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PAULO AFONSO - BA
DEZ / 2013
AIANE TÁCIA DA SILVA
PAULO AFONSO - BA
DEZ /2013
PAULO AFONSO - BA
DEZ /2013
Dedico este trabalho aos meus pais - Ana Neide e
Antônio Francisco, que me compreenderam e
sempre estiveram ao meu lado, em todos os
momentos, principalmente na realização desse
processo de aprendizagem.
AGRADECIMENTO
Aos meus pais, Ana Neide Matias Silva e Antônio Francisco da Silva; aos meus
irmãos Aline Tarcísia e Alexandro Matias que incentivaram meus estudos e não me
deixaram desistir dos meus sonhos.
Aos meus amigos e colegas, pelo incentivo nos momentos de dificuldades e por
terem acreditado e me ajudado durante esse período da minha vida.
Ariano Suassuna
SILVA, Aiane Tácia da. Aspectos Intertextuais da Obra Auto da Compadecida de Ariano
Suassuna. 2013. Monografia (Licenciatura em Letras - Graduação). Faculdade Sete de Setembro,
FASETE. Paulo Afonso-BA.
RESUMO
Este trabalho de pesquisa tem como objetivo a análise intertextual da obra Auto da
Compadecida, de Ariano Suassuna. Alguns trechos da peça foram utilizados na
comparação com outros que lhe deram origem. Para isto, emprega-se como
metodologia o estudo analítico da obra Auto da Compadecida e de teóricos
relacionados à área e das obras que serviram de fonte para Suassuna. Para o
melhor desenvolvimento da pesquisa, estão relacionadas da seguinte forma: O
primeiro capítulo buscou apresentar conceitos e considerações sobre o termo
intertextualidade e os tipos de intertextualidade literária. No segundo capítulo
apresenta dados biográficos sobre o autor e fortuna crítica sobre a obra. E
finalmente o último capítulo apresenta a análise comparativa das intertextualidades
presentes na obra com outras que de alguma forma lhe influenciaram. O tema é
relevante por contribuir, tanto para uma reflexão critica social, quanto para aumentar
a valorização da Literatura Nordestina favor da identidade nacional comum em todos
os habitantes de sertão Nordestino.
ABSTRACT
This research work aims intertextual analysis of the Auto da Compadecida work, by
Ariano Suassuna. Some excerpts of the play were used in comparison with others
who originated it. For this, it is used as methodology the analytical study of the Auto
da Compadecida work and theorists related to the area and works that served as the
source for Suassuna. For a better research development, are related as follows: the
first chapter aims to present concepts and considerations term about intertextuality
and the types of literary intertextuality. The second chapter presents biographical
information about the author and critical merit of the work. And finally the last chapter
presents a comparative analysis of intertextuality present in the work with others that
somehow influenced him. The topic is relevant for contributing both to reflect social
criticism, and to increase the appreciation of the Northeastern Literature in favor of
common national identity in all inhabitants of Northeastern backwoods.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
LISTA DE ILUSTRAÇÃO
INTRODUÇÃO
Para melhor compreensão desta pesquisa, foi dividida nos seguintes capítulos: o
primeiro capítulo buscou apresentar conceitos e considerações sobre o termo
intertextualidade e os tipos de intertextualidade literária. No segundo capítulo
11
apresenta dados biográficos sobre o autor e fortuna critica sobre a obra dele. E o
último capítulo apresenta a análise comparativa das intertextualidades presentes na
obra com outras que, de alguma forma, lhe influenciaram.
O mundo que nos cerca é repleto de intertextos, seja na música, nas artes ou na
literatura, cabe somente o conhecimento profundo para sua reflexão. De acordo com
Fiorin:
O diálogo pode ser considerado como a primeira experiência vivenciada entre duas
ou mais pessoas em um determinado ambiente. As crianças, por exemplo,
aprendem desde cedo à utilização de um diálogo através de um condicionamento
comportamental assistido dos falantes. Tiramos o exemplo de uma criança
aprendendo a falar, quando elas querem água apontam para um copinho que as
mães geralmente lhes oferecem água, depois algumas dizem “acum”, “ala” ou
somente “ar”, as mães insistem para que digam, pelo menos, o nome água e assim
elas vão evoluindo para “quero água” e “mainha! Bote água pra mim”.
Diálogo. (Do gr. Diálogos, pelo lat. Dialogie.) S.m. 1. Fala entre duas
ou mais pessoas; conversação, colóquio. (...) 3. Troca ou discussão
de idéias (sic), de opiniões, de conceitos, com vista á solução de
problemas, ao entendimento ou a harmonia; comunicação. (...) (Cf.
dialogo, do v. dialogar).
Observa-se então que o dialogismo proposto por Bakhtin nada mais é que o diálogo
entre discursos, independente do meio utilizado para a expressão. Por exemplo, se
pode ver uma ideia colocada em um filme e a mesma ideia observada numa música,
ou em um poema ou ainda entre uma imagem e a palavra escrita entre outras
expressões.
No caso da expressão oral ou verbal escrita, o que delimita a utilização dos diálogos
são as unidades da língua (palavras) nos enunciados (frases). Todos os enunciados
são utilizados no processo de comunicação, repassados pelas palavras escritas ou
ditas retiradas de outrem. Dessa forma, “todo texto se constrói como mosaico de
citações, todo texto é absorção e transformação de um ou outro texto”. (KRISTEVA
apud PROENÇA, 1974. p.72).
