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3.2.3. Departamento Nacional de Saúde Pública e os Leprosários no brasil.

No início do Século XIX, aumentaram as preocupações com as doenças infecto-

contagiosas no Brasil e foi criado, em 1920, o Departamento Nacional de Saúde

Pública (DNSP), responsável pelos cuidados necessários para o controle das

epidemias e doenças como tuberculose, lepra, doenças venéreas e febre amarela,

entre outras. Concomitantemente a esse período, houve uma reflexão da política de

saúde pública, pressionada pela caótica situação da população frente às pestes, o

que levou à construção, em todo o país, de estabelecimentos de saúde como

leprosários, asilos, dispensários e colônias para tratamento e isolamento dos

pacientes afetados pelas doenças. No que tange a concepção de espaços “foi a

experiência dos leprosários que permitiu que fossem incorporadas separações entre

funções de alojamentos e logística, assim como a separação dos pacientes por sexo

e por grupo de patologias” (SAMPAIO, 2005, p.91).

Em 1922, foi criado no Distrito Federal (Rio de Janeiro), a Inspetoria de Profilaxia da

Lepra e das Doenças Venéreas, à qual coube também a profilaxia do câncer. Para

solucionar tal proposta para os departamentos criados pelo Doutor Carlos Chagas,

era necessário urgentemente a ”dotação de um hospital próprio, Chagas Filho dizia

que seu pai, Carlos Chagas, deseja a criação de dispensários e solicita a

participação da iniciativa privada, o que resultou na criação da Fundação Gaffrée

Guinle” (SANGLARD; COSTA, 2004, p. 110 apud CHAGAS FILHO, 1993, p. 174).

No contexto de ampliação das unidades de atendimento à saúde no Rio de Janeiro

durante o Governo de Epitácio Pessoa, a Fundação Gaffrée Guinle iniciou em 1920


120

a construção do hospital para tratar doenças venéreas. No entanto, mas não foi

apenas um hospital, mas sim, “a criação do complexo para o combate à sífilis, o

hospital, o Instituto de Pesquisa e os ambulatórios” (SANGLARD; COSTA, 2004, p.

114).

O arquiteto responsável pelo projeto foi Porto D´Ave da empresa Porto D´Ave &

Haering. A descrição do projeto por SANGLARD; COSTA (2004), apresentado

abaixo, retrata a nítida configuração pavilhonar que se pode observar nas imagens

apresentadas nas Figura 37, 38, 39 e 40.

O projeto do hospital contava com um prédio principal de quatro pavimentos, onde estavam
localizados os diversos serviços e um ambulatório. Nele funcionavam os serviços de Pronto-
Socorro, Vias Urinárias, Ginecologia, Obstetrícia, os serviços auxiliares ao ambulatório do
hospital (laboratório, fisioterapia e raios X), Sífilis Visceral, Otorrinolaringologia e Oftalmologia,
as salas de operação e Serviço de Mulheres Contagiantes. Além deles havia ainda:
superintendência dos serviços administrativos; serviços de estatística e de enfermagem;
renda da instituição; serviços sanitários; anfiteatro; rouparia; salão de honra; biblioteca e
museu. No campus, foram projetados pavilhões especiais para abrigar o Instituto de
Pesquisa; o biotério; a capela consagrada a Nossa Senhora da Conceição do Brasil; as
oficinas de conservação; o dormitório dos empregados e a lavanderia (SANGLARD; COSTA,
2004, p. 129).

Figura 37 Vista Aérea do Hospital Gaffrée e Guinle, na Rua Mariz e Barros, projeto do Arquiteto Porto
D’ Ave & Haering.
Fonte: SANGLARD; COSTA,2004, p. 129.
121

Figura 38 Hospital da Fundação Gaffrée e Guinle, fachada principal, projeto Porto D’Ave & Haering.
Fonte: SANGLARD; COSTA,2004, p. 129.

Figura 39 Hospital da Fundação Gaffrée e Guinle, fachada da rua projetada com a capela, o Instituto
de Pesquisa e a casa do administrador, projeto Porto D’Ave & Haering.
Fonte: SANGLARD; COSTA,2004, p. 129

Figura 40 Hospital da Fundação Gaffrée e Guinle, A) Plantas do térreo, B) primeiro e C) segundo


pavimentos.
Fonte: SANGLARD; COSTA, 2004, p. 129.
122

Inserido no contexto das preocupações e necessidades de sanar as doenças e criar

unidades de internação, encontra-se um material produzido para o Estado de São

Paulo, pelo Arquiteto Adelardo Soares Caiuby, em 1918, intitulado de “Projecto

Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo”. Este material continha um

extenso estudo da implantação do projeto, das descrições de cada edifícios do

complexo como, por exemplo, habitação para mulheres, pavilhão para meninos,

lavanderia, isolamento de crianças, enfermaria de homens e mulheres, entre outros

projetos que perfazem um total de quarenta e uma unidades projetadas. Como

exemplo de algumas plantas, pode-se citar: Implantação (Figura 41); Enfermaria

das Mulheres (Figura 42); Habitação das Mulheres (Figura 43) e Refeitório (Figura

44).

Observa-se que todos os projetos são pavilhonares, embasados nos princípios de

cura pelo isolamento, ventilação, insolação e disciplinização das unidades

(CAIUBY,1918). Esse modelo proposto incorpora a necessidade de atendimento à

população portadora da doença por um longo período, prevendo a necessidade de

enfermarias ou hospitais para os casos agudos e colônias com casas para pacientes

com a doença em estágio controlado ou sem necessidade de internação, mas em

moradias isoladas do convívio social com a população sadia.


123

Figura 41 Implantação: “Projeto Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo”.


Fonte: CAUIBY, 1918, p.47.
141

Figura 42 Enfermaria das Mulheres: “Projeto Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo”.
Fonte: CAUIBY, 1918, p.47.

Figura 43 Habitação das Mulheres: “Projecto Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo”.
Fonte: CAUIBY, 1918, p.21.
142

B
Figura 44 Dois modelos de refeitório: “Projecto Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo”.
Fonte: CAUIBY, 1918, p.43.

A enfermaria feminina é similar à masculina, composta por três pavilhões, cada um

dedicado a um nível de gravidade da enfermidade (lepra, conhecida hoje por

hanseníase). Os pacientes considerados em estado mais grave eram separados dos

demais, que podiam estar com a doença em fase intermediária ou inicial. Havia

locais dedicados à realização de curativos, de operações e área para agonizantes

(CAUIBY, 1918).
143

Tanto o projeto da habitação feminina, quanto o da habitação masculina, são

compostos de duas alas, com sanitários nas extremidades e, entre elas, um amplo

hall com quatro salas de recreação no corpo central. Acoplado a ela encontra-se a

área de oficinas de costura, rouparia e hidroterapia (CAUIBY, 1918).

