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burguesia monopolista
por Maurice Cukierman [*]
Face ao NÃO, entraram na liça, como nos bons velhos tempos, todas as Igrejas – católica,
protestante e judia – num apelo comum ao SIM que, ao fim e ao cabo, não produziu milagre,
mas diz muito acerca da realidade das ameaças que pesam sobre a separação da Igreja e
do Estado, como também sobre a escola pública, ao contrário do que pretendiam Chirac e
Hollande (a violação das leis respeitantes à laicidade do Estado, aquando da morte do
paladino do anticomunismo e ex-locatário do Vaticano, permitiu-nos constatar o que se
preparava).
A atitude dos partidos da burguesia monopolista tradicional não nos espanta muito. Mas, a
oligarquia financeira pôde contar também com representantes seus no seio do movimento
popular que são a direcção e o aparelho do Partido Socialista, sujeitando-os a exporem-se
numa posição difícil perante as massas. Contrariamente aos que pretendem continuar fiés
ao reformismo e alinharam no campo do NÃO, Hollande, Strauss-Kahn, Lang, Aubry e
outros tiraram a máscara e defenderam uma aliança descarada com o liberalismo. Daí, o
terem-se revelado abertamente como liberais-socialistas, socialistas nas palavras e liberais
nos actos. Esta dilucidação das suas posições deve permitir ao movimento popular dissipar
qualquer equívoco a este respeito. É que não há SIM de "esquerda", se "esquerda"
significar "responder às expectativas dos trabalhadores e das massas"! Os que fizeram
campanha a favor do SIM fizeram campanha pela destruição das Caixas de Aposentação
em proveito dos Fundos de Pensões, da Segurança Social e instituições de Providência em
proveito dos bancos e companhias de seguros, pela diminuição dos impostos sobre
rendimentos, por uma política monetarista contra salários e pensões, pelo aumento dos
orçamentos militares e reforço da NATO, pela criação de organismos políticos todo-
poderosos, responsáveis perante... ninguém, pela concorrência livre e não falseada ( ou, por
outras palavras, para que não haja mais empresas públicas nem possibilidade de
intervenção pública que ajude este ou aquele sector da economia ou empresa), pela
privatização contra as nacionalizações, pelas deslocalizações e filosofia da directiva
Bolkenstein... A implementação de um tal programa pode fazer-se com mais ou menos
violência, mas é sempre a política dos monopólios capitalistas contra os trabalhadores: o
velho reincidente do social-liberalismo, Lionel Jospin, não disse, aliás, outra coisa, quando
apontou o carácter heteróclito do NÃO que impediria (pelo menos era o que pensava) a sua
união! Com isso, ele subentendia pura e simplesmente que o campo do SIM era
homogéneo e, portanto, equivalia a reconhecer que a diferença entre a política do PS
maioritário e a de Chirac-Raffarin-Villepin-Sarkozy são, de facto, duas formas de uma
mesma política, o que os eleitores haviam muito bem compreendido em 2002 e reafirmaram
rotundamente em 29 de Maio. As forças democráticas, o movimento popular devem, pois,
deixar esses senhores e essas senhoras sociais-liberais no seu campo, o da reacção, e não
os ajudar a refazer uma falsa virgindade.
Os eleitores do NÃO tiveram ainda de se opor aos falsos sindicatos que, na realidade, são
funcionários da União Europeia, dadas as somas que esta lhes paga de uma maneira ou de
outra, e dirigentes da Confederação Europeia dos Sindicatos e seus cúmplices. Esses
senhores apelaram a votar SIM ao lado das organizações patronais. Le Monde, Libération,
os meios de comunicação social difundiram largamente a sua posição. Em França, ao lado
de Chérèque e da CFDT, o Secretariado Confederal da CGT, contra as decisões do Comité
Confederal Nacional e das federações, apostou maioritariamente no campo do SIM. E não
apenas Le Duigou e os seus amigalhaços do clube de Philippe Herzog, onde convivem lado
a lado patrões, sindicatos amarelos e socio-liberais! Bernard Thibaut tudo fez, nessa altura,
para atenuar o alcance da tomada de posição da direcção nacional da CGT. Também aqui é
necessário que os trabalhadores separem, sem tardança, o trigo do joio, para que essa
gente não possa apodrecer a colheita.
O desafio é importante. A classe dominante precisa, por um lado, das organizações que
continuam a enquadrar e a desencaminhar o movimento popular, confinando-as à
alternância... da mesma política, e, por outro, não pode renunciar ao seu projecto de uma
União Europeia dos imperialismos, que procura construir há cinquenta anos!
A tentativa, à vista, de estender a mão aos partidários do liberalismo social, não pode
separar-se do seu reverso: a reafirmação de que o NÃO seria uma vontade dos eleitores de
verem o Tratado renegociado e que isso não poria em causa a construção europeia! As
forças do campo do NÃO, que se entregam a esta manobra, exactamente como os socio-
liberais e a direita, não compreenderam nada do que se passou em França a 29 de Maio e,
na Holanda, no dia 1 de Junho. De facto, não há lugar para o sonho e para as utopias que
preparam um despertar doloroso. O que se condenou foi uma política, para lá dos matizes
marginais, que, de há cinquenta anos para cá, é a desta União Europeia, no quadro de cada
Estado que a compõe. A UE foi criada para esta política e para nenhuma outra. Por
consequência, reclamar uma renegociação, fazer planos tão miríficos quanto irrealistas,
quer do ponto de vista do conteúdo dos tratados existentes (Roma, Maastricht, Amesterdão
e Nice), quer da relação de forças, é contribuir para um retorno ao seio da dominação
monopolista – PS maioritário incluído – das massas populares. O novo primeiro ministro, de
Villepin, tal como Chirac e Hollande não se enganam quando afirmam que os franceses
querem continuar "a aventura europeia"! Evidentemente, a aventura deles, a dos seus
lucros e das suas prebendas!
Começámos por qualificar como histórica a vitória do NÃO. E são raras na História, nos
períodos não-revolucionários, os períodos em que o povo, contra todo o aparelho de
dominação, rejeita o espartilho a que a classe dominante o quer sujeitar. Mas isso está a
multiplicar-se há alguns anos e o clube vai crescendo: a Noruega por duas vezes, a
Dinamarca por duas vezes, a Irlanda, uma vez, a Bolívia, duas vezes em poucos meses, a
Argentina, o Equador e, agora, a França e a Holanda. E, todas as vezes, sobre questões
relativas à mundialização da exploração pelas forças imperialistas. As "ovelhas negras",
expressão que Chirac pensou ser dissuasiva, tornaram-se um rebanho e, muito
rapidamente, poderá surgir, de novo, um canto que os monopólios e os seus homens de
mão julgaram esquecido: "É a luta final, unamo-nos e amanhã..."
Tradução de MJS.