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Edição 387 - Ano XII

Edição 387 - 04/04/2006

Edição 387

O ALVO AGORA É LULA


por Redação CartaCapital

Depois da queda de Palocci, a oposição avança sobre o Planalto, mas esbarra na popularidade do
presidente

destaque 
Há certos momentos da história em que a confluência dos acontecimentos enche um povo de
esperança. Há outros capazes de levar os cidadãos ao mais puro desânimo, como se fosse impossível
se imaginar parte de um projeto de nação. Nas últimas semanas, o Brasil se encontra afundado na
última situação.

Da saída do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, à apresentação do relatório do deputado Osmar


Serraglio (PMDB-PR), na CPI dos Correios, o eleitor foi brindado com uma sucessão de descalabros,
mentiras, omissões e bravatas. O governo e a oposição encenaram um espetáculo destinado a, no
fundo, preservar as coisas como sempre foram, enquanto a maioria da população continua sem
entender nada.

Palocci, adorado pela oposição, os ortodoxos e parte substancial da mídia, ordenou a grave violação
dos direitos individuais, a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que afirmou ter
visto o ministro na casa alugada em Brasília pela chamada “República de Ribeirão Preto”, formada por
ex-assessores de Palocci na época da prefeitura da cidade do interior de São Paulo.
*Confira a íntegra dessa reportagem na edição impressa
Edição 387

TURBULÊNCIA NA DECOLAGEM
por Leandro Fortes e Sergio Lirio. Colaborou Ana Luísa Vieira

Poupado durante o governo em São Paulo, Alckmin é alvo de denúncias

dcapa 
Para quem parecia concorrer, além da Presidência da República, ao posto de
santo, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin entrou cedo no caminho
que leva ao purgatório de uma campanha política. Menos de um mês após
derrotar os caciques tucanos e ser escolhido o presidenciável do PSDB,
deixando para trás o ex-prefeito paulistano José Serra, Alckmin foi posto na
linha de tiro. Desde que o jornal Folha de S.Paulo divulgou, no domingo 26 de
março, que a Nossa Caixa, por ordem do Palácio dos Bandeirantes, brindou
veículos de comunicação de políticos aliados com publicidade oficial, o ex-governador tem gastado
um bom tempo de sua recém-iniciada campanha a dar explicações, ainda que atravessadas e
incompletas.

Nunca, nos seis anos à frente do Estado de São Paulo, o tucano foi tão fustigado. No intervalo de 15
dias, falou-se das cerca de 40 peças de roupas (ou 400?) doadas por um estilista à ex-primeira-dama
Lu Alckmin, dos anúncios oficiais publicados em uma revista de propriedade do acupunturista do
presidenciável e da compra em duplicidade de 500 fornos por parte da mesma Nossa Caixa, doados a
programas sociais comandados por dona Lu. Soube-se até que o então prefeito de Pindamonhangaba
demonstrava certa simpatia pela ditadura, conforme atesta correspondência enviada no início dos anos
80 ao general João Baptista Figueiredo, o último presidente do ciclo militar.

Em termos de espaço na mídia, as “denúncias” contra Alckmin só tiveram menos destaque do que os
desdobramentos da quebra ilegal do sigilo do caseiro Francenildo Costa, ordenada, segundo as mais
recentes conclusões da Polícia Federal, pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Os atropelos
jurídicos do relatório do deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR) e o desfecho polêmico da
CPMI dos Correios ficaram em terceiro lugar.
Edição 387

O DESTINO É SEMPRE O MESMO


por Mino Carta

O único aspecto democrático da situação gravíssima é que o operário permanece como candidato
favorito

Para quem pensa, e há poucos praticantes desta atividade, tem de ser clara a gravidade da situação de
um país que vive a véspera da eleição presidencial sem perspectiva de mudança. Com qualquer
vencedor, o Brasil fica na mesma. Salvo melhor juízo.

Quem se deixa manipular pela mídia decora chavões e repete frases feitas. E não percebe a dimensão
da crise permanente. Difícil pinçar com os dedos o fio da meada, mas talvez seja possível começar
pelo fato de que o Partido dos Trabalhadores, alcançado o poder, portou-se como os antecessores.

O PT cresceu muito no espaço de duas décadas e, na oposição, assumiu a fisionomia de partido


autêntico, ao contrário dos demais, inexoravelmente vocacionados para clubes recreativos destinados à
predação. No poder, entretanto, o PT mostrou-se incapaz de produzir um modelo novo, como provam
os eventos sem chance de desmentido.

Não falta quem se regozije com isso. É, porém, uma das razões da gravidade da situação, quem sabe a
primeira. De um governo do PT teria sido razoável esperar por políticas habilitadas a reduzir o
monstruoso desequilíbrio social, primeiro fator do atraso do país vice-campeão mundial em má
distribuição de renda.

Algo aconteceu, no setor, por obra inclusive do empenho do presidente Lula, mas a fé avassaladora no
deus mercado professada pelos grandes sacerdotes Palocci e Meirelles pôs a perder qualquer esforço
para avançar, mesmo a passos miúdos, no caminho da igualdade. Aprofundou-se o abismo entre ricos
e pobres. Cada vez menos ricos mais ricos e cada vez mais pobres mais pobres.

Se carecemos de partidos e o modelo não muda, onde sobra a esperança? Inclusive porque do outro
lado permanece intocada a ideologia udenista, arrogante e medieval, tão bem personificada em largas
camadas do tucanato, com o tempero do ódio de classe em relação ao metalúrgico que virou
presidente.

Este, a rigor, na visão de CartaCapital, é o único dado positivo três anos e meio depois da eleição de
2002, a provar que um operário pode sentar-se no trono. Tal o trunfo democrático, digamos assim, na
terra da desigualdade. Idade Média, com computadores e democracia formal.

Aqui o ser pensante observará um fenômeno, singular na aparência e, de fato, inescapável: a crescente
separação entre o chamado povo e a chamada elite. O acima assinado confessa certa resistência a
escrever palavras emboloradas, como povo e elite. Não consegue, porém, evitá-las.

A geometria do poder nativo foi traída. As retas, uma a impor sua supremacia definitiva sobre a outra,
deram para tomar rumos distintos, sem maiores esclarecimentos quanto ao seu paradeiro. E a distância
dilata-se progressivamente.

O fenômeno tem seu lado preocupante. Indica ausência de liderança, em primeiro lugar. Sem contar
que, no abismo crescente, viceja e extravasa a criminalidade. Há compensações. Indica que a mídia
não atinge a maioria dos cidadãos, conscientes ou não da cidadania. Poupados, ao menos, do lugar-
comum. E é por isso que a popularidade do presidente metalúrgico continua a pairar sobre os
escândalos, pretensos e nem tanto. E que não haja espanto se ficar no trono, consagrado pelo próximo
pleito.

FRANÇA
A FALTA DE IMAGINAÇÃO NO PODER
Até 3 milhões saem às ruas contra a submissão da política à economia, mas lhes faltam novas idéias
para subordinar a economia à política

No ponto culminante, até agora, dos protestos iniciados há oito semanas, mais de um milhão de
pessoas, segundo a polícia – ou até 3 milhões em 135 cidades, 700 mil das quais em Paris, para a
oposição e as centrais sindicais –, manifestaram-se durante a greve geral da terça-feira 28 contra o
polêmico Contrato de Primeiro Emprego (CPE) defendido pelo primeiro-ministro, Dominique de
Villepin, apesar da queda do seu índice de popularidade para 29%, do silêncio do presidente Jacques
Chirac, e da falta de apoio do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy. É o maior movimento de massas
na França desde os protestos que, em dezembro de 1995, obrigaram o primeiro-ministro Alain Juppé a
retirar o projeto de reforma do sistema previdenciário.

O governo procurou desqualificar os protestos como mera defesa dos privilégios de universitários de
classe média, mas seu crescimento evidenciou a amplitude da rejeição ao CPE. Apesar de taxas de
desemprego da ordem de 50%, os jovens do subúrbio, supostos beneficiários da nova lei, rejeitaram-na
enfaticamente, como mostraram as revoltas nos subúrbios das grandes cidades. Também eles não
querem ser tratados como “descartáveis”.

O projeto, aprovado pelo Parlamento apesar da oposição das esquerdas, recebeu na quinta-feira 30 o
sinal verde do Conselho Constitucional. O presidente Chirac, que até então não se manifestara
oficialmente, teria nove dias para promulgá-lo ou pedir sua revisão. Esperava-se a decisão presidencial
em pronunciamento marcado para a noite da sexta-feira 31, quando provavelmente anunciará a sanção
do projeto e a abertura de negociações com os sindicatos, que continuam a recusá-las. As
manifestações prosseguem e foi marcada outra jornada de luta e greve para 4 de abril.

O CPE, que permite a demissão sem justificativa de trabalhadores de menos de 26 anos durante os
dois primeiros anos do contrato, foi apresentado pelo governo como um meio de encorajar as empresas
a empregar jovens, mas é visto pelos movimentos sindical e estudantil como o cavalo de Tróia de uma
precarização generalizada e vertiginosa do emprego. As pequenas e médias empresas são as mais
intransigentes na defesa da nova lei, enquanto as grandes admitem concessões como reduzir para um
ano o “período de experiência”.

O ponto forte do movimento está em lutar por um mundo no qual a economia se adapte às pessoas, em
vez de se exigir que as pessoas se adaptem à economia, nas palavras de um dos manifestantes. Sua
fraqueza está em se limitar a resistir à alteração do status quo, sem criticá-lo e propor uma alternativa
global, como, bem ou mal, souberam fazer tantos movimentos populares franceses de 1789 a 1968. A
oposição, na França, ainda não se rendeu aos mercados financeiros, mas carece de imaginação tanto
quanto o poder submisso ao modelo anglo-saxão.

Embora provavelmente menos ruim do que a rendição às exigências do mercado, o sistema atual está
longe de ser satisfatório e sustentável a longo prazo. Os valores republicanos e democráticos da
sociedade francesa estão mais uma vez ameaçados por uma ferida que a divide e se aprofunda ano a
ano, cujo sintoma mais evidente é a ferocidade com que os jovens excluídos dos subúrbios têm
investido contra carros particulares e a própria cidade nos protestos raciais que se iniciaram em
outubro de 2005.

ITÁLIA
FRICASSÉ À BERLUSCONI
O premier faz mais uma das suas. Mas o país tem chance de livrar-se dele

Amenos de dez dias do próximo pleito, marcado para 9 de abril, o primeiro-ministro italiano Silvio
Berlusconi ofereceu mais um motivo à chacota do mundo. Ao falar em Nápoles, em meio à campanha,
inabalável no seu propósito de vaticinar o advento do comunismo em caso de vitória da coligação de
centro-esquerda, o líder da direita afirmou que “nos tempos de Mao Tsé-tung, crianças chinesas eram
fervidas e usadas para adubar plantações”.

A chancelaria da República Popular da China reagiu no dia seguinte com nota firme, mas elegante:
“As afirmações do sr. Berlusconi não têm base alguma e prejudicam as relações entre os dois países”.
A chancelaria italiana tentou em vão cerzir o rasgão: o primeiro-ministro referiu-se a episódios “que
teriam ocorrido no passado”.

O homem mais rico da Itália, que governou em primeiro lugar em causa própria para safar-se de
mazelas e processos, é indiscutível campeão de gafes. Já se comparou com Cristo, Napoleão e
Churchill e prometeu abstinência sexual dois meses a fio antes das eleições. As quais, se levarem a
oposição ao poder, a obrigarão a esforço ciclópico para restabelecer o primado de uma Constituição
capaz de resistir incólume por mais de cinco décadas.

Alvissareiros para a oposição os conflitos internos que afloram a cada dia com maior nitidez dentro da
coligação direitista. Nem por isso deixa de haver luta intestina à esquerda. O resultado, apesar de
Berlusconi, ainda é incerto. Há quem espera que a nação italiana, herdeira de uma tradição de grande
cultura, saiba entender que o governo atual, além de metê-la em enrascadas de todos os calibres, a
cobriu de ridículo.

FESTA E PROTESTO
A MÚSICA FORA DE ORDEM
Um show coletivo contra a Ordem dos Músicos do Brasil retoma a tradiçãode mobilização da
categoria

Na segunda-feira 27, nos Arcos da Lapa (RJ), o show coletivo Fora de Ordem demonstrou que não é
só discurso o esboço de união dos profissionais da música brasileira em torno dos protestos contra a
perpetuação de poder na Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), controlada há 40 anos pelo ex-músico
Wilson Sandoli.

Dezenas de artistas dos mais variados estratos musicais apresentaram-se gratuitamente para cerca de
mil pessoas, entre clamores pela modernização interna da categoria – e, por conseqüência, na busca de
retomar o espaço que a música já ocupou na elevação da auto-estima dos brasileiros. Entre nomes
conhecidos, compareceram Alcione, Barão Vermelho, Zélia Duncan, Sandra de Sá, Lenine etc. Num
telão, surgiram Chico Buarque, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e estudantes de música da UFRJ,
que encenaram o enterro simbólico da gestão atual da Ordem. Beth Carvalho afirmou já ter sido
intimidada pelo presidente da OMB.

Estrela ascendente do movimento, o músico erudito Eduardo Camenietzki, ameaçado de expulsão pela
Ordem, iniciou discurso afirmando que “não verão minhas lágrimas”. Resistiu no palco, mas o choro
veio mais tarde, por longos minutos, ao relatar o encontro inédito a CartaCapital. “Não é luta de
classe, como escreveram alguns jornais, que às vezes agem como condutores de novela da Globo,
criando vilões e mocinhos. Estamos discutindo o cartorialismo, que é uma praga, uma doença, não só
na música”, diz Camenietzki.

Edição 392 - Ano XII


Edição 392 - 09/05/2006

Edição 392
PROTESTO O REALITY SHOW DE
GAROTINHO
por Redação CartaCapital

Sem responder às denúncias de que é alvo, o ex-governador opta pelagreve de fome

A greve de fome como instrumento político já foi usada de muitas maneiras nobres. O ativista indiano
Gandhi fez dela, por exemplo, uma arma contra o imperialismo britânico. Não é o caso do pré-
candidato do PMDB à Presidência, Anthony Garotinho. O ex-governador do Rio escuda-se na suposta
greve de fome para, na verdade, fazer uma greve de silêncio. Optou pela pirotecnia no lugar de
fornecer explicações às denúncias de que um criminoso doou dinheiro à sua pré-campanha. Ou de que
empresas também doadoras foram beneficiadas por contratos com o estado administrados por sua
mulher, Rosinha.

O jogo de cena parece ser a última pá de cal na candidatura Garotinho. As principais lideranças do
PMDB reprovaram o gesto. A vida do ex-governador virou uma espécie de reality show. O significado
do protesto não interessa. O que a mídia quer saber é quantos quilos o “ativista político” perde por dia,
enquanto tenta imaginar como o presidenciável conseguirá sair dessa sem sofrer uma tremenda
humilhação. No início da suposta greve de fome, Garotinho prometeu ir até as últimas conseqüências.

O outro candidato do partido, Itamar Franco, preferiu trilhar outro caminho. Em entrevista ao
programa Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, que estreou neste mês no portal IG,
Itamar defendeu o lançamento de uma candidatura própria pelo PMDB. “O partido assinará um
atestado de óbito se não tiver candidato”, afirmou o ex-presidente.

Edição 393 - Ano XII


Edição 393 - 16/05/2006
Edição 393

OPERAÇÃO SANGUESSUGA A CRISE NÃO


SAI DO CONGRESSO
por Redação CartaCapital

Ex-assessora do Ministério da Saúde relaciona 170 parlamentares envolvidos

A ex-assessora do Ministério de Saúde Maria da Penha Lino pode tornar-se o que o ex-deputado
Roberto Jefferson, com toda a sua verve, não conseguiu ser: algoz de parte significativa da Câmara
dos Deputados. Presa em 4 de maio, na esteira da Operação Sanguessuga, a funcionária pública
entregou à Polícia Federal uma lista de 170 parlamentares supostamente envolvidos com a máfia do
sangue que se apossou do ministério. Segundo a denúncia, emendas ao Orçamento beneficiariam
empresas participantes do esquema. Em troca, os deputados receberiam propina.

De início, a Câmara decidiu investigar 16 congressistas dos 64 relacionados pela PF. Mesmo
considerando este “o maior escândalo de corrupção” na casa, o corregedor Ciro Nogueira (PP-PI)
justificou a pequena lista inicial e se irritou com as insinuações de que o Congresso preparava nova
pizza. “Porque a lista foi refeita”, justificou Nogueira. “Tínhamos dúvidas sobre alguns nomes citados
que tiveram assessores presos. Pior é culpar um inocente se não tem indício no relatório encaminhado
pela Polícia”, explicou, em seguida.

O corregedor parece escaldado com a chamada “crise do mensalão”. Fazer emendas ao Orçamento é
instrumento legítimo de ação legislativa e o fato de um deputado ter defendido a liberação de recursos
para compra de ambulâncias não faz dele um criminoso. É preciso investigar com cuidado.

Cuidado, aliás, que faltou no caso do Valerioduto. Na ânsia de atender aos anseios de punição da
chamada opinião pública, o Congresso fez prejulgamentos. Faltaram provas na maior parte dos casos e
o Plenário, acusado de corporativo, acabou absolvendo a maioria. Precipitações e linchamentos morais
não atrapalham apenas o real e necessário combate à corrupção. São um desserviço à democracia.

MINO CARTA I
TODOS CONTRA A REELEIÇÃO DE LULA
Até o orelhudo Daniel Dantas vira mártir e CartaCapital vilã no afã de atingir o presidente

Cada país tem os varões de Plutarco que merece. Por exemplo, o senador Arthur Virgílio, líder tucano.
Ou Antonio Carlos Magalhães, outro senador. E imperador da Bahia. Ou, quem sabe, Octavio da
Motta Veiga, ex-presidente da Petrobras, da CVM e do Conselho de Administração da Brasil Telecom.
Sua mais recente façanha, a invasão sorrateira, na madrugada de 26 de julho de 2005, do sistema de
computadores desta última empresa com o propósito de anular a assembléia de acionistas que afastaria
o seu patrão, Daniel Dantas.

Mereceu, por isso, a punição da própria CVM, que o suspendeu por um ano de qualquer atividade do
sistema financeiro. Medida clemente. Atos de grande destemor não são premiados como deveriam. Em
compensação o dono do Opportunity ganhou a honra das manchetes ao acusar o PT de tê-lo submetido
a uma tentativa de chantagem, no valor de “dezenas de milhões”.

Tal é a sua defesa, na ação que corre em Nova York, sob o martelo do juiz Lewis Kaplan. O qual, há
poucos dias, disse nunca ter visto alguém “tão dissimulado”. Kaplan já ameaçou prender o banqueiro
diversas vezes, enquanto por aqui o orelhudo concorre ao galardão de mártir do ano e consegue o
adiamento de seu depoimento sobre o Caso Kroll.

A mídia que o credencia apressa-se a esquecer as mil mazelas praticadas pela família (ou seria
famiglia?) Dantas, com o recheio de mentiras, documentos forjados, grampos e espionagens variadas
conduzidas com os preciosos préstimos da Kroll, coisa de Primeiro Mundo. Sem contar o
envolvimento no Valerioduto. Etc. etc. Mas esqueçamos tudo, em nome da cruzada anti-Lula e anti-
PT.

A mídia compacta-se no esforço de solapar a candidatura à reeleição do presidente metalúrgico e até


Dantas serve ao propósito. As acusações do banqueiro contra o PT são, porém, de digestão laboriosa
para quem mantém freqüentação razoável com a verdade factual.

Desde o começo do governo Lula, reuniões houve no Planalto entre o presidente e seus colaboradores
mais próximos, no sentido de investigar a fundo as manobras de Dantas e sustar de vez suas atividades
suspeitas. Nada ocorreu, no entanto, talvez, porque um ou outro dos colaboradores fizesse corpo mole,
a cogitar de proveitos futuros.