Nos dois projetos dos refeitórios, a cozinha está localizada na área central, que dá

acesso às copas de distribuição e aos refeitórios distintos para homens, mulheres,

meninos, meninas, empregados e pessoal superior. Todas as enfermarias têm

características pavilhonar, separando os pacientes em categorias de doenças, idade

e sexo (CAUIBY, 1918).

Nota-se que o modelo proposto em 1918 pelo Arquiteto Adelardo Soares Caiuby

para a unidade em São Paulo serviu como inspiração para diversas outras unidades

em todo o Brasil. Verificam-se características similares da proposta de Caiuby para

as unidades, transformando-as em verdadeiras colônias com elementos em comum

em todas elas, tais como a localização afastada dos centros urbanos, com

abundancia de áreas verdes, uma unidade hospitalar ou enfermaria, casas para

pacientes estáveis, em alguns casos separados por categorias ou sexo, praça

central, área de recreação, igreja, arruamento e portaria de acesso ao complexo.

Há várias semelhanças com o projeto da Leprosaria Modelo nos Campos de Santo

Ângelo. Tais semelhanças talvez não sejam facilmente encontradas em seus

detalhes construtivos, mas sim, nos conceitos de implantação como a localização do

leprosário em áreas isoladas, com enfermarias, colônias residenciais para os

pacientes que estiverem em melhores fases das doenças e a presença de uma

capela ou igreja, entre outros aspectos que se pode destacar em leprosários como:

Colônia Bonfim, hoje Hospital Aquiles Lisboa - São Luis, Maranhão; Leprosário
144

Antonio Diogo, Canafistula ou Colônia Santa Justina / Ceará, Hospital Colônia

Itapuã – Itapuã, Rio Grande do Sul e a Colônia Santa Marta - HD - Goiânia, Goiás.

São características marcadas pela grande área de implantação da unidade, da

existência de enfermarias, casas para pacientes em recuperação, a presença da

igreja, áreas centrais como praças de recreação e encontro social.

Como exemplos, podem-se citar algumas das unidades para tratamento de doenças

infecto-contagiosas construídas das quais se tem registro nesse período:

1922 - Hospital de Manguinhos no Rio de Janeiro e seus institutos (Figuras 37, 38 e

39 e 40);

1925 - Leprosário São Luiz - São Luiz, Maranhão;

1926 - Leprosário São Roque – Deodoro, PR;

1926 - o início do Hospital do Câncer no Rio de Janeiro que não foi concluído (as

Figuras 45A e 45B ilustram o projeto original pretendido), instalando, posteriormente,

o Hospital Barata Ribeiro;

Década de 1920 - Hospital das Clínicas do Rio de Janeiro, cuja construção não foi

finalizada devido a diversos fatores políticos e financeiros, “passando o esqueleto do

edifício para a instalação do campus Maracanã da Universidade do Rio de Janeiro”

(SANGLARD; COSTA, 2004, p. 121), a Figura 46 ilustra o projeto original para o

hospital;1927 - Preventório Asylo Santa Therezinha - Carapicuhyba, São Paulo;

1928 - Leprosário Santo Ângelo atual Hospital Arnaldo Pezzuti Cavalcante - Mogi

das Cruzes, São Paulo (Figuras 47, 48 e 49);


145

1928 - Leprosário Antonio Diogo - Canafistula ou Colônia Santa Justina, Ceará

(Figura 50);

1928 - Hospital-Colônia de Curupaity – Jacarepaguá, Rio de Janeiro;

1928 - Asilo Colônia Aimorés, atual Instituto Lauro de Souza Lima (Figura 51);

1929 – Asilo Colônia Cocaes, SãoPaulo;

1930 - Lazareto Souza-Araujo - Rio Branco, Acre;

1930 - Leprosário Belizário Penna – Paricatuba, Amazonas;

1931 – Colônia Santa Isabel, atual Hospital Santa Isabel – Minas Gerais;

1931 – Hospital São Lazaro – Parnaíba, Piauí;

1931 –Sanatório Padre Bento - São Paulo, São Paulo;

1931 - Asylo-Colonia Pirapitinguy - Itu, São Paulo;

1932 - Colônia Bonfim, hoje Hospital Aquiles Lisboa - São Luis, Maranhão (Figura

52);

1934 - Preventório São Tarcísio – Minas Gerais;

1934- Leprosario-Colonia Itanhenga;

1933 - Asylo de Leprosos da Ilha da Cal;

1933 - Padre Damião - Ubá, Minas Gerais;

1936 - São Francisco de Assis – Bambuhy, Minas Gerais;

1936 – Leprosário Emergência – Rio Grande do Sul;


146

1936 - Tavares de Macedo - Iguá, Itaboraí, RJ;

1936 - Colônia de Leprosos Santa Thereza - São José, SC;

1937 - Hospital Doutor Francisco Ribeiro Arantes – Itu, São Paulo;

1937 – Colônia Santa Bárbara – Goiânia, Goiás;

1937 - Asylo de Annapolis – Goiás;

1937 - Asylo de Bananal - Goiás;

1937 - Asylo de Catalão - Catalão, Goiás;

1940 - Hospital Colônia Itapuã – Itapuã, Rio Grande do Sul (Figura 54 e 55);

1941 - Hospital Colônia da Mirueira – Pernambuco, e

1947 - Colônia Santa Marta, hoje Hospital de Dermatologia Sanitária e Reabilitação

Santa Marta – HDS - Goiânia, Goiás (Figura 53) (LEPROSARIUM, 2007).

A B
Figura 45 Hospital do Câncer da Fundação Oswaldo Cruz.
Legenda: A) Perspectiva e fachada principal, B) Fachada principal.
Fonte: SANGLARD; COSTA,2004, p. 129
147

Figura 46 Terceira e definitiva planta do Hospital das Clínicas, arquiteto Porto D´Ave.
Fonte: SANGLARD; COSTA, 2004, p. 129 apud MARINHO, 1931

Figura 47 Leprosário Santo Ângelo atual Hospital Arnaldo Pezzuti Cavalcante - Mogi das Cruzes/SP.
Fonte: ESTADO DE SÃO PAULO. SECRETARIA DO ESTADO
DA SAÚDE, 2002- Fotos: Embrafotos

Figura 48 Enfermaria do Leprosário Santo Ângelo atual Hospital Arnaldo Pezzuti Cavalcante - Mogi
das Cruzes/SP.
Fonte: ESTADO DE SÃO PAULO. SECRETARIA DO ESTADO DA SAÚDE, 2002- Fotos: Embrafotos.
148

Como se pode observar na Figura 47 em comparação com a implantação proposta

por Adelardo ilustrada na Figura 41, percebe-se que o projeto não foi seguido

rigorosamente em todos os seus detalhamentos, mas que seu o conceito primário de

utilização dos espaços foram mantidos, assim sendo, os locais destinados para as

enfermarias, locais para as colônias residenciais, a proposta de ruas arborizadas,

áreas de lazer e contando, ainda, com um teatro projetado pelo Arquiteto Rino Levi

(Figura 49), projeto do qual não foram obtidas maiores informações.

