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R$ 25,00
nº 493
em busca
do foco
perdido
Nunca foi tão difícil se concentrar como nos dias de hoje — um fenômeno que alimenta o estresse e a
ansiedade. Conheça os maiores ladrões de atenção e os hábitos que ajudam a mantê-la ou recuperá-la
CLUBE DE REVISTAS
NESTA EDIÇÃO
CLUBE DE REVISTAS JULHO 2023
30
EM BUSCA DO
FOCO PERDIDO
Vivemos cercados
de ladrões de atenção.
Mas é possível driblá-los
e adotar hábitos que
melhoram a concentração
42
ADOÇANTES: UMA
48
MERCADORES
QUESTÃO À MESA DA CURA
Eles deixaram de ser Uma investigação
indicados pela OMS mostra como empresas
como estratégia para lucram vendendo
perder peso. Entenda as promessas sem
polêmicas com a classe evidência científica
56
A FARMÁCIA
DO SÉCULO 21
Aumenta o cardápio
de serviços oferecidos
pelas drogarias. Além
de vacinas, há exames
e atendimento online
SEÇÕES
O QUE EU ESTAVA
FAZENDO MESMO?
J uro que contei: desde o
instante em que sentei
para escrever este texto até a
reportagem de capa desta edição,
um trabalho informativo e reflexivo
recheado de pesquisas, entrevistas,
sua conclusão e releitura, perdi a advertências, conselhos e
concentração na tarefa 18 vezes. sugestões de leitura. André diz
Em todas elas, a culpa foi da tela ter aprendido e buscado colocar
vizinha à do computador em que em prática alguns dos princípios
redijo estas linhas: a do celular. evocados na pauta. “Faz tempo
Está certo que quase sempre que desativei as notificações CHEGAM
desviei meus olhos para ele em sonoras do celular. Caso contrário, REFORÇOS
função de notificações atreladas não faria outra coisa da vida”, É um prazer apresentar
a questões de trabalho. Como conta. “Tento não ser multitarefa, à nossa comunidade
mais de meio mundo, dependo mas nem sempre consigo por de leitores os dois
dessa ferramenta para tocar causa da profissão. Mas gostei repórteres que
várias frentes da labuta ao mesmo do conceito do mindfulness, a passam a integrar
tempo e, sem querer, volta e meia atenção plena, e, na medida do a equipe de VEJA
me vejo enredado em alguma possível, vou procurar segui-lo”, SAÚDE, emprestando
mensagem ou post fora do campo prossegue nosso colaborador seu talento, foco e
estritamente profissional. No fim, carioca. Ele não está sozinho dedicação às matérias
é um modus operandi que, com nesse barco. Se não respirarmos da revista e do site.
frequência, nos deixa estressados, fundo e colocarmos as mãos no Com vocês, Larissa
ansiosos e cansados. Escritores leme, dificilmente atravessaremos Beani, jornalista
e pesquisadores da área da águas tranquilas. Pior: não natural de São Paulo
saúde mental e da neurociência chegaremos a porto algum. É a que atuou no Jornal
são categóricos em afirmar que velha história de começar uma da USP e na Galileu.
estamos cada vez mais sem foco porção de coisas e não terminar E Lucas Rocha, um
— e sedentos dele. Somos vítimas, nenhuma, afogando-se num mineiro que já viveu
mas também cúmplices, dos sentimento de frustração e fadiga no Rio e hoje está
“ladrões de atenção”, para usar a eterna que movimenta um círculo na capital paulista,
expressão de Johann Hari, autor vicioso. E é nessas que, exaustos, com passagem pela
de um livro que acaba de chegar perdemos o foco e a produtividade Agência Fiocruz de
às livrarias cujo título resume bem de vez. “Cansado, não escrevo Notícias e pela CNN
o cenário atual: Foco Roubado, nada, nem bilhete”, crava André. Brasil. Bem-vindos
publicado pela editora Vestígio. É hora de repensarmos como a bordo!
O celular, a internet e as redes desembarcamos nessa praia e
sociais furtam nossa concentração, replanejarmos as rotas e o destino
mas não estão sozinhos nessa em mente. Pode ser desafiador,
quadrilha de agentes sabotadores mas nos sentiremos mais
da cognição. É o que expõe o presentes, fecundos e felizes — e
jornalista André Bernardo na não com a cabeça em outro canto.
Diogo Sponchiato
Ilustração: Redator-Chefe
Estúdio Barbatana
Direção de arte:
Estúdio Coral
Tratamento de imagem:
Marisa Tomas
CLUBE DE REVISTAS
Fundada em 1950
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(1907-1990)
ROBERTO CIVITA
(1936-2013)
Para escutar outras Publisher:
vozes, seus desafios, Fabio Carvalho
histórias e dilemas
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1º e 2º andares, Vila Romana, São Paulo, SP, CEP 05061-450
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o pensador francês
examina os poderes e as
limitações dos sentidos
na apreensão do mundo VEJA SAÚDE, edição 493, julho de 2023 (ISSN 0104-1568),
é uma publicação mensal da Editora Abril.
à nossa volta. VEJA SAÚDE não admite publicidade redacional.
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Duração: 1h45min
Onde assistir: cinema
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CONEXÃO
CLUBE DE REVISTAS
A gordura no fígado se
tornou uma questão de
saúde pública, afetando ao menos
algum tipo de teste para apurar
a situação hepática — 40%
realizaram inclusive tanto exames
Amei o texto da Patricia
Julianelli sobre o jogo dos sete
erros com a comida. Ela me
três em cada dez brasileiros — de sangue como de imagem. representa! Foi perfeita, direta
índice que sobe absurdamente Um dado positivo, se pensarmos e reta nas colocações. Que
quando há diabetes ou obesidade que, se flagrado precocemente, timaço de jornalistas vocês têm
na parada. Pois essa condição, o quadro pode ser controlado ou aí! Ganharam meu coração
capaz de levar o órgão à falência até revertido com mudanças no desde a primeira palavra que li
aos poucos, costuma ser estilo de vida, perda de peso e na revista. Obrigada por tanto!
silenciosa durante anos. Daí a remédios prescritos pelo médico. Erica Rizzotto, por e-mail
importância de realizar um check- Fora o acúmulo gorduroso em si,
-up preventivo com exames de um bom check-up investiga outros A reportagem sobre o
sangue e imagem. Felizmente, a fatores capazes de comprometer fígado é um trabalho de
maioria do público que respondeu o órgão, como a presença de utilidade pública!
à nossa última pesquisa já fez hepatites virais.
Denis Arruda, por e-mail
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DIVERSIDADE NOS BLOGS E-mail: saude.abril@atleitor.com.br
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SA493_radar da saúde.indd 8
CLUBE DE REVISTAS
por DIOGO SPONCHIATO ilustração PEDRO GONÇALVES
“Considerando
que as conexões
humanas podem
promover a saúde
e prevenir doenças,
e que o isolamento
tem repercussões
negativas no bem-
-estar, constata-se
que a conexão
80 anos da primeira Úteros artificiais estão empática entre
máquina de diálise mais próximos da realidade o profissional e o
O médico holandês Willem Kolff Entre as cenas de ficção científica que paciente consiste
entrou para a história ao criar um devem ser transpostas para o nosso em um tipo de apoio
equipamento capaz de realizar o dia a dia, ganham holofote estruturas social, com todos os
trabalho dos rins e filtrar o sangue do que simulam o útero materno seus benefícios. O
corpo. Em 1943, ele testou o protótipo e viabilizam o desenvolvimento cuidado empático
de um maquinário para diálise, de embriões. Isso já funciona em apresenta impacto na
inaugurando uma era que permitiu a laboratório e há quem diga que é redução do estresse
milhões de pessoas com problemas questão de tempo até se tornar um e na ansiedade,
renais sobreviver. Hoje, cerca de 145 mil método regulamentado e alternativo concorrendo para
brasileiros dependem dessa invenção. à gestação natural. Será? a redução da dor,
da depressão e do
risco de doença
cardíaca (...) Quando
o paciente se sente
compreendido pelo
profissional, isso gera
UM LUGAR UM DADO
conectividade, o que
conduz à formação
de uma aliança
terapêutica.”
Aline Albuquerque,
autora do livro
Empatia nos Cuidados
em Saúde (Manole)
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ALIMENTAÇÃO
CLUBE DE REVISTAS
INTEGRAL
OU NÃO? EIS
A QUESTÃO !
Mudaram as regras Produtos
de rotulagem para que não cumprem
pães e companhia os requisitos não podem
ter palavras, símbolos ou
ilustrações no rótulo que
O QUE MUDOU?
C om a
valorização de
alimentos dotados de
As empresas terão de ser mais
claras quanto aos ingredientes
indiquem que eles são
integrais
X Fotos: Daniel Grizelj - Getty Images (batata) e Ratikova - Getty Images (pão)
que quisessem ou Líquidos
até não colocar, Na embalagem, a
e, mesmo assim, palavra “integral” deve
vendiam o produto ser substituída pela Refinados
como integral”, conta expressão “com cereais
a nutricionista Mariana Passam por processos
integrais”.
Ribeiro, do Instituto químicos em que
Brasileiro de Defesa perdem parte das
Farinhas fibras, vitaminas e
do Consumidor (Idec).
“Mas vale lembrar A resolução não se minerais. Têm menor
que ser integral não é aplica às farinhas valor nutricional e
sinônimo de saudável. integrais e aos produtos tendem a fazer a
Principalmente feitos exclusivamente glicemia subir mais
em alimentos com cereais integrais. depressa.
ultraprocessados”.
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SORVETE NO INVERNO:
PODE OU NÃO PODE?
É só baixar a temperatura que a discussão SORVETE DE MASSA
retorna. Saiba o que é mito e verdade
Água, açúcares, gordura hidrogenada,
INGREDIENTES
frações sólidas não gordurosas do
E m pleno 2023,
os amantes
de sorvete ainda
associação não existe,
e que o sorvete pode
até ajudar a aliviar
leite, ar, emulsificantes, aromatizantes
e corantes. Pode ter polpa de fruta.
são julgados por alguns sintomas”,
consumirem a delícia conta o médico Braian
no frio. Ainda mais Sousa, da Sociedade
por ser uma época Brasileira de Pediatria Feito por grandes indústrias, com
PRODUÇÃO
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GELATO SORBET
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Tostar Dourar
SEGREDOS
DO CHEF A passagem pelo fogo A ideia aqui é deixar o
Autor do livro, Yotam
Ottolenghi divide quatro
técnicas essenciais em
1 até alterar a superfície
do alimento produz
mudanças químicas e
2 vegetal no forno, por
exemplo, para mudar
sua consistência e
sua cozinha libera sabores. alavancar seu aroma.
14 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
Um ensopado
cai bem quando
o clima esfria, mas
o livro traz inúmeras
receitas, quentes ou
frias, salgadas
e doces
Infundir Maturar
A lógica é extrair no Com algumas sacadas,
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CÂNCER: MENOS
PODE SER MAIS
Medicamentos e procedimentos
menos agressivos foram destaque
do grande congresso da área
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CLUBE DE REVISTAS por PAULA FELIX
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3 17
MEDICINA
CLUBE DE REVISTAS
CONTAGEM ENTREVISTA
REGRESSIVA PARA A
Quando essa questão começou a A que fatores se deve essa queda?
ESPÉCIE HUMANA? preocupar a senhora? Para começar, um que eu não
Em novo livro, cientista Quando vi um estudo publicado em considero relevante é a genética,
americana alerta sobre os efeitos 1992. Esse trabalho, de cientistas porque a queda foi muito rápida,
da vida moderna na fertilidade dinamarqueses, apontava para uma ocorreu em duas gerações. Se não
queda dramática na contagem de é genético, então é ambiental.
espermatozoides no sêmen masculino. Divido os fatores ambientais em
S hannah Swan é uma
epidemiologista experiente,
que há décadas se debruça sobre
Naquele momento, fui cética. Estava
menos preocupada com o resultado e
duas seções. Primeiro, os de estilo
de vida, como cigarro, álcool, uso
mais em encontrar explicações para de drogas, sedentarismo e dieta
a fertilidade humana. É professora ele. Então fiz outro estudo e considerei desequilibrada. Há uma literatura
da Escola de Medicina do Hospital aspectos que poderiam influenciar nos científica considerável dizendo que
Monte Sinai, em Nova York, e achados, como estresse e saúde dos tudo isso pode afetar a contagem de
considerada uma autoridade no participantes. E foi impressionante, espermas no homem. Entretanto, os
estudo da relação entre o ambiente porque cheguei ao mesmo resultado: fatores nos quais estou focada agora
e a capacidade de ter filhos. uma queda anual de cerca de 1% são os que causam mudanças que
As credenciais são necessárias na contagem de espermas. Isso ocorrem muito cedo, em especial
porque seu discurso poderia soar significava que era preciso levar a quando o homem ainda é um feto
sensacionalista se não viesse de questão mais a sério. E, aí, nos anos no útero da mãe. Alterações sofridas
uma referência da área. No livro 2000, depois de estudar por muito nesse período, como a exposição
Contagem Regressiva, publicado no tempo esse tema, comecei a ficar da gestante a certos compostos
Brasil pela Alaúde, ela alerta para realmente preocupada. presentes no ambiente, são
uma queda vertiginosa na fertilidade, significativas e permanentes.
