpo e uma conclusão é comum a todas elas” 3 e, diz Harvey, “a
estrutura de três partes das saudações paulinas é bem conhecida: remetente, destinatário
e saudação.”4 Portanto, se percebe que Paulo utilizava um estilo clássica de
apresentação, e utilizava-o frequentemente em suas cartas.
Além de si apresentar como autor, o apóstolo Paulo mostra que haviam alguns
cooperados com ele: “Paulo, apóstolo, [...] e todos os irmãos meus companheiros” (1.1-
2). Certamente estes companheiros serviam ao ministério de Paulo, mas, embora o
apóstolo tenha prazer em destacar esta companhia em sua habitual saudação, “Paulo
desembaraçadamente coloca-se em primeiro lugar, dando a si mesmo um título que é
negado aos outros. Eles são todos “irmãos”; ele, único dentre os demais, é um
apóstolo.”5 Esta citação de Stott lança luz a uma importante observação a ser feita na
autoria paulina de Gálatas. Sendo o autor, como Paulo descreve a si mesmo nesta carta?
Paulo faz questão de, ao anunciar-se como o autor da carta, deixar claro seu
apostolado cristão e reivindicar a autoridade divina deste apostolado (1.1), diferente do
que apresentava em outras saudações, como: “chamado para ser apóstolo” (Rm 1.1);
“chamado pela vontade de Deus para ser apóstolo de Jesus Cristo” (1 Co 1.1). Em
Gálatas, Paulo mostra que seu apostolado não é humano em nenhum sentido, mas
essencialmente divino. Conforme Stott, “Paulo insiste em que os seres humanos nada
tinham a ver com o seu apostolado. Sua comissão apostólica não era humana, nem
direta nem indiretamente; era totalmente divina.” 6 Observar esta reivindicação do autor
da carta é importante pois ela já dá o tom da carta porvir. Paulo, o autor de Gálatas,

2
GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. 4ª edição. São Paulo: Vida Nova, 1987. p. 288
3
HARVEY, John D. Interpretação das Cartas Paulinas: Um prático e indispensável manual de
exegese. São Paulo: Cultura Cristã, 2017. p. 31
4
Ibid., p. 31
5
STOTT, John R.W. A mensagem de Gálatas. São Paulo: ABU Editora, 2000. p. 15
6
Ibid., p. 16
mostra que a denúncia que faria na carta e o evangelho que pregava em contato com os
gálatas eram verdadeiros porquê eram divinamente instruídos.

1.2. Leitor

É evidente, elas evidência internas do livro (1.2; 3.1), que o público alvo da
Carta aos gálatas fossem os cristãos das igrejas da Galácia. No capítulo 3 Paulo chama
seus leitores de Γαλάται (gálatas). No meio do primeiro século cristão o termo Galácia
tinha mais de um significado7. Indicava a área ao centro-norte da Ásia Menor (Galácia
do Norte), tendo Pessino, Ancira e Távio como principais centros. Mas indicava
também a província romana da Galácia (Galácia do Sul), tendo Antioquia, Icônio, Listra
e Derbe como principais centros (cidades visitadas por Paulo conforme Atos). Em 4.14
Paulo relata uma experiência onde, enfermo, esteve na região de escrita da carta para
cuidar-se e então pregou ali o evangelho. Com isso, é improvável que a carta tivesse
como leitor os cristãos de ambas as regiões supracitadas, uma vez que Paulo relata
experiência pessoal com uma destas. Stott entende que “a referência é à parte Sul da
província, e particularmente às quatro cidades da Pisídia: Antioquia, Icônio, Listra e
Derbe, e que Paulo evangelizou durante a sua primeira viagem missionária, narrada nos
capítulos 13 e 14 de Atos.”8 Paralelo a isto, Nicodemus afirma que

Os gálatas (Gl 1.2) eram habitantes de um distrito romano da Ásia


Menor (correspondente à Turquia atual) que fazia fronteira com a
Frígia, o Ponto, a Capadócia e a Bitínia. Paulo passou por aquela
região no início da década de 50 durante sua segunda viagem
missionária (At 16.6) e, tendo adoecido, ficou um tempo entre eles,
ocasião em que lhes pregou o evangelho pela primeira vez (Gl 4.13;
cf. 1.8). O apóstolo esteve uma segunda vez com eles quando
provavelmente organizou as igrejas de toda aquela área (At 18.23). 9

Concordamos com os autores citados de que a indicação mais provável é que os


leitores de Paulo sejam os cristãos da Galácia do Sul. Atos 13 e 14 fornecem
informações sobre o surgimento destas igrejas – Paulo escreve às igrejas; já na Galácia
do Norte não há menção de igrejas, mas apenas de discípulos (At 18.23).