Já na Figura 48, que ilustra uma das enfermarias, pode-se observar a semelhança

com a proposta do Projecto Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo

proposto por Caiuby (1918, p.47), exceto os detalhamentos de fachada, caixilhos e

revestimentos.

Figura 49 Cine Teatro do Leprosário Santo Ângelo atual Hospital Arnaldo Pezzuti Cavalcante - Mogi
das Cruzes/SP.
Fonte: ESTADO DE SÃO PAULO. SECRETARIA DO ESTADO DA SAÚDE, 2002- Fotos: Embrafotos.
149

A B
Figura 50 Leprosário Antonio Diogo, Canafistula ou Colônia Santa Justina – Ceará
Legenda: A) Interior da colônia e B) Praça Central com imagem religiosa.
Fonte: Disponível em: http://www.leprosyhistory.org/. Acesso em: 04/06/2006,
Fotos: Maria Eleny de Freitas as part of a survey for the Brazilian Archival Preservation Project.

No Leprosário Antonio Diogo, a enfermaria tem seus pavilhões separados que, como

se pode observar na Figura 50, apresenta pelo menos dois pavilhões interligado por

um corpo central. Também se pode destacar na Figura 50 a existência de uma praça

central com a presença de uma imagem religiosa e a formação de uma colônia de

residências. Assim como, a Figura 52A do Hospital Colônia do Bonfim - São Luis,

Maranhão apresenta também uma praça central com a presença com um ícone

religioso e, na Figura 52B, verifica-se a existência das colônias residenciais. Tal

modelo se repetirá nas representações da Colônia Santa Marta, em Goiânia, Goiás,

conforme as Figura 53A e 53B.


150

B C

D E
Figura 51 Asilo Colônia Aimorés, atual Instituto Lauro de Souza Lima.
Legenda: A) Vista aérea do complexo Instituto Lauro de Souza Lima; B) Casas da colônia; C) Portal
de entrada; D) Praça central; e E) Teatro.
Fonte: ILSL – Instituto Lauro de Souza Lima. Disponível em: http://www.ilsl.br>. Acesso em: 22/10/2007.
151

A B
Figura 52 Hospital Colônia do Bonfim - São Luis / Maranhão
Legenda: A) Vista do hospital a partir da praça central B) Vista da colônia.
Fonte: http://www.leprosyhistory.org/english/gallery/gallerylepbrazil.htm - Araújo, H C S. 'A lepra e as
organizações anti-leprosas do Brasil em 1936' Mem. Inst. Osw Cruz, 1937:32 (1) 15.

A B
Figura 53 Colônia Santa Marta - Goiânia, Goiás.
Legenda: A) Entrada da Colônia Santa Marta; B) Pavilhão das Mulheres.
Fonte: Disponível em: http://www.leprosyhistory.org/. acesso em: 22/10/2007- Notes from information supplied by
Carla Julia Letti as part of a preliminary survey for the Brazil Archive Preservation Project, 2007.

No Hospital Colônia Itapuã, no Rio Grande do Sul (Figuras 54 e 55), destaca-se a

semelhança com o conceito do Projecto Leprosaria Modelo nos Campos de Santo

Ângelo de Caiuby, pela localização isolada, em áreas altamente arborizadas, a

setorização das unidades (enfermarias, colônias, serviços) e a presença da igreja. O

partido arquitetônico não foi adotado, mas o conceito de distribuição espacial foi

assimilado.
152

Figura 54 Hospital Colônia Itapuã - Rio Grande do Sul – Vista Aérea.


Fonte: Araújo, H C S. 'A lepra e as organizações anti-leprosas do Brasil em 1936' Mem. Inst. Osw Cruz, 1937:32
(1) 153) <http://www.leprosyhistory.org/>. acesso em: 22/10/2007.

Figura 55 Hospital Colônia Itapuã - Rio Grande do Sul – Vista das Colônias.
Fonte: Araújo, H C S. A lepra e as organizações anti-leprosas do Brasil em 1936' Mem. Inst. Osw Cruz, 1937:32
(1) 153). Disponível em: http://www.leprosyhistory.org/english/gallery/gallerylepbrazil.htm>. acesso em:
22/10/2007.

Outras propostas foram desenvolvidas fora do cenário das epidemias. Dentre elas,

destaca-se uma proposta isolada do restante do país que foi adotada em 1932 por

Pedro Ernesto, então prefeito da capital carioca e do Brasil. O Decreto-lei 4.252 de

08/07/1932 teve como intuito aumentar o número de oferta de leitos e de organizar a

estrutura hospitalar. Apesar de ser uma medida pontual, ela contribuiu, ainda que

modestamente, para uma iniciação no pensamento normativo voltado para unidades

de saúde. Na tentativa de estabelecer diretrizes de funcionamento das unidades de

saúde, acabou por contribuir diretamente para a concepção de projetos de hospitais,


153

listando uma série de necessidades e classificando os procedimentos básicos que

cada unidade deveria realizar. Assim, confirma Moraes (2005, p.16), que “vários

hospitais foram construídos seguindo as diretrizes constantes nesse decreto-lei

[Decreto-lei 4.252], como por exemplo: Hospital Carlos Chagas, Hospital Miguel

Couto, Hospital Getúlio Vargas, entre outros”.

Conforme salienta Teixeira (2004) este decreto-lei visa a implantação de unidades

assistenciais de saúde e baseia-se no estudo do plano diretor para o Distrito Federal

(Rio de Janeiro) elaborado pelo arquiteto Alfred Agace (final da década de 1920),

sendo que as unidades de assistência à saúde objetivavam atender a população

carente. Assim, foram instalados dispensários e serviços de pronto socorro em

Cascadura, Campo Grande, Penha, Ilhas do Governador e Paquetá, além de

serviços de atendimento médico-hospitalares e postos de assistência de

Copacabana e do Méier e outros bairros suburbanos. Para bairros de operariado foi

proposta a instalação das Unidades Militares em Deodoro e Marechal Hermes.

3.2.4. O Hospital Monobloco no Brasil.

O início do partido arquitetônico denominado ‘monobloco’ no Brasil foi marcado pelo

projeto do engenheiro português Luiz de Morais Júnior (Figura 56), que veio ao

Brasil para a reconstrução da Igreja da Penha e conheceu, aqui, Oswaldo Cruz

(TOLEDO, 2006; TOLEDO, 2003).


154

A B
Figura 56 Hospital de Isolamento projeto Engenheiro Luiz de Morais Júnior – 1907.
Legenda: A) Planta e B) Fachada Principal.
Fonte: TOLEDO, 2006, p. 26 apud BENCHIMOL,1990.