14
Como podemos observar, na figura 1(abaixo) está o quadro de Mona Lisa, a obra
mais conhecida do pintor Leonardo da Vinci (1503), O quadro representa uma
mulher com uma expressão introspectiva e um pouco tímida. O seu sorriso restrito,
porémmuito sedutor, mesmo que um pouco conservador. O seu corpo representa o
padrão de beleza da mulher na época de Leonardo. Alguns críticos em arte atribuem
à posição do corpo dela voltada para esquerda mais que pela direita que
historicamente, são os conceitos de masculino e feminino, estão ligados aos lados -
o esquerdo é feminino, o direito é o masculino1.
1
Priscila de Souza Moreira (2006). O sagrado feminino no Código da Vinci. Revista
Psicanálise e Barroco. <www.wikipedia.org/wiki/Mona_Lisa>. Página visitada em 03 de
setembro de 2013.
2
Disponível em: <www.wikipedia.org/wiki/Mona_Lisa.com.br> Acesso em Setembro de
2013.
15
Na figura 2, podemos observar que se trata de um intertexto, uma vez que o produto
“MonBijou” (onde Carlos Moreno se veste de Mona Lisa) é usado juntamente com
uma paródia da pintura de DaVinci para colocar esse produto como um excelente
amaciante, ou seja, como na obra tão valiosa e duradora de Da Vince. As
propagandas utilizam enunciados de efeito que facilitam a memorização do produto
ofertado. De acordo com a propaganda, “MonBijou deixa sua roupa uma perfeita
obra-prima.”
3
Propaganda da Bombril. Disponível em: <www.direitobemfeito.wordpress.com> Acesso em
03 de setembro de 2013, às 16h52min.
16
O conceito introduzido na década de 1960, pela critica literária Júlia Kristeva que
substitui o termo dialogismo por intertextualidade. Ao se referir à Kristeva, FIORIN
(2006, p.51) observa “Como ela vai chamar “texto” o que Bakhtin denomina
“enunciado”, ela acaba por designar por intertextualidade a noção de dialogismo.
Qualquer relação dialógica é denominada intertextualidade.” Através do diálogo
origina-se um texto escrito, nessa constante troca de enunciados os discursos se
repetem perceptíveis ou não. Corroborando as palavras de Fiorin Proença faz a
seguinte afirmação:
O texto pode ser utilizado na íntegra ou somente sua história adaptada em outra
época para outra realidade. Tiramos o exemplo das novelas que são produzidas
ainda hoje, baseadas em obras literárias adaptadas para atualidade. A novela O
cravo e a rosa, escrita por Walcyr Carrasco e Mário Teixeira, possui um contexto
intertextual com a obra A megera domada de William Shakespeare. O enredo da
novela tem em comum com a obra shakespeariana os personagens: Catarina,
Petrucio, Bianca e Batista, de onde gira o conflito central. Catarina é uma bela moça
de classe media alta que possui um temperamento forte, que espantava todos os
seus pretendentes. Catarina é a filha mais velha de Batista. A mais nova era Bianca
que, ao contrário de Catarina, possuía muitos pretendentes. Porém, Batista, o pai
das duas, só oferece a mão de Bianca em casamento depois que Catarina se casar.
Nisso, aparece Petrúcio que ignora as ofensas de Catarina e ela acaba se casando
com ele, no fim ela se submete ao marido.
Ainda no contexto intertextual, podemos ver que um texto não nasce do nada, que,
geralmente, um texto do presente tem sempre uma ligação com outro do passado ou
até mesmo de um presente brevemente anterior, mas que são contemporâneos
ideologicamente. Dessa forma, de acordo com Ingedore Vilaça Koch (2001), Barthes
(1974) vê no intertexto uma forma de redistribuição da língua, como se pode ver a
seguir:
18
Canção do exílio4
4
Disponível em <http://www.horizonte.unam.mx/brasil/gdias.html>Acesso em 10 de
Setembro de 2013.
20
Canção do exílio5
Algumas palavras podem ter mudado nos poemas, mas o sentido é o mesmo como:
a saudade da sua terra; a esperança de retorno à valorização do seu País; etc.
5
Disponível em <http://www.horizonte.unam.mx/brasil/murilo1.html> Acesso em 10 de
Setembro de 2013.
21
6
Disponível em: <www.pelasletrasdavida.blogspot.com.br> Acesso em 04 de setembro de
2013.
7
Cartaz ilustrado do cinema brasileiro foi criado pelo ilustrador Rogério Soud. Disponível em
<www.cartazilustrado.blog.terra.com.br/> Acesso em 04 de setembro de 2013.
22
Embora não tenha sido mencionado por Koch em sua obra, as adaptações estão
constantemente presentes nos veículos de comunicação, as obras clássicas estão
se tornando filmes, minisséries e ate novelas, porém, nem sempre são fieis.
Amém.
Agora vejamos outra versão da oração do Pai Nosso, com outro tema:
Amém !
Canção do exílio
Um sabiá na
palmeira, longe.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
10
Disponível em <http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/exilio/index07.html> Acesso em 10 de
Setembro de 2013.
11
RAMOS, Péricles Péricles Eugenio da Silva. Poemas de Gonçalves Dias. São Paulo:
Cultrix, 1969.
25
Águas de Março12
(...)
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Secas de Março13
12
Disponível em: <http://www.vagalume.com.br> Acesso em 03 de Setembro de 2013.
13
Disponível em: <http://www.luizberto.com> Acesso em 03 de Setembro de 2013.
