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ORGANIZAÇÃO

Carolina Rodrigues
João Paulo Ovídio
Luana Aguiar
Priscila Medeiros
ORGANIZAÇÃO
Carolina Rodrigues
João Paulo Ovídio
Luana Aguiar
Priscila Medeiros
SUMÁRIO
07. 50.
APRESENTAÇÃO RAFAEL AMORIM
10. 52.
UM PROJETO ENQUANTO POSSIBILIDADE RAQUEL GAIO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) DE ESCREVIVÊNCIAS
Carolina Rodrigues 54.
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) RODRIGO FERREIRA
13.
TRABALHO SOBRE TRABALHO 56.
Arte como trabalho [livro eletrônico] : João Paulo Ovídio SEMA
estratégias de sobrevivência dos trabalhadores
19. 58.
das artes / realização e curadoria Carolina TRABALHO, ARTE, PENSAMENTO E TAÍSA VITÓRIA
Rodrigues de Lima ... [et al.]. -- 1. ed. -- REALIDADE
Duque de Caxias, RJ : João Paulo Ovidio, 2021. Luana Aguiar 60.
PDF THAÍS BASILIO
23.
POR QUE É PRECISO SER ESTRATÉGICO 62.
Outros organizadores: João Paulo Brito dos Santos PARA SOBREVIVER DA CULTURA? THIAGO SARAIVA
Ovidio, Luana de Oliveira Aguiar, Priscila Medeiros Priscila Medeiros
64.
de Oliveira 28. VINICIUS RIBEIRO
ISBN 978-65-994402-0-5 ÁGUI BERENICE
66.
30. VÍTOR DADS MARTINS
1. Arte 2. Artes - Brasil 3. Artes visuais - AMADOR E JR. SEGURANÇA
Exposições - Catálogos 4. Artistas 5. Cultura PATRIMONIAL LTDA. 68.
6. Estratégias 7. Exposições - Catálogos EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DAS ARTES
32. A PARTIR DE VIVÊNCIAS DA COLETIVA
8. sobrevivência I. Lima, Carolina Rodrigues de. NAPUPILA
ANDRÉA NASCI
II. Ovidio, João Paulo Brito dos Santos. Ana Lobo, Julia Baker e Michaela Blanc
III. Aguiar, Luana de Oliveira. IV. Oliveira, 34.
ARCASI 72.
Priscila Medeiros de SER EDUCADORA MUSEAL HOJE:
36. REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS
21-61057 CDD-709.4 GUILHERME KID DO CAMPO
Brune Ribeiro da Silva
Índices para catálogo sistemático: 38.
LORENA PIPA 76.
1. Estratégias de sobrevivência : Trabalho : Artes ARTE, TRABALHO E DIREITO
40. Mauro Barros
709.4 MAHYRAH A.
79.
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964 42. MINI-BIO / ARTISTAS
MERY HORTA
83.
44. MINI-BIO / CONVIDADES
MÔNICA COSTER
86.
46. TRABALHADORES ENVOLVIDOS
PEDRO CARNEIRO
48.
PV DIAS
APRESENTAÇÃO

Com curadoria e realização subsistência dos profissionais que


de Carolina Rodrigues, João atuam no campo das artes visuais:
Paulo Ovídio, Luana Aguiar e artistas, curadores, professores,
Priscila Medeiros, o projeto Arte mediadores culturais, funcioná-
como trabalho: estratégias de rios de museus e centros culturais.
sobrevivência dos trabalhadores da Além disso, partimos da ideia de
arte se desdobra em três frentes que arte é sim um trabalho impor-
complementares: uma exposição tante para a sociedade, cultural-
virtual constituída a partir de seleção mente e economicamente.
pública, que premiou 20 propostas
de artistas residentes no estado do Arte como trabalho foi construído
Rio de Janeiro; um ciclo de debates coletivamente por um grupo de
por meio de videoconferências pesquisadores. A ideia norteadora
abertas à participação do público surgiu a partir de conversas infor-
com profissionais de diferentes mais, em meados de outubro de
áreas ligadas às artes visuais e, por 2020, a respeito do trabalho na
último, esta publicação/catálogo área de arte e cultura, ou melhor,
em formato e-book. sobre a falta de oportunidades e
a precarização do campo. Enten-
O projeto foi um evento inteira- dermo-nos como “trabalhadores
mente on-line, a fim de promover da arte”, categoria que abarca
o debate sobre a situação de pre- profissionais com formações, ex-
cariedade, formas de resistência e periências e práticas tão diversas,

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foi um passo de suma importância dias 15 a 25 de janeiro e de massi- O ciclo de debates virtuais reali- 2 de março; NaPupila (Ana Lobo,
para fomentar a rede tecida nos va divulgação nas redes sociais, re- zados em nosso canal do YouTube Julia Baker e Michaela Blanc) e Ana
últimos meses. cebemos 133 inscrições de artistas proporcionou a disseminação de Raylander Mártis dos Anjos com
e coletivos residentes em diferentes outras vozes acerca desse assunto, mediação de Luana Aguiar, no dia
A realização das ações que ocorre- localidades do estado, o que nos para além das nossas como cura- 4 de março; Brune Ribeiro e May
ram entre os dias 28 de fevereiro a indicou o alcance descentralizado dores e dos artistas participantes Agontinme com mediação de Pris-
27 de março de 2021 só foram pos- do projeto. Tivemos a grande res- da exposição. Durante as lives, o cila Medeiros, no dia 9 de março;
síveis em razão da Lei nº 14.017, ponsabilidade de analisar cada pro- público presente pode participar Ana Paula Correa e Camilla Rocha
de 29 de Junho de 2020. Nomea- posta e discutir em conjunto quais de modo mais direto no projeto, Campos com mediação de Carolina
da como Lei Aldir Blanc, se destina deveriam integrar a exposição, con- enviando, ao vivo, suas perguntas Rodrigues, no dia 11 de março.
ao setor cultural, a nível nacional, siderando as relações conceituais e e indagações aos convidades. Se
como uma ação emergencial devido formais entre elas. O mais difícil em não há como fugir do distanciamen- Esperamos que essa publicação
ao estado de calamidade ocasiona- exercer a função de curadores foi a to e da falta de interação provoca- seja não somente uma documen-
do pela pandemia de COVID-19. A obrigação de desconsiderar a par- dos por uma exposição virtual, uma tação do projeto, mas que possa
crise sanitária somente evidenciou ticipação de muitos proponentes. vez que ela não gera os encontros trazer alguma contribuição para as
os problemas que já ocorriam em Todes, sem exceção, contribuíram, presenciais tão importantes para pesquisas relacionadas ao campo
nosso país, e no setor cultural, não de algum modo, para o desenvolvi- o florescimento coletivo de ideias, das artes, atravessado pela noção
foi diferente. Infelizmente, vivemos mento das inquietações aqui pro- o ciclo de debates pode aproximar, de trabalho e pelo contexto políti-
em constante estado de emergên- postas. de modo revigorante, curadores, co e social que vivenciamos, tendo
cia, de modo que aguardar pelo convidades, artistas e público. As em mente que as discussões aqui
amanhã nos custa caro. Estamos Através do diálogo frutífero com a lives foram dividas em 4 encontros: colocadas continuam abertas a no-
aqui, resistindo à opressão, insis- proposta curatorial, foram selecio- Mauro Barros e Jac Melo com me- vas proposições.
tindo em ideais, seguindo a jorna- nades as/os seguintes artistas: diação de João Paulo Ovídio, no dia
da na luta pela sobrevivência, vis- Águi Berenice, Amador e Jr. Seguran-
lumbrando futuros possíveis. Nos ça Patrimonial Ltda., Andréa Nasci,
encontros e desencontros da vida, Arcasi, Guilherme Kid, Lorena Pipa,
nos redescobrimos, aprendemos Mahyrah A., Mery Horta, Mônica
com outres e também compartilha- Coster, Pedro Carneiro, PV Dias, Ra-
mos nossas experiências, em uma fael Amorim, Raquel Gaio, Rodrigo
construção coletiva de estratégias. Ferreira, SEMA, Taísa Vitória, Thaís
Por meio do lançamento de um edi- Basilio, Thiago Saraiva, Vinicius Ri-
tal público que esteve aberto dos beiro e Vítor Dads Martins.

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UM PROJETO ENQUANTO tionar a centralidade de certas ins-
tituições que colaboram para a situ-
da força de trabalho gratuita que é
incompatível com a vida de quem

POSSIBILIDADE DE
ação de precariedade a que somos, precisa lidar com as urgências da
todes, submetides. boca2. Ser uma mulher negra, mo-
radora da Zona Oeste do Rio de
ESCREVIVÊNCIAS Tomo aqui, então, a liberdade de
falar em primeira pessoa, embora
Janeiro, que precisa investir, no mí-
nimo, 3 horas do dia para ir e vol-
Carolina Rodrigues seja uma curadoria coletiva. Enten- tar dos principais espaços de arte
do que trazer o lugar de onde falo da cidade, com filho pequeno para
É impossível falar dessa curadoria Embora sejamos, todes, pesquisa- traz um giro de perspectiva em rela- sustentar, fez com que a luta por
sem considerar nossas vivências, dores conectados por nossas tra- ção aos discursos hegemônicos da um reconhecimento capaz de fazer
nossas subjetividades, os lugares jetórias acadêmicas, esse projeto história da arte. Reivindicar o lugar com que meu trabalho com a arte
dos quais falamos. E não há de ser surge a partir das experiências, de de sujeita enquanto curadora e en- fosse remunerado se tornasse algo
diferente no processo curatorial. trocas sobre cotidiano e dificulda- quanto trabalhadora da arte, nes- praticamente impossível.
Tanto em relação às/aos artistas des. Partimos, também, e principal- sa escrita, é, de acordo com Grada
participantes da exposição quanto mente, da observação de trabalhos Kilomba, trazer autoridade para Ter experiência de trabalho institu-
em relação às/aos trabalhadores de colegas artistas que processa- a própria história, me tornando a cional nunca foi uma possibilidade.
convidades, procuramos colocar vam nossas maiores inquietações oposição absoluta do que o projeto As instituições possíveis se concen-
em evidência seus lugares enquan- sobre como sobreviver trabalhando colonial predeterminou. Nesse sen- tram nos espaços mais elitizados
to sujeites. No caso de artistas, com arte. A potência desse ato, de tido, deixo a “outridade” para me mas, contraditoriamente, pagam sa-
com a presença das páginas indivi- não ser uma curadoria que parte de reafirmar enquanto sujeita1. lários irrisórios. Estabilidade e pla-
duais com obras, retrato, mini bio pesquisas teóricas, leituras espe- no de carreira para os cargos mais
e links de acesso para suas redes cíficas e hipóteses, é, justamente, O incômodo que fecunda a idealiza- baixos inexistem. A escala sempre
sociais, trazendo possibilidades trazer alguma humanização dentre ção do eixo conceitual da exposição inclui os fins de semana e/ou horá-
não exploradas em exposições pre- vivências atravessadas por deman- é provocado pela naturalização do rios distintos do escolar. A univer-
senciais. No caso de trabalhadores das de produtividade e densidades fato de que é extremamente difícil sidade era a luta possível, embora
convidades, privilegiando suas tra- que nos causam tanta pressão nas garantir o próprio sustento através árdua, a qual levei conciliando com
jetórias e experiências particulares. funções às quais nos dedicamos. da arte. Para conseguir um espa- trabalhos domésticos e como mo-
Nesse tempo de tanta mecanização Considerar outros processos de ço, é necessário um investimento torista de aplicativo, demorando 8
das relações, queremos saber das produção de conhecimento, validar
2. Termo mencionado por Ana Raylander
pessoas. essas possibilidades, nos coloca 1. KILOMBA, Grada. Memórias da plantação, Mártis dos Anjos na live do dia 4 de março de
episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: 2021. Disponível em: https://www.youtube.
em uma posição que permite ques- Cobogó, 2019, p. 28.. com/watch?v=fs5wkT5S9gQ

