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Archivos de Zootecnia

ISSN: 0004-0592
pa1gocag@lucano.uco.es
Universidad de Córdoba
España

Barbosa Silveira, I.D.; Fischer, V.; Wiegand, M.M.


TEMPERAMENTO EM BOVINOS DE CORTE: MÉTODOS DE MEDIDA EM DIFERENTES
SISTEMAS PRODUTIVOS
Archivos de Zootecnia, vol. 57, núm. 219, 2008, pp. 321-332
Universidad de Córdoba
Córdoba, España

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=49515005005

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TEMPERAMENTO EM BOVINOS DE CORTE: MÉTODOS DE
MEDIDA EM DIFERENTES SISTEMAS PRODUTIVOS

BEEF CATTLE TEMPERAMENT: MEASUREMENT METHODS FOR DIFFERENT


PRODUCTIVE SYSTEMS

Barbosa Silveira, I.D.*1, V. Fischer2 e M.M. Wiegand1

1
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Departamento de Zootecnia. Campus Universitário s/n. Caixa
postal 354. CEP 96010 900. Pelotas. RS. Brasil. *bardi@vetorial.net
2
Departamento de Zootecnia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Av. Bento Gonçalves
7712. CEP 91540000. Porto Alegre. RS. Brasil.

PALAVRAS CHAVE ADICIONAIS ADDITIONAL KEYWORDS


Desempenho. Medidas comportamentais. Rea- Behavior measurements. Performance. Reactivity.
tividade.

RESUMO SUMMARY
O temperamento de bovinos de corte é medido Temperament of beef cattle has being
através de avaliações qualitativas e quantitativas, evaluated with quantitative and qualitative
mas poucos estudos foram realizados com Bos measurements, but quite few studies were done
taurus taurus ou animais com predominância de with Bos taurus taurus or crossbreds, with
sangue europeu, repetidas em diversas oportuni- repeated measurements over a long period and
dades, e as correlacionando com medidas de looking for correlations with performance. This
desempenho. Os objetivos desse trabalho foram study aimed to verify the relation and consistency
verificar a relação entre três tipos de medida: of three temperament measurement types:
escore composto, tempo de fuga e distância de composite behavior score, flight time and flight
fuga com o ganho de peso e com a localização do distance and its relation with weight gain and
redemoinho de pelos faciais, assim como a sua facial whorl position. Measurements were done
consistência. Foram realizadas 282 avaliações de on 282 steers from two genotypes: Bos taurus
temperamento de bovinos, machos castrados de taurus (n= 96) and crossbreds (n= 186), under
dois grupos genéticos Bos taurus taurus (n= 96) three production systems: feedlot (n= 79), semi-
e Bos taurus taurus x Bos taurus indicus denomi- intensive with supplementation (n= 40), and
nados cruzas (n= 186), em três sistemas de extensive without supplementation (n= 163) and
criação: confinado (n= 79), semi-intensivo com repeated up to five times, at four weeks interval.
suplementação a campo (n= 40) e extensivo sem Crossbred steers showed larger values for
suplementação (n= 163), e as medidas foram composite score and flight distance, but smaller
repetidas até cinco vezes, em intervalos de quatro values for flight time. Decreasing values for
semanas. Os animais cruzados apresentaram temperament were observed, mainly at the end of
maiores valores de escore composto e de distância the trials. Temperament was moderately consistent
de fuga, mas menores valores de tempo de fuga. among evaluations, but did not show a constant
Houve diminuição da reatividade, sobretudo ao relation with weight gain. It is possible to select
final do período de avaliação. O temperamento foi steers with any of behavior measurement types.
moderadamente consistente entre as medidas de
avaliação, mas não apresentou relação constante INTRODUÇÃO
com o ganho de peso. É possível selecionar os
animais por temperamento usando qualquer uma O temperamento pode ser definido como
das variáveis comportamentais estudadas. o conjunto de comportamentos dos animais

Recibido: 5-10-06. Aceptado: 28-6-07. Arch. Zootec. 57 (219): 321-332. 2008.


BARBOSA SILVEIRA, FISCHER E WIEGAND

em relação ao homem, comumente atribuídos 2006). Todavia, outros aspectos importan-