Peculiar a tese da chantagem petista partida do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu: CartaCapital sabe
que o próprio tentou mais de uma vez exercer pressões junto à Justiça e à Polícia Federal em favor do
banqueiro, atolado em investigações e processos no Brasil e fora dele.

Estaria na hora de optar pela ética, e pelo senso comum, e pela consciência do papel do jornalismo
honesto, e para tanto não é preciso apoiar Lula e seu governo, como, aliás, não faz CartaCapital, a
discordar de inúmeras das suas ações, em primeiro lugar em matéria de política econômica. E a
condenar o PT, por ter-se portado no poder como todos os demais.

Até CartaCapital serve, porém, ao plano, acusada amiúde de sobreviver graças à publicidade
governista. Há quem diga que 70% dos anúncios publicados pela revista têm origem estatal.
Inverdades clamorosas, assacadas nesta infeliz sociedade de democratas ancorados ao pensamento
único. Quem discorda em nome do respeito à verdade factual e do exercício do espírito crítico, paga
caro. Na hora da cruzada não se admitem defecções.

Eis aqui os números exatos, e incontestáveis, relativos às fontes da publicidade veiculada em


CartaCapital. As calúnias, em meio à nossa Idade Média, têm o poder de nos envaidecer. Mesmo
porque provam que a gente incomoda os democratas de fancaria.

Edição 394 - Ano XII


Edição 394 - 23/05/2006

Edição 394
RETRATO DO BRASIL A GEOGRAFIA DA
FOME
por Redação CartaCapital

Setenta e dois milhões de brasileiros são mal alimentados. Mulheres, negros, pardos, nordestinos e
nortistas são os que sofrem mais

Mad Bush. 
Setenta e dois milhões de brasileiros, que moram em 18 milhões de residências, sofrem de insegurança
alimentar, ou seja, preocupam-se com a insuficiência da renda para comprar alimentos. Daqueles
excluídos, 14 milhões literalmente passam fome e 6 milhões moram em casas com rendimento mensal
de até 65 reais por pessoa. No país das desigualdades, em 33 milhões de casas, 109 milhões de
habitantes são considerados bem alimentados. Nesse contexto, uma elite. A pesquisa foi realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad), referente aos números colhidos em 2004. Foi divulgada, com pouca
repercussão, na quarta-feira 17. A população total brasileira é de 181 milhões de habitantes.

A pesquisa foi feita com base na metodologia de pesquisadores da Universidade Cornell, nos Estados
Unidos. No Brasil, foi aperfeiçoada pelo programa Escala Brasileira de Segurança Alimentar (Ebia) e
aplicada pelo IBGE. Os pesquisados respondem a 15 perguntas, nove respondidas por adultos e seis,
por crianças. Da tabulação, depreende-se quantos são bem alimentados, ou com insegurança alimentar
leve, moderada e grave.

A distribuição dos miseráveis pode parecer óbvia. Mas é bom ressaltar. Nos Estados de Roraima,
Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia, o
porcentual de domicílios com insegurança alimentar grave ultrapassa os 10%. O pior caso é o do
Maranhão, com 18%. Já São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm
porcentuais próximos a 4%. O líder em alimentação mais farta é Santa Catarina, cuja pobreza extrema
atinge somente 2% das casas.

Outra obviedade: os lares cujas cabeças-de-família são mulheres apresentam o maior índice de
pobreza: 17,3% nos lares femininos, ante 13,2% nos masculinos. Por fim, pretos e pardos padecem da
fome, como as mulheres, os nordestinos e os nortistas. A população preta ou parda tem pouco o que
comer em 11,5% da população, ante 4% entre os brancos. Outras vítimas são as crianças. Em 50,4%
das residências, moram no Brasil meninos e meninas com idade inferior a 4 anos com algum tipo de
insegurança.
Apesar dos programas governamentais de cunho social, apenas 34% dos domicílios brasileiros estão
categorizados como seguros no quesito alimentação. E nada menos que 15% se apresentam em
situação grave. Os números dispensam comentários.

Edição 396 - Ano XII


Edição 396 - 06/06/2006
Edição 396

FÁBRICA DE DOSSIÊS
por Leandro Fortes e Sergio Lirio

Novos documentos da Kroll revelam que Dantas mandou investigar políticos, juízes, policiais e
empresários

dcapa 

Tranqüilo? 
Em depoimento à Justiça Federal de São Paulo, na terça-feira 30 de maio, o banqueiro Daniel Dantas
negou, pela enésima vez, ter contratado a empresa americana Kroll para espionar desafetos e
concorrentes, entre eles integrantes do governo Lula. Dantas negou ainda ter sido achacado por
integrantes do PT e que tenha produzido um dossiê com supostas contas de autoridades brasileiras no
exterior. Ao juiz Sílvio Luís Ferreira da Rocha, árbitro da ação que o aponta como “chefe de uma
quadrilha internacional de espionagem”, o banqueiro se disse vítima de uma conspiração a envolver o
Ministério Público, a Polícia Federal e a imprensa.

Na mesma semana, a PF e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) receberam 25 caixas com


detalhes da investigação realizada pela Kroll a partir de 2002. Os documentos, obtidos com
exclusividade por CartaCapital, integram o processo na Justiça de Nova York, no qual o Citibank
cobra 300 milhões de dólares (quase 700 milhões de reais) por supostos prejuízos causados por DD à
época em que ele administrava os recursos da instituição financeira norte-americana no Brasil. A
papelada, composta de dezenas de mensagens eletrônicas e atas de reuniões com a participação do
próprio banqueiro, acrescenta mais provas de que o dono do Opportunity, ao contrário das declarações
prestadas à Justiça, gerenciava e acompanhava de perto o trabalho dos espiões. Nenhum passo
importante era dado sem sua autorização ou sem que ele fosse informado.

Os alvos de Dantas eram variados e incluíam políticos do PT e PSDB, juízes e meios de comunicação,
além de empresários e executivos considerados adversários do Opportunity. As investigações
ocorreram no Brasil, Canadá, Estados Unidos, Ilhas Cayman, Itália e Espanha. É preciso deixar claro
que boa parte dos documentos não passa de diálogos entre aliados de Dantas e espiões da Kroll e trata
de especulações sobre supostas irregularidades, sem nenhuma comprovação. Eles estão reproduzidos
nas páginas adiante apenas para demonstrar como Dantas, que se diz vítima de um complô e de
achaques, é, na verdade, obcecado por bisbilhotar a vida de quem cruza seu caminho.

Além disso, nem todos os investigados são desafetos do banqueiro. O investidor Naji Nahas, por
exemplo. Nahas é aliado do Opportunity e foi o responsável por aproximar Dantas do presidente da
Telecom Italia, Marco Tronchetti Provera. Os italianos chegaram até a assinar um acordo se
comprometendo a pagar cerca de 1 bilhão de reais pelos 10% de participação acionária de DD na
Brasil Telecom. O acerto foi desfeito no início de maio (reportagem na edição impressa).

Apesar de caudalosa, a documentação entregue pela Kroll à Justiça americana pode não conter todas
as provas da espionagem ilegal cometida a mando do banqueiro. Há várias razões para se supor isso.
E-mails obtidos por CartaCapital e que não integram as caixas entregues à PF e à CVM mostram que
Carla Cico, ex-presidente da Brasil Telecom, horas antes de deixar o cargo, solicitou à Kroll que
sumisse com papéis da operação. Aparentemente, o pedido não foi atendido.

De qualquer forma, Carla, em parceria com executivos da empresa americana, também traçou uma
estratégia de desmoralização do trabalho da Polícia Federal, que, em outubro de 2004, fez apreensões
nas sedes do Opportunity e da Brasil Telecom. Não por coincidência, durante o depoimento na terça
30, Dantas atacou o trabalho dos federais e afirmou que as provas do inquérito policial teriam sido
forjadas. DD não comprova, porém, as acusações.

O papelório comprometedor pode ter sido extraviado pelo ex-diretor da Kroll e ex-agente da CIA
Frank Holder. Em janeiro de 2005, Holder deixou o posto na Kroll, mas foi contratado, em seguida,
como consultor. Segundo a revista Veja, o ex-agente, por ordem de Dantas, entregou à revista uma
série de documentos sem comprovação, entre eles uma suposta conta bancária do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva em um paraíso fiscal. Holder mantinha uma base em Buenos Aires.

Ainda assim, a documentação da Kroll em poder das autoridades brasileiras, e em parte reproduzida
nas páginas seguintes, tem elementos suficientes para mostrar que o banqueiro comandava uma
quadrilha de espionagem, como afirma o inquérito da PF. E que Dantas, além de juntar dinheiro, se
dedica com afinco a outra atividade: fabricar dossiês.

*Confira a íntegra dessa reportagem na edição impressa

Edição 400 - Ano XII


Edição 400 - 04/07/2006

Edição 400
GERALDO ALCKMIN DÁ SINAIS DE VIDA
por Maurício Dias

Nova pesquisa Vox Populi mostra a redução da vantagem de Lula

destaquecapa 

Impacto. 

A candidatura do ex-governador paulista Geraldo Alckmin, postulante à Presidência da República, deu


sinais de vida. Depois de um período em que sustentou solitariamente uma candidatura desacreditada,
principalmente entre os próprios aliados, ele saltou de 23% para 32% das intenções de voto, conforme
os números da mais recente pesquisa Vox Populi, realizada entre os dias 23 e 24 de junho,
encomendada pela NTC, Associação Nacional dos Transportes de Cargas e Logística.

Um resultado expressivo de 9 pontos porcentuais, obtido ao longo do mês de junho quando foi
impulsionado, principalmente, pela presença maciça na televisão, durante os comerciais e os
programas oficiais do PSDB. Nesse mesmo período foi realizada, também, a convenção que
oficializou a aliança PSDB e PFL representada pela chapa Alckmin-José Jorge.

Principal adversário da reeleição do presidente Lula, que manteve como parceiro, na Vice-Presidência,
o empresário mineiro José Alencar, o candidato tucano cresceu e apareceu. Mesmo assim, se a eleição
fosse hoje, o petista ainda ganharia no primeiro turno, apesar da queda de quatro pontos porcentuais
registrada pela pesquisa. Lula caiu de 49% para 45%.

Esse porcentual ainda é maior do que a soma do resultado total dos oponentes. Além de Alckmin,
estão no páreo a senadora Heloísa Helena, candidata do PSOL, que tinha 6% e ficou com 5%; e
Cristovam Buarque (PDT) que manteve 1%. Concorrem, ainda, José Maria Eymael (PSDC) e Luciano
Bivar (PSL) que, nessa rodada, não atingiram 1% das intenções de voto. Por isso, hoje, a eleição seria
resolvida num turno só.

Alckmin, certamente, conquistou uma parte dos eleitores que começaram a definir o voto agora. Mas
esse porcentual de 32% das intenções de voto está inflado por um eleitor volúvel, flutuante, que tem
por hábito fazer um passeio pelas candidaturas, mobilizado pelos programas eleitorais partidários na
televisão. Marcos Coimbra, do Vox Populi, acredita que isso ocorreu bastante em 2002, num quadro
com mais candidatos viáveis e sem um postulante à reeleição (texto na edição impressa).

“Essa flutuação ainda não tinha ocorrido em 2006 porque, desta vez, só há duas candidaturas viáveis.
A senadora Heloísa Helena não tem mídia. É uma candidata que atravessou esse semestre de
campanha restrita ao espaço do jornalismo”, analisa Coimbra.
O resultado da pesquisa a partir da intenção de voto espontânea mostra uma situação ainda mais
confortável para Lula. O candidato petista tem 35% das intenções de voto contra 17% do seu principal
adversário. Em relação à pesquisa de maio, Lula manteve o mesmo porcentual enquanto Alckmin
cresceu 5 pontos. Nessa consulta, não é apresentada a lista de candidatos. Como o eleitor cita o nome
de preferência, o resultado é considerado como mais consolidado.

“Na pesquisa espontânea é possível perceber que o voto ideológico está definido. A soma das opções
nos candidatos, mais brancos e nulos, mostra que mais de 60% dos eleitores já estão decididos e, em
situação normal, não mudarão o voto”, acredita Coimbra.
Se grande parte do voto ideológico está definida, o mesmo ocorre com o voto dos pobres. O porcentual
de adesão da população de baixa renda à candidatura de Lula é uma manifestação inédita na história
eleitoral do País. No universo dos eleitores com renda familiar de até um salário mínimo Lula
massacra o adversário. Tem 61% das intenções de voto, contra 16% de Alckmin. Na faixa de um a
cinco salários mínimos, Lula tem 45% e Alckmin conta com 33%. A situação muda no topo da
pirâmide social. Na difusa categoria dos que ganham acima de dez salários mínimos (genericamente
classificada de “os mais ricos”) Alckmin tem 40% contra 34% de Lula.

Há uma continuidade dessa tendência no cruzamento dos votos que levam em conta a taxa de
escolaridade. No eleitor de baixa escolaridade (que declara instrução até a 4ª série do ensino
fundamental) a opção majoritária é por Lula com 54% das intenções de voto. Alckmin alcança a
preferência de 23% dos eleitores. No lado oposto, onde ficam os eleitores com ensino superior é o
candidato tucano que está na frente. Ele tem 42% das intenções de voto, contra 34% de Lula.

O cenário, seja pelos números de Lula, seja pelos de Alckmin, não cria a situação maniqueísta de uma
eleição do tostão contra o milhão (como apregoava, demagogicamente, Jânio Quadros, durante sua
meteórica ascensão política nos anos 50) ou de pobres contra ricos. Os dois candidatos têm votos
dispersos em todas as faixas sociais. Mas, sem dúvida, a consolidação, jamais vista, dos votos em Lula
nas camadas mais pobres mostra uma clara clivagem de renda no processo eleitoral. Por extensão, um
viés de embate entre classes sociais.

Esse cenário tem açulado o preconceito social embutido no País que, oficialmente, cultiva a política de
conciliação e o mito da história sem sangue. Nessa cartilha, os pobres votam em Lula porque seriam
ignorantes e desinformados. No entanto, não vêem a grande votação de Lula enraizada,
tradicionalmente, na classe média e, eventualmente, na elite escolarizada. “A decisão do eleitor pobre
não difere do eleitor rico. Qualquer um vota, sempre, por interesse”, afirma Coimbra.

Nesse caso, por que o voto em Lula? “O pobre está votando em Lula porque está convencido de que
ele fez um bom governo, e pode fazer um segundo governo, no qual a vida dele será melhor. Nas
pesquisas qualitativas feitas em todos os lugares do País eu percebo que os pobres manifestam
intenção de voto no governo não apenas porque há um programa social chamado Bolsa-Família. Isso é
uma parte, um símbolo da maneira de fazer o governo andar. Além disso eles vêem o preço dos
produtos de primeira necessidade estáveis ou em queda e o material de construção mais barato.
Aumentou o acesso a eletrodomésticos modernos, mais uso de celulares, e eles já viajam de avião.
Tem cada vez mais gente pobre usufruindo disso”, explica Coimbra.

Sob esse aspecto, a luta de Lula pela reeleição se aproxima da segunda eleição de Franklin Roosevelt,
em 1936, nos Estados Unidos. Ambos se sustentaram em programas sociais. O primeiro governo Lula,
no entanto, muito mais moderado do que a primeira administração Roosevelt. O presidente norte-
americano obteve a vitória “mais arrasadora desde os primeiros dias da República, conquistada a
despeito de esmagadora hostilidade da imprensa”, segundo Roy Jenkins, no livro Roosevelt,
recentemente publicado no Brasil. Uma edição, por sinal, prefaciada pelo ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, que contorna essa questão. Roosevelt criou imposto adicional para os altos
rendimentos, aumentou impostos sobre propriedade e doações e elevou a taxação dos lucros das
empresas, distribuídos ou não. Na classificação de Jenkins aquela foi a primeira eleição “rigidamente
de classes na história americana”.
“Foi a vitória obtida contra o desejo dos que se julgavam os donos naturais da opinião pública
americana”, diz Jenkins, que anotou, ainda, “pelo menos 80% da antiga classe alta, a mesma à qual
pertencia Roosevelt, votou firmemente contra ele.

Lá, o paladino dos sans-culottes foi um membro da elite americana. Aqui, por ironia da história, é um
ex-operário metalúrgico que, por sinal, se tentasse fazer um governo igual, fatalmente não escaparia de
um impeachment. E não seria surpresa se, nesse caso, entre os primeiros signatários figurassem nomes
conhecidos que, recentemente, Lula identificou como “vozes do atraso”.

Clique abaixo e confira os gráficos:

Intenção de voto - estimulada: Se os candidatos fossem Lula, Alckmin, Heloisa Helena, Cristovan
Buarque, José Maria Eymael e Luciano Bivar, em quem você votaria?

Intenção de voto - espontânea: Se a eleição para presidente da República fosse hoje, em quem você
votaria?

Edição 401 - Ano XII


Edição 401 - 11/07/2006

APAGÃO ANALÓGICO
por Ana Paula Sousa

O pesquisador Israel Bayma, integrante do PT, destrincha o sonho da tevê digital

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História. 
Pesquisador da Universidade de Brasília, o engenheiro Israel Bayma é um dos principais estudiosos
das relações entre política e mídia no Brasil. Ex-assessor-técnico do PT no Congresso e assessor-
técnico da Casa Civil, Bayma segue de perto as discussões sobre tevê digital. Nesta entrevista, ele não
fala pelo governo nem pelo PT. Mas, com o olhar do cientista, jogar luzes sobre o processo.

CartaCapital: A tevê digital repete a história da tevê como moeda de troca política?
Israel Bayma: Esse processo, não só de usar as concessões, mas a máquina do Estado como moeda de
troca, é um fenômeno que ocorre historicamente e que se reproduz no atual Estado como patronagem.
São patronos que usam as relações com o governo para, de forma direta, buscar benefícios.

CC: Isso está numericamente comprovado?


IB: Desenvolvi um estudo com 3.315 emissoras de radiodifusão que demonstrou o que era senso
comum, ou seja, que os partidos políticos, notadamente os ditos conservadores, detêm a propriedade
ou a direção de emissoras. De um conjunto de 353 concessões com esse perfil, o PFL detinha 37,5%
desse conjunto, o PMDB, 17,5%, e o PPB, 12,5%. O PSB e o PSDB detinham 6,25% cada e o PL e o
PDT, 3,75%.

CC: E o PT?
IB: À época do estudo, entre 1998 e 2001, o PT não tinha nenhuma concessão. Atualizando esses
dados, em 2006, eu encontrei doações de donos de emissoras a políticos do PT.

CC: É difícil saber quem tem uma concessão porque é político ou quem é político porque tem
uma concessão, não?
IB: Eu não fiz essa identificação, mas outras análises mostram que o uso das concessões tem uma
influência grande no desempenho eleitoral. Isso também se manifesta no posicionamento de cada
parlamentar nos assuntos não só de interesse do setor de rádio e televisão, mas também no apoio aos
governos em troca de concessões e outorgas. É o clientelismo nos meios de comunicação.

CC: Por que isso se perpetua?


IB: Trata-se de uma política de negociação voltada para a composição de forças no jogo político. Em
2003, quanto o PT assumiu o governo, havia uma conjuntura propícia a mudanças nesse padrão
clientelístico. Mas, com uma composição que inclui partidos de natureza conservadora, não houve a
esperada mudança no marco regulatório do setor.

CC: O senhor escreveu que teríamos a tevê digital num sistema analógico. Os ganhadores serão
os de sempre?
IB: Acho que sim, já que a legislação não foi alterada.

CC: Essa escolha, até certo ponto apressada, teria o objetivo de manter tudo como está?
IB: A maioria dos países desenvolvidos definiu o início da transmissão digital no fim da década de 90
ou no início dos anos 2000, mas, em face da rapidez da tecnologia, optaram por, primeiro, alterar a
legislação. A Grã-Bretanha unificou os órgãos reguladores e fez uma legislação mais moderna que
trata das relações entre os vários segmentos agora envolvidos no negócio. Esse novo movimento de
capital tem de ser supervisionado pelo Estado para evitar concentração de propriedade e oligopólios,
como há no Brasil. Aqui, um só grupo detém mais de 60% das emissoras de rádio e televisão em
determinada região, é proprietário de jornais, de revistas.