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anos para concluir. E quando con-
cluí, a possibilidade mais concreta
do possibilidades de trabalho no
campo artístico, apesar de. TRABALHO SOBRE
de conseguir alguma renda nessa
área foi através de uma bolsa de Se trago algum relato sobre minhas TRABALHO
Mestrado. condições de uma forma mais di-
reta, é para compor a profusão de João Paulo Ovídio
É uma história incômoda, que mos- narrativas que aparecem de uma
tra que não é preciso muito esforço forma ou de outra no nosso proje-
para excluir certos corpos de seus to, cuja ampliação da visibilidade
espaços. Percebam que aqui não se constitui como parte de nosso No livro Arte para quê?, escrito por ram pelo desenho e a gravura, uma
falo diretamente de machismo, ra- objetivo. Observadas as especifici- Aracy Amaral na década de 1980, vez que, para eles, a circulação em
cismo, preconceito de classe. Falo dades, nossas histórias se conec- constrói-se uma narrativa na qual massa era fundamental para al-
de acesso, de possibilidades; sobre tam, justamente, na necessidade afirma terem existido três fases na cançar e transmitir mensagens ao
um sistema que é construído nos de criar verdadeiras estratégias arte brasileira em que os artistas povo. Ao analisarmos o conjunto,
mínimos detalhes para que certos de sobrevivência. Nesse momento, apresentam explícita preocupação torna-se possível afirmar que as
corpos não o acessem, mesmo quan- nossa maior estratégia é apostar com as causas sociais. As duas duas primeiras fases definidas por
do adota o discurso da representati- na força da coletividade. primeiras divisões históricas já ha- Aracy Amaral contemplam obras que
vidade ou da decolonialidade. viam sido anunciadas pelo crítico podem ser inseridas dentro de uma
de arte Mário Barata, na década de iconografia do trabalhador brasileiro.
Estar aqui, hoje, envolvida em um 1950, na própria época da segunda
projeto que pretende levantar essas fase, quando se vivia a expansão Aracy Amaral centra sua pesqui-
discussões, trazendo uma escrevi- do Realismo Social e dos Clubes de sa no século XX, contemplando a
vência que “não pode ser lida como Gravuras. O primeiro recorte, e tam- produção da arte moderna e a ger-
uma história para ‘ninar os da casa bém o mais curto, tem seu início minação da arte contemporânea.
grande’ e sim para incomodá-los Carolina Rodrigues é historiadora da arte nos anos de 1930 e encerramento Existem mudanças de um momen-
pela Escola de Belas Artes da UFRJ e mes- em 1935. Nesse período, o artista to para o outro. Aos poucos, a figu-
em seus sonos injustos”3 significa tranda em Artes Visuais, na linha de Imagem
validar a intenção de não recuar no e Cultura, pela mesma instituição. Atua de de maior destaque foi Candido Por- ração didática perde sua adesão
objetivo de permanecer construin- forma independente em curadoria, pesqui- tinari. Para a geração seguinte, que para a ressignificação de signos, de
sa e produção de exposições. Articula ques- corresponde aos atuantes de 1945 modo que a escolha feita também
tões relacionadas às fronteiras do sistema
3. EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho da arte, relações etnico-raciais e gênero sob a 1956, o pintor será considerado permitiu aos artistas da terceira
de minha mãe um dos lugares de nascimento
da minha escrita. In: ALEXANDRE, Marcos uma perspectiva antirracista e decolonial a um modelo a ser seguido. No lugar fase, na década de 1960, driblar a
Antônio (Org.). Representações performáticas partir da Zona Oeste do Rio de Janeiro. da pintura, os jovens artistas opta- censura promovida pela Ditadura
brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces.
Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007. p. 21.

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Militar. Mas, se dermos um passo texto, “O artista como profissional”, vindicar a integração entre as par- do século XIX, com o advento do
para trás, voltando nossos olhares permite-nos sustentar as motiva- tes, entretanto, tal denuncia a crise Realismo na França, a realidade
para o século XIX, será possível citar ções iniciais para a construção do da função da arte. A preocupação deixa de ser unicamente uma temá-
nomes de vinculados à tradição das nosso projeto. Semelhante ao nosso com a venda se mantém, porque é tica, sendo também uma posição
Belas Artes que também represen- caso, o título faz uso da conjunção dessa atividade que provém a so- assumida por seus adeptos. A de-
taram cenas de labuta. Enquanto “como” para gerar um comparativo, brevivência financeira. A ação tam- claração vai de encontro ao que já
no início dos Oitocentos os artistas sendo “arte como trabalho” o equiva- bém é compreendida como uma va- mencionamos sobre as três fases
viajantes se debruçaram no regis- lente ao “artista como profissional”. lidação, que provoca a sensação de estabelecidas por ela. Nesse senti-
tro dos “tipos” locais, tanto no que reconhecimento e satisfação pes- do, ela nos diz que “em decorrên-
se refere à fauna e flora, como em Segundo Aracy Amaral, a defini- soal. Entretanto, desconhecendo cias, assim, das intensas agitações
relação à população que aqui habi- ção, assim como a função social, os meandros do mercado de arte, o sociais de nosso tempo, o artista se
tava, no final desse período o Rea- de arte e artista, sofreu uma série destino se mostra bastante incerto. sente impelido a participar, ele tam-
lismo, com sua crítica social, abar- de alterações no século XIX, sendo Na arte moderna europeia, as men- bém, com sua produção, de even-
cou a figura do trabalhador e cenas uma das causas as transformações sagens antes encaminhadas para o tos que o chocam vivamente, como
de trabalho. Em vista disso, somos provocadas pela Revolução Indus- público por meio dos quadros dão guerras, revoluções, perseguições,
levados a concluir que, apesar da trial. Se, anteriormente, as pessoas vez às pesquisas formais, ou seja, injustiças sociais”. 2 As chances do
possibilidade de inserir os quadros estavam interessadas em ter um passam a falar de si. Com quem se filósofo e crítico de arte alemão Bo-
no repertório iconográfico aqui dis- ofício, aperfeiçoar o fazer técnico e pretende comunicar? Nas palavras ris Groys ter acessado o livro dessa
cutido, não houve por parte de seus produzir objetos com fim definido, da autora, se “antes o artista sabia autora são baixas, quase nulas em
pintores, com raras exceções, uma aos poucos, se tornou recorrente a quem era seu público”, atualmen- razão da falta de tradução do con-
preocupação com as causas sociais produção sem destino específico. te temos “um público sem rosto, teúdo do português para outro idio-
da época. Sem vínculos oficiais com o Estado tão nebuloso quanto sua obra”.1 E, ma, entretanto, independentemen-
e a Igreja, os artistas se permitiram perguntamo-nos: Quais estratégias te disso, em diversos artigos publi-
No primeiro capítulo do livro, antes criar com maior liberdade fora des- podem ser usadas para mudar esta cados por ele as ideias apresenta-
de adentrar nas divisões constitu- sas instituições de poder. Portanto, situação? Isso ainda é possível? das vão ao encontro dos tópicos que
ídas, ela nos apresenta uma série o contexto histórico aqui apresenta- norteiam o debate “arte como traba-
de discussões gerais, com base nos do indica a separação entre artífice No mesmo texto, mais adiante, Ara- lho”/ “artista como trabalhador”.
pares opositivos: funcionalidade/ e artista, estando, de um lado, o su- cy Amaral afirma que, em meados
disfuncionalidade, necessidade/ jeito que apoia seu fazer na funcio- Provavelmente, o ensaio Sobre o
desnecessidade, utilidade/ineficá- nalidade e, do outro, o que prioriza 1. AMARAL, Aracy. O artista como profissional. In: ativismo artístico é o escrito de Bo-
AMARAL, Aracy. Arte para quê?: a preocupação
cia, politização/alienação. Adotar a contemplação estética. Isso não social na arte brasileira, 1930-1970: subsídios ris Groys que melhor contribui para
como base as reflexões do segundo significa a impossibilidade de rei- para uma história social da arte no Brasil. 1ª
ed. São Paulo: Studio Nobel, 1984. p. 4. 2. Ibid..

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a justificar a existência do nosso poderia então um ativismo que se claro, artistas afirmando que preo- Com a leitura do texto da historiado-
projeto. Interessa-nos especialmen- propõe artístico alcançar seus obje- cupar-se com política seria conta- ra Maria Angélica Melendi, escrito
te o fato de ele atualizar a questão tivos? No mínimo, trata-se de uma minar a qualidade plástica de seu em razão da exposição Entre Nós: a
da funcionalidade, contrapondo ar- contradição. De acordo com Boris fazer com um objetivo utilitário”, figura humana no acervo do MASP,
tes visuais e design. Logo no início, Groys, para o campo do design a igualmente “sempre haverá, por em 2017, no Museu de Arte de São
o autor nos dá a entender que o ati- estetização “significa uma tentativa outro lado, artistas que dirão que Paulo, questionamo-nos acerca da
vismo artístico se diferencia da crí- de torná-los mais atraentes e sedu- toda arte é automaticamente so- possibilidade de conceber uma atu-
tica feita ao sistema da arte e suas tores para o usuário”.4 Em seguida, cial, posto que emana do homem alização na iconografia da arte bra-
instituições, pois o que os artistas nos diz que tudo que antecede a e, assim, indiretamente, reflete seu sileira, especialmente no que diz
buscam com isso é a possibilidade arte moderna deveria ser conside- contexto”.5 Em qualquer período respeito à figura do trabalho/tra-
de por meio da arte “mudar as con- rado design porque abrigava utili- histórico, haverá divergências de balhador na arte contemporânea.
dições da realidade em si”.3 Nesse dade. Tal consideração alude ao opiniões. Nós, particularmente, de- Em sua análise, ela se dedicou a
sentido, os trabalhos representam momento da divisão entre artista e sacreditamos em neutralidade, não escrever sobre Trabalho, do artis-
uma reação, uma tentativa de res- artífice narrado por Aracy Amaral. só na arte, mas em todas as nossas ta mineiro Thiago Honório. A esco-
ponder e/ou de suscitar novas in- Em seu ensaio, o autor alemão nos ações, porque viver é um ato políti- lha nos chamou bastante atenção
dagações. Na arte contemporânea, alerta que a estetização artística se co. Isto posto, os trabalhos selecio- em virtude da ausência de corpos,
o conceito de arte-vida consiste na opõe à estetização do design, dado nados para a exposição Arte como sendo o trabalhador representa-
aproximação entre o fazer artístico que enquanto o primeiro se carac- trabalho, cada um à sua maneira, do unicamente por suas ferramen-
e o cotidiano, e quando isso aconte- teriza por sua desfuncionalização, o convidam-nos a discutir quem nós tas. A historiadora afirma que “as
ce os limites são borrados em prol último se esforça para fornecer me- somos enquanto classe trabalhado- figuras humanas – os corpos – às
de uma experiência do corpo com o lhorias. Logo, é objetivo do design, ra, como nos vemos e como gosta- quais alude o título da exposição,
mundo. Em vista disso, o ativismo e não da arte, mudar a realidade. ríamos de ser vistos, o que fazemos não existem nesta obra ou existem
artístico se propõe a ser uma inte- e porque o fazemos. A construção apenas em estado espectral, nas
gração, na qual os artistas unem Retomando o tópico a respeito da da narrativa se dá para além da marcas deixadas pelas mãos dos
seus trabalhos ao desejo de transfor- perspectiva de conservadores e autorrepresentação do artista. Nós trabalhadores, nos restos da mas-
mação social, para se sentirem úteis. progressistas sobre o ativismo ar- somos o nosso trabalho. No entan- sa ou das tintas que utilizaram, nos
tístico, Aracy Amaral escreveu li- to, não somos só isso, somos muito amassados, nas rachaduras, nas
Se a arte deixou de ter utilidade, nhas acerca da relação entre arte mais – as vivências, os traumas, as gretas”.6 O estranhamento provoca-
como foi dito anteriormente, como e política que também vai ao en- ancestralidades...
contro da oposição criada por Boris 6. MELENDI, Maria Angélica. Aprazível
soberba: sobre Trabalho, de Thiago Honório.
3. GROYS, B.; LEITE, C. A. DE O.; OLIVEIRA, L. S. Groys. Para ela, “sempre haverá, é In: PEDROSA, A.; MIGLIACCIO, L.; (Orgs.). Entre
5. AMARAL, op. cit., p. 5
DE. Sobre o ativismo artístico. REVISTA POIÉSIS, nós: Antologia. A figura humana no acervo do
v. 18, n. 29, p. 201-219, 30 jun. 2017. p. 206 4. Ibid., p. 208 MASP. São Paulo: MASP, 2017. p. 87