ao medo (Fordyce et al., 1982). A avaliação tes a serem considerados são a consistência
do temperamento de bovinos é uma dessas medidas de avaliação do tempera-
ferramenta que pode ser utilizada pela pes- mento no tempo, em diferentes sistemas de
quisa e pelo produtor, para otimizar o seu produção e com animais de origens distin-
sistema criatório. Animais mais nervosos tas, além da correlação entre elas e com as
ganharam 10 a 14% menos peso diário, características de desempenho produtivo.
quando comparados com animais mais Este trabalho teve por objetivo verificar a
calmos (Voisinet et al., 1997). No entanto, consistência e a correlação entre diferentes
essas manifestações não são identificadas medidas de avaliação do temperamento de
no meio criatório, acarretando em maiores bovinos Bos taurus taurus e suas cruzas,
custos e perdas para o produtor e indústria. mantidos em diferentes sistemas de criação.
Animais classificados como de pior tempe-
ramento são mais excitáveis, ingerem menor MATERIAL E MÉTODOS
quantidade de alimentos, são mais agita-
dos, não se adaptam facilmente a novas Foram utilizadas 282 avaliações de tem-
situações, são mais difíceis de manejar, peramento de bovinos, machos castrados
apresentam maiores riscos de acidentes com de dois grupos genéticos Bos taurus taurus
os trabalhadores (Grandin e Deesing, 1998). (n= 96) e cruzas (n= 186), em três sistemas de
Estes comportamentos podem causar criação, confinado (n= 79), semi-intensivo
menor ganho de peso, maior número de com suplementação a campo (n= 40) e exten-
contusões nas carcaças e perdas na sivo sem suplementação (n= 163).
qualidade da carne através de defeitos Foram realizados três testes compor-
conhecidos como PSE (pale, soft, exudative) tamentais para as avaliações do tempera-
e DFD (dark, firm, dry ou os chamados mento. O primeiro procedimento foi realiza-
cortes escuros) (Lawrie, 1998). Assim, ca- do através do escore composto de balança
racterizar e medir o temperamento são os (EC) (Piovesan, 1998). A atribuição do escore
desafios atuais, necessitando-se de uma composto (EC) foi realizada durante a
metodologia que permita uma abordagem pesagem individual dos animais, após 10
eficiente, segura e de fácil aplicação, para segundos da entrada o animal na balança.
ser de uso generalizado no meio criatório Foram nomeados EC como segue: 1= calmo,
(Paranhos da Costa, 2000). nenhum movimento, nenhuma respiração
A maioria das pesquisas sobre tempera- audível; 2= inquieto, alternando a posição
mento lança mão da aplicação de escores, das patas; 3= se contorcendo, tremendo,
medindo o grau de perturbação do animal movimentando ocasionalmente a balança,
quando este é submetido a uma determina- respiração audível ocasional; 4= movimentos
da situação de manejo, como por exemplo, a contínuos e vigorosos, movimentando a
pesagem ou contenção no tronco ou seringa balança, respiração audível; 5= movimentos
(Fordyce et al., 1982). Geralmente, na litera- vigorosos e contínuos, movimentando a
tura, encontram-se escalas variando de 3 a balança, virando-se ou lutando violenta-
10 níveis de escore (Paranhos da Costa, mente, respiração audível. Foram realizadas
2000). Outros estudos utilizam medidas cinco repetições no primeiro e segundo sis-
quantitativas da velocidade ou do tempo temas de criação, e uma avaliação no terceiro
que os animais gastam para percorrer deter- sistema de criação.
minada distância, relacionando a maior O segundo procedimento foi realizado
velocidade com maior agitação e maior através do teste de tempo de saída (TS),
reatividade dos animais (Burrow et al., 1988; adaptado de Burrow et al. (1988). Animais
Petherick et al., 2002; Muller e Keyserlingk, que apresentaram menor tempo de saída

Archivos de zootecnia vol. 57, núm. 219, p. 322.


AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO EM BOVINOS DE CORTE

foram considerados como mais reativos. considerado positivo.


Este teste foi realizado após cada pesagem No sistema intensivo, confinamento,
dos animais e atribuição de EC, totalizando localizado no município de Santa Maria,
cinco repetições no primeiro e segundo estado do Rio Grande do Sul, Brasil,
estabelecimentos rurais e uma avaliação no observaram-se 79 novilhos machos castra-
terceiro. Os valores de TS também foram dos da raça Charolês (CH) e Nelore (N), com
transformados em valores de velocidade de 19-20 meses de idade, com peso inicial médio
saída (VS) através da divisão da distância de 335,99 + 64,87 kg, divididos igualmente
percorrida pelos animais (2 metros) pelo em 8 grupos genéticos CH (100CH), 0,75CH,
tempo gasto. 0,69CH, 0,63CH, 0,38CH, 0,31CH, 0,25CH e N
O terceiro procedimento foi realizado (0CH). Os animais foram mantidos 97 dias
através do teste de distância de fuga (DF), em confinamento. A dieta foi calculada para
adaptado de Boivin et al. (1992), realizado proporcionar os nutrientes aos animais para
após as pesagens, atribuição do EC e TS. ganho de peso médio diário de 1,2 kg (NRC,
O manejo das propriedades foi avaliado 1996). O volumoso, representando 52% da
através das atitudes dos tratadores em matéria seca total oferecida, foi constituído
relação aos animais. O tratador foi avaliado de silagem de milho (híbrido AG 5011). O
através da observação de suas atitudes em concentrado foi composto por 93,97% de
relação aos animais, utilização de instru- farelo de trigo, 1,5% de uréia, 3,62% de
mento de conduta (relhos, condutores calcário calcítico e 0,9% de sal. Os animais
manuais), presença de cachorros, veloci- foram pesados no início e no final do perío-
dade de condução dos animais (caminhando, do experimental, bem como a cada 21 dias
trotando e correndo), durante o manejo em após jejum de 14 horas. Juntamente com as
campo aberto e em atividades de rotina nos pesagens foram realizadas as avaliações do
currais. O manejo foi classificado como temperamento através da atribuição do
aversivo através da quantificação da utili- escore composto (EC), tempo de saída (TS),
zação de instrumentos de conduta, presença distância de fuga (DF) e localização do
de cachorros, número de vocalizações, onde redemoinho (RED). O manejo da propriedade
quanto maior a utilização maior o valor e, foi considerado pouco positivo.
também através da identificação das atitudes No sistema extensivo sem suplemen-
dos tratadores, que quanto menor o seu tação, fazenda localizada no município de
conhecimento mais aversivo era o manejo. Dom Pedrito, estado do Rio Grande do Sul,
No sistema de produção semi-intensivo Brasil, foram utilizados 163 novilhos castra-
com suplementação, fazenda localizada no dos, criados sob as mesmas condições de
município de Alegrete, estado do Rio Gran- manejo, com idades entre 2 e 2,5 anos, com
de do Sul, Brasil, observaram-se 40 machos peso médio inicial de 349,69 ± 26,64 kg,
castrados com 2,5 anos da raça Abeerden divididos em três genótipos, assim descri-
Angus (AA) (n= 20) e ½ Abeerden Angus tos: 1= cruzados representados por animais
x ½ Nelore (NA) (n= 20), com dois anos e oriundos de cruzamentos entre bovinos
peso inicial de 336,4 ± 29,39 kg. Os animais europeus (Bos taurus taurus) representa-
foram mantidos em campo natural com dos pelas raças Hereford, Aberdeen Angus,
suplementação de concentrado comercial Devon, Charolês e Red Angus e indianos
na proporção de 0,5% do peso vivo. A cada (Bos taurus indicus) representados pela
28 dias, os animais foram pesados e, conco- raça Nelore (n= 91), com representantes ½
mitantemente, foram realizadas as avaliações sangue e ¾ de sangue Nelore, 2= europeus
do temperamento através da atribuição do representados por bovinos da raça Hereford,
escore composto (EC), e a medição do tempo Aberdeen Angus, Charolês, Red Angus,
de saída (TS). O manejo da propriedade foi Devon (n= 55), e 3= Nelore, representados