Seus primeiros projetos incorporaram às antigas regras da arquitetura pavilhonar, codificada


em fins do Século XVIII, o saber e a tecnologia médica oriundas da revolução pasteuriana.
Combinam o gosto e o apuro estético, predominantes em sua época, na distribuição dos
volumes e fachadas, com a mais rigorosa funcionalidade na distribuição interna dos espaços,
estruturados de modo a funcionarem como dispositivos neutralizadores do contágio e
propiciadores da cura. Suas últimas construções hospitalares, posteriores a 1930, já
obedecem a uma lógica médica e a parâmetros formais e construtivos inteiramente diversos:
além de se terem modificado as noções sobre contágio das doenças infecciosas, a
complexidade das práticas e tecnologias médico-terapêuticas já não se coaduna com os
modelos clássicos de arquitetura pavilhonar gestados na Europa. Estes hospitais incorporam,
então as normas construtivas desenvolvidas nos Estados Unidos, precursores das
construções verticais, em monobloco, utilizando o concreto armado (TOLEDO, 2006, p. 27
apud BENCHIMOL , 199 p.189).

A concepção de hospitais verticais apropriando-se da concepção ‘monobloco’ foi

amplamente utilizada no início do Século XX. Mesmo assim, a proposta pavilhonar

em cidades onde a demanda por espaço não é tão latente quanto nos grandes

centros urbanos continuou a existir e a apresentar seus defensores, como TOLEDO

(2003), que discursa defendendo a postura adotada nos projetos e obras do

arquiteto João Filgueiras Lima, conhecido como Lelé:

Não se trata, aqui, de condenarmos o monobloco vertical, cuja adoção mostrou-se vantajosa
em inúmeros aspectos, entre os quais o de possibilitar que uma unidade hospitalar pudesse
ser implantada em terrenos muito menores do que os exigidos por um hospital de partido
horizontal.
O que pretendemos salientar é que a adoção do monobloco vertical coincidiu com o
surgimento de procedimentos ativos de assepsia muito mais eficientes, que colocaram em
segundo plano as barreiras físicas, tão importantes no modelo pavilhonar.
A partir da incorporação dessas novas práticas o espaço hospitalar irá perder, cada vez mais,
sua importância para o processo de cura, passando a ser considerado como mero suporte
físico das práticas curativas que ali se desenvolvem (TOLEDO, 2003).
155

A questão tratada acima por TOLEDO(2003) da evolução científica e dos

conhecimentos da microbiologia influenciando diretamente na assepsia hospitalar, é

diretamente relacionado com “aumento da importância para o processo de cura”.

Seja qual for a tipologia adotada para a concepção de um hospital; pavilhonar ou

monobloco; é inaceitável ausência de assepsia e das normas técnicas de segurança

de controles de infecções, sendo que o “aumento da importância para o processo de

cura”, que o autor se refere está mais relacionado com a qualidade do espaço

projetado do que com sua tipologia propriamente dita.

Como exemplo de hospitais verticalizados brasileiros pode-se destacar:

1) 1948 - Instituto Central do Câncer projetado por Rino Levi e Roberto

Cerqueira César, em São Paulo (Figura 57);

2) 1950 - Hospital Cruzada Pró-Infância, Projeto Rino Levi (Figura 58);

3) 1958 - Hospital Albert Einstein, Projeto Rino Levi (Figura 59);

4) Hospital Sul América, no Rio de Janeiro, projeto de Oscar Niemeyer e Helio

Uchoa;

5) Hospital Municipal Souza Aguiar, projetado por Ari Garcia Rosa;

6) Hospital das Clínicas de Porto Alegre projetado por Jorge Moreira;

7) Conjunto de projetos para a Puericultura e Hospital Universitário na Ilha do

Fundão projetado por Jorge Moreira e Aldary Toledo (Figura 59);

8) Hospital Santa Mônica em Belo Horizonte, projeto de Oscar Waldetaro, em

parceria com Roberto Nadalutti (Figura 60);


156

9) Hospital Pedro II, construído em Santa Cruz, no Rio de Janeiro projeto de

Oscar Waldetaro, em parceria com Roberto Nadalutti;

10) 1958 - Hospital São Domingos das Irmãs Dominicanas, Uberaba, Projeto

Jarbas Karman (Figura 62) e

11) 1968 - Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo, projetado por

Zanettini (Figura 63).

Figura 57 Hospital Instituto Central do Câncer - Projeto Rino Levi (1948).


Fonte: TOLEDO, 2003.

Figura 58 Hospital Cruzada Pró-Infância (1950).


Fonte: SCHMIDT, 2003, p.66.

Figura 59 Hospital Albert Einstein - Projeto Rino Levi (1958).


Fonte: SCHMIDT, 2003, p.68.
157

Figura 60 Conjunto de projetos para a Puericultura e Hospital Universitário na Ilha do Fundão


projetado por Jorge Moreira e Aldary Toledo.
Fonte: TOLEDO, 2003.

Figura 61 Hospital Santa Mônica em Belo Horizonte - projeto de Oscar Waldetaro, em parceria com
Roberto Nadalutti.
Fonte: TOLEDO, 2003.

Figura 62 Hospital São Domingos das Irmãs Dominicanas - Uberaba/MG - Projeto Jarbas Karman
(1958).
Fonte: KARMAN, Disponível em: <http://www.karman.com.br. >. Acesso em: 02/06/2007.

Figura 63 Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, projetado por Zanettini (1968).


Fonte: ZANETTINI. Disponível em:http://www.zanettini.com.br. Acesso em: 03/06/2007.
158

No período que compreende as décadas entre 1940 até 1960, observa-se a

latente necessidade de estabelecer diretrizes que regulamentam a atividade

profissional do arquiteto no âmbito da construção de Estabelecimentos

Assistenciais de Saúde, devido ao aumento dos beneficiários dos IAPs e,

conseqüentemente, à crescente necessidade de hospitais que o maior número de

atendimentos curativos demandava.

3.3. A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA OS PROJETOS DE

ESTABELECIMENTOS ASSISTENCIAIS DE SAÚDE (EAS) NO BRASIL.

Acompanhando a evolução das políticas de saúde pública, observa-se o

desenvolvimento das práticas da medicina e, conseqüentemente, a necessidade

de estabelecer padrões mínimos que garantam a qualidade de saúde à população.

Dessa maneira, a formação das legislações de saúde foi sendo desenvolvida,

embasada em estudos, nas experiências apreendidas dos profissionais de saúde

e no desenvolvimento tecnológico.

