Você está na página 1de 202

lõaki Abalos

A boa-vida

Visita guiada às casas da modernidade

GG'
a

oo(u
p
c
o0)
E

E
a

a

o
da
tu ,o
C.«
?E
(Úa
o:'.P
_o
<g
(o
c9
o)
O
r
o
+

N
J
õP
co §.
N:,
Nt-
caõ
cD o-
o)j
^!u

L'
-
-L(Ú
.E
g<
.(o
(uu
_c (o
C-l
§8
atN
LU C\
dÍÍ
cl
J o$
u, !i§
.i ɀ
o;Ê
o N<
=

(U ãE
a ^-x{ \V

o [E
U'
Jm'^-

E 22
Ltu
9
E
EE
rí§
lIJ úd
tõakiAbalos A boa-vida
Visita guiada às casas da modernidade

Tradução de Alícia Duarte Penna

]ustavo Gili, SL
ri1), oljo2{l Barcelona, Espanha. Tel. (+34) 93 322 81 (;l
lrr r, r,; r lrr Arradora 4-B, 2700-606 Amadora, Porttrgal lol l' l 41) 1 (x) í16 GG'
A presente edição Íoi traduzida com o incentivo da Dirección General del
Libro, Archivos y Bibliotecas del lvlinisterio de Educación, Cultura y Deporte
de EspaÕa.

TÍtulo original: La buena vida. Visita guiada a /as casas de la modernidad

Tradução: Alícía Duarte Penna


Bevisão técnica: Lane de Castro
Projeto gráfico: Estudi Coma

1' edição. 3a impressão, 201 2

Nenhuma parte desta publicação, incluindo a ilustração da capa,


pode ser reproduzida, armazenada, ou transmitida, de Íorma alguma,
por meio algum, seja este eletrônico, químico, mecânico ou ótico,
por gravação ou fotocopia, sem a prévia autorização escrita da editora.
A editora, não se declarando nem implÍcita, nem expressamente, a respeito
da exatidão das informaçÕes contidas neste livro, não se responsabiliza por
nenhum erro ou omissão que ele possa conter.

@ lnãkiAbalos, 2001
@ Editorial Gustavo Gili, SL, Barcelona, 2003

lmpresso na Espanha
ISBN : 978-84-252-1931 -3
com o incentivo da DirecciÓn General del
lir;áo Íoi traduzida Índice
s y Bibliotecas del Ministerio de Educación, Cultura y Deporte

Prefácio 7

A casa de Zaratustra 13

Heidegger em seu refúgio: a casa existencialista 37

A máquina de morar de Jacques Tati: a casa positivista 61


I ; t l tr tcna vida. Visita guiada a /as casas de la modernidad

:ia Duarte Penna Picasso em férias: a casa fenomenologica 85


ca: Lane de Castro
o: Estudi Coma
Warholat the Factory: das comunidades
freudiano-marxistas ao loft nova-iorquino 109
irnpressão, 201 2

Cabanas, parasitas e nômades: a desconstrução da casa 139


rlr r lc:rltr publicação, incluindo a ilustração da capa,
or I r.rrr ilr, armazenada, ou transmitida, de forma alguma,
rrr, :;cir r r;sle eletrônico, químico, mecânico ou otico, "A bigger splash": a casa do pragmatismo 165
, rr r i rlr x;otr)ia, sem a prévia autorização escrita da editora.
, r;c rkx;lilrando nem implícita, nem expressamente, a respeito
Epílogo 197
l;r:;ir rIrrrnrrçóes contidas neste livro, não se responsabiliza por
( )lr ( )r ri:r:lí)o clue ele possa conter.

Agradecimentos 202

rs, 2001
rustavo Gili, SL, Barcelona, 2003 Referências bibliograficas 203

I i'1,:' 11)::11 3 Créditos fotog rá,f icos 208


'6
o_
=
0)
E
o(§
E
c)
E
'6
o
=
0)
E
o
E

,=
E
0)
E
A boa-vida estuda a relação entre os modos de viver, as diversas
correntes do pensamento contemporâneo, e as formas da casa: de
projetá-la e de habitá-la. E o faz convidando o leitor a visitar sete casas
fantásticas, criadas no século xx, em sete jornadas ou capÍtulos. Dessa
forma, pretende mostrar como a maneira mais difundida de pensar e
projetar o espaÇo doméstico, e que continua ainda vigente entre os
arquitetos, não é mais do que uma materlalizaçáo de certas idéias
arquetípicas em torno da casa e dos modos de vida que têm origem
em uma dentre aquelas correntes, precisamente a que quase todos os
que têm autoridade paraÍazé-lo concordam em assinalar como a única
certamente esgotada, cuja validade se encerrou: a positivista. O que
este livro busca mostrar, então, é que há outras formas de pensar e de
viver a casa que implicam técnicas de proleto bastante distintas e que
resultam em espaços que se afastam, em maior ou menor medida, dos
que hoje têm prestígio entre muitos proÍisslonais. Não se trata, pois, de
um manual de arquitetura doméstica: não há, aqui, a pretensão de Íor-
necer instruções sobre o que fazer. Não tendo uma Íinalidade prática
imediata, este livro objetiva, então, ser um alefta que contribua para a
ampliação da consciência dos vínculos existentes entre os modos de
pensar, de ver o mundo, de viver, e as técnicas de projeto, já que estas
não são neutras, mas, ao contrário, limitam e contêm em si mesmas o
potencial do nosso trabalho.
A exposição dessas idéias dá-se através de visitas guiadas a um
pequeno grupo de habitações, reais ou imaginárias, com as quais se
compõe um panorama do que o século xx deixou-nos como herança.
Cada capÍtulo dedica-se a visitar as idealizaçÕes da casa e do âmbito
da privacidade concebidas por diferentes correntes do pensamento
contemporâneo. Cada visita não é sequer uma breve estada, mas
aquele que saiba olhar e tenha fantasia suficiente será capaz de tecer
suas próprias impressões, de tomar notas, como se diz em linguagem
coloquial. Como freqüentemente ocorre nessas visitas na realidade,
são bem-vindas a essas páginas todos os que, sem uma formação
especÍfica em Arquitetura, tenham interesse ou simplesmente curiosi-
dade em conhecer esses arquétipos, cuja pretensão é descrever um
século de trabalhos em torno do tema a que provavelmente os arqui-
tetos têm dedicado mais tempo e energia: a habitação. Procurou-se

B
o: ;lu(la a os modos de viver, as diversas
relaÇão entre uÍilizar uma linguagem não especializada e, sobretudo, reÍerências que
r lurrrsamento contemporâneo, e as formas da casa: de pertencem mais ao âmbito da cultura do que ao da disciplina propria-
ir r lr;riritá-la. E o faz convidando o leitor a visitar sete casas mente dita, Para essas pessoas, e também para muitos arquitetos, o
:ri; rr Lrs no século xx, em sete jornadas ou capítulos. Dessa livro não será uma reflexão sobre as técnicas de proleto, mas sobre as
rtlo rnostrar como a maneira mais difundida de pensar e formas de viver, de apropriar o espaÇo privado e, por extensão, o
;y ri rr.;o domestico, e que continua ainda vigente entre os espaÇo público: uma reflexão sobre a boa-vida, sobre a cultura domés-
rrro rl rnais do que uma materializaçáo de certas idéias tica contemporânea.
crrr lorno da casa e dos modos de vida que têm origem As visitas a casas, uma prática tão habitual entre arquitetos e estudan-
Irc iulrrelas correntes, precisamente a que quase todos os tes, têm, ainda, uma virtude que as faz pafticularmente interessantes
rr lrrrlc para fazê-lo concordam em assinalar como a Única
ir como a forma discursiva a se empregar. Ao realizá-las, os arquitetos,
r;rlollrda, cuja validade se encerrou: a positivista. O que em grande medida, livram-se dos preconceitos impostos por sua for-
ru:r lrrr)strar, então, e que há outras formas de pensar e de
r mação. Ao visitar casas, o arquiteto torna-se usuário, passa a olhar
r ptr irrrplicam técnicas de prqeto bastante distintas e que através dos olhos do habitante, e assim adota uma atitude mais proxi-
( )r;l )íl(;os que se afastam, em maior ou menor medida, dos ma à de uma pessoa qualquer, perdendo essa couraÇa que o domínio
r lrrt;slÍc;io entre muitos profissionais. Não se trata, pois, de de uma disciplina cria, vencido pela força mesma da experiência real
ic irrrlrritetura doméstica: não há, aqui, a pretensão de Íor- da casa, da domesticidade e da vida que ela contém. E essa é a atitu-
,;ocr; l;r)bre o que fazer. Não tendo uma finalidade prática de, a predisposição que aqui se intentou induzir, ou provocar, através
lc livro obrjetiva, então, ser um alerta que contribua para a desta forma literária, na cefteza de que so a partir da desprofissionali-
rr r;orrsciência dos vínculos existentes entre os modos de zaçáo do olhar podemos aprender a enxergar com os nossos próprios
rr o rr)undo, de viver, e as técnicas de projeto, já que estas olhos, e a mirar aquilo que realmente desejamos ver.
Irrr;, rnas, ao contrário, Iimitam e contêm em si mesmas o Para tanto, é necessário realizar uma redução, uma simplificação, o
rrosrxr trabalho. que consiste em dar visibilidade a uma série de arquétipos, definindo-
r tlrx;sils idéias dá-se através de visitas guiadas a um -os por suas características mais marcantes. Assim como ocorre nas
r; ro rlo habitações, reais ou imaginárias, com as quais se caricaturas - e não é outra coisa um arquétipo - que, ao realçarem
l )i r ror'í.1Ína do que o século xx deixou-nos como herança.
certos traços, distanciam-se da realidade: é esta a distância que
L r t k rr lir;a-se a visitar as idealizações da casa e do âmbito separa um rosto de sua caricatura. lsto significa que não há uma casa
rrlc r:orrcebidas por diferentes correntes do pensamento existencial ou fenomenológica; a realidade é, ao contrário, mais com-
rrrxr. Oada visita náo é sequer uma breve estada, mas plexa e cheia de matizes, e exatamente aÍreside toda a sua força e a
;; ril x r ollrar e tenha fantasia suficiente será capaz de tecer sua vitalidade. Não há, por exemplo, um método estritamente prag-
:; ir rprcssóes, de tomar notas, como se diz em linguagem mático: tal pretensão levada ao extremo pode resultar num absurdo
or rro fur..qüentemente ocorre nessas visitas na realidade, delirante. Os arquétipos que iremos visitar são casas imaginárias,
rrl; r; r cssas páginas todos os que, sem uma formação construídas a partir da manipulação de distintas reÍerências. Até
rr rlrritetura, tenham interesse ou simplesmente curiosi-
Ar mesmo quando se considerou inevitável introduzir obras construídas
rr rl rcr;cr r:sses arquétipos, cuja pretensão é descrever um e, assim, dotar de alguma consistência as idéias aqui apresentadas,
:rl r; rllrol; r.'m torno do tema a que provavelmente os arqui- estas foram tratadas mais como fragmentos de uma colagem do que
r,rlir;;rrkr rnais tempo e energia: a habitação. Procurou-se como exemplos completos.

B I
Por isso deve se advertir o leitor de que ele não encontrará nas pági-
nas que se sêguem nenhuma das obras primas construídas pelos
arquitetos modernos: a Vila Savoye, a Casa da Cascata ou a Casa
Tugendhat nada têm a ver com um arquétipo, com algo que se possa
fragmentar para um fim didático. E precisamente sua complexidade
que se deve resgatar se se deseja abordá-las com um mínimo rigor.
Como já foi dito, são outros os objetivos deste ensaio.
Deve-se também explicitar que o número de arquétipos, bem como a
ordem na qual aparecem neste texto não foram guiados por uma logi-
ca acadêmica, como poderia ser se se optasse, por exemplo, por uma
evolução cronológica ou de acordo com as dimensões de cada arqué-
tipo. Ao contrário, optou-se por reproduzir a Íorma com que efetiva-
mente vieram se encadeando e se tornando necessários, um a um, na
imaginação do autor, de modo que há, sim, uma ordem - cada capÍtu-
lo pressupõe os anteriores -, mas esta é tão subjetiva quanto o tom ou
o ponto de vista com que se descrevem as casas visitadas. Por isso se
situou a visita à casa positivista - a casa do movimento moderno, con-
tra a qual, em grande medida, os demais modelos foram construídos -
em uma posição extravagante, no terceiro capÍtulo. Pareceu que, ao se
condená-la a ser uma a mais dentro de um conjunto, reÍorçava-se a
hipotese da qual parte este texto, que é precisamente essa, e, além do
mais, respeitava-se o modo de exposição escolhido: a sujeição à
ordem da vontade ou da necessidade com a qual essas casas imagi-
nárias foram construindo a si mesmas.
Sobre o número delas - sete -, o que implica na exclusão de tantas
outras formas de pensamento que o século xx produziu, so se pode
dizer que pareceu adequado: ao fim e ao cabo trata-se de um número
associado à construção de totalidades, e será muito benéfico que
outras idéias e atitudes consideradas interessantes recebam desenvol-
vimentos posteriores.
As casas aqui tipificadas não compõem uma taxionomia cujo terreno
de aplicação seja restrito exclusivamente ao âmbito da domesticidade.
Tais arquétipos são também uma forma de pensar as relações entre
público e privado e, através delas, o âmbito mesmo da cidade. Nesse
sentido, não há inocência alguma nas ambições que animaram a escri-
ta deste livro, ainda que se tenha pretendido tão apenas tocar neste

10
) rx) advertir o leitor de que ele não encontrará nas pági- tema, apontar estes vÍnculos e deixar seu desenvolvimento à imagi-
r](xluem nenhuma das obras primas construídas pelos nação do leitor. De fato, todo o texto tem um ritmo relativamente rápi-
orkrrnos: a Vila Savoye, a Casa da Cascata ou a Casa do ou se se preferir, ligeiro -, na convicção de que os melhores livros
-
riir r têm a ver com um arquétipo, com algo que se possa
de arquitetura são aqueles que podemos tornar nossos e desenvolver
);uír um fim didático. E precisamente sua complexidade em direçÕes imprevisÍveis.
Esse texto quer, por último, responder às numerosas tentativas recen-
ro:;gntar se se deseja abordá-las com um mínimo rigor'
lilo, saro outros os objetivos deste ensaio' tes de reanimar o debate sobre a habitação baseadas no idealismo
lrcrn cxplicitar que o nÚmero de arquétipos, brem como a social e nos métodos de investigação planimétrica proprios da moder-
rrrl rrparecem neste texto não foram guiados por uma logi-
nidade, tentativas estas em grande medida ingênuas, presas elas
por uma próprias na jaula ideológica que pretendem superar. A boa-vida quer
:; r, oorno poderia ser se se optasse, por exemplo,

rr rokx;ica ou de acordo com as dimensões de cada arqué-


contribuir para dissolver a solidez dessa jaula, como um primeiro gesto
rlr;rrio, optou-se por reproduzir a forma com que efetiva-
necessário para se delinear uma perspectiva mais vinculada ao nosso

r r;c encadeando e se tornando necessários, um a um, na tempo, com seus conflitos e idealizações. E pretende fazê-lo abrindo-
-se a outras disciplinas, deixando que a imaginação e a experiência
krlrulor, de modo que há, sim, uma ordem - cada capítu-
r ol; anteriores -, mas esta é tão subjetiva quanto o tom ou
façam o seu trabalho para conquistar ao mesmo tempo uma sabedo-
,ir;lrr r;om que se descrevem as casas visitadas. Por isso se ria relativa e uma posiÇão propria. Alejandro de la Sota, numa longa
ir il oírsa positivista - a casa do movimento moderno, con- conversa que mantivemos antes de sua morte, fez essa recomendação

rr plutde medida, os demais modelos foram construídos -


r
claríssima: para desfrutar da arquitetura, é preciso viajar com a imagi-
;ir.:l ro extravagante, no terceiro capÍtulo. Pareceu que' ao se
nação, é preciso voar com a fantasia.
Este ensaio - cujos erros podem ser atribuídos exclusivamente ao seu
r r;or uma a mais dentro de um coniunto, reforçava-se a
r lrrr rl pxirte este texto, que é precisamente essa, e, além do
autor - pretende, assim, ser um convite a viajar com a fantasia, não
ilrrvir se o modo de exposição escolhido: a sujeição à apenas para celebrar a diversidade das casas do século xx, mas tam-
rr rlrrtlr: ou da necessidade com a qual essas casas imagi- bém para estimular o prazer de projetar e de habitar intensamente:
para impulsar o surgimento dessa casa que ainda não existe.
r r:oru;truindo a si mesmas.
rroro clelas - sete -, o que implica na exclusão de tantas
rrr rlc pensamento que o século xx produziu, sÓ se pode
rrr:r ;t:r r arlequado: ao fim e ao cabo trata-se de um número
r con:;truÇão de totalidades, e será muito benéfico que
; c rrlilucies consideradas interessantes recebam desenvol-
rr ;lcI iort)S.

1r ri lipilicadas não compÔem uma taxionomia cuio terreno


r rostrito exclusivamente ao âmbito da domesticidade'
r r;ojr r

lxli r :r lo também uma Íorma de pensar as relações entre


rvr rrki c, através delas, o âmbito mesmo da cidade. Nesse

r lr r irrrx;ência alguma nas ambiçÕes que animaram a escri-

o, ;rirrrllr que se tenha pretendido tão apenas tocar neste

10 1.1

s-
-?
a
f
P

\-

N
o
o

a

O
e elevaÇão'
casa com três pátios, lr/ies van der Rohe, 1934 (desenho de 1939). Planta

14
o
r(ú
O"

a)
0)
c)

c(ú
tr
-:-
o
(Y)
O)

oc-)

o
.C
C
c-)
a
c)
I.J
0)
c
!
:i
f -:
-
;
ft.
.l

.I-Jt J]
i] I
.l

Grupo de casas-pátio, IVlies van der Rohe, 1938. Planta.


I
.l

.tj.
+t j ..t
.l
I

)uliulem com uma composição de Georges Braque. Casa com três pátios, trulies van der Rohe, 1934.

asas-pátio, N/lies van der Rohe, 1938. Planta'

\,
§
:tr
o
o
=
a
s:_
: 0)r
o

,.§ri
r{)
,:§I:'
tD.
s

"-
L
t-- EI
;
3 .-/
Poucas casas alcanÇaram tamanha unanimidade entre os arquitetos
quanto o conjunto de casas-pátio projetadas por N/ies van der Rohe ao
longo de oito anos, desde 1931, quando contava quarenta e cinco
anos, até 1938. Não obstante a admiração que despertam, porém, não
há ainda hoje uma explicação coerente para as intençÕes e o sentido
da pesquisa da qual resultam. Não apenas o silôncio do seu autor, mas
muitos outros fatores, tais como a sua localização genérica, ou mesmo
a ambigüidade de sua denominação - mediterrânea e historicista -, difi-
cultam a sua análise, limitando-se a crÍtica a exaltar a sua beleza e o
seu interesse como tipologia residencial, ou a assinalar quer a sua óbvia
correspondência com alguns princípios espaciais e construtivos do
Pavilhão de Barcelona, quer a sua relação com outros modelos moder-
nos de casas-pátio.
Esse vazio interpretativo é, sem dúvida, um estímulo para que o ponto
de partida da nossa jornada seja a documentaçáo gráfica que delas
N/ies van der Rohe produziu, e que, com certeza, prezava muitíssimo,
já que um dentre estes desenhos - o que representa um agrupamento
de várias dessas casas em um tecido urbano indeterminado - sempre
o acompanhou, preso à parede de seu escritório. Ao revisitarmos estes
documentos gráficos, ao reproduzirmos com nossa fantasia a expe-
riência de habitar esses espaÇos, somos tentados a projetá-los junto ao
seu autor, interiorizando as suas razÕes e os seus objetivos. O que teria
Mies van der Rohe pensado? Por que teria iniciado essa longa pes-
quisa sem cliente? O que estaria buscando e a que conclusões teria
chegado com essa obsessão que produziu, como resultado mais elabo-
rado, a Casa com três pátios de 1934?
Sabemos que aqueles foram anos complicados para lVies van der Rohe:
.1921,
sua misteriosa renúncia, em à família que construíra, e o auge do
nacional-socialismo obrigaram-no a questionar a sua vida parlicular e pro-
fissionaljustamente quando alcançara um grande prest(2io, e se vira rode-
ado por um círculo de amizades e por referências culturais que lhe possi-
bilitavam consolidar sua criatividade (em especial, Alois Riehl, seu cliente,
que, além de ser o autor do primeiro livro sobre a Íigura de Nietzsche - sig-
niÍicativamente intitulado Friedich Nietzsche como arÍista e pensador -,
introduziu-o em um mdo de personalidades de grande influência como
Werner Jaeger, historiador da cultura, e Heinrich Wolfflin, historiador da

20
.i lr;lnr lililI[)lli I unanimidade entre OS arquitetos arte, bem como Hans Richter, Walter Benjamin e Romano Guardini, que
( ri r;; r:i I )i lli( ) [)r( )jolil(las por lVlies van der Rohe ao igualmente conheceria no período). Tanto Fritz Neumeyer, como Franz
rIr:rlr: l1)l tI, rlrrrndo contava quarenta e Cinco Schultze e Francesco Dal Co, em seus respectivos textos sobre Mies van
rl r;lrr rlr: rrirrlrnirx.xio que despertam, porém, não der Rohe, descrevem distintos aspectos desse período em que sua for-
:; rlir ;; rr.;r ro r ;octol llo patra aS intençÕes e o Sentido maÇão intelectual é aperfeiçoada e sistematizada, mencionando
r r: ,r rlliln r. Nlro trpcr )rts o silêncio do seu autor, mas Nietzsche, o grande pensador antiposrtivista, e Romano Guardini, teologo,
l;ri: ;r:ot n() ir;uil krcalização genérica, ou mesmo como as suas leituras mais intensas e frutÍferas de então. Em 1927, lVies
I r lí )r r{ )r I rir t; rr.;r u r rr rrxJiterrânea e historicista -, difi- van der Rohe observa: "somente através do conhecimento ÍlosóÍco reve-
Irnril;rrrr lo lul lr r;rítir;i-r a exaltar a sua beleza e o lam-se a ordem correta de nossas tarefas e o valor e a dignidade de nossa
,, ,lor ;ir I rcr ;ir k rt rr;il rl, ou a assinalar quer a sua obvia existência", explicando assim o valor que atribui à sua reeducação, um
r ; rlr ;r rr r r ; rr irrcÍ1 riol; oÍlpaciais e construtivos do processo que em grande parte vaisignificar um distanciamento do positi-
r, rlu()t ;r r;ur r tollt«.;lto oorl outros modelos moder- vismo e, portanto, do espírito que animou todo o pro1eto moderno. Esse
distanciamento, essa solitude, marcarão náo apenas a sua obra singular,
tv( ) { ), :i(:r rr r lrtvir li r, ttttt estímulo para que o ponto mas também a sua propria existência.
r rl rji r lr r krcrrrlentação gráfica que delas Fixemo-nos na enorme distância que separa
;oI r r; rr l;
lr I
i
::
rr ir r.,ir t, { ) (luo,

, (L:: l( )t ll t()l i
ooll ccrteza, prezava muitíssimo,
() (luo reÍJresenta Um agrupamento
E sua investigaÇão da de seus companheiros
modernos, aqueles que, como Hugo Hâring,
r: :r)r u rrrrr lcr;irkr ttrIrittto indeterminado - sempre Hannes lVeyer ou Ludwig Hilberseimer, esta-
) ir | )irr(:rIr r k: l;orI o:lcritorio. Ao revisitarmos estes vam trabalhando intensamente na idéia de
, ir()r(,1 rrorlr rzinr)oÍl corTt nossa fantasia a expe- casas-pátio, simultaneamente, e na mesma
i,'l
,i À
rr , .r il ); r(.r( )r ;, r( )t l( )s lr,,ntttdos a pro1etá-los junto ao cidade. Nas investigaÇÕes desses arquitetos
I r ;l:; rlli r:; t;1./( x )li os seus objetivos. O que teria ( ) .I o objetivo é obter tipologias de baixo custo,
rr :t r: .; tr lo':' I 'oI t
1t ro lrtria iniciado essa longa
pes- r. -E com uma boa orientação solar e um aprovei-
(1rr)ír: ;lrrri; r lrtrx;lrr ldo e a que conclusões teria tamento racional do terreno, para famílias-tipo, das classes operária ou
)r ,r rr ir ii r( ) ( lr l( ) I )l( )( lt rzitt, como resultado mais elabo- burguesa. A repetição de unidades idênticas é, em todas as propostas,
;1lrlio: rrkr l{)lJ4'i um selo recorrente que remete claramente a um desdobramento massi-
I rl; ulr ;rr tol l r;ontltlici,rdos para lVlies van der Rohe: vo desse programa. A casa passa a ser um objeto produzido em série, à
rr, r:t rr l1)l '1, lr lirrrrília que Construíra, e o auge do imagem e semelhança do Ford I o grande paradigma da industriali-
)r( l, u;rn r ro lr rlLrcstionar a sua vida particular e pro- zaçáo. Não encontraremos nada disso em JVies van der Rohe, porém.
, u rr I r ; rk )iut(.,:ilr;I r]Ín grande prestígio, e se vira rode- Sua busca é, antes, distante dos interesses do conjunto dos arquitetos
rrr rri.'r rr k )r i () |x)r rcferências culturais que lhe possi- modernos, em sua investigação sobre o Existenzminimun, para a otimi-
r, r l i; rlivir l; u lo (crl especial, Alois Riehl, seu cliente, zaçáo de tipos estandardizados de habitação. Em seu trabalho sobre as
,r r I rI rrirrrciro livro sobreaÍigura de Nietzsche- sig- casas-pátio, à exceção de um primeiro esboÇo de casas geminadas
l,,lrutlr i:l t Nil:lzsche como artista e pensador -, (1931), N/ies van der Rohe elaborará projetos individualizados, inteira-
rlto r lc 1xll;ortirlidades de grande influência como mente avessos à idéia de estandardizaçâo. De fato, nos raríssimos
rrIrr rlr rr;trlltrra, e Heinrich Wôlfflin, historiador da desenhos em que aparece mais de uma habitaÇão, pode-se observar,