Archivos de zootecnia vol. 57, núm. 219, p. 323.


BARBOSA SILVEIRA, FISCHER E WIEGAND

pelos bovinos da raça Nelore (n= 17), cria- experimentais. Nos sistemas confinado e
dos extensivamente. Os animais foram semi-intensivo com suplementação, as me-
mantidos em campo natural melhorado e didas foram realizadas em várias situações.
foram pesados a cada 21 dias. Juntamente O estudo da evolução das variáveis des-
com a primeira pesagem foi realizada a critoras do temperamento foi realizado con-
avaliação do temperamento através da siderando-se cada sistema produtivo,
atribuição do escore composto (EC), tempo utilizando-se o delineamento completamen-
de saída (TS), distância de fuga (DF) e te casualizado em parcelas subdivididas.
localização do redemoinho (RED). O manejo No estudo do efeito do temperamento
da propriedade foi considerado aversivo. independente do grupo genético, os animais
Foi adotado o delineamento completa- foram classificados como reativos e não
mente casualizado, onde os animais reativos conforme seus valores de TS fossem,
constituíram as unidades experimentais. Os respectivamente, menores que o TS médio
dados foram analisados através do progra- menos a metade do desvio padrão e maiores
ma estatístico SAS, versão 6.12 (1989), que o TS médio acrescido da metade do
procedimentos GLM, REG, FREQ e CORR. A desvio padrão. Os animais com valores en-
separação de médias foi feita pelo LSmeans, tre esses limites foram classificados como
teste DMS Fisher.A análise global dos mé- intermediários (adaptado de King et al.,
todos de avaliação do temperamento (EC, 2006). Os três sistemas produtivos foram
TS, VF e DF), considerando os três sistemas considerados em conjunto e separadamen-
produtivos em conjunto, foi realizada usan- te. A avaliação da freqüência dos animais
do o valor médio obtido em cada sistema classificados como reativos, intermediários
(média das avaliações realizadas), devido e não reativos foi realizada pela análise de
ao número desigual de avaliações. Como os freqüência (teste χ2), através do proc corr
grupos genéticos não eram os mesmos em pearson (SAS, 1989), considerando-se as
todos os sistemas produtivos, os dados avaliações. As variáveis comportamentais
foram reagrupados da seguinte forma: os e o ganho de peso médio diário foram
animais europeus puros foram agrupados e submetidos à análise da variância, onde
denominados como grupo europeu, aqueles foram testados os efeitos de temperamento
com predominância de sangue europeu (GL= 2), sistema produtivo (GL= 2) e a sua
foram agrupados e denominados como cru- interação, através do proc glm do SAS (1989).
zados com europeu, os animais zebuínos Foi calculada a repetibilidade das medidas
puros foram classificados como zebuíno e comportamentais de forma global para todo
aqueles cruzados com predominância de o experimento e para cada sistema de
raça zebuína foram agrupados e denomina- produção, através do proc mixed do SAS
dos como grupo cruzado zebuíno. Foram (1989).
avaliados os efeitos de sistema produtivo
(GL= 2), grupo genético (GL= 3) e a sua RESULTADOS E DISCUSSÃO
interação, através da análise da variância
(procedimento GLM). Foi realizada análise Na comparação global dos três sistemas
de correlação entre os valores médios das produtivos em conjunto, verificou-se que
variáveis descritoras do temperamento e o os valores de TS, VS e DF foram influencia-
ganho de peso médio diário, através do dos pelo tipo de sistema de criação (tabela
procedimento CORR Pearson. I). Os animais mantidos no sistema extensi-
A análise dos métodos de avaliação vo sem suplementação apresentaram menor
dentro de cada sistema produtivo foi reali- valor de TS comparado com o sistema semi-
zada através da análise de variância, consi- intensivo com suplementação, maior valor
derando-se os animais como unidades de VS comparado com os sistemas intensi-