7
HARRISON, Everett F.; PFEIFFER, Charlis F. Comentário Bíblio Moody: Volume 5, Romanos à
Apocalipse. São Paulo: Batista Regular, 2001. p. 139
8
STTOT, p. 13
9
NICODEMUS, Augustus. Livres em Cristo: A mensagem de Gálatas para a igreja de hoje. São Paulo:
Vida Nova, 2016. p.11
1.3. Data

A datação para a escrita de Gálatas depende da teoria admitida sobre a região da


Galácia – se Paulo escreveu para a Galácia do Norte ou do Sul. Os defensores da
Galácia do Norte aceitam uma data mais tardia, pois

“o apóstolo não teria entrado naquelas áreas até à sua segunda viagem
missionária. Segundo a teoria deles, Paulo visitou novamente a
Galácia do Norte durante sua terceira viagem missionária. Assim,
geralmente sustentam que Gálatas foi escrita em sua terceira viagem
missionária.”

Esta data tardia seria após o concílio de Jerusalém. Nós, embora assumamos a
Galácia do Sul como destinatário, concordamos com esta escrita após o concílio de
Jerusalém. Hendriksen conclui que:

“Gálatas foi escrita depois do Concilio de Jerusalém, pois descreve a


relação de Paulo com os outros líderes daquela grandiosa reunião. A
viagem a Jerusalém, mencionada em G12.1, tem que ser identificada
com aquela indicada em At 15.1 -4. Como prova disso, veja-se
G12.1.”10

Concordando com esta conclusão de Hendriksen, Nicodemus também afirma


que a carta “foi escrita muito provavelmente depois de Paulo ter estado em Jerusalém
para participar do concílio em que se discutiu de que maneira os crentes não judeus
poderiam ingressar na igreja (At 15).”11 Pode-se observar que as similaridades entre
Atos 15 (concílio em Jerusalém) e a descrição que Paulo faz de sua visita a Jerusalém
em Gálatas 2 apontam para a correspondência desses fatos. Portanto, uma data para a
escrita da Carta aos gálatas é 50-53 d.C.

1.4. Circunstâncias históricas

A epístola de Paulo aos cristãos gálatas é envolta em circunstâncias contextuais


muito marcantes. Paulo precisa utilizar seu conhecimento teológico, conhecido hoje
como teologia paulina, seu conhecimento apostólico, sua capacidade argumentativa-
retórica e sua ousadia intrépida para expor aos gálatas os erros que estavam permeando
10
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Gálatas. São Paulo: Cultura Cristã,
1999. p.27
11
NICODEMUS, p. 13
naquela comunidade e a mudança de postura necessária a eles. O tom desta epístola é
bastante ‘alto’, intenso e até bravo (1.6,10; 3.1-5; 5.13; 6.11). Com esta atitude, o autor
bíblico mostra como o feria e agredida à fé cristã as atuais atitudes gálatas.
As igrejas da região da Galácia estavam recebendo a chegada de judeus radicais,
falsos mestres judaizantes. A consequência desta atividade judaizante seria a subversão
do evangelho ensinado por Paulo e uma degradação da missão evangélica entre os
gentios. O povo gálata era um povo misto, considerado feroz e perigoso, mas simples e
facilmente enganável. Na Galácia havia três questões perturbadoras para o evangelho
cristão: a questão social, a questão étnica-religiosa e a questão de gênero. Na questão
social, a escravidão era praticada, estando os gálatas sob o domínio romano (Paulo fala
que “não há escravo nem livre” – 3.28) . Na questão étnica-religiosa, havia um
endurecimento nas relações judeus e gentios (Paulo fala que “não há judeu nem grego”
– 3.28). Naquela mentalidade, havia a divisão entre os circuncisos e os incircuncisos
(impuros). Na questão de gênero, a mulher era vista como uma menor em seus
direitos e status social e o homem exercia o status de primazia (Paulo fala que “não há
homem nem mulher” – 3.28).
As circunstâncias histórias necessárias para o entendimento do contexto de
Gálatas podem ser divididas em: a) o trabalho evangelístico de Paulo sobre aquela
igreja; b) a chegada dos judaizantes ensinando novas doutrinas aos gálatas; e c) a
autoridade apostólica de Paulo.
A primeira circunstância histórica diz respeito ao trabalho de evangelização
efetuado por Paulo na região da Galácia. O próprio autor evidencia a necessidade e a
importância do evangelho anunciado por ele aos gálatas (1.10-17). Sendo o fiel
evangelista daquele povo, Paulo sentia-se ofendido pela traição deles à mensagem cristã
que outrora creram. Pfeiffer e Harrison dizem que “as igrejas gálatas nasceram como
resultado do trabalho missionário de Paulo”12, e continuam dizendo que “o apóstolo
ficou muito preocupado espiritualmente quando ficou sabendo que agitadores cristãos
judeus tinham circulado entre os convertidos gentios, procurando lhes impor a
circuncisão e as responsabilidades da lei mosaica como necessárias à salvação.” 13 Por
cederem às investidas e ensinos dos judeus, Paulo mostra aos gálatas que eram
responsáveis pela deserção. Portanto, a carta aos gálatas, embora rebata investidas
exteriores (judaizantes), tem por base a responsabilidade dos gálatas em trocarem a