26
De acordo com Adriana Victor e Juliana Lins (2007), o pai de Ariano deixou de
herança, consideradas por ele, verdadeiros tesouros, “os livros” de onde ganhou
gosto pelas cantorias de viola, peças de mamulengo e as farsas de teatro, o que fez
de Suassuna tornando-se assim um verdadeiro devorador de livros. Em sua
cabeceira não podia faltar: Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, os clássicos
brasileiros de Monteiro Lobato, um exemplar de Os Sertões, de Euclides da Cunha,
Cantadores, Sertão Alegre, Violeiros do Norte, de Leonardo Mota, Don Quixote de
La Mancha, de Miguel de Cervantes, entre outros. De acordo com Victor e Lins:
palavras de Suassuna (1970, p.190) “Mas, se isso é verdade, não é menos verdade
que, em mim, a imaginação criadora sente a necessidade de trabalhar com raízes
fincadas nessa inesgotável e rica fonte de brasileira que é o romanceiro Popular
Nordestino.”
Desde cedo, o interesse de Ariano por diversas formas de arte era visível em sua
vida. Na pintura produziu alguns quadros, na música, aprendeu a tocar violão e
piano, e tempo depois criou as iluminogravuras15 que enfeitavam as páginas de seu
romance (Romance d’A Pedra do Reino), unindo gravura e poesia numa só obra de
arte.
Por levar as manifestações artísticas muito a sério, Ariano achou que precisava
escolher e dedicar-se a apenas uma delas, a literatura. Foi assim que Ariano virou
escritor, sem deixar de se encantar pelas diversas formas de arte e encantando
também seus admiradores, conquistando inúmeros amigos em sua vida artística.
15
Gravuras a partir da ideia das iluminuras medievais. A primeira ilustrada por ele foi
lançada em 1980 sob o nome de Sonetos de mote alheio.
16
Disponível em: <http://www.elfikurten.com.br/> Acesso em 01 de outubro de 2013.
2.1 Ariano Suassuna: Estilo e Estética.
Tenhamos em vista a trajetória literária de Ariano, explicada por teóricos, que levará
a identificar sua estilística. Segundo Victor e Lins (2007) As lembranças vividas ao
lado do pai iniciou seu gosto pela poesia, e assim, um traço vindo posteriormente
passa a fazer parte de seu estilo. De acordo com Souza:
17
Em 1974 foi publicada Seleta em prosa e verso e, em 1999, Carlos Newton Junior que
organizou e publicou dezenas de poemas do escritor.
30
A Acauhan18
Segundo um amigo dele, o diretor artístico Hermilo Borba Filho, entre as obras de
Suassuna que dirigiu estão: A farsa da boa preguiça, A pena e a lei, A caseira e a
Catarina e o Auto da Compadecida e, após anos, fundam juntos o TPN – Teatro
Popular do Nordeste, em 1959. De acordo com Victor e Lins, em 21 de julho de
18
Pássaro sertanejo de canto sonoro e nome dado a Fazenda Acauhan, no município de
Souza no Sertão da Paraíba. Onde a família de Suassuna viveu em 1928. Saíram da cidade
devido ao país estar vivendo um momento de apreensão, a beira da revolução de 30.
19
Disponível em: <www.laudioulpiano.org.br. > Acesso em 01 de outubro de 2013.
20
É o festival de arte e cultura promovido pelo Sindicato dos Bancários da Paraíba, o
“Bancarte 2011”, teve como foco a cultura popular. Ariano Suassuna fará sua aula-
espetáculo como forma de colocar seu pensamento sobre a cultura popular.
1949, ao apresentar o ilustre amigo em um discurso na Faculdade de Direto, Borba
Filho o descreve nas seguintes palavras:
Porque tem festa demais, beleza demais, cores demais, arte demais,
em meio a um Sertão que, para muitos, deve ser cinzento e sofrido.
Seria então uma cidade sertaneja imaginária, criada pela fantasia do
escritor, afirmam. (2007, p.101)
Além do ambiente, também ele valoriza a linguagem popular utilizada, por exemplo,
os termos: “pamonha21”, “frouxo” ou ainda “amarelo safado”, fazem parte de
características nordestinas. Se um estrangeiro que estivesse aprendendo o
português e lesse suas obras, dificilmente o entenderia. A utilização do cômico
tratando, de forma crítica, assuntos referentes à realidade social vívida por eles,
como veremos um trecho do livro Auto da Compadecida de Suassuna:
João grilo
Qual, quem sou eu, um pobre Grilo que não vale nada... É bondade
de Vossa Reverendíssima.
Padre
É mesmo, é bondade minha, porque você não passa de um amarelo
muito safado!
João Grilo
Está ouvindo Chicó? Eita, eu, se fosse você, reagia.
(...)
Chicó
Eu, não. Reaja você.
João Grilo
Você não é homem não, Chicó?
Chicó
Eu sou homem, mas sou frouxo!
(2008, p.64)
21
Pamonha é uma comida típica do nordeste, derivada de uma pasta milho cozinhada em
sua própria palha. Pamonha, pessoa medrosa ou covarde.
entendimento dos leitores. Muitos desses aspectos do cordel, é que vai dar à obra
de Suassuna a característica da intertextualidade. Segundo Souza:
A obra de Ariano Suassuna traz em seu bojo muito do que foi escrito por grandes e
inesquecíveis escritores, como Shakespeare, Tolstoi, Dostoievski, Miguel de
Cervantes e muitos escritores populares do Brasil, a exemplo de Leandro Gomes de
Barros. É diante desse contexto que pretendemos mostrar a obra de Ariano,
buscando desvendar em O Auto da Compadecida alguns desses intertextos que
povoam a obra do autor.