CC: Esse grupo, a Globo, emplacou o padrão digital que sempre defendeu. Foi muito mais uma
decisão comercial e política do que técnica?
IB: A decisão é de natureza política, já que todos os padrões gozam de similaridades e poderiam
atender aos interesses deste ou daquele país. Então, o Brasil entendeu ser esse o padrão que melhor
atendia aos interesses estratégicos. Mas o grande problema, a meu ver, é que o Brasil perdeu a
oportunidade de adequar a legislação à tevê digital, corrigindo problemas e possibilitando a entrada de
novos agentes na radiodifusão, ou seja, democratizando as comunicações.

CC: Será que algum dia essas coisas serão regulamentadas?


IB: Acho inevitável que sim. Em 2001, o País viveu um apagão. A causa real disso foi a falta de
investimentos no setor de energia elétrica. Futuramente, podemos enfrentar um outro apagão, o apagão
analógico. Em 2016, as tevês analógicas do País serão desligadas. No Reino Unido, as operadoras não
querem devolver o canal analógico e eles adiaram o apagão de 2010 para 2012. Imagine aqui. Se não
se sabe nem quem são os donos das emissoras, como vão conseguir que devolvam o canal analógico?
Além disso, somos um país com mais de 40 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza.

CC: O senhor acredita que será desligada a tevê analógica em 2016, como prevê o decreto?
IB: Não, vai ter de adiar. E esse cronograma deveria se dar por regiões. Mais uma vez, as regiões da
exclusão social serão as últimas atendidas.

CC: É legítimo perguntar se a única vantagem será ver Big Brother em alta definição?
IB: E também perguntar se será permitido que as produções regionais tenham preferência sobre a
produção em rede. Mas eu tenho clareza de que, até 2016, a legislação será alterada e algumas
questões resolvidas.

CC: O senhor acredita mesmo nisso?


IB: Sim, porque os investimentos, com novos agentes, só se darão se houver o mínimo de segurança
para os investidores. Sem uma nova lei, não será implantada a tevê digital.

CC: Por que o governo não brigou pela nova lei?


IB: Os governos têm muita dificuldade. Imagine a definição do padrão de tevê digital num ano
eleitoral. A gente não pode escamotear a influência política dos meios de comunicação. Eles já
demonstraram que criam, elegem e derrubam candidatos.

CC: O que ganharia um governo que tivesse a coragem de comprar essa briga? Ou é impossível
governar sem os meios de comunicação?
IB: Alguns países têm mostrado que é possível governar sem o apoio dos meios de comunicação. O
que não é possível é governar sem o apoio popular. O presidente Hugo Chávez, da Venezuela,
demonstra isso. Os meios de comunicação foram os protagonistas da crise do seu governo, mas ele
tinha o apoio popular.

Edição 402 - Ano XII


Edição 402 - 18/07/2006
O FATOR HH MUDA O CENÁRIO
ELEITORAL
por Maurício Dias

Com o crescimento de Heloísa Helena e a queda de Lula, desenha-se pela primeira vez a chance de a
eleição só ser decidida no segundo turno

destaquecapa 

Novidade. 

Povo. 

Meio-de-campo. 

O cenário eleitoral para outubro ganha um novo contorno. A segunda rodada da pesquisa
CartaCapital/Vox Populi, embora ainda aponte para a vitória de Lula (PT) no primeiro turno, joga essa
possibilidade, no entanto, para a margem de erro da pesquisa, calculada em 2,2%. Se a corrida eleitoral
se encerrasse hoje, o presidente da República, com 42% das intenções de voto, ganharia no olho
mecânico. A soma dos votos de seus adversários alcançaria 40%: Geraldo Alckmin (PSDB) chegou a
32%, Heloísa Helena (PSOL) a 7% e Cristovam Buarque (PDT) manteria 1%. Os outros candidatos
(José Maria Eymael, do PSDC; Luciano Bivar, do PSL; e Rui Pimenta, do PCO) somariam, juntos,
menos de 0,5%.

O desempenho da senadora Heloísa Helena pode ser o fator determinante para a realização de um
segundo turno eleitoral em outubro. Esse fator HH traduz-se em uma candidatura que cresce em
marcha lenta. A ex-petista, candidata pelo recém-criado PSOL, tinha 6 pontos no fim de maio, caiu
para 5% no fim de junho e, agora, chega a 7%. Um crescimento que, em princípio, guarda uma relação
direta com os porcentuais perdidos por Lula. Mais precisamente, com uma parte dos eleitores
definidos como “de esquerda”, que migraram do PT em razão da crise do caixa 2 ou em busca de
opções políticas menos conservadoras.

As informações obtidas pelo cruzamento de dados, tendo como parâmetro a renda familiar, mostram o
tucano disparando na faixa de eleitores que ganham acima de dez salários mínimos, no topo da
pirâmide de classe. Em maio, Lula perdia de Alckmin por 3%. O petista tinha 35% e o tucano, 38%.
Agora, Alckmin parece ter empolgado definitivamente esse núcleo identificado como sendo o “mais
rico”. Ele tem 46% das intenções de voto contra 28% de Lula. Nessa faixa salarial, a senadora Heloísa
Helena subiu de 7% para 9%. Pela primeira vez, Alckmin superou Lula na faixa imediatamente
anterior a essa, que compõe a difusa e insatisfeita classe média. Ou seja, o grupo que ganha entre cinco
e dez mínimos. Em maio o confronto ficava assim: Lula 40% e Alckmin 29%. Agora fica assim: Lula
34% e Alckmin 36%. A candidata do PSOL engordou seus porcentuais com eleitores dessa faixa de
renda. Em maio ela tinha 7% das intenções de voto. Agora tem 11%.

Lula mantém a preferência entre os mais pobres. Continua com uma diferença expressiva entre os que
ganham até um salário mínimo: tem 57% (era 62%) contra 20% (era 9%) do seu principal adversário.
Na faixa de um a cinco mínimos, Lula tem 42% (tinha 49%) e Alckmin tem 31% (tinha 23%).

Ao levar em consideração a referência da escolaridade dos eleitores, fica mais claro que o confronto
eleitoral ganha, cada vez mais, uma clivagem de classe. Esse é um dado que, como se sabe, inquieta os
petistas. Entre os eleitores com ensino superior, Lula tem 31% (era 33% em junho) das intenções de
voto e Alckmin, 44% (era 30%). Entre os eleitores com escolaridade até a quarta série do ensino
fundamental, Lula alcança 51% (tinha 57%) e Alckmin atinge 23% (tinha 18%).

Todas as demais variáveis da sondagem mostram que os números, para Lula, pioraram de uma
maneira geral. Para Alckmin, ao contrário, as coisas melhoraram. Perguntado sobre o candidato que
tem mais chance de ganhar as eleições, o eleitor apontou Lula com 62% e Alckmin com 21%. Em
maio, no entanto, Lula tinha 64% e Alckmin, 16%. O petista baixou 2 pontos porcentuais e o tucano
subiu 5%.

Um indicador importante no universo numérico das pesquisas é o índice de rejeição. Na pesquisa


divulgada em maio, Lula tinha 16% de rejeição entre os eleitores que indicavam o nome dele como a
principal rejeição (recebia 7% como segunda opção de rejeição). Geraldo Alckmin tinha 4% (e subia
para 12% nas respostas de segunda opção). O quadro agora fica assim: Lula é apontado como o mais
rejeitado (com 26%) na primeira resposta e por 5% na segunda resposta.

Esse cenário que indica importantes modificações favoráveis a Alckmin (embora ainda confirme Lula
como vencedor no primeiro turno) sugere, pela primeira vez, a possibilidade concreta de segundo
turno. Talvez, por isso, a projeção do resultado da eleição, numa segunda rodada eleitoral, tenha
aproximado os dois principais postulantes à cadeira presidencial. Em maio, Lula bateria Alckmin por
51% a 33%. Fosse agora, o resultado se daria com a vitória de Lula por 45% a 40%. Páreo bem mais
duro.

Edição 403 - Ano XII


Edição 403 - 25/07/2006
Edição 403

QUEM É HELOÍSA HELENA


por Redação CartaCapital

Um partido socialista, uma formação católica, um discurso moralista. Até onde a soma desses fatores
pode levar a candidata do PSOL

amanhã 
CartaCapital traz, na edição que chega às bancas nesta sexta-feira, um perfil da senadora Heloísa
Helena, candidata do PSOL à presidência da República, apontada como a grande “novidade” das
eleições. Ligada a um partido socialista, com um programa de governo pouco palatável, Heloísa
Helena tenta se consolidar como a candidata da moralidade. Até onde ela pode chegar? Quem perde
com a ascensão da senadora?

Nascida pobre no sertão de Alagoas e apresentada ao Socialismo, como ela mesma diz, pelos profetas
e apóstolos bíblicos, em um mês Heloísa Helena saiu da posição de líder dos nanicos e ingressou no
grupo de candidatos com capacidade de provocar alguma diferença na sucessão. Virou o “Fator HH”.

A divulgação, na terça 25, de uma nova pesquisa do Ibope reanimou o debate sobre o seu potencial
eleitoral. O pesquisador Marcus Figueiredo, do Iuperj, que há décadas estuda as eleições brasileiras,
acredita que a senadora possa alcançar 15% nas próximas pesquisas.

Um símbolo do eleitorado seduzido por HH nas últimas semanas? A socialite paulistana Maria
Christina Mendes Caldeira, ex-mulher de Valdemar Costa Neto, do PL, que renunciou ao cargo de
deputado federal ao ser envolvido no Valerioduto. “As pessoas estão cansadas de gente com muita
máscara. Não sou tão de esquerda quanto ela, mas isso é negociável”, afirmou a socialite.

Edição 404 - Ano XII


Edição 404 - 01/08/2006
A ESCALADA DE HH
por Sergio Lirio

Com um discurso moralista, a candidata do PSOL acumula apoios, mas seu potencial na disputa ainda
é incerto

destaquehhcapa 

Até onde? 
Na terça-feira 25, a senadora Heloísa Helena, entre constrangida e penitenciada, anunciou a demissão
do assessor Antônio Jacinto Filho. O crime de Jacinto? Enviar dos computadores do gabinete no
Senado mensagens eletrônicas com a agenda da campanha presidencial da candidata do PSOL. “Ele é
uma pessoa boa, honesta, um pai de família”, afirmou Heloísa Helena. “Mas, se não tivesse sido
rígida, implacável, todos iriam dizer que era um erro porque falo de todo mundo. Para que eu tenha
autoridade de condenar a canalhice política, não posso aceitar esse tipo de coisa”, emendou.

A demissão do assessor, punição que muitos poderão considerar desproporcional à gravidade da falta,
foi mais uma demonstração do espírito quixotesco e, no momento, um tanto eleitoreiro, que move as
ações da senadora de 44 anos, nascida pobre no sertão de Alagoas e apresentada ao socialismo, como
ela mesma diz, pelos profetas e apóstolos. Como Quixote, Heloísa Helena não dá tréguas aos moinhos
da corrupção, ainda que, como no episódio do assessor demitido, eles em nada se pareçam com
perigosos dragões. “O discurso ético tem apelo, apesar de os efeitos parecerem limitados. Mas, ao
adotar esse discurso, a senadora é obrigada a se comportar como o mais franciscano dos candidatos”,
afirma o cientista político Carlos Ranulfo, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Movida ou não por circunstâncias eleitorais, a senadora Heloísa Helena construiu a carreira política
alicerçada em uma postura que em muito lembra os próceres da velha UDN. Apesar de historicamente
ligada a movimentos sociais e atualmente representando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a
trajetória da senadora contabiliza percalços e contradições que os adversários não cansam de lembrar.

Defensora de posições feministas, a senadora afirma que suas convicções cristãs a impedem de apoiar
o aborto. Há outros integrantes do PSOL, também ligados à Igreja Católica, que têm dificuldade em
aceitar a idéia. É o caso de Plínio de Arruda Sampaio, candidato ao governo de São Paulo. Sampaio,
ao contrário de Heloísa Helena, não defende a criminalização do ato.

A mesma concepção cristã a levou, em 1996, a processar Kátia Born por sua “vida sexual atípica”.
Ambas disputavam a prefeitura de Maceió. Heloísa Helena pelo PT, Kátia Born, homossexual
assumida, pelo PSB. Alguns anos depois, Heloísa pediu desculpas a Kátia e atribuiu a ação à pressão
de advogados. A ex-prefeita preferiu, porém, manter-se no lado oposto ao da senadora. “Ela não tem
compromisso com nenhum projeto político. Só pensa na própria carreira”, afirma a ex-prefeita,
candidata a deputada federal nas próximas eleições. Procurada por CartaCapital, Heloísa Helena não
quis falar sobre o assunto.

Em nome da valentia e da transparência, Heloísa Helena não titubeou em protagonizar uma


reportagem de capa da revista Veja indicativa do que seria a postura da Editora Abril em relação ao
governo Lula. Em novembro de 2002, os editores da semanal procuraram personagens que pudessem
sustentar o título “O que querem os radicais do PT?” Como ilustração, Cérbero, o cão de três cabeças
que guarda os portões do inferno. Em cada uma das cabeças, ilustrações de Karl Marx, Trotski e
Lenin. Ninguém queria aparecer, até que Heloísa Helena topou. E sustentou a tese de Veja.

Expulsa em 2003 do PT apenas por manter-se fiel às proposições que norteavam a legenda antes da
chegada à Presidência, Heloísa Helena acabou redimida no ano passado. Quanto mais o escândalo do
Valerioduto atingia a cúpula do Partido dos Trabalhadores, incapaz de dar uma explicação razoável às
denúncias ou de punir exemplarmente os culpados, mais a expulsão da senadora parecia absurda.
Durante um ano de investigações no Congresso, a candidata do PSOL ganhou moral para apontar o
dedo a cada petista interrogado nas CPIs.

*Confira a íntegra da reportagem na edição impressa

Edição 406 - Ano XII


Edição 406 - 15/08/2006

A FORÇA DO POBRE
por Maurício Dias

Lula amplia a vantagem sobre Alckmin com o apoio de 58% dos eleitores de baixa escolaridade, e
hoje venceria a eleição no primeiro turno

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Lula. 

Alckmin. 
Confira a íntegra da pesquisa CartaCapital/Vox Populi na edição impressa

A popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva voltou a crescer e, às vésperas do início do horário
gratuito da propaganda eleitoral (os 45 dias que marcam a reta final da campanha), o presidente
ampliou a chance de vencer a eleição no primeiro turno, graças, principalmente, ao enorme apoio que
tem entre os eleitores mais pobres. Nesta terceira rodada da pesquisa CartaCapital/Vox Populi, Lula
(PT) venceria a eleição com 45% das intenções de voto, contra 24% de Geraldo Alckmin (PSDB);
11% de Heloísa Helena (PSOL); 1% de Cristovam Buarque (PDT) e 1% de Rui Pimenta (PCO).
Nenhum dos demais candidatos atinge 1%.

Lula conta com 58% de apoio entre os eleitores de baixa escolaridade e 63% entre aqueles de baixa
renda. Em relação à pesquisa de julho, Lula cresceu 15 pontos porcentuais entre esses eleitores com
até a 4ª série do ensino fundamental e 17 pontos porcentuais na faixa de renda familiar de apenas um
salário mínimo.

São dois indicadores incontestáveis de que Lula se sustenta na base da pirâmide social. Uma estatística
do eleitorado divulgada em julho pelo Tribunal Superior Eleitoral, tendo como referência o grau de
instrução, mostra que (sem contar cerca de 8 milhões de analfabetos) há um contingente de quase 54
milhões de eleitores no Brasil com o primeiro grau completo e o primeiro grau incompleto. Os 58% de
apoio a Lula, nessa faixa, traduzem aproximadamente 30 milhões de votos.

Não se trata de acentuar a disputa polarizada entre o candidato dos pobres contra o candidato dos
ricos, que, certamente, inspirou o slogan do petista: “A força do povo”. A candidatura de Lula transita
nas classes mais altas com mais desenvoltura do que a de Alckmin entre os mais pobres. Lula tem, por
exemplo, 27% de intenção de voto entre os eleitores que ganham acima de dez salários mínimos,
considerados “mais ricos”. E chegou, agora, a 25% de apoio entre os que têm ensino superior.

A disputa de 2006 (muito mais do que em 2002), com um candidato de origem operária em busca da
reeleição, está inserida num cenário de confronto de classes. Embora quase nunca explicitado. A
moldura do choque das candidaturas se dá, principalmente, porque o anti-lulismo cresceu entre a
população mais rica, que, depois da crise do caixa 2 (quando o PT foi apanhado com a boca na botija),
passou a empunhar a bandeira da ética. O problema é que a fisionomia desse movimento está marcada
pela presença de velhos conhecidos dos eleitores. Enfim, contaminada por figuras que enriqueceram
na política à sombra do silêncio imposto pela truculência da ditadura militar.

A votação do candidato tucano, por outro lado, ajuda a compor esse quadro. Alckmin também tem
votos entre os eleitores mais pobres. Poucos, no entanto. Na pesquisa de julho, ele obteve 9% das
intenções de voto entre os eleitores com até a 4ª série do ensino fundamental. Em agosto, quase dobrou
o apoio nesse segmento e chegou a 17%. O candidato tucano ampliou a vantagem sobre Lula nos
eleitores de escolaridade elevada. Em julho, ele tinha 30% (Lula estava com 20%); em agosto Alckmin
subiu para 38% (Lula cresceu para 25%).

Esse bolsão de eleitores, onde se confina a população mais privilegiada (classe média e classe alta),
passa pouco da casa dos 7 milhões. Forma o grupo dos que têm curso superior completo ou
incompleto, segundo a estatística do TSE. Na população eleitoral com renda familiar acima de dez
salários mínimos, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin está 9 pontos porcentuais à frente de
Lula: 32% contra 23%.
Essa situação acirrou antigos preconceitos sociais. Segundo essas vozes, tocadas pelas palpitações do
coração e não pela razão, o apoio a Lula nas camadas mais baixas seria decorrente da ignorância, falta
de instrução e emoção. Em qualquer grupo de eleitores haverá quem seja levado pela emoção. A
maioria, no entanto, sempre vota por interesses concretos. Trata-se do mesmo grupo (ampliado) de
pessoas que em 1994 e em 1998 assegurou a vitória a Fernando Henrique Cardoso, graças aos efeitos
provisórios do bem-sucedido Plano Real. Em 2002, Lula ganhou em razão dos danos colaterais do
plano, como, por exemplo, o alto nível de desemprego.

É uma regra: no Brasil, ninguém ganha eleição presidencial sem o apoio eleitoral da maioria pobre que
significa, no total, cerca de 60 milhões de votos. Há quem faça diferença. Quando votaram em
Fernando Henrique, eram racionais; quando votam em Lula, são ignorantes. Só rindo.

Por sinal, nesta reta final da campanha (a propaganda eleitoral gratuita começa no dia 15 de agosto)
em que a esperança da oposição vem da antena da tevê, é oportuna a lembrança do Plano Real, que
favoreceu uma das raras viradas eleitorais no Brasil. Em 1994, o petista Lula puxava o apoio da
maioria até o mês de julho. Durante o horário eleitoral gratuito, o tucano FHC valeu-se do sucesso do
plano e potencializou seus efeitos. A força da candidatura estava no plano e não na telinha.

Antes disso, em 1986, o então presidente José Sarney fez um truque que favoreceu eleitoralmente o
PMDB. Lançou, em março, o Plano Cruzado e insistiu nele, embora seus efeitos tivessem se esgotado,
para virar o jogo em muitos estados a partir dos programas eleitorais.