Quando essa queda começou?
dando destaque para o abalo que E não podem ser consertadas,
Ela ocorre na mesma velocidade
ocorre entre os homens. Há risco de até onde sabemos.
desde então?
se chegar a um nível crítico para a
Há evidências de que o declínio Quais são as substâncias
continuidade da espécie lá na frente.
teve início nos anos 1950, mas a químicas mais preocupantes?
A obra, produzida em parceria com
a escritora especializada em saúde e maioria dos estudos analisa dados São os chamados disruptores
ciência Stacey Colino, conjuga uma a partir dos anos 1970. Entre 1973 endócrinos, que estão em produtos
série de pesquisas que corroboram e 2018, a diminuição na contagem que usamos todos os dias. Ao olhar
o alarme, entre elas investigações ficou na média de 1% ao ano. Só para o sexo masculino, os mais
sobre o papel de agentes químicos que, se considerarmos de 2000 em importantes são os ftalatos. Há
a que estamos expostos. Essas e diante, essa média quase dobra. As uma linha direta entre a exposição
outras questões foram abordadas pesquisas ainda são insuficientes pré-natal a eles e a diminuição de
com Shannah em um bate-papo para fazer grandes conclusões, mas fertilidade na vida adulta. São muitos
exclusivo com VEJA SAÚDE. parece haver uma aceleração, sim. tipos, presentes, por exemplo, em
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CLUBE DE REVISTAS por CHLOÉ PINHEIRO
com portadores
de epilepsia. O
achado poderá
melhorar terapias
de estimulação
para doenças
neurológicas.
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MEDICINA
CLUBE DE REVISTAS
A morte de
quatro
pessoas que
são os principais
transmissores, com
destaque para o
compareceram a carrapato-estrela”,
diferentes eventos em conta o veterinário
uma mesma fazenda Márcio Barboza,
em Campinas gerente técnico
(SP) ganhou as de pets na MSD
manchetes em junho. Saúde Animal. “Em
Elas adoeceram de menor frequência, o
febre maculosa, carrapato-marrom,
infecção transmitida comum em cães,
por carrapatos que também pode ser um
infestavam o local vetor”, prossegue.
das festas. Na última Sorrateiros, esses
década, mais de 2 parasitas sobrevivem
mil casos da doença em diferentes CIDADES COM MAIS
foram registrados ambientes (de matas CASOS DE FEBRE
MACULOSA EM SP Piracicaba
pelo Ministério da a domicílios) e se Americana
Saúde — 62% deles
no Sudeste. A região
alimentam do sangue
de diversos animais,
(de 2007 a maio
de 2023) 87 40
também concentra como capivaras,
o maior número cavalos, bois,
de mortes: 623 das cachorros e seres
703 notificadas. humanos. E pior: não
Para prevenir surtos disseminam apenas Santa
assim, é necessário o a febre maculosa, Bárbara
controle dos vetores. particularmente d’Oeste
“Os carrapatos do
gênero Amblyomma
terrível para
nossa espécie. 47 Campinas
115 Valinhos
51
A DOENÇA EM DETALHES
Causa Sintomas
No Brasil, duas bactérias provocam Os primeiros sinais são febre alta,
febre maculosa — com quadros dor de cabeça e muscular. Depois,
clínicos diferentes. A Rickettsia surgem manchas avermelhadas que
rickettsii está associada a casos dão nome à doença (maculosa vem
graves e a R. parkeri, aos moderados. de macula, latim para “mancha”).
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CLUBE DE REVISTAS por LARISSA BEANI
MANUAL DE PREVENÇÃO
VETORES DE
O racional é manter-se livre do carrapato-estrela ENCRENCAS
Na natureza, os
carrapatos podem
ser infectados
por diversos
patógenos. Por
Traje a rigor Fragrância isso, eles são
Em ambientes de risco, Guias oficiais orientam os principais
use roupas compridas o uso de repelentes, transmissores
e botas. Também é mas há controvérsias de enfermidades
recomendado verificar em relação às como a doença de
a cada duas ou quatro concentrações do Lyme, a babesiose
horas se não há princípio ativo, que e a erliquiose.
parasitas presos ao deveriam ser superiores “Esses aracnídeos
corpo. Fique de olho! às disponíveis no Brasil. estabelecem
relações
exclusivamente
parasitárias com
seus hospedeiros,
ou seja, não há
benefício algum ao
animal infestado”,
Tem um aqui! Proteja seu pet afirma Barboza.
Não use as mãos nem Carrapatos transmitem Eles estão por
esprema o carrapato. febre maculosa e outras trás de problemas
“Retire-o com uma pinça doenças aos cães (casos
que vão de
fazendo um movimento entre gatos são raros).
rotacional”, ensina o O veterinário de coceira a febres
infectologista Gerson confiança pode indicar fulminantes. Não
Fonte do mapa: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo / Foto: Maria Ogrzewalska - Getty Images
Salvador, da USP. Isso o melhor produto para à toa, é essencial
reduz o risco de infecção. erradicar o parasita. manter os locais
limpos para evitar
infestações.
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MENTE SAUDÁVEL
CLUBE DE REVISTAS
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V E J A SAÚ D E j U l H O 2 0 2 3 23
caminhadas, ele combina sola em ondas, espuma high-tech mais leve e resistente e
palmilha que promete melhor retorno de energia para oferecer passadas mais
suaves a despeito do tipo de solo. Chega às lojas por 899,99 reais.
2 4 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
JÁ OUVIU FALAR
EM PICKLEBALL? A modalidade
tem raquetes e
O esporte que mescla pingue-pongue, bolas próprias, mas
badminton e tênis está ganhando adeptos é bem fácil
de aprender
D epois do beach
tennis, outra
modalidade que
em 1965, o jogo
requer equipamento
específico, mas é
depende de raquetes bastante democrático:
começa a buscar um crianças, jovens e
lugar ao sol no país. idosos podem se
É o pickleball, esporte divertir e competir. A
que mais cresceu em princípio, as partidas
número de praticantes não exigem um
nos Estados Unidos baita preparo físico,
nos últimos anos e podendo ocorrer em
tem conquistado fãs quadras fechadas
por aqui — a federação ou ao ar livre. E olha
responsável pela que a coisa está se
atividade estima que profissionalizando. Lá
pelo menos 2 mil fora, já tem torneio Cada partida,
brasileiros pratiquem oficial, e lendas de individual ou em
no dia a dia, volume outros esportes vêm duplas, vai até 11
ainda bem menor investindo em times e pontos, marcados
que o americano. marcas dedicadas ao por quem saca
Inventado nos EUA pickleball.
REGRAS DO JOGO
O pickleball dá seus primeiros passos em parques e quadras pelo Brasil
Equipamento
2 6 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
D ê poder a alguém
e descobrirá quem
a pessoa realmente é. O
necessariamente todo mundo.
Ele transforma todo mundo,
mas não traz a garantia de
amor é também um poder. uma evolução.
Portanto, ocorre sempre Carregamos quem somos para
uma transformação da dentro de um relacionamento,
nossa personalidade quando com a bagagem de nossas
começamos a amar alguém. qualidades e nossos defeitos.
Alguns ficam mais calmos, Aquele ser tão fofo, agradável
mais seguros, mais tranquilos; e independente pode virar, de
outros se tornam mais chatos, repente, com a convivência de
desconfiados e controladores. um namoro ou casamento, um
A gente nunca sabe qual será grude insuportável.
a mutação com o início de Pode mandar quarenta
um namoro. Há quem relaxe, mensagens diárias, cobrar
respeitando o espaço do outro. que você não ouviu um áudio,
E há quem passe a ter ciúme, reclamar que não atendeu
demonstrando possessividade. uma ligação, que não conferiu
É uma caixinha de surpresas, um post no Instagram. Você
às vezes uma caixinha de descobre que não tem um
Pandora, aquela que liberta companheiro ou companheira,
alguns horrores. mas pegou um carrapato.
Nem sempre abrir a tampa Amor não é disponibilidade
de um temperamento é integral. Para evitar a
alvissareiro. Existem casos dependência tóxica, é
em que a pessoa era uma recomendável que cada lado do
companhia mais atraente casal possua diferentes fontes
quando ainda não era amada. de felicidade além do romance
Sim, talvez sem perceber, você para não viver unicamente
gostava mais dela quando não dele, para não sobrecarregá-
havia amor em jogo... Ela se -lo com as suas expectativas e
esforçava mais em ouvi-lo e frustrações. O amor, esse poder
respeitava sua individualidade. maior, vem de graça, porém é
Depois que a relação começou, capaz de falir a sua vida no caso
parece que o parceiro esqueceu de uma doação irrefreável.
que você existia antes dele. A gratuidade dos sentimentos
Quer fazer tudo junto e, mais não deve implicar que
grave, tudo do jeito dele. aceitemos passivamente o que
Perde-se, assim, a liberdade, recebemos do outro. É preciso
que é o alicerce da admiração e recusar o ciúme, a chantagem,
da amizade. Você até gostaria a ameaça, a birra, a raiva, a
de pedir para que voltasse censura, a falta de educação,
a amar menos, gostaria que ainda que estejam dentro de
a pessoa voltasse a ser um um pacote com momentos
“ficante”, pois só funcionava agradáveis.
mesmo desse jeito. Dentro do amor, nem sempre
Não podemos mais surgem dadivosos sentimentos.
acreditar que o amor melhora Escolha, filtre, rejeite o que não
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CLUBE DE REVISTAS
por FABRICIO CARPINEJAR ilustração PEDRO GONÇALVES
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CLUBE DE REVISTAS
em busca
do foco
perdido
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CLUBE DE REVISTAS
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CLUBE DE REVISTAS
O
escocês Johann Hari estava em Gra- funcionários de uma empresa de gestão de investi-
celand, visitando a mansão onde El- mentos conseguiam permanecer focados em uma
vis Presley morou, em Memphis, nos mesma tarefa. O resultado foi surpreendente: dois
Estados Unidos, quando teve a ideia minutos e 30 segundos. Com essa duração, não se-
de escrever um livro sobre “ladrões riam capazes de ouvir por inteiro clássicos de Elvis,
de atenção”. O insight não foi aleatório. Logo que como Suspicious Minds. Em 2012, a psicóloga repe-
chegou, o jornalista recebeu um iPad, com todas as tiu o experimento e deparou com um tempo ainda
instruções para visitar a propriedade. E ficou espan- menor: 75 segundos. Em 2020, nova aferição, e novo
tado ao ver como os turistas, em vez de curtir o lugar, susto: 47 segundos. “Estamos focados quando nossa
permaneciam com os olhos na tela. Só desgrudavam mente assume o controle de algo e exclui todo o res-
para tirar e postar fotos. A certa altura, teve vontade to”, define a pesquisadora. Só que, a exemplo das oni-
de gritar: “Olhem em volta! Não precisam ver na tela. presentes telas, existem adversários dessa operação
Estamos em Graceland!” Mas ficou calado ao ver que cerebral. “O maior inimigo do foco é a exaustão.
até seu afilhado, um fã do Rei do Rock, estava bisbi- Quando estamos cansados, não temos combustível
lhotando o dispositivo. “Pense em algo que você lu- para nos concentrar. A saída é tirar uma soneca ou fa-
tou para conquistar: pode ser abrir um negócio, ser zer uma pausa e reabastecer o tanque”, afirma Gloria.
um bom pai ou tocar violão. Seja lá o que for, exigiu Se levar nossa atenção embora é fácil — qualquer
tempo e dedicação”, raciocina Hari, autor do recém- notificação de celular consegue —, trazê-la de volta
-lançado Foco Roubado (Vestígio). “Se a sua capaci- pode ser desafiador. Um estudo do psicólogo
dade de concentração desmorona, sua habilidade de Michael Posner, da Universidade do Oregon (EUA),
atingir objetivos também. Não há nada errado conos- descobriu o tempo necessário para recuperarmos to-
co. Há algo errado com o mundo em que vivemos.” talmente o foco. Adivinhe: cinco, dez, 15 minutos?