34
Ariano Suassuna começa sua vida artística ainda antes da metade do século XX,
isso significa que ele ainda estava imbuído pelo contexto de rebeldia advindo do
movimento modernista e a esse contexto, juntam-se ao seu estilo de buscar as
raízes do povo brasileiro no contexto artístico e também mostrar a arte universal
dentro da arte popular o que ele faz com genialidade. Por outro lado, ele busca no
universo popular o motivo, a temática para fazer sua arte. É assim que podemos
observar os intertextos nas obras de Ariano, como ele mesmo observa:
Em 1955, o autor escreve Auto da Compadecida, uma obra em forma de peça teatral
com raízes locais e elementos da cultura popular como: o teatro, o circo, o cunho
religioso e a literatura de cordel. Através dela observaremos a presença dos
intertextos e das literaturas utilizadas por Suassuna para criação dessa obra. “Esta
peça projetou Suassuna em todo o país e foi considerado, em 1962, por Sábato
Magaldi22, o texto mais popular do moderno teatro brasileiro"23.
22
Sábato Antonio Magaldi (Belo Horizonte, 9 de maio de 1927) é um crítico teatral,
teatrólogo, jornalista, professor, ensaísta e historiador brasileiro. Seus prefácios às peças
são verdadeiros ensaios sobre a obra do dramaturgo.
23
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Auto_da_Compadecida> Acesso em 12 de
outubro de 2013.
Em o Auto da Compadecida encontram-se a história de João Grilo e Chicó, dois
sertanejos pobres, vindos de classes consideradas inferiores pelo contexto da
sociedade dominante. O primeiro com aspectos de esperteza e o outro de modo
mais passivo. Os dois formam uma dupla em se percebe que um completa o outro
como se fosse duas faces de uma mesma pessoa, que pode está se referindo a ele
mesmo. Segundo Suassuna:
João Grilo e Chicó trabalham numa padaria e a mulher do padeiro tem uma cachorra
que ela mima bastante, a ponto de dá a ela comida melhor do que a que comem os
dois empregados. É nesse momento que percebemos um primeiro contexto
intertextual, pois o modo como ocorre a morte da cachorra na obra de Suassuna e
todos os fatos que cercam este evento nos remete ao folheto de Cordel intitulado O
dinheiro, de Leandro Gomes de Barros (1865-1918), o cordel possui um trecho que
encena o enterro de um cachorro, do qual, segundo Ariano, serviu realmente de
base para esse episódio da peça do autor. Segundo o depoimento de Suassuna, no
livro Literatura Popular Em Verso- Estudos:
Essa foi à homenagem que Ariano utilizou para valorizar ainda mais a cultura
popular de seu País, utilizando os intertextos temáticos das artimanhas de um
matuto engenhoso dos cordéis criativos de Leandro G. de Barros.
36
(...)
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigario tinha feito
O enterro do cachorro.
Que não era de direito,
O bispo alhifallou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
24
Disponível em <www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro> Acesso em 21 de outubro de
2013.
Agora vejamos o enterro da cachorra de Suassuna na peça Auto da Compadecida:
João Grilo
Essa de padre e sacristão se juntarem pra enterrar um cachorro em
latim!
(...)
Bispo
Então houve isso um cachorro enterrado em latim?
João Grilo
E então é proibido?
Bispo
Se é proibido? É mais que proibido! Código Canônico, artigo 368,
parágrafo terceiro, letra b.
João Grilo
Vossa Excelência Reverendíssima vai suspender o padre?
Bispo
Vou, por que não? Acha pouco o que ele fez? Uma vergonha! Uma
desmoralização!
(...)
João Grilo
É mesmo, é uma vergonha! Um cachorro safado daquele se atrever
a deixar três contos de réis para o sacristão, quatro para o padre e
seis para o bispo, é demais.
Bispo
Como?
(...)
Padre
Animando-se
Sim. O cachorro tinha um testamento. Maluquice de sua dona!
Deixou três contos de réis para o sacristão, quatro para a paróquia e
seis para a diocese.
Bispo
É por isso que eu vivo dizendo que os animais também são criaturas
de Deus. Que animal inteligente! Que sentimento nobre!
(2008, p.67)
25
A casa Rui Barbosa é uma Fundação oferece um espaço reservadoà preservação e
divulgação do legado de Rui Barbosa e à formação, conservação e difusão de acervos
bibliográficos, documentais e arquitetônicos, com o apoio de laboratórios técnicos.
38
Manuel
Cale-se você. Com que autoridade está repreendendo os outros?
Você foi um bispo indigno de minha Igreja, mundano, autoritário,
soberbo. Seu tempo já passou. Muita oportunidade teve de exercer
sua autoridade, santificando-se através dela. Sua obrigação era ser
humilde porque quanto mais alta é a função, mais generosidade e
virtude requer. Que direito tem você de repreender João porque falou
comigo com certa intimidade? João foi um pobre em vida e provou
sua sinceridade exibindo seu pensamento. Você estava mais
espantado do que ele e escondeu essa admiração por prudência
mundana. O tempo da mentira já passou. (2007, p.128)
O Dinheiro
Como todo bom matuto, Chicó adora contar histórias ilógicas que deixava João Grilo
indignado, pois quando perguntava o porquê ele respondia “num sei, só sei que foi
assim” entre elas tem: “o cavalo bento”, a “assombração do cachorro na passagem
do Riacho de Cosme Pinto”, “o pirarucu do Amazonas”, eoutras. Suassuna utilizou-
se de intertextos dos contos ou lendas populares, que teve origem do Folclore
Brasileiro. Como todos sabem, o folclore é os costumes e tradições desenvolvidas
pelo povo e repassadas de geração em geração. No entanto, as lendas possuem a
característica de histórias que misturam fatos reais e históricos com acontecimentos
que são frutos da fantasia e que procuraram dar explicação a acontecimentos
misteriosos ou sobrenaturais. Vejamos o causo de Miltinho de Carvalho26.