Em ambos os casos, os governantes foram os favorecidos. É possível que Lula se beneficie desta vez.
Os números da economia sopram a favor dele, ainda que as previsões do setor produtivo a respeito do
PIB de 2006 não sejam tão otimistas quanto as do governo. Ainda esta semana, quando quatro
institutos de pesquisa apontaram a subida de Lula e a queda de Alckmin, a economia botou mais um
trunfo na mão do presidente: o mais baixo índice do risco-Brasil. Desceu para pouco mais de 200
pontos. Um recorde histórico. Essa queda, para Lula, foi tão comemorada quanto a queda nos
porcentuais de Alckmin.

A avaliação do desempenho do governo e do governante é considerada uma das mais importantes na


definição do voto. Considera-se que a possibilidade de influência da campanha eleitoral para a
oposição guarda uma relação estreita com a popularidade do governante.

Se for verdade, o presidente estaria quase blindado, segundo os dados da pesquisa Vox Populi. A
avaliação de Lula à frente do governo retornou quase aos patamares eufóricos dos primeiros meses de
governo. Ele conta com uma avaliação positiva de 41%, com 37% de regular e 21% de negativo. Por
outro lado, a avaliação do governo é de 54%, ante 34% de desaprovação.

As duas situações em que houve mudanças exploradas com sucesso pelo horário eleitoral surgiram a
partir de dois fatos relevantes: os planos Cruzado e Real. A mídia multiplicou os efeitos. A pesquisa
Vox Populi mostra que a tevê tem força. Mas não a força absoluta.

Segundo a pesquisa, 54% dos eleitores dizem que se informam sobre política “assistindo ao noticiário
na tevê”. A telinha é, também, a segunda referência dos entrevistados: 28%. Em seguida, os eleitores
fazem a cabeça, politicamente, dentro de casa, em conversa com familiares e amigos (tabela na edição
impressa).

Exceto pelo porcentual de rejeição, em que Alckmin vence Lula, todas as outras variáveis favorecem a
candidatura do petista. É claro que a situação não é imutável. Até agora, porém, para mudá-la só
mesmo um fato imponderável.
Edição 409 - Ano XII
Edição 409 - 05/09/2006

ELEIÇÃO 2006
por Redação CartaCapital

CartaCapital declara sua preferência, com transparência e sem hipocrisia

destaquecapa 
Há quatro anos, CartaCapital fez sua opção, declarou explicitamente
preferência pela candidatura Lula no confronto com José Serra. Agora volta a
escolher o presidente no embate contra Geraldo Alckmin. Em 2002, não faltou
quem condenasse nosso comportamento, por considerá-lo impróprio de um
jornalismo isento e pluralista.

Estas definições às vésperas de uma eleição são comuns, no entanto, nas


melhores mídias do mundo. De resto, aqui mesmo, o O Estado de S. Paulo apoiou abertamente a
candidatura Serra, ao contrário dos demais que alardeavam, e impávidos alardeiam, uma eqüidistância
inexistente. Isto, em castiço, chama-se hipocrisia. (...)

O governo Lula ficou longe daquele que teríamos desejado. Tem, entretanto, seu trunfo, a própria
eleição de um ex-metalúrgico, retirante nordestino, para a presidência da República, a despeito da
ojeriza, quando não o ódio, que nutrem por ele os graúdos de vários calibres, e os aspirantes a graúdos.

*Confira a íntegra do texto na edição que chega às bancas nesta sexta-feira

AGORA, A CLASSE MÉDIA


por Maurício Dias

Com 50% das intenções de voto, o presidente Lula supera Alckmin também entre os eleitores que
ganham de 5 a 10 salários mínimos

dcapa 
Lula. 

Alckmin. 

Heloísa. 

Cristovam. 

Lula alcançou 50% das intenções de voto e tornou mais provável a possibilidade de definir a eleição
para a Presidência da República ainda no primeiro turno, segundo a quarta rodada da pesquisa
CartaCapital/Vox Populi. A chegada a esse patamar significa que, além de ter mantido a preferência
dos eleitores mais pobres, o presidente, em busca da reeleição, reconquistou o apoio de uma grande
parte da difusa e inquieta classe média brasileira.

Comparados, os números da pesquisa feita no início de agosto e os números de agora sustentam a


afirmação. Entre os eleitores com ensino superior, Lula pulou de 25% para 34%. Alckmin caiu de 38%
para 32%. Entre aqueles que ganham de 5 a 10 salários mínimos, Lula também inverteu o jogo. Tinha
32% no início de agosto ante 34% do seu principal adversário. Agora o placar é de 44% contra 30%.

Assim, quase toda a pirâmide social ganhou um colorido majoritariamente lulista. O quase fica por
conta da resistência de uma grande faixa dos mais ricos ao metalúrgico Lula. Lá no alto da pirâmide,
onde ele perde para Alckmin, parece mesmo que cinco séculos de discriminação o contemplam.

Nos 25% de intenção de voto que tem hoje o candidato tucano, a população com renda familiar
superior a 10 salários mínimos, identificada nas regras da economia brasileira como a faixa
privilegiada da sociedade, comparece com porcentual expressivo: Alckmin tem 40% de apoio diante
dos 32% de Lula.

É bem verdade que Lula avançou também nesse contingente de eleitores de maior poder econômico.
No início de agosto, segundo a pesquisa CartaCapital/ Vox Populi, ele tinha 26% e Alckmin, 43%. O
petista subiu 6 pontos porcentuais, enquanto o tucano caiu 3 pontos.

Na avaliação do desempenho de Lula à frente do governo também é possível perceber sinais de que a
resistência das classes socialmente mais elevadas é grande. Mas também cede: 29% dos mais ricos e
33% dos mais escolarizados consideram entre “boa e ótima” a performance administrativa do
presidente petista.
Não é possível especular, com segurança, sobre uma eventual condenação ética do governo. Como
93% da população tomou conhecimento da crise, simbolizada pelo que foi chamado de “mensalão”,
por que razão só, supostamente, entre os mais ricos o governo sofre condenação da maioria? Será por
ignorância, como sussurram pelos corredores as línguas mais preconceituosas?

Ou serão os pobres brasileiros menos afeitos à ética que os ricos? Assim, seria aconselhável inverter o
maniqueísmo religioso e dizer que “é mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um
pobre entrar no reino do céu?”

Há outros sinais de que se trata de uma resistência subjetiva que, de qualquer forma, se não é
determinante para o resultado da eleição, é um poderoso foco de resistência ao governo. Não por
acaso, a administração petista, aplaudida pelos avanços expressivos nos programas de assistência
social, mantém quase intocados os mecanismos econômicos (juros, por exemplo) que retardam uma
distribuição de renda eficaz e mais acelerada. Ou seja, para esses eleitores não há razões de ordem
prática para se opor tenazmente ao governo como tem feito.

Parece que existe, nessa história, um fator determinante e, naturalmente, oculto pelos adversários: para
uma grande parte das elites política e econômica, Lula e o PT não parecem ser parceiros
estrategicamente confiáveis no poder. Até agora, pelo menos, ponderariam os mais céticos. Mas, por
enquanto, essa distinção é que se reflete na encarniçada disputa pelo poder travada entre tucanos e
petistas.

Nesse cenário, os outros quatro candidatos fazem o papel de figurantes. A senadora Heloísa Helena,
alavancada por um discurso de forte conteúdo moralista projetado em destacadas aparições do Jornal
Nacional, da Rede Globo, parece ter esgotado sua possibilidade de crescimento. Tinha 11% na
pesquisa anterior e caiu para 9%. Porcentualmente, a notícia mais animadora surgiu para o candidato
Cristovam Buarque: o senador do PDT obteve 100% de crescimento. Efeito, sem dúvida, da
propaganda eleitoral. Só que isso significou sair de 1% para 2% na intenção de voto. Os demais
candidatos permanecem sem alcançar o porcentual mínimo de 1%.

Cristovam atua numa linha moderada de críticas ao governo que, no início, serviu como ministro da
Educação. Ele aposta no discurso da revolução movida pelo ensino.

É um caso oposto ao de Heloísa Helena. Expulsa do PT, ela gira a metralhadora contra os petistas e
contra o presidente. E não segura a língua. Serve, talvez involuntariamente, como linha auxiliar aos
tucanos na denúncia genérica de corrupção no governo. Nesse sentido, nos últimos dias, ela não teve
fôlego para acompanhar as bicadas que os tucanos andam desferindo contra Lula, o governo e o PT.
Eles não fizeram boa colheita no horário eleitoral gratuito.

Ao contrário do que esperavam e anunciavam os líderes tucano-pefelistas, Lula cresceu a partir do


horário eleitoral (artigo de Marcos Coimbra na edição impressa) falando do governo que fez e
Alckmin caiu falando do governo que faria.

A resistência do candidato foi quebrada. Alckmin foi empurrado para uma linha de agressão e
denúncias vagas de escândalo. Numa sabatina promovida pelo jornal O Globo, na quarta-feira 30, o
tucano disse que “Lula está roubando dinheiro do povo”.

O regente dessa nova “banda de música” é inspirado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
autor da frase-guia do pensamento neolacerdista: “O PSDB não tem gosto de sangue na boca”. O
método incita para uma linha de oposição mais dramática, como ele gosta de dizer, a exemplo do que
fazia Carlos Lacerda, que, por sinal, levou o presidente Getulio Vargas ao suicídio, em 1954.
Bornhausen, "essa raça" vai acabar?
Edição 411 - 19/09/2006

O dossiê e o voto
por Redação CartaCapital

Nova pesquisa CartaCapital/Vox Populi indica que o escândalo do dossiê Serra não afetou uma
possível vitória do presidente Lula ainda no primeiro turno.

Lula 
Lula apanha, apanha – e cresce. A nova pesquisa Vox Populi/Carta Capital, em parceria com a TV
Bandeirantes, já pôde avaliar o efeito da crise do dossiê Alckmin-Serra (aquele que relaciona os
candidatos do PSDB ao escândalo dos sanguessugas) na reeleição do presidente da República. A
conclusão é: o efeito é nenhum. E a eleição deve mesmo ser decidida em favor de Lula já no primeiro
turno.

Lula oscilou de 50% para 51%. Geraldo Alckmin cresceu de 25% para 27%. Nos dois casos, as
mudanças estão dentro da margem de erro, que é de 2,2%. Dois mil eleitores foram ouvidos, em todo o
Brasil, do sábado, 16, à terça-feira, 19, período em que a imprensa já bombardeava o PT pela
desastrada tentativa de divulgar o dossiê.

Houve pequenas mudanças na intenção de votos dos outros candidatos. Heloísa Helena, do PSOL, caiu
de 9% para 6%. Christovam Buarque, do PDT, tinha 2% duas semanas atrás e agora tem 1%. Os
demais não aparecem.

Desde maio, vem crise, vai crise, a candidatura Lula navega num mar de estabilidade. O presidente
tem 46% de intenção de voto na pesquisa espontânea (Alckmin fica com 23%). O Instituto Vox Populi
sugere que Lula vence, a menos que venha por aí um tsunami (e a crise do dossiê das ambulâncias, aos
olhos do eleitorado, não parece ser um). O estardalhaço da mídia e as demissões próximas do
presidente não comoveram o eleitorado, a pouco mais de uma semana do voto.

Em sua análise, o sociólogo Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi, aponta as razões da resistência
eleitoral de Lula. E desmonta cinco teses que, segundo ele, são ditados pela má fé, pela desinformação
e pelo preconceito. A de que o eleitor de Lula é “burro”; ou “cínico”; ou “manipulado”; ou
“nordestino”; ou “miserável”. Leia mais na edição impressa de Carta Capital.
O lado escuro do PT
Edição 412 - 21/09/2006

Crise do dossiê OS PETISTAS DO SENHOR


VEDOIN
por Redação CartaCapital

Pense o leitor nas figuras dos compradores de dossiês. Dá para perceber que em sua alma convivem o
inquisidor Torquemada e São Francisco de Assis.

A consciência primitiva costuma se esfalfar para reduzir a vida ao embate do Bem contra o Mal. Tudo
seria, por certo, mais simples. Em troca, a experiência humana perderia a sua complexidade e riqueza
ou até mesmo a sua humanidade. Se os problemas do mundo e da vida se resumissem a essa luta
maniqueísta dos justos contra os pecadores, não existiriam Shakespeare, Dostoievski, talvez Dickens,
para não falar de Kafka e Machado de Assis.

Pense o leitor nas figuras dos compradores de dossiês. Dá para perceber que em sua alma convivem o
inquisidor Torquemada e São Francisco de Assis. Desde a fundação, pequenos grupos de militantes
insuflaram o PT a frêmitos salvacionistas que, em sua exaltação descontrolada, entorpeceram a
compreensão do jogo democrático. In illo tempore, julgavam lícito construir a Cidade de Deus sobre o
cadáver moral dos adversários. Agiam como agem hoje os senhores posudos e engravatados da
oposição. São todos da mesma índole, quem sabe da mesma laia. Ou seja, proclamam a excelência das
próprias intenções, mas, em nome da virtude, corrompem a regra universal.

Na oposição ou no poder, os métodos sobreviveram à falência das virtudes. No episódio atual, vê-se
que abandonaram completamente a ação política lícita e transparente por uma ação obscura. São os
petistas da penumbra que violam regras e se comprometem diante da opinião pública.

O mercado de dossiês desses petistas ou as calúnias de grande parte da oposição não esgotam o
abundante repertório de desrespeitos aos princípios republicanos. É comum nos trópicos, de um lado, a
transformação das prerrogativas funcionais em privilégios individuais e pessoais e, de outro, a
imunidade parlamentar ou de classe exemplarmente exibida pela arrogância oligárquica. Nutrem-se,
ambos, daquele sentimento que assegura serem todos da mesma turma ainda que não sejam da mesma
classe. Esse, sim, é o fenômeno sistêmico que contamina a vida política brasileira. E não é de hoje.

Nos casos da negociação do dossiê Vedoin e da divulgação da entrevista dos envolvidos, a forma
assumida pelo negócio é escancaradamente típica das relações que constituem o sistema de poder e
aumentam as suspeitas de “instrumentalização” da imprensa.
É preciso fazer distinções. Por isso, Lula aplicou um golpe duro no queixo dos petistas que se meteram
no episódio: “Mexer com bandido não dá certo em lugar nenhum do mundo”.
Na democracia brasileira, os cidadãos não exercem participação permanente e efetiva nos negócios do
Estado; são apenas eleitores. É natural, portanto, que nesta democracia sem povo os cuidados com a
coisa pública escapem dos limites da legalidade para atender aos apetites privados ou para saciar os
arreganhos “heróicos” dos funcionários do Estado. Também não é surpreendente que, em
determinados momentos, as massas despontem na busca atônita de uma ética – qualquer ética –, o que
irremediavelmente nos conduz ao “olho por olho, dente por dente”, como pregam os petistas dos
dossiês e as oposições golpistas que, na ânsia de escalar parcos porcentuais nas pesquisas de opinião,
atacam o presidente com adjetivos que desrespeitam a República. É hora de a Justiça funcionar
implacavelmente com uns e com outros.

Espionagem
PROVERA, DEMITIDO E INVESTIGADO

Na mesma semana em que uma desavisada publicação brasileira definia o empresário Marco
Tronchetti Provera como o homem capaz de “mudar tudo” na telefonia, o principal executivo da
Telecom Italia e da Pirelli iniciava um mergulho ao inferno do mundo corporativo, com passagem
garantida pelas páginas policiais. Na sexta-feira 15, Provera foi destituído do comando da operadora
de telefonia italiana. Para a vaga, o conselho de administração nomeou o advogado Guido Rossi.

A nomeação de Rossi não foi por acaso. Ligado à Democracia Socialista, partido do atual primeiro-
ministro Romano Prodi, o advogado comandava a limpeza da liga de futebol após os escândalos de
arbitragem que puniram dois dos mais tradicionais clubes do calcio, Milan e Juventus.

Na terça-feira 19, o Ministério Público italiano ordenou a prisão de cerca de 20 suspeitos de integrar
uma equipe de espionagem montada para produzir dossiês contra empresários, sindicalistas, políticos e
celebridades.

O escândalo bateu às portas de Provera. Reportagem do diário La Repubblica diz que a Promotoria
apontou Giuliano Tavaroli, ex-chefe de segurança da companhia telefônica, como o principal operador
do esquema. Segundo o MP italiano, Tavaroli “gozava de ampla autonomia” e “se reportava somente
ao presidente” da empresa. Ou seja, Provera.
Sustenta ainda o Ministério Público: “O pressuposto fundamental (para o funcionamento da
arapongagem) era a existência de uma consistente, porque não dizer enorme, disponibilidade de
dinheiro proveniente da Telecom e da Pirelli”.

Provera, ao assumir a presidência da operadora de telefonia, virou aliado do banqueiro Daniel Dantas
na disputa pelo controle de empresas do setor no Brasil. A aproximação foi feita por Naji Nahas.
Boatos no mercado davam conta de que, depois de uma negociação frustrada em maio deste ano,
Provera tentava um novo acerto com o dono do Opportunity.

Outro ponto a unir os personagens. Dantas enfrenta processos na Justiça brasileira por grampos e
produção de dossiês contra desafetos, políticos e concorrentes.

O peso de São Paulo


Edição 413 - 03/10/2006

O CONFRONTO FINAL
por Sergio Lirio
O presidente Lula obtém quase 49% dos votos válidos e enfrentará o tucano Geraldo Alckmin no
segundo turno

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O segundo turno das eleições presidenciais oporá, como ocorreu até agora, Luiz Inácio Lula da Silva,
candidato à reeleição, e Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo. O resultado do confronto será
decisivo para o futuro do PT e do PSDB.

O estado que Alckmin governou por seis anos foi decisivo no resultado do domingo, 1º de outubro,
embora sua vantagem na Região Sul também tenha sido expressiva. Os eleitores paulistas deram cerca
de 55% ao tucano. O petista alcançou 36% dos votos válidos. No resultado geral, Lula bateu na trave.
Obteve 48,6%, um ponto porcentual a menos que a maioria simples dos votos, suficiente para encerrar
o embate. Alckmin amealhou 41,6%.

Apesar de a vitória ter escapado por pouco, Lula entra na fase derradeira da corrida presidencial
abalado por não colher um resultado que parecia certo. Um pouco antes da meia noite do domingo 1º,
coube ao ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, falar em nome do candidato. Segundo
Genro, o presidente se declarou “honrado” com o porcentual de votos obtidos.

*Confira a íntegra da reportagem na edição impressa

NA CONTA DOS ALOPRADOS


por Leandro Fortes

Os desdobramentos da compra do dossiê mudaram o curso das eleições

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O clímax. 

Golpe baixo. 

Gênese. 

Estopim. 
O auto-intitulado “grupo de inteligência” da campanha à reeleição de Lula conseguiu o que as teatrais
manifestações do ex-deputado Roberto Jefferson, três comissões parlamentares de inquérito e um ano
e meio de bombardeio da oposição não lograram. Quando a Polícia Federal flagrou os petistas na
tentativa clandestina de comprar um dossiê contra o tucano José Serra, candidato ao governo de São
Paulo, não expunha apenas a relação de uma parcela do Partido dos Trabalhadores com o submundo.
As prisões em um hotel paulistano e a apreensão de 1,7 milhão, em notas de reais e dólares, cerca de
15 dias antes de os brasileiros irem às urnas, mudaram o rumo de uma disputa que, mesmo no auge da
crise política, parecia decidida em favor do atual presidente.

Lula estava em Nova York, onde participaria da abertura dos trabalhos da Organização das Nações
Unidas (ONU), quando foi avisado por assessores da prisão realizada pela Polícia Federal no Hotel
Ibis, em São Paulo. Primeiro, segundo pessoas próximas ao presidente, custou a acreditar no ocorrido.
Faltavam 15 dias para as eleições e o petista surfava nas pesquisas, enquanto os adversários tentavam,
em vão, reverter o desfecho ainda no primeiro turno.