20 21
acima de tudo, o agrupamento de unidades sempre diferentes, voluntá-
ria e manifestamente individualizadas através de mecanismos topologi-
cos - diferentes formas de implantação, diferentes proporções dos terre-
nos, diferentes profundidades e orientação -, ou métrrcos - maior ou
menor área do terreno, maior ou menor área da casa -, sendo o sistema
empregado para materializá-las o único elemento ali constante.
Tal elemento, contudo, não pode ser reduzido a aspectos puramente
técnicos, construtivos ou estruturais: não se trata somente do empre-
go do vidro e da cobertura plana, nem do uso de muros delimitando
recintos e colaborando com as estruturas reticuladas na sustentação
dos painéis de cobertura. O que é impoftante é a idéia de individualizar
um "sistema", isto é, de operar com poucas variáveis, ligadas entre si, sistema
para obter resultados completos e diversos, tanto construtivos, quanto
espaciais ou estruturais. Trata-se, pois, do sistema em si, e não é difícil
perceber aqui a influência de Hans Sedlmayr sobre lVies van der Rohe
- a única que permanecerá intocada -, inclusive na casa mais insólita
desta série, aquela cujos espaços internos seguem o movimento curvi-
líneo realizado por um automóvel.
Todas as casas-pátio, porém, serão particularizadas, contrárias à idéia do
"objetotipo" produzido em série: a intenção aquié, nitidamente, sublinhar,
antes de tudo, a sua individualidade. Se estudar-
mos as dimensões dessas casas, perceberemos
mais uma vez que estamos frente a uma investi-
gação distinta daquela do Existenzminimun. Suas
áreas construÍdas alcançam cerca de 200 a 300
metros quadrados e, somando-se a dos pátios,
tanto os principais quanto os mais íntimos, as
áreas totais aproximam-se dos 1000 metros. Foi
precisamente esta tipologia de pátios - alguns
mais públicos, outros mais privativos -, que Pere Joan Ravetllat estudou,
traçando um paralelismo entre as casas-pátio e as casas pompeianas,
e a sua organizaçáo em torno de átrios e peristilos.
E evidente, então, o distanciamento desta investigação de uma visão estri-
tamente funcionalista, de um modernismo ortodoxo tal como o de um
Hannes tt/eyer, por exemplo. Seja ou não procedente a hipótese da inspi-
ração pompeiana, a imagem é legÍtima, ao menos para evidenciar esse

22
i r( 1ul )i l nor tlo (le Llnidades sempre diferentes, voluntá- distanciamento, essa diferente aproximação, que implica, por sua vez, em
rr rlc irrrlivirhtrlizadas atraves de mecanismos topologi- diferentes premissas e diferentes objetivos - lembremo-nos da fasci-
)r l li li ( kr rrlltli,rnlaÇào, diferentes proporçÕes dos terre- naÇão que, desde O nascimento datragedia (Nietzsche,1871), a revisão
rrlrrrrr lirllukrsl t,. orientação -, ou métricos - maior ou da cultura grega e helenística exerce sobre muitos intelectuais alemães,
rr rr rr r, n r riol ( )r I ntenor área da casa -, sendo o sistema de O. Spengler até W. Jaeger, cujo Paideia é publicado em 1933.
rr; rlr:r ir rliz:i llu; o rlnico elemento ali constante. falvez a pergunta decisiva para entender o ímpeto, a origem dessa
rlurio, nlro po«k., ser reduzido a aspectos puramente investigação, e, com isso, a razáo de sua longa vitalidade, deva ser
ltvo: ; ot r c:;lrul[rrais: não se trata somente do empre- feita não acerca de suas características físicas e materiais, mas acerca
r;ol rolurrrlrlirrra, nern do uso de muros delimitando de sua finalidade enquanto habitação. Para quem são essas casas?
:rrltr kr c()nt íts ostruturas reticuladas na sustentaÇão A quem, a que formas de vida estão destinadas? Que valores tradu-
rl rcl lrur ( ) (luo ó irnportante e a ideia de individualizar zem-se nesse espaÇo privado, e também - ainda que seja apenas pela
r c, rlc ()l x)riu oorlt poucas variáveis, ligadas entre si, sistema sujeito evidência com que este é negado no espaÇo público? Quem são os
-
rr lo: r r ;or r 11 rlclos e diversos, tanto construtivos, quanto seus sujeitos? De que noção de homem partem os projetos dessas
rlr rr; rir ll rlli sc, pois, do sistema em si, e não é difícil casas? Que referências pressupõem?
rlIrcr rr;irr rkr llans Sedlmayr sobre lVies van der Rohe Há algo que poderá esclarecer o fato de que essas casas-pátio, proje-
rrr; rlcr:or ti inlocada -, inclusive na casa mais insolita tadas sem que houvesse um cliente - como exercícios abstratos, por-
l; r r;r rjolr r)rr[)A(los internos seguem o movimento curvi- tanto -, não partem de um programa elaborado para a família. Não há
r r trrr ;rrrlorrt«lvel. famílias nestas casas: a famÍlia como base do programa Íoi, aqui,
rlio, lrorurr, scráo particularizadas, contrárias à idéia do rechaçada. Quando Mies van der Rohe, em uma atitude insolita, esco-
r..'ir k r crr r r;r'rrie: a intenção aqui é, nitidamente, sublinhar, lhe trabalhar o mais abstratamente possível com a casa, ele renuncia
rua individualidade. Se estudar- também a pensá-la para a família. Renuncia a pensar na sua casuís-
s dossas casas, perceberemos tica convencional de programas minuciosos e complexos, nas suas
) ostamos frente a uma investi- codificaçÕes pormenorizadas de privacidade e de representatividade,
luola do Existenzminimun. Suas em sua implícita rotina de pequenas exigências morais. Ele sabe que,
íllcanÇam cerca de 200 a 300 se o que se deseja compreender é a natureza da vida moderna, aqui-
; o, somando-se a dos pátios, lo que lhe é proprio, deve-se renunciar à memoria que a casa guarda
s quanto os mais íntimos, as de si mesma, ao lastro da família como a eterna reprodução do
irnam-se dos 1000 metros. Foi mesmo. Em nenhuma das casas há mais de um quarto, ou melhor, e
r tipologia de pátios - alguns mais precisamente, mais de uma cama. Nzlais precisamente, sim, pois
rr r; rrlri:; yirivativos -, que Pere Joan Ravetllat estudou, não existe, sequer, um espaÇo fechado que possamos denominar
r[rli: rr rro cr rtre as casas-pátio e as casas pompeianas, quarto: ao invés, as casas organizam-se como um meio contínuo que
ro cr r lol t)o de átrios e peristilos. se movimenta, dispondo seus móveis e objetos de tal forma que, em
r r r lir rlr rrrr;irultento desta investigação de uma visão estri- função do isolamento obtido através destes movimentos, não é difícil
r;lrr, rk: Lrrn modernismo ortodoxo tal como o de um determinar a particularidade de cada lugar e o seu uso previsível.
r r :xcr r rlo. Seja ou não procedente a hipótese da inspi-
11 A casa do solteiro é um lugar paradigmático onde se desenvolve um
;r rr rurr;ont e legÍtima, ao menos para evidenciar esse modo de habitar organizado topologicamente, com base na continui-

22
dade e na conexão, e a que corresponde uma estratégia geométrica
que se traduz no traçado das divisÕes, na fragmentação e na segre-
gação. O espaço contínuo é, assim, parte do "sistema", e conseqüên-
cia de uma exploração sem precedentes. Como viveria o homem
moderno se atendesse unicamente à sua individualidade?
Para avançarmos com maior precisão, porém, centremo-nos, já e defi-
nitivamente, naquela que é sem dúvida a casa mais elaborada de toda
a série, o seu paradigma: a Casa com três pátios de 1934. Não deve-
mos, contudo, esquecer que essa casa náo substitui as anteriores e as
posteriores, já que a diversidade é a lei imposta a investigação de ÍVies
van der Rohe frente à tirania homogeneizadora do objeto-tipo. Ainda
assim, é nela que encontramos o produto mais bem acabado da casuís-
tica das casas-pátio. Contemplemo-la como se Íosse a primeira vez que
a víssemos, com os mesmos olhos com que olhamos qualquer outra
casa. Comprovaremos, assim, como, apesar da já mencionada conti-
nuidade, os diferentes espaÇos de um programa normal ali se distin-
guem claramente. Sua distribuição é relativamente funcional, os espa-
ços são adequados, a cama tem dimensÕes suficientemente generosas:
poderia se tratar da casa de um casal jovem ou sem filhos. [Vas sabe-
mos que não, ou que apenas provisoriamente sim: a casa não foi pre-
vista nem sequer para o mínimo núcleo da família tradicional; na ver-
dade, não foi prevista para família alguma, ainda que embrionária.
Se contemplamos o conjunto, com seus muros altos e seus extensos
espaÇos, quase decadentes em sua grandiosidade, e imaginamos a for-
ma de habitá-lo, aos poucos reconhecemos que ele se destina a um
único habitante. E o reconhecemos, entre outras razÕes, porque os
muros não estão aí para delimitar o lote, nem para sustentar as empe-
nas da casa, nem tampouco, ou muito menos, para propiciar esse
mecanismo de controle ambiental - iluminação, temperatura, umida-
de, ventilação - que é originariamente o pátio, Os muros estão aípara
propiciar privacidade, para ocultar quem habita, para permitir que,
dentro da casa, transcorra uma vida profundamente livre, à margem
de toda moral ou tradição, à margem de toda vigilância social ou poli-
cial - à margem, finalmente, desta insuportável visibilidade que a moral
calvinista impõe a seus companheiros modernos e à sua arquitetura
positivista.

24
(), () il (lilo oorresponde uma estrategia geométrica Os muros estão aí porque o sujeito - permitamo-nos pensar que se
lr;rr.;l ukr tllx; divisoes, na fragmentação e na segre- trata de um homem: não é fácil imaginar que o misogino lVlies van der
;or rlllro t'r, lr:;sirn, parte do "sistema", e conseqüên- Rohe pensasse em uma mulher como habitante de suas casas-pátio -
)r ;r(.;r r() r;cr rr
llrecedentes. Como viveria o homem deseja fugir da publicidade, deseja isolar-se, e exercer sua individuali-
)r ir i( )llrir;lrrrrr..rrle à sua individualidade? dade à revelia de qualquer comentário moral. Quer negar a possibilida-
:oI llrrior lrrrnisâo, porém, centremo-nos, já e defi-
rr de mesma desse comentário, quer afirmar-se, e asseverar a casa como
l; r rr: c l;cr r r drrvida a casa mais elaborada de toda
t lr o império do eu. Não e difícil distinguir, nesta decisão radical, um eco
rlrrlrr;r.;r()irsu corn três pátios de 1934. Não deve- ruper-homem do "super-homem" nietzschiano, essa figura que deve reconstruir sua
I l{ Í l )t (
lr to oÍjsit casa não substitui as anteriores e as posição no mundo, esquecendo toda a sujeição a ele imposta, a tra-
;rrlivor;irlrrrlo c a lei imposta a investigação de lVies dição judaico-cristã e o pensamento metafísico inaugurado por Platão.
lr rr lir;lrir r ltorrrogeneizadora do objeto-tipo. Ainda Um sujeito como o que lVies van der Rohe parece imaginar precisa de
r rr ;oI rlr;lrlorj o produto mais bem acabado da casuís- uma condição inicial de isolamento, da possibilidade de autocons-
r t )or rlcrlltlcnro-la como se fosse a primeira vez que trução à margem dos outros; deve ser capaz de se apropriar do
): i ll()r;t n()l; olltos com que olhamos qualquer outra mundo, de com ele manter relações baseadas em uma nova lucidez,
rror r, rr;:;int, oorno, apesar dajá mencionada conti- instintiva e em expansão, vinculada a uma concepçáo revolucionária do
rlr:r ; cr ;1 r; lr.,;oll (ie um programa normal ali se distin- tempo, a um presente contínuo de deslumbrante intensidade.
lir rr r rlir;lriltrriçito é relativamente funcional, os espa- Pensemos, por um momento, em qual teria sido o impacto dessa ima-
;, ;tci lni I lrtrl rlirnensÕes suficientemente generosas: gem em um [Vies van der Rohe ávido por consolidar sua formação atra-
r c; r: ;; r (lc ur rr t;asal jovem ou sem filhos. [t/as sabe- vés das leituras de Nietzsche e de seu círculo de amigos intelectuais, e
ll r{)irl )( :r ut; lrrovisoriamente sim: a casa não foi pre- em como esta idéia refletiria sua propria posiÇão no mundo, sua própria
rrrr o rrir rirrto nrlcleo da ÍamÍlia tradicional; na ver- luta pela construÇão plena de sua individualidade. Os muros que prote-
;l;r 1 r;rr;r lrrrrrÍliir irlgrrma, ainda que embrionária. gem esse sujeito desejoso de isolamento aparecem, assim, estreitamen-
o r;or rjrrr rlo, r;orrr seus muros altos e seus extensos te ligados ao pensamento nietzschiano, ao super-homem, aZaralusÍra.
.r rr I rr tlr)r i()t)I llua grandiosidade, e imaginamos a for- Em Nietzsche, a morte de deus e da metafísica ocidental marcam o
): l)()r rc()ll rocottltecemos que ele se destina a um princípio da idéia da afirmação, da vontade de poder, que têm no
() ttt.ls, entre outras razÕes, porque os
t()(:()t rlrcr;ot cterno retorno "super-homem" e na teoria do "eterno retorno" sua conclusão proposi-
1
r rr; r r k rlirniltrr o lote, nem para sustentar as empe- tiva. Uma afirmação que deve se resolver sem leis, nem princípios
lrrrrrl xrr to(), ()u ntuito menos, para propiciar esse alheios às Íorças vitais, em um árduo processo de autoconstrução que
rlrolc ;rrrrlricrrlirl iluminação, temperatura, umida- culmina com a aquisição de um espÍrito novo, violentamente avesso a
r r l r ir tr ;ir u rr ii rrr rcnte o pátio. Os muros estão aí para toda a tradição transcendente: uma aristocrática "moral de senhores"
lr r, lrurr oclrllrlr quem habita, para permitir que, frente à "moral de escravos" propugnada pela moral e pela filosofia.
r t:i{ r( )r tit urlil vicla profundamente livre, a margem O tempo deste sujeito não é mais o escatologico e o finalista, proprios da
;rr lir.:; ro, il nlírr(tem de toda vigilância social ou poli- tradição judaico-cristã, mas o tempo cíclico dionisíaco, o fluir entre con-
;rh rrr:t rlc, r krslir insuportável visibilidade que a moral trários de Heráclito, A idóia do eterno retorno parte da suposição de que
:;r rr lii()orlpirnlteiros modernos e a sua arquitetura a vida é reversÍvel como uma ampulheta. Ainda que angustiante a princí-
pio, esta hipótese é, para Nietzsche, uma forma de instalar o homem no

24 25
gozo, como se tal situaÇão o impulsionasse a compreender a intensida-
de de cada instante, exigindo-lhe um tal compromisso com o presente,
que lhe fosse sempre desejável repetir a sua experiência. Trata-se, então,
da recuperação da fugacidade do devir frente à estabilidade do ser, da
afirmação da necessidade do acaso, do tempo como devir, escamotea-
da desde Platão. O eterno retorno é, em Nietzsche, a recuperação, pelo
homem, do perecÍvel e do mutável, uma recuperação do presente frente
à tirania do futuro ciivino ou do passado tradicional, uma volta à vida e às
paixões contrária à domesticação da moral dos escravos.
Observemos agora a casa projetada por lvlies van der Rohe, em sua
totalidade, além dos limites definidos por suas galerias envidraçadas.
Diante de nos abre-se um grande pátio ajardinado que é tanto uma
extensão da casa, quanto uma representação da natureza. lsolado por natureza
muros muito altos, o que nele existe já não é a nalureza em estado puro,
mas uma representação artificial do mundo. Neste espaço, podemos
distinguir somente algumas árvores frondosas, as quais realçam a hori-
zontalidade e a uniformidade da pradaria atravessada por um caminho
pavimentado, que transcorre próximo e paralelamente a um dos muros
e dá acesso à casa. O que vê este habitante? Por que elegeu esta forma
de se relacionar com a natureza e, através dela, com o mundo?
lnicialmente, trata-se de uma relação contemplativa: não há aílugar para
a horta, nem para o cultivo de flores, nem para objetos de uso doméstico,
fontes ou piscinas, enfim, para todo o conjunto de implementos com que
o homem, a famíliatipo moderna, ameaÇa um contato ativo com o meio
natural. Se pudéssemos permanecer eterna-

uma das poltronas Barcelona dispostas no interior :

da casa, e acelerássemos esta imagem como os


fotogramas de um filme, assistiríamos a um espe-
!
táculo revelador: o da eterna sucessáo do mes-
mo, o do caráter circular do tempo naturalfrente à
do tempo historico. Ao ciclo do dia
linearidade
sucede o da noite, à pradaria coberta pela neve
sucede a chuva e a florescência das árvores,
depois a queda das folhas, e assim sucessivamente, num espetáculo ite-
rativo, preparado por esta cenografia em que o céu e o jardim - a nature-

26
ri r(.,; l( ) o ir ll rr rll;ior ri.rsse a compreender a intensida- za - aparecern como uma metáÍora do tempo cÍclico, e a grande fachada
rxirlir rr lo llrc unt lal cornpromisso com o presente, envidraÇada, como um excepcional diorama para a sua contemplaÇáo.
r h r: u:jr rvc| rc1 xllil ir sua experiência. Trata-se, então, Qualquer outro possÍvel sentido terá sido subtraÍ,Co nessa visão.
lrlr u:irl; rr Irrkr
rklvir Írente a estabilidade do ser, da Como no eterno retorno nietzschiano, o isolamento radicaldeste espaço
r l; rr I itcíllio, rio [empo como devir, escamotea-
r r lr ) e de suas galerias envidraçadas remetem-nos mais uma vez a esse céle-
lr :r lo rrlr )t lo o, onl Nietzsche, a recuperaÇão, pelo bre aforismo Arquitetura para os que buscam o Conhecimento - que
-
rrrlo llr rl;rvcl, rrrlir recuperaÇão do presentefrente Nietzsche escreveu em A Gaia Ciência: "Chegará um dia - quiçá muito
n( ) { )lt (k r 1
r;u;strrlo tradicional, uma volta à vida e às breve - em que se reconhecerá o que falta a nossas grandes cidades:
rt rtc: ;lir;l rr.;l tr I r lit nloral dos esoravos. lugares silenciosos, vastos e espaÇosos, para a meditação. Lugares com
r{.i lr ;i r projcllrrllr por N/ies van der Rohe, em sua Iargas galerias cobertas para os dias de chuva e de sol, aos quais não
lirrrlcr ; r iolirrir ir x; por suas galerias envidraçadas. atingirá o ruído dos carros nem o pregão dos mercadores, e onde uma
r;r un rlirrrtlo 1tátio ajardinado que é tanto uma etiqueta mais sutil proibirá até ao sacerdote de orar em voz alta: edifícios
r; rr rlo rl r t; I rc1 rrr..scntação da natureza. lsolado por natureza e construções que, em seu conjunto, expressarão o que há de sublime
1r tc rrclc cxil;tt: jii náo e a natureza em estado puro, na meditação e no isolamento do mundo. Terão passado os tempos em
{.:; r( il lilir;ii rl rk> nrundo. Neste espaço, podemos
) que o monopolio da reflexão pertencia à igrela, em que a vida contem-
lurri riilvoroli Írondosas, as quais realÇam a hori- plativa era unicamente a vida religiosa. Tudo o que a igrqa tem edificado
rr rrir I rr k r r ll r 1
rriularia atravessada por um caminho expressa este pensamento, e eu não considero que suas construçÕes
u r: i( r( )t t( to e paralelamente a um dos muros
r 1 rroxitt nos bastem, ainda que se subtraia delas sua finalidade religiosa. Essas
) lr t( ) v(: or ;lr I lritbitante? Por que elegeu esta forma
( construçÕes falam uma linguagem demasiado patética e demasiado r(gi-
;rrr; rlltcz; rc, itlravés dela, com o mundo? da, para que nós, ímpios, possamos meditar ali. Queremos traduzir a nós
r I r rr rl r roll rr.;r ro contemplativa: não há aí lugar para mesmos em pedras e plantas, queremos passear por nós mesmos
ullivr r r ic lk rrrx;, rrern para objetos de uso doméstico, enquanto circulamos por essas galerias e esses jardins."
rhr 1rur lrxkr o conjunto de implementos com que
rr, Nada poderia explicar de forma mais esclarecedora o trabalho de tVlies
xr trtxk)t nil, íltTtoaÇa um contato ativo com o meio van der Rohe nas casas-pátio, o tema de sua prolongada investigação, do
3mos permanecer eterna- que essas galerias envidraçadas, silenciosas e espaçosas, onde podemos
omplando ossa paisagem de passear por nós mesmos, identificados com o tempo circular através da
rucelona dispostas no interior contemplação do ciclo natural. Esta citação corrobora a distância que
)mos esta imagem como os Mies van der Rohe estabeleceu do positivismo ideologico da moderni-
'rc, assistiríamos a um espe- dade e de suas metodologias operativas; a casa-pátio é um sofisticado
:l oterna sucessão do mes- mecanismo - uma máquina? - para esquecer a modernidade triunfante,
rlar do tempo naturalfrente à a simplicidade do seu positivismo, e penetrar no abismo do indivíduo
r hlstórico, Ao ciclo do dia nietzschiano, aquele super-homem que constrói a sua vida como uma
pradaria coberta pela neve obra de afte, tomando como base a pura afirmação de seu eu. lVlas nào
r Ílorescência das árvores, é só isso, se é que se pode utilizar aqui o vocábulo "só" com proprie-
rll r; r;, r : r r;r ;it n t;ucessivamente, num espetáCulo ite- dade. Esta investigação é, sobretudo, uma tentativa de se criar um méto-
r ";lrr r:cr ror 1;rlitr orn que o céu e o jardim - a nature- do de projeto completo a partir de correntes do pensamento heterodoxo

26
que, ensaiadas pelos expressionistas, pareciam definitivamente arrasadas
pelo poder normativo e organizador dos arquitetos mais ortodoxos, mais
partidários do progresso técnico-científico. Uma técnica de prqeto que se
desenvolve a partir desses percursos pelas idéias de espaço e de cidade,
pela materialidade da cultura objetal e ornamental, e que contém, por-
tanto, um programa explícito de trabalho - um sistema de proleto -, base-
ado no sujeito nietzschiano e no seu tempo rememorativo e circular.
Ao falarmos do sujeito miesiano, afirmávamos que ele foge da publicl-
dade e deseja o isolamento, Ao dizermos "foge" estamos assinalando
algo decisivo: ele não foge do nada, nem do bosque; ele foge da cida-
de, de uma cidade que está aí Íora, próxima, contígua; ele foge do ruído cidade
dos carros e do pregão dos mercadores. A casa, e seus muros, por-
tanto, não são apenas uma representação cosmologica, mas uma
situação precisa: uma casa urbana. ltrlais ainda, a casa de um mun-
dano, de um cosmopolita. Esses muros denunciam não so o homem
urbano que habita em seu interior, mas também a cidade buliçosa, aza-
famada, a metropole que está detrás deles.
Esta casa, a Casa com três pátios, não seria nunca uma casa no campo,
fora da cidade. Basta aferir quão ridículo seria imaginá-la habitada por
alguém calçado com sapatos rústicos. Sem dúvida, o sujeito miesiano usa
magnÍficos sapatos de couro primorosamente feitos à mão, os sapatosde
alguém acostumado a andar por calçadas bem pavimentadas, a passear,
a deixar a sua casa para relacionar-se nos cafés, nos teatros, nos merca-
dos e bulevares da cidade. Como o flâneur baudelairiano, ou o b/asé de
Georg Simmel, é um homem com vida social intensa. Como o super-
-homem de Nietzsche, não se retira do mundo como um anacoreta: seu
ascetismo integra um processo de autoconstrução que resulta em um
imenso gozo, o gozo de se libertar das amarras impostas pela moral,
um gozo expansivo e contagioso que leva a uma intensa fruição do
mundo, a um desdobramento do espí"ito criativo sobre os demais.
Essa mecânica de isolamento e expansão é a base privilegiada do pro-
jeto miesiano: por isso não é diÍícil compreender que quem habita
aquela casa não é nenhum defensor da vida natural, do alheamento da
cidade, mas alguém que necessita estar próximo à ágora, aos novos
espaços públicos da cidade burguesa. Quem a habita necessita de
grandes espaÇos para o cultivo dafilia, para as festas e as celebrações