O desenvolvimento das normalizações29 de saúde gerou uma conseqüente

preocupação com o espaço que abrigava os doentes. A observação das práticas

diárias das diversas áreas da unidade30 hospitalar somada ao conhecimento das

experiências de outros países nessa área, assim como, a necessidade do

atendimento à população e suas carências leva ao início de um esboçar, no Brasil,

29
Normalização ou Normatização: atividade que visa elaborar padrões, através de consenso entre produtores, prestadores
de serviços, consumidores e entidades governamentais (ANVISA, RDC 50, 2002).
30
Unidade - conjunto de ambientes fisicamente agrupados, onde são executadas atividades afins (ANVISA, RDC 50, 2002).
159

de uma diretriz para a concepção de unidades de serviço de saúde31. Tais diretrizes

têm o intuito de garantir o sucesso no desempenho de cada procedimento32 e

melhorar os atendimentos, assim como, auxiliar no controle das infecções. Muitas

vezes, as determinações propostas pelas normas e legislações ganham peso

decisivo na concepção projetual como salienta Givisiez (2004):

Os projetos arquitetônicos de edifícios de interesse para a saúde, freqüentemente, seguem


inspirações funcionalistas em detrimento das soluções formais. Isto se deve, provavelmente,
à complexidade das soluções funcionais exigidas o que dificulta a solução estética do edifício
(...) No Brasil, esta visão funcionalista é ainda reforçada por uma legislação rígida (...)
(GIVISIEZ, 2004, p.1).

O edifício hospitalar comporta diversas áreas distintas e de alta particularidade que

devem se integrar e se comunicar. Assim sendo, o edifício hospitalar configura-se

em um objeto de grande complexidade e tecnicidade. Tais características culminam

na necessidade da compreensão do funcionamento não só físico, mas também

pessoal, administrativo e logístico, entre outros. A orientação na concepção projetual

de um hospital é de grande importância, pois está intrinsecamente relacionado ao

cotidiano das atividades exercidas no ambiente de saúde, com as características

patológicas das manifestações das doenças e com a evolução da tecnologia médica.

Levi (1954) ressalta que a concepção de um projeto hospitalar necessita de uma

somatória dos conhecimentos técnicos distintos, como de médicos, enfermeiros,

administradores hospitalares, engenheiros, técnicos, arquitetos e fornecedores de

equipamentos.

Para agrupar todas essas diversas informações, faz-se necessário estabelecer

diretrizes para a concepção projetual de um hospital, partindo de um modelo básico

31
Serviços de Saúde: Denominação dada para instituição destinada à prestação de assistência à saúde para a
população, que demande o acesso de paciente.
32
Procedimento: Ação executada, fundamentada em princípios científicos descritos de forma a assegurar que
seus fundamentos sejam mantidos (ANVISA, RDC 50, 2002).
160

de funcionamento de um estabelecimento de saúde e das necessidades mínimas

que este deve contemplar como menciona Kotaka (1992). Para a definição de um

projeto de hospital é essencial determinar exatamente sua localização, quais os

serviços que serão especificamente prestados, quais serão as tecnologias aplicadas,

detalhes de manutenção, flexibilidade, modulação e tantos outros importantes itens

em um hospital.

As normas33 e as legislações para construção de unidades de saúde reúnem as

diversas informações necessárias, buscando fornecer uma somatória de

conhecimentos de diversas áreas que integram o panorama do edifício de saúde.

Dessa forma, é possível gerar-se subsídios e uma base científica para o

desenvolvimento projetual. Vale destacar que estas deverão sempre responder às

necessidades atuais de uma unidade de saúde, assim como deverão acompanhar

os desenvolvimentos tecnológicos.

No Brasil, a preocupação em estabelecer o controle com a disciplinarização dos

ambientes hospitalares é muito recente, pois, a história da república brasileira tem

pouco mais que 157 anos, ou seja, uma história muito curta de um país com esse

modelo governamental pós-monarquia. Como argumenta Lyda (1994), a república

instaurada pelo Marechal Deodoro da Fonseca é um regime que preserva traços

conservadores e autoritários do antigo regime monarca, mas corresponde a uma

nova forma de governo que tem como fundamento ideológico a ordem econômica e

o desenvolvimento social. A partir da proclamação da república, tenta-se criar uma

identidade em torno da nação e a institucionalização da saúde pública integra-se a

um quadro mais amplo do novo regime governamental. “Ela não representa somente

33
Definição de Norma: modelo, padrão, aquilo que se estabelece como base ou unidade para a realização ou
avaliação de alguma coisa (ANVISA, RDC 50, 2002).
161

uma nova forma de governar, mas também novas bases de legitimação” (LYDA,

1994, p. 45).

Durante o período monárquico brasileiro, o cuidado com a saúde no país era

praticamente oferecido pelas Santas Casas, formadas por serviços religiosos não

governamentais. Foi somente em 1920 que “o Departamento [de Saúde Pública

caracterizou-se como uma das primeiras iniciativas de saúde do Estado Brasileiro no

âmbito realmente nacional” (MORAES, 2005, p.13).

Resumidamente, Pereira Neto (1997) descreve o início de nossa política pública de

saúde com relação às unidades de assistência à saúde e destaca que as ações

focadas na saúde pública eram inicialmente baseadas na área do sanitarismo e nas

medidas para solucionar as epidemias vigentes, tratando de forma emergencial os

doentes:

Até o início da República, o Estado absteve-se de intervir nas questões de assistência social,
delegando esta responsabilidade para a filantropia. No inicio deste século, o altruísmo das
instituições privadas - de socorro à miséria - ia se contrapondo ao discurso da introdução de
uma política pública de prevenção e eliminação da pobreza. A doença era vista como
causadora da miséria. Para tanto, era necessário que se fizesse uma ‘profilaxia social’. O
princípio era o da assistência médica para proporcionar as condições para pleno exercício do
trabalho. O segundo momento inicia-se com a Reforma Luís Barbosa (1921), que introduziu o
complexo Pronto-Socorro/dispensário integrado ao sistema filantrópico-liberaI (...) Ela
pregava o combate à doença como pré-requisito para o desenvolvimento econômico, a
associação do tratamento preventivo com o curativo e a centralização dos serviços. A higiene
deveria ser uma atribuição federal. A organização dos serviços de saúde na gestão Luís
Barbosa, comportava três níveis de atendimento: as "casas de saúde" - para os abastados;
os "serviços de urgência" - gratuitos para os indigentes; e o "atendimento geral" - para
funcionários do Estado. Com a ‘Doutrina pronto-socorrista’ de Luís Barbosa, o Estado
expande seu atendimento médico, mas não rompe com o modelo filantrópico-liberal, pois
resguarda sua hegemonia no mercado (PEREIRA NETO, 1997, p.3).

Uma medida pontual no cenário brasileiro, implementada para ampliar a oferta de

leitos, foi o Decreto-lei nº. 4.252 pelo prefeito do Distrito Federal (Rio de Janeiro), o

senhor Pedro Ernesto (ver página 151).


162

Em 2 de abril de 1941, foi criado o Departamento Nacional de Saúde, órgão do

Ministério da Educação e Saúde, por meio do Decreto-Lei nº. 3.171. A preocupação

marcante deste decreto-lei é estabelecer um controle sobre as unidades de

assistência de saúde e criar mecanismos de controle sanitário, como serviços

nacionais de malária, peste, tuberculose, esgoto, água, controle de portos e outros

mais. No entanto, esse decreto-lei não se ocupa da questão espacial de um

estabelecimento de saúde. Somente na década de 1960, a previdência social

instituiu a Resolução nº. 300/DNPS que exigiu que os hospitais padronizassem suas

plantas físicas, equipamentos e pessoal técnico aos padrões estabelecidos por ela,

mostrando a preocupação em se adequar os espaços físicos às necessidades

(Sampaio, 2005).

