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ÁREA DE SAÚDE FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO


Luiz Marques é professor
TRANSPARÊNCIA INFORMAÇÕES PARA...

livre-docente do
Departamento de História do
IFCH /Unicamp. Pela editora
da Unicamp, publicou
Giorgio Vasari, Vida de
Michelangelo (1568), 2011 e
Capitalismo e Colapso
ambiental, 2015, 3a edição,
2018. Coordena a coleção
Palavra da Arte, dedicada às
fontes da historiografia
artística, e participa com
outros colegas do coletivo
Crisálida, Crises
SocioAmbientais Labor
Interdisciplinar Debate &
Atualização
(crisalida.eco.br).
Aquíferos, o declínio
SEG, 29 MAI 2017 | 11:10
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invisível
TEXTO: LUIZ MARQUES
FOTOS: REPRODUÇÃO

EDIÇÃO DE IMAGEM: LUIS PAULO SILVA

ÁREA DE SAÚDE FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO TRANSPARÊNCIA INFORMAÇÕES PARA...

​ ​ Os aquíferos

estocam 10,5 milhões de km3 de água doce em


estado líquido, o que representa 30,1% dessa fonte
fundamental de vida terrestre no planeta [I]. O
declínio e a poluição de grande parte deles é um
dos aspectos mais preocupantes, a curto prazo, da
crescente escassez hídrica, agravada pelo controle
corporativo da água, tema abordado no artigo aqui
publicado em 22 de maio último. Trata-se do
aspecto talvez o mais preocupante não apenas por
causa da rapidez desse declínio, mas também
porque aquíferos alimentam rios e lagos, reciclam a
água, além de funcionarem como uma reserva
estratégica, crucial durante períodos de pouca ou
nenhuma precipitação de chuva, tais como os que
assolam hoje muitas regiões do planeta. E as En

mudanças climáticas, ao agravarem as secas nas


latitudes áridas e semiáridas, impulsionam ainda
mais a extração de água dos aquíferos, num típico
círculo vicioso. Mas, sobretudo, preocupa o fato de
que, ao contrário do que ocorre nas águas
superficiais, o declínio e a poluição dos aquíferos
ÁREA DE SAÚDE
são processos
FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO
silenciosos
TRANSPARÊNCIA
e de difícil
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monitoramento, o que favorece o descontrole de


seu consumo e de sua poluição, sobretudo pela
indústria e pelo agronegócio, e pega de surpresa as
populações que deles se servem.

Segundo uma estimativa proposta em 2010, os


reservatórios subterrâneos de água no mundo todo
– muitos deles fósseis, isto é, com baixa ou
nenhuma recarga – fornecem cerca de 43% da
água anualmente usada para irrigação agrícola. Os
países com uso mais intensivo de aquíferos para a
agricultura são a Índia, a China e os EUA, mas seu
uso está crescendo em geral, seja em termos En

absolutos, seja em porcentagem da irrigação total,


muitas vezes com usos que excedem a capacidade
de recarga [II]. A figura abaixo, extraída do Relatório
da ONU de 2015 (World Water Development Report)
sobre o uso de aquíferos em sete países, com uma
população de quase metade da população global,
ÁREA DE SAÚDE
mostra a intensificação
FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO
do uso dos
TRANSPARÊNCIA
aquíferos entre
INFORMAÇÕES PARA...

1940 e 2010, em bilhões de m3 por ano:

De forma geral, os aquíferos fornecem 33% do


consumo humano de água e dois  bilhões de
pessoas têm neles sua fonte primária de água[III].
Essas estimativas foram reiteradas em 2014 num En

trabalho de grande impacto sobre a crise global


desses grandes reservatórios subterrâneos de
água, de autoria de Jay S. Famiglietti, cientista
Senior do Jet Propulsion Laboratory da NASA e
professor da cadeira de Earth System Science da
University of California, Irvine. Nesse trabalho,
Famiglietti afirma: [IV]

“Bombeia-se água de aquíferos a taxas muito


maiores que sua capacidade de recarga, de tal
modo que muitos dos maiores aquíferos em vários
continentes estão sendo esvaziados de modo
irreversível. Entre estes se contam os aquíferos da
Planície do Norte da China, o Bacia Canning da
Austrália, o Sistema Aquífero do Noroeste do Saara,
o Aquífero Guarani da América do Sul, os aquíferos
norte-americanos chamados High Plains e Central
Valley, bem como os aquíferos sob o NO da Índia e
sobre o Oriente Médio. Praticamente todos eles se
encontram sob regiões fortemente agrícolas e são
primariamente responsáveis por sua alta
produtividade”.

As mensurações do satélite GRACE (Gravity


Recovery and Climate Experiment) da NASA dão
uma ideia precisa do declínio desses sete
aquíferos, entre os maiores do mundo, durante o
período 2002-2013:
En

Imagem: J. T. Reager, NASA Jet Propulsion Laboratory, California Institute


of Technology, USA.