28
r ,: ,: ;i{ )t til ili l i, | )í ltlx)iam definitivamente arrasadas faustuosas, para desenvolver relações mundanas ao mesmo tempo
r ;; l ri,,; rr I rr r lr x; I rrquitetos mais or.todoxos, mais protegidas da indiscrição e abertas ao imprevisto.
ri ;r tir ;o r ;ior tlilirlo. Urrra tecnica de proleto que se rr r. rtcrialidade Examinemos agora os materiais que lvies van der Rohe usa nas casas-
, I x rr( ;t ll:i()I I ; x lli u; icleias de espaÇo e de cidade, -pátio. Trata-se de um procedimento insólito no contexto da moderni-
rur nl rjclrrl c orruuncntal, e que contém, por- dade, em que se articulam, de forma coerente, os materiais mais
lo r krllrlxrllro trrrr s;istema de proleto-, base- avanÇados e os indiscutivelmente tradicionais, procedimento este, aliás,
) {rl() r;cr I lct ll x) r(xTtemorativo e circular.
característico de sua obra. Fixemo-nos na lareira, em sua matéria e em
t.r ;i;lno, ;rlirrrl rvirrnol; que ele foge da publici- sua posiÇão na casa. Em primeiro lugar, deve se assinalar que a lareira
rl, A, rli.rr:t lrol; "Ír4,;e" estamos assinalando não foi eliminada em favor da calefação, mas, ao contrário, aparece sis-
r r r h r nl rr l; r, ltcl n rkr ttosque; ele foge da cida- tematicamente nos desenhos, revelando, assim, sua condiÇão de ele-
l;rrr oxirllr, r;rtntÍgua; elefogedoruÍdo
krr ;r, 1rr cidade mento decisivo no "sistema" de proleto. Não obstante, nunca ocupa um
l( )r ;lt( )t (;i rrlotor ;. A r;ttsa, e seus muros, por-
lugar central, mas se desloca até se confundir com uma das paredes,
lrlri r t()l )t()r i{)t rllrt.;lro cosmologica, mas uma ambas - lareira e parede - construídas em tijolos. Dessa forma, a larei-
:;; r rllr;rr r; r, N,4lril; lrirrrla, a casa de um mun- ra passa a ser um acidente na parede: a sua verticalidade é quase eli-
r l i ntut()li rftrt rtttrr;iam não só o homem
:;: ;cr
minada, como se voluntariamente se evitasse toda referência possÍvel a
r ir rlrr ir )t , nti rillrrrrlrr.trl it cidade bruliçosa, aza-
um espaÇo central e vertical, a qualquer tipo de representaÇão simbÓ-
r r:rl;r r I rlIll r lokll;. lica da ideia de transcendência. Relegada ao perímetro, atua como um
:; ;r;rlio: ;, turo:;clilt t)uiloa unla CaSa no Campo,
movd a mais, como um pretexto para a conversaÇão, mas também
tir r1r t; ro rir lrr:r rkr r;rxilr irttaginá la habitada por como uma referência tradicional do âmbito doméstico à qual não se
r )r ; l rili( :os. I irrrl rillvirla, o sujeito miesiano usa renuncia. Lareiras e paredes de tijolo maniÍestam vínculos com a mate-
r( ) | )t l I loloI ;l lt ncI tlc lcilos a mão, os sapatos de rialidade e a evocaÇão do passado que não podem passar desaperce-
;rt lx)l (;; rk.:r rrill;lxrr rrlxrvirnentadas, apassear, bidos, nem deixados à margem como se não fossem relevantes. É, de
'lit{;i()t li tt :í) n(x;r;i rltls;, rtos teatros, nos merca- fato, consubstancial à casa a evocaÇão dessas ligações com um tempo
( ;( )l l( t o ll;ir tttttr [lrtrrlelairiano, ou o b/asé de que pode voltar-se sobre si mesmo, contraditórias à linearidade do
r lr l rl intensa. Como o super-
{ r( )r r r vir ll r lx rcii
tempo moderno, ligações gue nos remetem a Nietzsche novamente, e
r r:c rclit;rrlo tltiltrlo (x)tno um anacoreta: Seu
não, como se tem pretendido muitas vezes, a um rigor tipologico.
:r: ;:í) (kr ltr tlrx;ottllruÇao que resulta em um
Não pode haver nessas casas uma metodologia proxima à tipologica,
: ,l lil rr :t lr rr r l; lI i u r titrríts
impostas pela moral, nem em sua versão iluminista, nem naquela de raiz estruturalista e con-
rl;rr lior rr r1r rc lcvlr ír utna intensa fruição do
o pátio é alheio a todo condicionante geográfico, e nada
textualista:
Irlo rk r r r;; rrr ilo r:ril tlivo sobre os demais, mais distante do método de Mies van der Rohe, da sua forma de con-
,trlo r : r lxl )iuriiur r'r it llrse privilegiada do pro- ceber e de projetar, do que essa busca de generalidade através do tipo
,r( ) r)(lilrr;il r;or rrltrrx)llder que quem habita ou de especiÍicidade através do contexto, do que essa busca de um
r rlllor r:;o1 1l;qyi1 111nirlrtríll, do alheamento da Íundamento que se possa objetivar. Há ativação da memoria, do
tr{ )( :1 :i ;r ;ilr r cl lli l 1rroxitrtct à ágora, aos novos tempo, por uma eleição individual de poucos e escolhidos parâmetros.
rrlrl lrr lr;rrc: ;rr. ()ttotrt a habita necessita de Há subjetividade, afinidade, aÍirmação do particular e dessa diÍerença
rllrvr r ri; r lilitr,lxvit ítÍl festas e as celebraÇÕes que implica na possibilidade da eleição.

28 29
O super-homem, essa forma de ser e de pensar que Nietzsche vincula
genealogicamente ao sofista, conhece o poder da convenção, a histori-
cidade de sua propria figura: ele é o que extraiu o fundamento das leis da
polis e da natureza e afirmou sua pertinência ao mundo do nomos,
da convenção, do pacto entre os homens. As tradiçÕes não são man-
datos, mas convençÕes cuja escolha é necessária à construção do eu,
tal como um repertorio de referências em que se mirar. Nrlas estas não
são transcendentes, nem imutáveis, não ligam o homem à divindade,
nem a verdade alguma, nem sequer a obrigações sociais. Colaboram,
sim, para uma criação individual verossímil.
Assim, não é por acaso que essas paredes e essa lareira são feitas de
tijolos, esse piso, em pedra, e outros elementos - os mais próximos do
corpo -, em couro natural: nesses momentos o "sistema" negocia com a
materialidade do passado, Íazendo com que ela reapareça no presente.
Os materiais que lVies van der Rohe usa não são exclusivamente aque-
les proprios da época industrial - o aÇo, o vidro, o concreto -, mas estes
mesmos relacionados ao tijolo, à pedra, ao couro, de talforma que o que
se estabelece entre eles é um diálogo. Ainda que a construção moderna
-
- estrutura, vidro, cobertura plana permita-lhe solucionar seu espaÇo
contínuo e horizontal, Í\rlies van der Rohe elege usar, nos dois gestos
essenciais de fundar e de delimitar a casa, no piso e nos muros, a pedra
e o tijolo, materiais que remetem a uma genealogia especÍfica - a tradição
hipodâmica e pompeiana -, mas que se referem também as tradiçôes
locais. Assim, e fácil compreender porque esses muros não são de con-
creto, ainda que o arquiteto já houvesse experimentado ele mesmo esse
material. E um gesto preciso de ativação da memoria, de subjetivação
da modernidade, de afirmação da condição temporal da habitação, da
necessidade de tal condição na estruturação do eu. Não se pode esque-
cer, ainda nesse sentido, as conexões que tal concepção estabelece
com a idéia de cidade a que lVies van der Rohe remete. Ao se sentir con-
foftável em proletar em meios urbanos historicos, ao demonstrar um
baixo grau de ansiedade pela aparente desarticulação estética de muitos
de seus primeiros projetos, Mies van der Rohe revela algo verdadeira-
mente distinto do universo ordenado, unitário e coerente de Le Corbusier,
pondo em evidência a sua afinidade maior com a ideia da cidade como
uma sedimentação de camadas, o seu gosto perceptÍvel, inclusive nas

30
)rÍilêr cio sor e de pensar que Nietzsche vincula tqcniqqq de representação por fotomontagens, pelo contraste e pela con-
l'lsta, conhece o poder da oonvenção, a histori- vivência com a memoria da cidade.
rra: ele é o que extraiu o fundamento das leis da lmanência IVlas tão importante quanto essa ativação do tempo é a sua imanência,
tlrrnou sua pertinência ao mundo do nomos, a sua não transcendência, a eliminação de toda a verticalidade, e não
r ernlrs os homens. As tradições não são man- apenas a compositiva. Anteriormente mencionamos a horizontalidade
euja oseolha é necessária à construção do eu, como conseqüência de um espírito mundano, que se refletiria não só
io roferêneias em que se mirar. [Vas estas não na continuidade e na fluidez do espaço, mas também na negação da
n irrrutávois, não ligam o homem à divindade, iluminação zenilal, tão expressamente rechaçada em toda a obra de
norn siêciuer a obrigaçÕes sociais. Colaboram, ÍVies van der Rohe, através da desvinculação de sua arquitetura
rrllvldual verossímil. de toda idéia de uma luminosidade densa, direcional, concentrada.
(1ro osÍri)s paredes e essa lareira são feitas de Encontramo-nos, de novo, instalados em um mundo de perfil nitidamen-
Irir, el outros elomentos - os mais próximos do rntalidade te nietzschiano: a horizontalidade radical evoca a supressão mesma da
nossoÍ; rnomentos o "sistema" negocia com a
rl: divindade, de qualquer vínculo vertical; é a expressão do gozo da vida em
r, ltrzencjo oom que ela reapareça no presente. si mesma, uma afirmação do sujeito como protagonista, devendo este
rur dor Flohe usa não são exclusivamente aque- expandir-se pela casa, definir seu ambiente a ponto de polarizar as suas
Imlrial -o aÇo, o vidro, o concreto -, mas estes técnicas construtivas, a ponto de apoderar-se do "sistema",
tllolo, r\ pedra, ao couro, de talforma que o que Para tanto, lVies van der Rohe utilizará diversas estratégias. Uma será a
5 urrr diálogo, Ainda que a construção moderna xão da luz exploração da reflexão da luz para obter pisos e tetos com idêntica
trra plana - pormita-lhe solucionarseu espaÇo intensidade luminosa, tal como se pode observar no Pavilhão de
los van cior Rohe elege usar, nos dois gestos Barcelona. Os distintos materiais do piso e do teto permitem a obtenção
r cJolirlitar a casa, no piso e nos muros, a pedra de uma tonalidade equivalente, um equilíbrio ótico - realçado nas foto-
rnerlom a uma gonoalogia específica - a tradição grafias em preto e branco -, totalmente contrário à idéia da iluminação
1 -, rnÊjrs quo se referem também às tradições zenital associada aos átrios históricos, e, sobretudo, intencionalmente
trrrexlrrder porquo esses muros não são de con- avesso a naturalidade com que a arquitetura clássica ulilizava a luz
lto já houvesse oxperimentado ele mesmo esse como elemento de prqeto. lr/ediante a reflexibilidade, N/ies van der Rohe
relso de ativação da memoria, de subjetivação obtém uma luz flutuante, imaterial, que rompe com a mais óbvia dentre
nnçrio cla condição temporal da habitação, da as verticalidades: a dos raios do sol.
;r1o na estruturação do eu. Não se pode esque- Uma outra estratégia, complementar, estará ligada à percepção do
r, as conexoes que tal concepção estabelece espaÇo e a recursos puramente compositivos. Como já observado por
1ro lViras van der lfohe remete. Ao se sentir con- horizontal Robin Evans, lVies van der Rohe substitui a simetria vertical clássica
rrreios urklanos históricos, ao demonstrar um por uma outra, horizontal, que induz o olhar e o seu movimento a um novo
poln aparonte dosarticulação estética de muitos plano de simetria. Para isso, excepcionalmente, Íxará a altura do pé-direi-
rrs, ÍVllcui van der Rohe revela algo verdadeira- to em uma dimensão proxima a3,2O m, situando o ponto de vista em um
I orrJelnado, unitário e coerente de Le Corbusiel plano simétrico em relação ao piso e ao teto, num elementar, mas sutilís-
ra eúiniciade maior com a ideia da cidade como simo, mecanismo compositivo que determinará uma completa reorgani-
Jnaclas, o sou gosto perceptÍvel, inclusive nas zação visual e espacial. Tudo deverá ser planejado de acordo com este

30 3l
mecanismo antigravitacional, que transforma o tradicional sujeito passivo
em um sujeito ativo, permitindo-lhe construir, em sua mobilidade, através
da experiência fenomênica, as simetrias que desde há muito organiza-
vam-se verticalmente como efeito de forças cósmicas ou transcendentes.
Por último, lVies van der Rohe desenvolverá uma estratégia puramente
material. A coreográfica ordenação de rebaixos, cornrlas e emolduramen-
tos com que a ordem clássica celebra a justaposição de materiais e car-
gas, oporá um emolduramento invertido - a junta refundida - como o
recurso que, associado aos anteriores, Íarálevilar a matéria, assim trans-
formada em algo possuidor de massa, mas não de peso. Seus muros em
pedra ou em tijolos passarão a ser puramente uma experiência de matéria matéria em levl
em levitação: não supoftam cargas, nem têm peso proprio. Suas qualida-
des passarão, assim, do tectônico ao háptico: eles estão aípela beleza do
seu desenho, da sua caligrafia, pela memória que ativam.
Encontramos, assim, três formas de horizontalidade. Na organização
dos materiais, em que se substitui a junta clássica por seu inverso, o
refundido, a linha de sombra. Na iluminação, em que, através de uma
compensação de reflexões, obtém-se uma luminosidade uniformemen-
te distribuída. Na geometria dos espaÇos, em que se trans-
forma a tradicional simetria vertical em uma simetria hori-
zontal, produzida a partir da equivalência da altura dos
espaÇos ao dobro da altura dos olhos. Tudo isso está pre-
sente nos desenhos em perspectiva das casas-pátio, nos
quais o plano de fuga é o plano da simetria, assim como
nas fotografias do Pavilhão de Barcelona, sempre com
fugas e tonalidades simétricas nos pisos e tetos, e também
no caráter antigravitacional de seus materiais justapostos.
A horizontalidade maniÍesta-se pela negação total e sistemática de qual-
quer ordenamento vertical. Cria uma imagem não de leveza, mas de indi-
ferença a gravidade, responsável, junto à iluminação e à simetria hoizon-
tal, por este efeito emocional contraditório provocado em quem se move
pelo Pavilhão de Barcelona. O efeito de encontrar-se em um templo, em
um lugar de recolhrmento, associado, porém, à convicção de que o que tal
templo celebra não é divindade alguma, mas, sim, o advento do homem
como protagonista, como agente, como sujeito, Algo que Nietzsche soube
enunciar, mas somente lt/ies van der Rohe soube malerializar.
lr(
,lrilr rl()t nti lo trilcjicional sujeito passivo
t:
Podemos agora perambular pelo interior da Casa com três pátios, e
u ll rrrr;oI Irlrrrir, onl sua mobilidade, através r rrllura objetal dirigir nossa atenção à cultura objetal e ornamental empregada para
:; r;ir trclti; u; (luo rlrsde há muito organiza- torná-los habitáveis. Neles reina um vazio imponente, mas não abso-
r :tlu r I r I rrr.:; l; «x'x;ttticas ou transcendentes.
luto: algumas obras de arte e poucos móveis convivem, quase sem
ln rb: :cr tvolvclj urna estrategia puramente solução de continuidade, com os elementos mais arquitetônicos.
ri.;; ro r lr : rr rl l rixr )lj, cornijas e emolduramen- O mobiliário não se destina ao confoÍ1o convencional, nem à especiali-
rr .lr rl rt; r ; r jr r: ;ll xtsicão de materiais e car-
11
zaçáo funcional: adquire, por si, um valor artístico e arquitetônico,
1,, urvtt lirlo lr jrrrrta refundida - Como o transformando-se em um outro elemento-chave do "sistema". Por isso,
rlrlor:: ;, ll rr;rkrvilirr a rnatéria, assim trans- ainda que sejam poucos os móveis, é evidente que lVies van der Rohe
'Irri l;: i; r, nri ri llr; ur rk,. peso. Seus muros em não os negligencia. lVais do que isso, desenha-os com precisão. E não
. r;|I I)l ltirllrrItl() tlnlíl oxperiênCia de matéfia matéria em só os desenha, mas também os concebe com precisão, Assim, pro-
l (
lr r: i, I rr rr rr lol I r 1 x xxr proprio. Suas qualida- jeta alguns móveis, aproveitando distintas circunstâncias, e deixa de
l( { ) ; r{ ) lr; r1 rlir;o: r Íos estão aí pela beleza do
Íazé)o quando entende que o programa já está completo: o mundano
, 1
x :l; r rr rol r rol i; I ( lt to ativam. não necessita de muitos pertences, nem os quer. Contudo, sabe que
Irrr; rIr ltor izor tllrlirlade. Na organização em sua casa, no espaÇo de sua intimidade, necessita desses poucos
lr: .lrlrrr ,r1r tnl;r r:l; r:;r;it;Lr por SeU inverSO, O e sábios objetos, desse número reduzido de elementos eleitos que, em
N; rihrr rrit li t(.;; t(), onl clue, atraves de uma sua beleza e pedeição, acolhem-no e o ajudam a desenvolver seu pro-
lrlr,r rr :;c rrr rr; rlrtt rrit rosidade uniformemen- jeto proprio de vida.
r' , ( 'r .l ); l{.:( )t i, I )l ll (
1t ttl l;fl tfans- Basta que nos perguntemos acerca da postura que a poltrona Barcelona
rt ltr .;rl r)nl llli r litrtclriat hori- requer, para entendermos em quem se pensava ao desenhá-la, e porque
r r r( ll lt\/i rlr :l tr;i; r r I; r itllttrtr dos ela se encontra nas áreas de reunião, sempre diversas, que flutuam
, r, , .ll lor ; lt tt k r il ;l ;r I rx;ta pre- naqueles salões: é a postura do bom proseador, o justo equilíbrio entre o
l, r ltv; t rl; t: l r:; l;;l; lxilio, nos que a convenção impõe e a comodidade pede, um prod(gio de elegân-
tt t(r(l; t:,tttrnlti; t,;l;t ;ittt corno
cia emundanalidade. Ainda assim, não foi só a ideia dessa postura
rlr , li,rtr r[rt lr, :;oiltl)re CorTl aristocrática o que prevaleceu na hora de resolver aquela peÇa. Há nela
I l{ r', I )ti ,í )r o llttttbétTl
i ( ) lcloI t,
também uma aspiração de distanciar-se de uma submissão literal aos
, r,{ ,r:, lr r; rlr rr i; ri: jur ;ltrllo:;los. padrões ergonômicos funcionalistas, no que se refere não apenas à qua-
r pela nogaÇão total e sistemática de qual- lidade que materializam, mas também aos recursos compositivos empre-
r urna imagem não de leveza, mas de indi- gados para tanto. Nas medidas que contêm o volume desta poltrona -
/ê1, junto à iluminação e à simetria horizon-
altura = 760 mm, largura = 750 mm, profundidade =754 mm -, um cubo
;ontradltório provocado em quem se move levissimamente retificado, portanto, podemos apreciar de novo uma
sfelto de oncontrar-se em um templo, em tr distância -
uma recusa, se preferirmos - da banalização positivista do
olado, porém, à convicção de que o que tal conforto. As proporções da poltrona BarGelona são determinadas pela
r 0lguma, mas, sim, o advento do homem satisfação de uma outra qualidade, a aspiração à beleza e à perfeição, o
to, corno sujeito. Algo que Nietzsche soube que iguala esta peÇa às esplêndidas obras de arte, também poucas e
lur cler Roho soubo materializar. escolhidas, que acompanham a solitude do mundano e mobíliam, sem,

JZ
no entanto, aquietar, a sua consciência. O movel alcançou, em lt/ies van
der Rohe, um novo estatuto: o daquilo que é concebido, disposto e
fruído como uma obra de arte.
O conforto passou, de sua convencional formulação moderna - o fun-
cional-, ou da sobrecarregada imagem do interior burguês, a ser soli-
citado como algo inerente à condição artística e à busca da perfeição.
Um conforto espiritual, portanto, destinado a satisfazer tão-somente conÍorto espiritut
àqueles que entendem sua própria existência como a construção de
uma obra de arte, àqueles que, como Nietzsche - assim como expres-
so no tÍtulo da obra de Riehl- reúnem em si mesmos as condiçÕes de
pensador e de artista.
Talvezjá seja conveniente desvelá-lo: através desta incursão pela Casa
com três pátios descobrimos a forma de conceber um programa com-
pleto do habitat quase um método de proleto com o que, partindo de
um novo sujeito, pode-se construir um "sistema". Um sistema cujos
momentos essenciais são bem distintos dos tópicos mais conhecidos
e divulgados - estrutura reticular, vidro, cobertura plana... Sua relação
com a cidade e com anatureza, sua forma de conceber o espaÇo e as
técnicas para torná-lo presente, sua temporalidade, sua materialidade,
sua cultura objetal compõem um cúmulo de momentos decisivos nos
quais também se resolve este sistema. Mas não havíamos tomado
consciência ainda de até que ponto, neste complexo programa de
construção do sujeito e da casa, [vlies van der Rohe estaria realizando
um auto-retrato, oferecendo a sua propria pessoa como proleto.
Somente nos damos conta disso ao olhar as fotografias que o mos-
tram ora visitando as obras da Casa Tugendhat, ora sozinho em seu
apartamento. Compreendemos, aí, a razáo mesma de sua opção pela
solitude, de seu apaftamento berlinense, da importância daqueles pou-
cos livros que levou consigo aos Estados Unidos, da lareira, do quadro
de Klee, da escultura de Picasso, do vazio, do mínimo com o que se
fez acompanhar em sua vida: é ele mesmo que se constroi através
deste proleto. E o faz renunciando a toda a moralidade moderna, a
toda a convenção de seus programas e princípios, a qualquer pater-
nalismo social, entregando-se, plenamente e em suas limitações, à
obra de arquitetura, atentando para a dureza sem mediaçÕes dessa
entrega, um autêntico exercício de proleção do eu no espaÇo privado.

