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30/01/2023 23:28 poesia.

net 131 - Ascânio Lopes

Número 131 - Ano 3 São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 2005 

«No curral da insônia, / rumino palavras pastadas / na ribanceira dos dias.» (Donizete Galvão)
 

Um poeta verde
Ascânio Lopes
 

Ascânio Lopes

Caros,

Contemporâneo de Carlos
Drummond de Andrade e de Pedro
Nava na Belo Horizonte dos anos 20,
o poeta Ascânio Lopes era uma
promessa do modernismo mineiro.
Infelizmente, Lopes não teve tempo
de mostrar se essa promessa de fato
daria frutos. Vítima de tuberculose,
ele viveu menos de 23 anos.  Waldomiro Sant'Anna, pintor paulista, As Pipas
Ascânio Lopes Quatorzevoltas
nasceu em Ubá (MG), em 1906, mas  
foi criado em Cataguases, onde
faleceu, em 1929. O poeta transferiu-
se para Belo Horizonte em 1925, SERÃO DO MENINO POBRE
onde cursou a escola de direito. Em
1928, já doente, retornou a
Cataguases.
Na sala pobre da casa da roça
Uma atividade marcante na curta vida
de Ascânio Lopes foi sua papai lia os jornais atrasados.
participação no grupo que fundou a Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
revista Verde, publicada em A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
Cataguases entre 1927 e 1929.
Publicação modernista, a Verde e deixava nas paredes um bordado de sombras.
reunia jovens como o romancista Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
Rosário Fusco e o poeta Guilhermino
César. Cataguases era um pólo de — desde criança fascinou-me o maravilhoso.
criação artística. Na mesma época, o Às vezes, Mamãe parava de costurar
cineasta Humberto Mauro, pioneiro — a vista estava cansada, a luz era fraca,
do cinema brasileiro, havia montado
na cidade sua produtora, a Phebo Sul e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
America Film. numa carícia muda e silenciosa.
Modernista de primeira hora, Ascânio
Lopes se correspondia com Mário de Quando Mamãe morreu
Andrade e escrevia poesia, prosa, o serão ficou triste, a sala vazia.
ensaio. Seus versos, como não podia
deixar de ser, têm muitos traços do
Papai já não lia os jornais
modernismo anos 20. O poema e ficava a olhar-nos silencioso.
"Serão do Menino Pobre" até lembra A luz do lampião ficou mais fraca
o lirismo drummondiano em
"Infância" (de Alguma Poesia, 1930).
e havia muito mais sombra pelas paredes...
Ascânio: "Na sala pobre da casa da E, dentro em nós, uma sombra infinitamente
roça / papai lia os jornais atrasados. /                                                    [ maior.
Mamãe cerzia minhas meias
rasgadas."  Drummond: "Meu pai
montava a cavalo, ia para o campo. /
Minha mãe ficava sentada cosendo. /
Meu irmão pequeno dormia."

Em textos como "Cena de Uma Rua

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Afastada" e "Minha Namorada",
Ascânio Lopes mostra a irreverência
da fase heróica do modernismo, com
uma irresistível inflexão para o
poema-piada. No primeiro, trata de
um tema que jamais poderia ser
motivo de poema nos padrões
tradicionais. No outro, numa ironia
bem ao estilo do "Desafinado"
bossa-novista, queixa-se de uma
namorada normalista que colocava
bem os pronomes e detestava versos
modernos.

Em "O Chefe", o poeta se volta para a


crítica aos desmandos dos
potentados interioranos. Por fim,
vem a nota mais doída. É a crônica
amarga de um jovem que se vê
definhar num hospital sem esperança
de cura. "Sanatório", poema
autobiográfico, é a página mais
Waldomiro Sant'Anna, A Rua dos Ipês Amarelos
citada de Ascânio Lopes.

Com a morte do poeta, a revista


Verde se dissolveu. Os
remanescentes publicaram ainda um
último número, exatamente para
homenagear o amigo ausente. Sobre CENA DE UMA RUA AFASTADA
Ascânio escreveram nomes como
Mário de Andrade, Antonio de
Alcântara Machado e Carlos
                         Para Martins de Almeida
Drummond de Andrade.