Para redigir a nova obra, o escritor entrevistou Nada disso: chega a 23 minutos! Tempo demais, não?
mais de 250 cientistas. Um deles foi Gloria Mark, da Quem também investiga o assunto é a neurocientista
Universidade da Califórnia (EUA), que estuda o im- Amishi Jha, da Universidade de Miami (EUA). Em Sa-
pacto da tecnologia e da mídia digital na vida das pes- gaz – Encontre Seu Foco e Mude Sua Vida em 12 Mi-
soas. Em 2004, ela cronometrou por quanto tempo nutos por Dia (Principium), ela compara o foco a uma
e i t os
c
Con t er
a
par ente O foco
m É a capacidade de se concentrar
em em algo (uma atividade ou um
pensamento) e de neutralizar as
distrações internas e externas.
Pode ser interior (reflexões), nos
outros (diálogos) ou no mundo
ao seu redor (tarefas).
32 V E J A SAÚ D E J U L h O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
tocha que ilumina uma caverna. Faz sentido. Deriva- não é dom, é sobrevivência”, sentencia Harriet. Para
da do latim focus, a palavra quer dizer “fogo”. Mas, fortalecer essa capacidade humana, não há escapató-
antes de acender sua tocha, Jha recomenda a seguin- ria: é preciso prestar atenção a uma coisa de cada vez.
te pergunta: o que você está procurando? Qual é o “Tentar fazer tudo ao mesmo tempo pode ser alta- Desfocou? Leia os
quadros em volta e
seu objetivo? Caso contrário, corre o risco de a tocha mente desgastante para o cérebro”, alerta a escritora.
retorne ao texto
se apagar e você ficar às escuras, sem conseguir en- Sim, o lema do “multitarefas” não só é contraproduti-
contrar o caminho. “Estar focado é como apertar a vo como esgota nossas reservas cognitivas.
tecla play de nossa vida”, filosofa a autora. “Estamos Felizmente, é possível treinar os neurônios e tor-
dispersos quando retrocedemos ou avançamos a nar a cabeça mais focada e menos dispersa — palavra
fita. Retroceder significa ruminar arrependimentos da ciência. A sugestão da psicobióloga Elisa Kozasa,
e avançar, antecipar preocupações”, resume. baseada nos estudos de neuroimagem que realiza no
Não basta selecionar uma atividade qualquer — Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert
estudar para uma prova, treinar para uma maratona Einstein, em São Paulo, é a meditação, que promove
ou preparar-se para uma palestra — e debruçar-se um respiro para o sistema nervoso. “Não importa a
nela. É preciso bloquear os outros estímulos irrele- técnica. O importante é começar com alguns minutos
vantes ou prejudiciais àquela tarefa. Autora de A e ir aumentando o tempo de prática”, orienta. Nessa
Arte da Concentração (Larousse), a inglesa Harriet linha, o escritor americano Jon Acuff diz ser prova
Griffey divide as distrações em internas e externas. viva de que podemos desenvolver a habilidade de fi-
As internas englobam, além dos pensamentos, car no aqui e agora. Em dez anos, lançou oito livros
fome, sede, ansiedade... As externas abrangem celu- — o nono chegará às livrarias em breve. “Não sou a “Um barco p
lar, redes sociais, barulho, frio e calor. A escritora pessoa mais disciplinada do mundo, mas aprendi a ser um objetarece
cita uma pesquisa do psiquiatra Glenn Wilson, do ter foco”, orgulha-se o autor de Trilhas Sonoras da fim é naveg o cujo
King’s College de Londres, que analisou o compor- Mente (Sextante). Para ele, o inimigo número 1 da Mas o seu ar.
tamento de mais de mil voluntários e descobriu que concentração é o celular. “Ele foi projetado por alguns
não é navegfim
chegar a umar. É
pelo menos metade deles parava o que estava fazen- dos cientistas mais inteligentes do mundo para rou-
do para responder a e-mails. Com isso, sofriam uma bar nosso foco”, afirma. E o leitor? Está acompanhan- porto”
queda de até 10 pontos no seu QI. “Concentração do a matéria ou checando outra coisa na tela? Fernan
do P
português essoa, poeta
A atenção A concentração
Os tipos mais comuns são a seletiva É o ato de trazer para o centro
(quando você elege um estímulo e determinada atividade ou
bloqueia os demais), a alternada pensamento. Mas atenção: ninguém
(quando você oscila o foco entre, consegue permanecer concentrado
no máximo, dois estímulos) e a em algo horas e horas por dia. Em
sustentada (quando consegue geral, permanecemos 50% do tempo
mantê-la por um longo período). assim e 50%, distraídos.
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3 33
CLUBE DE REVISTAS
No dia 17 de abril de 2019, o compositor Bob tre os malefícios, estão dependência (30%), fake news
Dylan interrompeu um show em Viena, na Áustria, (25%) e sedentarismo (24%). Para 67% dos partici-
para reclamar de um sujeito que não parava de foto- pantes, o uso excessivo é comparado a um vício. E
grafá-lo. Irritado, avisou: “Podemos tocar ou fazer mais: 47% deles sairiam de casa sem carteira, mas
pose”. Não demorou muito e abandonou o palco. nunca sem o celular. “Em alguns casos, você pode vi-
Quatro anos depois, em turnê pela Espanha, ele proi- ver sem álcool e cigarro. Mas, em outros, não conse-
biu o uso de smartphones pela plateia. O público de- gue viver sem usar a internet”, compara o psiquiatra
veria guardá-los em estojos lacrados. Se quisessem li- Antonio Egidio Nardi, professor da Universidade Fe-
gar o aparelho, teriam de se dirigir a um local deral do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos fundadores
reservado. Dylan não é um caso isolado. Outros can- do Instituto Delete. “É preciso buscar o uso consciente
tores, como Adele, Alicia Keys e Chris Martin, já re- da tecnologia. Há vida além do mundo digital.” Pois é,
clamaram dos fãs que, em vez de prestarem atenção esses recursos roubam o foco... da vida real.
ao espetáculo, preferem tirar fotos, gravar vídeos ou E isso pode ser um perigo. Segundo a Associação
enviar mensagens. “Em São Paulo, as pessoas assis- Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), o país
tem ao show pelo celular”, ironizou Mick Jagger, o lí- registra cerca de 30 infrações por hora devido ao uso
der dos Rolling Stones, em turnê de 2016. Uma pes- do celular ao volante. Muitos motoristas, não satisfei-
quisa traduziu em números a insatisfação não só dos tos em conversar enquanto dirigem, ainda digitam
artistas mas também do público: 70% dos britânicos mensagens de texto — infração que aumenta em 23
se incomodam com o uso de gadgets nos eventos. vezes o risco de acidentes. “Enviar um recado pelo
No Brasil, a situação não é diferente. Maria Bethâ- WhatsApp a 80 km/h equivale a percorrer uma dis-
nia já reclamou da fã que atendeu o celular na hora do tância de 100 metros com os olhos vendados”, com-
show e, na maior cara de pau, engatou um bate-papo. para o médico Flávio Adura, diretor da entidade . Na
“É deselegante”, descreveu a cantora. O escritor Luis melhor das hipóteses, o motorista flagrado com o apa-
Fernando Verissimo também se queixou publica- relho toma multa. Na pior, provoca uma tragédia.
mente das pessoas que, durante a exibição de um fil- O escritor Jon Acuff não está exagerando quando
me, ligam o smartphone no cinema para verificar e- diz que os computadores (e as mentes por trás deles)
-mails ou o WhatsApp. “Sou contra a pena de morte. querem pescar a gente. Um dos truques usados pelos
Mas, em alguns casos, abriria uma exceção”, brincou. gurus do Vale do Silício é a barra de rolagem infinita.
Pelas ruas, o problema se repete. Na crônica Fui Atro- Basta deslizar o dedo pela tela e, pronto!, você ficará
pelado por um Zumbi na Calçada, Joaquim Ferreira aprisionado numa sequência de posts. Outra artima-
dos Santos alerta para o perigo de quem anda nas nha é a reprodução automática de vídeos. Mal termi-
ruas com “coração, mente e olhos conectados no na um e já começa outro. Assim como os alertas visu-
Grande Líder”. “O zumbi antigo comia cérebros. O ais e sonoros de notificação. Atire o primeiro celular
atual tem o cérebro comido pela caixinha”, adverte. quem nunca perdeu o fio da meada ou se sentiu an-
No ranking de mortes por tentativa de selfie (sim, isso sioso com um deles. “Na era virtual, nossa atenção se
existe!), o Brasil já está em quinto lugar. transformou em um bem cada vez mais raro e valio-
Uma pesquisa da operadora Vivo, Luz e Sombra da so”, explica a psicóloga Anna Bentes, professora da
Tecnologia, procurou traçar um perfil dos usuários e Fundação Getulio Vargas (FGV). “Vivemos em um
apontar os lados positivo e negativo de smartphones e contexto paradoxal. De um lado, exigem de nós foco
computadores. Entre os benefícios, os 1,2 mil entrevis- e produtividade. De outro, somos bombardeados por
tados listaram acesso a informação (38%), apoio no fontes de distração. Saber autogerir a atenção é uma
trabalho (26%) e aproximação das pessoas (24%). En- habilidade cada vez mais necessária.”
“Você nunc
chegará ao a
jornada se pfim da PROCRASTINAÇÃO: QUANDO O PRESENTE VIRA FUTURO
para arreme arar
uma pedra t ssar
De origem latina, a palavra significa adiar ou postergar, mas, em bom português, poderíamos
dizer “enrolar”. “Ninguém é procrastinador porque quer. Sabemos que atrasar algo não é bom,
que um cão oda vez mas atrasamos assim mesmo”, diz o suíço Nils Salzgeber, autor de Pare de Procrastinar (Auster),
ladrar” que divide essa turma em crônicos e ocasionais. Já o pesquisador canadense Piers Steel lembra
Wins ton Ch
britânico urchill, político que o hábito pode ser nocivo quando se trata de cuidar da saúde: “O diagnóstico precoce sempre
é melhor que o tardio”. Que tal focar no seu próximo check-up?
3 4 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
!
é pra já
Como
ar
não Deix a
r
tUDo pa
Depois
Organização Divisão
Faça uma lista das tarefas que você Fatie tarefas mais complicadas em
tem para cumprir. Da mais para subtarefas. E estabeleça um prazo
a menos urgente. Não deixe que razoável para concluir cada etapa.
compromissos de última hora “furem Quanto antes começar, melhor: mais
a fila”. A ideia não é começar pelo tempo você terá para executá-la. A
mais fácil, mas priorizar o que é cada subtarefa concluída, procure dar
mais relevante agora. uma pausa antes de retomar.
Ambiente Priorização
Tente criar um espaço de estudo ou Se não sabe por onde começar, existe
trabalho favorável à realização da uma lógica simples de tomada de
tarefa. Evite distrações. A começar decisão. Primeiro, faça o que for urgente
pelo celular por perto. Se não for e importante. Depois, o que for não
estritamente necessário, busque urgente e importante. Em seguida, o que
silenciá-lo. Só o consulte, se for o for urgente e não importante. Por último,
caso, depois de terminada a missão. o que for não urgente e não importante.
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CLUBE DE REVISTAS
o
Com ar a
r i m or ão
ap r a ç
n C ent
Co
Interrupções Pausas
Antes de sentar para trabalhar ou Distrair-se é dar uma espiada de
estudar, elimine as distrações. Tanto cinco minutos no Facebook e, dali a
as internas quanto as externas. Não pouco, já se passaram duas horas.
comece o que tiver que fazer com o Pausa é levantar-se da cadeira para
estômago vazio — vai se levantar em fazer alongamento, beber água ou
instantes para comer algo. Prefira um tomar um café. Às vezes, a inspiração
ambiente claro, silencioso e arejado. que tanto procura dá as caras assim.