34
'r tr I ( )llt( )\/r ,l , tlr:, 11.,,, l, ()l It [VliOS Van
t, 11
Essa prâica, porém, não se esgota em absoluto no jogo da proleção, em
l, rr ;r trlr , ( ll l{, r | ( r( )t t( r( )l )i( kr, rlistrlOSto e
seus aspectos autobiográficos. O que há aíde verdadeiramente revela-
método dor é a fecundidade do método, as possibilidades, nesse projeto, de uma
Inclonal Íormulação moderna - o fun- reubiquação dos objetivos da casa. O interesse, para uma teoria do pro-
1ag6rl] do lntorior burguês, a ser soli- jeto, da reflexão sobre o sujeito produto da proleção pessoal, mas tam-
-
llçâo artÍstica e à busca da perfeição, bém das elaborações próprias da filosofia antropológica -, de um ques-
dostlnaclo a satisfazer tão-somente conforto espiritual tionamento da dicotomia público/privado em relação às práticas sociais
rltr oxistôncia como a construção de desse sujeito, de um enfrentamento dos vínculos do espaço com o
runo Nlotzsche- assim como expres- tempo, com a memoria, com a subjetividade e a técnica - com os sabe-
norn em si mesmos as condições de res positivos, com a cultura material de uma época.
Se queremos modificar nossa forma de pensar e de projetar casas,
-kl: otravós desta incursão pela Casa parece imprescindÍvel modificar, em primeiro lugar, os critérios taxionô-
critérios
'rlo do conceber um programa com- l;rxionômicos micos existentes, procedendo a uma distinta ordenação da experiên-
kr cio projoto com o que, partindo de cia, priorizando os aspectos relativos à construção dos diferentes sujei-
uir urn "slstema". Um sistema cujos tos com os quais se relaciona o espaÇo privado - e quiçá o espaÇo
stlntos dos tópicos mais conhecidos público -, permitindo uma redescrição da casa, do espaço privado, dos
vldro, cobertura plana... Sua relação múltiplos e confusos ideais que se associam a ele, identificando cate-
ua Íorma de conceber o espaço e as gorias, léxicos e saberes operativos. Durante esse tempo em que "habi-
Ja temporalidade, sua materialidade, tamos" esta casa, pudemos observar como a filiação convencional à
cúmulo de momentos decisivos nos ortodoxia moderna deu lugar a uma outra, inteiramente alheia ao posi-
stema. lt/as não havíamos tomado tivismo moderno. Nietzsche habita a casa tanto quanto o próprio lVies
:nto, nesto complexo programa de van der Rohe, ambos encarnados em Zaratustra, e sua presença única
Vlles vander Rohe estaria realizando terá transformado completamente os modos de pensá-la, de construí-
rua própria pessoa como projeto. -la, e de habitá-la. "Somente através do conhecimento filosofico reve-
ao olhar as Íotografias que o mos- lam-se a ordem correta de nossas tarefas e o valor e a dignidade de
asa Tugendhat, ora sozinho em seu nossa existência", escreve Mies van der Rohe, neste estilo aforístico
',
a razão mesma de sua opção pela devedor do de Nietzsche - que caracleriza seus breves artigos. Com
-
tsnse, da importância daqueles pou- isso, Mies van der Rohe opõe-se frontalmente ao método cientÍfico
stados Unidos, da lareira, do quadro positivista - concebido ele mesmo como uma "superação" histórica da
do vazlo, do mÍnimo com o que se e devolve a subjetividade, ao pensamento filosofico, um papel
filosofia -
rlo nrosmo qus se constrói através crucial no proleto da casa, um papel que o século, em seu transcurso
o a toda a moralidade moderna, a árduo e imprevisÍvel, veio implacavelmente resgatando, fazendo surgir
mas o princÍpios, a qualquer pater- e emergir formas de pensar e de habitar a casa que têm investido dire-
lnamsnto o om suas limitaçÕes, à tamente contra o objetivismo cientificista moderno.
,ra a duroza sem mediaÇÕes dessa As casas que visitaremos neste texto - a casa fenomenologica, a casa
proleçtlo do ou no espaÇo privado. do pragmatismo e a do pos-humanismo, a do freudiano-marxismo con-

:t4 35
testador e tantas outras experiências a que, com maior ou menor acui-
dade, pudemos assistir - têm constituído a si mesmas como uma crÊ
tica ao desdém positivista pela subjetividade como matéria criativa,
manifestando, assim, seu débito manifesto para com Nietzsche, e tam-
bém Mies van der Rohe. Este, com certeza, soube detectar as carên-
cias do projeto moderno, bem como os modos através dos quais a
arquitetura deveria pensar a si mesma se quisesse escapar ao restri-
tivo marco que a ela se impôs. Pouco, ou muito pouco, de seu esforço
foi compreendido até recentemente por uma crÍtica cegada pelo feitiço
de um momento internacional aparentemente unidirecional, uma crÍtica
apanhada ela mesma no universo ideologico que pretendia historiar e,
portanto, incapaz de alcançar um distanciamento objetivo mínimo.
As recentes revisões da figura de tr/ies van der Rohe destacam quan-
Ia riqueza deste século tem sido velada e desfigurada por esta miopia
crÍtica e historiográfica. O mesmo encontraremos se nos remetermos à
maneira com que a casa tem sido estudada na modernidade, aos
manuais modernos sobre a casa, à maneira com que geraçÕes inteiras
de arquitetos têm sido treinadas nessa ficção de ter que resolver uns
problemas objetivos.
O fato de, neste texto, visitarmos inicialmente a casa-pátio de lVies van
der Rohe não é um mero acidente, mas um ponto de partida para
aprendermos a esquecer essa concepção da casa, adotando, em seu
lugar, uma outra predisposição. Seu testemunho permitir-nos-á identi-
ficar os momentos-chave, as perguntas que deveremos nos fazer se
quisermos avanÇar de maneira proveitosa. E através dele que se reve-
lou útil esta taxionomia, uma classificação que indaga o pensamento
contemporâneo sobre suas idealizaçÕes da casa e reduz a casa posi-
tivista a uma entre muitas opçÕes, enquadrada dentro da pluralidade
radical do século.
rr:l )í rt t( )t l(;i; []iI (
l( to, com maior ou menor acui- Heidegger em seu refúgio: a casa existenciarista
lct n r;ot rtlilrtirkr ir si rlesmas como uma crÊ
rl;r 1nl; r rjclivirltrde como matéria Criativa,
:rr rl

r r lr :l rilo rru rniÍ«l;l«r [)itra com Nietzsche, e tam-

I r;lr:, r;or)r r;olczir, soube detectar as Carên-


r. lrcr rr (j{)nt() ()ri nto(jos atraves dos quais a
;l ;r :;i nt(): it ni rr;c rlttisesse escapar ao restri- ú
Irrl rr )l; I '( )r t(i(), ()t I rrrttilo pouco, de seu esforÇo
r :r tlr rnlcr rlc 1 rot utlit crítica cegada pelo feitiço
torr; rl rr1 r; rrll rlctncl )l(-. ttrtidjrecional, umacrítica

r lr rivlt :ur irkxrlr'r<;ir;«r que pretendia historiar e,


i rr(.,:; u l rrrr r lillllrrrr;ilrrrronto objetivo mínimo.
l;ryr l:rtl:N/iol; viu) dcr Rohe destacam quan-
llr rr,.iri,r vr:l;rrllrc rklr;Íigurada pof esta miOpia
) l tlI ;n tr ) í )t t( i( )t tltlrrciltos Se nos remetermos à

rr ,; I llt lr rirkr ol;lrrrlil(Ja na modernídade, aos


r ) ;r (;; r:;i r, i l n ll l rciri r t;r)tll que geraÇões inteiras

Ir lrr u rr l; l: ; I t( :: i: ;; r Íir :r.;l tt I de ter que resolver uns

lsitarmos inicialmente a casa-pátio de l\rlies van


Bro acldento, mas um ponto de partida para
)r essa concepÇão da casa, adotando, em seu
)oslÇáo, Seu testomunho permitir-nos-á identi-
/ê, as perguntas que deveremos nos fazer se
ransira proveitosa. É através dele que se reve-
Lrma classlÍicaÇão que indaga o pensamento
uas idoalizaÇÕes da casa e reduz a casa posi-
0s opÇÕos, enquadrada dentro da pluralidade
A cabana de Heidegger em Todtnauberg, na Floresta Negra.

§
lrlr,r {)r r Iorllrr;rrrlx;rr], na Floresta Negra.

tr'
.i-

§
-!*.*

'..§ t-
r'! . .,1
l
:3-
§. §'e
§
I
s{q

I l

,,, ir

t-
Heidegger à porla da cabana, carregando um balde de água. rtn€il

tiH
IfI c
I

,!
lT
{

l,'
-l

' -'^l
b

t
Lr I
- t

tu
f#
É*
i{' §*
rr
e \t t !
à porta da cabana, carregando um balde de água.

III
f,rl
TTI

Fr
a

i,
,,
lli
it'
l.i
i:
Gr,

.q'
'-, , ,

ld'lL

Bi,
Jr"
L
t
-{

,,w

r
),:.%:

C1

FIE
J
D!'z ffi
\ 1

:i,
§:
{ §

!
I ;
t;.,,,....

"tt

/ 7
I

*§* ra
§

l
"Sobre a vertente de um extenso vale rodeado por montanhas, na
porção sul da Floresta Negra, a uma altitude de 1 150 metros, ergue-se
uma pequena cabana de esqui. Suas medidas em planta são 6 por 7
metros. O telhado, baixo e inclinado, cobre três cômodos: a cozinha,
que também é sala de estar, um quarto e um estúdio. Salpicados ao
longo da estreita base do vale e sobre a encosta íngreme, dispõem-se
as casas dos lavradores, com suas grandes cobertas suspensas. Mais
acima da encosta, os pastos e os prados dão lugar aos bosques, com
seus abetos escuros - valorosos e alinhados. E, acima de todas as
coisas ali, abre-se um céu claro de verão, e, em sua radiante expan-
são, dois falcões planam descrevendo amplos círculos." Com este
parágrafo, Heidegger inicia seu texto "Porque vivo nas províncias", uma
argumentação contra a vida inautêntica e desenraizada das cidades,
escrita semanas depois de sua desvinculação do partido nazista, e,
portanto, não tão inocente quanto o seu tom - mais proprio de Heidi, do
que de Heidegger - incita-nos a pensar. Será esta pequena cabana a
casa que visitaremos agora, na certeza de que seu atento estudo não
será insubstancial.
Habitar, para Heidegger, não é um ato simples, nem insubstancial. Seu
pensamento existencial está estreitamente vinculado, especialmente a
partir da "Cafta sobre o humanismo", escrita em 1947, ao tema meta-
forico da casa, que se apodera de seu próprio sistema filosofico até
com ele identificar-se: "A linguagem é a casa do Ser. Em seu lugar, o
homem habita". A casa servirá ao desenvolvimento de uma retorica
arquitetônica capaz de deslocar a linguagem da Íilosofia, num procedi-
mento que levará a filosofia a ser um pensamento sobre a habitação.
Este pensamento, originalmente vinculado tanto à fenomenologia de
Husserl quanto ao niilismo de Nietzsche, terá partido de um empenho
em retornar às perguntas primeiras, em perguntar-se sobre o sentido
do ser, do "ser-aÍ" (Dasein), como objeto primeiro e essencial da filoso-
fia. Para Heidegger, esta questão ontológica não pode ser resolvida
sem que se reconheça que, ao redor deste sujeito existencial, gravita
tudo aquilo que lhe é familiar, os utensílios e a casa como a materiali-
zaçáo de uma vida que se desenvolve através de um tempo existen-
cial, não cronológico - passado, presente e futuro experimentados a
partir da propria subjetividade, O sujeito permanece, assim, atravessa-

44
(xtoilso valo rodeado por montanhas, na
do por este tempo existencial e este marco familiar e utilitário que o
Jra, a uma altitude de 1150 metros, ergue-se definem. It/as está aí, em um mundo que nem sempre é solícito, frente
osqui, Suas medidas em planta são 6 por 7
ao qual sente uma certa angústia que o impulsiona a compreendê-lo,
a lnelinado, cobre três cômodos: a cozinha, para nele se projetar. A casa deste sujeito que se interroga sobre si
tar, um quarto e um estúdio. Salpicados ao
mesmo ó, assim, algo mais que um marco neutro: nela habita quem
vulo o sobre a encosta íngreme, dispõem-se
pensa a si mesmo, e este pensamento, por sua vez, é que habita a
lorll suas grandes cobertas suspensas. Nzlais
casa. A casa, a construção da habitação, não é tanto uma metáfora,
()s e os prados dão lugar aos bosques, com
mas o sujeito mesmo da filosofia existencial. Nela se pode exercer o
rlorosos e alinhados. E, acima de todas as
autêntico habitar, a plenitude do ser. A casa, contudo, não é um marco
r r:laro cje verão, e, em sua radiante expan-
inocente, imune ao reflexo de nossos conflitos, é o lugar do íntimo tanto
rlosc;relvendo amplos cÍrculos." Com este
quanto do inóspito, um espaÇo de alienação que vela ou esconde um
rir-ru [c;xto "Porque vivo nas províncias", uma
desarraigamento, uma incapacidade para o pleno exercício do ser-aí.
da inautêntica e desenraizada das cidades,
Não apenas na modernidade, mas nela de forma especialmente inten-
o sua eiosvinculação do partido nazista, e,
éá, àste desarraigamento, esta inautenticidade do marco existencial
quantc-: o seu tom - mais próprio de Heidi, do
exacerbou-se à medida em que se desenvolvia nossa capacidade de
,nos a pensar, Será esta pequena cabana a
ação mediante o avanço do conhecimento e o uso abusivo de nossa
l, na cortoza de que seu atento estudo não
técnica. Repensar o ser, retornar às origens da filosofia; repensar a
casâ, voltar a interpretar seu sentido existencial: trata-se, então, de um
1o ó um ato simplos, nem insubstancial. Seu
único trabalho, de uma mesma tarefa, com o que necessariamente se
tá ostreitamente vinculado, especialmente a
confronta a alienação tecnologica moderna.
rfitanisrno", escrita em 1947 , ao tema meta-
Este discurso - em grande medida uma argumentação contra a moder-
oclora de sou proprio sistema filosófico até
na banalização do pensamento sobre a casa e seus habitantes - exer-
lnguagem é a casa do Ser. Em seu lugar, o
cerá uma influência decisiva nas revisÕes da modernidade que surgem
orvlrá ao desonvolvimento de uma retórica
no final dos anos sessenta, a ponto de se tornar obrigatório, para a
ilocar a linguagem da filosoÍia, num procedi-
compreensão de nosso tempo, demorarmo-nos em uma visita detida e
r a sor um ponsamento sobre a habitação.
minuciosa a esta cabana. Situada em Todtnauberg, na Floresta Negra,
rnonto vinculado tanto à fenomenologia de
foi cedida a Heidegger pela Universidade de Friburgo como um dos
çlo Nietzselro, terá partido de um empenho
benefícios do cargo de reitor que ocupara em 1933, na mesma época
prirnohes, om perguntar-se sobre o sentido ri
em que lVlies van der Rohe trabalhava intensamente nas casas-pátio.
, eorro objeto primeiro e essencial da filoso-
Somente através deste pequeno refúgio poderemos reconhecer, em
qrrostao ontológica não pode ser resolvida
toda a sua complexidade, a presença da casa existencial.
o, arl rodor deste sujeito existencial, gravita
São três as principais motivações que Heidegger nos fornece para apren-
lrtr, os utensílios e a casa como a materiali-
der a habitar e a possuir espiritualmente esta casa: em primeiro lugar, a
r rielsernvolve através de um tempo existel-
conhecida palestra em que se desenrola uma sistemática investigação
ssodo, presonte e futuro experimentados a.
etimológica sobre o significado do vocábulo bauen (construifl; em segun-
rclo. O sujeito permanece, assim, atravessa-
do lugar, uma imagem heurística surpreendente, a de uma ponte, descri-

44
45
ta, na mesma conferência, com o intuito de nos ajudar a interpretar o sig-
nificado de sua idéia sobre um habitar autêntico; em terceiro lugar, uma
reportagem gráfica que nos permite conhecer não apenas a casa da
Floresta Negra, como também a maneira com que Heidegger ali se ins-
talou e habitou. São esses três momentos, portanto, que compõem os
principais passos do percurso que vamos iniciar. [t/as Heidegger não
está sozinho nesse trajeto da crítica existencial ao pro1eto moderno.
Simultaneamente, um influente arquiteto berlrnense nega-se a seguir os
dogmas da modernidade, seja em sua versão expressionista, seja em
sua versão sachlich, e a entender a tradição como algo meramente rea-
cionário. Heinrich Tessenow - significativamente recuperado pela crítica
proÍissional, nos anos setenta, como uma referência crucial contra os
epígonos modernos - desenvolveu um corpo teórico completo, num
grande paralelismo ao propugnado por Heidegger, em vários tratados
cuja singeleza também amiúde confundiu-se com inocência.
Não há inocência alguma no fato de que seja uma investigação etimo-
logica, a origem, o que Heidegger utilize para desenvolver sua argu-
mentação na conferência "Construir-habitar-pensar", proferida no investigação
Darmstádter Gesprâch, em 1951 , aos arquitetos que estavam destina- etimológica
dos a reconstruir as cidades alemãs no pós-guerra. Frente ao utilitaris-
mo e ao tempo finalista moderno - uma concepção de mundo que se
apoia na fé em um futuro de progresso que daria sentido às ações pre-
sentes -, lVartin Heidegger contrapõe uma crÍtica "radical": uma volta
às ra2es, à origem. E necessário, primeiro, interrogar-se sobre o senti-
do de nossas ações. O que ou quanto construir não é tão importante
quanto saber porque construir, qual o significado original desta açáo.
O que legitima e dá consistência ao pensamento de Heidegger é este
retorno: somente através dele poderemos transÍormar um mero alojar-
-se em um autêntico habitar, e e propositadamente que se utilizam aqui
os vocábulos "mero" e "autêntico", sempre presentes em sua crítica às
conseqüências do uso indiscriminado e irrefletido da técnica moderna.
Bauen, construir, confunde-se, originalmente, com habitar:
"Prestemos atenção ao que a língua, através da palavra - bauen -, diz,
e perceberemos três aspectos:
1. Construir é propriamente habitar. construir
2. Habitar é a maneira como os mortais estão sobre a terra.

46
)oÍn o intuito de nos ajudar a interpretar o sig- 3. Construir, enquanto habitat é empregado no sentido de construir,
tunt lrabitar autêntico; em terceiro lugar, uma cuidar, cultivar, e no sentido de construir, erigir edificações.
s pormite conhecer não apenas a casa da (...) O carater fundamental do habitar este cuidar."
é-

drrna manoira com que Heidegger ali se ins- Assim, "cuidar" seria o caráÍer fundamental do habitar: "os mortais habi-
trôs rnomontos, portanto, que compõem os tam na medida em que salvam a terra (...) salvar não é apenas livrar algo
rrso cilrê vamos iniciar. Nzlas Heidegger não do perigo, salvar significa propriamente franquear a algo a penetração
da erÍtica existencial ao proleto moderno. em sua própria essência. Salvar alerra é mais do que explorá-la, ou até
rrrto arqtriteto berlinense nega-se a seguir os arruinâla. Salvar a terra não é apoderar-se da terra, não é transformá-la
soja om sua versão expressionista, seja em em nossa súdita, o que está a um passo da exploração sem limites."
urdor a tradição como algo meramente rea- Arruinar aterra seria precisamente o que a ilimitada capacidade técnica
r significativamente recuperado pela crÍtica herdada da Segunda Guerra N/undial poderia Íazer - e já o havia feito na
rrta, ooruto uma referência crucial contra os zona militar-, caso não se considerassem outros valores que não os de
orrvolvou Lrm corpo teórico completo, num um positivismo cego. O cuidado aplicado à ação de construir é coadju-
rrrJlraclo por Heidegger, em vários tratados vante de um habitar no qual o "ser" pode se desenvolver. [Vas isto im-
.iclo eonfundiu-se com inocência. plica, antes de tudo, uma con§stência temporal, uma preeminência da
ro Íato clo quo seja uma investigação etimo- dimensão temporal sobre a espacial: é o tempo - um tempo longo, que
:iclogger utilize para desenvolver sua argu- vem de origens remotas, e se estende no cuidado com a terra - que nos
r "eonstruir-habitar-pensar", proferida no investigação permite aceder a um habitar autêntico.
il
r 1951 , aos arquitetos que estavam destina- etimológica Assim, pois, esta investigação etimológica adverte-nos contra a técni-
il
rs alomÉis no pós-guerra. Frente ao utilitaris- ca moderna, exigindo-nos uma relação atenta com a natureza, e opÕe
:clerrno - uma concepção de mundo que se mpo radical ao tempo finalista um tempo "radical", no qual a memória substitui,
.r pro{Jrosso que daria sentido às ações pre- como valor, o progresso, invertendo, por assim dizer, a flecha do
, t;ontrapoe uma crÍtica "radical": uma volta tempo. Uma argumentação que, sem dúvida, vem penetrando na
ss;írrio, primoiro, interrogar-se sobre o senti- sociedade contemporânea, especialmente nos setores mais sensÍveis
o ou cluanto construir não é tão importante às questões ambientais, mas também naqueles para os quais a pre-
rtruir, rlual o signiÍicado original desta ação. servação e a incorporação, ao nosso tempo, da memória de nossos
tôncia ao ponsamento de Heidegger é este antepassados - os monumentos - é um programa de trabalho, uma
lolo petk':romos transformar um mero alojar- forma de entender o significado mesmo da arquitetura, outro dos dis-
I

rr, o dr prôpositadamente que se utilizam aqui cursos contundentes da pos-modernidade.


ôrrtir:r:", sornpro presentes em sua crÍtica às A partir desta perspectiva, a imagem teorica que o filosofo propÕe deste
scrlmlnado o irrefletido da técnica moderna. construir identificado ao habitar náo é um espaÇo fechado, mas, sur-
so, originalmênte, com habitar: preendentemente, uma construção de caráter transicional: uma ponte.
:r tr lhrç;ua, a'través da palavra - bauen -, diz, a ponte de A velha ponte de Heidelberg servirá a Heidegger para explicar como a
: Ir:ti: Heidelberg esta inversão do valor do tempo corresponde também uma modificação
r hn[lllar. construir radical da noção de espaço, já que o que caracteriza a ponte não é
rcl os; mortais estão sobre a terra. tanto a sua espacialidade, mas a sua capacidade de definir um lugar

46 47
tÉivoI r;r 'r r , l,
através do estabelecimento de ligações de ordem não apenas material,
mas também espiritual - é signiÍicativo, por exemplo, que as pontes flp511 ;1 .; 111 1r r rl

grattt k ' tr 'l ', r,


tenham sido sempre, tradicionalmente, consagradas a uma santa ou a
um santo. Terra e céu, divinos e moftais unem-se através da ponte, 6o1,1 11 l,rlt I

compondo a quaternidade na qual habita o ser existencial. quaternidade nlel I t( )il, t ,r r |l


"A terra é a diligente portadora, a florescente frutÍfera, que se estende Coisi t. I ;r 'r r. r r, ,

pelas pedras e pelas águas, ascendendo o que cresce e o que é animal. terrl;lot , tt r, ,, , ,

Se dizemos terra, pensamos imediatamente nas outras três, mas nào rmória, Lugi tt, lt4, r , ,, ,

consideramos a unidade dos quatro. O céu é a curvilínea marcha do sol, rtureza Tetltlro r' 1,, r,

o mutante giro da lua, o viageiro brilho das estrelas, as estações do ano culatt lr t, t rt tr , r ,

e seus solstícios, o alvorecer e o crepúsculo do dia, a obscuridade e a valor r1r t, ,

claridade da noite, a fertilidade e a esterilidade do clima, a marcha das anosi ll{",'rrrl , "
Teriai I l, 'tr lr ,t'r,
nuvens e o azulado abismo do éter. Se dizemos céu, pensamos ime-
diatamente nas outras três, mas não consideramos a unidade dos qua- ârqttiltrll . | '1 1, r,
tro. Os divinos são os mensageiros que fornecem as pistas da divinda- mertltl: ;, I l, r, l, r i

de. Através de sua obra sagrada, o deus surge em sua presença, ou se cabáll trt, , ,t r' l,

encobre em sua ocultação. Se nomeamos os divinos, pensamos ime- falott: "l ', 'r r , '

diatamente nas outras três, mas não consideramos a unidade dos qua- Negrlt, íll lr!lr 't I

tro. Os mortais são os homens. Denominam-se mortais, porque podem foi err;tttr l,r r,,,,',

morrer. N/lorrer significa ser capaz da morte enquanto morte. So o céu, rlivtt r, , , ,

homem morre continuamente, ainda que permaneça sobre a terra, sob prototlirl,r,l, ,,,,
o céu, ante os divinos. Se nomeamos os mortais, pensamos imediata- êlâ Lttn l.ll r r, I

mente nas outras três, mas não consideramos a unidade dos quatro. naÇa(), :,t t"l, r,,

A esta unidade chamamos quaternidade. Os mortais estão na quater- habititr.;; r( , i , ', 't' '

nidade enquanto habitam. O traço fundamental do habitar é o cuidar. neglit;ct t( t,I r , '

Os mortais habitam à medida em que cuidam da quaternidade em sua comttttil,rrr,r ,,


essência. Assim, o cuidar habitando é quádruplo." nascitttltr1,,, l,
e, ast;itr, .,
Q espaço, tal como o entendem os modernos, não é mais do que
I

antellli l(),r,ir, !'


extensão matemática e algébrica, a res extensa cartesiana, que não é
propriamente o objeto, nem a atividade de construir, nem a de habitar. próprio t ll lr rl i ,

andaitttr r: , r '!l r, l, , ,' !