De volta ao Brasil, Lula encontrou o PT e o governo de pernas para o ar. Ainda assim, as primeiras
medições do grupo de marqueteiros a serviço da campanha não haviam captado grandes impactos no
desempenho do candidato. Tanto que, baseado nos números recentes e na resistência da imagem
positiva do governo ao longo da crise iniciada em 2005, o ministro das Relações Institucionais, Tarso
Genro, repetiu a tese da existência de uma dissociação entre a visão dos formadores de opinião e da
maior parte dos cidadãos. “A relação entre o posicionamento da mídia e a vontade do eleitor
demonstra haver uma modificação na estrutura social do País”, disse a CartaCapital.

Genro foi destacado pelo Palácio do Planalto para dar explicações sobre o dossiê. Segundo ele, a
política social do primeiro mandato do PT serviu para criar uma nova classe média, mais pobre, porém
mais digna e politizada. “A classe média alta, remediada e acadêmica perdeu muito de sua influência
no governo Lula”, avaliou o ministro.

Mas nem o mais criativo roteirista de Hollywood nem os que ainda consideram o Brasil uma república
de bananas conseguiriam imaginar um final tão nonsense para uma disputa presidencial. Não bastasse
o pastelão proporcionado pelo “grupo de inteligência petista”, houve o clima de conspiração armado,
conforme apurou a Polícia Federal, pela falsa denúncia de grampo no telefone de ministros do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), encampada pelo presidente da casa, Marco Aurélio Mello. Depois,
em um daqueles lances típicos de irreais dramas políticos, a afirmação extemporânea e cavilosa do
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busatto, sobre a possibilidade de a
entidade analisar novamente um pedido de impeachment contra o presidente.

Por fim, a menos de 72 horas das eleições, o clímax: o vazamento das fotos com pilhas de reais e
dólares apreendidos com Gedimar Passos e Valdebran Padilha no hotel de São Paulo. A história da
distribuição das fotos a jornalistas, obra do delegado Edmilson Bruno, expôs uma disputa interna na
Polícia Federal (texto abaixo) e foi o desfecho da guerra entre governistas e oposicionistas em torno da
divulgação ou não das imagens do dinheiro destinado ao dossiê.

A gênese da compra de denúncias contra Serra está ligada visceralmente ao comitê de campanha do
senador Aloizio Mercadante (PT-SP), candidato ao governo de São Paulo derrotado pelo tucano no
primeiro turno. A Polícia Federal descobriu que Hamilton Lacerda, ex-coordenador de Comunicação
da campanha de Mercadante, havia levado uma mala ao hotel onde estavam Gedimar Passos e
Valdebran Padilha.

Apesar do envolvimento de Lacerda, o petista acabou por colher nas urnas um resultado melhor do que
as pesquisas apontavam. Mercadante teve cerca de 30% dos votos válidos, ante 58% do candidato do
PSDB. Mas a participação do assessor serviu para reforçar a tese, defendida por amigos e assessores
diretos de Lula, de que a compra do dossiê foi obra de um grupo de “aloprados” da seção paulista do
partido.

A história é mais complexa. Desde os primeiros dias da crise, os caminhos levavam ao comitê central
da campanha à reeleição, em Brasília. Por lá havia circulado, inclusive pelas mãos do deputado
Ricardo Berzoini (PT-SP), ex-coordenador nacional, substituído às pressas por Marco Aurélio Garcia
assim que o escândalo veio à tona, um informe sigiloso do grupo comandado por Jorge Lorenzetti, do
PT de Santa Catarina. O documento, conforme revelou CartaCapital na edição 412, de 27 de setembro,
falava, claramente, do conteúdo do dossiê e das negociações em curso, dez dias antes das prisões no
Hotel Ibis.

Do grupo participavam, além de Lorenzetti, o diretor do Banco do Brasil Expedito Veloso e o


coordenador do programa de campanha de Lula, Oswaldo Bargas. Para piorar o clima dentro do
Palácio do Planalto, ao depor na Polícia Federal, Gedimar Passos afirmou ter recebido autorização de
um assessor direto do presidente, o também petista Freud Godoy. Todos os envolvidos, inclusive
Berzoini, presidente do PT e coordenador da campanha de reeleição, foram afastados. Mas ficou o
cheiro de pólvora no ar.

Nas tribunas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a tropa de choque da oposição passou a
entoar, então, a ladainha diária sobre a origem do dinheiro. Foi a maneira mais rápida encontrada pela
cúpula do PSDB para manter a compra do dossiê na crista da onda do noticiário e, por outro lado,
esvaziar a discussão sobre o conteúdo. Tucanos e pefelistas conseguiram praticamente neutralizar a
divulgação do pacote de informações montado pelos Vedoin em Cuiabá. Dele constam fotos,
documentos, recibos e um vídeo que ligam o ex-ministro Barjas Negri, sucessor de Serra no Ministério
da Saúde, com a máfia das ambulâncias.

Atual prefeito de Piracicaba, Negri foi apontado por Luiz Antonio e Darci Vedoin como principal
facilitador, dentro da Saúde, de liberação de verbas para a compra de ambulâncias destacadas no
Orçamento da União por meio de emendas de parlamentares. O intermediário do ex-ministro, segundo
os Vedoin, era o empresário Abel Pereira, amigo de Negri e dono de contratos junto à prefeitura
ocupada pelo sucessor de Serra. Os donos da Planam também relataram à Polícia Federal que, durante
a gestão tucana no ministério, havia muito mais facilidade para receber os pagamentos.

A CPI dos Sanguessugas decidiu investigar a participação de José Serra, Barjas Negri e Abel Pereira
no esquema de corrupção, mas, até agora, ficou apenas no anúncio. Em Piracicaba, Negri foi mais
eficiente. A bancada de vereadores aliados ao prefeito do PSDB conseguiu impedir, por dez votos a
quatro, a abertura de uma comissão para investigar os contratos realizados entre a prefeitura e
empresas da família do empresário Abel Pereira durante a gestão do tucano. “Com certeza, o prefeito
Barjas Negri articulou com sua bancada para que a comissão não fosse aprovada”, disse o presidente
da Câmara Municipal, Gustavo Herrmann (PSB), da oposição a Barjas Negri.

Até o início da semana da eleição, os petistas consideravam a repercussão do caso do dossiê sob
controle. A consulta telefônica junto aos eleitores feita pelo comitê central de Lula – cerca de mil
ligações por dia – indicava uma alteração mínima nas intenções de voto por conta do escândalo do
dossiê. Os dados também passaram a ser utilizados pelos assessores da campanha para definir,
tecnicamente, a ida ou não de Lula ao debate da TV Globo, o último da temporada eleitoral.

O presidente fez mistério até três horas antes do evento. No aeroporto de Brasília, ministros e
assessores se aboletavam na sala vip à espera de uma decisão do presidente, que adiou a viagem quatro
vezes e só anunciou o destino do vôo, São Paulo e não o Rio, minutos antes de o avião decolar.

Ministros lotados no Palácio do Planalto afirmam que o presidente tomou solitariamente a decisão de
não comparecer ao debate. Eram terminantemente contra a participação no programa da Rede Globo o
secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, e o sociólogo Marcos Coimbra, do Vox Populi, instituto
contratado para fazer pesquisas para a campanha à reeleição.

Lula optou por participar do último comício da campanha, em São Bernardo do Campo, seu berço
político. “É fato público e notório o grau de virulência e desespero de alguns adversários, que estão
deixando em segundo plano o debate de propostas e idéias, para se dedicar, quase exclusivamente, aos
ataques gratuitos e agressões pessoais”, escreveu o presidente na carta de recusa enviada à emissora.

No comitê, em Brasília, Marco Aurélio Garcia tentava conter os efeitos da crise em escalada. Ex-
assessor para Assuntos Internacionais, exonerado às pressas para assumir o posto de Ricardo Berzoini,
Garcia manteve a equipe quase intocada, mas desativou o chamado “grupo de análise de riscos” da
campanha. “Era um grupo de inteligência muito pouco inteligente”, ironizou. Dentro do comitê, a
compra do dossiê por petistas ficou conhecida como “Operação Tabajara”, alusão à fictícia empresa de
produtos mirabolantes criada pelos humoristas do Casseta & Planeta.

A primeira missão de Garcia foi afastar qualquer insinuação de vínculo entre Lula e o grupo envolvido
na compra do dossiê. O presidente ficou furibundo ao saber da história e, por isso, ordenou o
afastamento de todos, mesmo o de Berzoini, para dar uma clara demonstração de indignação pessoal
diante do caso. Mas engana-se quem acredita que o resultado das urnas vai enterrar o episódio.
Enquanto a origem do dinheiro não for totalmente esclarecida, e os donos das notas não forem
identificados, o assunto estenderá a crise para além do momento eleitoral.

Garcia teve de resolver uma pendenga com um xará. O ministro Marco Aurélio Mello, presidente do
TSE, havia convocado uma entrevista coletiva com os jornalistas para anunciar a existência de escutas
telefônicas clandestinas. O suposto crime foi detectado por uma empresa privada. Além dele, também
outros dois ministros do TSE, Cezar Peluso e Marcelo Ribeiro, teriam sido grampeados. Na terça-feira
26, um laudo técnico da Polícia Federal informou que não havia grampo algum no tribunal. Mais
ainda, não havia o mínimo indício de que uma escuta tenha sido instalada por lá.

A empresa responsável pelo serviço de rastreamento, até então preservada, teve o nome revelado pela
Polícia Federal: Fence Consultoria Empresarial Ltda. Trata-se da mesma firma contratada pelo
Ministério da Saúde, durante a gestão de José Serra, para serviços de contra-espionagem, mas até hoje
com contrato firmado no órgão. Segundo dados do Siaf, sistema de controle financeiro da
administração federal, entre abril de 1999 e setembro deste ano, foi pago 1,19 milhão de reais à Fence.
Neste ano, o contrato prevê o pagamento de até 1,87 milhão de reais.

O dono da empresa, Enio Gomes Fonteneli, acabou indiciado pela PF por falsidade ideológica e falsa
notificação de crime. Mello, tão rápido e firme na divulgação do suposto grampo, tergiversou ao ser
confrontado com o resultado da Polícia Federal. “Os grampos devem ter sido retirados”, respondeu.

A Fence foi contratada para “detectar a existência e desativar campos magnéticos espúrios” nas linhas
telefônicas do Ministério da Saúde, conforme está previsto no contrato 18/99, firmado entre a empresa
e aquela pasta em abril de 1999. A ela foi creditada, pela cúpula do PFL, a operação de grampo ilícito
que resultou na busca e apreensão feita na empresa Lunus, em São Luís. Na empresa, de propriedade
da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, foi achado 1,34 milhão de reais. O dinheiro, de origem
não registrada, seria utilizado para financiar a campanha de Roseana à Presidência da República, em
2002. A pefelista, líder nas pesquisas das intenções de voto àquela altura, viu sua pré-candidatura
abortada.

O clima esquentou ainda mais com as divergências entre o Ministério Público e a Polícia Federal. Em
Cuiabá, o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, principal responsável do
Ministério Público pela investigação do dossiê anti-Serra, criticou a demora da Polícia Federal em
identificar a origem do dinheiro usado na operação. Segundo ele, em outros casos, o órgão agiu mais
rápido para obter informações semelhantes. Referia-se ao Caso Lunus, onde, aliás, também atuou
como procurador.

Avelar também tratou de pedir, em pleno período eleitoral, a prisão preventiva dos seis petistas
envolvidos na compra do dossiê. A Justiça Federal de Mato Grosso acatou o pedido, embora qualquer
estudante de Direito saiba que, segundo a legislação eleitoral em vigor, ninguém poderia ser preso
desde a manhã de 26 de setembro até 48 horas após as eleições, a não ser em flagrante ou em virtude
de sentença criminal condenatória por crime inafiançável. “A investigação não pode parar por causa
do processo eleitoral”, disse.

A decisão provocou reação do delegado federal Geraldo da Silva Pereira, que investiga o caso do
dossiê em Cuiabá. “É muito fácil pedir a prisão num momento em que não se pode cumprir os
mandados. Foi uma atitude isolada dele. Repudiamos isso dentro de uma investigação nossa”, reagiu
Pereira. Esse é mais um confronto que promete se arrastar até o segundo turno da eleição.

DUAS TRINCHEIRAS
A divulgação das fotos do dinheiro expõe uma luta interna na Polícia Federal

O vazamento das imagens da pilha de dinheiro para pagar por denúncias contra o tucano José Serra,
além de esquentar a corrida presidencial nas horas finais, expôs uma luta interna na Polícia Federal
entre o grupo liderado pelo diretor-geral, Paulo Lacerda, e a turma remanescente do governo anterior.

O pivô da crise foi o delegado Edmilson Pereira Bruno. Na quinta-feira 28, menos de 72 horas antes
das eleições, Bruno presenteou um grupo de jornalistas, na porta da superintendência de São Paulo,
com cópias de CDs onde estavam gravadas as fotos do dinheiro apreendido com petistas no Hotel Ibis.

Desde a prisão de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, em 15 de setembro, as imagens tinham se


tornado uma espécie de Santo Graal para os cavaleiros da oposição. Queriam, como no caso da
Operação Lunus, contra Roseana Sarney, uma imagem capaz de desconstruir a candidatura de Lula e
empurrar a disputa para o segundo turno. A Polícia Federal negou-se a entrar no jogo, conseguiu
colocar o inquérito sob segredo de Justiça, mas foi surpreendida pelo vazamento protagonizado, em
uma calçada da rua, pelo delegado Bruno. O episódio também revela muito sobre a mídia. Foi um raro
caso em que uma fonte conseguiu combinar um off (o da preservação do seu sigilo) não com um, mas
com ao menos seis repórteres. E ao mesmo tempo.

Em entrevista coletiva, no sábado 30, o delegado afirmou não ter agido por motivação política, mas
que distribuiu as imagens por se sentir prejudicado pelo afastamento das investigações. “Tudo o que
fiz foi legal. Fiz porque senti que era a verdade”, disse. O chefe de Bruno, o superintendente em São
Paulo, Geraldo Araújo, ironizou: “Ele teve seus minutos de fama e isso pode ter subido à cabeça”. Em
seguida, duro, definiu o episódio como “muito grave”. “Houve uma quebra de confiança muito grande,
ele quebrou a impessoalidade do trabalho da Polícia Federal”, emendou Araújo.

Além de vazar as imagens, Edmilson Bruno é o autor do ensaio fotográfico em questão. Ele foi um dos
responsáveis pela prisão de Passo e Padilha com o equivalente a 1,7 milhão de reais no Hotel Ibis.
Bruno era o delegado de plantão na noite do dia 15, razão pela qual participou da operação. Em
seguida, foi afastado pelo inquérito, fato interpretado pela oposição, principalmente políticos tucanos,
como uma “operação abafa”, cujo objetivo era manter a investigação sob controle. A Polícia Federal,
sabe-se agora, tinha lá suas razões.

De acordo com dados preliminares da sindicância aberta pela PF, no dia 28, véspera do vazamento,
Edmilson Bruno, mesmo fora do caso, apresentou-se aos peritos da PF e alegou ter sido designado
para acompanhar a perícia do dinheiro. Era mentira. Ao chegar ao laboratório de análises, o delegado
abriu uma bolsa e retirou uma máquina fotográfica digital. Depois de fazer várias fotos dos montes de
notas de dólares e reais, ele ainda pediu auxílio aos peritos para copiá-las em um CD.

No depoimento, Edmilson Bruno afirmou aos responsáveis pela sindicância que o CD foi levado para
uma sala e, lá, teria sumido misteriosamente. “Houve um furto”, mentiu outra vez o delegado. No
sábado 30, pressionado pelos investigadores, admitiu ter entregado as fotos para a imprensa. A PF
investigava, justamente, qual teria sido o objetivo do policial ao participar ilegalmente da perícia, tirar
fotografias e, logo depois, negligenciá-las a ponto de favorecer um vazamento.

Agora, a sindicância trabalha com duas hipóteses, checadas por CartaCapital junto à cúpula da PF: ou
o delegado recebeu dinheiro para fazer o serviço ou participou de uma trama, cujo objetivo era
favorecer as candidaturas de José Serra e Geraldo Alckmin. A partir da confissão do crime, Bruno
corre o risco de ser processado e expulso da PF por quebra de confiança.
Estampadas nas primeiras páginas dos maiores jornais do País, as imagens do dinheiro ganharam mais
destaque do que a notícia do acidente com o Boeing 737-800 da empresa aérea Gol, com 155 mortes, o
maior e mais terrível da história da aviação brasileira.

Antes de as fotos serem distribuídas pelo delegado de São Paulo, a “ala tucana” da PF fez circular, na
quarta 27, e-mails pela corporação dando conta da “utilização política” da instituição. Entre as
acusações estampadas nos e-mails constava, como prova definitiva do aparelhamento petista, a
informação sobre a presença do jornalista François René na chefia da assessoria de comunicação
social do órgão. René, também professor da Academia da Polícia Federal, é filiado ao PPS, partido
que apóia a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência da República. Logo, de oposição a Lula.

No mesmo dia, uma nota oficial da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol),
de São Paulo, criticou o uso “político-eleitoreiro da imagem da Polícia Federal pelo governo federal”.
O texto é assinado pelo presidente em exercício da entidade, delegado Antônio Barbosa Góis. Em
outro trecho, a nota explica que a intenção do manifesto é manter a PF “apartidária” em meio ao
processo eleitoral. Na sede da corporação, em Brasília, o documento dos delegados paulistas – entre
eles, Edmilson Bruno – soou como uma declaração de guerra. Mas não contra Paulo Lacerda.

O alvo dos simpatizantes do PSDB e dos policiais anti-Lula dentro da PF se chama Zulmar Pimentel,
segundo homem na hierarquia da corporação e auxiliar de absoluta confiança de Lacerda. Caso o atual
diretor-geral desista de se manter no cargo, se Lula vencer as eleições, ele é o primeiro nome da lista
para a sucessão. Na semana passada, Edmilson Bruno, ao ser afastado das investigações, fez questão
de vazar para a imprensa que o procedimento visava beneficiar Pimentel.

VOZ DAS URNAS A RELATIVIDADE DOS


VOTOS
por Redação CartaCapital

Qual terá sido de fato o peso da moralidade no contrastante resultado das eleições de 1º de outubro?

Há muito o que pensar sobre a vontade do povo. Muito mesmo. Especulações e análises apressadas,
feitas no calor do resultado das eleições de domingo, não permitem decifrar com segurança a exata
tradução do recado das urnas. São muitas as traduções e, por certo, elas sugerem relativizar as
certezas. E, desde já, inclusive os supostos efeitos da questão ética no destino de vencedores e
perdedores do pleito, mesmo que tenha virado objeto de uso político, cantada e decantada por falsos
arautos da moralidade.

Pode ser fácil, por exemplo, interpretar a votação que prorrogou para o segundo turno a decisão da
disputa presidencial. Não há dúvida de que estão gravados nela os danos provocados pelos grosseiros e
irresponsáveis petistas que não se sabe ao certo se foram protagonistas ou coadjuvantes dessa história.
Uma trama fracassada ou bem-sucedida? Só o tempo consolidará ou desmontará a versão do que se diz
agora.

Terá sido efeito moral? O tamanho do impacto, se o estrago for restrito ao episódio do dossiê dos
Vedoin, pode ser medido pelo porcentual de votos válidos que as pesquisas davam a Lula antes que o
escândalo estourasse. Em números redondos, o presidente tinha 54% das intenções de voto e colheu,
nas urnas, somente 48%. É muito ou pouco 6% de ética na contagem dos votos?

Emblemática, ainda, nos resultados do primeiro turno é a votação obtida pelo candidato Cristovam
Buarque, um ex-petista e ex-ministro de Lula. Com a voz monocórdica de um capelão, ele obteve
modestos 2,67% de votos. Um porcentual modesto, mas suficiente, no entanto, para tirar de Lula a
vitória no primeiro turno.