Buscando melhor administrar os serviços sanitários e hospitalares do país, o

Ministério da Educação e Saúde cria a Divisão de Organização Hospitalar. Outra

medida tomada nesse sentido foi a criação de oito regiões de saúde para efeitos

administrativos do Departamento Geral de Saúde.

A Lei nº. 6.229 de 17 de julho de 1975, que dispõe sobre a organização do Sistema

Nacional de Saúde, confere ao Ministério da Saúde a competência para a fixação de

normas e padrões para prédios e instalações destinados a serviços de saúde, assim

como, para credenciar a integração no subsistema público de instituições não

lucrativas que prestem serviços de saúde às pessoas.

Destaca-se que o conteúdo dessa lei apenas determina a função que deverá ser

exercida e quem a exercerá, não tendo como objetivo a especificação das normas e

padrões a serem implantados. Para desenvolver as especificações das medidas,

definições e determinações necessárias à legislação ou norma para edificações de


163

serviços de saúde, o Ministério da Saúde criou um grupo de pesquisa formado por

especialistas de várias áreas. Esse grupo foi regulamentado pela publicação da

Portaria nº. 517/BSB, caracterizando-se, assim, o início da elaboração das normas e

diretrizes para projetos de unidades de saúde, conforme define Ferrarini (1977):

Em 1975, constituiu-se através da Portaria nº. 517/BSB do Ministério da Saúde, um Grupo de


Trabalho interinstitucional com a atribuição, entre outras expressas, de realizar estudos sobre
Conceitos e Definições, que possibilitassem uniformização terminológica nos campos dos
serviços sanitários e, especialmente, da assistência médico-hospitalar (FERRARINI, 1977,
p.5).
O grupo de estudo montado pela Portaria nº. 517/BSB para elaborar diretrizes,

definições e conceitos baseou-se em diversas fontes de informação, como descreve

Ferrarini (1977):

O Grupo de Trabalho, para melhor desincumbir-se de suas tarefas, consultou publicações da


OPS/OMS, do Serviço de Saúde Pública dos EUA, da Associação Americana de Hospitais,
além de outras pertencentes à antiga Divisão de Organização Hospitalar do Ministério da
Saúde e a Coordenação de Assistência Médica e Hospitalar (CAMH) do Ministério da Saúde.
Consultou, igualmente, temas de Curso de Administração Hospitalar da Faculdade de Saúde
Pública da USP, do Curso de Administração Hospitalar da PUC e relatório da Comissão de
elaboração do anteprojeto de Lei Orgânica de Assistência Hospitalar do País, criada pelo
Decreto nº. 37 773, de 18 de agosto de 1955 (FERRARINI, 1977, p. 5).

No mesmo ano, foi instituído o Decreto nº. 76.973 de 31 de dezembro de 1975, que

dispõem sobre normas e padrões para prédios destinados a serviços de saúde34,

credenciamento e contratos com os mesmos e dá outras providências. Sobre esse

aspecto, comenta Sampaio (2005):

Esse decreto definia conceitos, determinava definições, localização adequada, áreas de


circulação, área total construída, acomodação de pacientes, detalhes sobre tipo de materiais
de construção, sistema de segurança contra acidentes e de emergência, instalação para
destino de dejetos e pormenores de acordo com casos específicos (SAMPAIO, 2005 , p.122).

Dessa forma e tendo como base a Lei nº. 6.229/75, o Decreto nº. 76.973 de 31 de

dezembro de 1975 determina que as construções e instalações de serviços de

34
Entendem-se como Serviços de Saúde ou Unidades de Saúde, os hospitais, postos ou casas de saúde,
consultórios, clínicas em geral, unidades médico-sanitárias, outros estabelecimentos afins ou locais onde se
exerçam atividades de diagnóstico e tratamento, visando a promoção, proteção e recuperação da saúde.
164

saúde obedecerão às normas e padrões fixados pelo Ministério da Saúde35 e que,

tanto a aprovação dos projetos, quanto suas autorizações competem às Secretarias

de Saúde dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios36. No

entanto, este novo decreto ainda não estabelece as normas e diretrizes para a

concepção projetual, sendo apenas um instrumento de orientação que deve ser

consultado sem, no entanto, descrever ou definir normas e diretrizes. Pode-se

observar tal característica nas disposições pertencentes ao Artigo 2º do Decreto nº.

76.973/75, que dispõem sobre: (a) conceitos e definições; (b) localização adequada;

(c) áreas de circulação, externas e internas; (d) área total construída; (e)

acomodação dos pacientes; (f) locais adequados para os atendimentos clínicos,

cirúrgicos e de recuperação dos pacientes; (g) instalações sanitárias, elétricas,

mecânicas e hidráulicas; (h) Instalações para atendimento de pacientes; (i) áreas

destinadas à alimentação e ao lazer aos pacientes; (j) serviços gerais

especializados; (k) detalhes sobre os tipos de materiais de construção; (l) sistemas

de segurança contra acidentes e de emergência; (m) instalações para o destino

adequado final dos dejetos; e (n) pormenores, atendidas às peculiaridades,

necessidades locais, e condições. Sendo este último artigo (Artigo 2º) aprovado

apenas em 11 de fevereiro de 1977, com a Portaria nº. 30/BSB.

Dando continuação ao escopo estabelecido no Decreto nº. 76.973 de 31 de

dezembro de 1975, a Portaria nº. 400/MS de 6 de dezembro de 1977 aprova as

normas e padrões sobre construções e instalações de serviços de saúde, a serem

observados em todo território nacional e em complementação à Portaria ministerial

nº. 30 de 11 de fevereiro de 1977.

35
Artigo 1º do Decreto nº. 76.973 de 31 de dezembro de 1975. .
36
Parágrafo 1º do Artigo 1º do Decreto nº. 76.973 de 31 de dezembro de 1975.
165

Inicia-se, com a Portaria nº. 400/MS, uma descrição dos padrões e normas para

projetos hospitalares com um maior aprofundamento dos recursos físicos

necessários para o exercício das atividades de saúde, estabelecendo a metragem

quadrada para cada ambiente em determinada área hospitalar. A descrição se

baseia nas necessidades programáticas de uma unidade de saúde com capacidade

compreendida entre 50 e 150 leitos como parâmetro (BRASIL, Portaria nº. 400/MS,

1977).