12
PFEIFFER, HARRISON, p. 139
13
Ibid., p. 139
mensagem evangélica que lhes fora ensinada por práticas ritualísticas trazidas pelos
judaizantes. Reparemos que Paulo usa a voz ativa para repreender os gálatas em 1.6.
Paulo diz “estejais passando tão depressa [para outro lado]” e não a voz passiva “que
tenhais sido passados”. Paulo chama os gálatas de volta para o comprometimento com
o evangelho puro apresentado.
Outra circunstância histórica importante nesta carta é, como citado acima, a
chegada e as investidas dos judeus radicais sobre os gálatas. Os judaizantes (judeus
radicais), traziam à igrejas da Galácia um evangelho difícil de carregar, uma vez que
eram recheados de tradicionalismo, ritualismo e radicalidade. Gundry é sumário ao
afirmar que “a epístola de Paulo aos Gálatas diz respeitos à controvérsia judaizante.” 14
Paulo diz que “há alguns que vos perturbam” (1.7b), referindo-se à presença dos judeus.
Sobre esta perturbação causada, Nicodemus afirma que

O apóstolo Paulo escreveu essa carta aos cristãos da região da Galácia


numa tentativa de evitar que eles aceitassem a mensagem de certos
pregadores que queriam torná-los adeptos do judaísmo. Alguns
missionários judeus que aparentemente haviam se convertido ao
cristianismo estavam ensinando aos cristãos não judeus de diversas
igrejas recém-fundadas por Paulo que eles precisavam se circuncidar e
guardar a Lei de Moisés para serem aceitos por Deus. Os gálatas
também tinham ouvido Paulo pregar o evangelho de Cristo e creram
que a salvação dos pecados se dava mediante a fé em Jesus somente.
Mas, então, apareceram esses outros pregadores ensinando a
necessidade de acrescentar à fé em Cristo as obras da lei, sem as quais
não poderiam ser, de fato, salvos.15

Em outras palavras, os judeus radicais queriam que os gálatas acrescentassem


valor à salvação deles, valendo-se de práticas e rituais judeus. Queriam ensinar-lhes a
religião de obras, quando Paulo ensinava-lhes a fé e a confiança completa na obra de
Cristo Jesus. Hendriksen argumenta que “pode parecer estranho, porém muitos gálatas
ouviram atentamente esses usurpadores [...] Generoso, solícito, o coração de Paulo se
enche de tristeza ao saber que na Galácia a doutrina da liberdade cristã estava
ameaçada.”16 A mensagem judaizante era atraente, imponente e sedutora. Com isso,
Paulo escreve a carta em uma circunstância de quase aceitação gálata da mensagem
judaizante.
A última circunstância histórica pertinente ao entendimento da carta é o