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do é necessário para lembrarmos
das invisibilidades, de como muitos
João Paulo Ovídio é mestrando em História
e Crítica da Arte pelo PPGAV/EBA/UFRJ e
graduado em História da Arte pela mesma
TRABALHO, ARTE,
PENSAMENTO E REALIDADE
são reduzidos à mão-de-obra, as instituição. Pesquisa gravura artística
no Brasil, com ênfase na crítica de arte,
imposições de subalternidades. exposições e núcleos de ensino. Atuou como
mediador no SESC, Oi Futuro, Parque Lage,
Casa Firjan, Museu do Meio Ambiente e Paço
Por fim, encerramos cientes de que Imperial. Foi voluntário de pesquisa no Museu Luana Aguiar
D. João VI, Instituto Fayga Ostrower e Centro
ainda há muito para se falar da re- Municipal de Arte Hélio Oiticica. Atualmente é
lação “arte como trabalho”, sendo Diretor Chefe da Revista Desvio.

um universo pouco explorado, lon- Em seu texto Arte sem trabalho?, o conferimos hoje à arte e aos artistas.
ge de ser esgotado. Além disso, se- artista russo radicado nos Estados Na Grécia antiga, o trabalho era para
ria injusto da nossa parte tecer co- Unidos Anton Vidokle formula a os escravos, enquanto os cidadãos
mentários a um grupo específico de seguinte questão: “o trabalho é livres se ocupavam com o livre pensar.
artistas, deixando outros de fora. realmente necessário ou essencial Em relação à arte, os gregos estavam
Afinal, privilegiar determinados no- para a produção de arte?”1 Ao longo da vinculados à tradição da techné, dos
mes em detrimento de outros impli- escrita, Vidokle, dentre outras coisas, portadores de habilidades específicas
caria uma atitude que vai contra ao levanta a ideia da supervalorização mas que eram distantes, no entanto,
que defendemos. Visitar a exposi- do trabalho no âmbito da produção de das atividades do pensamento. A partir
ção virtual, ou até mesmo consultar arte e cultura: “a mim me parece que a do Renascimento, a prática artística se
este catálogo, lhe permitirá acessar arte reside dentro de e entre sujeitos, une ao intelecto e, assim, os artistas
o modo como definimos conceitual- e sujeitos nem sempre demandam passam a reivindicar a posição
mente todo o projeto. Fazendo-nos trabalho para ser produzidos. Por privilegiada de atividade intelectual
visíveis por meio desta iniciativa, exemplo, apaixonar-se ou ter uma tal como as disciplinas da poesia e
não queremos ser rastros, quere- experiência religiosa ou estética não da matemática eram reconhecidas,
mos ser/criar registros. requer trabalho, então por que a arte por exemplo. Um sintoma dessa nova
deve requerer trabalho para existir?”2 mentalidade é que as obras passaram
Nas sociedades mais remotas e a ganhar autoria. Já a ideia romântica
tradicionais, a arte tinha basicamente do artista gênio germina em Kant:
uma função utilitária, decorativa e/ou disposição inata, talento específico,
ritual, um status bem diferente do que faculdade extraordinária que brota
espontaneamente do espírito seriam,
1. VIDOKLE, Anton. Arte sem trabalho? Rio de assim, características de um artista
Janeiro: Zazie Edições, 2016, p. 9.
segundo a estética kantiana. No
2. Ibid., p. 9.

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final do século XIX, Marx aposta na possibilidade de salvação estaria de arte, a despeito do que a tendência norte a Europa e os Estados Unidos,
inserção social do artista e relaciona, associada à prosperidade econômica, daí conceitualista propaga? Mas o prazer onde a “profissão artista”, como
por exemplo, o virtuosismo dos a conhecida máxima: “o trabalho dignifica da contemplação, a maneira como sabemos, é mais consolidada do que
operários especializados ao trabalho o homem”. Tal ideia racional protestante, as obras movem, inexplicavelmente, no Brasil. Como poderíamos, então,
em manufatura do artesão medieval conforme apontou Weber, estaria na base os sujeitos em seu íntimo já foi posto adaptar as reflexões de Vidokle para
e é essa concepção que está na base da ascensão do capitalismo, ideia que, em cheque pelos movimentos de o contexto brasileiro, uma vez que,
de movimentos como Arts and Crafts aliás, perdura em nossos dias, sobretudo vanguarda do início do século XX, aqui, os artistas, em geral, enfrentam
e Deutscher Werkbund que buscavam nas grandes corporações, aquelas que, pois essa dinâmica seria uma das condições precárias de formação,
“encaminhar uma possível resolução inclusive, ocupam o topo da pirâmide que confere ao artista o status de produção e circulação de suas obras?
social as contradições entre trabalho social global. gênio. Como pontuou Duchamp em Existe, ainda, algo que torna toda
intelectual, capital e trabalho manual”3 sua defesa de que o artista deveria ir essa reflexão aqui proposta um tanto
tão presentes ao longo da história do Uma vez que a arte não trata de um à universidade, a classe artística hoje quanto dramática: a meu ver, não se
status e atuação do artista na sociedade. produto ou serviço nos mesmos pertenceria ao profissionalismo liberal. pode perder de vista alguns privilégios
termos que os produzidos por uma Só que Duchamp, contraditoriamente, que cercam a classe artística, ao
Em minha pesquisa de doutorado, empresa, mas sim de produção voltou ao ilusionismo no fim de sua menos a que poderíamos associar
considero a persistência do campo simbólica, entendo que a ideia de que carreira, como se nos dissesse que as ao profissionalismo liberal (com
do sagrado na arte contemporânea, o trabalho “dignifica” o artista, implícita coisas não são assim tão simples. formação), quando nos comparamos
de modo que procuro investigar como nas relações pautadas pelo circuito Partindo de tais reflexões me pergunto: com outros trabalhadores ainda mais
o campo religioso afeta, mesmo de arte, é problemática. Isso porque o e se nós, artistas, não formos nem precarizados. Essa exposição, por
hoje em dia, a dinâmica cultural. fazer artístico não obedece ao tempo do trabalhadores/as nem gênios/as, mas exemplo, sendo realizada com recursos
Por isso acho importante trazer aqui capital e, portanto, à dinâmica produtiva apenas artistas? Poderia um/a artista da Lei Aldir Blanc, é fruto de uma
algo sobre a relação da religião e mecanicista do trabalho. Eu diria que caminhar pelo meio termo entre dois política pública de socorro econômico
com o trabalho. Por exemplo, se quando o faz é por esforço, adequação opostos, a inspiração e a transpiração? ao setor cultural, um setor que, mesmo
na mitologia judaico-cristã, Adão e e, por vezes, submissão a um sistema A inspiração precisa mesmo nos encontrar sucateado, possui alguma influência
Eva, ao serem expulsos do paraíso que confere valor às obras. Ou, como trabalhando, como disse Picasso? O ócio, nas dinâmicas do poder político. Esse
onde todas as suas necessidades seria o caso de artistas como Marcel de fato, não tem valor algum? não é o caso da maior parte da população
eram naturalmente atendidas, foram Duchamp, Andy Warhol, e tantos outres, brasileira que, hoje em dia, bate a marca
condenados ao trabalho, de acordo de jogadas irônicas diante dos processos É importante lembrar, contudo, que dos 14 milhões de desempregados4, em
com o protestantismo calvinista, a de produção e consumo de produtos. o texto de Vidokle, que me serve
4. Conforme estimado pela Pesquisa Nacional
aqui como ponto de partida, além por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada
Seria útil, então, rememorar a noção de de ter sido escrito sob um panorama em janeiro de 2021 pelo IBGE.
3. ZÍLIO, Carlos. Artista, formação do artista,
arte moderna. Revista do Mestrado em contemplação relacionada à produção cultural pré-pandemia, tem como
História da Arte da EBA/UFRJ, 1998, p. 75.

20 21
sua grande maioria mulheres negras de
baixa escolaridade.
Ao lidar com a realidade, vemos que a
possibilidade de pensar e atuar como POR QUE É PRECISO
SER ES TRATÉGICO PARA
artistas sendo oridundes da classe
Gosto de consultar pesquisas trabalhadora é recente no Brasil, salvo
estatísticas pois elas nos ajudam a raras exceções. Mais recente, ainda, é
olhar para além de nossas bolhas.
As estatísticas de gênero de 2019 do
pensar e atuar sendo artistas mulheres
oriundas dessa mesma classe. Dito
S O B R E V I V E R D A C U LT U R A ?
IBGE apontam que a taxa de ocupação isso, por fim, é preciso enfatizar que Priscila Medeiros
de homens é superior à das mulheres a exposição Arte como trabalho é
e a taxa de ocupação das mulheres composta, também e sobretudo, por
é ainda menor quando elas possuem artistas mulheres que de alguma
crianças com menos de 3 anos forma representam essa massa de
em casa. Além disso, as mulheres trabalhadoras desprivilegiadas, para
A pergunta feita pela artista e pes- Quirino Campofiorito escrevia sobre
dedicam quase o dobro do tempo que não dizer, exploradas.
quisadora Ana Raylander Mártis dos a necessidade de fomento para que
os homens em atividades domésticas
Anjos1, foi uma das questões que artistas pudessem produzir: “Mas
semanais e cuidados com outras Seria possível, então, pensar e atuar
moveu, desde o princípio, a cria- em verdade o artista aqui no Brasil
pessoas. A esse tipo de atividade, as como artistas mulheres que se dão
ção do projeto Arte como trabalho: como em qualquer outro país tem
mulheres brancas dedicam menos direito ao ócio, à preguiça ou ao
estratégias de sobrevivência dos sempre a inconsistência do terreno
tempo semanal do que as pretas ou puro descanso criativo e reflexivo?
trabalhadores da arte. Assim como que lhe fica reservado, numa socie-
pardas. Já em relação à diferença Quem é que vai trabalhar por e para
Ana Raylander, não tenho uma res- dade em que as ambições dominan-
nos rendimentos, a mesma pesquisa nós, mulheres, para que possamos,
posta, mas, como trabalhadora da tes se dirigem para muito longe das
aponta que as mulheres receberam simplesmente, pensar em arte?
arte, coloco-me neste lugar de es- coisas do espírito e das ambições
77,7% do rendimento dos homens em
trategista. E é sobre isso que gosta- culturais”.2 O comentário do crítico
2019 e que tal desigualmente é ainda
ria de trazer algumas reflexões. também leva à reflexão sobre o fato
maior nos cargos de direção e gerência
de que os interesses das classes
e em relação aos profissionais das Luana Aguiar é artista visual, pesquisadora, Não é uma novidade que o trabalho
professora e curadora independente, douto-
dominantes não vão ao encontro
ciências e intelectuais.5 artístico é pouco valorizado e ainda
randa e mestre em Linguagens Visuais pela das necessidades culturais da so-
Escola de Belas Artes da UFRJ e formada em não visto como, de fato, um traba-
5. Dados disponibilizados pelo IBGE em: Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UERJ. ciedade.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ Desenvolve, desde 2008, trabalho artístico lho. Em 1955, o crítico e acadêmico
agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/ com seu próprio corpo em performances ao 2. CAMPOFIORITO, Quirino: A luta
noticias/30173-mulheres-com-criancas-ate- vivo, vídeos e fotoperformances. Os campos do artista. Disponível em : http://
tres-anos-de-idade-em-casa-tem-menor-nivel- do erotismo, do sagrado e o feminismo são 1. Fala realizada no dia 04/03/2021. m e m o r i a . b n . b r / d o c r e a d e r / D o c R e a d e r.
de-ocupacao os de maior interesse da artista. Disponível em: https://www.youtube.com/ aspx?bib=110523_05&Pesq=Quirino%20
watch?v=fs5wkT5S9gQ. Campofiorito&pagfis=33823.