Em vida, Ascânio Lopes publicou


apenas um livro, chamado Poemas
A solteirona fechou as janelas com estrépito.
Cronológicos (1928). Ao todo, sua Uma mocinha da escola normal passou firme,
obra resume-se a 48 poemas, um                                             [ sem olhar.
fragmento de novela, três ensaios e
quatro resenhas. Todo esse material, Um senhor gordo disse que era uma pouca
mais outros documentos sobre o                                             [ vergonha
autor, está reunido no volume e que nossa polícia não vigiava os costumes.
Ascânio Lopes – Todos os Possíveis
Caminhos, do romancista Mas, indiferentes aos gritos dos carroceiros,
cataguasense Luiz Ruffato. às pedradas dos garotos,
Os poemas ao lado, assim como a
a lulu de D. Mariquinhas e o fox-terriê
foto e outras informações, foram                  [ (meio sangue) do sr. Fagundes
extraídos desse livro de Ruffato, que continuaram impudicos no meio da rua.
também é autor de Os Ases de
Cataguases, um estudo sobre o
movimento da revista Verde.

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado

 
                   • • •

SARAU POÉTICO

A poeta Vera Lúcia de Oliveira


promove neste sábado um sarau
poético em São Paulo. No encontro,
Vera lerá poemas de seu premiado
livro A Chuva nos Ruídos (Escrituras,
2004).
Data: 27 de agosto, sábado
Local: Livraria Haikai
   Rua Armando Penteado, 44
   Praça Vilaboim – São Paulo
Hora: 19:30
Waldomiro Sant'Anna, A Leitora
                   • • •

JANDIRA 2 NA PRAÇA

Se você estiver em São Paulo na MINHA NAMORADA


próxima terça-feira, 30/8, confira o
lançamento do número 2 da revista
literária Jandira. Dirigida por Ricardo
Rizzo e produzida com o patrocínio Seu nome era besta e ela também
da Funalfa, de Juiz de Fora, MG, a
revista traz, entre outros, textos de
mas quase não falava e só sabia olhar.
Davi Arrigucci Jr., Sérgio Alcides, Gostei dela
Maria Rita Kehl, Luiz Ruffato e Ruy fiz versos puxados
Proença.
gastei tempo nas rimas raras
Data: 30 de agosto, terça-feira e na colocação de pronomes
Local: Esquina Grill
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    Rua Martim Francisco, 382 porque ela era normalista
    Santa Cecília, São Paulo
Hora: 20:30 e gostava de gramática e não perdoava
                                             [ galicismos.
                    • • • Mas um dia ela descobriu meus versos modernos
e percebeu que fingia
  e gostava de errar nos pronomes
e que meus sonetos eram só pra ela.
  Então me deu o fora e arranjou um poeta sincero
que a comparava a Marília
e que sabia de cor a "Ceia dos Cardeais"
e que sapecava todos os ritmos novos
e as poesias sem geometria e compasso.

E ficavam cinicamente amando no portão


quando não iam ao cinema delirar com as fitas
                      [ dramáticas italianas 12 atos.
Ela me deu o fora.
Também nunca mais fiz sonetos.

Waldomiro Sant'Anna, A Hora do Espetáculo

O CHEFE

O valentão brigou com o chefe político


e então todo mundo se lembrou que ele era
                                           [ criminoso
e veio ordem da Capital para prendê-lo.

Os soldados se prepararam foram 30 jagunços


                                 [ para acompanhá-los.
O escrivão lavrou de véspera o auto de
                                 [ resistência à prisão.
Mas o bandido não resistiu abobado diante dos
                                 [ soldados da Capital.
e entregou-se docilmente.

Mas o chefe disse que era preciso matá-lo


pois o auto já estava lavrado e assinado.

Era impossível voltar atrás.

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Waldomiro Sant'Anna, A Bandinha Furiosa

SANATÓRIO

Logo, quando os corredores ficarem vazios,


e todo o Sanatório adormecer,
a febre dos tísicos entrará no meu quarto
trazida de manso pela mão da noite.

Então minha testa começará a arder,


todo meu corpo magro sofrerá.
E eu rolarei ansiado no leito
com o peito opresso e de garganta seca.

Lá fora haverá um vento mau


e as árvores sacudidas darão medo.
Ah! os meus olhos brilharão procurando
a Morte que quer entrar no meu quarto.

Os meus olhos brilharão como os da fera


que defende a entrada do seu fojo.

Poemas e informações extraídos de:


poesia.net •  Luiz Ruffato
www.algumapoesia.com.br     Ascânio Lopes —
Carlos Machado, 2005     Todos os Possíveis Caminhos
    Instituto Francisca de Souza Peixoto,
    Cataguases, 2005
________
•  Imagens: quadros do pintor paulista
    contemporâneo Waldomiro Sant'Anna

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