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“os raio
Edward Morra é um aspirante a escritor que pas- antes dos 12 anos, causem problemas em dois contex- não que s de sol
sa as semanas em frente à tela em branco do compu- tos (casa e trabalho, por exemplo) por, no mínimo, enquantimam
tador. Sua vida se resume a digitar algumas linhas e, seis meses e tragam prejuízos à vida pessoal, profis- estão f o não
em seguida, deletá-las. Certo dia, ingere uma droga sional e familiar. Mas será que tais comprimidos, ocados
alexand
e
”
experimental e conhece uma versão melhor de si. quando ingeridos por quem não tem TDAH, confe- invento r Graham Be
r americ ll,
Batizado de NZT, o comprimido faz efeito em ina- rem superpoderes cognitivos a seus usuários? ano
creditáveis 30 segundos. Torna Eddie mais inteli- Há dez anos, cientistas das universidades da Cali-
gente, concentrado e produtivo. Em quatro dias, ele fórnia (EUA) e de Chieti-Pescara (Itália) fizeram um
consegue terminar o livro que levou meses para co- experimento com o modafinil, remédio para distúr-
meçar. Em 72 horas, aprende a tocar piano. E, em bios do sono que vinha sendo utilizado com esse pro-
dez dias, a ganhar dinheiro. Fica rico, mas não de- pósito. Recrutaram voluntários saudáveis, apresenta-
mora a perceber que uma pílula se tornou insufi- ram uma série de desafios a eles e aguardaram os
ciente. Ele decide aumentar a dose. Em pouco tem- resultados. Os participantes que usaram o estimulante
po, começa a sentir os primeiros efeitos colaterais... tiveram resultados semelhantes aos que tomaram pla-
“Estou 50 passos à frente de qualquer um”, gaba-se, cebo (as cápsulas de mentirinha). Há menos de um
antes de se decepcionar, o personagem interpretado mês, um estudo da Universidade de Melbourne, na
pelo ator Bradley Cooper no filme Sem Limites. Austrália, chegou a conclusão parecida, desta vez ava-
Inspirada em um livro de ficção científica de 2001, liando metilfenidato, dextroanfetamina e modafinil:
a trama poderia ter sido baseada numa história real e “O esforço aumentou, mas a produtividade caiu”.
atual. Ganham tração no mercado as chamadas “Muitas vezes, o efeito do medicamento é fazer com
smart drugs, ou pílulas inteligentes. É um fenômeno que o indivíduo permaneça acordado mais tempo ou
em que estudantes e executivos passam a tomar re- fique menos cansado. Não significa que vai aprender
médios criados para outras finalidades sem prescri- ou memorizar mais”, diz o psiquiatra Paulo Mattos, da
ção. A meta: turbinar o cérebro. Os mais procurados Associação Brasileira de Déficit de Atenção.
são o dimesilato de lisdexanfetamina, vendido sob o Digamos que tomar esses remédios sem indicação
nome comercial Venvanse, e o cloridrato de metilfe- médica é algo pouco inteligente. A farmacêutica Pa-
nidato, mais conhecido como ritalina. Segundo a far- mela Saavedra conta que eles possuem efeitos colate-
macêutica Pamela Saavedra, do Centro Brasileiro de rais potencialmente graves em pessoas suscetíveis.
Informação sobre Medicamentos (Cebrim), os dois “Vão de convulsão a infarto”, avisa. Prestar atenção
foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilân- àquilo que você vê, ouve e faz não requer tanto mala-
cia Sanitária (Anvisa) para o tratamento do transtor- barismo. E algumas técnicas ajudam a manter o foco.
no de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) — o Uma delas atende pelo nome de Pomodoro, criada
primeiro também é indicado a casos de compulsão por um empresário italiano no final dos anos 1980 —
alimentar; o segundo, diante da narcolepsia. o nome é baseado em um cronômetro de cozinha no
A falta de foco é apenas um dos sintomas do formato de tomate. A cada 25 minutos de trabalho ou
TDAH, um distúrbio que atinge pelo menos 2 mi- estudo, ela sugere uma pausa de cinco. A cada quatro
lhões de brasileiros. Sozinha, ela não dá diagnóstico. blocos de 25, uma pausa mais longa, de 30. “O foco é
Para uma criança ou um adolescente apresentar a como um músculo. Se nós o exercitamos, ele fica for-
condição, precisa ter pelo menos seis sintomas de de- te. Se não, tende a atrofiar”, compara a psicóloga Ro-
satenção e seis de hiperatividade ou impulsividade. berta Nascimento, coautora de Vamos Falar de
No caso dos adultos, são pelo menos cinco de cada TDAH em Adultos (Matrix). E, como a musculatura,
um. Outra: é obrigatório que eles estejam presentes o cérebro também requer momentos de descanso.
já p
foc ode volt
UM DIA EXTRA DE DESCANSO PARA RENDER MAIS ar n ar
princ o text a
Uma iniciativa da ONG 4 Day Week, a semana de quatro dias de trabalho, sem redução ipal! o
proporcional de salário, já foi implantada em dezenas de países, da Islândia aos Emirados Árabes
Unidos. Nove entre dez empresas aprovaram o formato: houve aumento de produtividade e queda
da rotatividade. Além disso, 39% dos funcionários se sentiram menos estressados, 71% relataram
redução nos sintomas de burnout e 54% conseguiram conciliar melhor vida pessoal e profissional.
No Brasil, o experimento teve início em junho e durará até dezembro em 50 empresas.
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A ativista americana Emma Lembke tinha 12 forçada pela ciência, mas tem raízes milenares.
anos quando abriu sua primeira conta em uma Quem explica é o filósofo Malone Rodrigues, que
rede social, o Instagram. De Birmingham, no Ala- ensina técnicas de relaxamento e bem-estar na
bama, poderia se conectar com adolescentes do Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
mundo inteiro. Gostou tanto da brincadeira que, do Sul (PUC-RS): “Em geral, associamos a medi-
em pouco tempo, ingressou em outros aplicativos tação apenas a práticas espirituais orientais como
e plataformas, como o Snapchat. Mas o que pare- o budismo. Mas todas as religiões, do islamismo
cia um sonho, com o perdão do clichê, logo se ao cristianismo, são adeptas. E, a partir da década
transformou em pesadelo. “Suspeitei que estava de 1960, ela passou a ser estudada e utilizada
viciada quando comecei a passar de cinco a seis também no meio médico e científico”.
horas por dia deslizando meu dedo pela tela do Não precisa viver como um monge para prati-
smartphone sem pensar em mais nada”, relata. car. Qualquer um pode incorporar a técnica à roti-
Emma admite ter penado com uma legião de reve- na, ainda que não seja fácil no início. Cinco minu-
ses de ordem física e mental. Sintomas de ansieda- tos diários são suficientes para reduzir o estresse,
“jogador qu de pelo medo de ficar de fora do que estava rolan- combater a insônia, elevar a concentração... E o
joga nas on e do — situação batizada de FOMO, acrônimo em melhor: você pode praticar sentado, caminhando
não joga bemze inglês para fear of missing out — e de depressão, pelo parque ou entoando um mantra. “Foco é im-
em nenhuma devido ao número sempre insuficiente de likes que portante para tudo: até para os momentos de lazer.
recebia nas redes sociais... E, claro, falta de foco Quando saio para passear, não fico pensando em
posição” para as tarefas do cotidiano. “Onde foi que eu er- trabalho. Muita gente está com o corpo na balada e
neném pran rei?”, questionava-se. “Naquela época, meu status a cabeça no escritório. E vice-versa. Não dá para
treinador br cha, era: em um relacionamento tóxico com a tecnolo- viver assim, no modo piloto automático”, alerta
asileiro
gia”, revela a estudante, hoje com 20 anos. Rodrigues. A meditação seria, assim, um caminho
Se o celular — ou melhor, o uso nocivo e abusi- para reprogramar a mente.
vo dele — pode ser considerado um vilão para a Outra forte aliada da concentração é a técnica
atenção, a meditação é uma das práticas mais de- do mindfulness — ou “atenção plena”. Se o multi-
fendidas como aliada. Essa visão vem sendo re- tasking pode ser traduzido como “tudo ao mesmo
HáBitos
Da
aLiaDos Pratique meditação
o
atençã Há técnica para todos os gostos.
Tanto as passivas, quando o
indivíduo medita sentado, quanto as
ativas, caminhando por um parque.
Comece a praticar aos poucos, nem
que sejam cinco minutos por dia. E
não desista na primeira dificuldade.
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tempo”, o mindfulness é, ao contrário, “cada coisa fundar o movimento Log Off (algo como “En-
de uma vez”. “Mais do que uma técnica de medi- cerrar a sessão”, em livre tradução), que estimu- DETOX É A
tação, é um estilo de vida”, teoriza a psicóloga Isa- la os jovens a refletirem sobre o uso que fazem SOLUÇÃO?
bel Weiss, autora de Mindfulness e a Terapia das redes sociais e a reduzirem seu tempo de
Emma Lembke,
Cognitivo-Comportamental (Manole). “Nossa tela. Em 2015, um adolescente passava em mé-
a fundadora do
mente é como um barco em um mar de possibili- dia 6,4 horas em frente a uma delas; em 2021,
movimento Log Off, não
dades. Sem foco, fica à deriva. Os ventos e as cor- esse tempo aumentou para 8,4 horas, segundo a
foi a única a fazer um
rentes podem levá-lo a qualquer lugar”, compara. ONG Common Sense Media. Hoje, a estudante
detox digital. Johann
Quem curte a carreira do ator americano de ciências políticas da Universidade de Wa-
Hari, o autor de Foco
Adam Sandler já deve ter visto o filme Click. shington (EUA) é uma espécie de Greta Thun-
Roubado, também
Nele, o protagonista é um arquiteto workaholic berg, a ativista ambiental, das mídias sociais.
tentou e, apesar de
que só pensa em ser sócio da empresa onde tra- Mas não foi fácil se desconectar. Ela conta que
não ter conseguido no
balha. Por essa razão, nunca diz “não” aos pra- precisou se submeter a um “detox digital”, que con-
início, procurou um
zos mais descabidos do chefe. Lá pelas tantas, siste em abrir mão da vida virtual e se plugar ao
refúgio livre de celulares
ganha um controle remoto mágico que, entre mundo real. Em alguns casos, o usuário se limita a
e notebooks, onde
outras funções, permite que ele avance no tem- 30 minutos de internet por dia: dez pela manhã, dez
permaneceu três meses.
po. Avança tanto que ele perde almoços em fa- à tarde e dez à noite. Em vez de jogos eletrônicos,
“Fiquei surpreso com
mília, descobre que seu cachorro morreu e não prioriza atividades físicas. No lugar de reuniões on-
a rapidez com que a
vê os filhos crescerem. Perto do fim, e à beira da line, encontros presenciais. Vale até trocar e-books
minha atenção voltou.
morte, chega, arrependido, à conclusão infalível: por livros em papel. “Desde que fundei a Log Off,
Conseguia ler livros o
“A família é o mais importante”. “Se eu tivesse em junho de 2020, minha relação com a tecnologia
dia todo, como fazia aos
que resumir o conceito de mindfulness em uma mudou. Em vez de ser controlada pelas redes, pas-
17”, diz. O detox permite
só frase, diria: viva o aqui e o agora. O momento sei a usá-las a meu favor. A sensação é libertadora”,
que as pessoas voltem
presente é tudo o que temos”, arremata Isabel. orgulha-se Emma. No universo de mil estímulos da
à civilização digital com
Emma Lembke tinha 15 anos quando notou internet, a experiência e a causa dessa jovem ameri-
a mente mais fresca,
que havia algo errado no modo como se rela- cana nos lembram que, com alguma frequência, é
afiada e consciente.
cionava com a tecnologia, e 17 quando decidiu essencial focar nas experiências reais.