A construção de lugares ergue-se no caráter próprio do ser existencial,


Temol; ir( lr rt | ,,
lugares como a ponte através da qual se vincula o destino dos mortais ,

ao da terra e do céu. Elfridqo, rr,rr, I

Mediante esta decisiva palestra - que tiveram que ouvir, seguramente âI.)OS tI11 r,
'

atônitos, arquitetos prontos a explorar todo o potencial do movimento mentol; llv, ,lr r,

moderno, justamente quando a situação historica tornava quase inevi- cruzatl )r ,, r r. | ,, ,

49
48
ílÇ(xrÍi do ordem não apenas material, tável seu desenvolvimento em larga escala -, Heidegger introduziu um
'ioativo, por exemplo, que as pontes deslocamento de interesses e um léxico que lentamente viria a ter uma
lonte, consagradas a uma santa ou a grande repercussão. O "Espaço-Tempo" de Siegfried Giedion, enuncia-
r rnortais unem-se através da ponte, do em 1941, foi totalmente posto em dúvida: invedeu-se o tempo e a
rl habita o ser existencial. quaternidade memória ocupou o lugar do futuro, o espaço já não servia para grande
r floroscente frutÍfera, que se estende coisa, Seriam estes lugares da quaternidade a devolver ao homem con-
rclondo o que cresce e o que é animal. temporâneo a dignidade que a técnica contraposta à nalureza eliminou.
rliatamonte nas outras três, mas não h11lirr, memória, Lugar, Memória e Natureza contrapunham-se frontalmente a Espaço,
ro, O céu é a curvilínea marcha do sol, natureza Tempo e Técnica, pela primeira vez de uma forma completamente arti-
riltro das estrelas, as estações do ano culada, num giro que abarcaria praticamente todas as mudanças de
ruopúsculo do dia, a obscuridade e a valor que se sucederam no panorama arquitetônico desde o final dos
do clima, a marcha das
r u..itorilidado anos sessenta ate hoje.
tor, So dizemos céu, pensamos ime- Teria Heidegger proposto algum modelo, implícito ou explícito, àqueles
rit-rconsideramos a unidade dos qua- arquitetos? Diante do imenso programa de trabalho que tinham em suas
,ri que fornecem as pistas da divinda- mentes, Heidegger convidou-os a observar atentamente a minúscula
o cleus surgo em sua presenÇa, ou se cabana, onde terminara de escrever em 1 926 Ser e tempo, e assim lhes
)rr)earnos os divinos, pensamos ime- Íalou: "Pensemos por um momento em uma casa de campo na Floresta
iio considoramos a unidade dos qua- Negra, que um habitar, embora rural, construiu há dois séculos. A casa
rnominam-se mortais, porque podem foi erguida num esÍorço de instalar univocamente, nas coisas, terra e
x eJa morto enquanto morte. Só o céu, divinos e mortais. E foi situada na vertente da montanha que está
rlo quo p@rmaneÇa sobre a terra, sob protegida do vento, entre as pradarias, próxima à fonte. Desejou-se para
'Ilos os mortais, pensamos imediata- ela um telhado com um grande beiral, que, com sua adequada incli-
ronsidoramos a unidade dos quatro. nação, sustém o peso da neve e, avançando até embaixo, protege a
rriclaclo. Os mortais estão na quater- habitação contra as tormentas das longas noites de inverno. Não se
lu hrrrciarnontal do habitar é o cuidar. negligenciou o nicho paraa imagem do nosso Senhol detrás da mesa
rlrto cuidam da quaternidade em sua comunitária, arranjaram-se os lugares sagrados para os momentos do
1o é quádruplo." nascimento e da 'áruore da morte', que é como se chama ali o ataúde,
os rnodornos, não é mais do qqe e, assim, sob o telhado, às distintas idades da vida imprimiu-se, de
a ros eixúonsa cartesiana, que não é antemão, o lacre da sua passagem pelo tempo. Um ofício, surgido ele
lrlacle c1o construir, nem a de habitar. proprio do habitar, e que necessita, além disso, de seus instrumentos e
no c;aráter próprio do ser existencial, andaimes enquanto coisas, construiu a casa de campo."
lrirl r;o vincula o destino dos mortais Temos agora o privilégio de vê-lo habitar esta casa junto à sua mulher
Elfridge, na repoftagem fotográfica realizada por Digne lVleller lVlarcovicz
r;r rc livr )tiun (luci ouvir, seguramente anos depois, em 1968 - curiosamente um mês depois dos aconteci-
ot;u lrxkr r» lxllencial do movimento mentos revolucionários em Paris. Podemos ver Heidegger ali, de braços
ul rr,r; ro ltil;l«rt ir;a tornava quase inevi- cruzados, cravando em nós o seu olhar enquanto sua atenciosa espo-

48 49
sa prepara uma sopa. Ao olharmos para ele, vemo-nos obrigados a nos É pro, ,,',, ,, ,,

perguntar quem é o sujeito que habita a casa existencial. A quem, afinal, g[atll tltv, rr r ,, , '

esta concepção doméstica privilegia? Podemos vê-lo também à porta Caçar I rl,r
da cabana, carregando um balde de água, ou saindo para um passeio quanlo rl,r I '

pelos arredores. E sentado à mesa, de novo atenciosamente servido por inverttr ), r lrr rt i

sua esposa, embora, numa atitude clássica de pensador, olhe para de Ilt:vr ' ,,t ,

ela distraidamente. Enquanto o contemplamos, entendemos que quem I lllttr de inverno, temp( ) | r'r l, .rl

sustenta estas concepçÕes de tempo e de espaço não é outro, nào I tompestade de nrtv, ', ',tl
pode ser outro, senão aquele que detém a autoridade, aquele cuja de neve tante r'. .t, ,,
existência constitui-se como um diálogo com a quaternidade, a figura todo o r,,,r r

mesma do filosofo transmutada na figura da autoridade paterna. N/lark autoridade paternl bem trt( 'l,rl, r ! !.
Wigley o descreveu com tanta precisão, que sua descrição poderia ser granrkr r t, I r, l,
a legenda de uma foto: "o domínio da filosofia é o domínio da casa, a estáor,rl,r, !.
autoridade patriarcal que torna o outro um escravo dentro da casa, um Ülllncla: relação Arelltt..,;r, ,,,,'
servente doméstico, o servo da domesticidade." llm e natureza e estarit rr rl,
Quem habita a casa é aquele que domina a linguagem, aquele que cons- oom a cidade Íigura r r( 't rlr rl , I

troi seu pensamento através dela. Porém, além de qualquer outro argu- a Pfelr( )l )r , r I ri'
mento, do intento radical de Heidegger de superar a metaÍ'rsica, há em sua totaltttct rl,,
concepção doméstica uma nostalgia desse sujeito centrado e dominante consltr)l,rr | !

que constrói a casa ao habitá-la, do mesmo modo que o filosofo constrói, do" a r1rr, ' I

com o seu pensamento, a casa. O sujeito da casa existencial não é outro CO[[eS]l tr rl rr l, '

senão aquele que herda a propriedade e os bens de seus pais, e os admi- espar;i; rl , l, r

nistra com prudência para transmiti-los a seus filhos - que se constitui, ,l ,'
assintYlrg,
portanto, como uma "ponte". Esta submissão do sujeito à quaternidade, oud0tttrr, r,
à terra e ao céu, em um completo esquema vertical - em que se fixa a esquema vertical diciorurr: ,,1 | ,:

existência enraizando-a, e em um lugar -, expressa com nitidez a posiçào reunião t l, t l, trr',t, ,

de quem tradicionalmente detém a autoridade, o pater familias. Cafáter y1 r1 l1r rt , .

Ou, mais exatamente, expressa a nostalgia pela consistência que nostalgia da pOrtar)l( ), ( I rr I r' '

outorgavam, ao habitar, essas relaçÕes - não nos esqueÇamos, no consistência Íâdo littttlt r r, , ,i'

caso da cabana de Heidegger, de que se trata de um imóvel cedido, e Íiâ, cot tto ttr r, ,

não herdado, de uma casa de campo, e não de uma residência Íixa, tico,t-'(ltlr r , ',,
e de que ninguém ali trabalha na terra, apenas passeia por ela. integrl tlt rrlr rl, I

A casa de Heidegger é a manifestação dos conflitos existenciais com A CaSt r Í'r lL I

o tempo, aquilo que, simplificando, denominamos nostalgia, o produto inclentlt rr r, r, I

de uma idealização da densidade e da solidez do passado Írente à nO e d() l,l ll rt


'r
l,' ' ''
banalidade do presente. § 119111.;, 1o rl r

50 51
)ll ri l l l( )r i Í)itra ele, vemo-nos obrigados a nos E precisamente esta nostalgia por uma forma de instalação no mundo,
1r rc I l rlril;r a casa existencial. A quem, afinal,
rr
gradativamente eliminada pelo século, o que ativa todo o poder de evo-
;r;rr ivilcrlirr'/ Podemos vê-lo também à porta
caÇão da casa existencial. O refúgio do mundo, e do público, tanto
rr I r rk k r r lc ii1;ua, ou saindo para um passeio quanto das forças da natureza: "...na profundidade de uma noite de
,,r l l( ii t, t ic novo atenciosamente servido por
):
inverno, quando uma selvagem, estrepitosa e raivosa tempestade
nr ;rlilrrrlrt r;lássica de pensador, olhe para de neve envolve a cabana, escurecendo e encobrindo tudo: este é o
rlo r r r ror tlot rr1;lamos, entendemos que quem tempo perfeito para a filosofia." A noite de inverno, a forte tempestade
I nolto de inverno,
r; rlrr lcr ll)o e de espaço não é outro, não t tompestade de neve, simbolizam o momento culminante da relação entre o habi-
lr lr llc
(llrc rlolem a autoridade, aquele cuja
de neve tante existencial e a natureza, momento em que a casa aparece, em
rt( ) lIil com a quaternidade, a figura
rli; rlo«;o
todo o seu esplendor, como reÍúgio, como abrigo protetor. São tam-
rl;rr l; r nr r lirlrrrii da autorrdade paterna. IVark autoridade bém metáfora da relaÇão desta casa com a nalureza artificial que é a
rr rlrr 1rr cr;ir;i ro, que sua descrição poderia ser grande cidade, das nÍtidas fronteiras entre o público e o prrvado que
rrl rio r il r lilosofia é o domínio da casa, a
r lr ,r
estão na base da concepção deste espaço doméstico,
r; t ( ) ( ir rlro urn escravo dentro da casa, um
)t
llolâttcia: relação A relação com a nalureza, assim como aquela mantida com o público,
zo rl; rrlor rtrx;licidade."
ãgltr rr natureza e estará marcada pela violência. E será esta violência a nos remeter à
'[ rrlr l() t krr |ir rii it linguagem, aquele que ConS- (:om a cidade figura central do pai, da autoridade. Na casa existencial será permanente
,r r rI rl; r. I \rrr':rrr, rtlerl de qualquer outro argu- a presenÇa latente de um esquema hierárquico autoritário, de um habitar
II rrr icr lr 1or r lc l;rrJrcrar a metafísica, há em sua totalmente voltado à proteção do exterior e à primazia do pai. E ele quem
r ror ;l; rlt li; r r k l;l;c :;trjeito centrado e dominante constrói a casa no tempo, é ele quem desenvolve o programa do "cuida-
lr r L r, r I ) utorinto ltodo que o Íilósofo constroi, do" a que Heidegger se refere. E, portanto, razoável estabelecer uma
:i l i; l ( ) :;r rjcilo r lir casa existencial não
é outro correspondência entre este eixo hierárquico e autoritário e a organizaÇào
t o; rt rr rr c ol ; I xr ts de seus pais, e os admi-
il rr lo
espacial da casa em torno de um espaço central. "A casa da fumaça":
r: ;r rrili lrxllr rxrtrs filhos
Ir;rr
- que se constitui, assim Yago Bonet denominou esta tipologia, a casa em torno da lareira
," I :;l;rrr ll rt rrit;l;iur tlo sujeito à quaternidade, ou de um espaÇo central dominante, o hall, próprio das construçÕes tra-
rl r rl r[ rlo ( )r i( l( )t
]r Ilí I vertical - em que se fixa a esquema vertical dicionais do norte da Europa, e que cumpre a funÇão tanto de lugar de
Irr rrr rr h rqr u
oxl)rossa com nitidez a posiÇão
, reunião da famílla, como de centro das reuniÕes sociais, evidenciando seu
lr :lr :rrr ;r rrrrlrrrirllxlc, ct pater familias.
caráter vertical e hierarquizado. Poder-se-ia descrever a casa existencial,
| )rli r r r r rr x;lt lk;it.r pela consistência que
ir :i nostalgia da portanto, como uma casa centrada e vertical, habitada por alguém anco-
r;r ;i I; trl; rt.;ool; ntio nos esqueÇamos, no
consistência rado firmemente ao lugar, por uma família estável, hierárquica e autoritá-
r lrt, r h (
llto l;o lrrla de um imovel cedido, e ria, como uma casa que protege de um meio externo agressivo, inautên-
rrhr r;;unl x), o rriir_i de uma residência Íixa, tico, e que se liga, no tempo e na memória, a um sujeito que se define
ll r;ur; r lr)t r;t, itl x)t tirs passeia por ela. integralmente, por assim dizer, por sua origem e por sua linhagem.
n rr rrír::;l;rr.:tro rkxj conl'litos existenciais com o autêntico A casa é o lugar do autêntico, é o refúgio que protege do exterior, da
Irr;; rrrrlo, rlcr rorlirurrlos nostalgia, o prodUto
inclemência do tempo e dos agentes naturais, mas também do munda-
r r:;ir l; rr lr: c r lt r lxtlidez do passado frente à no e do supedicial, dessa exterioridade sempre concebida como nociva.
A menção da casa nos primeiros escritos pós-guerra de Heidegger, e

50 ct
o tom literário ingênuo neles adotado, são algumas das chaves para a
compreensão do exterior como ameaÇa, da vinculação do tema do
habitar e da casa ao seu intento pessoal de se eximir de qualquer par-
ticipação no nazismo. Explicam também, com clareza, as implicações
desta violência no âmbito público na violência no âmbito privado,
a associação sistemática da casa existencial à autoridade paterna, e a
sua conformação espacial centrada, transcendente, verlical. A violên-
cia da natureza reproduz-se nos âmbitos público e privado, marcando público e
o pulso do habitar existencial. A casa é, assim, a fuga da ágora, do
Íorum, do público (e do partido nazista). E o lugar do "autêntico", onde
a penetração das manifestaçÕes da exterioridade supõe uma dilace-
ração, um obscurecimento da autenticidade.
O autêntico contrapõe-se, assim, a duas maniÍestações da exteriorida-
de: as tecnologias industriais e os meios de comunicação. Não só a
natureza é arruinada por nossa depredação tecnológica: a introdução
do mundo da opinião - o rádio, a televisão, o jornal - no interior da casa
conÍigura uma violência ao habitar, uma regressão do habitar ao alojar-
-se, uma ruptura daquele cuidado da quaternidade. E também determi-
na a irrupção de uma crise no esquema verlical implícito ao sujeito hei- ,1..,i

deggeriano. "A toda hora, em todos os dias, eles estão presos ao rádio
e à televisão. Semana após semana, os filmes os transportam a insoli-
tos, embora freqüentemente vulgares, estados de imaginação e lhes
dão a ilusão de um mundo que não é o mundo. As revistas ilustradas
estão por toda parte. Tudo o que as técnicas modernas de comuni-
cação estimulam, isolam e conduzem, tudo isso está muito mais ime- I
diatamente proximo do homem de hoje do que os campos ao redor de
sua granja, mais proximo do que o céu sobre aÍerra, mais proximo do I
que as nuanÇas do dia e da noite, mais proximo do que as convençÕes t,r
e os costumes de seu povo, do que a tradição do seu proprio mundo." I

O habitar existencial ergue-se contra a cidade moderna e seus imple- I

mentos técnicos, contra aquilo que leva tanto ao aniquilamento da lrl


nalureza, quanto ao esquecimento da tradição: a casa é uma proteção t,,,,
contra a banalidade do cosmopolitismo, e, na medida em que seja
capaz de lutar contra ele, cumprirá seus obletivos existenciais. ,lll'
Talvez seja a hora de voltarmos a H. Tessenow, a seu tratado Trabalho lr r

arÍesanal e cidade pequena, publicado em 1919, e a seu discurso de lr,r,i,

F'
r(l(), r;i r() irl(,rtrnas das chaves paraa ingresso na Academia de Artes de Dresden, publicado em 192'1 sob o
rnr:l r(.)i l, rllr virrculação do tema do tÍtulo O país situado no centro. Ambos dedicaram-se a combater a
,lr ;r ;o; tl rkr l;c exintir de qualquer par- Grosstadt e a exaltar a figura do pequeno artesão médio, sua casa
rrrrlrcr r, corrr cllareza, as implicaÇões modesta, com jardim, hoda e oficina, sua pequena cidade - nem vila,
rr rr; r violirr rciii no âmbito privado, nem metrópole, mas uma cidade média -, sua posiÇão central -
rrri:rlor rr;ilrl ir autoridade paterna, e a Alemanha - no plano da Europa... Sem dúvida, um precedente impor-
l; r, lr;ur: ;r:cr rrJente, vertical. A violên- tante do pensamento de Heidegger frente à modernidade. lmportante
rrrrl rilo: rlrr'rtrlico e privado, marcando público e tanto para a articulaÇão do discurso sobre uma vida autêntica, "um saber
(;l;ir (), ll;r;irn, a fuga da ágora, do verdadeiro", no terreno estritamente disciplinar, quanto pela influência
.'r;l;r) I o Irr;i.rr do "autêntico", onde deste arquiteto no meio profissional (lembremo-nos que, ainda que sua
r cxlr :riorir litcle supÕe uma dilace-
r l; influência, como no caso de Heidegger, não tenha se restringido aos cír-
r,trltr;irItrlr:. culos nacional-socialistas, estes tizeram uso de suas idéias, como é o
, r r hr;r; rrurrrikx;t;rÇÕes da exteriorida- caso de, por exemplo, Albert Speer, discípulo confesso de Tessenow).
r tlrio: r rlc r;orrrur)icação. Não so a No pensamento de Tessenow, a Grosstadi aparece como a origem de
r; rtr:r lr rr.;r rri lcr;nologica: a introduÇão todos os males, já que, desde a industrializaÇão acelerada até o aban-
r r[ rvi: ;; ro, o jor tnl no interior da casa dono das virtudes próprias da classe média ou pequeno burguesa, a
, ilnli lto(ltol;llilo do habitar ao alojar- grande cidade encerrara em si todas as condiçÕes que haviam condu-
r l; I r lr l rlcr rrir ll x le. E também determi- zido ao desastre da guerra.
l( )t irnplícito ao sujeito hei-
lt; r vcr lir:r rl tt teindlichkeit Assim como em Heidegger, encontramos, aqui, uma Stadtfeindlichkeit
"t.il
r: r o: ; r Ii; I;, okxi cstáo presos ao rádio (aversão à cidade) que se projeta sobre a Grosstadt, entendida como
r; r, or ; lilrrrcl; o:i trltnsportam a insoli- expressão pura da irracionalidade de um desenvolvimento tecnologico
il.r r, l: rllrr k xr tle irnaginação e lhes cego. Em contraposição a ela, Tessenow exalta a figura do modesto
;r( ) { } ) rrrr ( tr rr lo. As revistas ilustradas artesão -essa modéstia que é expressão de um saber, de uma vida
r;r: ; ltx;t tir:ll; tlodernas de comuni- autêntica. "Tornaram-se raros os homens com as mãos calejadas, as
,'l| rr, kr it;lxr o:;tá muito mais ime-
lrrr costas encurvadas, e o rosto aberlo e belamente expressivo, e estes
r lrojc r lo r lrro o:l oatntpos ao redor de estão, ainda, situados detrás de nós do ponto de vista do prestígio
) (:rl l:io| rtc;r lr:rra, mais próximo do social...", escreverá, num tom que imediatamente nos faz recordar o ado-
ilt;il:: | )tÍ )xil|(
rltto as convenÇões ) Í lrl tado por Heidegger em A origem da obra de arÍe, no comentário que
rc ; r lt: rr lir.:; ro r lo :x;tt proprio mundo." tece sobre os sapatos do lavrador: "... na escura boca do solado gasto
rlr;r;rr:irll rrlc rrrotlcrna e seus imple- boceja a fadiga dos passos laboriosos. No rude peso do sapato está
llc hvrr llrnlo iro aniquilamento da representada a tenacidade da lenta marcha através dos longos e monó-
t;lt t. uma proteÇão
r r l; r lt r rr lir.;; u r: l r cl tonos sulcos da terra lavrada, sobre a qual sopra um vento áspero."
rlrlt:.nro, {r, l; I nrcr litla em que Seja Encontramos, aí, a mesma finalidade: exaltar a nobreza de um sujeito
t:.r,t t:; {rl r;r:livrr: ;cxislcnCiais. que, com sua tenacidade e em seu trabalho paciente, estabelece uma
l l lc: r: ;ct rt)w, ir rí)u lratado Trabalho relação equilibrada com o meio. Tessenow prossegutrá: "O aftesão pre-
r;; trkrcr rr l1)11), o ir seu discurso de tende sempre situar-se no centro, deseja estar, como trabalhador, nesta

53
posiÇão onde nos encontramos quando realmente somos homens: no
centro do mundo (...). O espírito artesão nos mantém ligados à casa.
E nos faz ter uma terra própria onde fixar a casa, o pátio, o jardim, e a
8il1
ffi$
I

oficina como o lugar central. Uma oficina que armazena nossas fadigas,
preocupaçÕes e tristezas, mas também nosso orgulho, nossas risadas e
I{ ,ll

|r
canções. Uma oÍicina com máquinas não muito grandes e poucos livros
'l(
...e tudo isso no centro da cidade pequena." l: rr , 't,, '

A prosa mais simples e emotiva de Tessenow transporta-nos imediata- ílt it r rrr, r, ,

mente a um modelo de cidade - a pequena cidade das províncias -, em ltt tt r rrl, l,

que tars Íormas de habitar alcançam sua plenitude. l\/as toda essa (l()llrr, ,

ffi
inocência se desvanece quando ele, clarividente, vaticina sobre o papel
catár1ico da Segunda Guerra, na conclusão de seu tratado Trabalho arle- sittr , l, ,

sanal e cidade pequena: "Na realidade talvez seja ridículo reivindicar hoje mooo {
o trabalho artesanal e a cidade pequena, ou, melhor dizendo, antes que r;rrlturaobjetat carênO{
possam florescer de novo, talvez seja necessário algo assim como uma
'chuva de enxofre'. Talvez seu proximo florescimento seja possÍvel num
esplendor que somente agora podemos compreender vagamente e que
requer, provavelmente, povos que tenham descido até o inferno." A clari-
vidência de Tessenow nesta conclusão apocalíptica é, no mínimo, assom-
brosa: serão os povos que "tenham descido ao inferno" os que décadas
mais tarde reivindicarão o projeto existencial, o trabalho aftesanal e a cida-
de pequena como antídotos contra a irracionalidade do século.
[trlas voltemos agora à casa existencial para nela entrar, e dela conhecer
a cultura material, como se circunstancialmente a habitássemos. O que cultura material
primeiro nos chama a atenção na cabana de Heidegger ou nos desenhos rt r lr,rl
de Tessenow é que não há, ali, espaço para a representação pública, para l l t||1,
as festas, para os convidados, para tudo aquilo que poderia vir a romper
a organizaçáo interna da família e seus codigos estritos. A casa é, assim,
pequenina: um maior tamanho ou qualquer outro sinal de grandiosidade
despertaria apenas receio no habitante existencial. A casa tende, assim,
a permanecer voltada para o seu rnterior, centrada na sala familial tendo 'tificação Ni to ,, ,

ao seu redor células elementares, também de dimensão reduzida, sem ()t:il; 11;

complexidade, nem qualidades espaciais. Poderíamos concluir que a casa (lt,',,1,,


existencial não possui espaÇo propriamente privado, invadida que é pela irrrlLr',1r,,

presenÇa do hierárquico, pelo peso da família como instituição, mas seria ', ,r naturais A r ,r ,r
ainda mais correto aÍrmar que carece de interioridade, da idéia de