22 23
Mas a arte é um trabalho? Os artis- encaradas. A primeira é a de que nesse sentido, sobrevivência signi- pelo trabalho. Quanto mais você
tas são trabalhadores? Em núme- produzimos no Sul Global e que a fica o que é lembrado. possui, quanto maior é a sua po-
ros do ano de 2019, o setor cultural arte é um produto europeu e civilizató- sição, mais você tem, mais você é
brasileiro correspondeu entre 1% e rio, assim como as instituições criadas Hoje, em março de 2021, vivemos digno. Ao contrário, fracasso.
4% do PIB nacional 3 . São empregos para a sua salvaguarda, os museus. uma crise global que se aprofunda
formais e informais gerados todos ainda mais por uma crise nacional. Como é possível ser estratégico?
os anos, movimentando a econo- A origem dos museus é iniciada nos Hospitais lotados, desemprego em Por que precisamos fazer uso des-
mia local e nacional. gabinetes de curiosidades por volta níveis altíssimos, o medo da fome sa palavra vinda do vocabulário
dos séculos XVI e XVII, a partir de que volta a fazer parte do cotidiano militar em nossas práticas? Como
No campo das artes visuais, cinema uma ideia de colecionismo, muito de muitos brasileiros. A pandemia alterar o fato de que nossas produ-
e música, os valores gerados pela pautado pelo roubo de peças de po- agravou ainda mais a precarização ções acabam por contribuir para a
venda de obras, bilheterias e arre- vos não europeus, vistos como exó- do trabalho e minou as possibilida- manutenção de práticas coloniais?
cadação de shows chegam a núme- ticos e menos ou não humanos. des de sobrevivência. Como é possível subverter as lógi-
ros milionários. Mas existem outros cas coloniais vigentes?
lados, o lado fora dos holofotes, e o A figura do artista vai ocupar es- Assim como as instituições muse-
que une esses lados, independen- ses espaços que serão separados ais, o trabalho, ou melhor, a rela- A experiência vivida junto ao projeto
temente dos valores arrecadados, é em categorias. Os museus de arte ção atual que temos com o traba- Arte como trabalho só foi possível
a função social da arte, do artista passam a incorporar não somente lho, também é proveniente de uma devido a uma série de estratégias
e de todos aqueles que trabalham a obra do artista, mas toda uma prática colonial. A ideia vigente de elaboradas por nós enquanto cura-
envolvidos para que exposições, série de outros profissionais: mu- que o trabalho dignifica o homem, o dores e realizadores para suprir
shows, peças e filmes aconteçam. seólogos, técnicos, serviços gerais, enobrece, é uma máxima europeia ausências ou ainda precariedades
educadores, guardas patrimoniais, e capitalista usada para justificar frente à conjuntura em que nos en-
No campo das artes visuais, que é curadores, diretores artísticos, mo- a submissão a vínculos empregatí- contramos atualmente. Em que bre-
de onde parte o projeto Arte como nitores, entre outros. cios ou similares para que, dessa chas poderíamos nos infiltrar? Que
trabalho: estratégias de sobrevi- forma, a exploração esteja vincu- rasuras poderíamos criar? No en-
vência dos trabalhadores da arte, Isso me leva a outra pergunta de lada a orgulho, e não pautada pela tanto, não foram apenas as estra-
algumas tensões precisaram ser Ana Raylander. De que sobrevi- submissão, muitas vezes imposta tégias que sustentaram o projeto,
vência estamos falando? Da arte, nas relações empregatícias. mas o nosso compromisso ético e o
3. OLIVEIRA, Joana. El Pais. Disponível em: do artista ou das instituições? Até exercício constante que é construir
https://brasil.elpais.com/ porque manter uma instituição viva Somos obrigados a fazer parte de
c u l t u r a / 2 019 - 1 2 - 27 / s o b - a t a qu e - d e - algo coletivamente.
bolsonaro-cultura-defende-seu-impacto-na- não garante a sobrevivência do ar- um sistema que impõe como mar-
economia-com-receita-de-170-bilhoes-de-
reais.html. tista, assim como a sobrevivência cadores de êxito social e à dignida- Esse pensamento esteve presente
da obra também não o garante. E, de ao trabalho, o dinheiro ganhado na curadoria de cada obra selecio-

24 25
nada e na consciência de que nos-
so trabalho parte de uma escala AR TIS TAS PAR TICIPANTES
muito menor do que a atingida por
instituições consolidadas, mas que
poderia ser um exercício. Cada ar-
tista convidado, os mais de 30 pro-
fissionais que contribuíram para a
construção deste projeto, compar-
tilharam conosco suas estratégias
de sobrevivência, sua ânsia por
conseguir sobreviver do que produ-
zem, a arte.

Priscila Medeiros é formada em História


da Arte pela Escola de Belas Artes da UFRJ,
mestranda em História e Crítica da Arte pela
mesma instituição. É arte educadora, pesqui-
sadora e curadora independente. Atualmente
dedica-se a estudos sobre decolonialidade,
arte e educação e performance. Atua como
mediadora em exposições desde 2014. Pro-
duziu pesquisa para livros didáticos de edu-
cação artística.

26
ÁGUI BERENICE
Solo Fértil, 2020
Videoperformance, 2′ 45” de duração.

Uma mulher trans, negra de pele clara, posiciona duas mudas de plantas no
topo de sua cabeça e envolve suas raízes com seus cabelos crespos. Uma muda
de Comigo ninguém pode e uma de Espada de São Jorge, plantas símbolo de
proteção espiritual dentro do imaginário popular. Aos moldes de um rito, a
videoperformance termina com a artista envolvendo o arranjo feito com cabelos
e plantas com um laço vermelho para, em seguida, regá-los com água que banha
também o seu rosto.

Solo fértil rememora a relação entre corpo, rito e agricultura, como se nos
transportasse para o tempo em que a necessidade de sobrevivência vinha da
relação direta do corpo com a terra, algo que nos foi tirado pelas revoluções
industriais e tecnológicas.

O corpo da artista é posto como terra e a relação de seu trabalho com o assunto
dessa exposição reside no gesto primordial do plantio. Não de alimento para o
corpo mas de uma necessidade da alma: a de proteção, sobretudo quando se trata
de uma corpa transexual com ascendência preta, historicamente perseguida.

por Luana Aguiar

28
AMADOR E JR. SEGURANÇA
P A T R I M O N I A L LT D A .
Portfólio Amador e Jr. Segurança patrimonial Ltda. 2021
Documento em pdf, 27 de páginas.

“Portfólio” consiste na apresentação de uma série de trabalhos da dupla de


artistas que dão vida à empresa Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda.
As experiências obtidas nos setores educativos de museus contribuíram
para a elaboração das performances, dado que partem das observações
e vivências compartilhadas neste espaço para desenvolver suas criações.
Uniformizados, provocam estranhamento no público por fugirem de um
comportamento esperado de seguranças, às vezes de modo sutil, outras
vezes com transgressões. Além dos serviços, como os próprios se referem
às ações, no site oficial também é possível consultar todos os “clientes”
que os contratam até hoje, sendo o termo usado para se referir aos
curadores das exposições de que participaram. Sem obedecer a uma
ordem cronológica, o portfólio comporta primeiro uma imagem com o título
e descrição da proposta, seguido por uma outra com registro fotográfico e
legenda. Apesar da singularidade de cada ação, todas se unem por trazer
críticas às instituições, ao sistema das artes e a precarização do trabalho.

por João Paulo Ovídio

30
ANDRÉA NASCI
Eu, “pintora” de letras
Série continua
Pintura sobre faixa de ráfia, dimensões variáveis.

Formada em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas, pela


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Andréa Nasci frequentou o extinto
curso de letrista de cartazes da Fatec e essa formação a levou ao seu projeto
atual. Âncora nas artes é sua estratégia de sobrevivência em meio à Pandemia
e a precarização do setor cultural. Não apenas financeira, mas para seguir
pintando e produzindo arte. A artista fez da prática da encomenda de anúncios
em cartazes, típicos do subúrbio carioca, uma série contínua. A pandemia
intensificou a procura por esse tipo de anúncio que havia diminuído nos últimos
tempos, e tornou a expandir. Os pedidos para além dos anúncios de todo tipo de
serviços revelam outras necessidades que surgiram em meio ao momento global
que estamos vivendo, à procura da letrista para dar forma a mensagens de amor
e carinho.

por Priscila Medeiros

32
ARCASI
Mantenha-se viva, 2020
Instalação com pratos de porcelana e talheres de metal com inscrições

Desenvolvendo experimentações com poesia e fotografia, o trabalho da artista


paraense, moradora do Complexo da Maré, Arcasi, “Mantenha-se viva”, pode
parecer, inicialmente, um trabalho sobre leveza e delicadeza, mas é justamente
nos objetos do cotidiano, nos detalhes, na louça da cozinha que a artista
inscreve suas promessas de vida frente à violência estrutural que lhe é imposta
cotidianamente. “Mantenha-se viva” e “fé em nós” são lembretes constantes feitos
pela artista a si mesma como um processo de cura e estratégia de sobrevivência
após o trauma de uma invasão da Polícia em sua casa durante uma operação.
Dentro deste sistema de violência já normalizada e institucionalizada a artista se
recusa a ceder.

por Priscila Medeiros

34
LOREN A PIPA
Virtuar, 2013/2017
Videoperformance
(Registro: Mariana Cavalcanti)

Espelha-me, 2016
Performance
(Foto: Giovana Langonne)

A artista apresenta 2 trabalhos nessa exposição: o primeiro, Virtuar, trata de


frames de uma videoperformance que mostram seu corpo nu como que se
relacionando sexualmente com um notebook. A videoperformance tomou forma
de uma instalação que, curiosamente, foi realizada antes da pandemia e que
faz tanto sentido nesse momento onde nossos encontros e trabalhos têm sido
mediados pelas telas. A artista subverte a relação do corpo com a máquina - se
hoje parecemos submisses à tecnologia, Lorena sobrepõe a ela a organicidade
de seu corpo. O segundo trabalho, Espelha-me, são registros de ações realizadas
pela artista, também nua, em espaços de arte, de frente para um espelho de
modo a pintar sua própria imagem diante de si, em tamanho real. A pose da
artista ao realizar seu autorretrato é inspirada na iconografia da deusa Vênus,
paradigma da representação da nudez feminina. Lorena nos mostra, no entanto,
uma nudez ativa e dona de si, distinta da que, tradicionalmente, foi propagada
na história da representação do corpo da mulher.

por Luana Aguiar

36
GUILHERME KID
sem título
spray e látex sobre parede – Santo Cristo, Centro, Rio de Janeiro

sem título
spray e látex sobre parede – Engenho de dentro, Rio de Janeiro

Os personagens criados por Guilherme Kid em suas pinturas murais e telas,


retratam o trabalhador periférico, do gari ao catador de recicláveis, passando,
também, pela dona de casa e pelo artista pobre morador de Realengo. O artista
mostra por meio de formas simplificadas e potentes, pintadas nas ruas do
subúrbio carioca, a classe oprimida cheia de dignidade, com um mesmo olhar e
tom de pele: o preto. Suas pinturas urbanas, ao mesmo tempo em que funcionam
como denúncias da exploração da classe trabalhadora, também a homenageiam.
Guilherme Kid inverte a pirâmide social quando pinta, por exemplo, um gari
usando uma coroa e sua vassoura com as cerdas para cima, denotando poder.
Guilherme cumpre, assim, uma das possíveis missões de um artista hoje: dizer
ao povo que ele tem poder.

por Luana Aguiar

38
MAHYRAH A.
Padrão 36, 2016
Videoperformance, 12’14” de duração.
(Captação: Vinícius Gerheim e Allan Corsa / Edição: Breno Moreira)

Um busto de gesso esculpido pela artista, 36 quilos, preso a uma corda que
é atada ao corpo, pés descalços. Em Padrão 36, Mahyrah A. percorre, nessas
condições, uma das avenidas mais movimentadas do Centro da cidade do Rio de
Janeiro, a Av. Chile, também famosa por seus prédios empresariais. Apesar de o
título aludir à pressão estética sofrida pelas mulheres, a prática performática nos
remete a mais algumas camadas de opressão. Uma cidade que não é pensada
para nossos corpos, condições de trabalho que não são pensadas para nossos
corpos, um sistema que não comporta uma condição que, paradoxalmente, nos
é imposta: a maternidade. Arrastar esse peso sozinha, transparecer o cansaço,
sequer ter uma mão estendida: questões que se materializam de forma mais
direta na performance, dialogam diretamente com o cotidiano das mulheres que
precisam exercer diferentes funções em um processo desumanizador. O rastro
deixado pelo percurso traz um contorno material aos percalços dessas trajetórias
que são, constantemente, invisibilizadas.

por Carolina Rodrigues

40
MERY HOR TA
Limpar a própria merda com arte, 2021
Fotoperformance
(Colaboração: Ramon Castellano)

A fotoperformance Limpar a própria merda com arte ironiza o papel de artista


como ser dotade de uma função estritamente intelectual, ideia que promove uma
ruptura com os trabalhos da vida prática, criando uma hierarquia entre funções
que não deveria existir. Ter a casa limpa através do próprio trabalho, além de uma
ação de autocuidado, também se contrapõe às terceirizações precarizadas que
são naturalizadas em nosso país. Mery Horta também ironiza a questão do belo
na história da arte, sendo a casa limpa esse ideal de beleza ao qual pretende
alcançar enquanto artista. Também são colocadas em questão as dinâmicas de
distribuição de trabalho, considerando raça e gênero, que são subvertidas no
momento em que essa mulher negra se coloca como artista-trabalhadora e limpa
a merda que é a própria, em um lugar de autossuficiência e humanização, não
mais de subalternidade.