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Duas das mais famosas canções de Paul McCar- Douglas Adams, de O Guia do Mochileiro das Ga-
tney e Rita Lee não nasceram em estúdios ou em láxias, gostava de ouvir Pink Floyd; o americano
turnês. Foram compostas na cama. No caso de Yes- George R.R. Martin, de As Crônicas de Gelo e Fogo,
terday (1965), o integrante dos Beatles estava na prefere ler gibis quando dá aquele branco; e a pri-
Espanha, na casa de sua namorada, quando sonhou meira coisa que Stephen King faz pela manhã é ca-
com a melodia que deu origem à canção. No café da minhar uns 5 quilômetros. No trajeto, o mestre dos
manhã, não conseguiu parar de cantarolar a músi- livros de terror até define o que vai escrever no dia.
ca. No caso de Mania de Você (1979), Rita Lee e o Tão importante quanto um pouco de ócio é a
marido, Roberto de Carvalho, tinham acabado de divagação. O dicionário a define como “caminhar
transar quando veio a inspiração. Ainda na cama, sem rumo”. O neurocientista israelense Moshe Bar
Rita começou a escrever os primeiros versos: “Meu tem uma parecida: “avançar sem objetivo”. “Em
bem, você me dá água na boca…” Na mesma hora, excesso, o foco pode até fazer mal à saúde mental.
o parceiro pegou o violão e arriscou alguns acordes. O desafio é vagar pouco quando temos objetivos
Em cinco minutos, a canção estava pronta. “A gente imediatos à vista, como entregar um relatório ou
“para quem estava em estado de graça”, resumiu a cantora. fazer um bolo”, diz o autor de A Arte da Divagação
sabe para qu não O “não fazer nada” a que Rita se refere no refrão (Objetiva). “Numa sociedade que cultua a produti-
porto ir, nãoal da música é um conceito universal. Na Itália, terra vidade, a fama da divagação não é das melhores.
ventos prop há natal do sociólogo Domenico de Masi, que, em Mas quero livrar as pessoas do sentimento de cul-
ícios” 1995, criou o termo “ócio criativo”, existe o dolce pa por viajarem mentalmente para lugares tão di-
Sêneca, filó far niente, ou “doce fazer nada”. Na China, há o vertidos com frequência”, prossegue.
sofo roman
o conceito de wu wei, que significa “ócio” ou “ina- Até o tédio, acredite se quiser, pode nos brindar
ção”. Na Holanda, não fazer nada pode ser traduzi- com benefícios. Com a palavra, a psicóloga britâ-
do em uma única palavra: niksen. “Quando não te- nica Sandi Mann, da Universidade de Lancashire:
mos nada para fazer, nossa primeira reação é dar “Se o medo nos ajuda a evitar o perigo, o tédio nos
uma espiada no Facebook ou assistir à Netflix, não encoraja a explorar novos territórios”, explica a
é? Bem, lamento informar que isso não é niksen”, autora de The Science of Boredom (“A Ciência do
diz a escritora Olga Mecking, autora de Niksen – Tédio”, ainda inédito no Brasil). “Se nossos ante-
Abraçando a Arte Holandesa de Não Fazer Nada passados não tivessem sentido isso, a humanidade
(Rocco). “Trata-se, na verdade, de contemplar a não teria realizado proezas inimagináveis.” Para
paisagem quando se anda de trem, refletir sobre o provar sua tese, ela submeteu um grupo de 40 vo-
parágrafo do livro que acabou de ler ou ficar de bo- luntários a uma atividade maçante: copiar, por 15
beira enquanto espera pelo almoço ou a consulta minutos, uma extensa lista de contatos telefônicos.
médica.” E, por incrível que pareça, não fazer nada Um segundo grupo, com o mesmo número de par-
nos ajuda a ser mais produtivos, estimula nossa ticipantes, foi poupado dessa tarefa. Em seguida,
criatividade e melhora a tomada de decisão. “Não é Sandi solicitou às duas equipes que bolassem o
Fotos: SpiffyJ e Aleksandr Zubkov - Getty Images / Tratamento de imagem: Marisa Tomas
por acaso que algumas de nossas melhores ideias maior número possível de usos para dois prosaicos
surgem no banho”, diverte-se Olga. copos plásticos. Resultado: o grupo submetido à
O cineasta americano Woody Allen que o diga. tarefa enfadonha saiu-se melhor. “O tédio é um
Em Os Segredos dos Grandes Artistas (Campus), aliado da criatividade”, conclui a pesquisadora.
Mason Currey revela que, para furar o bloqueio Se hoje o norueguês Jo Nesbø é um romancista
criativo, um dos truques do diretor de Noivo Neuró- de sucesso, com mais de 13 livros publicados, mui-
tico, Noiva Nervosa e Meia-Noite em Paris, todos tos deles no Brasil, isso se deve ao tédio. Em 1997,
premiados com o Oscar de roteiro original, é... to- ele começou a digitar seu primeiro título, O Morce-
mar banho. No início de sua carreira, quando ainda go (Record), a bordo de um avião. Quando resolveu
não era tão famoso, Allen andava pelo Central Park tirar uns dias de folga e se deu conta de que a via-
de Nova York. Hoje se mete debaixo do chuveiro — gem de Oslo, onde morava, até Sydney, na Austrá-
alguns de seus banhos chegam a demorar 45 minu- lia, levaria em torno de 32 horas, não pensou duas
não pare agora tos — quando precisa de inspiração. Sim, foco é in- vezes: abriu seu laptop e começou a trabalhar ali
para checar o dispensável para aumentar a produtividade. Mas, mesmo. Não parou mais desde então. Tédio, ócio,
celular, hein?
Concentre-se às vezes, um pouco de distração não faz mal a nin- divagação... Tudo isso pode alimentar nossas habi-
aqui! guém. Pelo contrário. Dá energia e instiga a con- lidades cognitivas. E, ao lado de outras medidas
centração, um efeito rebote positivo. Cada autor mais focais, nos ajudar a escapar daqueles que o es-
tem um curinga guardado na manga. O britânico critor Johann Hari chama de ladrões de atenção.
4 0 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
st e : Q Uão
t e
e s ) a t e nto
(D 4 Com que frequência
8 Com que frequência
VoCe é? a você deixa um projeto
importante pela metade
se distrai com
atividades ou
t
sc o lh a u ma respocsubra mesmo depois de já ter feito barulhos à
e ão e de s as partes mais difíceis? sua volta?
por quesutde desatenção
seu gra ( ) Nunca ( ) Nunca
( ) Raramente ( ) Raramente
( ) Algumas vezes ( ) Algumas vezes
( ) Frequentemente ( ) Frequentemente
( ) Muito frequentemente ( ) Muito frequentemente
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3 41
CLUBE DE REVISTAS
ADOÇANTES: UMA
QUESTÃO À MESA
No curto prazo, estudos garantem que eles são bem-vindos e seguros.
Mas novos documentos da OMS questionam suas repercussões lá na frente,
expondo a necessidade de ter mais senso crítico ao fazer escolhas alimentares
texto INGRID LUISA design e ilustração LAURA LUDUVIG foto DEBORAH MAXX, TOMÁS ARTHUZZI e GETTY IMAGES
R
efrigerante, iogurte, barrinha de pro- senvolvidos e se espalharam pelo globo, nutrindo a
teína, geleia ou qualquer outro produ- promessa de ajudar a controlar a glicemia e o peso,
to industrializado de sabor doce que uma vez que não continham calorias. Bingo! A in-
você possa imaginar: com certeza dústria apostou e a popularização foi instantânea.
existe uma versão zero açúcar deles Mas a trajetória das substâncias não seria tão doce.
no mercado. De acordo com uma pesquisa da con- Mesmo passando pelo crivo de análises de toxicidade
sultoria Kantar, a busca por comida saudável cres- e de agências regulatórias pelo mundo, dúvidas sobre
ceu entre consumidores brasileiros desde a pande- elas começaram a pipocar nos anos 1970. O pontapé
mia, e 70% priorizam alimentos com menor teor de foi dado com um experimento feito com ratos que as-
açúcar. Atitude positiva: o consumo exagerado des- sociava a sacarina ao surgimento do câncer de bexiga.
se ingrediente — seja na receita dos processados, No entanto, já naquela época criticou-se o fato de que
seja nas colheradas no suco ou no café — está dire- eram administradas doses cavalares às cobaias — o
tamente ligado ao maior risco de obesidade, diabe- equivalente a uma pessoa tomar 700 latas de refrige-
tes e outras doenças crônicas. A alternativa óbvia rante por dia. O ciclamato sofreu reveses parecidos, a
para agradar o paladar sem incorrer nos perigos do ponto de países como os Estados Unidos banirem o
excesso açucarado reside nos adoçantes. Mas essa ingrediente. Só após uma nova leva de estudos com
substituição se complicou após recentes posiciona- gente como a gente é que ele e a sacarina seriam reabi-
mentos da Organização Mundial da Saúde (OMS): litados. “Essa primeira narrativa de que os adoçantes
eles questionam o papel da classe na perda de peso e fazem mal foi toda baseada em estudos de megadose,
sua devida segurança para a saúde no longo prazo. que realmente não podiam ser transpostos para a rea-
Não é de hoje que o ser humano caça outras for- lidade humana. Mas a ciência avançou, continuou a
mas de conferir dulçor ao que pretende ingerir — investigar e agora encontra novos pontos de alerta”,
algumas delas recheadas de controvérsias. O pri- diz o nutricionista Dennys Cintra, professor da Uni-
meiro adoçante do planeta surgiu em 1879 versidade Estadual de Campinas (Unicamp).
totalmente por acaso dentro de um laboratório. O É aí que chegamos à ultima recomendação da
químico russo Constantin Fahlberg, ao perceber OMS de contraindicar a classe para a população em
que sua mão ficara adocidada após uma experiên- geral que quer perder peso. A entidade afirma que,
cia com um composto, deu-lhe o nome de sacarina, após uma revisão sistemática das evidências disponí-
Foto: VadimZakirov - Getty Images
pensando que ele seria um possível substituto à sa- veis, adoçantes não calóricos não conferem nenhum
carose, nome técnico do açúcar de mesa. Mas foi benefício no longo prazo na redução da gordura cor-
durante a Primeira Guerra Mundial, devido à crise poral em adultos ou crianças. Se fosse até aí, ok! Mas
que respingou até na lavoura do açúcar, que a fór- a polêmica vem agora: a mesma revisão que deu mu-
mula ganhou escala. O pulo do gato, no entanto, só nição à diretriz aponta potenciais efeitos indesejáveis
viria na década de 1960, quando outros adoçantes com o uso prolongado, como maior risco de diabetes
artificiais, como ciclamato e aspartame, foram de- e doenças cardiovasculares. E agora?
4 2 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
1
a cada
10
pessoas consome
adoçantes no
Brasil
35%
dos lares brasileiros
compram produtos
dietéticos
200%
foi o aumento
do uso de adoçantes
por crianças
54%
foi o crescimento
entre adultos de
2010 a 2018
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3 43
CLUBE DE REVISTAS
Obtido através da
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4 4 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
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de dois aminoácidos:
Surge da combinação
* Em relação ao açúcar branco
CLUBE DE REVISTAS
Antes de falar nas provas da ciência, é impor- ensaio clínico randomizado. O que é isso? Cientis-
tante destrinchar o documento da OMS: ele é claro tas sorteiam um grupo de pessoas para a interven-
ao afirmar que não se baseia em avaliações toxico- ção em si, que vai receber a substância examinada,
lógicas da segurança dos adoçantes, ou seja, os li- e as comparam a um grupo controle, geralmente
mites seguros de consumo, aqueles que não ofere- com um placebo (algo sem o princípio ativo real).
ceriam riscos à saúde, seguem os mesmos. Daí tudo é controlado: voluntários e pesquisadores
Também pontua que a orientação para evitar tais seguem um roteiro para que nada atrapalhe o re-
produtos não se aplica a pessoas com diabetes — sultado ou imponha um viés sobre ele. Essa dinâ-
que necessitam fazer controle glicêmico — e inclui mica não é obtida pelos chamados estudos obser-
apenas adoçantes artificiais não calóricos. Dessa vacionais, que, como o nome sugere, em vez de
forma, são excluídos das restrições os chamados proporem uma interferência na vida da pessoa,
polióis, que têm poucas calorias, caso de eritritol e acompanham uma parcela da sociedade por um
xilitol. Por fim, a OMS também atesta que é uma longo período. Esses trabalhos permitem associar
recomendação de caráter condicional, ou seja, se- certos hábitos e comportamentos a maior ou me-
gue quem quiser e achar relevante. Com tantos po- nor risco de doenças dentro da população, mas,
réns, já deu para perceber que a diretriz não se tra- especialmente na área da alimentação, há muitas
duz pela mensagem de que “adoçantes são variáveis e fatores capazes de confundir os resulta-
perigosos”. E aí entramos na primeira questão em dos. Em poucas palavras, eles não comprovam
debate: problemas de interpretação e comunicação. uma relação de causa e efeito.