Chicó
Foi quando eu estive no Amazonas. Eu tinha amarrado a corda do
arpão em redor do corpo, de modo que estava com os braços sem
movimento. Quando ferrei o bicho, ele deu um puxavante maior e eu
cai no rio.
João Grilo
O bicho pescou você!...
Chicó
Exatamente, João, o bicho me pescou. Para encurtar a história, o
pirarucu me arrastou rio acima três dias e três noites.
João grilo
Três dias e três noites? E você não sentia fome não, Chicó?
Chicó
26
Miltinho de Carvalho, um São Carlense amante da cultura sertaneja, escreve sobre a
História da Cultura da Música Sertaneja Raiz, contando vários causos e mostrando o talento
dos artistas e toda a nossa região.
27
Disponível em <www.colunasertaneja.blogspot.com.br/p/causos-caipira.html.br> Acesso
em 12 de outubro de 2013.
40
João grilo
E como o avistaram da vila?
Chicó
Ah, eu levantei um braço e acenei, acenei, até que uma lavadeira me
avistou e vieram me soltar.
João grilo
E você não estava com os braços amarrados, Chicó?
Chicó
João, na hora do aperto, dá-se um jeito a tudo.
João grilo
Mas que jeito você deu?
Chicó
Não sei, só sei que foi assim.
(2008, p. 44)
Tanto Chicó quanto João Grilo, são especialistas em mentiras, que para eles
funcionam como uma defesa contra as injustiças que eles sofrem em uma sociedade
capitalista. De acordo com o depoimento Suassuna, publicado em Junho de 2002,
denominado - Um brasil que resiste:
Além de uma defesa contra as injustiças Suassuna insere contexto Nordestino para
valorizar ainda mais a diversidade cultural do País, mostrando como o folclore ainda
está presentesem todas as situações e épocas.
Este episódio foi baseado no cordel O cavalo que defecava dinheiro, de Leandro
Gomes de Barros. Em vez do original cavalo do cordel, Suassuna substituiu pelo
gato que seria mais fácil de encenar. Tanto na história do gato quanto na do cavalo,
contadas pelos respectivos autores, os matutos na condição de pobres, conseguiam
usar sua esperteza e criatividade para ganhar dinheiro. Veja a imagem da capa do
cordel de Leandro G. Barros:
28
“Desconde” expressão utilizada por Suassuna para explicar o oposto de come, ou seja,
em vez do gato comer ouro vai liberar ouro pelas nádegas.
42
valioso que possuía. Veja a seguir o trecho do cordel de Leandro Gomes de Barros29
retirado do site - Academia Brasileira de Literatura de Cordel30:
Na cidade de Macaé
Antigamente existia
Um duque velho invejoso
Que nada o satisfazia
Desejava possuir
Todo objeto que via
Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: _ Sou rico!
Inda mais que um fazendeiro,
29
Leandro Gomes de Barros nasceu em Pombal (Recife) em 19 de novembro de 1865 e
faleceu em 4 de março de 1918. Foi um poeta de literatura de cordel brasileiro. É
considerado como o primeiro escritor brasileiro de literatura de cordel, tendo escrito
aproximadamente 240 obras.
30
Disponível em <www.ablc.com.br> Acesso em 5 de novembro de 2013.
Porque possuo o cavalo
Que só defeca dinheiro.
Quando o duque velho soube
Que ele tinha esse cavalo
Disse pra velha duquesa:
_Amanhã vou visitá-lo
Se o animal for assim
Faço o jeito de comprá-lo!
Dai o fazendeiro descobre que o tal cavalo não dava dinheiro e foi tirar satisfações
com seu compadre, nisso o matuto executa o segundo golpe planejado para se
safar, compra uma bexiga de borracha e a enche com sangue de galinha,
prendendo no pescoço de sua esposa respondona, para que o fazendeiro que vinha
chegando o visse matando sua esposa e em seguida ressuscitando-a tocando uma
rabeca mágica. Novamente o plano dá certo e o fazendeiro fica louco para comprá-
la. Veja o trecho do cordel que mostra este episódio:
_O senhor é um bandido
Infame de cara dura
Todo mundo apreciava
Esta infeliz criatura
Depois dela assassinada,
O senhor diz que tem cura?
O fazendeiro convencido que teria comprado uma rabeca que ressuscita gente,
chega a sua casa e conta para a mulher, ela furiosa repreende-o pela escolha
errada que o marido faz em comprar a Rabeca, o fazendeiro mata a esposa e toca
para ela reviver, quando viu que o instrumento não funcionava, se revolta e manda
matar o matuto. Nisso, o matuto escapa e ainda retorna com uma boiada valiosa,
que pertencia a um rapaz rico que passava na hora e troca com o matuto de lugar
com ele na esperança de casar com uma moça rica, mas uma mentira do matuto. O
fazendeiro então cai no terceiro golpe do matuto que mente dizendo que no final da
serra em que ele foi jogado para morrer teria uma mina de ouro, o fazendeiro se joga
da serra e morre.
O cordel passa a mensagem que a ambição cega uma pessoa, mostrando que o
desejo pelo poder, dinheiro e bens materiais é atemporal na sociedade desde
sempre. O tema da ambição é muito repercutido em histórias diversas, que como
vimos também está presente do enterro do cachorro das duas obras. Enfim “quem
tudo quer, sem nada fica” como já dizia a Bíblia Sagrada “Aquele que ama o dinheiro
nunca se fartará, e aquele que ama a riqueza não tira dela proveito”
(ECLESIASTES, Cap.5 V.9.). Vejamos agora a moral da história que o cordel de
Leandro G. Barros quis nos passar:
Após conhecermos a versão do cordel O cavalo que defecava dinheiro, ficará fácil
identificar o intertextos nas obras. Grilo na obra de Suassuna vem fazer o mesmo
golpe, porém em vez de outro cachorrinho para substituir o que morreu, resolve usar
um gato. Ao saber que o gato descomia dinheiro, a patroa quis comprá-lo
imediatamente e até ameaçou demitir João da Padaria se ele não o vendesse a ela
por um valor menor do era pedido. Veremos a seguir no trecho da obra que mostra
esse plano:
João Grilo
Ah, mas aquilo é porque foi o cachorro. Com meu gato é diferente...