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AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO EM BOVINOS DE CORTE

vo confinado e semi-intensivo com suple- mente relacionado com DF (r= 0,37, p<0,0001,
mentação, e maior valor de DF comparado n= 227) e com VS (r= 0,35, p<0,0001, n= 270).
com o sistema intensivo confinado, indi- O TS foi negativamente correlacionado com
cando a maior reatividade média dos animais DF (r= -0,26, p<0,0001, n= 227) e com VS (r=
mantidos no sistema extensivo em relação -0,73, p<0,0001, n= 270). A DF foi positiva-
aos demais, parcialmente relacionado ao mente correlacionada com a VS (r= 0,22,
contato menos freqüente, mas mais aversivo p<0,0008, n= 227), mas negativamente
dos seres humanos com os animais. Não correlacionada com o ganho de peso (r=
foram detectadas diferenças significativas 0,44, p<0,0001, n= 226). Os valores da
entre os sistemas para o EC. De forma glo- repetibilidade global do EC, TS, DF e VS
bal, foram detectadas diferenças entre os foram, respectivamente, 0,37; 0,40; 0,90 e
grupos genéticos (animais europeus ou cru- 0,73.
zados com europeus comparados com A distribuição das freqüências dos
animais Nelore ou cruzados com Nelore) animais classificados como não reativos,
para todas as variáveis descritoras do tem- intermediários e reativos variou com as
peramento. Os animais do grupo genético avaliações (p<0,0001). O número de animais
Nelore ou grupo dos cruzados com Nelore classificados com não reativos variou pouco,
foram mais reativos que os animais cla- mantendo-se em torno de 30 animais, o que
ssificados como europeus ou cruzados com correspondeu a aproximadamente 11% do
europeus, e apresentaram maiores valores total de 270 animais avaliados. Porém o
de EC, VS, DF, mas menores valores de TS. numero dos animais classificados como
De forma global, as variáveis descritoras intermediários se reduziu de 139, na primeira
do temperamento apresentaram correlações avaliação, para 11 na última avaliação,
moderadas a médias entre si, porém alta- enquanto o número de animais classificados
mente significativas. O EC foi negativamen- como reativos aumentou de 99 para 232. O
te correlacionado com TS (r= -0,31, p<0,0001, percentual total de animais classificados
n= 270) e com o ganho médio de peso diário como não reativos, intermediários e reativos
(r= -0,12, p<0,06, n= 268), mas foi positiva- foi, respectivamente de 10,5; 21,7 e 67,8%.

Tabela I. Valores das probabilidades de rejeição da hipótese de nulidade dos efeitos de


sistema produtivo, grupo genético e sua interação sobre as variáveis comportamentais
descritoras do temperamento de bovinos de corte: escore composto (EC), tempo de saída
(TS), velocidade de saída (VS), distância de fuga (DF) e ganho diário de peso (GMD).
(Probabilities of null hypothesis rejection for effects of production system or genetic group and their
interation effect obtained from variance analisys of behavioural descriptors of beef cattle temperament:
behavior score (EC), flight time (TS), exit velocity (VS), flight distance (DF) and daily weight gain (GMD)).

Sistema1 Grupo Sistema x Média Desvio CV


Variáveis genético 2 grupo genético padrão (%)

EC 0,3176 0,0001 0,1669 1,62 0,80 42,95


TS (s) 0,0001 0,0001 0,1891 1,69 0,88 52,03
VS (m/s) 0,0001 0,0001 0,9376 1,50 0,55 36,86
DF (m) 0,0001 0,0009 0,9905 7,64 4,54 59,42
GMD (kg/dia) 0,0001 0,0621 0,0001 0,67 0,17 26,03

1
Sistema: n= 3; Sistema intensivo confinado; Semi= intensivo com suplementação e extensivo.
2
Grupo genético: n= 2, europeu + cruzado com europeu e Nelore + cruzados com Nelore.

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BARBOSA SILVEIRA, FISCHER E WIEGAND

A categorização dos animais em reativos, intensivo confinado, extensivo e semi-in-