Nesta legislação, destaca-se a preocupação com a localização e implantação da

unidade, assim como, com a infra-estrutura para o seu atendimento e, também: (a)

drenagem natural do terreno; (b) facilidade de acesso, meios de locomoção, tipos de

transporte; (c) taxa de ocupação; (d) orientação em ventilação e iluminação; (e)

circulação interna e externa, (f) área construída; (g) segurança contra acidentes; (h)

instalações; (i) revestimentos; (j) normas técnicas – instalações sanitárias; (k)

normas técnicas – instalações elétricas; (l) normas técnicas – instalação de caldeira,

vapor e condensado; (m) normas técnicas – instalações câmaras frigoríficas; (n)

normas técnicas – instalações hidráulicas; (o) normas técnicas – instalações gás

combustível; (p) normas técnicas – instalações oxigênio; (q) normas técnicas –

instalações vácuo clínico; (r) normas técnicas – instalações comunicação visual; (s)

normas técnicas – instalações ar condicionado e ventilação mecânica; (t) normas

técnicas de armazenamento, coleta e transporte de lixo; e (u) normas técnicas –

instalações contra incêndio.

Segundo Sampaio (2005, p. 123), em 15 de fevereiro de 1979, a Portaria nº. 61⁄

BSB modificou a Portaria nº. 400⁄BSB somente no que se refere ao termo ‘posto de

assistência médica’ para se referir aos estabelecimentos de saúde destinados à

medicina ambulatorial.
166

É importante destacar que alterações freqüentes de nomenclatura e de

caracterização, ou ainda a definição das Unidades de Saúde (como por exemplo,

Hospital Geral, Unidade Básica de Atendimento, Posto de Saúde, Hospitais Públicos

e Privados, etc.), dificultam o estudo da análise do desenvolvimento das unidades de

atendimento no país. Analisando-se os dados fornecidos pelo IBGE, observa-se que

estes apresentam inúmeras nomenclaturas que, quando comparadas, geram

possíveis inconsistências de dados, praticamente impossibilitando a elaboração de

um quadro evolutivo de unidades de saúde de uma mesma categoria em um longo

período de tempo e, também, dificultando uma avaliação da importância da

implantação dos edifícios construídos pelo PMS na região metropolitana de São

Paulo.

A Portaria nº. 400⁄BSB foi utilizada como padrão para elaborações de projetos de

unidades de saúde até 1994, quando foi revogada pela Portaria nº. 1.884⁄GM de 11

de novembro de 1994. As diretrizes governamentais da Portaria nº. 400⁄BSB foram

estabelecidas pela Previdência Social e a pela Portaria 1.884⁄G, que já obedece às

determinações constitucionais do SUS, constituindo uma mudança significativa no

sistema de atendimento à população. Durante a primeira fase do PMS, a concepção

projetual foi orientada pelas diretrizes propostas pela Portaria nº. 400⁄BSB associada

ao programa físico-funcional proposto pelo mesmo. Já a segunda fase do PMS já foi

norteada pela nova Portaria nº. 1.884⁄GM em conjunto com as diretrizes do

programa proposto pelo PMS. Podem-se observar as alterações projetuais ocorridas

após essa data na análise de projetos mais adiante.

A Portaria nº. 1.884⁄GM de 11 de novembro de 1994 vigorou como instrumento para

aprovação de projetos de estabelecimentos de saúde, abordando e definindo as

etapas de projeto de responsabilidades, assim como, o processo detalhado para a


167

sua aprovação pelos órgãos competentes das Secretarias Estaduais e Municipais. A

principal diferenciação da Portaria nº. 400⁄BSB em relação à Portaria nº. 1.884⁄GM é

que esta é muito mais detalhada do que aquela devido à grande evolução

tecnológica provinda da área médica, de procedimentos terapêuticos, laboratoriais,

normas técnicas da ABNT e outros fatores que influenciam a formação do

paradigma. Como importante exemplo dessa mudança tecnológica, pode-se citar a

introdução neste momento das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) não existente na

Portaria nº. 400⁄BSB.

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aventou

a necessidade de atualizar as normas existentes para construção, reforma,

instalações e ampliações em estabelecimentos assistenciais de saúde. Essa medida

foi regulamentada pelo Decreto nº. 3.029, de 16 de abril de 1999. Sendo que a

Portaria nº. 1.884⁄GM só foi revogada pela Portaria nº. 554, de 19 de março de 2002,

devido à alteração do sistema de saúde previsto na Constituição Federal que previa

sua descentralização político-administrativo (SUS). Após esse estudo, foi proposta a

Resolução RDC nº. 50, de 21 de fevereiro de 2002, que entra em vigor propondo um

complemento e atualização da Portaria nº. 1.884⁄GM.

A Portaria nº. 1.884⁄GM, assim como a continuação e aprimoramento proveniente da

RDC nº. 50, realizou um estudo no sentido de fornecer informações de uma gama

muito ampla de assuntos para a elaboração de unidades de saúde. O

desenvolvimento e a abordagem apresentados propõem uma série de

determinações, mas, em contrapartida, sugerem uma série de outras sugestões de

maneira não obrigatória, dando ao arquiteto a liberdade de identificar a necessidade

da unidade de saúde por aquele tipo de serviço ou apoio.


168

As determinações pertencentes tanto à Portaria nº. 1.884⁄GM quanto à RDC nº. 50,

estão estruturadas para orientar nas diversas etapas da elaboração de novos

projetos, reformas e ampliações de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (EAS),

e estão dispostas, conforme resumidamente descritas abaixo, com exceção das

alterações realizadas pela elaboração da RDC nº. 50 mencionadas posteriormente.

O documento é apresentado da seguinte forma:

Apresentação das legislações pertinentes e órgãos responsáveis pela elaboração do

documento, tornando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),

responsável por prestar assistência técnica e orientação às secretarias estaduais e

municipais de saúde.

Regulamento técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de

projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde que foi desenvolvido

detalhadamente em três partes e inclui um glossário e bibliografia utilizada.

− PARTE I - Projetos de estabelecimentos assistenciais de saúde.

Conjunto de informações técnicas necessárias e suficientes para caracterizar os

serviços e obras, como terminologias utilizadas, definição de programa de

necessidades para elaboração de estudo preliminar, projeto básico e projeto

executivo, Informações necessárias para novas obras, reforma, ampliações e obras

inacabadas. Dessa forma, estabelece as etapas de projeto necessárias e quais os

elementos que cada etapa deve conter como, por exemplo, estudo preliminar,

projeto básico e executivo de arquitetura, instalações elétricas, eletrônicas,

hidráulicas, estruturais, climatização e de fluido-mecânico. Inclui também todo o

processo de apresentação de documentos e desenhos, responsabilidade e

avaliação de projetos.
169

− PARTE II – Programação física funcional dos estabelecimentos assistenciais


de saúde.

Este capítulo é dedicado a explicar o funcionamento padrão ou mínimo de uma

unidade de saúde, definindo suas atribuições e suas atividades correlatas. Com

isso, apresenta uma listagem de atribuições de atividades com a finalidade de reunir

informações para dar apoio ao desenvolvimento dos projetos. É interessante

observar as necessidades da unidade a ser projetada e as atividades que serão

desenvolvidas, assim como, a localização do empreendimento. “Desta forma, a

decisão do tipo de estabelecimento a ser implantado será dos gestores, dos técnicos

e da comunidade envolvida, e não mais de acordo com padrões preestabelecidos

nacionalmente” (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, ANVISA, RDC nº. 50, 2002,

p.20).