Mulher
Diferente por quê?
João Grilo
Porque, em vez de dar despesa, esse gato dá lucro.
Mulher
Fora vaca, cavalo e criação, bicho que dá lucro não existe.
João Grilo
Não existe se não... Eu fico meio encabulado de dizer!
Mulher
Que é isso, João, você está em casa! Diga!
João Grilo
É que o gato que eu lhe trouxe, descome dinheiro.
Mulher
Descome dinheiro?
João Grilo
Descome, sim.
46
Mulher
Essa eu só acredito vendo. (...)
Mulher
Sim, quero ver o dinheiro sair do gato.
João Grilo
Pois então veja
Mulher
Depois da nova retirada.
Nossa Senhora, é mesmo. João, me arranje esse gato pelo amor de
Deus. (...)
Mulher
Mas ele pode morrer. Só dou quinhentos e se você não aceitar será
demitido da padaria.
(2008, p. 78)
Chicó
Você ainda se desgraça numa embrulhada dessas. Eles viram a
bexiga?
João Grilo
exibindo-a
Que nada, está aqui.
Chicó
Se a mulher do padeiro descobrir que você tirou a bexiga do
cachorro antes do enterro...
João Grilo
Que é que tem isso? Eu estava precisando dela para um negócio
que estou planejando e a necessidade desculpa tudo. O cachorro já
estava morto, não precisava mais dela, eu tirei porque estava
precisando! Ela não tem nada a reclamar.
(...)
Chicó
Não estou entendendo nada.
João Grilo
Pois vai entender daqui a pouco. Vou entrar também no testamento
do cachorro.
Chicó
Como, João?
João Grilo
Eu não lhe disse que a fraqueza da mulher do patrão era bicho e
dinheiro?
Chicó
Disse.
João Grilo
Pois vou vender a ela, para tomar o lugar do cachorro, um gato
maravilhoso, que descome dinheiro.
(2008, p. 71)
Esse segundo plano na obra de Suassuna foi aplicado em Severino de Aracaju para
se livrarem do massacre que ele fazia na igreja. A mudança que o autor fez no meio
da obra, foi uma tentativa de inserir mais um aspecto intertextual baseado em fatos
reais, utilizando fatos ligados ao cangaço31 e a luta pelos ideais.
31
O Cangaço foi uma luta revolucionária que contou com a participação do governo
nordestino como principal financiador. O cangaço se caracterizou por ter como principal líder
Lampião (Virgulino Ferreira da Silva) Os cangaceiros eram homens que vagavam pelas
cidades em busca de justiça e vingança pela falta de emprego, alimento e cidadania
causando o desordenamento da rotina dos habitantes do Sertão.
48
quando ele entra e planeja matar todos que estão lá, tenta bajulá-lo chamando de
Capitão, irritando ainda mais Severino, por ser o capitão uma patente da policia,
mostrando sua aversão à polícia e valorizando suas raízes e a consagração do
batismo. Vejamos o trecho que mostra isso:
Bispo
Não tenho nada, o capitão compreende...
Severino
cortante
Mesmo assim eu quero ver. E deixe de me chamar de capitão, que
eu não gosto.
Bispo
E como hei de chamá-lo então?
Severino
Severino, que é meu nome de batismo!
(2008, p. 92)
O padre também tenta novamente agradá-lo, querendo lhe dar importância, mas
como Severino não é bobo, logo percebe que o Bispo e o Padre só querem lhe
bajular por estar, ele, com a posse da arma que, se fosse ao contrario Severino seria
um individuo desprezível, vil e infame. Continuando, veremos o trecho que nos
mostra isso:
Padre
É que nós não temos coragem de chamar uma pessoa tão
importante de Severino.
Severino
Isso tudo é porque quem está com o rifle sou eu. Se fosse qualquer
um de vocês, eu era chamado era de Biu. Deixem de conversa, que
isso comigo não vai. Mostre os bolsos. (Tirando o dinheiro.) Seis
contos! Mas é possível? Já vi que o negócio de reza está
prosperando por aqui.
(2008, p. 92)
Para melhorar a história, Chicó, após “ressuscitar” disse: “Essa é a gaitinha que eu
abençoei antes de morrer. Vocês devem dá-la a Severino, que precisa dela mais do
que vocês” (2008, p.108). Severino acredita e pede ao cangaceiro que o
acompanhava, que atirasse nele e tocasse a gaita pra ele voltar, felizmente para
João Grilo e Chicó ele não voltaria. Assim que o cangaceiro percebeu a mentira os
dois o atacaram e o Grilo deu-lhe uma facada na barriga e o cangaceiro cai no chão.
Quando estava saindo da igreja o cangaceiro que ainda estava vivo, pega o rifle e
atira em João matando-o.
O nome da peça tem tudo a ver com o terceiro episódio, alias é o mais significativo
de intertextos que a primeira e a segunda parte. Auto em latim (actu = ação ou ato)
pode ser uma composição teatral do subgênero da literatura dramática, surgida na
Idade Média, na Espanha, por volta do século XII. Os autos são peças de conteúdo
religioso ou profano que em geral é têm elementos cômicos e intenção moralizadora.