intermediários e não reativos (conforme tensivo. No entanto, os valores do EC dos
critérios baseados no TS) influenciou os animais classificados como intermediários
valores de EC, VS e DF (tabela II). Os valores foram distintos (p<0,05) entre os animais
de VS diferiram entre as categorias de tem- dos sistemas confinados e extensivos com-
peramento, tendo-se encontrados os valo- parados aos do sistema semi-intensivo, res-
res de 0,69; 1,28 e 2,13, respectivamente pectivamente, 1,27; 1,52 e 1,64. Os animais
para as categorias não reativas, inter- classificados como reativos apresentaram
mediárias e reativas. Foi detectada interação valores de EC distintos entre todos os sis-
significativa entre a classificação por tem- temas, 1,60; 2,14 e 3,28 respectivamente
peramento e o sistema produtivo para EC e para os sistemas intensivo, extensivo e semi-
DF. Os valores de EC para os animais intensivo.
classificados como não reativos não Os valores de DF foram sempre superio-
diferiram entre os sistemas, sendo respecti- res para o sistema extensivo comparado
vamente, 0,99; 1,11 e 1,23 para os sistemas: como o intensivo confinado, e no sistema
extensivo, os valores de DF foram distintos
Tabela II. Valores médios das variáveis e crescentes para os animais classificados
comportamentais descritoras do tempera- como não reativos, intermediários e reativos
mento de bovinos de corte: escore composto (5,47; 8,49, 12,02), enquanto no sistema in-
(EC), tempo de saída (TS) e velocidade de tensivo confinado, os animais classificados
saída (VS), considerando-se o sistema semi- como intermediários apresentaram DF
intensivo com suplementação e cinco estatisticamente semelhante aos não
avaliações. (Mean values of beavioural des- reativos e aos reativos (2,41; 3,70 e 5,20).
criptors of beef cattle temperament: behavior No sistema semi-intensivo com suple-
score (EC), flight time (TS), exit velocity (VS), for mentação, os efeitos de grupo genético e de
semi-intensive system over five evaluations) . avaliação foram significativos (p<0,0001),
mas foi detectada interação entre os efeitos
Avaliação EC TS1 VS
Aberdeen Angus
de grupo genético e as avaliações (p<0,0001).
1 1,10a 2,10 1,01 Os animais pertencentes ao grupo genético
2 1,10a 2,62 0,89 europeu (raça Aberdeen Angus) não
3 1,00a 3,27 0,80 alteraram significativamente os valores de
4 1,10a 4,67 0,80 EC durante as cinco avaliações, enquanto
5 1,00a 4,33 0,64 os animais classificados como cruzados com
½ Aberdeen ½ Nelore Nelore (½ Nelore e ½ Aberdeen Angus)
1 3,20a 1,64 1,50 apresentaram valores decrescentes de EC
2 2,60b 2,20 1,33 (tabela II).
3 1,95c 2,60 1,29 Os valores de TS foram distintos entre
4 1,65c 2,30 1,28
os grupos genéticos (p<0,08), aumentaram
5 1,70c 3,16 0,93
entre as avaliações (p<0,0001), mas foi de-
Média geral 1,64 2,89 1,03 tectada interação significativa entre o gru-
Desvio padrão 0,63 1,78 0,29 po genético e as avaliações (p<0,09) (tabela
CV (%) 38,15 61,71 27,97 II). Os valores de TS aumentaram conforme
as avaliações foram realizadas, indicando
1
Equações de regressão para descrever a uma certa habituação por parte dos animais
evolução durante as avaliações: ao manejo empregado, principalmente no
TS Aberdeen= 1,45 + 0,62 X (X= avaliações), grupo dos animais europeus. A evolução
TS cruzados= 1,44 + 0,31 X,
dos valores de TS, durante as avaliações,
VS todos animais= 1,35 - 0,105 X.
pode ser estimada pelas equações de

Archivos de zootecnia vol. 57, núm. 219, p. 326.


AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO EM BOVINOS DE CORTE

regressão: TS europeus = 1,45 + 0,656X e TS Os valores de EC não diferiram entre as


cruzados = 1,44 + 0,31X, onde X = número da avaliações para os animais europeus ou
avaliação. O maior coeficiente angular do com predominância de sangue europeu
grupo europeu poderia indicar uma maior (acima de 50% de sangue Charolês) (p>0,05),
propensão desse grupo em se habituar com entretanto, os valores de EC, medidos nos
o manejo, exibindo maior decréscimo da animais Nelore ou com predominância de
reatividade.
Os valores de VS foram influenciados Tabela III. Valores médios das variáveis
pelo grupo genético (p<0,0012) e pela comportamentais descritoras do tempera-
avaliação (0,0001), mas não mostraram mento de bovinos de corte: escore composto
interação entre grupo genético e avaliação (EC), tempo de saída (TS) e velocidade de
(p>0,10), ao contrário do TS e EC. Os valores saída (VS), considerando-se o sistema inten-
de VS decresceram à medida que as sivo confinado e cinco avaliações. (Mean
avaliações foram realizadas, o que pode ser values of behavioural descriptors of beef cattle
estimado pela equação: VS= 1,35 - 0,105X, temperament: behavior score (EC), flight time (TS),
onde X= número da avaliação, o que indica flight velocity (VS), for feedlot system over five
evaluations).
também a habituação dos animais aos pro-
cedimentos, com decréscimo da reatividade. Avaliação EC TS1 VS
Considerando-se a média das cinco Europeu (Charolês)
avaliações, as variáveis comportamentais 1 1,00a 2,10a 0,97a
foram altamente correlacionadas entre si. O 2 1,00a 1,98a 1,09a
EC foi negativamente relacionado com TS 3 1,00a 2,15a 1,03a
(r= -0, 51, p<0,0001, n= 40), mas foi positiva- 4 1,00a 2,01a 1,01a
mente relacionado com VS (r= 0,82, p<0,0001, 5 1,00a - -
n= 40). TS foi negativamente relacionado Cruzado europeu (mín 63% CH)
com VS (r= -0,77, p<0,0001, n= 40), mas 1 1,15b 1,52a 1,56ab
positivamente relacionado com o ganho 2 1,19b 1,48a 1,63a
3 1,01b 1,57a 1,44b
médio de peso (r= 0,031, p<0,05, n= 40).
4 1,11b 1,62a 1,49ab
Os valores de EC, TS e VS apresentaram 5 1,33a - -
repetibilidades, respectivamente, de 0,49; Cruzado Nelore (mx 38% CH)
0,41 e 0,68, mostrando que os animais podem 1 2,07b 1,28a 1,70ab
ser classificados quanto a sua reatividade, 2 1,45c 1,29a 1,75ab
especialmente pela VS, já na primeira 3 1,23c 1,35a 1,67b
avaliação. 4 1,40c 1,19a 1,86a
Nesse sistema, a freqüência de animais 5 2,33a - -
classificados como não reativos aumentou Nelore
(p<0,001) com as avaliaçõesde 3,70 para 1 2,75b 0,96a 2,11a
22,2, enquanto o número de animais 2 1,50c 1,13a 1,84b
3 1,19c 1,01a 2,19a
classificados como reativos diminuiu de 29,1
4 1,19c 1,03a 2,04ab
para 9,1. O percentual total de animais 5 2,94a - -
classificados como não reativos, inter- Média geral 1,64 2,89 1,69
mediários e reativos foi, respectivamente de Desvio padrão 0,63 1,78 0,35
13,5; 59,0 e 27,5%. CV (%) 38,15 61,71 20,84
No sistema intensivo confinado, verifi-
caram-se diferenças de EC entre os grupos 1
Equações de regressão para descrever a
genéticos e entre as avaliações (tabela III), evolução durante as avaliações:
mas foi detectada interação significativa TS Aberdeen= 1,45 + 0,62X (X = avaliações),
TS cruzados= 1,44 + 0,31 X.
entre os grupos genéticos e as avaliações.