O desenvolvimento de um programa37 físico-funcional é imprescindível, como aborda

Levi (1954, p.40): “A organização do programa constitui etapa importante e

representa trabalho não menos extenso que o da concepção da obra”.

A concreta definição da demanda populacional a ser atendida, o serviço ofertado e o

perfil epidemiológico da população, entre outras condicionantes, auxiliam na

elaboração do projeto do edifício para que ele contemple as necessidades atuais

demandadas e que possa acompanhar com certa maleabilidade funcional as novas

exigências de futuras tecnologias, como aborda Kotaka (1997):

O hospital terá seu papel definido pela organização e inter-relação com os demais
estabelecimentos dentro de uma área, para atender as necessidades epidemiológicas de
determinada população. É fundamental a compreensão desse papel para a viabilização dos
hospitais (KOTAKA, 1997, p.3).

37
Programa – “procedimento para solução de um problema, especialmente uma exposição indicando o contexto,
as condições, os requisitos e os objetivos de um projeto” (CHING, 2000, p.78).
170

− PARTE III – Critérios para projetos de estabelecimentos assistenciais de


saúde.

Este capítulo apresenta em forma de quadro uma listagem de ambientes e suas

áreas correlatas, relacionando as atividades necessárias para o pleno

desenvolvimento do ambiente proposto, assim com, as áreas de apoio que

complementam essa unidade e a necessidade das instalações essenciais. Para

cada unidade funcional é apresentado um quadro descritivo.

É importante observar que, além das informações pertencentes ao quadro, há

anotações de rodapé para consultas complementares que indicam Normas,

Portarias, Legislações, Manuais entre outros que complementam as informações

fornecidas. Essas informações complementares, muitas vezes, determinam a

viabilidade do empreendimento ou modificam a localização de uma unidade

funcional, sendo até mesmo um critério de informação dos equipamentos e

procedimentos operacionais e, em certos casos, podendo-se identificar o fluxo da

unidade do hospital.

No que tange às diferenciações apresentadas entre as duas medidas normativas -

Portaria nº. 1.884⁄GM de 1994 e RDC nº. 50 de 2002 -, pode-se observar que as

alterações se fizeram necessárias devido, principalmente, ao importante

desenvolvimento tecnológico e o aprimoramento de processos técnicos,

administrativos e financeiros ocorridos em apenas oito anos e cujas

regulamentações e regimentos se fizeram necessários para garantir a qualidade dos

ambientes que prestam atenção à saúde da população. Assim, Corbioli (2003)

ressalta o discurso de Jarbas Karman no 1º Seminário de Arquitetura Hospitalar

Melkan & Chiarello: “os edifícios de saúde são especialmente sujeitos à introdução

de novas técnicas e tecnologias, e, portanto, requer grande potencial de atualização


171

para não entrar em obsolescência física e funcional. ‘O hospital é um permanente

canteiro de obras” (KARMAN, apud CORBIOLI, 2003, p.1).

Ressaltando tal idéia, o Ministério da Saúde, no Texto de Apoio à Programação

Física dos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde afirma, segundo Weidle (1995):

O dinamismo destes edifícios, principalmente hospitais de médio e grande porte, se


caracteriza pela necessidade de constante adaptação aos avanços médicos e técnicos, e às
mudanças nos perfis dos usuários e de sistemas organizacionais. Em países em
desenvolvimento, a dinâmica hospitalar responde ainda aos agonizantes requisitos sócio-
econômicos e assistenciais. Portanto, são edifícios que precisam estar sempre prontos a
acomodarem novas funções e a crescerem; em outras palavras, que sejam flexíveis
permitindo mudanças e expansões, garantindo a organicidade original sem estrangulamentos
e interrupções de funcionamento (WEIDLE, 1995, p.7).

Assim, pode-se destacar que as alterações entre a Portaria 1.884⁄GM de 1994 e a

RDC nº. 50 de 2002 foram: (a) Inclusão das normas NBR; portarias, leis e manuais

que complementam as medidas para cada unidade do hospital; b) mudança total

para aprovação de projeto; (c) inclusão da Unidade de Atendimento – Hospital Dia;

(d) inclusão das descrições dos compartimentos terapêuticos específicos, com

relação às áreas de biossegurança (NB-1, NB-2, NB-3, NB-4); (e) alteração de

algumas siglas; (f) inclusão dos Itens de ventilação, elevadores; e (g) inclusão dos

itens Glossário e Bibliografia.

Após a publicação da RDC nº. 50, de 21 de fevereiro de 2002, foram apresentadas

outras duas resoluções colegiadas. A primeira, logo após oito meses, foi a RDC nº.

307 de 14 de novembro de 2002 que faz pequenas alterações na resolução anterior,

principalmente com relação às normas técnicas, como salienta Sampaio (2005,

p.125): “(...) e obriga todos os projetos de estabelecimentos assistenciais de saúde

a serem elaborados em conformidade com essa resolução”. A segunda resolução

colegiada foi apresentada em 2003 como a RDC nº. 189 de 18 de julho de 2003 e

dispõe sobre a aprovação e responsabilidade dos projetos de estabelecimentos


172

assistenciais de saúde, sendo que fica de responsabilidade das vigilâncias sanitárias

estaduais ou municipais analisarem e aprovarem os estabelecimentos assistenciais

de saúde previamente ao início da obra a que se referem os projetos.

Para uma completa análise e concepção de edifícios hospitalares, as Resoluções

RDC nº. 50 e RDC nº. 307 propuseram anotações complementares (normas,

portarias, legislações, manuais, entre outros) que estão contidas no Anexo 3, assim

como outras anotações que a autora acha necessárias e que contribuem para a

compreensão e o desenvolvimento de um projeto de unidades assistenciais de

saúde.

Podem-se concluir previamente, os objetos deste estudo, pois os quatro projetos

para hospitais projetados na vigência da Portaria nº. 400⁄BSB possivelmente já

sofreram alterações na concepção original devido às grandes mudanças

tecnológicas, políticas, administrativas e as exigências da nova normatização

vigente.

Por meio da pesquisa, realiza-se a leitura da concepção original de cada projeto e a

observação/listagem de suas alterações posteriores. Essa pesquisa é

imprescindível para que não haja um desvio de análise, pois as alterações

executadas no decorrer do tempo não necessariamente foram idealizadas pelos

seus criadores iniciais, podendo, assim, prejudicar ou contribuir para o desempenho

do edifício em sua complexidade visto que se observa também neste estudo a

avaliação de desempenho dos ambientes dos fluxos, que em alguns casos já não

correspondem mais à concepção original.

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