Possui conteúdo simbólico, costuma representar entidades como a hipocrisia, a
bondade, a avareza, a luxúria, a virtude, mostrando o lado negativo ou positivo dos
sentimentos humanos. Seus personagens mais comuns são anjos, demônios,
santos.
decisivo nesse gênero, faz parte de uma critica a sociedade. Os autos e as farsas do
autor Gil Vicente, estão entre os mais vastos desse gênero de auto, totalizado 44
peças escritas por ele, deixando perceber claramente em suas obras a critica social
característica do gênero na época. Segundo notas de edição da obra de Gil Vicente:
No Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, podemos tirar dela alguma semelhança
com a obra de Suassuna. Nela conta à história de 18 personagens, entre eles 15
almas que morreram e tentam buscar sua estada eterna, serão selecionados em 2
barcas, a do anjo com destino ao céu e a do Diabo destina ao inferno. Eles
aparecem com um símbolo para simbolizar seu pecado em vida. Vejamos a
passagem do Fidalgo após ser recusado na barca do anjo por soberba e tirania e se
conformando em sua estadia na barca infernal da obra:
Anjo
Que quereis?
Fidalgo
Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do Paraíso
é esta em que navegais.
Anjo
Esta é; que demandais?
Fidalgo
Que me deixeis embarcar;
Sou fidalgo de solar,32
é bem que me recolhais.
Anjo
Não se embarca tirania
neste batel divinal.
(...)
Fidalgo
32
Nobre
Ao Inferno, todavia!
Inferno e o há para mim?
Oh, triste! Enquanto vivi
nunca cri que o aí havia.
Tive que era fantasia!
Folgava ser adorado,
confiei em meu estado
e não vi que me perdia.
Venha essa prancha! Veremos
esta barca de tristura.
Diabo
Embarque vossa doçura,
que cá nos entenderemos.
Tomareis um par de remos,
veremos como remais,
e, chegando ao nosso cais,
nós vos desembarcaremos.
(2003, p.71)
A barca do inferno partiu, lotada de gente e seus pecados que foram identificados
pelo: Fidalgo (soberba) – que representa todos os nobres ociosos de Portugal;
Onzeneiro (Avareza) – que simboliza o pecado da usura e a classe dos agiotas;
Frade (Luxúria) – que representa os maus sacerdotes e a quebra que do voto de
castidade; Brísida Vaz – alcoviteira ou cafetina (Luxúria) que simboliza a degradação
moral e a feitiçaria popular; Judeu – representa os infiéis, que são alheios à fé cristã;
Corregedor E Procurador (corrupção) – que encarnam a burocracia jurídica da
época. Enforcado – que é o símbolo da falta de fé e da perdição.
A barca do céu vai vazia com o Parvo – representa o povo português, rude e
ignorante, porém bom de coração e temente a Deus e os quatro cavalheiros – que
representam as cruzadas contra os mouros e a força da fé católica.
Todas as almas que iam para o inferno tentaram argumentar que eram boas em
algo, porém não perceberam que estavam se condenando aos poucos, sempre que
descobriam que o barco destinado a eles iria para terra dos danados, eles iam
recorrer à barca celestial que sem sucesso não conseguia, para a alegria do diabo
que iria ganhar remadores para seu barco. Vejamos o trecho a seguir:
52
Diabo
À barca, à barca, hou-lá!33
que temos gentil maré!
Ora, venha o carro a ré!34
Oh, que caravela esta!
Põe bandeiras, que é festa.
Verga alta! Âncora a pique!
Ó poderoso D. Henrique,
cá vindes vós? Que coisa é esta?...
(2003, p.68)
Assim como Gil Vicente que utilizava o julgamento das almas, fato que fica bem
evidente, especialmente em O auto da barca do Inferno, Suassuna atribuiu também
esse intertexto na obra Auto da Compadecida, particularmente no julgamento dos
personagens no terceiro ato. Segundo Santiago:
33
Forma de saudação.
34
Aproximem-se a ré.
35
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Alma> Acesso em 15 de nov. de 2013.
compadecer por eles em sua estadia eterna, daí a origem da palavra Compadecida,
referindo se a Nossa Senhora Aparecida, mais conhecida como Maria mãe de
Jesus. Suassuna, além de utilizar o gênero auto, também adiciona a presença da
Compadecida. Três anos antes de escrever o Auto da Compadecida, ele escreve a
Farsa36 religiosa O castigo da soberba37, que utiliza a intervenção da compadecida
no julgamento das almas, das duas obras.
Diabo
Manuel, é tempo perdido!
Não tem ele o que dizer,
pois, enquanto andou na terra,
ele só fez ofender!
(...) Nunca lhe veio à lembrança
que haveria de morrer!
(2007, p. 64)
Agora veja o trecho da obra, no momento em que Jesus aparece em cena e explica
o nome chamado pelo Diabo a João Grilo.
Encourado
De costas, grande grito, com o braço ocultando os olhos.
Quem é? É Manuel?
Manuel
Sim, é Manuel, o Leão de Judá, o Filho de Davi. Levantem-se todos,
pois vão ser julgados.
João Grilo
Apesar de ser um sertanejo pobre e amarelo, sinto perfeitamente que
estou diante de uma grande figura. Não quero faltar com o respeito a
36
Peça teatral de poucos atores apresentada através de um simples diálogo, ação trivial ou
burlesca, gracejos, situações cômicas, ridículas etc.
37
Farsa popular em um ato escrita por Ariano Suassuna em 1953, baseado em dois folhetos
da literatura de cordel.