por Carolina Rodrigues

42 43
MÔNICA COSTER
Sustento, 2021
Fotografia digital, 30×20 cm (cada)

A artista traz uma composição escultórica, construída por um alimento e uma


pedra e nos convida a estabelecer relações entre as partes, seja por diferenças
ou aproximações. Distante da literalidade, a representação se mostra aberta a
interpretações. Por exemplo, se, por um lado, o tomate e o ovo podem corresponder
ao corpo humano, provido de fragilidade, a pedra implica um peso tensionado
contra esse. Cada um reage de modo diferente, visto que possuem composições
e resistências distintas, fatores que interferem na reação sofrida. Através dos
materiais escolhidos, em confronto, ela nos apresenta a materialização de uma
estrutura opressora, uma vez que a inversão dos elementos não acarretaria
a mesma tensão. Em nossa sociedade carregamos um peso invisível que nos
causa danos físicos e mentais, porque o ato de trabalhar é encarado como uma
obrigação, sem a qual não se consegue manter uma casa e ter o que comer.
Logo, a escolha do título permite associar a palavra “sustento”, não só no sentido
de suportar e manter, mas também de prover e alimentar.

por João Paulo Ovídio

44 45
PEDRO CARNEIRO
Um filme para a minha mãe, 2020
2’18” de duração
(Imagens: Alice Castanho, Cintya Ferreira, Mariana de Lima, Renata Hein)

“Qual é o segredo, que o seu feijão é um dos melhores feijões do mundo?” A


resposta não é fornecida de forma direta, mas a justificativa a leva a uma conexão
com a ancestralidade: se o Vô Tibúrcio fazia um bom feijão e eu puxei a ele, eu
faço um bom feijão também. Pedro Carneiro exibe esse diálogo enquanto traz ao
ato de fazer o feijão uma dimensão ritualística. Se cozinhar é um trabalho, aqui,
ele faz parte da economia dos afetos, se constituindo como um elemento central
nas relações familiares do artista. Em Um vídeo para minha mãe, simples diálogos
nos transportam para essa viagem entre gerações e para o entendimento de
que esse trabalho não se constitui apenas como um processo do corpo, mas de
um investimento intelectual e afetivo. Esse alimento tão popular em festividades
no Rio de Janeiro, como o dia de São Jorge, em que Dona Glória distribui sua
feijoada, revela, também, a sutileza do cuidado com os seus, a intimidade das
relações familiares.

por Carolina Rodrigues

46
PV DIAS
Força (d)e trabalho, 2019
Pigmento mineral sobre papel de algodão, 50 x 50 cm.

Uma prática constante na obra de PV Dias é a inserção de personagens típicos


do cotidiano em cenas fotográficas. Apesar de parecerem comuns, esses
personagens aparecem de forma inusitada. Seja pelas cores fortes ou pelas
ações, que dão um novo sentido à paisagem. Nesse caminho “Força de trabalho”
pode ser vista como uma dobra de tempos passados e do presente. Na obra o
artista paraense intervém em uma imagem urbana do bairro da Tijuca, Zona
Norte do Rio de Janeiro e mescla aos prédios e asfalto figuras que remetem
às pessoas documentadas nas aquarelas que Debret produziu em sua estadia
pelo Brasil, no século XVIII. Mas diferente de pessoas em posição de submissão,
“Força de trabalho” apresenta uma alegoria da cooperação mútua. A busca por
ressignificar imagens e romper com narrativas da violência colonial faz parte da
pesquisa e das estratégias de sobrevivência do artista.

por Priscila Medeiros

48
RAFAEL AMORIM
postal, 2019
videoperformance, 7’44” de duração.
(registro: Alice Ferraro / legendas: Charles Pereira)

“Postal” é uma videoperformance de Rafael Amorim, gravado na Escola de Artes


Visuais do Parque Lage, em 2019. Aluno da instituição, o artista buscou tensionar
os limites entre o núcleo de ensino e o ponto turístico. O lugar é famoso por sua
paisagem, formada pelo Cristo Redentor, ao fundo, junto à piscina, no centro do
palacete. Alunos e turistas ocupam o mesmo espaço físico, mas se encontram
em realidades diferentes, pois cada grupo atribui uma finalidade específica -
para uns, estudos; para outros, lazer. Sentado à beira da piscina, o artista
provoca um incômodo/estranhamento, dado que sua ação não corresponde
ao que se costuma/espera ver por ali. O turista busca por “beleza”, quer se
enquadrar na imagem perfeita, instagramável, que reúne arquitetura e natureza.
A presença do artista provoca uma interferência, não só porque insere seu corpo
dentro do recorte fotográfico de alguém, mas também por trazer à luz a figura
do trabalhador com sua marmita, sujeito e signo que põe em crise a construção
imagética de cidade maravilhosa.

por João Paulo Ovídio

50
RAQUEL GAIO
Como habitar uma arquitetura demolida, 2020
Série fotográfica, fotografias digitais.

A invisibilidade do cuidado familiar enquanto trabalho sempre permeou o


cotidiano das mulheres em geral, em diferentes níveis, se considerarmos as
diferenças sociais. O investimento nessa função, muito além de ser uma questão
de tempo e do esforço físico, também envolve nossas condições psicológicas e
as subjetividades. Aí reside, também, o diálogo com o papel de artistas. Raquel
Gaio materializa essa experiência em Como habitar uma arquitetura demolida,
obra composta por uma série de seis fotografias feitas durante a pandemia de 2020
(que se estende por 2021). É justamente nesse período que as desigualdades
de gênero ficam mais evidentes e a sobrecarga dos corpos que cuidam se
intensifica, expondo a fragilidade de algumas conquistas sociais. O que acontece
no ambiente doméstico apenas reflete as ruínas invisíveis que são deixadas pelo
estado de calamidade do país. Quem cuida de quem cuida?

por Carolina Rodrigues

52
RODRIGO FERREIRA
Educativo trabalhando, 2019-2020
Registros fotográficos de ação

Morar no trânsito, 2019-2020


Série de fotografias e colagem digital

Rodrigo Ferreira, “Artista educador”, apresenta duas obras: em Morar no trânsito,


ele fotografa seu percurso diário, criando uma espécie de registro afetivo e, ao
mesmo tempo, irônico, sobre uma situação presente na vida de pessoas que
vivem distantes dos seus locais de trabalho. São nos deslocamentos necessários
e não remunerados, nas horas no engarrafamento que o ônibus passa a ser mais
presente do que a própria casa e, assim, se confunde com ela. Em Educativo
trabalhando, o artista documenta a si mesmo com a camisa da exposição em
que trabalhou como artista e educador. Todos os dias ele inseriu nesta camisa
palavras ou frases que tencionaram educativo. Afinal o que é um educativo?
Esse setor foi o primeiro a sofrer cortes e demissões em instituições por todo
o mundo, ainda no início da pandemia, mas segue fundamental para que se
cumpra o papel social das instituições de arte e sua comunicação com o público
geral. Muito diferentes de tutores, os “educadores” são responsáveis pela escuta
dentro das instituições. O que é um educativo? Quem movimenta um educativo?
Educativos podem ser indóceis?. Artistas podem ser do educativo? Essas são
algumas das provocações de Rodrigo Ferreira.

por Priscila Medeiros

54
SEMA
Como ser artista de verdade em um minuto, 2019
Videoperformance, 1’19” de duração.

O próprio título indica de que se trata o trabalho, pois, durante um minuto, o


artista declara frases ditas frequentemente no campo artístico. Também abriga
um caráter irônico, uma vez que, ao se referir a um “artista de verdade”, incita
a existência do seu oposto, que seria o “artista de mentira”, o “falso artista”. O
substantivo vem acompanhado de uma característica particular, palavra usada
para qualificar e distinguir todos aqueles que fogem a esse modelo. Uma legenda
acompanha a fala, em vista disso, a escrita reforça o que a boca anuncia. Com
um pincel em suas mãos, ferramenta de trabalho do pintor, mergulha-o em
tintas de diferentes cores. Conforme diz uma nova frase, esfrega os pêlos em
seu rosto, deslizando-o de cima para baixo, formando linhas irregulares: umas
mais cheias, outras suaves. As frases se iniciam com “Artistas precisam…”,
sendo complementadas com necessidades gerais, como arrumar um emprego
e sobreviver, mas também específicas da área, como estudar em determinada
instituição e ser aprovado em editais.

por João Paulo Ovídio

56
TAÍSA VITÓRIA
Desigualdade de Ninguém, 2020
Colagem analógica, 14,7 x 14,7cm.

Pós-tudo, 2020
Colagem analógica, 21 x 14,8 cm

As colagens de Taísa Vitória apresentadas nessa exposição combinam certa frieza


e um pouco de caos. A paleta fria de tons cinzas e azuis apazigua os pedaços de
papel rasgados de jornais e revistas, meticulosamente combinados e colados.
Com poucos recursos, a artista, que é estudante de Ciências Sociais, consegue
atrair nosso olhar e construir imagens que nos trazem de volta à realidade
em vez de nos distrairmos dela. Em Desigualdade de ninguém, vemos, como
protagonista, um entregador de aplicativo pedalando uma bicicleta e como que
navegando num mar de palavras e fragmentos. A artista não estetiza o drama
do trabalhador precarizado mas o envolve num espectro de sutil melancolia,
sensação que também aparece em Pós-tudo. “Marte é o nome do deus da guerra”,
aparece em um dos pedaços de papel nesse segundo trabalho. Em seguida, vê-
se num próximo fragmento: “pronto a ir de encontro ao seu des-”... Será o destino
que completa essa frase? As colagens de Taísa são como labirintos sem saída,
labirintos construídos com restos.

por Luana Aguiar

58
THAÍS BASILIO
Estudo anatômico da mulher-máquina, 2020
Tinta acrílica sobre papel cartão.
48 x 33 cm

As práticas acadêmicas dos estudos anatômicos ganham aqui uma outra


densidade nas mãos de uma mulher negra, mãe, educadora, trabalhadora.
Muito mais do que observação da matéria, das características físicas, incidência
da luz ou qualquer tratamento superficial, a artista vai a fundo no estudo das
subjetividades da mulher contemporânea, ou na crítica à tentativa de supressão
dessas subjetividades que o capitalismo e o patriarcado nos impõem. Essas
conhecidas opressões às quais as mulheres são submetidas se intensificam
numa era em que as relações são cada vez mais mecanizadas e os padrões
de produção e comportamento, disseminados pelos ambientes digitais, atingem,
também, as mulheres periféricas, num processo de “algoritmização” da vida.
Recorrendo a um suporte tradicional, como a pintura, Thaís Basilio se torna
capaz de dissecar essa realidade.

por Carolina Rodrigues

60 61
THIAGO SARAIVA
Arte Enxe Buxo, 2020-2021
Fotografias digitais das ações

A série é composta por 10 fotografias digitais produzidas durante o período


do Carnaval, em 2020. O trabalho consiste no registro documental das ações
realizadas em diferentes eventos, ora dentro/em frente de instituições culturais,
ora no espaço público da rua, tanto no Centro do Rio de Janeiro como na periferia
da cidade. A escassez de oportunidades e a falta de remuneração no setor da
cultura impulsionaram o artista a resgatar a prática de vendedor ambulante,
exercida pelo seu avô materno, e a performar como uma estratégia de presença
e sobrevivência no campo artístico. Sem receber convites para estar ali, ocupa
os espaços com sua ação e afirma a posição de “margem” que ocupa. Nas
fotografias é possível observar a aquisição de um produto/obra de arte não-
colecionável, feito para ser consumido/experienciado. A arte é entendida como
alimento que sacia e, nesse trabalho, isso se dá tanto no sentido literal como no
sentido figurado.

por João Paulo Ovídio

62
VINÍCIUS RIBEIRO
Entregadores, 2020
documentário, 5’20” de duração
(Montagem e direção de fotografia: Lucas Novello / Roteiro: Lucas Novello e Vinícius Ribeiro /
Produção: Gisele Motta)