No estado de São Paulo, viga mestra da votação de Geraldo Alckmin, candidato que se auto-
apresentava como guardião da ética contra a corrupção, o ex-governador Paulo Maluf, sem dizer uma
só palavra em vão, saboreou uma vitória particular ao ressurgir das urnas com quase 800 mil votos.

Votação igualmente expressiva também teve, na Bahia, o pequeno e iracundo deputado Antonio
Carlos Magalhães Neto. A nova eleição de ACM Neto para a Câmara dos Deputados impede que se
diga (pelo menos, por enquanto) que o “carlismo” foi varrido da Bahia. Mas não esconde o fracasso do
avô com as retumbantes derrotas de Paulo Souto, candidato a governador, e a de Rodolfo Tourinho a
senador.

No Sul, onde o vento anti-Lula soprou forte, a decisão da eleição para o governo gaúcho oferece outra
demonstração do problema. A derrota do governador Germano Rigotto que, após oferecer seu nome ao
PMDB para disputar a Presidência, parecia ter uma reeleição garantida. O mesmo eleitor que rejeitou
Lula fez do petista Olívio Dutra o adversário da tucana Yeda Crusius. Rigotto ficou de fora.
Como se sabe, as urnas nem sempre afirmam. Às vezes insinuam. E, com freqüência, preferem falar
por metáforas, como faziam os antigos oráculos. Os crentes, entretanto, nem sempre interpretam
corretamente o que ouvem.

Lula larga na pole


Edição 414 - 10/10/2006

EM FOGO BRANDO
por Leandro Fortes

A origem do dinheiro do dossiê e os detalhes da ligação dos tucanos com os Vedoin só depois do
segundo turno

Vítima. 

Vítima. 
Avelar. 

Abel Pereira. 

O mistério sobre a participação do empresário paulista Abel Pereira e do


ex-ministro da Saúde Barjas Negri, do PSDB, na máfia das ambulâncias
deverá repousar, até o fim da campanha eleitoral de segundo turno, na mesma vala
comum da investigação sobre a origem do dinheiro para a compra do dossiê anti-
Serra. No Congresso Nacional, a CPI dos Sanguessugas patina na falta de informações,
mas tenta correr, solitária, atrás das informações sobre o
conteúdo da papelada. Um relatório encaminhado ao Ministério da
Justiça, pela Polícia Federal, na semana passada, evidenciou a incapacidade de
descobrir, até o fim do mês, de onde veio o equivalente a 1,7 milhão de reais
apreendido em um hotel de São Paulo, em 15 de setembro, nas mãos dos petistas
Gedimar Passos e Valdebran Padilha. <br /><br />Nas informa&ccedil;&otilde;es passadas ao
Minist&eacute;rio da Justi&ccedil;a, a PF alega que, apesar da ansiedade geral sobre a origem do
dinheiro, as investiga&ccedil;&otilde;es est&atilde;o engessadas pelas circunst&acirc;ncias. O
delegado Di&oacute;genes Curado Filho, de Cuiab&aacute;, presidente do inqu&eacute;rito do
dossi&ecirc;, esperava resolver o caso com tranq&uuml;ilidade, caso a elei&ccedil;&atilde;o
presidencial fosse definida no primeiro turno. Com a nova campanha eleitoral nas ruas, e sob
press&atilde;o das candidaturas do PT e do PSDB, ele mandou avisar ser invi&aacute;vel apresentar
uma conclus&atilde;o at&eacute; 29 de outubro, dia da elei&ccedil;&atilde;o. <br /><br />Segundo
informa&ccedil;&otilde;es da PF, &eacute; necess&aacute;rio investigar pelo menos dez corretoras
ligadas ao Banco Sofisa, de S&atilde;o Paulo, respons&aacute;vel pela transfer&ecirc;ncia de 110 mil
dos 248 mil d&oacute;lares apreendidos com outro 1,16 milh&atilde;o de reais no Hotel Ibis.
Al&eacute;m da dificuldade de conseguir a colabora&ccedil;&atilde;o espont&acirc;nea dessas
institui&ccedil;&otilde;es financeiras, todas protegidas pelo sigilo banc&aacute;rio, prev&ecirc;-se
ainda mais morosidade por conta do envolvimento de doleiros. <br /><br />De acordo com a PF, o
processo &eacute; naturalmente demorado porque, a cada descoberta, &eacute; necess&aacute;rio
conseguir autoriza&ccedil;&otilde;es judiciais para quebras de sigilos dos envolvidos. H&aacute;,
ainda, o perigo de, ao investigar as contas dos doleiros, se colocar no olho do furac&atilde;o pessoas
que nada t&ecirc;m a ver com a origem do dinheiro usado para a compra do dossi&ecirc;. Teme-se,
por exemplo, o surgimento de nomes de parlamentares ligados ao PT ou ao PSDB, o que daria
combust&iacute;vel para a fogueira eleitoral. O diretor-geral da Pol&iacute;cia Federal, delegado
Paulo Lacerda, receia, com isso, especula&ccedil;&otilde;es sobre a utiliza&ccedil;&atilde;o
pol&iacute;tica da corpora&ccedil;&atilde;o. <br /><br />Outro complicador &eacute; a dificuldade
de rastrear as notas de reais encontradas pela pol&iacute;cia. O Banco Central informou &agrave; PF
n&atilde;o fazer o registro dos n&uacute;meros de s&eacute;ries das c&eacute;dulas emitidas no
Pa&iacute;s. Por isso, segundo o relat&oacute;rio dos policiais, a origem do dinheiro do dossi&ecirc;
s&oacute; ser&aacute; anunciada antes do fim do segundo turno se os investigadores, num golpe de
sorte, descobrirem alguma resposta na papelada de movimenta&ccedil;&atilde;o financeira das
corretoras. Ou se os principais envolvidos decidirem falar. <br /><br />O principal deles &eacute; o
engenheiro Hamilton Lacerda, ex-chefe da Comunica&ccedil;&atilde;o Social do comit&ecirc; de
campanha do senador Aloizio Mercadante, do PT, candidato derrotado ao governo de S&atilde;o
Paulo. Mas a PF reconhece ser pouco prov&aacute;vel que os envolvidos falem alguma coisa agora,
principalmente porque est&atilde;o orientados pelos advogados a permanecer em sil&ecirc;ncio. Por
isso, vai continuar no rastro do dinheiro. <br /><br />A PF quer saber, ainda, por que o nome de Freud
Godoy, ex-assessor do Pal&aacute;cio do Planalto, foi envolvido na trama por Gedimar Passos. As
investiga&ccedil;&otilde;es apontam para uma total falta de ind&iacute;cios do envolvimento de
Godoy na compra do dossi&ecirc; anti-Serra. Tamb&eacute;m o procurador da Rep&uacute;blica
M&aacute;rio L&uacute;cio Avelar, que pediu duas vezes a pris&atilde;o tempor&aacute;ria do ex-
assessor, est&aacute; convencido da inoc&ecirc;ncia dele. A per&iacute;cia nos celulares de Passos
revelou telefonemas entre ele e Godoy, mas todos os contatos foram feitos em agosto. Naquele
m&ecirc;s, a empresa da mulher do ex-assessor prestou servi&ccedil;os de varredura telef&ocirc;nica
no comit&ecirc; de reelei&ccedil;&atilde;o de Lula e na sede do diret&oacute;rio nacional do PT, em
Bras&iacute;lia.<br /><br />A atua&ccedil;&atilde;o do procurador M&aacute;rio L&uacute;cio
Avelar tamb&eacute;m &eacute; vista com reservas, tanto pelo governo como pela Pol&iacute;cia
Federal. Ele &eacute; identificado como militante da “ala tucana” no Minist&eacute;rio
P&uacute;blico, da mesma maneira que, no passado, o procurador Luiz Francisco de Souza, de
Bras&iacute;lia, era apontado como cabe&ccedil;a da “ala petista” dentro da institui&ccedil;&atilde;o.
A dire&ccedil;&atilde;o do comit&ecirc; de Lula chegou a entrar com uma
representa&ccedil;&atilde;o contra Avelar, a quem acusa de “atua&ccedil;&atilde;o
partid&aacute;ria” a favor do PSDB.<br /><br />Na CPI dos Sanguessugas, foi nomeada uma
comiss&atilde;o para tentar descobrir, em Mato Grosso, se outra informa&ccedil;&atilde;o do
delegado Edmilson Bruno &eacute; verdadeira. Depois de afastado das investiga&ccedil;&otilde;es,
Bruno afirmou que a papelada divulgada pela PF era, na verdade, um minidossi&ecirc;. A pe&ccedil;a
inteira teria cerca de 2 mil p&aacute;ginas. O grupo &eacute; formado pelos deputados J&uacute;lio
Delgado (PSB-MG), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Carlos Sampaio (PSDB-SP). A viagem deles
a Cuiab&aacute; est&aacute; prevista para o in&iacute;cio desta semana. Eles querem conversar com
o procurador M&aacute;rio L&uacute;cio Avelar, o delegado Di&oacute;genes Curado Filho, o juiz
federal do caso, J&eacute;ferson Schneider, e com Luiz Antonio Vedoin. “O que existe na CPI
&eacute; insuficiente para esclarecer o conte&uacute;do do dossi&ecirc;”, diz Vanessa
Grazziotin.<br /><br />De fato, tudo o que a CPI tem &eacute; um envelope conseguido pelo
deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), no qual constam recibos, cheques e o DVD do evento de entrega
de ambul&acirc;ncias, em que o governador eleito de S&atilde;o Paulo, Jos&eacute; Serra, do PSDB,
aparece ao lado de parlamentares ligados &agrave; m&aacute;fia dos Vedoin. Um papel, no entanto,
ainda precisa ser analisado. Nele, Luiz Ant&ocirc;nio Vedoin escreveu, &agrave; m&atilde;o, uma
lista de prefeituras beneficiadas pelo esquema e registrou nas margens um porcentual de 6,5%. Seria,
supostamente, a comiss&atilde;o cabida ao empres&aacute;rio paulista Abel Pereira, da Cicat, ligado
ao ex-ministro da Sa&uacute;de Barjas Negri, do PSDB. Atual prefeito de Piracicaba, Negri sucedeu a
Jos&eacute; Serra na Sa&uacute;de. <br /><br />O problema &eacute; que o Congresso Nacional, em
clima de fim de legislatura, tem pouco tempo, e disposi&ccedil;&atilde;o, para tocar os trabalhos da
CPI. O presidente da comiss&atilde;o, deputado Ant&ocirc;nio Carlos Biscaia (PT-RJ), e o relator,
senador Amir Lando (PMDB-RO), n&atilde;o foram reeleitos. Para piorar, o feriado de 12 de outubro,
na quinta-feira, dever&aacute; provocar um esvaziamento geral do Parlamento. “Pode ser que o
governo n&atilde;o queira esclarecer tudo agora, mas n&oacute;s vamos investigar”, avisa o deputado
J&uacute;lio Delgado. “O que temos na comiss&atilde;o &eacute; absolutamente superficial”, diz o
parlamentar.<br /><br />Ao mesmo tempo, a Pol&iacute;cia Federal abriu um processo de
sindic&acirc;ncia para apurar a participa&ccedil;&atilde;o do delegado Edmilson Bruno no
vazamento das fotos do dinheiro apreendido com os petistas. Bruno participou da apreens&atilde;o
como delegado plantonista, mas, afastado da investiga&ccedil;&atilde;o, infiltrou-se ilegalmente no
laborat&oacute;rio de per&iacute;cia e registrou as imagens dos d&oacute;lares e reais. Em seguida,
distribuiu as fotografias para jornalistas na cal&ccedil;ada em frente &agrave; Superintend&ecirc;ncia
da Pol&iacute;cia Federal, em S&atilde;o Paulo. A dire&ccedil;&atilde;o geral suspeita que o
delegado tenha recebido dinheiro. Caso isso seja comprovado, ele poder&aacute; ser processado
criminalmente e expulso da corpora&ccedil;&atilde;o. Na semana passada, ele entrou de
licen&ccedil;a m&eacute;dica.<br /><br />Para Francisco Garisto, presidente da
Federa&ccedil;&atilde;o Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Edmilson Bruno agiu como
franco-atirador, mas n&atilde;o recebeu dinheiro algum. Segundo ele, o delegado tomou para si a
responsabilidade de dar continuidade a um expediente comum a todas as apreens&otilde;es de valores
feitas pela PF. “Todo dinheiro apreendido sempre foi mostrado”, alega Garisto. Ele lembra que, em
obedi&ecirc;ncia &agrave;s normas do inqu&eacute;rito, o dinheiro foi fotografado no ato de
apreens&atilde;o. Ou seja, as imagens foram registradas antes da a&ccedil;&atilde;o do delegado
Bruno. Para o presidente da Fenapef, a sindic&acirc;ncia deveria ser feita para descobrir quem deu a
ordem para esconder as imagens, e quem a obedeceu. “O melhor seria que os candidatos, tanto do PT
como do PSDB, deixassem a Pol&iacute;cia Federal em paz”, afirma.

POR QUE LULA, SEGUNDO CAPÍTULO


por Mino Carta

Apesar de todas as decepções, o presidente é ainda a melhor opção. Somente ele, na situação, vale
como mediador. Por Mino Carta

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POR QUE LULA, SEGUNDO CAPÍTULO


Apesar de todas as decepções, o presidente é ainda a melhor opção. Somente ele, na situação, vale
como mediador. Por Mino Carta

A três semanas do segundo turno, CartaCapital confirma sua preferência pela candidatura do
presidente Lula. As razões da escolha não mudam, como será provado. Antes algumas
considerações, em parte já feitas neste mesmo espaço, a bem de uma definição cristalina.

O governo Lula ficou bastante aquém das esperanças dos eleitores de 2002 e de CartaCapital, e das
necessidades do País. Pouco se fez para combater o desequilíbrio social, questão primeira na pauta
dos problemas, embora o povo tenha percebido leves progressos, que de fato houve, conforme
números recentes do PNAD.

A política econômica ajoelhou-se aos pés do Deus Mercado, submissa aos dogmas neoliberais, e
descurou da produção. Nem por isso Lula seduziu porção conspícua dos ricos nativos. CartaCapital
não se cansou de criticar o governo, neste e em inúmeros outros pontos da sua atuação.

O PT no poder, depois de ter desfraldado seu comportamento ético por mais de duas décadas,
portou-se como os que o precederam, às vezes sem a mesma sutileza, a qual é fruto da experiência.
A crise incessantemente denunciada pela mídia, a mirar sempre em um único, inescapável alvo, está
longe de ter sido a maior do Brasil. Governos anteriores, a começar pelo de Fernando Henrique
Cardoso, foram muito mais eficientes no desmando. Contavam, porém, com o encantamento dos
jornalistas e dos seus patrões.

O PT pareceu tão hipócrita quanto os demais partidos, além de incompetente na gestão do poder e
das suas próprias conveniências, e navegou entre a trapalhada e o golpe sujo. Ficou claro que um
bom número de petistas não estava à altura da tarefa. Traíram idéias, programas, projetos.

Eis um ponto dolorido. Ao cabo do seu mandato, Lula não poderá afirmar ter promovido varões de
Plutarco a marechais. E nem mesmo a sargentos, cabos, anspeçadas. Na cidade onde nasci, não
seriam escalados para entregar cabritos na véspera de Natal. É quando os ajudantes de açougueiro
saem de bicicleta, a carregar os bichos dentro de um cesto, de onde afloram as perninhas amarradas.
Fossem certos petistas, enfiariam as bainhas entre os raios das rodas e soçobrariam na sarjeta com
seu carregamento.

A conclusão não é animadora. Digamos, porém, que o balanço transcende Lula, é o balanço do
Brasil. Não falta quem tape os olhos diante da evidência, o povo inclusive, a se satisfazer com o gol
do seu time. Basta, contudo, atentar para o pífio crescimento do País, que se repete há mais de duas
décadas, para entender a gravidade da situação. Esta é, de fato, a crise.

Os donos do poder sempre apostaram na resignação do povo, que chamavam de cordialidade. Mas
no abismo a separar ricos de pobres, onde já medram a violência urbana, a guerra do tráfico, o PCC,
a fúria que mata mais de 50 mil brasileiros a cada ano, a raiva armazenada centenas de anos a fio
tem todas as condições de explodir, algum dia, de uma hora para outra.

CartaCapital sustenta há tempo: neste Brasil a risco, por razões que todos conhecemos, embora
tantos finjam ignorá-las, neste Brasil de desigualdades insuportáveis, Lula é, nas circunstâncias, o
mais qualificado mediador entre a minoria abastada, ou quase, e a maioria estacionada entre a
pobreza e a miséria absoluta.

Contribuições ao dossiê da mídia


Edição 416 - 24/10/2006

VANTAGEM AMPLIADA
por Maurício Dias
Lula atinge 56% nas menções espontâneas, recupera terreno no Sudeste e na classe média, e abre 20
pontos de frente em relação ao tucano Geraldo Alckmin

pcapa 
O segundo turno da eleição presidencial pode perder a emoção na sempre acalorada reta final das
grandes disputas. Depois do confronto do primeiro turno com um resultado final apertado, a nova
pesquisa CartaCapital/Bandeirantes/Vox Populi, realizada entre os dias 16 e 17, aponta para um
distanciamento de 20 pontos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin e sinaliza
também, a 12 dias da eleição, que o petista está em ascensão e o tucano, em queda.

Lula saiu do primeiro turno com 48,6% dos votos (arredondados para 49%) na edição anterior da
pesquisa, alcançou 51% e tem agora 57% na estimulada. Alckmin saiu do primeiro turno com 41,6%
(arredondados para 42%), oscilou negativamente para 41% e voltou a 37%. O porcentual de Lula
significa que, se a eleição fosse hoje, ele seria eleito com 61% dos votos válidos (excluídos brancos e
nulos) e Alckmin teria 39%.

O confronto entre os dois já mostrou que, como ensina a tradição, a vitória só pode ser comemorada
depois da apuração. Até porque certos petistas são imprevisíveis. No entanto, a pesquisa espontânea,
admitida como uma decisão mais consolidada da intenção de voto do eleitor (ele cita de cabeça o
nome do candidato), mostra que, efetivamente, Lula é, até agora, o preferido da maioria. Na
espontânea, Lula mantém a frente de 20 pontos porcentuais com 56% das intenções de voto, e
Alckmin com 36%.

Não há grandes alterações nas tendências apresentadas anteriormente pelos eleitores. Os números da
nova pesquisa mantêm a preferência do eleitor mais pobre por Lula (73% contra 23%) e dos mais ricos
por Alckmin (53% a 41%). Com o crescimento do apoio, Lula superou os adversários entre os
eleitores da classe média mais pobre (56% a 37%) e conseguiu um empate numérico com o adversário
entre a classe média mais rica. Ambos têm 47% das preferências na faixa de renda familiar entre 5 e
10 salários.

Na distribuição dos votos pelas regiões do País, Lula melhorou sua posição. Aumentou
avassaladoramente a maioria no Nordeste e diminuiu a distância para Alckmin no Sul, onde o tucano
lidera.

Uma das fragilidades da campanha de Alckmin, nesta etapa, parece estar nos programas eleitorais
gratuitos. No primeiro turno havia uma avaliação equilibrada na opinião dos eleitores. Agora, a
avaliação do programa do candidato do PT é muito maior. Para 52%, os programas de Lula são
melhores. Para 37%, os melhores são feitos pelos tucanos. Quanto aos “comerciais” ou “torpedos”,
aquelas transmissões curtas de cerca de 30 segundos vistas por 72% dos eleitores, os programas de
Lula são também os mais admirados.

As marteladas na questão ética não parecem produzir, portanto, o efeito desejado. Tudo indica que
esse caminho apenas consolida a posição dos que iam votar contra Lula e vice-versa. Entre os eleitores
de Alckmin, 68% dizem que não votariam em Lula em hipótese alguma. Porcentual muito semelhante
forma-se do outro lado, entre os eleitores lulistas: 67% não admitem votar no candidato tucano. Nessa
linha de consolidação de ódio e amor há mais porcentuais parecidos: 87% dos eleitores de Alckmin já
se dizem decididos e anunciam que não mudarão o voto. Entre os eleitores de Lula esse porcentual
alcança 91%.