14
GUNDRY, p. 289
15
NICODEMUS, p. 11
16
HENDRIKSEN, p. 34
questionamento e descrédito da autoridade apostólica de Paulo. Nicodemus afirma que o
primeiro objetivo de Paulo nesta carta é defender sua autoridade apostólica.17 O apóstolo
Paulo já começa a carta mostrando suas credenciais apostólica (1.1,10). A defesa logo
de início era necessária primeiro porque os judaizantes estavam colocando em
descrédito sua autoridade, a fim de desmoralizar sua mensagem, e segundo porque a
autoridade e a supremacia da mensagem evangelizada por Paulo dependiam da plena
aceitação de Paulo como apóstolo verdadeiro de Cristo. Sobre isso, Gundry ressalta o
fato da epístola ser iniciada “com uma saudação na qual Paulo ressalta o seu
apostolado”, e explica, dizendo que Paulo “queria estabelecer firmemente a sua
autoridade, em contraposição aos judaizantes.”18 Paulo estabelece sua autoridade
mostrando aos gálatas que não buscava persuadir os homens buscando o favor deles,
mas buscando agradar a Deus – o que um real apóstolo faz (1.10). E Paulo diz-lhes que,
como apóstolo, recebeu o evangelho diretamente do Senhor Jesus Cristo (1.12), e não
por seus predecessores. Portanto, o que Paulo lhes falara, era ensino diretamente divino
aos gálatas.
A trabalho evangelístico de Paulo entre os gálatas, a presença dos judaizantes
naquela igreja e a apostolicidade de Paulo são circunstâncias que permeiam a carta aos
gálatas e dão o tom do escrito paulino. Escrevendo sob estas circunstâncias, Paulo
escreve a carta aos Gálatas com objetivos claros e definidos, os quais seguem abaixo.

1.5. Objetivo

O objetivo desta carta parece ser a transmissão aos cristãos de noções justas,
claras, enraizadas e apostólicas sobre o evangelho e a finalidade da obra de Cristo.
Paulo transmite estas noções dividindo a carta em objetivos específicos. Como dito
acima, um primeiro objetivo desta carta é defender a autoridade apostólica de Paulo
(1.1). Um ensino procedente deste é combater o ensino e a influência dos judaizantes no
meio daquele povo cristão (caps. 3 e 4). Um ensino final desta carta é exortar e
encorajar os cristãos gálatas a viverem firmar na fé e na liberdade dadas por Cristo Jesus
(caps. 5 e 6).
Na ótica da divisão acima, Pfeiffer e Harrison mostram que os primeiros dois
capítulos são para estabelecer a natureza do apostolado de Paulo. Depois Paulo passa a
declarar o que é o Evangelho (caps. 3 e 4) e o que é viver no e com o Evangelho (caps.
17
NICODEMUS, p. 13
18
GUNDRY, p. 294
5 e 6).19 Portanto, de maneira objetiva e prática, os objetivos de Paulo em Gálatas são:
defender sua autoridade apostólica, reafirmar o evangelho cristão e expor a incoerência
judaizante, e mostrar o evangelho praticado na vivência diária dos cristãos que o
seguem.

2 Contexto literário da passagem

2.1. Gênero literário

É difundida entre os cristãos a ideia de que os escritos paulinos são em formato


de cartas endereçadas a seus irmãos. Concordamos com Betz 20 que afirma que Gálatas é
um exemplo de carta apologética. Este gênero pressupõe não apenas o gênero carta, mas
também a autobiografia e a dissertação apologética. Conforme Longenecker21, a
classificação desta carta como uma carta apologética diz respeito a relação entre o estilo
do conteúdo da carta com a estrutura epistolar.

2.2. Estrutura do livro

1) Introdução (1.1-9):
. Saudação aos gálatas (1.1-5)
. Chamada de atenção e anátema (1.6-9)

2) Argumento autobiográfico (1.10 – 2.21):


. Revelação direta do evangelho a Paulo, por Jesus Cristo (1.11-12)
. Chamado e comissionamento do apóstolo (1.13-17)
. Relato ministerial (1.18 – 2.14)
. Testemunho e confissão teológica (2.15-21)

3) Argumento teológico (3.1 – 5.12)


. A consequência da inclinação à mensagem judaizante (3.1-5)
. A suficiência da fé (3.6-9)