54 iil,
( )r i
l t( lo t.oalmente somos homens: no
(
lr li espaço, aqui totalmente substituída pela de tempo - daíessa perpétua
rrilo ;rrlcl;rro nos mantem ligados à casa. negaÇão heideggeriana do espaÇo, sua analogia com a ponte, sua identi-
ilirj
ir r or rrlo lixirr ar casa, o pátio, o jardim, e a ícação do habitar com o construir. O espaço interior da casa existencial
h r; r olir;ir I r (lue armazena nossas fadigas, não é espetacular; os interiores desta casa imaginária têm esse aspecto
; l; rr rrl x'lr r r rrosso orgulho, nossas risadas e convencional, obscuro, e de uma violência latente, que talvez melhor do
rr lrrir l I l ruro rnuito grandes e poucos livros que em nenhum outro lugar podemos obseruar nos interiores de Heinrich
lr rr I r I rr x lt tona." Tessenow, especialmente nesses desenhos que suscitam tanto nossa
rv; rkr lr)rjsenow transporta-nos imediata-
r admiração, quanto uma certa inquietude ou perturbaÇão; um mundo
, il I x x rona cidade das províncias -, em
qr humilde, mas também, segundo nossa percepÇão, doentio, tristonho,
I

r|r :r u rr.;l r 1r r;t ra plenitude. N/as toda essa como se petrificado pela convenção e suas codificações da rotina,
fr'
r h r ck r, r:ll uiviclente, vaticina sobre o papel A casa existencial é o reino do interior, mas não do espaço interior, e
r r; r ( ;( )r r( ;lr rr;i rr r de seu tratado Trabalho arle- sim do homem interior, apegado a um modelo de profundidade em seu
l; rlir I; rr ic ll rlvcz sela ridículo reivindicar hoje modo de se realizar. Por isso, carece de objetos técnicos, ou, em sua
I I )( )(
lr l( )r ti t, oU, rnelhor dizendo, antes que r ultura objetal carência, deprecia-os. A cultura objetal que se desenvolve nessas habi-
vc., :;cjr r rrrx;r;ssário algo assim como uma tações é mínima, e nela há espaÇo apenas para o desenvolvimento téc-
r ;rr oxirrto lkrrcscimento seja possÍvel num nico e para a subjetividade individual de outros habttantes que não
; ror icl r rol; oontpreender vagamente e que sejam o pater familias. Os objetos são da famÍlia, pertencem à linha-
r ;r rc lol tl l rr r r tk;scido até o inferno." A clari- gem, porque seu valor apoia-se na colaboração com o esquema verti-
rt rr .h t: ;l lo ; r1 rr x;iilÍptica é, no mínimo, assom- cal: não são permitidos nem segredos pessoais, nem contradiÇões,
r rl r; rr rr r k r x;ir kr ao inferno" os que décadas nem confofto, nem prazer individual. Contemplemos as salas deste
rlo lxir llcr rt ;il rl, o lrabalho anesanal e a cida- lugar nos desenhos pormenorizados de Tessenow, nos quais se regis-
,r rlr;rrrirrrrr;ior urliclade do século. tra, com precisão caligráfica, tal cultura material. Aíestão os móveis pri-
rt: ;lcr rr:il rl g x rl i rrela entrar, e dela conhecer morosamente conservados, todos eles ativados por objetos que deno-
rr,r rr: ;l;rr rr;ilrlrrrontc a habitássemos. O que cultura materia! tam a presenÇa do tempo, da linhagem, ou da autoridade paterna:
rr; r r ;; rl r; rr rl rr kr I k;idegger ou nos desenhos o chapéu e o capote no cabideiro, os chinelos e a fotografia do casa-
r )r ;l )i t(.:( ) I )i ui I il reltreSentaçãO pÚblica, para mento, o aparelho de chá, as luvas...Tessenow transmite-nos esta cul-
1r; rr rr lrrr kr rrr1rikl clue poderia vir a romper tura objetal substituindo a presenÇa grosseira da autoridade por seu
ir r ) ri( )r tr ; r;or litlo:; cslritos. A casa é, assim, fantasma, pelos vestígios de uma existência que talvez alguns conside-
) { )r I { lr li rli 1r ror oIrlrct sinal de grandiosidade rem como representativa de uma ordem perdida, e outros, como a
I r, rl rrl;rr rlc cxir llcr x;ial. A casa tende, assim, manifestaÇão da violência que a família impõe à privacidade.
;rrr r lrlrrt ior, r;or rlrilrla tm sala familiar, tendo r'r.tn tecnificação Não é difícil compreender a ausência de objetos tecnificados, como não o
rrr r: ;, l;rr rrl x rr rr t kr rlirnensão reduzida, sem é compreender que todos os valores que a modernidade havia deposita-
;.r ;1 r; rr:lril l. l'orlotílttlosconcluirqueacasa do sobre os materiais artificiais, produzidos mediante uma transÍormação
l rr.l rr i; rrrrr:r rlr: privirrlo, invadida que é pela industrial das matérias-primas, são eliminados nesta idéia de casa.
; rr r: ;o r I r ll rt r rilii I ( )( )tlto institutção, mas seria r rr. r lr:riais naturais A casa existencial sempre será feita de materiais naturais, provavel-
lr lr : (:i lu;c rkr irrlrtrioridade, da ideia de mente de pedras, tijolos, ou madeira; a mesma madeira e as mesmas

54 55
pedras obtidas na ação natural de abrir uma clareira no bosque para a
sua construção. Pode-se intuir que assim ocorreu com a pequena
cabana da Floresta Negra. Estes materiais estão aí para assinalar a lr

passagem do tempo e a ligação com o lugar, a autenticidade do habi- I


il ; il

tar. Nada mais belo do que aquilo que nos liga à terra, e nada mais t*nfll :ll ;l
iI l

encantador do que o trabalho artesanal com este mesmo material. trabalho artesan
Por isso, pela negação do espaço interior, e pelo radicalismo com que ofe(;l:,, rl|, I ,i

se concebe a casa como uma barreira, o lugar de máxima intensidade o d(tt ;r ,t rr,,,l ,,

da casa existencial não será um espaÇo privilegiado, nem sequer aque- Po(Irt t,rl ,,,
le hall ou aquela lareira que nos serviram para exemplificar seu caráIer COllí ;t '; t, r" t

centralizado, mas as suas paredes, a pele, essa fronteira entre o espaÇo a pele Íigurativa SeIll i rr,tl, ,r,

exterior e interior. aVílll( .ll rt, '

E aí, neste campo de fricção entre os dois âmbitos - exterior e interior -, sl.lil I til1
rt

em permanente combate, a pofta, o acesso, o lugar que articula as esfe- mor rr', 1,"
ras do público e do privado. Reportemo-nos novamente a Tessenow, irtrlt rt rl.r Í!,,,.
para observar como, em seus tratados, nos desenhos que apresenta, SÉ)l ll l rll r

a porta é um tema recorrente. Porticada, COI tllt rrl ,, ,,

com bancos, com gradil externo, com reo|l llr i"'


escadas, com árvores, com inscrições de p0l ll ,, lltt' ' i

versos tradicionais, com postigos, com "[-)cr r',, rrr,, , ''

capachos: sempre encontraremos um dit.;l tr ,,,,i =

esmeradíssimo cuidado na elaboração Qtli rlr.'.,


,r,

deste ponto fronteiriço. Tessenow mesmo afirma: "... o cuidadoso Cirl r 1,, r, ,

desenho da porta é o que dá dignidade à habitação do trabalhador", algo rronra cril tllv, , rt,

que deveria soar cínico, ou arístocrático, aos ouvidos dos arquitetos rsistência 11;1 1i;1 r ,r r 1

positivistas, então absorvidos pela quantificação do Existenzminimun. Í)l il ,( ' l, ',


N/as não é a pofta em si mesma, como objeto técnico, o que Tessenow lirl,,rl
- e Heidegger - consideram importante. Não é, em absoluto, ou itv; rlt. rt r, l. ,r,

somente, a sua funcionalidade que lhe confere dignidade, mas a sua mlis,l'.' 5j1 ;11 r1 1, r , ,.

dimensão figurativa, sua capacidade de evocar uma porta já existente, * II l; tl.t t. rl, ,.

"intemporal", detentora da memória de um passado. Assistimos, [(tllt,,t,', ''


assim, ao desenvolvimento de uma atitude frente à casa em tudo aves- ).' lll

sa aos temas do positivismo moderno, mas em nada avessa aos


il V(

l;ir;t rrlr,
ll

,t

temas pelos quais a arquitetura volta a se interessar a partir do final dos llliir llr r

anos sessenta - e a recuperação de Tessenow é, sem dúvida, um sin- vir ;ll, rr , I

toma inequívoco de sua relativa atualidade. Não se trata apenas da k r,l, rr r, ,

56
{) n;rlrlr;ll tkr lrtrrir uma clareira no bosque paraa capacidade de evocação de uma pofta; é a imagem
r :;u tluir (luo assim ocorreu com a pequena
ir mesma da casa o que se propõe novamente a estudar
lr, ;r;r l:;lcl; rnateriais estão aí para assinalar a nessa sua figuração historicista. A pequena casa burgue-
, r r lir l; rr.;; r( ) (:onr o lugar, a autenticidade do habi- m 3 sa, isolada ou formando um conjunto, as tipologias tradi-
rÍl; B'
§í ril
Í ) ( lr r( ) irr lrrilo rlue nos liga à terra, e nada mais
{1!
cionais são retomadas em uma linguagem modesta, que
Ir;rl r; rllro lrr los;lural com este mesmo material. trabalho artesanal apenas ingenuamente pode-se denominar "intemporal": é
r rlrr r::;l rl rr.;o irrterior, e pelo radicalismo com que precisamente a temporalidade extensa dessa imaginária o que permite
n r( ) r n r; r lx rrrcira, o lugar de máxima intensidade o desenvolvimento da casa existencial como valor arquitetônico.
) :;( )r l un t osl)aÇo privilegiado, nem sequer aque- Poderíamos pensar em uma avaliaÇão exclusivamente negativa desta
I { lt l( ) It( )S siorviram para exemplificar seu caráter concepção do tempo em relação ao espaÇo, em urna leitura polÍtica de
r, ri|)i lr(xkl;, a pele, essa fronteira entre o espaÇo a pele figurativa seus valores como inteiramente retrógrados e reacionários, mas não
avançaríamos na compreensão de seu apelo e de sua permanência, de
r( ,(.,; r( ) cr rlrc os dois âmbitos - exterior e interior -, sua popularidade e de sua aceitação social, se insistÍssemos em ju2os
rlr:, rr por lir, o acesso, o lugar que articula as esfe- morais. De fato, seria errôneo atribuir a Heidegger uma nostalgia tão
rt ivr tr k r. I i r1 xrrtemo-nos novamente a Tessenow, ingênua. IVais do que isso, é a consciência de ser um turista de passa-
rr l :r( )r rl llrllrdos, nos desenhos que apresenta, gem pela Floresta Negra o que dá ao ser heideggeriano uma dimensão
,corrento. Porticada, contemporânea e irônica em relação a si mesmo, algo que os autores
)radil externo, com recentes têm ressaltado e reavivado no debate sobre a vigência de seu
i, com inscriÇÕes de pensamento. Gianni Vattimo, por exemplo, em sua proposiÇão de um
)om postigos, com "pensamento débil", convida-nos a assumir a historia como uma tra-
Bncontraremos um dição cultural, um destino, os quais nos teriam sido dados, e ante os
ldo na elaboração quais somente caberia uma relação, se se preferir, "piedosa", uma espé-
r,) lc: r: ;cI low lnesmo afirma: "... o cuidadoso cie de reconciliação existencial com a memória, manifesta no terreno
1r rr:
r I; r r lir pritliule a habitação do trabalhador", algo ironia criativo através da manipulação secularizada de citaçÕes.
r(), ()r r rrr il;ltx;riitico, aos ouvidos dos arquitetos onsistência lronia ou piedade - ou ambas, talvez, ao mesmo tempo - cujo valor e inte-
rr vir lr r r 1rr rlr r r lrrantificaÇão do Existenzminimun. resse poucos arquitetos pós-modernos terão entendido melhor do que
:ri rncr nri r, (ionroobjetotécnico, oqueTessenow Robert Venturi em suas primeiras obras. E o entendeu completamente,
r:;iriu;rn irrrportiutte. Não e, em absoluto, ou avaliando até que ponto essa nostalgia de um tempo consistente, da con-
,r urlirl; rrlc rltro llre confere dignidade, mas a sua sistência mesma das coisas, teria perdido, hoje, toda a chance de se
I
r r; r ( :r rl )i rr :tr Irrr k r cle evocar uma pofta já existente, materializa1 até que ponto seria a ironia a permitir mediar, sem romper, a
t;r rl; r rrrcr rror ilr c.le um passado. Assistimos, relação entre esses dois paradigmas existenciais e uma realidade cada
vez mais "inautêntica". Na casa que proleta para sua mãe - em cuja porta
rcl rlo
r;ilivir;r
r [ : r rrrlr Irlilrrrle frente à casa em tudo aves-
r() n)(xIrrtto, mas em nada avessa aos I significativamente ela se assenta -, assim como nas casas de veraneio em
I que, sem dúvida, evocam o arquétipo da cabana que estamos
r 1r rrlr :lut ;r vollr r rr r;c interessar a partir do final dos madeira -
tl fr
:{.r rl )(:t ;rr.:r rkr lcssenow e, sem dúvida, um sin-
ur vísitando -, a gravitação em torno da lareira, a cobertura e a porta mani-
;r r; r rr:l; rlivr r rrltti.rlidade. Não se trata apenas da festam essa reconciliação com a memória. São uma mostra de uma ati-

56
tude afirmativa em relação ao passado, com um tratamento irÔnico e dis- associltr l; r ,

tanciado, que carece de qualquer afã de transcendência. Mas são tam- ,1-19 111v1 ;1, llr 1r. r ,

bém um sinal do deslocamento do interesse de projeto para a fachada, Basta rrr lr Ir, | , ,,

-
deixando nas mãos da convenção - neste caso, excêntrica interiores da mer r,, ,, ,, , ,

que gravitam, de forma conseqüente, em torno de halls centrais, engran- Heidetlr llt, l,,r ,,
decidos com recursos compositivos que aumentam suas restritas quetot Irrrr,
dimensÕes reais, como corresponde a famÍlias cujas casas são habitadas empreÍ,i u llrrl
apenas por duas geraçÕes por um per'odo maior do que quinze anos, e senta,vr)r l,,,,, r

que vêem diminuída sua tradicional estabilidade devido à freqüência de e da Íltt rrtlr,r ,

divorcios e trocas de casal. Centror; lrr',1,'r ,

Nesse interior convivem moveis tradicionais e modernos e, ainda que se nattva:; rl, ,,,r
possa perceber um possÍvel vínculo com os interiores tessenowianos, entre o tr rr, rl ,

também se percebe um distanciamento de seu tradiclonalismo obsessivo. aOrO Y; rl, ,r

De fato, trata-se de um dos primeiros exemplos, difundidos nas revistas influêrtr;ir rrr r,r., ,

especializadas, em que aparece, exibido internacionalmente, um mobiliá- urllanitl irlr',1r , r''


rio eclético. Talvez seja necessário recordar o impacto e a sensação liber- sáveis1rolrl,, i

tadora frente ao dogma moderno que tal exibição provocou na época, centnl; lr ,1, ,,

para avaliarmos o quanto devemos aos arquitetos dessa geração pela bilidaclr li r, I .

superação do modelo unÍvoco do positivismo. tâ, ass;irrr , , ,, ,

Culminemos esta nossa visita com a desgtlvol\rtt tr, , '

comovente e reveladora imagem da retas, rrr, r',

mãe de Venturi, sozinha, sentada à sete trrlt,,


porta de sua casa. E comparemo-la pâlâvrl t /,, ir ,, I

com essas outras imagens de habi- mOdet|i I r,lri


tantes que viemos acumulando: o he- Tessctt, ,,,.', I

roi solitário e nietzschiano idealizado Comilf, ll|r,


por l\/ies van der Rohe, Heidegger, e belectit lrr , r,' .'

os imponentes traços de seu rosto, Heidet 1r;,'r. , ,,

sendo servido por sua mulher em um â[Quitrllrrr ,,1, , i

interior quase opaco... Talvez a ex-


v rit
formil rlr'r,, r ,,

pressiva imagem de uma mãe assentada em um umbral - numa atitude deveril t ttr, rr 1

que denota ao mesmo tempo orgulho e fragilidade - mostre, melhor do encertirr l, , .. .,r

que qualquer texto, a permanência e os limites da casa existencial, as for- uma :it ll rjr'lr ,, t, ,

mas frágeis e, se preferirmos, irÔnicas, com que ainda se pode pensar e do sit;t tilr, t , r, I

proletar a casa existencial, e indique até onde pode se dirigir sua con- funditt ttlt rl. r, r

sistência original, a evocação das raZes e da materialidade natural a elas filosoÍir:( ) tr r, | ,i

5B 59
r( ) i t( ) I )íilulixjo, com um tratamento irÔnico e dis- associada, e como se pode abordar a sua figuração sem se resvalar em
r 1r rr rlr 1t rcr alá de transcendência. N/as são tam- uma nostalgia néscia.
;u lcl tlo r lo interesse de proteto para a fachada, Basta aqui, para concluirmos nossa visita, assinalarmos que a ativação
:( )t lv()r t(.)ilo - neste caso, excêntrica - interiores da memória e o lugar, tal como estes conceitos Íoram elaborados por
;lr I x rr lüonlc, em torno de halls centrais, engran- Heidegger, Íoram capazes de avanÇar e de conquistar essa postura vital
r:or llxrs;ilivos que aumentam suas restritas que tem um correlato polÍtico e espacial, a postura do "autêntico", para
:or rr :r ;1 rol )Lle a famílias cujas casas são habitadas empregar um vocábulo hoje já coloquial. Tal postura, desde os anos ses-
c: ; lx )r utlt período maior do que quinze anos, e senta, vem construindo valores alternativos aos do progresso, da ordem
r lrruliciorrtil estabilidade devido a freqüência de e da família, e, sem dúvida, está na origem da preservação de muitos
;rrl. centros historicos, assim como de tantas experiências de formas alter-
rrrovoiri tradicionais e modernos e, ainda que se nativas de ocupação nas periferias metropolitanas, a meio de caminho
;r ;rvcl vÍncl.rlo com os interiores tessenowianos, entre o rural e o urbano, que incorporam a idéia da auto-sustentação
lir ;l;u rciarnento de seu tradicionalismo obsessivo. como valor catalisador da existência. Não se trata, porém, de uma
r l, r; prirrreiros exemplos, difundidos nas revistas influência marginal ou testemunhal: as práicas espaciais e as polÍticas
rl ); r(xro, exibido internacionalmente, um mobiliá- urbanas de grande escala alteraram-se a tal ponto, que hoje são impen-
rt;cr ;s;lrio recordar o impacto e a sensaÇão liber- sáveis polÍticas que desconsiderem a preservação e a revitalização de
rrrorlcn)r) que tal exibição provocou na época, centros históricos, ou que se mostrem alheias ao discurso da sustenta-
o r lcvcr nos aos arquitetos dessa geraÇão pela bilidade. A revitalização de inumeráveis centros historicos nos anos oiten-
l\/or ;o r lr) positivismo. ta, assim como a reconsideração do marco geográico na planificação do
vii;ilil cont A desenvolvimento sustentável nos anos noventa são conseqüências indi-
r irrr; u;ot tt tlu retas, mas cedas, da reflexão sobre uma pequena cabana de seis por
r, r;rrttl;trltt í) sete metros, realizada por um professor obcecado pelo significado da
)ilrl )iil(ln() la palavra bauen. E isso não se encerra aí: toda a revisão da oftodoxia
rt r; rlt; lutlti moderna está permeada por este anelo, que tanto Heidegger como
ttlr rr rr lo: o Ito Tessenow souberam dignificar, por um retorno a uma relação equilibrada
ro ir IcI rli,rl rrkt com a natureza, por um habitar mais simples ou modesto, capaz de esta-
Ilr:iricr;r1rt, c belecer uma relativa harmonia tambóm com o nosso passado.
ll,:;ct t lol;lo, Heidegge6 em sua muitas vezes obscura linguagem, soube explicar, aos
rlll rrt r:t tttilll arquitetos que quiseram ouvi-lo, quais eram os momentos-chave, de que
l,rlvc., ;r ,''*tr
cx forma deveriam ser retificados seus métodos e valores, porque não se
r nr; rc rrl;cr tlir(la em um umbral - numa atitude deveria mais pensar a casa a partir de pressupostos cuja vigôncia havia se
r ,t rl x ) or r;r rll rrt r-. Íragilidade - mostre, melhor do encerrado. Soube, definitivamente, explicar como a casa é a expressão de
r r ri r lr :r l( :i; r r I r x; lirrrites da casa existencial, as for- uma subjetividade que se constrói a si mesma akavés da problematizaçáo
Irr, r: ;, iror rir;; r:;, c;ont que alnda Se pode pensar e do significado do construi4 a partir do enfrentamento dos fatos originais e
rrl, r lt ttlirlr rc irló onde pode se dirigir sua con- fundamentais do habitar. Soube, deÍinitivamente, devolver ao pensamento
rr.;; ro r ii r r r ti,zoÍl e da materiaildade natural a elas filosofico um papel crucial no desenvolvimento das idéias arquitetônicas.

Ão Ão
A máquina de morar de Jacques Tati
a casa positivista

f I

L
dL.
#
! t rl

I
i
ir

T
ffifi , , rl.idos no limiar da porta,
,r ,
L , vOndo televisão.

Os Arpel vigiando das janelas de seu quarto.


-l

lr
Jacques Tati: Casa Hrrl,,r
com monsieur Hulot l,,
terraço, procurando ir r lr
soOre a pona.

lr,,l )oda de mOnsieur HUIOI

I I
I
It

t
I
I
Jacques Tati: Casa Hulol,
I com monsieur Hulot no
terraÇo, procurando a <;lur
.*-......ii-
sobre a pofta.

-r-l H-
._.
- .--.1

-..r;@
'-*li

r',..1

rtr, poda de monsíeur Hulot na casa dos Arpel.

t
(
&ffi

r1,r1 ,, rl I rrr 1
» irrrr:inr plano, a fonte ornamental.
Em 1957, cem anos apos a morte de Auguste Comte, Tati conclui o [flenlo l,', r,
Íilme Atlon oncle, legando-nos uma das crÍticas mais inteligentes - e sendo , ,'.1.,
divertidas -, dentre tantas que haviam sido realizadas, sobre a forma impur;tt; r, ,,, I

de pensar, projetar e habitar a casa propugnada pela ortodoxia moder- Heidttt;,;,'r ,'
na. Nesse filme, como seguramente todos se recordarão, contrapõem- Ul11 I)()Vl rrl ;'
-se duas formas de viver: a do tio - monsieur Hulot f-ati) -, numa velha cia, (ic: ;t rr,r ,

casa mal-ajambrada no centro de Paris, e a da família Arpel - Íormada I.locriilir ,, ,1,

pelo monsleur Arpel, proprietário da fábrica de plásticos Plasta, por sua Não tt ,r r' '1),

mulher, irmã de Hulot, e por um único filho que adora o tio -, numa nofilttrt'|r,rrr, :

casa com um pequeno jardim, em um bairro nobre afastado. O enre- seio ttrr ",r ri, r

do, aparentemente simples, consiste em contrapor esses dois estilos Arquilrlu., l l

de vida, através do olhar desse menino que adora passear com o tio, "Prollllt r,r ,l '

e das desesperadas tentativas dos Arpel de integrar seu filho e Hulot a modr:t tr,r rlr i

vida moderna. fl-lenll tlr,', r,,,,


Tati, um artista perfeccionista e minucioso, foi também nesta ocasião emUllli trrtrltr
- como em Playtime (1967), outra análise aguda da cidade moderna - {g{gg 11, 1r ,, .r r

não apenas ator e diretor, mas também cenógrafo, junto a Jacques derratt rt, rr, , ,, ,

Lagrange, tendo sido responsável pela concepção e pela construção A nlltil l .

completa da casa dos Arpel nos estúdios da Victorine, em Nice (em dado r ,, rl tl
Playtime, Tati proleta e constrói um dos fragmentos de cidade moder- fabrir;l r, l, ,I ,

na mais celebrados do cinema). Tal esforço não é, em absoluto, gra- test€:tlr rr rl , ,

tuito: a comparação entre os estilos de vida do casal Arpel e do mon- fl-lenlo l, ,t r, ',

sieur Hulot não se dá através dos diálogos e das opiniões expressas Por il;lr, , 1,,, '

pelos protagonistas - afinal, Tati vem do cinema mudo, e confia pouco, chegoL t , r

ou nada, em palavras -, mas através de suas ações e dos elementos II)OS, lt'r |||
físicos que os rodeiam. Nesse filme, a arquitetura e o urbanismo, assim de sot t: , l' ,1 ,,

como os ruídos, naturais ou artificiais, são, em grande medida, induto- Samol rlr', ,

res dos comportamentos, causa e/ou conseqüência univocamente pâ[a irl|r rlit,, ,,

ligadas aos mesmos. Por isso, todo ele pode ser interpretado como vertrtl rrrrl , i,
uma lição crÍtica de arquitetura, na qual se enfrentam dois modos de Leml rtlt rr, ,

pensá-la que são também modos de vivê-la. De fato, como veremos seglttr l, ,t,, I,

adiante, o enredo reproduz, com grande fidelidade, o embate entre Pol lcr .r r ,

duas correntes de pensamento cuja influência Íoi decisiva no século xx. Cialntot ll' rr i ,

De um lado, a persistência e a extensão à esfera da vida privada do sido Itrttr. r' l,

paradigma positivista, da Íé no progresso e na ordem como instru- olhol;, r',1, ,'


mentos de salvação postos à disposição do homem pelo desenvolvi- gináslir ,r 1, ',
,