O fato mais importante na luta pela conquista de votos, no segundo turno, está no porcentual de 10%
dos eleitores de Alckmin que se bandearam para Lula. Este, por sua vez, perdeu apenas 4% dos votos
para o adversário. Isso mostra um dos traços mais favoráveis ao presidente, que busca a reeleição e
demonstra, por outro lado, que o fraco da candidatura Alckmin, nestas alturas, tem sido a baixa
capacidade de agregação.

VITÓRIA ANUNCIADA
por Maurício Dias
Na reta final da campanha presidencial, as pesquisas antecipam o resultado das urnas e apontam para a
reeleição de Lula

extracapa 

Efeitos da tevê. 

A última rodada da pesquisa CartaCapital/Band/Vox Populi, concluída na quarta-feira 25, indicou que,
a quatro dias do segundo turno da eleição presidencial, já parecia consolidada na cabeça dos eleitores.
Lula, em alta, estava com 61% das intenções de voto e Alckmin, em baixa, tinha 39%, considerados os
votos válidos, processo em que, a exemplo do resultado oficial, são descartados os votos brancos, os
nulos e o porcentual de eleitores indecisos.

Pelo processo estimulado, Lula marcou 57% e Alckmin 37%. Na espontânea, os porcentuais baixam
um ponto: Lula tem 56% e Alckmin 36%. Uma vantagem de 20 pontos porcentuais em torno da qual
rondaram todos os resultados das sondagens de votos realizadas na reta final do domingo decisivo de
29 de outubro.

Com esses números, só restava ao tucano Geraldo Alckmin, católico fervoroso, esperar por um
milagre ou por algo parecido, como, por exemplo, um fato espetacular, inquestionável e com alcance
amplo e imediato. O pátio para esse acontecimento de última hora poderia ser o palco da TV Globo,
durante o debate da noite de sexta-feira 27.

O desempenho espetacular de Alckmin, com um nocaute em Lula no último round dessa briga política
– e sob os holofotes da televisão –, formaria as circunstâncias que tirariam a reeleição do presidente.
Sem isso, no dia 29 de outubro, o resultado oficial da Justiça Eleitoral confirmará, inevitavelmente, as
intenções de voto captadas por todos os institutos de pesquisa.

Ao presidente Lula coube tentar adotar um comportamento de prudência. Embora tenha sugerido a
aliados e assessores não calçar o “sapato alto”, foi impossível, para ele próprio, evitar escorregadelas
nos discursos finais da campanha.

A pesquisa testou as motivações do voto em Lula (tabela na edição impressa). É sintomático,


considerando o recorde histórico de avaliação positiva de governo, conseguida pela administração
Lula, que 51% das intenções de voto em Lula são sustentadas “pelas ações e realizações do governo
dele”. A administração e a história de Lula formam um universo de 26% de eleitores que justificam o
voto nele por essas duas razões somadas. Curioso: 8% votam em Lula por exclusão. Esses eleitores
vão “lular” por falta de opção: como dizem, nenhum outro candidato os convenceu. A maioria deles se
concentra na Região Sudeste: talvez aqui se localizem os eleitores que optam pelo voto mais radical.
Lamentam, certamente, a derrota da senadora Heloísa Helena ainda no primeiro turno.

Por outro lado, vários fatores contribuíram para essa anunciada derrota de Geraldo Alckmin. Uma
delas é o encolhimento eleitoral de Alckmin. O tucano terminou o primeiro turno com 41,6% dos
votos válidos. Supostamente em alta. Na largada para o segundo turno, ao absorver cerca da metade
dos eleitores de Cristovam Buarque e a maioria dos votos de Heloísa Helena, ele chegou a 45% das
intenções de voto. A partir daí, desceu a ladeira e estancou no patamar em torno de 39% dos votos
válidos. Isso significa que, na pele de presidenciável, Geraldo Alckmin terá mantido o mesmo
tamanho de José Serra. Na disputa de 2002, o tucano agora governador eleito de São Paulo obteve
38,7%. O petista foi eleito com 61,2% dos votos. Um porcentual exatamente igual ao que a pesquisa
Vox Populi aponta agora.

Mas é bom considerar que as curvas das sondagens de opinião dos eleitores sinalizam para Lula em
alta e Alckmin em baixa. Não seria surpresa, portanto, se na apuração dos votos, o presidente se
reeleger com um porcentual superior ao de 2002. Se isso ocorrer, Alckmin ficará aquém do que Serra
conseguiu na disputa anterior.

No cenário da pesquisa do voto estimulado a explicação para a consolidação da vantagem de Lula


sobre Alckmin pode ser encontrada no cruzamento do voto por região (tabela ao lado). Os números
moveram-se de forma mais expressiva na populosa Região Sudeste e, também, no Centro-Oeste e
Norte. Sempre favoravelmente a Lula.

No Sudeste, onde cerca de 50 milhões de votos estão em disputa, Lula abriu 9 pontos sobre seu
adversário. Na pesquisa anterior, de 13 de outubro, Lula tinha 6 pontos de frente. Ele oscilou
positivamente de 49% para 50%. Alckmin caiu de 43% para 41%.

No Centro-Oeste e Norte, onde Alckmin foi vitorioso no primeiro turno, Lula deu um passo largo. Em
uma semana ele avançou 7 pontos. Saiu de 54% para 61%. Note-se que ele conquistou o apoio de
Blairo Maggi, do PPS, governador eleito por Mato Grosso. Alckmin perdeu 6 pontos nessa região:
caiu de 39% para 33%.

Em favor de Alckmin os números movimentaram-se no Nordeste lulista e no Sul anti-lulista. Entre os


nordestinos, o presidente perdeu 4 pontos. Desceu de 78% para 75%. Já entre os gaúchos, a vantagem
de 10 pontos que o tucano tinha, na eleição anterior, aumentou para 14 pontos.

A distribuição dos votos nas faixas sociais oscilou dentro da margem de erro, sempre na direção de
Lula. Há um movimento um pouco mais forte na distribuição do voto por escolaridade do eleitor. O
petista subiu 4 pontos porcentuais entre os eleitores com grau de instrução superior: saiu de 38% para
42%. Alckmin baixou de 52% para 50%.
Sem que ocorra um “milagre” que mude a direção do vento, os eleitores, de um lado e de outro, estão
maciçamente convictos do voto que pretendem confirmar nas urnas. Nesse quesito, Lula leva também
uma pequena vantagem (tabela ao lado). Enquanto a consolidação do voto em Alckmin é de 90%, a de
Lula é de 93%.

Essa consolidação é confirmada pelo índice de rejeição, muito parecido, entre os eleitores de um e de
outro candidato: 68% dos entrevistados que vão votar em Alckmin dizem que não votariam em Lula
“de jeito nenhum”. Entre os que prometem votar em Lula, há um contingente de 65% que, por sua vez,
não votariam no tucano “de jeito nenhum”.

Os focos de resistência a Lula, como já se sabe, estão entre os eleitores do Sul (78%) e entre aqueles
com renda familiar acima de dez salários mínimos. A maioria que rejeita Alckmin deslocou-se, dentro
da margem de erro, do Nordeste para o Centro-Oeste e Norte onde, agora, 67% não votariam no
tucano “de jeito nenhum”. Entre os mais pobres, com renda de até um salário, 68% recusam Alckmin.

A trama que levou ao segundo turno


Edição 415 - 17/10/2006
OS FATOS OCULTOS
por Raimundo Rodrigues Pereira
A mídia, em especial a Globo, omitiu informações cruciais na divulgação do dossiê e contribuiu para
levar a disputa ao 2º turno. Confira a íntegra da reportagem

dcapa 

Preocupação. 

Visita à PF. 

A cena. 

Assunto único. 
Modus operandi. 

Resposta. 
1. Pode-se começar a contar a história do famoso dossiê que os petistas teriam tentado comprar para
incriminar os candidatos do PSDB José Serra e Geraldo Alckmin pela sexta-feira 15 de setembro,
diante do prédio da Polícia Federal, em São Paulo. É uma construção pesada, com cerca de dez
pavimentos, de cor cinza-escuro e como que decorada com uma espécie de coluna falsa, um
revestimento de ladrilho azul brilhante, que vai do pé ao alto do edifício, à direita da grande porta de
entrada. Dentro do prédio estão presos Valdebran Padilha e Gedimar Passos, ligados ao Partido dos
Trabalhadores e com os quais foi encontrado cerca de 1,7 milhão de reais, em notas de real e dólar,
para comprar o tal dossiê. Mas essa notícia é ainda praticamente desconhecida do grande público.

É por volta das 5 da tarde. A essa altura, mais ou menos à frente do prédio, que fica na rua Hugo
Dantola, perto da Ponte do Piqueri, na Marginal do rio Tietê, na altura da Lapa de Baixo, estaciona
uma perua da Rede Globo. Ela pára entre duas outras equipes de tevê: uma da propaganda eleitoral de
Geraldo Alckmin e outra da de José Serra.

Com o tempo vão chegando jornalistas de outras empresas: da CBN, da Folha, da TV Bandeirantes. E
a presença das equipes de Serra e Alckmin provoca comentários. Que a Rede Globo fosse a primeira a
chegar, tudo bem: ela tem uma enorme estrutura com esse objetivo. Mas como o pessoal do marketing
político chegou antes? Cada uma das duas equipes tem meia dúzia de pessoas. A de Serra é chefiada
por um homem e a de Alckmin, por uma mulher. As duas pertencem à GW, produtora de marketing
político. Seus donos foram jornalistas: o G é de Luiz Gonzales, ex-TV Globo, e o W vem de Woile
Guimarães, secretário de redação da famosa revista Realidade, do fim dos anos 1960. Entre os
jornalistas, logo se sabe que foi Gonzales quem ligou para a Globo, avisando do que se passava na PF.

E quem avisou Gonzales? Foi alguém da Polícia Federal? Foi alguém do Ministério Público, de
Cuiabá, de onde veio o pedido para a ação da PF? Uma fonte no Ministério da Justiça disse a
CartaCapital que as equipes da GW chegaram à PF antes dos presos, que foram detidos no Hotel Ibis
Congonhas por volta da 6 da manhã do dia 15 e demoraram a chegar à sede da polícia. Gente da
equipe da GW diz que a empresa soube da história através de Cláudio Humberto, o ex-secretário de
imprensa do ex-presidente Collor, que tem uma coluna de fofocas e escândalos na internet e que teria
sido o primeiro a anunciar a prisão dos petistas.

Pode ser que sim, o que apenas leva à pergunta mais para a frente: quem avisou Cláudio Humberto?
Mesmo sem ter a resposta, continuemos a pesquisar nessa mesma direção: a de procurar saber a quem
interessava a divulgação da história do dossiê e como essa divulgação foi feita. Para isso, voltemos à
região do prédio da PF duas semanas depois.

2. É 29 de setembro, vésperas da eleição presidencial, por volta das 10h30 da manhã. Sai do prédio da
PF na Lapa de Baixo o delegado Edmilson Pereira Bruno, 43 anos, que estava de plantão no dia 15 e
foi o autor da prisão de Valdebran e Gedimar. Ele convida quatro jornalistas para uma conversa: Lilian
Christofoletti, da Folha de S.Paulo, Paulo Baraldi, de O Estado de S. Paulo, Tatiana Farah, do jornal
O Globo, e André Guilherme, da rádio Jovem Pan. Bruno quer uma conversa reservada e propõe que
ela seja feita a cerca de um quarteirão dali, na Bovinu’s, uma churrascaria. Um dos jornalistas
argumenta que ali “só tem policial”. O grupo acaba conversando perto da Faculdade Rio Branco, que
não se avista da frente da PF, mas é também ali por perto. Ficam na rua mesmo. O delegado não sabe,
mas sua conversa está sendo gravada.

Bruno diz que quer passar para os jornalistas cópia das fotos do dinheiro apreendido com os petistas,
que estavam sendo procuradas há muito, por muita gente. Leva um CD com as imagens, 23 fotos; e
três CDs em branco para que eles copiem as imagens de modo a que cada um tenha uma cópia. Fala
que eles devem dizer “alguém roubou e deu para vocês”, para explicar o aparecimento das fotos. Diz
que ele próprio vai dizer coisa parecida a seus chefes na PF, que os jornalistas é que o roubaram:
“Doutor, me furtaram. Sabe como é que é, não dá para confiar em repórter”. Recomenda que as fotos
sejam editadas em computador com o programa Photoshop para tirar detalhes, como o nome da
empresa na qual as células foram fotografadas, a fim de despistar a origem do material.

Algumas pessoas têm a fita de áudio com a conversa do delegado Bruno com os quatro repórteres.
Mais pessoas ainda a ouviram. Uma delas é o repórter Luiz Carlos Azenha, que tornou públicos vários
de seus trechos no seu site pessoal na internet “Vi o Mundo, o que nunca você pode ver na tevê”.
(http://viomundo.globo.com/). Azenha, que é repórter da TV Globo, não quis dar entrevista a
CartaCapital. Pediu que se procurasse a emissora. Para o que mais interessa ao desenrolar da nossa
história, dos trechos da fita, deve-se destacar a preocupação de Bruno em fazer com que as fotos
chegassem no dia ao Jornal Nacional. “Tem alguém da Globo aí?”, pergunta ele. Um dos quatro
responde: “Tem o Bocardi”. “Não é o Tralli? O Tralli está muito visado”, Bruno diz, referindo-se a
César Tralli e ao incidente, conhecido de muitos, de esse repórter da TV Globo ter podido
acompanhar, praticamente disfarçado de Polícia Federal, a prisão de Flávio Maluf, filho de Paulo
Maluf.

Mas a preocupação principal de Bruno é a que ele reitera nesse trecho: “Tem de sair hoje à noite na
tevê. Tem de sair no Jornal Nacional”.

3. As fotos são divulgadas, como veremos no capítulo seguinte, com imenso destaque, no dia 29,
vésperas das eleições, repita-se, no JN. Mas não apenas no JN. Veja-se a Folha de S.Paulo, por
exemplo. Lá também a divulgação foi, pelo menos na opinião de alguns, espetacular: “Que primeira
página mais linda, a de 30/9. É por isso que eu não consigo me separar da Folha”, escreveu o leitor
Euclídes Araujo, no dia seguinte. “A glosa, a irreverência, a fina ironia falaram mais alto, mostrando
aquela montanha de dinheiro em cima e, embaixo, Lula, sendo abraçado por uma mão morena e
cobrindo o rosto, como se fosse um meliante conduzido ao distrito, tentando esconder a identidade. O
que eles querem, o Pravda ou o Granma? Valeu, Folha!”

A Folha publicou, com grande destaque na primeira página, a foto na qual o dinheiro está empilhado
de forma que as notas apareçam com a frente voltada para o leitor e que foi feita de baixo para cima,
que é a que mais dá a impressão da “montanha de dinheiro” citada pelo admirador do jornal. E não
divulgou que as fotos lhe tinham sido passadas por um policial visivelmente empenhado em fazer com
que elas tivessem um uso político claro, de interferir no pleito de 1º de outubro.

A Folha também tinha a fita de áudio, que foi levada por sua repórter. A editora-executiva do jornal,
Eleonora de Lucena, não quis responder por que omitiu as informações dessa fita, a nosso ver tão
relevantes. Alguns dos quatro repórteres que receberam as fotos do delegado Bruno, ouvidos para esta
matéria, disseram em defesa da tese de que o áudio não deveria ser divulgado, com o argumento de
que o jornalista deve preservar o sigilo da fonte, com o que concordamos. Mas perguntamos a
Eleonora: por que ela não deu a informação de que se tratava de uma intervenção política no processo
eleitoral, publicando os trechos da fita de áudio, que tornam isso explícito, mas sem citar o nome da
fonte?

O mais curioso, para dizer o mínimo, é que a Folha publica, junto com as fotos do dinheiro, uma
matéria (“Imagens foram passadas em sigilo à imprensa”) na qual conta o que o delegado Bruno disse
depois, na tarde do mesmo dia 29, ao conjunto de jornalistas, na frente da PF. No texto, assinado pela
repórter do jornal que recebeu as fotos de Bruno pela manhã, se diz: “O delegado Bruno disse, ontem,
em coletiva à imprensa, que o CD com as fotos havia sido furtado de sua sala, na PF – e que ele estava
sendo injustamente acusado de ter repassado o material aos jornalistas”. Pergunta-se: qual é o sentido
de publicar uma informação que a jornalista sabia que é evidentemente mentirosa e, no caso, ainda
ajudava o policial a tentar enganar a própria imprensa?

O Estado de S. Paulo do dia 30 publica a mesma foto, das notas em posição de sentido. E com um
texto, assinado por Fausto Macedo e Paulo Baraldi, ainda mais incrível, também para dizer o mínimo.
O texto é praticamente uma diatribe contra o PT e em defesa de José Serra. Diz que a publicação das
fotos é a abertura “de um segredo que o governo Lula mantinha a sete chaves”. Diz que o dinheiro
veio de quem “pretendia jogar Serra na lama dos sanguessugas”. É também uma espécie de defesa do
delegado Bruno, em favor do qual são ditas algumas mentiras. O texto diz que as fotos foram feitas
por “um policial da Delegacia de Crimes Financeiros (Delefin)” na sexta-feira dia 15 de setembro. E
que o delegado Bruno comandou uma perícia nas notas, a serviço da Polícia Federal, na sala de
conferências da Protege S.A. Proteção e Transporte de Valores, em São Paulo. De fato, como se
saberia no mesmo dia 30 em que o texto de Macedo e Baraldi sai publicado, as fotos foram feitas pelo
próprio delegado Bruno, depois de enganar os peritos que analisavam as notas, dizendo-se autorizado
pelo comando da PF. Pela infração, o delegado está sendo investigado por seus pares.

4. Tanto o Estado como a Folha dividem a primeira página do dia 30 entre a notícia das fotos do
dinheiro e uma outra informação espetacular: a da queda do Boeing de passageiros da Gol com 154
pessoas, depois de um choque com o Legacy da Embraer, o jatinho executivo a serviço de empresários
americanos. No dia 29, no Jornal Nacional, da Globo, no entanto, não há espaço para mais nada: a
tragédia do avião da Gol não entra; o noticiário eleitoral, com destaque para as fotos do dinheiro dos
petistas, é praticamente o único assunto.

É uma omissão incrível. O Boeing partiu de Manaus às 15h35, hora de Brasília. Deveria ter chegado
em Brasília às 18h12. Quando o JN começou, a notícia do desastre já corria mundo. No site Terra, por
exemplo, às 20h10 uma extensa matéria já noticiava que o avião da Gol havia desaparecido nas
imediações de São Félix do Araguaia, na floresta amazônica; e a causa apontada era o choque com o
avião da Embraer.

Qual a razão da omissão do JN? A emissora levou um furo, como se diz no jargão jornalístico, ou
decidiu concentrar seus esforços no que lhe pareceu mais importante?

Qualquer que seja o motivo, o certo é que a questão da divulgação das fotos mobilizou a cúpula do
jornalismo da tevê dos Marinho. Como vimos, Bruno fora informado pelos jornalistas que Bocardi, da
TV Globo, estava entre os jornalistas diante da PF no dia 29. Bocardi é Rodrigo Bocardi, repórter da
TV Globo, que atendeu CartaCapital com muita má vontade. Disse que a matéria acabara sendo
apresentada por César Tralli e não por ele; e não quis dar mais informações. De alguma forma, no
entanto, tanto a fita de áudio com a conversa de Bruno com os jornalistas quanto o CD com as
imagens do dinheiro foram passados à chefia de jornalismo do JN em São Paulo e de lá foram levadas
a Ali Kamel, no Rio.