Algumas sociedades científicas têm se preocu- Aí que está: a maioria das evidências utiliza-
pado em como a população entende o posiciona- das pela OMS vem desse tipo de estudo. “Não dá
mento — pouquíssimas pessoas vão ler o docu- para definir se um problema de saúde que surgiu
mento em si, e a maioria se ampara nas depois de anos se deve ao sedentarismo, a uma
manchetes e posts de redes sociais por aí. “Já má alimentação, ao consumo de álcool ou ao uso
ouvi pacientes dizendo que iam parar de consu- de um adoçante. Tais análises são abrangentes
mir adoçantes e voltar para o açúcar porque vi- demais, e a própria OMS admite que várias pes-
ram no jornal a OMS falando mal de adoçantes. quisas utilizadas em sua avaliação têm baixa qua-
Até mesmo pessoas com diabetes”, relata a nutri- lidade e resultados superficiais”, diz a nutricionis-
cionista Márcia Terra, da Sociedade Brasileira de ta Aline David, doutora em fisiologia humana
Alimentação e Nutrição (Sban). Outras entidades, pela Universidade de São Paulo (USP). “Não é que
como a Associação Brasileira de Nutrologia a entidade tenha olhado só esses estudos de pro-
(Abran) e a Associação Nacional de Atenção ao pósito. Numa revisão sistemática, você pega to-
Diabetes (Anad), também se posicionaram contra dos os trabalhos disponíveis a respeito, ainda que
a diretriz, alegando que ela confunde o público. sejam necessárias mais pesquisas para embasar
Mas alguns especialistas defendem que a cul- os achados”, elucida a nutricionista Elaine Morei-
pa não deve recair na OMS, e sim na interpreta- ra, conselheira consultiva da Anad.
ção sobre os dados que estão na mesa e na falta de Apesar das ponderações, o campo de estudos
senso crítico ao utilizá-los na prática. “A entidade observacionais tem crescido na área da nutrição,
não está apontando o dedo para o indivíduo que principalmente pelo potencial de levantar as conse-
usa adoçante. Ela se dirige a governos e formula- quências no longo prazo de priorizar ou não deter-
Fotos: malerapaso - Getty Images (colher), Tomás Arthuzzi (xícara)
dores de políticas públicas para que considerem minado grupo alimentar — é assim que sabemos
essas informações ao pensar em intervenções hoje que os ultraprocessados estão relacionados a
junto à população”, afirma Cintra, que também é doenças crônicas. “Grandes ensaios clínicos rando-
consultor da Associação Brasileira de Nutrição mizados que examinam a relação entre alimentação,
(Asbran). E isso pode (ou não) ser pesado em de- atividade física e problemas de saúde de difícil
cisões individuais que, no consultório ou no dia a acompanhamento, como os cardiovasculares, são
dia em casa, devem levar em conta o contexto es- limitados por questões éticas, logísticas, financeiras
pecífico de alguém acima do peso, por exemplo. e metodológicas. É por isso que a interação entre
Outra questão levantada pelos críticos da dire- nutrientes, padrões ou ambientes alimentares acaba
triz é a qualidade dos estudos utilizados pela OMS. sendo investigada por meio dos trabalhos observa-
Dentro do método científico nessa área, o padrão cionais”, explica a nutricionista Maria Laura Louza-
ouro é avaliar o impacto do uso de uma substância da, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em
(ingrediente culinário ou medicamento) por um Nutrição e Saúde (Nupens) da USP.
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3 45
CLUBE DE REVISTAS
ALTERNATIVAS À VISTA
Para quem quer consumir menos
açúcar refinado ou mesmo
adoçantes artificiais, existem outras
opções para ter na despensa
A professora da USP pondera que, sempre que os médico também afirma que a OMS tem como princí-
cientistas analisam dados de grandes populações, ele- pio estimular uma alimentação mais natural e saudá-
mentos de confusão são previstos e, por essa razão, vel, e que o documento é válido para lembrar que o
recorre-se a técnicas para estratificar e contextualizar adoçante não é a estratégia central da prevenção ou do
os dados a fim de ter um resultado fidedigno. “Os estu- tratamento da obesidade. “Mas dizer que se deve evi-
dos utilizados pela OMS fizeram isso de forma exaus- tá-lo por causa de estudos de baixa evidência é com-
tiva”, conclui Maria Laura. Questões metodológicas à plicado. Na prática clínica, ainda é válido recomendar
parte, o endocrinologista Bruno Halpern, presidente esses produtos em casos de dieta com redução calóri-
da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade ca e se fizer sentido para a realidade do paciente.”
e da Síndrome Metabólica (Abeso), chama a atenção Assim como cada caso é um caso na vida real e no
para uma possível causalidade reversa em relação aos consultório, é preciso levar em conta que os edulco-
efeitos negativos acusados, como a maior propensão a rantes, como também são chamados, representam
diabetes e doenças cardiovasculares. “Pode ser que as uma família de substâncias diferentes, com atuações
pessoas tenham começado a usar adoçantes justa- diferentes dentro do corpo. Não dá para generalizar,
mente porque já estavam acima do peso e tinham ten- ainda mais considerando que o gosto de cada um
dência a esses problemas. Então a chance de aconte- também deve ser respeitado. A sacarina, por exem-
cer já era maior, não culpa do adoçante”, destrincha. O plo, pode atravessar a placenta durante a gestação e
4 6 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
costuma ser contraindicada às grávidas. Já o asparta- ciação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins
(mel) e Esin Deniz - Getty Images (melado) / Tratamento de imagem: Marisa Tomas
Images (colheres de cerâmica), Westend61 - Getty Images (geleia), Déborah Maxx
Fotos: VvoeVale - Getty Images (açúcar de coco e de maçã), Corinne Poleij - Getty
me não é desejável a pessoas com fenilcetonúria, do- Especiais e Congêneres (Abiad), que representa o se-
ença genética que as impede de metabolizar um de tor, posicionou-se em defesa do produto: corrobora a
seus componentes. “Até adoçantes naturais têm suas segurança do consumo e reforça que ele é um dos
repercussões. O xilitol apresenta um processo de di- mais pesquisados da história, com aprovação de mais
gestão lento, podendo causar flatulência, cólica e de 90 agências de segurança alimentar pelo globo.
diarreia em pessoas com sensibilidade intestinal”, Entre prós e contras, resta exercer o senso crítico
conta Aline. O ideal, portanto, é consultar um nutri- ao lidar com as orientações gerais para a saúde, tendo
cionista se você tiver receio ou alguma restrição. em mente que uma rotina ativa e uma alimentação
A verdade é que essa não foi a primeira nem será a mais natural e equilibrada é a melhor das prescrições.
última questão envolvendo adoçantes. Após outra re- “A OMS fez um convite à reflexão, defendendo a ne-
visão, desta vez focada em 1,3 mil estudos sobre o as- cessidade de estudar mais os efeitos dos adoçantes no
partame, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o longo prazo. E foi uma sacudida e tanto diante de
Câncer (Iarc), que é ligada à OMS, está para classifi- uma verdade: o crescimento do excesso de peso, um
car o ingrediente, um dos mais empregados em bebi- problema que não vem diminuindo com o consumo
das e alimentos zero ou diet, como “possivelmente de adoçantes”, afirma Cintra. De uma coisa se pode
cancerígeno”. Outra polêmica de nascença. A Asso- ter certeza: a história não se encerra aí.
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CLUBE DE REVISTAS
4 8 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
MERCADORES
DA CURA
Ao prometerem dar fim a doenças como diabetes e Alzheimer
com tratamentos alternativos e suplementos vitamínicos,
empresas lucram e ameaçam a saúde de muita gente
texto CHLOÉ PINHEIRO, SILVIA LISBOA e JAQUELINE SORDI* design LAURA LUDUVIG ilustração NIK NEVES
O
tratamento de uma doença crônica é o código de ética médico ao vender, à luz do dia, a
algo trabalhoso, por vezes ingrato. É remissão de diversas doenças crônicas. O negócio
preciso largar velhos hábitos, comer prospera à base de assinaturas que custam cerca de
melhor, fazer exercícios, tomar re- mil reais. Ao fechar um plano, o cliente passa a re-
médios prescritos pelo médico todo ceber livros impressos, e-books, vídeos exclusivos
santo dia... E, mesmo assim, a condição pode de- e protocolos de alimentação e suplementação. E é
sandar, por descuido ou puro acaso biológico. Se- bombardeado com mensagens de texto, e-mails e
ria muito mais tranquilo se houvesse uma solução ligações oferecendo descontos no site da empresa-
rápida e definitiva, não? É com essa promessa que -irmã da Jolivi, a Vitaminas.com.vc. A promessa de
uma porção de brasileiros é fisgada. Se já não uma solução fácil para um problema difícil passa,
* Esta reportagem é uma parceria de VEJA SAÚDE com a Revista Questão de Ciência. Ela foi produzida com o apoio
do programa “Disarming Disinformation”, do International Center for Journalists (ICFJ), e financiada pelo Instituto
ocorreu com você, imagine um sujeito lá pelos 50 então, a se complicar. O cidadão precisa cortar pra-
anos saindo do consultório com diagnóstico de ticamente todos os carboidratos do prato, gasta
Serrapilheira. O programa é um esforço global com financiamento principal do Scripps Howard Fund
diabetes e um monte de orientações piscando na centenas de reais por mês em suplementos e ingere
cabeça. Ao pegar o celular ou ligar o computador, dezenas de cápsulas por dia. E pode até ter sua
ele depara com propagandas personalizadas do conta bancária prejudicada — no site Reclame
tipo “Vire ex-diabético em questão de horas” ou Aqui, acumulam-se mais de 1 600 queixas, grande
“Derreta a gordura no fígado sem abrir mão do parte por cobranças indevidas no cartão de crédito.
churrasco e da cervejinha”. Esqueça os medica- A pior ameaça, contudo, é à saúde. “Esses pro-
mentos — eles fazem até mal! A saída está em die- tocolos sugerem abandonar medicamentos e pres-
tas ultrarrestritivas por poucos dias e em ingre- crevem tratamentos a distância sem conhecer o
dientes e suplementos secretos que a “indústria paciente, o que é gravíssimo”, aponta o endocrino-
não quer que você conheça”. Tem conserto e vita- logista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador
mina para tudo: colesterol alto, Alzheimer, impo- da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão
tência sexual e até dependência dos óculos. Preto. “No caso do diabetes, estamos falando de
Pois essa é a realidade em que atuam os mila- um dos principais fatores de risco para infarto e
greiros da internet. Que fazem dinheiro ludibrian- derrame, que não está bem controlado na maioria
do pessoas com supostas curas naturais — com das pessoas”, comenta o médico, que foi um dos
pouco ou nenhum embasamento científico. Um convidados pela reportagem a analisar os protoco-
dos atores que mais se destacam nesse mercado, e los da empresa. É hora de destrinchar as armadi-
um caso paradigmático de como o ramo opera, é o lhas por trás desse discurso sedutor e insistente,
grupo de empresas encabeçado pela Jolivi Natural com formato replicado aos montes na internet por
Health. Criada por empreendedores do mercado vendedores de curas quânticas, energéticas, natu-
financeiro, há anos ela desafia as regras sanitárias e rais, alternativas... A lista é longa. E perigosa.