54
Manuel
Foi isso mesmo, João. Esse é um de meus nomes, mas você pode
me chamar também de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele gosta de
me chamar Manuel ou Emanuel, porque pensa que assim pode se
persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode
me chamar de Jesus.
(2008, p.126)
Diabo
Chamaram Nossa Senhora:
Vai ser dura, esta partida!
Mulher em tudo se mete:
Lá vem a Compadecida!
Pelo caminho que vai,
A sentença está perdida!
(2007, p. 66)
Agora veja o trecho da chegada da Nossa Senhora no julgamento após João Grilo
recitar um poema para chamá-la:
João Grilo
Valha-me Nossa Senhora,
Mãe de Deus de Nazaré!
A vaca mansa dá leite,
A braba dá quando quer.
A mansa dá sossegada,
A braba levanta o pé.
Já fui barco, fui navio,
Mas hoje sou escaler.
Já fui menino, fui homem,
Só me falta ser mulher.
Valha-me Nossa Senhora,
Mãe de Deus de Nazaré.
Apesar das mudanças feitas no contexto, à utilização do sentido foi à mesma. O que
a obra Auto da Compadecida vem a acrescentar depois é somente mais elementos
da cultura nordestina e mais personagens caracterizando os níveis da sociedade
brasileira, como a igreja, os administradores, a família corrompida, o povo sofrido, a
política, e a luta do cangaço. Além de que, O castigo da soberba e O auto da
compadecida apresentam também estruturas iguais, podendo ser comparada a um
tribunal para julgamento das almas, com Juiz (Jesus), advogado de acusação
(Diabo) e advogada de defesa (Compadecida) e o réu (almas).
A compadecida por ser mãe de Jesus, é respeitada pelo seu filho que por mais que
ele desse a sentença final das almas, ele espera seu consentimento respeitando sua
autoridade divina. Veja o trecho que a Jesus coloca os cinco no purgatório, para o
contragosto do Diabo na peça Auto da Compadecida:
Manuel
Minha mãe o que é que acha?
A Compadecida
Eu ficaria muito satisfeita.
Manuel
Então está concedido.
Encourado
Não tem jeito não. Homem governado por mulher é sempre sem
confiança.
(2008, p.158)
João Grilo
Os cinco últimos lugares do purgatório estão desocupados?
Manuel
Estão.
João Grilo
Pegue esses cinco camaradas e bote lá.
A Compadecida
É uma boa solução, meu filho. Dá para eles pagarem o muito que
fizeram e assegura a sua salvação.
(2008, p. 157)
O caso de João Grilo estava mais difícil de resolver que dos outros, porém, sua
advogada não desistiria fácil. A solução para João Grilo foi retornar a terra como sua
segunda chance, mas antes dele ir Jesus quis desafiá-lo. Se João conseguisse fazer
uma pergunta que Jesus não conseguisse responder, então ele retornaria. E a
pergunta do Grilo era a seguinte “Em que dia vai acontecer sua segunda ida ao
mundo?” então Manuel responde “João, isso é um grande mistério.” (2008, p.163).
João então retorna para seu companheiro Chicó que estava prestes a enterrá-lo,
Chicó custa a acreditar, mas depois aceita e os dois terminam sua saga, planejando
serem os novos donos da padaria, já que seus antigos morreram no massacre. No
caso desses dois amigos, nem a morte pode separar eles, o que seria de Chicó sem
João Grilo e vice versa. O Grilo dotado de inteligência e razão e Chicó, de
compreensão e bondade, que utilizam suas habilidades na peça para sobreviverem
em um mundo desigual. Duas partes da alma que não sabemos quem seguir. Então
responda quem você prefere seguir a razão ou o coração?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi dito o estudo e análise de textos utilizados na criação da peça como O
enterro do cachorro, trecho do cordel O dinheiro de Leandro Gomes de Barros, O
cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros e O castigo da Soberba
de Ariano Suassuna, atribuem mais valor popular da literatura de cordel e seus
autores.
como uma tentativa de valorizar ainda mais o povo e sua diversidade cultural. Como
diz Ariano “Eu queria fazer um teatro que expressasse meu país e meu povo. (...)
Queria tentar expressar o povo brasileiro, que é meu. Povo pelo qual tenho um
entusiasmo muito grande.” (2004, p.21).
Com a pesquisa foi possível observar que a literatura não se faz em solidão textual,
ela está sempre ligada ao passado e ao presente de alguma forma, trazendo
aspectos intertextuais seja com os fatos históricos e socioculturais como também
dialoga com os discursos antes produzidos, independentemente do meio artístico
utilizado e que o futuro pode ainda não ser visto, mas já é cogitado pelo olhar
Literário.
Assim como um aprendiz e uma grande admiradora de seu trabalho é com grande
prazer que faço essa homenagem a esse grande artista e devorador de livros,
chamado Ariano Vilar Suassuna.
REFERÊNCIAS
BARROS, Leandro Gomes de. O Cavalo que Defecava Dinheiro. Disponível em:
www.ablc.com.br - Acesso em 5 de novembro de 2013.
BARROS, Leandro Gomes de. O Dinheiro. Acervo digital da casa Rui Barbosa.
Disponível em: www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro - Acesso em 21 de
outubro de 2013.
MELO, Ricardo Gouveia de. Capa do Livro Auto da Compadecida. Disponível em:
www.padrepiocatholicwebservices.com.br/ - Acesso em 04 de setembro de 2013.
VICENTE, Gil. Farsa de Inês Pereira - Auto da Barca do Inferno – Auto da Alma.
Coleção a obra prima de cada Autor. São Paulo: Martin Claret, 2003.
VICTOR, Adriana; LINS, Juliana. Ariano Suassuna: Um Perfil Biográfico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2007.