19
PFEIFFER e HARRISON, p. 140
20
BETZ, Hans Dieter. Galatians: a commentary on Paul’s letter to the churches in Galatia. Philadelphia:
Fortress, 1979, p.14-15
21
LONGENECKER, Richard N. Galatians. Dallas: Word, 1990, p. CIV-CV
. A maldição e o cumprimento da lei (3.10-14)
. A superioridade da promessa sobre a lei (3.15-18)
. A finalidade da lei: das transgressões até Cristo (3.19 – 4.7)
. Autorreflexão e testemunho (4.8-20)
. A liberdade sobre a lei dada por Cristo (4.21 – 5.12)

4) Aplicações da verdadeira liberdade (5.13 – 6.10)


. A liberdade na comunidade cristã (5.13-15)
. A liberdade pelo Espírito (5.16-26)
. Vivência da liberdade na família cristã (6.1-10)

5) Conclusão (6.11-18)

2.3. Contexto remoto

O texto em análise está num contexto de instrução e correção teológica do


apóstolo Paulo aos gálatas. Paulo inicia a carta apontando os problemas (1.6-7) que
serão o norte das resoluções do escrito. Além disso, Paulo aponta suas credenciais
apostólicas (1.10-12). Isto era necessário para corrigir possíveis desmoralizações feitas
pelos judaizantes acerca da imagem autoritativa do apóstolo. Após apresentar o
problema principal e validar-se como divinamente revestido, Paulo apresenta um relato
pessoal de sua conversão e de seu trabalho apostólico e evangelístico (1.13 – 2.10). Este
relato pronunciado aos gálatas mostra a importância e o peso do evangelho que Paulo
pregava a eles e mostra a transformação pontual e única causada por este evangelho.
Concluído seu relato, o apóstolo demonstra aos gálatas a inveracidade da mensagem da
circuncisão, revelando a eles um desentendimento tido com Pedro (2.11-17), concluindo
com uma declaração de vivência única para Cristo e não para a lei (2.18-21).
Entender o passo a passo feito por Paulo na escrita de Gálatas é fundamental
para entender o que ele expõe no texto base desta exegese. Todo este contexto é
necessário para os versículos 10 a 14 do capítulo 4, pois: a) o problema da mensagem
judaizante é aqui evidenciado (maldição); b) era necessário aos gálatas confiarem na
autoridade apostólica de Paulo para aceitarem o ensino da suficiência de Cristo sobre a
Lei; c) e era-lhes necessário entender que, sob o evangelho de Cristo, eles estavam
morros para a Lei e vivos para Deus (conforme Paulo se declara em 2.19-20).
Por fim, tendo observado a conexão do texto em análise com o que Paulo vinha
expondo nos dois primeiros capítulos da carta, é importante ver a conexão do texto com
os capítulos seguintes. Após evidenciar Cristo em detrimento da Lei (v. 10-13) e
relembrar-lhes da benção que chegaria aos que estivessem em Cristo (v.14), Paulo
mostra a finalidade da Lei (3.19) e a supremacia da promessa em Cristo (3.22). Então,
após evidenciar Cristo, Paulo passa a ensinar-lhes sobre a verdadeira liberdade cristã e a
infalibilidade e transitoriedade do ritualismo judaizante.
O contexto remoto mostra que o texto analisado (3.10-14) é de fundamental
importância para a ideia da carta, servindo como transição no argumento de Paulo e
exemplificação prática para o entendimento dos cristãos.

2.4. Contexto próximo

O texto desta exegese tem como contexto imediatamente anterior uma áspera
nota de Paulo aos gálatas, seguida de algumas perguntas retóricas e reflexivas (3.1-5) e
uma ilustração de Abraão trazendo a temática da fé (3.6-9). Como contexto posterior, há
a validação da promessa de Deus em abençoar os descendentes de Abraão em Cristo
(3.15-22).
No contexto anterior, Paulo relembra aos gálatas da primeira vez que receberam
o evangelho, tendo havido uma ação poderosa do Espírito. Aqui, Paulo tinha em mente
alguns ensinos de Atos (10.47; 11.17; 15.8) que mostram o recebimento do Espírito
como uma etapa na iniciação cristã, sendo este uma promessa e ação de Deus. O que
Paulo faz, ao trazer à memória gálata este fato por meio de perguntas reflexivas, é
mostrar-lhes que ritualismo algum (como os judaizantes ensinavam) era necessário para
a iniciação cristã. Os gálatas haviam recebido o Espírito ao crerem no evangelho pela fé.
Com isso, imediatamente após estas perguntas, Paulo traz o exemplo de Abraão (3.6). O
intuito aqui é exemplificar aos gálatas a vivência na fé somente e a promessa bíblica que
não deviam negligenciar. Com isso, o apóstolo mostra que seu ensino sobre fé é similar
ao ensino da Lei que os gálatas ousavam seguir erroneamente.
Já no contexto posterior, Paulo detalha a promessa divina de abençoar os povos
por meio do descendente de Abraão. Tendo mostrado Cristo como o canal desta benção
(3.14), o apóstolo exemplifica aos gálatas como Cristo era suficiente para o recebimento
prometido (v. 16 e 17) e como a Escritura é coesa e harmônica (v. 21 e 22) para a plena
confiança cristã.