Durante a pandemia, algumas classes trabalhadoras desempenharam e seguem


desempenhando serviços essenciais. Equipes médicas e de enfermagem, caixas
de supermercado, trabalhadores de farmácias e entregadores. Essa classe
trabalhadora multiplicou nos últimos tempos e tem atuado de forma incansável
durante a crise da covid-19. Mas o que leva uma pessoa a se submeter a
prestar um serviço em que ela será mal remunerada e trabalhará em condições
extremamente precárias? A necessidade de sobrevivência que leva à submissão
às práticas neoliberais que seguem impondo perdas de direitos à classe
trabalhadora é o mote do documentário de Vinícius Ribeiro. O projeto surgiu após
o artista precisar trabalhar como entregador para sobreviver. A partir da fala de
Bruno, entregador e estudante de Letras, o documentário levanta reflexões sobre
a ansiedade causada pelas incertezas e desdramatiza a luta e o esforço para
seguir vivo em meio a um sistema de perdas diárias de direitos e dignidade.

por Priscila Medeiros

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VÍTOR DADS MARTINS
Navios negreiros, 2021
Exibição de livro de artista em vídeo, 8’26” de duração

Vítor Dads Martins, em seu livro de artista Navios Negreiros, trata de memória e
apagamento. Ele cria uma narrativa muda (no vídeo não há som), ora sombria, ora
iluminada, e traz elementos notadamente retirados de um manual de instruções
ou um livro didático sobre a técnica fotográfica, combinados com imagens de
paisagens, retratos, gravuras, texturas e documentos referentes ao nosso
passado colonial escravocrata. O acesso ao seu livro é por vídeo, o qual nos
mostra suas mãos pretas folheando seu livro, lenta e delicadamente, como se
nos convidasse a olhar atentamente e a ouvir uma história silenciada: a tragédia
da diáspora africana, seus mares e tormentas. Página a página vemos em Navios
Negreiros o resultado poético de um jogo que se utiliza da iconografia colonial,
contemporânea do desenvolvimento da fotografia, para trazer à tona um triste
paradoxo: o do desenvolvimento tecnológico, por um lado, e da desumanidade
do sistema escravagista, por outro, questão intrinsecamente ligada à história do
trabalho no mundo.

por Luana Aguiar

66
EXPERIÊNCIAS NO CAMPO seus profissionais, mas os feminismos
sejam vistos como parte do debate cen-
espaço A Mesa. Um emaranhado de
relações compuseram esta nossa em-

DAS AR TES A PAR TIR DE


tral do nosso campo de trabalho. preitada curatorial, a começar pela
parceria com o time de mulheres que
Uma característica importante da nos- comandam o espaço independente no
VIVÊNCIAS DA COLETIVA sa coletiva é a criação de parcerias e
redes. Nos trabalhos que desenvolve-
Morro da Conceição, Bianca Madruga,
Jessica Di Chiara, Letícia Tandeta Tar-

NAPUPILA Ana Lobo, Julia Baker e Michaela Blanc


mos buscamos pessoas que agreguem
às nossas atividades e com quem pos-
tarotti e Pollyana Quintella. Tendo em
vista a potência dos trânsitos entre A
samos criar colaborativamente. Somos Mesa e a praça em frente ao espaço,
três mulheres atuantes em frentes de submetemos um projeto de mobiliário
Em junho de 2020, quando todos os no qual fomos convidadas a falar, tra- trabalho distintas dentro do circuito expositivo para o edital “Espaços de
países estavam enfrentando a pande- zemos este exemplo para sublinhar de artes visuais e compreendemos Autonomia”, uma iniciativa do profes-
mia do COVID-19, ainda sem conheci- como a arte enquanto trabalho é su- a coletiva enquanto HUB, uma espé- sor Gabriel Schvarsberg, em parceria
mentos mais profundos sobre o vírus e bestimada e menosprezada. Os agen- cie de catalisador de ideias e difusão com docentes e alunos da Universi-
avistando a vacina como algo distante, tes deste campo parecem estar esque- de coletividades. dade Santa Úrsula. O mobiliário surge
o jornal Sunday Times de Cingapura cidos. Só são lembrados, muitas vezes, como fruto de encontros com a turma
conduziu uma pesquisa. Entrevistou em discursos políticos vazios, nas fan- Em 2019, realizamos duas exposições de arquitetura e visitas de campo pelo
mil pessoas e perguntou quais eram tasiosas narrativas proporcionais, em presenciais. A primeira delas aconte- Morro da Conceição. Explorando terri-
as profissões essenciais e as não es- que o artista e os demais profissionais ceu em janeiro, no espaço indepen- tórios e fisicalidades, trouxemos artis-
senciais durante a pandemia. Com deste campo protagonizam o patrimô- dente Ali na Alice. O Atlante: quando o tas para pensar o espaço e a geografia
uma porcentagem alarmante de 71%, nio imaterial, sendo alocados nas di- ser torna-se mar, título da exposição, de seus corpos e cidades. Para essa
a profissão eleita como menos es- nâmicas do turismo e da indústria do tinha como tema os fluxos e possibili- experiência foram convidados: Chantal
sencial neste período foi a de artista. entretenimento. Sofremos preconceito dades da água. Na exposição coletiva Feitosa, CK Martinelli, Ali Hussein Al-a-
Existe um apagamento da produção e e somos, muitas vezes, desprezados, articulamos artistas de diferentes tra- dawy, Daniel Santiso, Kristian Byskov,
do trabalho artístico. Os entrevistados questionados enquanto trabalhadores. jetórias, promovemos debates e tenta- Lorran Dias, Margarita del Carmen,
parecem ter esquecido de que, durante Dar visibilidade através de diferentes mos fortalecer conexões. Participaram Max Willa Morais, Prerna Bishnoy, Davi
o período de isolamento social, muitas estratégias de atuação é uma missão desse projeto o coletivo Liquidação, Benaion, Denilson Baniwa, Maya Inbar
pessoas se apoiam em lives de música, da NaPupila. Somos uma coletiva de Alexandre Vogler, André Anastácio, Bob e Marie Carangi.
em filmes, séries, livros e outras ativi- pesquisa e curadoria em artes visuais N, Gabriela Noujaim e Maria Sabato.
dades produzidas por profissionais das e trabalhamos em plataformas e pro- Em setembro de 2019, abrimos Área Na nossa prática descobrimos que ini-
artes. Remontando ao tema do evento jetos para que, não apenas as artes e Irrestrita, exposição “experiência” no ciativas não territorializadas podem

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favorecer contextos territoriais invisibi- pédia virtual e gratuita do mundo. Nos- eventos e edições durante as marato- no campo de equipamentos altamente
lizados. Criando novas linhas de cone- sas edições têm como foco visibilizar nas. Fomos responsáveis por uma das institucionalizados. A NaPupila reflete
xão, o NaPupila buscou por iniciativas as mulheres atuantes no campo das primeiras iniciativas totalmente on-line uma mudança estrutural nas dinâmi-
globais como Arte and Feminism e #5 artes. Atualizamos, criamos e tradu- da rede Art and Feminism1, sendo re- cas de trabalho dentro do campo das
Womenartists, a fim de incluir no cená- zimos verbetes, incluímos imagens e conhecidas pela plataforma a partir de Artes Visuais. Simultaneamente, aponta
rio internacional o trabalho colaborati- datas, utilizamos as ferramentas des- uma matéria feita pela organização a para problemas a serem reparados, não
vo de mulheres artistas e profissionais te grande espaço virtual para produzir qual relatamos essa experiência. Tal só dentro do cenário das artes visuais,
de arte brasileiras ou atuantes em ter- conteúdo e, de alguma forma, tentar reconhecimento fortaleceu nossa últi- mas no ambiente cultural ampliado que
ritório brasileiro. Ainda em 2019, ado- produzir um protagonismo para as mu- ma Editatona em colaboração com o inclui, impreterivelmente, as disparida-
tamos uma iniciativa simples e efetiva lheres que estão na plataforma de dife- Asian Art Archive in America, em março des sociais, financeiras e de gênero.
do National Museum of Women in the rentes maneiras, citadas nos verbetes de 2021.
Arts, o uso e difusão da tag #5wome- ou como editoras deste espaço. Ingrid Colocamos aqui algumas de nossas
nartists. A ação direcionada ao Insta- Bittar, Aline Besouro, Fernanda Gringo- Esses exemplos de nossa atuação, práticas para visibilizar a importân-
gram e Facebook no NaPupila nos ren- lin, Silvana Mendes, Elle de Bernardini assim como outras práticas que con- cia de uma atuação ativa, para que a
deu um mapeamento de mais de 200 e Sophia Pinheiro ilustram e inspiram versamos em nosso bate-papo com sociedade reconheça e perceba a im-
mulheres artistas indicadas de forma Editatonas ao longo dos anos de 2019 a artista Ana Raylander Mártins dos portância e necessidade do artista,
orgânica pelo público das nossas re- e 2021, tendo suas imagens atreladas Anjos no dia 04 de março de 2021, si- do profissional das artes. Devemos
des sociais. Pequenas notas críticas aos eventos criados na Wikipédia. nalizam como o trabalho nas artes é traçar estratégias de redes para que,
sobre as artistas indicadas foram cria- infinito e pode ser realizado através de em momentos que perguntas como a
das pela nossa coletiva e disponibiliza- Em 2020, ano no qual o ambiente vir- diferentes mecanismos, não apenas apresentada no começo deste texto
das em nosso site. tual se tornou nosso principal ambien- sejam feitas (quais são profissionais
te de trabalho e comunicação, conse- 1. O evento mencionado aqui aconteceu essenciais ou não), o valor e reconhe-
no dia 30 de março de 2020, momento
Retomando o conceito das conexões guimos realizar Editatonas virtuais e em que a pandemia de Covid-19 atinge cimento de um campo consumido sem
expressivamente o território brasileiro. Na
que praticamos em nossos trabalhos ampliar nossas redes de parcerias. Ins- ocasião, havíamos programado uma editatona parar por todes (sejam eles do Norte
em artes, uma de nossas ações com tituições como a Escola de Artes Visu- física na Escola de Artes Visuais do Parque ou do Sul, homens ou mulheres, de di-
Lage e, devido às medidas de isolamento
maior retorno e com a qual consegui- ais do Parque Lage, o Instituto Moreira social, decidimos adequar o evento ao formato reita ou de esquerda) seja visto como
mos criar mais tramas em nossa teia Salles e o Wiki Movimento Brasil, em- on line. A primeira editatona inteiramente on- imprescindível.
line contou com a participação de Giovanna
de relações foram as Editanonas que barcaram conosco na luta para incluir Fontenelli e Érica Azellini do Wikimovimento
Brasil, Juliana Monteiro, representante do
realizamos desde 2019. Mas o que mais mulheres neste espaço. Conta- Arte+ Feminis no Brasil, bem como pela
é uma Editatona? São maratonas de mos ainda com um grupo de mulheres Raquel de Rezende Miranda, Roberta da Costa
Val, Bruno Buccalon, nossos parceiros do
edição e, no caso do nosso projeto, pesquisadoras que contribuem expres- Instituto Moreira Salles, e Juliana Machado,
edição na Wikipedia – maior enciclo- sivamente para os debates prévios aos Tanja Baudoin e Rubia Silva da Biblioteca da
EAV Parque Lage.

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SER EDUCADORA MUSEAL Falar das minhas reflexões e trajetó-
rias sobre como é trabalhar e sobre-
Arte do Rio (2018) e Museu Histórico
Nacional (2019-2020).

HOJE: REFLEXÕES SOBRE


viver atuando no campo da arte e da
cultura só é possível se, antes de tudo, Ser educadora museal é estar em
eu me apresentar. Por isso, eu trouxe, constante conflito dentro e fora de ins-
OS DESAFIOS DO CAMPO 1 como abertura do texto, um trecho de
Pedagogia das Encruzilhadas (2019),
tituições museológicas. O “não-lugar”
no campo das artes visuais. O “não-lu-
Brune Ribeiro da Silva 2 de Luiz Rufino. Observo nele uma rela- gar” no campo da museologia. O “não-
ção direta com as minhas experiências -lugar” no campo da educação. Será
“A encruzilhada é o principal conceito assente nas potências e, portanto, com o assunto aqui tratado. que uma obra de arte pode ser media-
do orixá Exu, que transgride os limites de um mundo balizado da por ume educadore ou os públicos
em dicotomias. A tara por uma composição binária, que Deste modo, prossigo com esta escrita só devem fruir sozinhos? Será que a
ordena toda e qualquer forma de existência, não dá conta através da minha apresentação, (des) educação museal é um campo próprio
da problemática dos seres paridos no entre. A existência estruturada em uma encruzilhada de ou um subcampo da museologia? Será
pendular, a condição vacilante do ser é, a princípio, o efeito três caminhos: o das minhas sensações que profissionais da educação museal
daquilo que se expressa a partir do fenômeno do cruzo. e percepções corporais, enquanto uma podem se classificar educadorus sem
Assim, ato a provocação: aquilo que a agenda colonial buscou bicha preta trans não-binária, panse- uma formação em educação ou isso
produzir como um sistema de controle da vida, a partir de xual, carioca suburbana, macumbeira seria uma apropriação indevida? Não
uma ordem pautada nos binarismos, acarretando a redução e não-monogâmica; o acadêmico, en- desejo, com estas perguntas, trazer
das complexidades, é fragilmente salientado por uma leitura quanto historiadora da arte e mestran- respostas e nem ditar o que é certo.
a partir da gramática poética das encruzilhadas.” da em artes visuais; e o profissional, Busco, entretanto, com elas, estimular
enquanto educadora museal. reflexões em quem as lê.