Kamel é uma espécie de guardião da doutrina da fé, o Ratzinger da Globo, como dizem ironicamente
pessoas da organização dos Marinho, que criticam o excesso de zelo deste que é um editor em última
instância de todo o noticiário político da emissora carioca. A crítica relembra o papel do cardeal
Joseph Ratzinger, atualmente papa Bento XVI, no papado de João Paulo II.

Compreende-se por que a decisão sobre o que fazer com o áudio e com as fotos tivesse de ser tomada
pelas mais altas autoridades da emissora. Se divulgasse o conteúdo exato das duas informações, a
Globo estaria mostrando que o delegado queria usar a emissora para os claros fins políticos que
manifestava e que a emissora tinha feito a sua parte nesse projeto. A saída de Kamel – aparentemente,
segundo relato de terceiros, ouvidos por CartaCapital, já que ele mesmo não quis se manifestar – foi a
de omitir qualquer referência à existência do áudio: “Não nos interessa ter essa fita. Para todos os
efeitos, não a temos”, teria dito Kamel. A informação complicava a Globo. A informação sumiu.

5. O comportamento da Globo na cobertura do caso do dossiê provocou reclamações de vários


funcionários da emissora, desde o início. Já na segunda-feira após o estouro do caso, dia 18 de
setembro, houve conversas de alguns deles com Luiz Cláudio Latgé, diretor de jornalismo da TV
Globo em São Paulo. A reclamação básica àquela altura era a de que não havia um tratamento igual
para as duas pontas da história. A ponta que envolvia “a podridão dessa banda sindical petista”, como
dizia um desses funcionários revoltados, referindo-se aos chefes da operação do dossiê no comitê
eleitoral do presidente Lula, era amplamente noticiada. Já a outra, que envolvia articulações de Abel
Pereira, empresário de Piracicaba, com interesses no Ministério da Saúde na época dos governos
tucanos, era praticamente omitida.

Esse viés anti-PT e pró-tucano, que não foi apenas da Globo, mas dos principais jornais e revistas da
imprensa, fez com que ficasse quase omitida do noticiário maior a informação de que a história do
dossiê petista começa com a investigação, pelo grupo de inteligência comandado por Jorge Lorenzetti,
da ida de Abel Pereira a Cuiabá, supostamente para tentar comprar dos Vedoin um outro dossiê, de
informações que poderiam incriminar os tucanos José Serra e Barjas Negri, ministros da Saúde no
governo Fernando Henrique Cardoso. No seu depoimento à Polícia Federal, após a prisão de
Valdebran e Gedimar, Lorenzetti disse que, tanto Gedimar como Expedito Veloso e Osvaldo Bargas,
outros dois petistas depois acusados de envolvimento no caso, foram enviados a Cuiabá numa
operação de contra-espionagem.

Há provas desse trabalho. Nos dias 23 e 24 de agosto, Abel Pereira esteve em Cuiabá e foi espionado
por um fotógrafo, contratado por Gedimar e Veloso, que flagrou o empresário na saída do Hotel
Taiamã. Segundo Lorenzetti disse à PF, Abel tentava comprar, por 10 milhões de reais, as informações
de que os Vedoin tinham contra os tucanos. A Polícia Federal tinha também três telefonemas de Abel
para um parente dos Vedoin no dia 14 de setembro, data em que parece ter sido feito o acerto entre os
petistas e os empresários da venda das ambulâncias superfaturadas conhecida como “operação
sanguessuga”. Os telefonemas de Abel são outra indicação de que dossiês – e não apenas um –
estavam sendo disputados. O dia 14 de setembro é também a data em que Bargas e Veloso
acompanharam a entrevista da IstoÉ com os Vedoin e que resultou na reportagem de capa da revista
naquela semana. A matéria mostrava o que é de conhecimento de todos os jornalistas que pesquisaram
minimamente o assunto: que 70% das 891 ambulâncias comercializadas pela Planam, a empresa dos
Vedoin, entre 2000 e 2004, tiveram suas verbas liberadas nas gestões de Serra e Negri.

É absolutamente razoável supor que Serra e Negri sejam pessoas acima de qualquer suspeita. É
também razoável supor que as negociações de Abel com os Vedoin sejam lícitas, mesmo porque não é
crime comprar informações. É também justo ficar indignado com o baixo nível da política que se
fundamenta no esforço de provar que o candidato adversário ou é ladrão ou está ligado a ladrões. Mas
pergunta-se: por que achar que os petistas são os piores de todos os políticos, a priori, sem investigar o
outro lado? Essa era a pergunta que faziam à direção da Globo alguns dos seus funcionários de São
Paulo.

6. Outra omissão relevante na cobertura, que mostra o partido que a imprensa conservadora assumiu
no caso, é o pouco destaque dado ao comportamento do procurador da República Mário Lúcio Avelar,
que comandou o desencadeamento da operação que levou à denúncia da compra do dossiê pelos
petistas. Avelar é o mesmo procurador cujo trabalho resultou na divulgação, no começo de 2002, das
fotos de dinheiro apreendido na firma Lunus, do marido da atual candidata ao governo do Maranhão,
Roseana Sarney. Na época, ela era pretendente ao cargo de candidata da coligação PSDB-PFL para
disputar a Presidência da República contra Lula. E as pesquisas de opinião pública mostravam àquela
altura uma ascensão espetacular de seu nome, como um dos favoritos a desempenhar o papel do anti-
Lula. As preferências pelo nome dela nas pesquisas de opinião pública aproximaram-se dos índices
que Lula tinha na ocasião e superaram as marcas do outro, que, afinal, acabou sendo o candidato da
coligação conservadora, José Serra. Com a divulgação das imagens do dinheiro apreendido, também
numa operação da Polícia Federal, como agora, também com o vazamento das fotos para a imprensa e,
especialmente, para o Jornal Nacional, Roseana despencou nas pesquisas e acabou ficando fora do
pleito. Mais tarde, ao fim das investigações, o dinheiro foi devolvido à Lunus e se concluiu que nada
tinha ocorrido de ilegal.

Avelar era, na época, procurador da República em Tocantins. De lá foi afastado no fim de 2002 pelo
então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, por ter indiciado políticos com mandato, sem
ter competência legal para fazê-lo (só o procurador-geral pode decidir por esse tipo de ação). Em Mato
Grosso, para onde seguiu depois, Avelar foi o comandante jurídico da Operação Curupira, conduzida
pela Polícia Federal contra funcionários do Ibama e madeireiros, na qual foram presas 93 pessoas,
entre elas Antônio Carlos Hummel, o diretor de florestas do Ibama. Hummel foi para Cuiabá
algemado; pegou quatro noites de cadeia; foi liberado; e, depois, completamente inocentado. Avelar
acabou confessando ao delegado que chefiou a investigação, depois de acompanhar o depoimento
oficial de Hummel, que nem sequer devia tê-lo indiciado.

No caso do atual dossiê, logo no início da denúncia contra os petistas, Avelar insinuou que o dinheiro
para pagamento aos Vedoin era público. Disse, em tom de ironia: “Veja bem, estamos falando de um
partido político (o PT) que tem o comando do País. Não tem mais nada... Só o País. Pode sair de onde
o dinheiro?” No dia 19 de setembro, Avelar pediu a prisão preventiva de Freud Godoy, uma espécie de
segurança pessoal do presidente Lula, que de início passou vários dias em grande destaque nos jornais
como o homem que teria comandado a operação de compra do dossiê. O juiz Marcos Alves Tavares,
da Segunda Vara Federal, rejeitou o pedido de prisão feito por Avelar, e, além da argumentação contra
o pedido, escreveu: é, “no mínimo, contraproducente que um pedido de prisão temporária seja
divulgado na imprensa antes de sua análise pelo juízo”. Desde a manhã circulava a informação da
prisão de Freud pela internet.

Avelar voltou à carga e pediu a prisão preventiva de Bargas, Lorenzetti, Freud, Veloso, Gedimar e
Valdebran, no dia 25 de setembro, às 21 horas, três horas antes, portanto, do horário a partir do qual
não são mais permitidas as prisões de qualquer cidadão, a não ser em caso de flagrante delito, em
virtude da realização de eleições. A juíza Adverci de Abreu autorizou as prisões e enviou a ordem para
a PF, onde o mandado chegou à 1h30 da madrugada; já, portanto, fora do prazo. Alguns jornais, na
linha de ataque ao PT, noticiaram a história com manchetes do tipo “salvos pela Justiça Eleitoral”.
Avelar comentou, reclamando de não poder continuar as investigações: “Houve um pedido de prisão.
A juíza concedeu, mas não pôde prender por causa do período eleitoral. Tem uma investigação. Ela vai
ter de parar por causa do processo eleitoral?”

7. A investigação do procedimento de Avelar é importante por um motivo que o jornalista maranhense


Walter Rodrigues, que ajudou CartaCapital na preparação dessa matéria, chama de “o modus
operandi” do tipo de infração no qual o promotor pode estar se especializando. Ela pode ser definida
assim:

Vive-se um período eleitoral. Procuradores e policiais estão ativos, investigando diversos tipos de
delito. E começam a misturar os trabalhos que estão fazendo com suas preocupações partidárias. E aí
se desviam do mandado que receberam, passando a investigar pessoas e entidades adversárias.

Isso é uma grave violação de princípios da Justiça. Como se sabe, na Idade Média, não havia um
mandado para investigação: não se investigavam delitos; investigavam-se pessoas. Para exemplificar
com o caso em tela: o mandado para a investigação de Cuiabá não era contra os Vedoin, pessoalmente.
Era uma investigação de superfaturamento de ambulâncias e de suborno de parlamentares. No meio da
investigação surgem os telefonemas dos arapongas do PT.

Mas do que os petistas do caso do dossiê são acusados? De comprar informações? Não, porque este
não é um crime tipificado em lei. Porém, como não é a um crime, mas ao PT que se persegue, é
preciso achar outro crime que os petistas possam ter cometido. Depois de ouvir o presidente do PT,
Ricardo Berzoini, dizer que comprar dossiê não é crime, o jornal O Globo, dessa quinta, saiu
exatamente à cata desses crimes. Encontrou advogados que lhe permitiram dizer: “Há duas hipóteses
de o episódio vir a configurar crime. A primeira, se for comprovada a origem ilícita do dinheiro
apreendido com os petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha. Nesse caso, os envolvidos poderiam
ser processados por crime de ocultação de valor proveniente de ilícito (...) A segunda possibilidade é a
de o dossiê conter falsas provas, configurando crime eleitoral de obtenção de documento material ou
ideologicamente falso, para fins eleitorais”.
Os petistas já foram presos, agora trata-se de achar os crimes que possam ter cometido.

*Colaborou Antônio Carlos Queiroz

NÃO DEU NO JORNAL NACIONAL


Por que uma reportagem sobre Abel Pereira, produzida e editada, não foi ao ar? E outras nove
perguntas a Ali Kamel

Por Mauricio Dias

Na quarta-feira 11, a revista CartaCapital encaminhou 10 perguntas à Rede Globo, indagando sobre
os critérios da cobertura jornalística adotados no Jornal Nacional durante o primeiro turno da eleição
presidencial.

Eis as questões dirigidas ao jornalista Ali Kamel, diretor-executivo de Jornalismo da emissora:

1. Qual foi o critério adotado para a distribuição de tempo e espaço para os candidatos? Qual o
princípio que norteou o critério adotado?

2. O critério adotado para esta eleição presidencial foi o mesmo das eleições anteriores ou, mais
precisamente, o mesmo da eleição de 2002?

3. Por que, a partir do estouro do escândalo do dossiê, o Jornal Nacional não citou que 70% das
ambulâncias da Planam foram liberadas na gestão do PSDB?

4. O Jornal Nacional, como ocorreu na edição de 23 de setembro, faz referência, com precisão, aos
petistas Oswaldo Bargas, Jorge Lorenzetti e Expedito Veloso como “assessores da campanha do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas, quando se refere, nesse mesmo dia, às relações do senhor
Barjas Negri com Luiz Antonio Vedoin, da máfia das ambulâncias, diz que ele é “ex-ministro do
governo passado”? Não há, no caso, um tratamento desigual? (Em várias edições essa situação se
repete.)

5. Por que, em nenhum momento, o JN não destacou um repórter para a investigação das relações de
Barjas Negri e Abel Pereira em Piracicaba?

6. Temos informações seguras, que podem ser confirmadas pela equipe do SP-TV, de que um diretor
da Globo vetou perguntas politicamente incômodas para o candidato a governador José Serra.

7. Na cobertura das eleições para o governo de São Paulo, os repórteres receberam a orientação de
fazer entrevistas com os candidatos, nas ruas, com perspectivas propositivas. Ao candidato do PT,
Aloizio Mercadante, não era dado espaço para falar do PCC e da perda de controle da ação policial no
estado. Contrariamente, na campanha presidencial, era dado espaço amplo para críticas (justas ou
injustas, não entramos no mérito) ao candidato Lula.

8. Sabe-se que foram produzidas matérias (pelo menos uma) sobre Abel Pereira. A reportagem foi
editada, mas não foi ao ar. Qual o critério adotado nesse caso?
9. A Globo tem o áudio da conversa do delegado que entregou as fotos do dinheiro para a imprensa,
mas não o divulgou. Além disso, adotou critérios diferentes para divulgar as fotos (obtidas
ilegalmente) na véspera da eleição e não divulgar o dossiê de Cuiabá sob a alegação de que o material
estava sob suspeita.

10. É fato que até hoje os telespectadores do JN não viram o governador eleito de São Paulo, José
Serra, discursar na cerimônia de entrega das ambulâncias, ao lado de deputados sanguessugas. Por
quê?

Eis a resposta do jornalista Ali Kamel:


“Se tem uma coisa que tem alegrado a nós, jornalistas da TV Globo, é o alto grau de isenção que
temos conseguido imprimir na cobertura dessas eleições. Essa nossa convicção vem de três fontes:
nossa própria avaliação, que é diária e procura verificar se temos nos conduzido com a isenção a que
nos propusemos; a avaliação do público, que nos chega diariamente por nosso Centro de Atendimento
ao Telespectador, com milhares de telefonemas e e-mails, e pela manifestação de todos os partidos
políticos que têm atestado a isenção de nossos telejornais.

Uma das mais recentes manifestações nesse sentido veio do próprio presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que, em carta à TV Globo, justificando a ausência no debate na antevéspera da eleição,
escreveu: ‘Aproveito para reafirmar o meu respeito à TV Globo e parabenizá-la pelo trabalho isento
que vem fazendo na cobertura destas eleições’”.

Lula larga na pole


Edição 414 - 10/10/2006

POR QUE LULA, SEGUNDO CAPÍTULO


por Mino Carta
Apesar de todas as decepções, o presidente é ainda a melhor opção. Somente ele, na situação, vale
como mediador. Por Mino Carta

Eleitores. 

Eleitores. 
Editorial Busca:
 

POR QUE LULA, SEGUNDO CAPÍTULO


Apesar de todas as decepções, o presidente é ainda a melhor opção. Somente ele, na situação, vale
como mediador. Por Mino Carta
 
A três semanas do segundo turno, CartaCapital confirma sua preferência pela candidatura do
presidente Lula. As razões da escolha não mudam, como será provado. Antes algumas
considerações, em parte já feitas neste mesmo espaço, a bem de uma definição cristalina.

O governo Lula ficou bastante aquém das esperanças dos eleitores de 2002 e de CartaCapital, e das
necessidades do País. Pouco se fez para combater o desequilíbrio social, questão primeira na pauta
dos problemas, embora o povo tenha percebido leves progressos, que de fato houve, conforme
números recentes do PNAD.

A política econômica ajoelhou-se aos pés do Deus Mercado, submissa aos dogmas neoliberais, e
descurou da produção. Nem por isso Lula seduziu porção conspícua dos ricos nativos. CartaCapital
não se cansou de criticar o governo, neste e em inúmeros outros pontos da sua atuação.

O PT no poder, depois de ter desfraldado seu comportamento ético por mais de duas décadas,
portou-se como os que o precederam, às vezes sem a mesma sutileza, a qual é fruto da experiência.
A crise incessantemente denunciada pela mídia, a mirar sempre em um único, inescapável alvo, está
longe de ter sido a maior do Brasil. Governos anteriores, a começar pelo de Fernando Henrique
Cardoso, foram muito mais eficientes no desmando. Contavam, porém, com o encantamento dos
jornalistas e dos seus patrões.

O PT pareceu tão hipócrita quanto os demais partidos, além de incompetente na gestão do poder e
das suas próprias conveniências, e navegou entre a trapalhada e o golpe sujo. Ficou claro que um
bom número de petistas não estava à altura da tarefa. Traíram idéias, programas, projetos.

Eis um ponto dolorido. Ao cabo do seu mandato, Lula não poderá afirmar ter promovido varões de
Plutarco a marechais. E nem mesmo a sargentos, cabos, anspeçadas. Na cidade onde nasci, não
seriam escalados para entregar cabritos na véspera de Natal. É quando os ajudantes de açougueiro
saem de bicicleta, a carregar os bichos dentro de um cesto, de onde afloram as perninhas amarradas.
Fossem certos petistas, enfiariam as bainhas entre os raios das rodas e soçobrariam na sarjeta com
seu carregamento.

A conclusão não é animadora. Digamos, porém, que o balanço transcende Lula, é o balanço do
Brasil. Não falta quem tape os olhos diante da evidência, o povo inclusive, a se satisfazer com o gol
do seu time. Basta, contudo, atentar para o pífio crescimento do País, que se repete há mais de duas
décadas, para entender a gravidade da situação. Esta é, de fato, a crise.

Os donos do poder sempre apostaram na resignação do povo, que chamavam de cordialidade. Mas
no abismo a separar ricos de pobres, onde já medram a violência urbana, a guerra do tráfico, o PCC,
a fúria que mata mais de 50 mil brasileiros a cada ano, a raiva armazenada centenas de anos a fio
tem todas as condições de explodir, algum dia, de uma hora para outra.

CartaCapital sustenta há tempo: neste Brasil a risco, por razões que todos conhecemos, embora
tantos finjam ignorá-las, neste Brasil de desigualdades insuportáveis, Lula é, nas circunstâncias, o
mais qualificado mediador entre a minoria abastada, ou quase, e a maioria estacionada entre a
pobreza e a miséria absoluta.
A PESQUISA E O COMPLÔ
por Redação CartaCapital
Exclusivo: além dos números do Vox Populi, que mostram que Lula tem larga frente de 10 pontos,
CartaCapital revela o complô que levou a eleição para o segundo turno

amanhã 
A primeira pesquisa pós-debate Vox Populi/Carta Capital, com o apoio da Bandeirantes, mostra que
não é subindo a temperatura de suas críticas que o candidato Geraldo Alckmin, da aliança PSDB-PFL,
irá derrubar o resistente favoritismo de Lula.

O atual presidente, candidato à reeleição, já sai da pesquisa Vox Populi/CartaCapital com 50% de
intenções espontâneas de voto – contra 40% de Alckmin. No voto estimulado, Lula tem uma larga
frente de 10 pontos: 55% de votos válidos para ele, 45% para Alckmin. A pesquisa nacional, com
2.000 entrevistados e 2,2% de margem de erro, foi fechada no dia 9. Portanto, depois do debate da
Bandeirantes.

O eleitor, em grande maioria (66%), acha bom que haja o segundo turno. A pesquisa mostra que, em
relação ao debate, a opinião de quem vota não é a mesma dos articulistas da imprensa. Lula ganha de
Alckmin também nesse quesito. Entre os telespectadores, 32% consideram que sua atuação foi positiva
(negativa: 9%). Os que preferem o desempenho do tucano são 30% (negativa: 11%).

Leia a pesquisa completa na edição impressa de CartaCapital.

Confira também uma revelação exclusiva:


O complô que levou a eleição para o segundo turno. Só um aperitivo: ao fundo da conspiração, ouve-
se nitidamente o plim-plim da Rede Globo.

Na edição impressa, nas bancas de São Paulo na sexta-feira (e a partir de sábado em todo o País).

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