3 Contexto canônico da passagem

3.1. Antigo testamento

No nosso texto temos algumas informações que nos remetem ao Antigo


Testamento: aparecem cinco vezes os termos lei e maldição; Paulo usa quatro citações
diretas do Antigo Testamento; é citada a benção de Abraão, relembrando a história
desta personagem veterotestamentária.
Paulo usa o termo lei por cinco vezes trazendo a teologia veterotestamentária
para a discussão com os gálatas. Porém, o apóstolo usa a lei para mostrar os aspectos
negativos desta. O que Paulo faz não é descartar o ponto de vista positivo da lei, mas
sim utilizá-la separada da graça de Deus, focando apenas no cumprimento humano (o
que os gálatas ousavam acreditar). Paulo utiliza um versículo da própria Lei (Dt 27.26)
para mostrar aos gálatas a ineficácia humana neste cumprimento. Neste versículo em
Deuteronômio não há as palavras todo e todas (Maldito TODO aquele que não
permanece em TODAS as coisas). O que Paulo faz aqui é usar a LXX (Septuaginta),
onde há estas palavras, para dar enfoque no rigor e na exigência da Lei (todo =
cumprimento completo), mostrando que “o padrão de Deus na Lei é perfeito e exige
obediência total à lei inteira.”22
Pouco depois desta citação, Deuteronômio mostra como a lei traz maldição
àquele que não a obedecessem (Dt 28). Portanto, neste texto Paulo lança mão da Lei
para mostrar aos gálatas como estavam caminhando por caminhos perigosos e com má
interpretação, uma vez que seguir à risca a Lei seria submeter-se à maldição que a
desobediência a esta lhes traria. A ideia é que a Lei aponta a inabilidade e a ineficácia
do homem para seu cumprimento e mostra a maldição que provém disto.
Paulo utiliza mais três citações veterotestamentárias. Em duas destas há citação
da Lei (v. 12 e 13) e noutra há uma citação profética (v. 11). Com estas citações, Paulo
se vale do Antigo Testamento para autenticar seu ensino teológico, mostrando aos
gálatas a uniforme de pensamento que a teologia bíblica e fiel traz. Com estas demais
22
RYKEN, Philip Grahan. Estudos bíblicos expositivos em Gálatas. São Paulo: Cultura Cristã, 2018,
pág 105.
citações, Paulo apresenta dois caminhos para obter vida: pela fé ou pelo cumprimento
da Lei; ou, como Phillip Grahan diz, “crendo e fazendo” 23. Paulo não faz um balanço
entre as duas coisas. Ele não coloca os dois caminhos de vida em uma balança a fim de
obter igualdade de propósito. O que Paulo mostra é que uma maneira exclui a outra, um
caminho exclui o outro. Ou o homem obtém vida pela confiança irrestrita no que o
Novo Testamento traria, ou obtém vida fazendo por merecer, cumprindo rituais e
cerimoniais da Lei. Na citação de Habacuque, “o justo viverá pela fé” está numa
situação em que o povo de Deus se encontrava em grande perigo, mas tinham a
promessa de que o livramento seria dado àquele que colocasse em Deus sua confiança. 24
Este versículo do profeta faz uma distinção cruel entre justos e malditos, num contexto
em que os pecadores soberbos sofreriam a ira de Deus sobre a terra, enquanto
permaneceriam vivos os justos que tivessem fé no Senhor misericordioso. Paulo usa
este versículo no mesmo conceito (fazendo distinção entre justos e malditos), mas,
enquanto em Habacuque a vida se daria pela fé no Senhor misericordioso, em Gálatas a
vida se daria pela fé focada no Cristo que havia morrido para dar vida aos gálatas. Paulo
dialoga com o Antigo Testamento para os relembrar da necessidade desta fé em Cristo.
Por fim, Paulo cita Abraão (v. 14). Possivelmente Paulo se lembrava aqui de
textos veterotestamentários que prometiam uma nação numerosa e universal (Gn 18.18;
22.18). Esta lembrança de Paulo servia para, dialogando com o AT, mostrar aos gálatas
que eles, como gentios, eram o cumprimento desta promessa de benção à todas as
nações. A lembrança de Abraão é para trazer à memória gálata que a benção que Deus
havia prometido a Abraão, de abençoá-lo, estar com ele, fazer sua descendência
próspera e ser aceitável diante de Deus, já havia chegado a eles também, sem terem que
cumprir ritualismos e radicalismos da lei.