6B 69
irr():; ílpós a morte de Auguste Comte, Tati conclui o mento técnico e científico: a identificação da filosoÍia com a ciência,
r, lcryrrrrrJo-nos uma das críticas mais inteligentes - e sendo esta entendida como o auge do pensamento. De outro, a
'rlrl lrrl[:rs que haviam sido realizadas, sobre a forma impugnação do positivismo que, primeiro Husserl e Bergson, e depois
l;rr c lrrbitar a casa propugnada pela ortodoxia moder- Heidegger e l\4erleau-Ponty levam a cabo, na intenção de estabelecer
Íleguramente todos se recordarão, contrapÕem-
( :( )t l r( ) um novo subjetivismo, ou vitalismo, que permita impor um limite à ciên-
, r lr: vivrrr: a do tio - monsieur Hulot cia, desmascarando o caráer ideológico do positivismo e de seus tec-
fl-ati) -, numa velha
r;rr li r n<) centro de Paris, e a da família Arpel - formada nocráticos desdobramentos sociais.
r1 rr rl, lrroprietário da Íábrica de plástlcos plasta, por sua Não é por acaso que este enfrentamento irá repercutir simultaneamente
llrrkrl, c por um único filho que adora o tio -, numa no filme e na ação de alguns arquitetos contra os dogmas modernos no
rr( lnor )o jardim, em um bairro nobre afastado. O enre- seio mesmo de suas instituições. O décimo Congresso lnternacional de
rrlc :;rrntr;les, consiste em contrapor esses dois estilos Arquitetura lVoderna, realizado em Dubrovnik, em 1956, dedicado aos
r k r ollri rr desse menino que adora passear com o tio, "Problemas do hábitat humano", marcou a crise definitiva desta instituição
rr l; r; lorrlativas dos Arpel de integrar seu filho e Hulot a moderna, através da contestação radical dos seus mestres por parte dos
membros mais jovens - Bakema, Van Eyck, Smithson etc. -, agrupados
lccr;ionista e minucioso, foi também nesta ocasião
rcr em uma organizaçáo paralela, o Team 10, O alvo do ataque desses arqui-
(lÍ)6/), outra análise aguda da cidade moderna -
Itrttr: tetos não era outro, senão esse reducionismo positivista que pairava e se
r c rlirolrtr, mas também cenógrafo, junto a Jacques derramava indiscriminadamente sobre a arquitetura moderna.
r:rirkr rrx;ponsável pela concepção e pela construção A maior liberdade de Tati permitiu-lhe uma clarividência e uma intensi-
;; r rlor ; Arpel nos estúdios da Victorine, em Nice (em dade satírica que, a partir do proprio marco normativo e institucional
rjrlrr c r;or rstroi um dos fragmentos de cidade moder- fabricado pela modernidade, acabarão fatalmente condenadas a ser
Irr rrlooinema). Tal esÍorço não é, em absoluto, gra- testemunhais, precedentes de transformações que apenas posterior-
r..:; ro cr rlro os estilos de vida do casal Arpel mente tornar-se-ão realidade.
e do mon-
r;r: ri; i lrlritves dos diálogos e das opiniões expressas Por isso, preferimos visitar as casas pro1etadas pelo grande arquiteto que
l;r:; vem do cinema mudo, e confia pouco,
irÍir rirl, Tati chegou a ser Tati, buscando encontrar nelas o quanto há de nós mes-
irvr ;r; , rnas através de suas açÕes e dos elementos mos, reconhecendo-nos como herdeiros daquela modernidade através
I rirrrl Nr..l;se filme, a arquitetura e o urbanismo, assim de seus topicos, ainda se acreditamos havê-los superado. Somos preci-
rr; rlrr;rir;oLr artificiais, são, em grande medida, induto- samente os arquitetos os que mais dificuldades encontramos, ainda hoje,
rl;rrrrcI tlr)li, causa e/ou conseqüência univocamente para identificar esses topicos, pois estes, sem dúvida, formam a coluna
rrror ;. l'or isso, todo ele pode ser interpretado como vertebral de nosso treinamento, de nossa formação acadêmica.
rIr;rrrlurloltrra, na qual se enfrentam dois modos de Lembremo-nos que talvez um dos maiores êxitos de Comte e de seus
r l;rrnl rctn rrrodos de vivê-la. De fato, como veremos seguidores tenha sido o positivismo acadêmico francês, as Escolas
Ir 11v1 1rrllrz, com grande Íidelidade, o embate entre
v1
Politécnicas, em cujos currículos ainda persiste -deformado, mas essen-
( , I )( )r l:i lrr
tonlo cuja influência foi decisiva no século xx. cialmente intacto - o ideal positivista. Pensemos, poftanto, que temos
rt:;i:;lirr rr;ilr
r,- a extensão a esfera da vida privada do sido treinados cegamente em seus métodos, que vemos através de seus
vir ;lrr, rltr Íc no progresso e na ordem como instru- olhos, e que ainda é necessário, em muitos lugares, fazer uma enorme
r;r() lxx;l«rs â disposição do homem pelo desenvolvi- ginástica para aprender a ver com outros olhos, para aprender a esque-

6B 69
cer. E pensemos também se, de fato, desejamos ter uma perspectiva í)lrl,llll. t,l I
- I

ilr;tt t.r,l,
do que isso supõe - que, dentre todas as correntes do pensamento r,'t r,

influentes, em maior ou menor medida, no século >« - de Nietzsche a


"lclir t, ,l r
lt,
i

Heidegger, de James a Deleuze -, o positivismo, como delírio da razáo Itttl r|t i"'ir r

que é, não foi apenas o indutor direto dos episodios mais atrozes do Ar ;r ;[rr, r ,,r ,t

l)lttrrr, l' ,r t,t


século - Hiroshima, Auschwitz mas também a ideologia mais supera-
-,
da, a única que teria sido devorada pelo mesmo deus Cronos com o que 11 | t-rl, I

pretendia nos dar Unidade e Ordem. cl tt;tlr,r ,1,,,r,,

Comte e seus acólitos são hoje historia, e é possível que somente na tlttir,rlrl,,,,t,,'
cerleza de que nossas posiçÕes sejam distintas, sem que tenhamos C) pr,,',tlt r r,,

nadado contra a corrente que inaugurou o positivismo, possamos (lltt l, ', ,'llr.r , I r

agora proceder a uma valoração suficientemente equânime de seu


legado. Contudo, Auguste Comte e sua doutrina não são fenômenos elolt,t, l, ,, ,,

isolados. Se o seu objetivo é uma descrição cientÍfica da sociedade -


"o caráter fundamental da filosofia positivista é a consideração de que y1;1, r 1r r, , r,

todos os fenômenos estão submetidos a leis naturais invariáveis, cuja leis naturais S(X:ir tr L r, l, r, ,

precisão e redução à menor quantidade possÍvel é o objetivo de nos- invariáveis {35, t:t rl rr tl ,

sos esforços" -, tal objetivo encontrará em Charles Darwin, e em sua gsl;cl tr t, rl r, t

teoria da evolução, um modelo especialmente interessante, na medida Nílo rrl ,Ii, ,r'

em que se trata de um modelo que supõe a aplicação da abstração Oelil i( r l ll' r 'l "

cientÍfica das ciências exatas às ciências biologicas, a esse âmbito da llxtl tlol, t

vida em que o positivismo pretende se inserir. loqitr ,rrr ,'| ,

lgualmente Herbert Spencer, também coetâneo, terá contribuído decisi- otltl;tl|,,'r,r r!


vamente para a consolidação do ideal positivista. Seu "evolucionismo" coil;l r,, I ,, , t'

terá dado o passo que permitirá ligar as ciências biologicas às humanas, inÍlttct t, t, r , t, ,,

ao explicar o desenvolvimento da cultura como o de um ser vivo sub- grat tr |'lÍr{'r r'

metido a um ciclo vital - infância, juventude, maturidade... - em nada trii.lli/'; rr , I

diferente do ciclo orgânico do mundo natural. O conhecimento e a cul- Ao t;oI rlt, r,

tura do homem estão imersos no mundo natural e, assim sendo, podem âdV(,1 ll, , t, ,,,,

ser tratados cientificamente. No pensamento positivista, então, a filoso- Fslc ,' , ,

fia seria, antes de tudo, auxiliar ao trabalho cientÍfico, e teria direito à Vidit lr rlt..rr,, , ''

existôncia apenas enquanto justificasse e interpretasse a ciência, a ver- pelt x; At 1


,, ,t

dadeira e madura forma de conhecimento que o homem alcançou em pletll t tt r',, ,

sua evolução, uma evolução que principia no mundo puramente animal, essil lr, 11,,, I, i

nos primatas. O objetivo do pensamento positivista é intensiÍicar esta QuÉtt tt lr' rl t

evolução, conduzindo o homem a uma sociedade pedeita, sem conflitos, fitáxittt, r rr ,t

70 71
r l : r( ), ( l( ) li llo, desejamos ter uma perspectiva organizada pela ciência, é trasladar a transcendência da religião à
rr, ricr tlrc kxlas as correntes do pensamento imanência da vida. Por isso a teoria positivista acabará por constituir uma
rrrr rr ror nrtxlirla, no seculo xx - de Nietzsche a "religião da humanidade", uma religião dedicada a tazer, do mundo, o
)r rlr :r r.u r r , o positivismo, como delírio da razáo ,,1, rr i"OEfeSSO império da ordem e do progresso.
,rr trIrlrir tlircto dos episodios mais atrozes do Assim, Comte escreverá seu Catecismo Positivista, nomeando-se
I rwrl ,, , r ri rs tambem a ideologia mais supera- Sumo Pontífice, o que a princípio pode parecer absurdo, mas, em deÍi-
r I rvot;u l r pr..lo mesmo deus Cronos com o que nitivo, simboliza a culminância do pensamento positivista, e explica seu
lr,c()trklttt. caráter dogmático e holístico, sua necessidade de se apresentar como
,1, llojc lril;lc.lria, e é possÍvel que somente na única filosoÍia possvel.
1ro: lr.:ocr ; t;cjarn distintas, Sem que tenhamos O posrtivismo é também a origem da sociologia. O homem e a socie-
rlr i1r rc irrirrrqurou o positivismo, possamos dade, entendidos como fenômenos naturais, "submetidos a leis invariá-
v;rlrrrlr.,;ílo :;uÍicientemente equânime de seu veis", passam, então, a ser objeto do conhecimento cientÍfico. O indivíduo
.lr: ( )or lrlc o sua doutrina não são fenômenos é tomado como uma abstração, como a peça de uma engrenagem sujei-
r\/( ) c lrr tit clescrição científica da sociedade - ta à observação e à experimentaÇão, como um dado estatístico, objetivá-
l; r lik r;oli;r positivista é a consideração de que vel, que se dilui em comportamentos previsÍveis: "...os movimentos da
;rr r:rlrrrr;lirjos a leis naturais invariáveis, cuja leis naturais sociedade, inclusive os do espírito humano, podem ser realmente previs-
lr ror tlrlurlirJade possível é o objetivo de nos- invariáveis tos, em certa medida, para cada época determinada, sob cada aspecto
,ltvo ct tr;orrlrará em Charles Darwin, e em sua essencial, inclusive aqueles que parecem à primeira vista desordenados."
rror k rk r or;1rr:cialmente interessante, na medida Não obstante, estes enunciados cientíÍcos permanecerão em Comte
rrrr rr lck) (luo supÕe a aplicação da abstração nesse nÍvel, no nível dos enunciados, como um apelo para que o pensa-
i;rl;rrt: rciôncias biologicas, a esse âmbito da mento positivista desdobre-se, ao mesmo tempo, numa ciência - a socio-
ro rrclct tr lc sc inserir.
1
logia - e numa religião, sem, porém, um desenvolvimento pormenorizado,
rr.cr, lrunl xxlr coetâneo, terá contribuído decisi- o qual é confiado aos processos sociais por vir. Nisto, e em tantas outras
l; rr :i ro rlo irloal positivista. Seu "evolucionismo" coisas, pode se verif,car, sem dúvida, a grande similitude e a profunda
,r ltilir;r liryl rr irs ciências briologicas às humanas, influência que esta doutrina tem sobre o arquiteto moderno, incapaz, em
lr :r tlo rlro de um ser vivo sub-
r r;rrllrrra como grande medida, de dotar de conteúdos concretos aquele apelo, a indus-
rr rl;rrrr:ir r, jrrventude, maturidade... - em nada Írializaçáo e a máquina, e incapaz também de se ver como um cientista.
:, rio rrrr rrkr rratural. O conhecimento e a cul- Ao contrário, a sua gestualidade seria a de um pontÍfice que anunciasse o
rr :;( ): ; no rr rrrrrrlo natural e, assim sendo, podem advento iminente de uma transformação que lhe houvesse sido revelada.
rlc. No 1rcr l;irrnento positivista, então, a filoso- Este é o mundo que Tati observa e de quem Íazuma caricatura, essa
;rr rxilir rr rro lrurbalho cientÍfico, e teria direito à vida felizmente inserida na ordem e no progresso cientÍfico encarnada
rlo jr r: ;lilici ulio e interpretasse a ciência, a ver- pelos Arpel, a emulação de uma impossÍvelvida harmônica dedicada à
rir r r:or rlrrx:itlonto que o homem alcançou em plena inserção dos indivíduos na engrenagem maquínica da sociedade,
r ; r( ) ( ll r{ r I rr ir r«;itrtia no mundo puramente animal, essa paródia do indivíduo que é o sujeito estatístico do positivismo.
) ( l( ) | x)r l;r rrrrerrto positrvista é intensificar esta Quem habita esta casa? Qual é o sujeito que a ativa e possui com a
r( rr l( r )r iu r nir sociedade perfeita, sem conflitos, máxima intensidade? A casa positivista não é habitada por um único

70 71
personagem central, mas por uma família modelo - os Arpel -, um a família modt:Ir dele Provénl lt rr, t L tt r

casal, para sermos exatos, de uma estrita moralidade calvinista, que valorizado Pot lr'1 rtr ' ' '

interpreta o progresso material ao mesmo tempo como uma conse- em sua jornitt 1l I llr t, ' tr "
qüência direta de sua moralidade e como um destino - o da felicidade riamente dispol:;,,, t,,'
material - que culminará, num futuro já próximo, tal como promete o trita relaçào ( , rl r, I rr
programa positivista, e ao que se sacrifica, em parte, o presente, O que tempo do evoltl( l,| rr r'
é significativo é o fato de que esta famÍlia carece de traços particulares: tanto se idettlilir,r,, ,,,
a diferença, como forma de significação, foi abolida, integrando agora de forma sinlr'rlir , r, r

uma totalidade social gigante. Para alcançar este futuro de progresso, é crescimento () rlr' ,r tl
necessário subsumir o indivíduo - em Comte, o fundador da sociologia, na, o funciot tl tltr ,t t r' '

o individual é algo abstrato - na Unidade de tudo e de todos, é neces- lados de urTlit tlti " rrr,,'
sário renunciar a pensar diante do que existe, eliminar a faculdade crí- em geral, fllÍllt,l r, t rlr ,

tica, e entregar-se às pautas impostas pela industrializaçáo e pelo positi- do em sel l:r'l I ' rr'
,i .rnt;* evolui, passlll tr lr ' 1"'
vismo, esta ideologia que supera a filosofia, esta filosofia única e definitiva ' "

para um novo mundo. Este sujeito não é outro, senão o homem-tipo


corbusiano, a família-estatística, esse consfrucÍo mental que permitiu
aos arquitetos ortodoxos objetivar o comportamento social e quantificá-lo
naquela experiência quase delirante que Íoi o Existezminimun.
Diante dessa família orgânica, imersa em uma sociedade unidirecional,
monsieur Hulot - o tio -, habitante de um fantástico labirinto fenome-
nológico e indiferente a toda idéia de progresso, atua como um para-
sita, desvelando, com sua solitária presenÇa, a grotesca codificação
social, desconstruindo-a, no estrito sentido da palavra.
A/lonsieur Hulot vive no presente: cada instante, cada situação são por
ele percebidos como uma experiência autÔnoma e com sentido em si
mesma. Hulot reproduz literalmenle a epoie husserliana, o modo com
que o sujeito fenomênico se estabelece frente ao mundo e aos seus
objetos, com as mesmas intensidade e inocência de um menino - daí
o carlnho de seu sobrinho. As ações dos Arpel, ao contrário, têm seu
fundamento e sentido distantes delas, apontam para um progressivo
aperfeiçoamento lógico no tempo, estão imersas no tempo teleolÓgico o tempo
do positivismo, o qual reproduz, secularizado, o tempo finalista da fé teleológico
cristã (e isto o aproxima também do materialismo histórico).
Um tempo que se proleta para a frente, amnésico, e que implica, sem
dúvida, uma valoração bem distinta do passado e do futuro: o primeiro
não será outra coisa, que não o recontar da dor acumulada; tudo o que

72
rl, lli li lx)r []t-na família modelo - os Arpel -, um a família modelo dele provém terá um valor inferior ao que promete o futuro, e somente será
, rlxr llori, rle uma estrita moralidade calvinista, que valorizado por representar o esforço de estágios inferiores da sociedade
,;: ;rr rrlrloirtl ao mesmo tempo como uma Conse- em sua jornada linear até o progresso. Os monumentos históricos aleato-
r ri rn iade e como um destino - o da felicidade
t( )r itlir riamente dispersos na nova Paris do Plano Voisin mostram bem esta res-
ut; uit, nurrr Íuturo já proximo, tal como promete o trita relação com a memória, com o tempo genealogico. E também o
r,rl it() (1rrc se sacrifica, em parte, o presente. O que tempo do evolucionismo orgânico de Spencer, o tempo danruiniano que
lo r 1r : r ltrc l;sta família carece de traços particulares: tanto se identifica com o positivismo de Comte, o que permitirá assimilar,
Í )r u ri r (k r r;ignificação,foi abolida, integrando agora de forma sintética, a sociedade e a natureza dentro de idênticas leis de
;rl r;ir;; rr rlc. l)ara alcançar este futuro de progresso, é crescimento e desenvolvimento. As duas correntes da ortodoxia moder-
rr o irrr livÍrltro em Comte, o fundador da sociologia, na, o funcionalismo e o organicismo, não serão outra coisa, senão dois
rlr: ;lrrrlo na Unidade de tudo e de todos, é neces- lados de uma mesma moeda, assim descrita por Comte: "A humanidade,
,r r;; rr rlii tnlc do que existe, eliminar a faculdade crí- em geral, marcha através de uma série de etapas que a vão aperfeiÇoan-
r;1r; rtrlrt; iurpostas pela industrializaçáo e pelo positi- do em seu ser e em sua obra, de forma semelhante a como o indivÍCuo
r ( lr r( ) rir llx)ra a filosofia, esta filosofia única e definitiva 0 pLrrro, a planta evolui, passando por uma sucessão de estados e de idades em sua
rkr l slt: sujeito não é outro, senão o homemtipo existência biologica. O progresso social é
rr rr:r;l;tlÍl;lir;a, esse construclo mental que permitiu necessário e irresistÍvel como uma leif6ica."
r rxor r ol rlolivar o comportamento social e quantificá-lo
O espaço da modernidade incorporará essa
(
lr r; I í ) ( lr rlirante que foi o Existezminimun. mesma projeÇão para a frente, esse esqueci-
rorr;; rrrir;lr, imersa em uma sociedade unidirecional, àlal.m. p.,.oroe,! dêroá.te
t.nrel, Íric:. psqu c., mento quase completo do passado, e ten-
li. , lrtrItitante de um fantástico labirinto fenome- derá a se constituir igualmente por leis uni-
lr:rr lorllr ideia de progresso, atua como um para- versais - tal como propugna o catecismo
)r n rir lil riolitária presenÇa, a grotesca codificação
positivista -, por normas que depositam no
rr I r ;r, tro cstrito sentido da palavra.
futuro proximo sua cristalizaçáo.
11o1lu;r)t lte: cada instante, cada situação sào por - O plano, a planificaÇão, e a sua objetivação
r( ) rn ri l oxperiência autônoma e com sentido em si
como técnica de controle do crescimento -
rr irr., ljlcr lrlntente a epoje husserliana, o modo com
o urbanismo -, serão manifestaçÕes culmi-
,,T
rcr rir;o l;r) cstabelece frente ao mundo e aos seus nantes deste tempo teleológico, perfeito, ou,
:r ;rrlr:; itrlonsidade e inocência de um menino - daí se preferirmos, "radiante". O trabalho sobre
rl rr rrrl ro. Al; itÇÕes dos Arpel, ao contrário, têm
seu I 10
a planta se reproduz como um automoffismo
rkr tlir;lilrlcl; delas, apontam para um progressivo a-escalar, da casa à cidade, explicitando o
lr{ :( ) n( ) lcrrrpo, estão imersas no tempo teleologico o tempo trabalho, a técnica propria do arquiteto, tão
r; rl rc; rrorluz, secularizado, o tempo Íinalista da fé teleológico "necessária e inesistÍvel como uma lei física".
!ililir liil|lrr;rn do materialismo histórico). O espaço da casa, o ar e sua memória, por
)r{)l()l;rlxrrr ii frente, amnésico, e que implica, sem assim dizer, apenas existem; foram completa-
rr r | 1 11 r listinta do passado e do futuro: o primeiro
,1
mente eliminados para proceder a uma quan-
, ( lr l( ) ri ro o recontar da dor acumulada; tudo o que tificação normativa, à objetivação biologica da

72
família{ipo mediante o plano, o trabalho sobre a planta, A nova categoria tlt::,,,tli,r
q, l,
dominante é, para o arquiteto positivista, "o metro quadrado", e a sua oti- 111 1'; v1 '1 I

mizaçáo através do transbordamento das técnicas de otimização da pro- Itttlr,r,,l,


dução industrial, propugnadas por Frederick W. Taylor em seu Principles li( )l I ( " 'l r' rl I r, I

of Scientific lr/lanagement (191 1), ao âmbito da privacidade. A casa, como lltli tt |, ) rll rl l

objeto de estudo do positivismo, experimentará, em seu interior, a disse- O c: ;; ,,r, , t,,' '

cação taylorista, a decomposição de todos os movimentos em unidades Sçoi t( ,1, , , 1, , r,

mínimas, estudadas e cronometradas para reorganizar as tarefas em tlílli ('.r'.1,


r,rl , ,,,
esquemas avessos a interÍerências, perfeitamente coordenados. h t)itr1r
Os trabalhos de Alexander Klein sobre a habitação mínima, os CIAIV dlivrl ,lr rl ,,r
dedicados ao Existezminimun, com suas comparações de plantas e dct lot lri, li
superfícies, são o triunÍo desta redução cientificista do espaÇo. Hltlol, rlr ,t rr , I ,

O esquema metodológico de Klein é um compêndio perfeito do projeto exil;lr t, rt rl

positivista da casa. Quatro fatores dados estatísticos, princípios cien-


- utt:; lrlr rl, | ,r

tÍficos, aspectos técnicos e construtivos - conformam um processo de Sott rrt 1,r r ,

tomada de decisões em uma cadeia arborescente, que culmina na [tct lir tt l


construção em série. A habitação, para Klein, transformou-se em um prrtl rir ,r, t, lrt '

problema da indústria, que, como tal, deve ser estudado com o mesmo a, posilivr',1, r ,

espírito que se aplica a qualquer processo industrial: Contribuições cien- lanC.;l tr lr r , r, I ,i

w
tfficas ao problema da habitação, Ensaio de um metodo gráfico para a Tutirt r, , lrr'

avaliação de plantas de habitaçÕes de pequeno porle, A casa unifami- Cia ct rr'l ,r ,

liar. Tipo com orientação sul, todos estes títulos são expressões elo- publit;; r', , l, ' t

qüentes de sua produção teórica, da translação da figura do arquiteto nenl tttr lr, , I ,

I t trr, , r,
tradicional à do engenheiro industrial que pretende impulsionar. Íluido , l, .

a
Fixemos nossa atenção na cozinha projetada por lVargarette Schutte- rl ,
pletitt t llt "r "
-Lihotz§ para Ernst May em Frankfurt, nessa cozinha que tanto se asse- t Ume:rl lt,"l ),

melha à oficina de um carpinteiro ou de um torneiro, com sua bancada e §,rf Em sit tl,",, ,i
suas ferramentas. Vejamo-la nos fotogramas do curta demonstrativo em to, o t1tt, ',
g
I

que ela mesma aparece preparando um prato, mostrando a eficiência dos visibilit I r, l,

movimentos ali permitidos. Vejamos, agora, como a senhora Arpel mos- chiatto rl,r ,, '

tra a casa às suas vizinhas, com que orgulho explica quão "funcional" é a que S() 1r'111' 1r ' r '=
t.t sârá, t:ot t r
sua organização: "é muito práico, tudo se comunica (...) os cômodos são f;'1
7, r' t,

muito bem orientados, todos dão para o jardim". Ou como se envaidece casal ,l Ar I rr I

iguais,o,,r rr ',
por sua higiênica cozinha pseudo-robotizada. Comparemos seu ambien-
te com a informalidade e a intensidade sensorial do mercado e das ban-
t revelartr lr ,,r ,,,,
cas nas quais um menino se esbalda na ausência dos pais, graÇas à con- unidaclr: I '.1 ,

ru
74 75
-L
, í , lti rl )i tll x) sobre a planta. A nova categoria descendência do tio. Observemos como Tati sublinha a falta de higiene
r lro: ;ilivir;lir, "o metro quadrado,,, e a sua oti- dos vendedores ou do varredor, que nunca começa efetivamente avarrer,
l; rr rtr :l tlo
tecnicas de otimização da pro-
r li rs
ante a obsessiva higiene de madame Arpel, limpando e perseguindo com
r ; ; rr rr I rr x brick W Taylor em seu principles
seu espanador tudo o quanto está à mão, até obter um ambiente hospi-
I l), ;ro ;lrrrbito da privacidade. A casa, como
talar no qual praticamente não há partículas em suspensào no ar.
rr( ), ( )xl xrrirrrentará, em seu interior, a disse-
O espaço quedou quantificado, transformado em um produto da dis-
,rr.,; ro r I r l< x los os movimentos em unidades
secaÇão do movimento, da geometria e da matemática, O espaço ape-
rr rcllrrlr t; ltara reorganizar as tarefas em nas existe como tal: será entendido como a res exfensa de Descartes,
:i; r;, l rcrlr,.ilamente coordenados.