As mensurações do satélite GRACE não são isentas


de incertezas e podem ter eventualmente
superestimado as perdas do aquífero do NO da
Índia [V]. Mas é indubitável que esses seis
aquíferos estão sendo superexplorados. E não
apenas eles. Segundo o Water Resources Research,
mais da metade dos 37 maiores aquíferos do
mundo ultrapassaram seus pontos críticos (tipping
points), o que significa que deles se extraiu mais
água do que neles foi reposta durante a década de
observação (2003-2013). E isso ocorreu
justamente, e não por acaso, nas áreas com maior
densidade demográfica do planeta, conforme
mostram as zonas em amarelo, laranja e vermelho
no mapa abaixo [VI].
En

A advertência de James Famiglietti, no artigo


citado, é inapelável: “dado que o déficit entre
suprimento e demanda é rotineiramente coberto
por água subterrânea não renovável, e tanto mais
durante períodos de secas, os suprimentos de água
subterrânea em alguns aquíferos maiores esgotar-
se-ão em questão de décadas”. O autor propõe
medidas de mitigação dessas perdas e conclui: “Os
aquíferos em vias de esgotamento implicarão
declínios maiores na produtividade agrícola e na
geração de energia, com potencial para disparadas
nos preços dos alimentos, com seus profundos
desdobramentos econômicos e políticos”. E tanto
mais num mundo ainda em grande expansão
demográfica, com 7,5 bilhões de pessoas em abril
de 2017, 8 bilhões em 2024, 8,5 em 2030, 9 em
2042 e 9,7 em 2050, segundo as últimas
estimativas da ONU.
Como todos sabem, o Brasil é o país com as En

maiores reservas de água subterrânea do mundo.


Mas é ilusório acreditar que a questão do declínio
dos aquíferos passa longe de nós. Em primeiro
lugar porque o SAGA, o Sistema Aquífero Grande
Amazônia (que congrega o Alter do Chão), situa-se
a muitos milhares de quilômetros das regiões mais
próximas da costa leste do país, onde se concentra
nossa população. Em segundo lugar porque o
Aquífero Guarani, que se estende pelo sudeste e sul
da América do Sul, embora gigantesco, não é todo
aproveitável, seja porque parte de suas águas é
salina, seja porque muito profundas. E em terceiro
lugar porque ele não apenas está em declínio
quantitativo como em degradação qualitativa por
causa da poluição por agrotóxicos como diurom e
haxazina [VII], e por contaminação em geral das
águas superficiais.

[I] Dos 23,4 milhões de km3 de água em estado


líquido estocada em aquíferos, 12,87 milhões de
km3 são água salina. Cf. “The World’s Water”, USGS
<https://water.usgs.gov/edu/earthwherewater.html>.

[II] Cf. Siebert, S., Burke, J., Faures, J. M., Frenken,


K., Hoogeveen, J., Döll, P., and Portmann, F. T.:
“Groundwater use for irrigation – a global
inventory”, Hidrology and Earth System Sciences, 14,
1863-1880, 12/X/2010: “Avalia-se o uso total de
água subterrãnea para irrigação em 545 km3/ano En

ou 43% do total de 1.277 km3 / ano” Seguem-se


aqui os critérios adotados por esse inventário para
a definição do que se entende por água subterrânea
(groundwater): “Distinguimos três possíveis tipos de
água: água subterrânea, água superficial e fontes
não convencionais de água. Considera-se água
subterrânea a água extraída de aquíferos por meio
de poços e de fontes (springs). Define-se água
superficial, a água extraída diretamente de rios,
lagos e reservatórios ou alagados (wetlands),
enquanto as fontes não convencionais de água são
água de reuso (treated wastewater) e a obtida por
dessalinização”.

[III] Cf. Payal Sampat, “Deep Trouble: The Hidden


Threat of Groundwater Pollution”. World Watch
Paper 154, XII/2000.

[IV] Cf. J. S. Famiglietti, “The global underwater


crisis”, Nature Climate Change, 4, 945-948,
29/X/2014.

[V] Cf. Di Long et al., “Have GRACE satellites


overestimated groundwater depletion in the
Northwest India Aquifer?” Scientific Reports, 6,
14/IV/2016.

[VI] Cf. Todd C. Frankel, “Nasa data shows the world


is running out of water”. The Independent,
17/VI/2015.
[VII] Cf. “Estudo mostra que o Aquífero Guarani está En

contaminado por agrotóxicos”. Ecodebate,


19/V/2011. Diurom e haxazina são ingredientes de
agrotóxicos utilizados na cultura da cana-de-
açúcar. O artigo adverte que “se o mesmo ritmo de
extração for mantido, o uso da água do Aquífero
Guarani pode se tornar inviável nos próximos 50
anos em Ribeirão Preto”.

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