Archivos de zootecnia vol. 57, núm. 219, p. 327.


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sangue Nelore, foram maiores na primeira e sua reatividade, de acordo com o TS, VS ou
na última avaliação, mas menores nas DF, já na primeira avaliação. No entanto, o
avaliações intermediárias. Da primeira para EC apresentou muito baixa repetibilidade, o
as avaliações 2, 3 e 4, pode ter havido que indicaria a necessidade de se avaliar os
habituação por parte dos animais. Na quinta animais em mais de uma avaliação ou então,
avaliação, a qual foi realizada antes do em- não utilizá-lo para classificar os animais.
barque para o abatedouro, os animais podem Nesse sistema, a freqüência de animais
ter ficado mais agitados pela presença de classificados como não reativos, interme-
pessoas estranhas e outros procedimentos. diários e reativos se manteve praticamente
Os valores de TS, VS e DF variaram entre constante com as quatro primeiras avalia-
os grupos genéticos, não variaram entre as ções, mas na quinta avaliação, todos os
avaliações, mas os valores de VS foram animais foram classificados como reativos.
afetados pela interação entre grupo genéti- O percentual total de animais classificados
co e avaliação (tabela III). Os valores de VS como não reativos, intermediários e reativos
foram baixos e semelhantes entre as foi, respectivamente de 22,5; 17,5 e 60,0%.
avaliações para o grupo genético europeu, No terceiro sistema produtivo, extensi-
porém distintos para os demais grupos ge- vo sem suplementação, houve efeito signi-
néticos. O grupo cruzado europeu apre- ficativo do grupo genético sobre as variáveis
sentou o maior valor na 2° avaliação e o comportamentais descritoras do tempera-
menor valor na terceira avaliação, o grupo mento. No entanto, como foi feita apenas
Nelore apresentou o maior valor na primeira uma avaliação, não foi possível avaliar a
avaliação e o menor na segunda avaliação, evolução dessas variáveis nem a sua
enquanto o grupo cruzado com Nelore interação com o grupo genético. Os animais
apresentou o maior valor na última avaliação do grupo cruzados com europeu apresen-
e o menor na terceira. taram menores valores de EC (1,16 x 1,95;
Os valores médios (médias das cinco p<0,0001), DF (8,04 x 10,12; p<0,06) e EV
avaliações) de TS, VS, EC e DF nesse siste- (1,25 x 1,69; p<0,0002), mas maiores valores
ma de criação foram altamente correlaciona- de TS (1,84 x 1,37; 0,0003) que os animais
dos entre si. Os valores de EC foram nega- cruzados com Nelore, demonstrando a sua
tivamente relacionados aos de TS (r= -0,63, menor reatividade.
p<0,0001, n= 79) e aos do ganho médio de As variáveis descritoras do tempera-
peso (r= -0,45, p<0,0001, n= 79), mas positi- mento foram medianamente relacionadas
vamente relacionados aos de VS (r= 0,66, entre si. Os valores de EC foram negativa-
p<0,0001, n= 79) e DF (r= 0,60, p<0,0001, n= mente correlacionados com os de TS (r=
79). Por sua vez, os valores de TS foram -0,32, p<0,0001, n= 151), mas positivamente
negativamente relacionados aos de VS (r= relacionados com os de VS (r= 0,26, p<0,002,
-0,92, p<0,0001, n= 79) e DF (r= -0,57, n= 151) e com os de DF (r= 0,34, p<0,0001, n=
p<0,0001, n= 79), mas positivamente rela- 151), mas não apresentaram correlação com
cionados aos do ganho médio de peso (r= o ganho médio de peso. Os valores de TS
0,47, p<0,0001, n= 79). Os valores de VS foram negativamente relacionados com os
foram positivamente relacionados aos de de DF (r= -0,34, p<0,0001, n= 151) e com os
DF (r= 0,60, p<0,0001, n= 79), mas negativa- de VS (r= -0,78, p<0,0001, n= 151), mas não
mente relacionados aos do ganho médio de apresentaram relação com o ganho médio de
peso (r= -0,47, p<0,0001, n= 79). peso. DF foi positivamente relacionado com
Os valores de EC, TS, VS e DF apresen- VS (r= 0,28, p<0,001, n= 151), mas não
taram repetibilidade, respectivamente, de apresentou correlação com o ganho médio
0,23; 0,65; 0,62 e 0,67 mostrando que os de peso. Nesse sistema, o percentual dos
animais podem ser classificados quanto a animais classificados como não reativos,

Archivos de zootecnia vol. 57, núm. 219, p. 328.


AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO EM BOVINOS DE CORTE

intermediários e reativos foi, respectiva- e transporte dos animais para o frigorífico.


mente, 19,2; 46,36 e 34,4%. Os valores de TS, VS e DF foram consis-
Os diversos métodos de avaliação do tentes durante as avaliações no sistema
temperamento, qualitativos ou quanti- intensivo confinado, indicando que quando
tativos, talvez descrevam componentes dis- avaliados dessa maneira, os animais não
tintos da reatividade do animal frente ao seu alteraram a sua reatividade. Porém, no siste-
manuseio, durantes as operações de mane- ma semi-intensivo com suplementação, os
jo rotineiras de fazendas, (Curley et al., animais aumentaram os valores de TS e
2004), mas os coeficientes de correlação diminuíram os de VS. Nesse caso, embora os
moderados a altos podem indicar uma base grupos genéticos fossem diferentes, pode-
comum entre eles. Existem diferenças entre se inferir que o manejo aversivo empregado
os diversos métodos utilizados para avaliar no sistema intensivo pode ter colaborado
o temperamento. As diferenças se referem para a consistência da reatividade dos
na possibilidade dada aos animais se animais, ao contrário do que ocorreu no
moverem e quanto à presença e atitude do sistema semi-intensivo, onde os animais
ser humano (Grinard et al., 2001). foram manejados de forma mais amistosa.
Os valores dos coeficientes de correlação Alguns estudos encontraram consis-
foram numericamente superiores no siste- tência nas medidas do temperamento, espe-
ma semi-intensivo e intensivo confinado em cialmente para os animais com valores extre-
relação àqueles obtidos globalmente, com mos, isto é muito agitados ou muito calmos
os dados dos três sistemas produtivos. Ao (Grandin, 1993; Petherick et al., 2002).
contrário, no sistema extensivo, os valores Petherick et al. (2003) avaliaram o tempera-
numéricos dos coeficientes de correlação mento de novilhos Bos taurus indicus em
linear foram moderados a médios, sendo confinamento e efetuaram cinco avaliações
semelhantes aos encontrados quando da durante os 101 dias de confinamento. Esses
avaliação global dos sistemas. Esses resul- autores verificaram aumento de VS até 70
tados reforçam o efeito das condições de dias após a colocação dos animais no
criação e dos grupos genéticos sobre a confinamento, mas observaram a redução
avaliação do temperamento dos animais dos valores de VS, ao final do período de
As correlações significativas entre as confinamento. No entanto, Muller e
variáveis comportamentais relacionadas ao Keyserlingk (2006) mediram VS em animais
temperamento considerando especialmen- Bos taurus indicus em três avaliações rea-
te os sistemas intensivo confinado e semi- lizadas em intervalos de 28 dias, e verificaram
intensivo com suplementação, mostram uma um pequeno aumento que entre a segunda
associação média a alta entre elas e e terceira avaliação. Esses autores sugeriram
possibilitam a escolha de uma delas para a que o manuseio repetido dos animais pode
classificação dos animais, tanto em relação aumentar seu medo. King et al. (2006)
à pesquisa como também para o produtor. A observaram redução dos valores de VS
sua escolha dependerá da sua facilidade de depois da primeira avaliação, atribuindo a
aplicação e custo. habituação dos mesmos ao manejo empre-
Todavia, nesses sistemas, se consta- gado.
taram alterações significativas nos valores As diferenças do presente trabalho e as
de EC quando executados a intervalos regu- de Muller e Keyserlingk (2006) quanto à
lares, havendo a redução dos valores a modificação do temperamento podem estar
partir da primeira avaliação, e depois uma relacionadas ao número de avaliações,
elevação dos valores na última avaliação quatro a cinco do presente trabalho compa-
para o sistema confinado. Nesse sistema, rado com três, além da interação de fatores
última avaliação coincidiu com o embarque como manejo empregado com os animais,

Archivos de zootecnia vol. 57, núm. 219, p. 329.