Luiz Rufino, Pedagogia das Encruzilhadas, 2019. 3 Neste contexto, busco apresentar os A problemática do não lugar, motiva-
desafios de trabalhar com educação da por disputas de campos, acarretam
museal, a partir das minhas vivências na desvalorização profissional, tanto
e, portanto, das minhas observações pela ausência de profissionalização e
ao atuar nas seguintes instituições: regulamentação da educação museal,
1. Este texto utiliza linguagem neutra. Museu da Chácara do Céu (2015- quanto pela falta de formação especí-
2. Bicha preta trans não-binária, pansexual, carioca suburbana e macumbeira. Mestranda em 2017), Museu Naval e Espaço Cultu- fica e continuada. A primeira esbarra
Artes Visuais pelo PPGAV/EBA/UFRJ. Graduada em História da Arte pela EBA/UFRJ. Gestora da
Rede de Educadores em Museus e Centros Culturais do Rio de Janeiro (REM-RJ).
ral da Marinha (2017), Centro Cultural em questões de respaldo jurídico e le-
3. RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019. Banco do Brasil RJ (2018), Museu de gal para profissionais, como a inexis-

72 73
tência de piso salarial, de progressão frágil é a composição das equipes por 3 eixos e 19 diretrizes, apresenta
de carreira e de progressão salarial. uma maioria de estagiáries - visto que importantes orientações para for-
A segunda acarreta no despreparo na o tempo máximo de estágio é 2 anos talecer o campo. No que tange aos
atuação de educadorus museais, visto – e a permanência de educadorus pre- desafios tratados aqui, o “Eixo II -
que, para muites, nossa formação pro- tes, transvestigêneres, indígenas, com Profissionais, formação e pesquisa”
fissional se dá, inicialmente, a partir deficiência, etc., no quadro técnico das apresenta 9 diretrizes que, dentre
da prática de trabalho, da atuação no instituições - visto o despreparo dos outras proposições, incentivam a
dia a dia dentro das instituições. museus e de suas equipes para aco- formação específica e continuada,
lher esses grupos sociais. o reconhecimento das suas atri-
Esses desafios contribuem para a buições, a valorização de profissio-
descontinuidade nos trabalhos de- O desconhecimento das atribuições da nais e a formalização da profissão,
senvolvidos pelos setores educativos educação museal e o número reduzi- servindo de base para solucionar
de museus, através da rotatividade do de profissionais nas instituições a questão da descontinuidade dos
constante de profissionais. São vários provocam sobrecarga de trabalho, difi- trabalhos e constante rotatividade
os motivos e vou comentar alguns dos cultando o registro e a documentação de profissionais.
quais vivenciei. O primeiro é referen- dos programas, projetos e ações, e a
te à desvalorização salarial, pois ela realização de uma pesquisa histórica
nos impulsiona a buscar emprego em sobre o setor educativo para as no-
outros museus ou em outras áreas de vas equipes se localizarem. Como um
atuação, fora do campo da arte, da cul- processo em cadeia, as questões já
tura e da educação. mencionadas facilitaram as demissões
em massa e um certo congelamento nas
O mesmo ocorre em relação à fragi- contratações em decorrência da pande-
lidade dos vínculos empregatícios, mia de Covid-19, há um ano em curso no
como contratos temporários e MEI Brasil e sem previsão de término - geran-
(Microempreendedor Individual), pois do problemas de saúde física, emocional
facilitam as demissões e não ofere- e psicológica devido ao vírus e, também,
cem benefícios, como vale-transporte ao isolamento social.
e vale-alimentação/refeição, e direitos
básicos, como FGTS, 13º salário, férias Para concluir minhas reflexões, trago a
4. Instituto Brasileiro de Museus. Caderno da Política Nacional de Educação Museal. Brasília, DF:
remuneradas e multa rescisória por Política Nacional de Educação Museal IBRAM, 2018. Disponível em:
https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2018/06/Caderno-da-PNEM.pdf
demissão sem justa causa. Ainda mais (PNEM) 4 que, em seus 5 princípios,

74 75
ARTE, TRABALHO E DIREITO Quando falo em negligência do Estado
e em políticas culturais “equivocadas”
que visa também a atrair investimen-
tos em cultura e arte para o território
me refiro ao óbvio, que pode ser obser- em que atuamos, Coelho Neto/Fazen-
Mauro Barros vado no dia a dia por qualquer cida- da Botafogo, possibilitando o cresci-
dão. Parece não existir, por parte dos mento da participação da população
governos, interesse em investimento, periférica neste importante e potente
fomento e incentivo à cultura e arte segmento econômico.
Direito previsto na Declaração Univer- ramificando por toda parte, tentando nas periferias e a facilitação do acesso
sal dos Direitos Humanos, o fazer ar- dar sentido à vida humana ou apenas desta parcela da população à forma- O Centro Cultural Phábrika, ou apenas
tístico é muito mais do que uma trivial atenuando o sofrimento de nossa exis- ção, consumo formal e sistematizado A Phábrika, como o equipamento é
prática humana. Trata-se, na verdade, tência. de arte, diferente do que é previsto no mais conhecido, foi pensado para ser
de uma necessidade básica para a hu- artigo 251 da Constituição Federal. Na o espaço potente que é, possibilitan-
manização e evolução da nossa espé- Considerando isso, fica claro o impacto verdade, isso pode ser constatado de do à população local o acesso a produ-
cie. Não à toa é um dever constitucio- causado pela falta de um entendimento diversas formas, quer seja observan- ções artísticas e culturais de diversas
nal do Estado proteger suas diversas melhor desta realidade, no desenvolvi- do a concentração de equipamentos linguagens, bem como a aproximação,
manifestações e garantir a todo cida- mento social e humano. A negligência culturais nas regiões economicamen- apropriação e a prática destas mani-
dão o acesso à cultura e à arte. do Estado e políticas culturais equi- te mais valorizadas das cidades, dos festações. Mais que isso: A Phábrika
vocadas, para não dizer mal intencio- investimentos em grandes eventos pretende perverter o sistema, propor-
Fazer referência à Arte como uma tri- nadas, levam uma grande parcela da nestes mesmos “territórios” e até mes- cionando a entrada de novos atores
vial prática humana não é um exagero, população a aceitar a divisão de ma- mo dos cursos e escolas de formação no cenário cultural estabelecido, quer
nem mesmo uma tentativa de mini- nifestações artísticas e culturais por centrados nestas mesmas regiões, di- seja nas artes visuais, na literatura ou
mizar sua importância. Pelo contrá- classes sociais. Também é fundamen- ficultando enormemente, na verdade, nas artes dramáticas, ou melhor, em
rio, trata-se de chamado a lançar um tal destacar a apropriação por parte da quase que impossibilitando, a entrada todas as áreas de todas as linguagens
olhar mais atento a sua presença em classe favorecida economicamente de e participação das populações periféri- e manifestações. O time multidiscipli-
nossas vidas. Em praticamente todos valores importantes do que é identifi- cas neste seguimento econômico. nar de voluntários, parceiros e admi-
os momentos, seja você um apreciador cado como Capital Cultural, relegando radores da Phábrika tem contribuído
mais atento, com olhar qualificado, co- às classes menos favorecidas a ideia A constatação deste cenário nos levou de forma competente para que, a cada
nhecedor da vastidão dos sistemas de do senso comum de que algumas práti- a enfrentar esta realidade com a cria- dia, avancemos sobre esta realidade.
artes, ou apenas um cidadão comum, cas e manifestações são pertencentes ção do Centro Cultural Phábrika, um
levando uma vida cotidiana normal, a às elites econômicas que se pensam equipamento pensado não somente Pensar a Arte como Trabalho e acredi-
Arte se mostra presente em quase to- elites intelectuais. para equilibrar o mapa de oferta de es- tar que é preciso levar o conhecimento
dos os momentos, com seus frutos se paços e bens culturais da Cidade, mas de que esta prática humana é funda-

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mental para nossas vidas e deve estar
ao alcance de todos nos move a que- MINI-BIO / AR TIS TAS
rer, a cada dia, viabilizar espaços reais
e potentes que possibilitem o desen- Águi Berenice é artista e estudante de Psicanálise. Caminha em busca de entendimento da
volvimento das diversas práticas que ancestralidade e da travestilidade. Acredita que o corpo é, sobretudo, um território de potên-
envolvem o universo das artes. Vendo cia criativa. Nasceu em Uberaba/MG.
de forma simples, A Phábrika oferece
seu chão de Fábrica os trabalhadores Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda., série de propostas performáticas concebidas por
da Arte, para que seja possível e ao al- Antonio Gonzaga Amador e Jandir Jr., é realizada em instituições de arte pelos próprios artis-
cance de todos, em todas as classes, tas trajados com uniformes de segurança, e tem seus problemas centrais vindos das relações
exercer, aprender e desenvolver seus entre instituições como essas e as pessoas que trabalham cotidianamente em suas salva-
talentos, contribuindo, assim, para o guardas.
fortalecimento do desenvolvimento
social, humano e econômico de toda Andréa Nasci é artista plástica, educadora e Letrista/Cartazista. Licenciada em Educação
uma categoria. Contribuirá, assim, Artística, com habilitação em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
para desmistificar o universo artístico (UFRJ). Participou de diversas exposições coletivas, dentre elas: Amewa – 2017 (I Congresso
e desapropriar o capital aprisionado de Filosofia Africana e Afrodiáspora da UERJ); Visibilidade Negra (IVY) 2017 e Projeto Mundial

por determinismos impostos. Dias de Reclusão – Coletânea Artística – 2020. Atualmente, a função com a qual está mais
envolvida e atuante é a “pintura de letras”, produção de faixas, placas e cartazes ilustrados
ou não. A prática de um ofício aprendido/apreendido “lá atrás”, antes de sua Graduação
Universitária.

Arcasi (PA/RJ) Artista afroindígena, nascida em Belém/PA. Atualmente mora no Complexo da


Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro. Desenvolve experimentações com poesia, fotografia, ins-
talações e presença. É graduanda de História da Arte na Escola de Belas Artes da UFRJ e inte-
gra os coletivos Casa da Quinta (PA) e Afroresistências (RJ). É idealizadora da Kitnet Galeria.