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CLUBE DE REVISTAS
A Jolivi foi fundada em 2015 pelos mesmos IMPÉRIO DA DESINFORMAÇÃO
criadores da Empiricus, uma casa de análise de in- O alcance virtual de uma das principais empresas a comercializar falsas curas no país
vestimentos. A inspiração para a inusitada incur-
são de especialistas do mercado de ações na área REDE DE EMPRESAS*
da saúde veio de fora. Mais exatamente, de uma
empresa americana chamada Agora, que até hoje
figura no quadro societário da Jolivi e foi fundada
por um dos gurus da mala-direta (a clássica tática Agora
de marketing por e-mail), Bill Bonner. A partir de
Holding americana, criada pelo
1978, Bonner criou um império de publicações fo-
guru do “copy”, uma técnica de
cadas em produtos financeiros e de “saúde natu-
escrita persuasiva que faz sucesso
ral”. Hoje, a Empiricus não está mais na Jolivi, mas
em newsletters e sites mundo afora.
a Agora sim. O conglomerado tem 31 marcas dife-
rentes só nos Estados Unidos e negócios em 14 paí-
ses. Um dos empreendimentos do grupo foi pro-
cessado em 2021, nos EUA, por vender uma falsa
cura para o diabetes e uma suposta técnica para
conseguir dinheiro por meio de programas do go-
verno federal americano. O juiz entendeu que hou-
ve danos ao consumidor e propaganda enganosa e
* Para saber mais sobre as relações entre Empiricus, Agora e Jolivi, acesse a outra reportagem desta mesma série, disponível no site da Revista Questão de Ciência
5 0 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3 51
CLUBE DE REVISTAS
A Jolivi vende dois protocolos para “reverter” o macêutica Karina Braga Gomes Borges, professora O QUE ELES DIZEM
Alzheimer. Nós compramos um deles, o “Supercé- da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
rebro sem Alzheimer”, escrito pelo obstetra e dou- E o consumo de glicose como fonte de energia no
tor em biomedicina Nelson Annunciato. No livro cérebro tem como subproduto as chamadas espé-
físico que os assinantes recebem, ele garante que o cies reativas de oxigênio, ligadas ao estresse oxida- “O Alzheimer
protocolo é capaz de reverter a doença “em nove a tivo, um processo potencialmente danoso que fa- é um diabetes
cada dez pacientes”. A afirmação e o método são vorece a inflamação e a formação das placas tipo 3”
importados do médico americano Dale Bredesen, beta-amiloides no cérebro — processos que estão
autor de livros disponíveis no Brasil em que afirma relacionados à origem da doença. Com isso em
ter curado o Alzheimer com seu protocolo ReCO- mente, os autores do protocolo alternativo pres- “Dieta
DE. Por meio dele, Bredesen propõe intervenções crevem trocar o combustível do organismo de car- cetogênica
que vão de reposição hormonal a mudanças ali- boidrato para gordura. “Só que controlar a glice- reduz a glicemia
mentares. Como prova de que tudo funciona, apre- mia e o diabetes não é o suficiente para impedir o em três dias”
senta estudos com falhas metodológicas e possí- surgimento do Alzheimer, que depende de uma
veis vieses, a ponto de o periódico médico Lancet combinação de fatores genéticos e ambientais”,
Neurology publicar uma resenha de uma neurolo- pondera Karina. Se não impede totalmente o apa-
gista assinalando problemas e falcatruas neles. recimento, que dirá reverter um quadro já instala- “É possível
Na versão brasileira, encontramos as mesmas do... No mais, não existem estudos de qualidade reverter
promessas. E a primeira a ser quebrada logo de cara feitos em humanos comprovando que dieta ceto- o Alzheimer”
é a de que seria possível reverter ou curar o Alzhei- gênica teria algum papel nesse tratamento.
mer. “É duro dizer isso, mas, uma vez que os sinto- Mesmo assim, os defensores do ReCODE pre-
mas começam, nada fará com que desapareçam”, gam, com base em um teste feito em roedores, que
comenta a neurologista Elisa Rezende, vice-coorde- tal plano alimentar reduziria em 25% os níveis de “É possível
nadora do Departamento Científico de Neurologia beta-amiloides. Dá pra confiar? Primeiro: estudos reverter o
Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasi- em animais não podem ser extrapolados para a prá- diabetes”
leira de Neurologia (ABN). Algumas das medidas tica clínica. Eles servem de partida para pesquisas
propostas até fazem sentido do ponto de vista pre- com humanos. Segundo: mesmo os remédios que
ventivo, como fazer exercícios, melhorar a qualida- de fato reduzem a beta-amiloide não se mostraram “Suplementos
de do sono, alimentar-se bem e gerenciar o estresse. capazes de reverter os sintomas e a degradação do ajudam a tratar
E estudos mostram que pessoas com declínio cogni- cérebro de quem tem Alzheimer. Mas o que o pro- diabetes e
tivo leve podem melhorar o raciocínio e a memória tocolo da Jolivi oferece é uma lista de 20 suplemen- Alzheimer”
com ajustes no estilo de vida. Mas daí a “reverter” é tos e produtos homeopáticos a serem tomados dia-
um salto enorme. “Orientamos essas mudanças a riamente para “todos os tipos de Alzheimer”. Entre
“A metformina
qualquer pessoa, mas o máximo que qualquer abor- eles, o pau para toda obra ômega-3, que até é uma
faz mal para o
dagem faz é retardar o avanço da doença”, diz a neu- gordura considerada benéfica à saúde. “Já foram
diabético”
rologista Sonia Brucki, da Faculdade de Medicina feitas diversas tentativas de reposição em estudos
da USP. Ou seja, a pessoa pode até se sentir melhor, robustos, mas não houve efeitos significativos nos
mas o Alzheimer não vai embora. sintomas”, pontua Elisa. “Inclusive, não recomen-
Além das meias-verdades, há teses ainda não damos o uso por falta de evidências”, completa. É “Óleo de coco
comprovadas pela ciência sendo defendidas no aquilo: os mecanismos existem, mas as tentativas ajuda a tratar
protocolo. Uma postula que “o Alzheimer é causa- de interferir neles ainda não evitam o inevitável. o Alzheimer”
do por uma deficiência de boas gorduras” e, por
outro lado, o excesso de glicose proveniente dos O fim do diabetes?
carboidratos seria “uma origem alimentar” da do- Em outro protocolo da Jolivi, o cirurgião plástico “Alzheimer é
ença neurodegenerativa. Logo, para tratá-la, a pes- Naif Thadeu promete reverter o diabetes, inclusive o causado por uma
soa precisaria adotar uma dieta cetogênica, que tipo 1, em semanas. Para isso, o paciente deve seguir deficiência de
praticamente troca carboidratos por gorduras. Va- alguns preceitos semelhantes aos que “curam” o Al- boas gorduras”
mos por partes. Do ponto de vista científico, parte- zheimer: fazer dieta cetogênica e jejum intermitente,
“Mudança de
-se de uma premissa que até pode ter uma conexão tomar cápsulas de ômega-3 e dezenas de outras fór-
estilo de vida
com a história. “O diabetes tipo 2 [doença decor- mulas. No caso das demências, como elas evoluem
reverte o Alzheimer
rente do excesso de consumo de calorias, em espe- de qualquer maneira, não haveria tanto risco, exceto
em nove a cada
cial carboidratos, mas não apenas disso] é um fator para o bolso e para as esperanças, em adotar tais
dez pessoas”
de risco importante para o Alzheimer”, diz a far- medidas. No diabetes, a história é outra.
52 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS
IZEM O QUE A MEDICINA E A CIÊNCIA DIZEM
“REJUVENESÇA
SUA PRÓSTATA”
Diabetes é um
fator de risco O público
importante para o masculino de
desenvolvimento meia-idade é um
do Alzheimer. alvo frequente
das propagandas
Ela até reduz o da Jolivi e de
nível glicêmico outras empresas,
momentaneamente, que prometem
mas oferece riscos. “desinchar” a
próstata com
suplementos
sem eficácia
Dá para lidar melhor comprovada,
com ele, mas não evitando a
existe cura conhecida necessidade de
para o Alzheimer. cirurgias e de
tratamentos que
“comprometem
É possível manter a
a virilidade”.
glicemia sob controle,
A hiperplasia
mas não se crava
benigna da
Fontes: João Brunhara, urologista e diretor médico da Omens; Alfredo Felix Canalini, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)
uma cura definitiva.
próstata é um
problema comum
O uso de suplementos com o avançar da
é controverso e idade, marcado
não recomendado pelo aumento
de praxe. da glândula a
ponto de afetar
O remédio é barato e a qualidade
amplamente utilizado, de vida. O
seguro e eficaz no tratamento inclui
manejo da doença. medicamentos
(que nem sempre
afetam a libido)
Não existem estudos
e cirurgias que
robustos em humanos
não interferem no
mostrando benefícios
desempenho ou
para essa finalidade.
na performance
sexual. O que
A relação parece acontece é que
existir, mas ainda não homens nessa
se sabe o papel das condição podem
gorduras na doença. ter um jato de
urina mais fraco
Os hábitos até
e, se operados,
ajudam, mas não
ejacular menos.
são capazes de
Não é o fim do
impedir o avanço ou
desejo e da ereção.
reverter sintomas.
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3 53
CLUBE DE REVISTAS
No material contra o diabetes, Thadeu critica os
medicamentos tradicionais e sugere que é possível
manter a glicemia sob controle no diabetes tipo 1,
doença autoimune que acomete crianças e adoles-
centes, sem tomar insulina. “Nessa condição, a falta
de insulina pode causar a morte em poucos dias”,
desmistifica o endocrinologista Carlos Eduardo Bar-
ra Couri, da USP. E estamos falando de um público
vulnerável, sejam pais desesperados por uma solu-
ção para os filhos doentes, sejam adultos que veem a
saúde definhar com a glicemia mal controlada. Cha-
ma a atenção ainda a indicação de fitoterápicos e o
corte radical de carboidratos, que podem causar cri-
ses de hipoglicemia e outros problemas quando se
aplica insulina na rotina.
Prescrever tratamentos em massa, com direito a
dosagem e tudo, infringe o código de ética médica.
Prometer curas milagrosas fere o código penal. O
Conselho Federal de Medicina foi procurado pela re-
portagem, bem como os médicos envolvidos nos
A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO PICARETA
protocolos, mas eles não se manifestaram. A Jolivi se Fique atento às artimanhas mais usadas nessa retórica sedutora
defende dizendo que não faz indicações de tratamen-
to. “Sempre orientamos que nossos assinantes nunca
descontinuem seu tratamento atual e que discutam
com o profissional de saúde de sua confiança sobre
nossas publicações”, diz Amstalden. Mas, na prática,
o conteúdo ataca os medicamentos usuais. Como no
trecho a seguir: “Estudos concluíram que a metfor-
mina só encurta o caminho do pré-diabético ao diag-
nóstico final de diabetes”.
E dá todas as ferramentas para que a pessoa assu- “Eu tenho a solução” “Natural é melhor”
ma as rédeas do tratamento. A empresa prega inclu- A “medicina Qualquer produto
sive “a autonomia” do paciente. O que até faz senti- tradicional” é é composto de
do. “Na doença crônica, precisamos que a pessoa queimada, enquanto substâncias químicas,
participe do plano terapêutico, e não apenas seja um outros tratamentos que devem ser
agente passivo. Então tem essa pegadinha: você em- são vendidos. testadas antes de usar.
podera o paciente, mas a ponto de se adotar um tra-
tamento a distância sem supervisão”, critica Couri.
Começar falando algo com o qual todo mundo con-
corda para em seguida propor uma estratégia sem pé
nem cabeça é algo típico do discurso picareta.
O caso da Jolivi é só um exemplo do vasto e lucra-
tivo mercado das terapias alternativas. Há uma série
de soluções sem validade científica sendo vendidas e
fazendo sucesso nas redes sociais — e muitas delas “A indústria não “Atenção!”
são mais caras que os tratamentos convencionais quer que você saiba” O discurso imperativo
amparados em anos de pesquisa. Entre tanta pseu- “Milagres secretos” e amedrontador
dociência, encontramos uma lição valiosa escondida também atraem a visa despertar
entre as táticas dos mercadores da cura. “A falta de indústria. Muitos dos emoções e o senso de
comunicação dos médicos dá chance para pessoas se remédios na farmácia urgência no potencial
aproveitarem vendendo tratamentos milagrosos. E saíram da natureza. consumidor.
elas parecem simpáticas e atenciosas... Poderíamos
aprender com isso”, reflete Sonia Brucki.