BARBOSA SILVEIRA, FISCHER E WIEGAND

grupo genético, sistema produtivo, expe- mento um caráter medianamente herdável


riência prévia, entre outros fatores. no gado Bos taurus indicus (Fordyce et al.,
Os resultados mostram que é possível 1988; Hearnshaw et al., 1979). Uma das
classificar os animais já na primeira avaliação prováveis causas sejam as diferenças nos
e por qualquer uma das variáveis quanti- processos evolutivos e de seleção.
tativas, ficando a sua escolha dependente A definição de uma medida de tempera-
da estrutura e da mão de obra disponível mento, cuja importância seja clara e com
nos estabelecimentos rurais. A relação en- mensuração prática dentro dos sistemas
tre temperamento e ganho de peso, inde- produtivos, é um desafio atual para os
pendente do grupo genético, mostrou que pesquisadores e produtores (Piovesan,
nos dois primeiros estabelecimentos, houve 1998). Esta medida deve levar em conside-
uma relação negativa entre a reatividade e o ração a dificuldade no manejo dos animais
ganho de peso, embora no primeiro em grupo ou isoladamente, confinados ou
estabelecimento esse fato tenha sido mais não, e também serem transferidos aos cria-
claro para os animais cruzados. No terceiro dores para a adaptação dentro dos sistemas
estabelecimento não foi constatada relação de produção (Grandin, 2003). Outra impor-
entre temperamento e ganho de peso. Os tante característica é a repetibilidade da
animais apresentaram baixas taxas de ganho, medida, devendo ser alta a fim de conquis-
pois o estudo foi conduzido durante um tar a credibilidade entre os produtores
período de seca, o que limitou o ganho dos (Hearnshaw e Morris, 1984), e permitir a
animais. As condições adversas provavel- seleção dos animais ou a adequação do
mente favoreceram os animais Bos taurus manejo bem cedo na vida do animal ou na
indicus, mais adaptados às condições sua chegada no estabelecimento rural. Esses
ambientais desfavoráveis como a baixa ofer- autores verificaram que a repetibilidade do
ta, baixa qualidade nutricional de forragem escore de comportamento de terneiros, em
e elevadas temperaturas ambientais. duas avaliações, foi de 0,43±0,09. Kadel et
Cada um dos experimentos do presente al. (2006) avaliaram TS em novilhos das
estudo caracteriza um sistema de produção: raças Brahman, Belmont Red e Santa
intensivo confinado com contato diário Gertrudis, aos 8 e 19 meses de idade. Esses
entre seres humanos e animais, semi-inten- autores reportaram valor de repetibilidade
sivo, com suplementação de concentrado de 0,46, enquanto Johnston e Halloway
em pastagem, com contato moderado entre (2003) verificaram valores de repetibilidade
homem e animal e sistema extensivo com entre 0,31 e 0,44 entre medidas de TS e
pouco contato entre homem e animal. Houve escore de comportamento no tronco realiza-
diferenças entre os coeficientes de corre- das duas vezes, com um intervalo de 73 dias
lação entre as variáveis comportamentais entre elas. Os valores de repetibilidade en-
entre si e com o ganho de peso, talvez contrados no presente trabalho foram me-
refletindo diferenças relativas às raças, dios, com exceção do EC avaliado no siste-
interação homem-animal e experiência prévia ma intensivo confinado.
dos animais, e condições ambientais, As justificativas para avaliar o tempera-
sobretudo no terceiro estabelecimento. mento nos sistemas de produção, segundo
Situações novas, isolamento ou res- Paranhos da Costa (2000), são várias, e
trição de movimentos podem produzir medo todas elas partem da pressuposição de que
nos animais, e podem ser influenciadas por o temperamento contribui para a otimização
fatores genéticos (Grandin e Deesing, 1998). do sistema de produção. Segundo o autor,
Bovinos de raças zebuínas possuem medo e ansiedade são estados emocionais
comportamento mais agitado frente a indesejáveis nos bovinos, pois resultam em
situações de estresse, sendo o tempera- estresse e conseqüente redução de bem-

Archivos de zootecnia vol. 57, núm. 219, p. 330.


AVALIAÇÃO DO TEMPERAMENTO EM BOVINOS DE CORTE

estar dos animais. Trata-se, portanto, de rebanho ou melhorando o manejo e a relação


uma característica com valor econômico, em entre homem e animal, visto a maior
função da necessidade de maior número de suscetibilidade ao estresse dos animais mais
empregados bem treinados, riscos com reativos. A seleção de bovinos de tempera-
relação à segurança dos trabalhadores, mento calmo pode converter-se em mais um
tempo despendido com o manejo dos fator para maximizar a eficiência produtiva,
animais, necessidade de melhor infra- pois apresenta herdabilidade média a alta
estrutura, lotes heterozigóticos, com dife- (Burrow et al., 1988), com diferenças de
rentes suscetibilidades ao estresse, o que temperamento persistindo ao longo do
levaria a perda de rendimento e de qualidade tempo. A seleção de animais com tempera-
de carne (contusões, pH), dificuldades no mento calmo e/ou a adequação do manejo,
manejo pré-abate e diminuição da eficiência poderia contribuir para a melhoria da
na detecção de cio em sistemas envolvendo segurança dos animais e dos trabalhadores,
a utilização de inseminação artificial. como também os resultados em produti-
Portanto, o temperamento pode contribuir vidade e eficiência produtiva, com reflexos
para a otimização do sistema de produção benéficos sobre a qualidade final do
(Paranhos da Costa, 2000 e 2004). produto.
As variáveis comportamentais EC, TS,
DF, utilizadas neste experimento, mostraram- CONCLUSÕES
se eficientes para a classificação dos animais As diferentes variáveis descritoras do
de acordo com o seu temperamento, temperamento foram correlacionadas entre
sobretudo quando consideradas dentro de si, especialmente quando se considerou
cada sistema produtivo. Seus coeficientes cada sistema de criação, mostrando uma
de correlação foram significativos, médios a base comum que permite a escolha de
altos, demonstrando medirem uma caracte- qualquer uma delas para a avaliação da
rística em comum, podendo ser utilizadas reatividade dos animais.
para tal fim. Outro aspecto importante é O sistema de criação exerce influência
serem medidas de fácil mensuração e eleva- sobre o temperamento. Em sistemas com
da repetibilidade, exceto o EC, podendo, contato freqüente e positivo entre seres
portanto, serem utilizadas pelos produtores. humanos e animais, a reatividade diminui
A medida do temperamento deve aten- com o passar das avaliações.
der aos objetivos da criação, a fim de facili- O temperamento apresenta moderada a
tar o manejo. O criador pode estabelecer elevada consistência entre as avaliações,
índices para o temperamento dentro das podendo ser medido na primeira avaliação
suas necessidades, aliando esta avaliação de forma quantitativa (tempo de saída,
aos critérios de descarte dos animais do velocidade de fuga e distância de fuga).

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