Guilherme Kid, nascido e criado em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. É artista urba-
no e artista plástico. Seu trabalho retrata o subúrbio e a periferia, em seus aspectos sociais,
culturais e do cotidiano. Sempre com o intuito de retratar o povo periférico como protagonista
de suas obras. Por ser um artista da periferia, sente a necessidade de falar sobre a opressão
do sistema. Portanto, denunciam-se, constantemente, em seus trabalhos, as terríveis causas

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da desigualdade social no país. Através de variadas estruturas como paredes, telas, papelão Pedro Carneiro desenvolve em seu trabalho questões relativas às relações humanas e raciais
e outros demais materiais em que desejar obter experiências, Guilherme Kid põe em prática em conflito nos espaços urbanos. É através de pinturas, intervenções territoriais e espaciais,
o seu jeito de ver o mundo. desenhos e light design que seus trabalhos constroem uma imagem em reflexo a histórias
reais/irreais tendo como ponto de partida o reencontro com sua ancestralidade, buscando o
Lorena Pipa é graduada em Desenho de Imagem e Som pela UBA, Argentina. Cursou escolas seu entendimento como indivíduo negro na sociedade atual.
de música (Villa Lobos) e dança (Angel Vianna) e foi artista bolsista no Parque Lage e no Pro-
grama Arte Sônica Ampliada da Oi Futuro e British Council. Sua pesquisa combina performan- PV Dias é artista paraense que vive entre o RJ e o Pará, mestrando em Ciências Sociais na
ce com fotografia, vídeo, pintura, som e instalação. UFRRJ e com formação pela EAV Parque Lage no programa Formação e Deformação em 2019.
Sua pesquisa pensa na estruturação das imagens de um território e em possíveis rasuras
Mahyrah A. é artista, mãe e pesquisadora visual, formada em Pintura pela UFRJ. Em 2013, ao nessa estruturação. Um trabalho sobre intervenções em violências coloniais dos lugares por
se tornar mãe, questões sobre o cotidiano feminino e a maternidade começam a fazer parte onde o artista percorre.
da poética de seus trabalhos, que tiveram sua espacialidade potencializada. Antes bidimen-
sional, essa estruturação espacial, agora, “ganha o mundo”, a partir da espacialização das Rafael Amorim é poeta, artista visual e pesquisador independente. Graduado pela Escola
telas, apropriação de objetos do cotidiano e releituras de períodos e movimentos artísticos. de Belas Artes da UFRJ, interessa-se por práticas interdisciplinares nas artes visuais e pela
Os trabalhos ganham autonomia em forma de instalações, performances, apropriações e pas- reorganização de signos comuns ao território urbano.
sam a se desdobrar em torno de questões voltadas para um aprofundamento das condições
das mulheres e mães dentro dos campos da Antropologia, Sociologia, Filosofia e História da Raquel Gaio é licenciada em Letras pela UFRJ, é poeta e artista visual. Desenvolve trabalhos
Arte. entre a fotografia, a performance e o objeto, investigando a esfera do íntimo e a feição do
incontornável. Possui poemas e trabalhos visuais publicados em revistas do Brasil, México,
Mery Horta é artista, pesquisadora e educadora das áreas relacionadas de artes visuais, EUA e Portugal.
dança e performance. Doutoranda e mestre em Artes Visuais pelo PPGAV EBA/UFRJ. Formada
Bacharel em Dança pela UFRJ. Fundadora e Integrante do Mó Coletivo e do Coletivo Projeto Rodrigo Ferreira é filho de mãe carioca e pai pernambucano, nascido e criado na Zona Norte
Cia. Desenvolve trabalhos em que a performance dialoga com diferentes linguagens e dispo- do Rio de Janeiro, suburbano, educador e artista. Pesquisa cotidianos, através de relações
sitivos entre memórias e invenções. entre palavras e imagens, buscando outros modos de leitura. Brinca de repetir diferente. 

Mônica Coster é artista formada em Artes Visuais pela EBA/UFRJ e mestranda pelo PPGCA/ SEMA é estudante de Artes Visuais na UERJ, bolsista do projeto de extensão A imagem fora e
UFF. “Investigo o meu interior digestivo como um sistema aberto a outros seres e objetos que do projeto de pesquisa Arquiteturas de Artista: a construção de poéticas contemporâneas.
rondam a comida. Pratico a digestão escultórica e a escultura alimentar. Proponho a confusão Estudou videoinstalação na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Sua produção abrange
entre o ateliê e o estômago”. fotografia, instalação e vídeo. Já participou de exposições no Centro Municipal de Arte Hélio
Oiticica, na Galeria Aymoré, no Centro Cultural Phábrika, entre outros.

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Taísa Vitória é artista visual, graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ e moradora do Rio
de Janeiro. “As minhas produções circulam pela ideia do sensível e do concreto numa dança MINI-BIO / CONVIDADES
entre o que eu sei e o que eu sou capaz apenas de sentir”. 
Ana Paula Correa é doutora em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal
Thiago Saraiva é artista visual e Historiador da Arte da periferia do Rio, com passagem pela do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO (2018). Mestre em Museologia e Patrimônio pela
UNC, Argentina. Sua pesquisa articula memórias e práticas coletivas. Ao tratar de como os Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2011) e graduada em Museologia pela
corpos podem ser concebidos pelas relações com o outro e os espaços, desenvolve perfor- mesma Universidade (2000). Atualmente é professora adjunta e Coordenadora do Curso de
mances, vivências, fotografias e vídeos. Graduação em Conservação e Restauração, do Departamento de Arte e Preservação- BAP, da
Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência nas áreas
Vinícius Ribeiro é fotógrafo e cineasta, membro do coletivo Fotoguerrilha. Desde 2015 acom- de Museologia e Conservação-Restauração, atuando principalmente nos seguintes temas:
panha movimentos e manifestações sociais, trabalhando uma comunicação horizontal e po- preservação, conservação-restauração do patrimônio arquivístico e bibliográfico.
pular. 
Ana Raylander Mártis dos Anjos é nascida no cafundó do mundo (1995, Minas Gerais),
Vítor Dads Martins é artista visual, fotógrafo e videomaker. Mestre e Doutorando em Poéticas atualmente vive em São Paulo. Procura estabelecer um diálogo entre a história coletiva e
Interdisciplinares pelo PPGAV-UFRJ. Tem particular interesse pela interface imagem-tempo-u- a sua própria história, o que tem chamado de prática em coralidade, envolvendo grupos de
topia-negritude e nas suas explorações foto-imagéticas, sensoriais e táteis. pessoas para colaborações e experiências de aquilombamento. Com formação em palhaçaria,
bacharelado em Artes Visuais pela UFMG e Arte e Multimédia pela Escola Superior Gallaecia,
Thaís Basilio é nascida na Zona Norte do Rio de Janeiro, vive no município de Belford Roxo entende sua atuação como um fazer interdisciplinar e transversal. Vem recorrendo com
desde os dois anos de idade. Cursou Artes Visuais na UERJ e pós-graduação em Linguagens frequência aos saberes da educação, escrita, performance e brincadeira como forma de
Artísticas, Cultura e Educação no IFRJ. Desde 2008, participa de exposições e mostras ar- compor um maquinário verbal, corporal e ético para discutir suas urgências em projetos de
tísticas. Atualmente tem se dedicado à pesquisa pictórica, flertando também com o campo longa duração. Realizou mostras individuais no Brasil e Espanha. Em 2020 fez o primeiro
ampliado da escultura. Desenvolve atualmente o conceito de “mulheres-máquinas”, temática levantamento de artistas transmasculinos e não-binários nas artes visuais, reunindo 90
atravessada pelas seguintes questões: mulheres, raça e trabalho, automatização e fabrica- nomes. Vem atuando também com acompanhamento de projetos e cursos de formação, como
ção de subjetividades, robotização do corpo feminino, algoritmização da vida. o Lab Cultural, no BDMG Cultural (2020) e o Curso de História da Arte, na Pinacoteca do
Estado de São Paulo (2020).

Brune Ribeiro é uma bicha preta não-binária, pansexual, suburbana, macumbeira e não-
monogâmica. Mestranda em Artes Visuais, na linha de História e Crítica da Arte, pelo PPGAV/
EBA/UFRJ e Bacharela em História da Arte pela EBA/UFRJ. Possui uma graduação interrompida
em Museologia pela Escola de Museologia da Unirio. Atua como Educadora Museal desde
2015, tendo colaborado com: Museu Histórico Nacional (2019-2020); Museu de Arte do Rio
(2018); Centro Cultural Banco do Brasil RJ (2018); Museu Naval e Espaço Cultural da Marinha

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(2017); e Museu da Chácara do Céu / Museus Castro Maya (2015-2017). Gestora da Rede Santos Lobo em Santa Teresa/RJ; “Ao Longo da Linha do Trem” (2019) no SESC Engenho de
de Educadores em Museus e Centros Culturais do Rio de Janeiro - REM-RJ (2019-2021). Dentro/RJ; e “Estética da Comicidade” (2018) no Espaço UFF de Fotografia, ambas mostras
Pesquisadora no grupo de pesquisa “Educação Museal: conceitos, história e políticas”, MHN/ individuais do artista Carlos Contente; Também curou a exposição “A/FRONT/A” (2018) na
CNPq. Como curadora, integrou a equipe curatorial das exposições “Íris”, no Atelier Sanitário, Galeria Espaço Piloto da - UnB.
e “50 anos de Stonewall e os direitos da população LGBTQI+ no Brasil”, no EJJ/UFRJ, ambas
em 2019. Mauro Barros é formado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Facha;
o fotógrafo Mauro Barros (DRT: 17104/RJ) é um dos fundadores da Associação Phábrika de
Camilla Rocha Campos é artista, curadora, professora e escritora. Auto-revolucionária, seu Arthes e o idealizador do Centro Cultural Phábrika, onde além de ser o Coordenador executivo
trabalho prevê sistemas coletivos que desarticulam mecanismos de distinções sociais e atua como:Diretor de Arte, Produtor, Coordenador de Projetos e Cenógrafo, atualmente ocupa
intelectuais que insistem em operar desmedidamente hierarquias de poder. Mestre em teoria atualmente uma cadeira no Conselho Municipal de Políticas Culturais SMC/RJ.
e crítica de arte pela UERJ, Camilla é co-diretora da 0101 Art Platform de difusão da arte
afro-diaspórica. Atua como Coordenadora de Residências no MAM Rio e como professora e May Agontinme é artista, educadora e historiadora da arte nascida em Campinas (SP) e
membro do conselho de educação da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. baseada na zona leste de São Paulo. Enquanto artista, tem como foco em suas produções
o têxtil contemporâneo, partindo principalmente da técnica do crochê, entendendo-o
A coletiva NaPupila surgiu do interesse de três pesquisadoras-curadoras de praticarem suas enquanto um trabalho ancestral e manual. Investiga os monumentos nacionais construídos
visões pessoais sobre o ofício e as responsabilidades da curadoria em arte contemporânea no em homenagem à Mãe Preta em sua graduação em andamento em História da Arte na
contexto social e cultural. Somos um Hub de pesquisa curatorial online engajado na criação Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em 2020 teve um sua produção artística
de comunidades para profissionais das artes. Incorporamos Grupos de Estudos, Publicações, mencionada na quarta edição da revista online “Experiências Negras”, do Instituto Tomie
Programações Públicas como: exposições, campanhas e ações online. A NaPupila tem Ohtake. Em fevereiro de 2021 realizou sua primeira exposição individual “Iemanjá, Restauros
como agenda a criação de diálogos com públicos e agentes que não estão imediatamente Pretos” na loja do estilista Isaac Silva.
relacionados à arte através da internet. Entre as questões em que a NaPupila trabalha, há
especialmente uma central: a análise dos movimentos feministas por intermédio de uma
revisão da história da arte.

Jac Melo é Graduanda em Comunicação Social (jornalismo) pela Estácio de Sá, fez História da
Arte na EBA/UFRJ. Desde 2007, se dedica a projetos na área do audiovisual, da literatura e à
curadoria de exposições de artes visuais, atuando como produtora e curadora independente.
Atualmente é uma das gestoras da Casa da Escada Colorida. É curadora e organizadora
da sede Brasil do FICNOVA (2018 e 2020). Colabora voluntariamente, para o caderno de
cultura da Agência de Notícias Pressenza. No audiovisual, lançou a série documental “Tempo
Presente” (2020) e nas artes visuais assina a curadoria das exposições: “Tenha Fé” (2020),
para as redes sociais @laurindasantoslobo; “Raiz Comum” (2019-20) no CCM Laurinda

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TRABALHADORES Identidade visual Contador

ENVOLVIDOS
Luana Aguiar Eduardo Mendes Batista

Design do site e diagramação do Revisão do catálogo


catálogo
Renata Quintella
Thiago Fernandes

Realização e curadoria Raquel Gaio Agradecimentos:


Rodrigo Ferreira Mídias sociais
Danúbio Aguiar, Eduardo Mendes Batista,
Carolina Rodrigues SEMA Felipe Stefani, Ivair Reinaldim Janaína
João Paulo Ovídio Taísa Vitória Daniel Barboza Santos, Priscilla Casagrande e
Rafael Rodrigues.
Luana Aguiar Thaís Basilio Bruno Cesar
Priscila Medeiros Thiago Saraiva
Vinicius Ribeiro Assessoria de imprensa
Vítor Dads Martins
Artistas Priscilla Casagrande

Águi Berenice Palestrantes


Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda.
Andréa Nasci Ana Paula Correa de Carvalho
Arcasi Brune Ribeiro
Guilherme Kid Camilla Rocha Campos
Lorena Pipa Jac Melo
Mahyrah A. Mauro Barros
Mery Horta May Agontinme
Mônica Coster NaPupila [Ana Lobo, Julia Baker e
Pedro Carneiro Michaela Blanc]
PV Dias Ana Raylander Mártis dos Anjos
Rafael Amorim
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