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CLUBE DE REVISTAS
FALSAS CURAS
Elas são comercializadas por aí — mas carecem de evidências científicas
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CLUBE DE REVISTAS
A FARMÁCIA DO
SÉCULO 21
Muito além das prateleiras de medicamentos e cosméticos,
as drogarias estão se tornando novos polos de atenção à saúde,
oferecendo exames, vacinas e até teleatendimento
texto LARISSA BEANI design SIAMO STUDIO ilustração TOONSTEB - GETTY IMAGES
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“
P
rocurei me informar do que se trata- século 20, aplicando as tecnologias disponíveis no
va, enquanto depositava a valise e re- século 21. “A resposta para o que faremos na farmá-
tirava a capa que escorria. Disse-me cia do futuro está, em certa medida, na farmácia do
o sr. Valdo que dona Nina, logo após passado”, afirma Renato Camargo, vice-presidente
91 mil
o jantar, sentara-se ao piano, sendo de Clientes do grupo Pague Menos & Extrafarma.
acometida de um mal súbito [...] Na ausência do “Trabalhamos para que ela seja um ponto de pri-
doutor, a escolha recaíra sobre mim: não havia na meiro atendimento, de triagem e de acesso à saúde.”
cidade ninguém mais credenciado.” Quem narra Em vigor há menos de dez anos, a mudança já resul- é o número de
esse trecho do romance Crônica da Casa Assassi- tou em transformações no varejo farmacêutico. farmácias pelo
nada, publicado em 1959 pelo escritor mineiro Lú- À frente desse movimento está a Associação Brasil
cio Cardoso, é o farmacêutico Aurélio dos Santos. Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias
Apesar de fictícia, a cena retrata bem uma situ- (Abrafarma), que representa 30 grandes redes na-
ação que por muito tempo foi comum: a figura do cionais, como a RaiaDrogasil, as Drogarias Pache-
profissional de farmácia como um agente ativo nos co e São Paulo (DPSP), a Panvel Farmácias e a pró-
cuidados à saúde da população. Essa atuação, que pria Pague Menos & Extrafarma. “Nós estamos
no passado podia até ser confundida com a de um nos adequando a uma tendência que começou a
médico ou enfermeiro, foi sendo delimitada ao surgir há cerca de 15 anos em países como Canadá,
longo dos séculos por normas e regulamentos que
determinaram as competências da área. Uma lei
importante para a prática no Brasil foi aprovada
Estados Unidos, Inglaterra e Austrália”, explica
Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma desde o
ano 2000. “É a passagem de um modelo farmacêu-
11%
fazem parte
em 1973. Ela estabeleceu regras para a venda de tico transacional para relacional.” Ou seja, para o de grandes
medicamentos e ressaltou o caráter comercial das mercado, tornou-se insuficiente vender medica- redes
farmácias, que passaram a atuar primordialmente mentos e produtos de higiene pessoal.
como um balcão de orientações e mercadorias. De agora em diante, as farmácias também po-
É claro que isso não mudou totalmente o modus dem fornecer vacinação, serviços online e testes
operandi pelo país, sobretudo nas cidades com me- rápidos. Sua inclusão na lista de locais autoriza-
nos acesso a postos de saúde e hospitais. Mas é fato dos a imunizar a população foi a primeira vitória
que figuras como o Aurélio do livro, que eram con- do setor desde que esses estabelecimentos volta-
vocadas quando alguém tinha um problema de bai- ram a ser reconhecidos como espaços de assis-
44%
xa complexidade, passaram a ter um papel bem tência. A virada aconteceu em 2017, quando a
mais restrito. Hoje é reconhecido que os farmacêuti- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvi-
cos são os principais profissionais responsáveis por sa) deu aval a uma resolução, fazendo a norma
da receita do setor
toda a cadeia produtiva de drogas e terapias farma- valer para todo o país. Em maio deste ano, outra
vem das maiores
cológicas. Isso significa que dominam o conheci- resolução foi atualizada, ampliando sensivelmen-
drogarias
mento sobre a composição de princípios ativos, a te a oferta de exames disponíveis. Apostando na
fabricação dessas substâncias e como elas devem praticidade e na proximidade das lojas às casas
(ou não) reagir no corpo humano — ou de animais dos clientes — o famoso “Há uma farmácia a cada
em geral. A atuação deles é etapa essencial à promo- esquina” —, esses centros têm conseguido atrair
ção da saúde, seja por participarem dos bastidores um número cada vez maior de público em busca
dos tratamentos, seja por garantirem o uso seguro e de imunização e testagem.
racional na interação com o consumidor. Segundo levantamento da healthtech Clini-
carx, foram aplicadas 127 mil vacinas em farmá-
80 bilhões
A noção de que o atendimento nesses espaços
deveria ser meramente comercial prevaleceu por cias ao longo de 2022 pelo país. A mais procurada
quatro décadas, até que, em 2014, foi aprovada uma foi a da gripe, com 94 mil doses, representando
foi o faturamento (em
nova lei. Com ela, as farmácias têm recuperado o quase 74% do total. Em menor proporção apare-
reais) dessas redes
status de estabelecimento de saúde e retomado ati- cem a pneumocócica 13-valente (4,73%), a menin-
somadas em 2022
vidades mais assistenciais. “Esse foi o primeiro mar- gocócica B (3,95%) e a rotavírus pentavalente
co para a farmácia brasileira neste século”, avalia (3,13%). Três anos depois da implementação desse
Cesar Bentim, consultor do setor de saúde há 30 serviço, nunca se falaria tanto em vacina. A Co-
anos. “A partir dessa lei, conseguimos explicar todas vid-19 chegou ao Brasil em março de 2020, provo-
as transformações que estão ocorrendo no setor.” cando uma crise sem precedentes. E as farmácias,
De certa forma, a nova legislação permitiu que as permanecendo de portas abertas, só viriam a re-
farmácias resgatassem o espírito multifacetado do forçar seu papel de apoio à população.
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Descarte de Indicação
medicamentos de MIPs
Drogarias têm locais Medicamentos isentos
próprios para receber de prescrição podem
medicamentos ser recomendados
vencidos ou não para tratar quadros
utilizados. Isso evita simples e que
a contaminação do apresentem evolução
meio ambiente. lenta ou inexistente.
Farmácia
Campanha
Popular
Sinal Vermelho
Programa do governo
Algumas farmácias são
federal, consiste em
treinadas para receber
fazer parcerias com
denúncias de violência
comércios privados e
doméstica. Basta
públicos para oferecer
desenhar e mostrar um
medicamentos a um
“X” vermelho na mão,
preço mais acessível.
e a equipe irá acolhê-lo.
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07/07/23 14:19
Podemos dizer que a
vacina do SUS protege
A invasão contra os sorotipos mais
A versão mais preocupante do prevalentes?
problema é a doença pneumocócica Não, porque a cepa que
3 invasiva (DPI). Nesse cenário, as mais preocupa hoje é a
bactérias se infiltram na corrente 19A, presente nas outras
sanguínea e no sistema nervoso, vacinas, mas não nessa. O
causando meningite e até sepse, a Ministério da Saúde revisa
VPC10 protege contra Evita 70% das doenças Menores de 5 anos Sistema Único
10 sorotipos graves causadas por de Saúde (SUS)
esses sorotipos
VPC13 protege contra Evita cerca de 90% das Crianças, idosos SUS (para alguns
13 sorotipos doenças graves causadas e adolescentes no grupos) e particular
por esses sorotipos grupo de risco
VPP23 protege contra Evita cerca de 90% das Idosos e crianças SUS (para alguns
(ou Pneumo 23) 23 sorotipos doenças graves causadas em risco maior de grupos) e particular
V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
por esses sorotipos complicações
63
Fonte: Isabella Ballalai, pediatra e diretora
da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)
CLUBE DE REVISTAS
AUTOESTIMA
CLUBE DE REVISTAS por INGRID LUISA
NOVOS IMPLANTES
DENTÁRIOS TRAZEM
GANHOS ESTÉTICOS
Pinos brancos, feitos de zircônia,
se consolidam nos consultórios
VIRTUDES DA ZIRCÔNIA
Matéria-prima leva vantagens nos quesitos saúde e aparência
como a Neodent o escurecimento à do titânio, ou seja, não podendo colocar foi aprimorada para
dispensam o uso de no futuro. É muito a melhor possível. O titânio, por exemplo. resistir anos e anos,
óleo, minimizando a indicado para a parte corpo aceita e é algo A zircônia é a melhor sem perder seus
sobra de resíduos. frontal da arcada. bem estável. alternativa nesse caso. atributos.
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CLUBE DE REVISTAS
ENVELHECER
CLUBE DE REVISTAS
DESIGUALDADE
RACIAL AFETA
ENVELHECIMENTO
DA POPULAÇÃO
Trabalho aponta que falta de
inclusão social e acesso a serviços de
saúde compromete a longevidade
da população negra no Brasil
6 6 V E J A SAÚ D E J U L H O 2 0 2 3
CLUBE DE REVISTAS por DIOGO SPONCHIATO
EM NÚMEROS
O que a análise
em três capitais
desvendou
71,8
foi a nota média
82,2
foi a nota média no
21%
dos homens negros
no indicador de indicador de saúde disseram ter sido
saúde de homens de mulheres brancas ameaçados por
brancos de 70 a 79 de 60 a 69 anos arma de fogo ao
anos de São Paulo de Salvador longo da vida
1 462
pessoas, na
faixa dos 50
anos ou mais,
participaram
da pesquisa, O índice para O índice para Esse percentual
que analisou negros na mesma negras na mesma entre brancos
11 indicadores faixa foi de faixa cai para foi de
sociais e de
bem-estar 58,6 67,1 13%
O QUE PRECISA MUDAR?
Pontos que prejudicam o bem-estar dos negros, que somam 56% da população brasileira
LOUÇAS DE FAMÍLIA COMO SER UM EDUCADOR ANTIRRACISTA A MAIS RECÔNDITA MEMÓRIA DOS HOMENS
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FILHOS
CLUBE DE REVISTAS por INGRID LUISA
PARA
PENSAR E
SE DIVERTIR ANIMES QUE FALAM DE SAÚDE MENTAL
Desenhos japoneses Dicas de produções japonesas que abraçam o tema
ajudam a lidar com os
dilemas emocionais e Neon Genesis Naruto
o autoconhecimento Evangelion Protagonista renegado
Um clássico: se passa e com passado trágico,
em um futuro distópico mas com amizades,
A s animações
orientais são
amadas no Brasil:
com robôs gigantes, e
foi um dos primeiros a
coragem e lealdade,
consegue dar a volta por
abordar a depressão. cima e ser respeitado.
estamos no top 5 dos
maiores consumidores
Orange Ghost in the Shell
de produções do gênero.
Além do trabalho Adolescente volta no Também num contexto
artístico e narrativo, tempo para impedir futurista e robótico,
chama a atenção a que um colega de sala, memórias e outros
carga emocional de que era seu par, cometa fatores que formam a
boa parte das histórias, suicídio. Forte, reflexivo, identidade humana estão
muitas delas voltadas mas com final feliz. no centro da discussão.
aos mais jovens. Tanto
que professores da A Voz do Silêncio Steins; Gate
PUC-SP já haviam
Uma criança muda Quando um cientista
compilado análises
sofre bullying. Anos assume seu micro-
de algumas obras na
depois, ela reencontra -ondas como uma
coletânea Mangás,
o agressor e o ajuda a máquina do tempo, a
Animes e a Psicologia
lidar com suas próprias fronteira entre sanidade
(Catavento). De olho
questões psicológicas. e loucura se esgarça.
nessa vocação, a
produtora de conteúdo e
estudante de psicologia
Alice Guedes acaba de
lançar o livro-caixinha
Puxa Conversa Anime
(Matrix), que reúne
100 questões sobre
autoconhecimento
e gerenciamento FÓRMULA DE SUCESSO
emocional para Animes populares como Dragon Ball e One Piece
fãs matutarem, pregam resiliência, persistência e lealdade.
conversarem e Eles são originários da revista japonesa Weekly
conectarem suas Shonen Jump, que, para criar seu roteiro
vivências. “Essas de sucesso, fez uma pesquisa pedindo que
histórias são pontes jovens leitores nomeassem a palavra que
Fotos: Jordan Lye - Getty Images
para os jovens refletirem mais aquecia seu coração, uma coisa que eles PUXA CONVERSA
achavam importante e o que os deixava felizes. ANIME
sobre situações nem
As respostas foram “amizade”, “empenho” e Autora: Alice Guedes
sempre discutidas em Editora: Matrix
casa, como luto, bullying “vitória”, e isso passou a pautar as histórias. Páginas: 100
e medos”, diz Alice.
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CLUBE DE REVISTAS
BICHOS
CLUBE DE REVISTAS por INGRID LUISA
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ZOOM
CLUBE DE REVISTAS
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CLUBE DE REVISTAS por DIOGO SPONCHIATO
CAIU NA REDE
Se vazar, tem que
estancar: o princípio
que norteia o trabalho
do encanador também
se aplica ao corpo
humano. Não dá para
perder sangue. Por isso,
o organismo dispõe de
um complexo mecanismo
de contenção a recrutar
células e moléculas
específicas para, como
mostra o quadro ao lado,
evitar que os glóbulos
vermelhos sejam
escoados sem parar. Eis o
princípio da coagulação
— uma rede microscópica
capaz de impedir a
sangria desatada.
4a5
litros de sangue
trafegam pelas veias e
artérias de um adulto. O
líquido carrega glóbulos
vermelhos e brancos,
bem como plaquetas.
1%
do volume sanguíneo
corresponde às
plaquetas, células
essenciais para a
cicatrização de feridas e
a formação de coágulos.
Foto: Steve Gschmeissner - Getty Images
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COM A PALAVRA
CLUBE DE REVISTAS
por ADRIANA KACHANI ilustração PEDRO GONÇALVES
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