3.2. Novo Testamento

Os versículos em análise apontam alguns paralelos com o Novo Testamento,


como: o termo fé é citado três vezes – termo importante na teologia neotestamentária;
Cristo é apontado como o único a observar os preceitos da Lei; Cristo é apresentado
23
Ibid., p. 108
24
Segundo Van Groningen, este versículo mostrava “a necessidade de os retos, isto é, os servos
obedientes de Yahweh, exercerem sua fé e confiança em Yahweh em todas as circunstâncias da vida.”
(Van Groningen, 2018, pág 645).
como o cumpridor e finalizador da Lei; e a promessa de recebimento do Espírito é
relembrada.
A temática da fé é trazida para o argumento teológico de Paulo nesta passagem,
validando e confirmando que seu ensino é fiel às Escrituras do Antigo Testamento. Na
passagem de Gálatas Paulo afirma a relação entre lei e fé. Paralelo a isto, vemos em
Romanos 3.31 a mesma relação: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira
nenhuma! Antes, confirmamos a lei.” Também em Romanos Paulo utiliza Abraão para
exemplificar seu ensino (Rm 4); e mostra que a justiça de Cristo alcança os cristãos
dando-lhes relacionamento com Deus (Rm 5.1). Semelhante ao ensino da passagem em
análise, de que por meio da fé em Cristo os gálatas podem ter justiça diante de Deus, em
1 Coríntios 1.30 Paulo afirma “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou,
da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção.”
Nesta passagem, basicamente, Paulo fala sobre a justiça de Cristo aplicada aos
gálatas – justificação. O corpus paulino trata muito sobre esta doutrina (Rm 3.22-24;
5.10-11; 8.1-4; 1Co 1.30; Fp 3.8-9).
Paulo cita um texto da lei (Lv 18.5) onde o Senhor prometia que aquele que
cumprisse a lei de Moisés teria vida. Mas, surge uma possível divergência: Se o próprio
Senhor promete vida aos praticantes da lei, por que Paulo nega que os mesmos sejam
justos?25 A resposta para isso não é difícil. O que Paulo diz, trazendo um versículo da
lei, é que não há vida, não há justiça pela lei porque não há quem a realize
perfeitamente. Isto significa que se alguém quiser ser justificado pela Lei, o que irá
reger sua vida é a Lei com todo o seu rigor. Esta ideia de Paulo está em paralelo com o
que Jesus havia dito em Lucas 10.28: “faze isto e viverás”. Cristo é apresentado por
Paulo como cumpridor da lei, trazendo vida aos homens por meio de seu cumprimento,
de acordo com o que textos dos evangelhos, o próprio Paulo e outros escritores
afirmavam (Mc 10.45; Rm 3.21-26; 2Co 5.21; 1Pe 2.24).
Ao serem resgatados por Cristo, os gálatas tinham a garantia de três presentes -
v.14 (1Pe 3.9). Dentre eles, o recebimento do Espírito prometido. Paulo tinha em mente
a promessa de recebimento do Espírito após a crença no poder de Cristo (At 11.17; Ef
1.13) o “penhor da nossa herança” que seria afirmado por ele em Efésios 1.14.

25
Segundo Calvino: “Além do mais, caso alguém objete: Visto que Deus promete vida aos praticantes da
lei, por que Paulo nega que os mesmos são justos?”.

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