W
11 1r
na qual se encena a exposiÇão de uma família igualitária, eficiente, sau-
r;olrft; a habitação mínima, os ClAl\4
1..lrrrrr
dável e trabalhadora. Nada encontraremos aída intensidade intimista
ilt, \.t\ | ril]âis comparaçÕes de plantas e do torluoso labirinto topológico da casa fenomenológica de monsieur
rl.:r ;lrr tcrlrçào cientificista do espaÇo. Hulot, nem da obscura cerimônia da perpetuação da linhagem da casa
:l',lr:ir r o rrrn compêndio perfeito do projeto I existencial. A casa positivista será a casa da exposição não apenas de
d
rlrrrc: ;
rlirrlos estatísticos, princípios cien- uns frente a outros, mas também da família, como unidade, ao exterior.
:oI t: rlrrllivos
- conformam um processo de Seu ar já não será o denso ar sensorial fenomenológico, mas um ar
r l; r ( r; r( k ri; r arborescente, que culmina
na visibilidade medicinal, higiênico, correspondente a um espaÇo cuja desinfecção é
llrrr.:; to, lxrrir Klein, transformou-se em um propiciada pela transparência, pela insolação, pela limpeza. O espaço
irt rro llrl, rlcve ser estudado com o mesmo positivista é um espaço sem densidade, um espaÇo sem memoria,
rr )r | )r( x ;r:r;r;o industrial: Contribuições cien-
lançado ao futuro em direção contrária ao passado.
tr.,út, I n:;t tirt de um metodo gráfico para a
Tudo o que se refere ao espaÇo deriva do moralismo: sua transparên-
/, rr.:r rr l; tlr: lxlqueno porÍe, A Casa unifami-
cia é repressiva, vinculada diretamente à diafaneidade e à visibilidade
/, l rx;lcs títulos são expressões elo-
lor kr: públicas do Panóptico de Jeremias Bentham. Não há, na casa, lugar,
r rr ir;; r, r li r lrirrrslação da Íigura do
arquiteto nem nicho, para o desvio, para o isolamento, para o gozo. O espaÇo
rr I r;lri; rl t 1r rc pretende impulsionar.
fluido da modernidade positivista aparece associado a vigilância, com-
o,'rr rllr ;rro;clada por N/largarette Schutte- ã pletamente submisso a uma finalidade edificante, e, portanto, como
rr rr rl'lr rrl, rxx;sa cozinha que tanto se aSSe- um espaÇo que busca o seu sentido num futuro otimista,
,lo ( )l I ( lc rtr rr lorneiro,
com sua bancada e Em síntese, no espaÇo moderno, o que é privado encontra-se expos-
I,*
ror ; íolr x Jti u lílÍl do curta demonstrativo em to, o que é domóstico, anulado, e o que é íntimo, castigado. E essa
r; l tr ir r trrrr 1 rrirlo, rnostrando a eficiência dos
insuportável para o sujeito nietzs-
visibilidade convertida em vigilância -
l; il n( ): ;, ;l(l, (x)tno a Senhofa Afpel mOS_
l( )ti chiano da casa-pátio, e frontalmente combatida pelo ser existencial
,n I ( ll r( ) orr ;r rllrO cxplica quão 'Tunciond,, é a Ir{ l
que se refugia detrás das paredes de sua cabana -, o que Tati expres-
tr :o, lur io l;c contunica (...) os cômodos são l|i§
{::i§ sará, com admirável sarcasmo, por meio das "janelas" do quarto do
l; ro 1 l u; r o jl rrrlirrr". Ou como se envaidece
casal Arpel. De cima, dominando todo o entorno, a cidade de seus
rr I r loI rolizl rr lir. Cornparemos seu ambien-
iguais, o casal representa uma antropomorttzaçáo da casa positivista,
,r r;ir Ir rr k : l;r il l;rtriiil do mercado e das ban- revelando a sua profunda fundamentaÇão na vigilância da ordem e da
.l r, rlr il r rl r ;u t;itrrcia dos pais, graÇas à con- unidade. Esta casa é, sim, uma máquina de vigiar.

74 75
Por isso não e difícil compreender que, se a casa positivista possui algum Qltill r,,rr, ,'
espaÇo privilegiado, este é, sem dúvida, aquele que representa a família eixtl I tr 'lt, ,1, r , '

como um todo orgânico: o salão, o lugar em que se realiza o sujeito posi- Çicrl 1rl ,llr , I

tivista, no qual culmina seu ideal espacial de visibilidade e transparência. riais tItlrrr,rr
Transformado em peÇa principal, na expressão simbólica desse modo de clarctitlt tr, , I '

viver, o salão crescerá até ocupar duplos ou triplos pé-direitos, em torno o relttr ;,,,
dos quais gravita a casa, como uma versão doméstica do Panóptico. o salão panóptl Conl()("'l r, I

O espaço interior privilegiado, porém, necessariamente encontrará seu qualt 1it,'r rr' 'l "
duplo no exterior: o terraço ou o jardim serão concebidos a sua ima- riore:; r l, t' , ,

gem e semelhança, e apenas um fino e permeável pano de vidro os conlt ll I( . r' . r, ,

separará. No exterior, ao "ar livre", nos terraços corbusianos, no jardim SUal]1, rllr rr'
dos Arpel, natureza e higiene, saúde e progresso triunfam. A natureza, rrr:rteriais Todit:t ,t" l, ' r"
a idéia de natureza, terá sido também transformada pela visão cientifi- Irrrlustriais maisl: iiii:,'|,,
cista e, emulando as concepçÕes médicas então vigentes, participará diant :;, ' , I. r i, ,'
da casa e da cidade desde que seja capaz de promover a saúde, O eixo heliotérmit; de lt:il; ('rr, 1r1',
eixo heliotérmico polariza a casa positivista, e se estende pelos bairros colaltrrr,r ,", r!
- lembremo-nos de Hilberseimer -, orientando a organizaçáo das cida- que, ()l ll .r Ir
des - lembremo-nos daVille Radieuse, esse pesadelo darazáo, no qual
todas as construções de uma cidade para três milhões de habitantes num tlt)" rl, r' '

são orientadas em direção ao sol. porenr, l,rl , , ,, i

A natureza servirá tão somente aos esportes, à saúde a à higiene, e, Trata:;r ',,,, 1,, '
para tanto, resultará plana, reduzida à "supedície verde": res extensa + superfície verdo baseil rtr,r I I

eixo heliotérmico. dade r),tlrrr r' '


Fixemo-nos agora no jardim dos Arpel - com públicr t lr, tt r I

seu peixe-fonte e sua cruel codificação de usos branco priedadot


e movimentos -, nesse salão estendido ao ar Um nll tllt t' rl ,, !:

livre, sempre deslumbrante, plenamente ex- eÍiciet tll l, rr ,t !

posto ao sol. E comparemo-lo aos terrenos dos rarefaoil| tlr' , l'

arrabaldes por onde monsieur Hulot circula, Parecc tt tr tlrl ,'


divertindo ao seu sobri-nho, a esses descampa- detotll lr ,rlr lrr I

dos que são verdadeiras áreas de impunidade, ;rente OqUCI(rlrlrr I I I'


onde se produzem as formas mais intensas de Çem, ltlr",{ rrr' '

socialização. Tati mostra, assim, as implicações vilegiitt lo ( tl '

da redução pseudocientÍfica da idéia de nature- materil tl 1 rr, ', I ,

za na cidade moderna, os limites de uma visão feição r )t rr


"r
r , r

utilitarista do espaço público. [e[teitll ,,l

76 77
, )r I que, se a casa positivista possui algum
rl )t ( x )r t( l( )r
Qual é a materialidade que corresponde a esta soma de res exÍensa e
) ), rr( )rr I dúvida, aquele que representa a família
( ): ;l{ (
eixo heliotérmico, na qual se cristaliza espacialmente o tempo teleolo-
rtr ;o o :r lll lo, o lugar em que se realiza
o sujeito posi- gico positivista? Na casa positivista, obviamente, não cabem os mate-
r; r : rcI I ir k espacial de visibilidade e transparência.
rr rl
riais naturais, aqueles mesmos troncos e pedras obtidos ao se abrir a
r :; r 1
rr ir tr;i; » rl, na expressão simbolica desse modo de
clareira no bosque, e com os quais, ao menos idealmente, constroi-se
;r ;rlc riu duplos ou triplos pe-direitos, em torno
or:111
o refúgio existencial. Toda memória tem uma qualidade inferior: assim
; r;i r, ;( )r n( ) urTta versão doméstica do panóptico.
(
o salão panóplrr:rt como estão proibidas as lembranÇas dos antepassados, está proibido
vrI rr 1ir rr k r, ltorem, necessariamente encontrará seu
qualquer mobiliário que evoque alguma memória - observemos os inte-
llt t;rr..:o orr o jardim serão concebidos à sua ima_
riores das casas positivas mais ortodoxas divulgadas pelos meios de
Ír;rl )()r tÍri urn fino e permeável pano de vidro os
comunicação -, está proibida a construção com materiais que não pos-
, ;r( ) "il livrr;", nos terraÇos corbusianos, no jardim
suam, em si mesmos, uma condição moderna.
,lrirlicr tc, l;aLlde e progresso triunfam, A natureza,
nateriais Todas as técnicas industriais são bem-vindas. A parede não será nunca
lrr ;r r;irkr larnbem transformada pela visão cientifi_
dustriais mais esse conglomerado maciço e inerte com o que os antigos defen-
; í r( )t lc( )l x,;(x)s médicas então vigentes, participará
diam-se da temperatura externa: suas propriedades físicas derivarào
,rlc: rrkr rluo seja capaz de promover
a saúde. O eixo heliotérmi«:o de leis e normas, para cada uma das quais um material industrializado
lr.'r t il oíxiít positivista, e se estende pelos barrros
colabora, constituindo uma parede completa, com múltiplas camadas,
Irllrr rr :ilrrrrrr ,, orientando aorganizaÇáo
das cida_ que, em suas melhores formulações, à imagem da linha de produção,
rl;r\/illt: litrlieuse, esse pesadelo darazáo, no qual
chegará a ser montada a seco. A dissecação taylorista penetra, assim,
:, rL: Ilntit cicJade para três milhões de habitantes
num dos elementos compositivos mais ligados à tradição. No interior,
I tlr..l tr I ; l( ) l;( )1.
porém, tal complexidade torna-se desnecessária.
{):i()r lt()l rlc i,ros espoftes, à saúde a à higiene, e,
Trata-se, aqui, de dar vida a um espaÇo cartesiano e higiênico, que se
rl;ur; r, rrrr lrizirJa a "superfície verde,,: res
ertensa + superfície verde baseia na visibilidade, e foge de qualquer conotação com a insalubri-
dade e a memória. Assim, da mesma forma que, no exterior, o espaço
c jardim dos Arpel - com
,,ô público transformou-se num material contÍnuo indiferenciado, sem pro-
i cruol codificação de usos
o branco priedades - o "verde" -, no interior este material passa a ser o "branco",
:se salão estendido ao ar
um material moderno, visÍvel e integrador, homogeneizador ao extremo,
Irbrante, plenamente ex-
d eficiente tanto sob o ponto de vista higiênico, quanto como elemento
rarorno-lo aos terrenos dos
rarefaciente do espaço.
) rnonsieur Hulot circula, {
Parece inútil ressaltar o enorme prest(gio do vidro: a casa positivista será,
ri nho, a esses descampa-
de todas quantas encontremos, aquela que mais emprega o vidro. Tudo
rlras ároas de impunidade, §'+\
{,lr | ) tnspafente o que representa o vidro, desde seus processos de fabricação e monta-
:i forr]tas mais intensas de it gem, até sua transparência, contribuirão para fazer dele um material pri-
ilra, assim, as implicações I\ vilegiado. Observemos que o vidro, na ortodoxia moderna, é sempre um
:lntÍfica da ideia de nature- p
material produzido industrialmente, em série, com o máximo grau de per-
a, os limites de uma visão
feição em suas propriedades métricas - superfície, corte etc, -, transpa-
.rtiblico.
rente até o ponto da invisibilidade, e capaz de permitir a passagem da

It) 77
radiação solar. Em poucos momentos terão coincidido de forma tão feliz, Os cottll{)( it rr rl
como neste, a ascensão dos valores ideologicos - a visibilidade positi- dosArl xrl,,r,r,r,r
vista - e o surgimento de uma tecnologia e de um material. Ainda que se âpelÍeit,.;o; rt rl r,t,
possa matizar extensivamente esta idealização do vidro (pois este reflete do tenrl ro l l,, r , 1

as superfícies até a opacidade, suas propriedades Írente ao sol são limi- As se{1iict r, r,, r

tadas, sua perfeição é relativa, ele e frágil, e, além do mais, trata-se, ori- emgrílt trL",rrr,,t,,
ginalmente, de uma rocha natural geralmente translúcida), nada disso irá eficienlrtrir,.rrrt,
desmanchar o encanto e o prest(2io desta conjunção de transparência e liarnar:l r;,r ,,
superÍícies brancas hospitalares que caracteriza a malerialidade positi- com s()t lt ; ll il, l, ,

vista e dá forma ao seu afã de obter uma luminosidade ofuscante e sau- Ponto rir ' 't l,
dável, puro efeito da visibilidade. somerllt\ ntt,t ! '

A exibição da visibilidade da família induz à sua integração a uma engre- mesclitt trl, ,.r
nagem coletrva superlor. A visibilidade do salão será reproduzida na da Estas r', ,

t
k rr rr 1, 11

4@
casa e esta, no conjunto delas, onde a casa positivista encontrará seu 7', uma ilt; rllr r, rlr ,, ,

destino mais natural: será esta casa, dentre as aqui resenhadas, a única de pos;ilrv , r,
que "voluntariamente" aceite constituir-se em uma coletividade. A famÍlia viajavarI,N.l.rr ,.,
mira-se como a célula de um organismo social superior, e, para isso, otrabitll I)r'r r

serve-se do falanstério como uma reÍerência em que se conjuga o positi- organ?trt (),,., 'r

vismo ao socialismo utopico (Comte não apenas fundou a sociologia; foi, Sepafill lll lr tr,t
antes, discÍpulo de Saint-Simon). Entenda-se bem: é a casa positivista a geral r l; 1 ',r ,, r,

única que encontra o seu apogeu no conjunto habitacional; são os arqui- SUmO l)( )r llrJ

tetos modernos os únicos que encontram a legitimação de suas idéias de


habitação em sua capacidade de dar forma ao conjunto habitacional. t,,t llt.l.ti

Ao serem a casa positivista e o conjunto habitacional animados pelo conjunto


imperatrvo moral segundo o qual o coletivo seria um valor superior, o habitacional $ll
I
!d
Íim último da habitação será modelar e solucionar o espaÇo público, I

será conformar a cidade. Este é, definitivamente, o projeto que se ins- I i


,lir
#
"W.'ü
I

trui, de cujo otimismo social participa profundamente o positivismo: fl


rlli
l
i it
! :.i
construir a cidade, construir o espaço público através da habitação.
O conjunto habitacional propiciará, ainda, fechando o cÍrculo, a síntese
entre o orgânico e o maquínico, o evolucionismo e a industrialização, e
será, ao mesmo tempo, expressão culminante da metáfora orgânica da
sociedade - a célula e o organismo -, e produto de uma industrialização
I
que produz em série objetostipo para famílias{ipo. As leis imutáveis da ) \\,
nalureza reproduzem-se na sociedade, e são os cientistas e os arquitetos
I \<ç\§
I

modernos, que trabalham à sua imagem e semelhança, os que possuem l


\

7B
r 11 )r I rl| rl( ): r l( )rao coincidido de forma tão feliz, os conhecimentos essenciais para aperfeiÇoar esse esquema. A cidade
l, ,', vr rk rrcr; iricologicos - a visibilidade positi- dos Arpel, a cidade do positivismo, é construída com base no modelo de
r r r, r lr r :r rok u;iir o de um material. Ainda que se aperfeiÇoamento cientffico que Taylor criou para a indústria, a dissecação
,r rl. r ,: ;lr r ir k x rlizaÇão do vidro (pois este reflete do tempo e do espaço em unidades mínimas, autônomas, otimizadas.
, rr I, ,, r ;l rr r:r propriedades frente ao sol são limi- As seqüências de l\tlon oncle isolam os momentos da vida dos Arpel
r,,1,r, r[: c lrir.1il, e, além do mais, trata-se, ori- em grandes unidades sem conexão. Os planos dedicados à circulação
r r, rlr rr ; rl r 1or I rh nente translúcida), nada disso irá eficiente do automóvel, ao trabalho sistemático na fábrica, à vida fami-
| , ,: ;lrr lir
,r i r ktsti.r conjunÇão de transparência e liar na casa, assim como a longa seqüência da festa no jardim, cada um
rl r, r lr r( ) oilracteriza a malerialidade positi-
lr com seus ruídos especÍficos, são unidades autônomas não apenas do
, l. ,I rlr )t untít [lminosidade ofuscante e sau- linr l;r de Atenas ponto de vista cinematográfico, mas também na vida dos Arpel:
,l,trll somente monsieur Hulot as atravessa sem soluÇão de continuidade,
r I rr rrrlr, r rr rt lr r,z il sua integraÇao a uma engre mesclando-as e as confundindo.
vr;rl rrirr l; rrlc rlo salão será reproduzida na da Estas longas seqüências isoladas reproduzem a cidade moderna, são
l.,1,r,;, or rrkr ir casa positivista encontrará seu uma materializaçáo direta da Cafta de Atenas, o grande livro sobre a cida-
,',l,rr:l r;l r, rktnlre as aqui resenhadas, a única de positivista escrito durante o CIAN/ realizado naquele transatlântico que
. r ,r r: ;lillrir sc ern uma coletividade. A família \il viajava de N/larselha a Atenas no ano de 1933. Nele, a habitação, o lazer,
r il ' | ,,, I, rr rt:,r |o
social superior, e. para isso. \l o trabalho e a circulaÇão são consagrados como categorias capazes de
r, , I il I r, I rok rrir|cia em que Se COnjUga O positi- organizar o conhecimento da Cidade Grande. Cada uma delas deve se

, (( ,r ,r r )lr r I li to i rl)enas fundou a sociologia; Íoi,
I
separar no tempo e no espaço, otimizando-se, assim, a produtividade
rrr,r r) I rlr:r tr la se bem: e a casa positivista a geral da sociedade industrial. Com estas unidades mínimas à mão, o
| )i ,( l|I I I rr I r;oI tllrnto habitaCiOnal; SãO OS afqui- sumo pontÍfice, Le Corbusier, criaráuma cadeia orgânica final: as peças
lr r( ' i 'r r( r'r rll rr n ít legitimação de suas idéias de previamente seccionadas adotarão uma organi-
rr l. r ll r lr u lorrllr ao conjunto habitacional. l.t 1lr.l.r: zaÇão antropomorfica na Ville Radieuse. Nela, o
Lr rl r;o1 1j11;111; ltabitacional animados pelo coniunto resultado da fé cientÍfica aparece como a resti-
I rlrt; rl rI cokrlivo Seria Um Valor Supefiof, O habitacional tuição do corpo do indivíduo ao grande corpo
,r , r rr( ){ [ r[ rr c I jolucionar o espaÇo público, social em que reinam a unidade e a ordem, um
' lr , r :, r lllirrilivrrrrrente, o projeto que se ins- corpo limpo e saudável exposto ao eixo heliotér-
r,

,r
ri 1 r lrrofrrndamente o positivismo:
rr rr licil rr

lr i ) í ,l r; rr;o rulrlico atraves da habritação. 1

,l )t, t, rti r, I rir rr l; t, Írx;hando o cÍrculo, a síntese


rH mico. O maquínico, a dissecação cientÍfica serve,
assim, à criação de uma sociedade orgânica, per-
feitamente ordenada, que demonstra, no esplen-
ulrl ,, , r:vr rlr lcio| li:ltro e a industrialização, e dor de sua perfeição, a necessidade de uma dou-
I ,r, | ,, r( , l llr r tir l rr tkt da metáfora orgânica da trina cientÍfica da cidade: o urbanismo. Técnica
(

i it
l, l rr',r r( , () I )Í( ir lrrto de uma industrializaçáo de planejamento desse corpo orgânico, forma de
lil -.
,, , II r, I l rtr r Í; rt rrililrs tipo. As leis imutáveis da .ii; ?1, alcançar a plenitude da sociedade, o urbanismo
F
;

\:IG
&
i
' ,r rr i.r l, rÍ lr r, o rii ur cts cientistas e os arquitetos estende, da casa operária à cidade inteira, a aten-
' ,t r, r llr, r( l{ }t l o l;otl telltanÇa, OS que pOSSUem I l:'ts.?J
r', i':-
/
Ção ao metro quadrado e à planta, sem modificar

7B
I
minimamente sua técnica de proleto. A cidade dos Arpel será, podanto, da cidirt lt'. . rr,,' I

uma grande máquina planejada, uma utopia social que somente em quanto (:l; rl ,,
'r , '

Brasflia terá se materializado com a pureza desejada pelos modernos, lasquatltl.,1,r''1


Em Brasília, será de novo a planta a nos revelar a simbologia que dá ori- nica scx:l rl I I ''
gem à cidade: o grandioso sonho humano - voar - torna-se realidade do Pasl;; rr I' , '| r '|'

graÇas à ciência, assim como o sonho da cidade perfeita, que se mate- na Cttrl, t , l, \

rializa graças à ciência do urbanismo. Uma dupla metáfora, maquínica e positivil;lrr: ,, , , ri 'ii

orgânica, o avião e a ave, abre suas asas em pleno Planalto Central, cons- servirá il { rllr, ,

truindo o que, sem dúvida, é um grande e - por que não? - monstruoso aqui eslt tr l, r, I r i
'

sonho darazáo. Da mellt r1, I l, 'rr r ' , ,

Vemos reproduzidos, aqui, na escala da cidade, os mecanismos de pro- de um l)l(r(p rr!r'


jeto da casa. O documento-mestre será de novo a planta, sua otimização vimenlo, ( I rrr r'1 l'| 'i '

medrante a dissecação de momentos em equilíbrio - o zoning - e a sua mecânir;r trl,,' 't


restituição final, orgânica e higiênica. lnversamente, podemos entender o visão ttl; llr, ,' l! r'
proyeto da casa como uma translação da cidade: também o proleto da zaçáo rl; rr , lr " t,r' '
casa positivista resolve-se através do zoning, de um microzoning consa- microzoning o Praz()l (l, r 'I,
grado ao sol, em que as peças são decompostas para serem novamen- mente, ilr , l.rr, I '

te ordenadas em uma engrenagem mecânica e orgânica com eficiência casa.A(,1 r 1

miíxima, a famosa "máquina de morar". Esse microzoning é, sem sombra denciittlr l, , r,i
de dúvida, o elemento que permanece implícito e oculto em muitas das cozinhi t, lr, '|1"i'! :

propostas pretensamente contrárias à orlodoxia moderna. E precisa- ineficiÔrrt,t,tl, ,'


mente este esquema funcional, que se reproduz no público e no privado, da,aÍixl r,.,rr Irrrr"
o cerne da modernidade que Tati soube evidenciar, mostrando-o como modorltl{'lr,r.r"'
um verdadeiro mecanismo de retroalimentação do sistema maquínico. precari; tt tt|t rl, i'

Porém, o maquinismo da casa positivista tem também um caráter sim- Uma folit r, r , l, rr r

bolico. Reyner Banham, em Teoria e projeto na era da máquina (1960), c arquiteto arqu tcl( ), l.t t r r' ' r

descreveu, com precisão, os limites dos arquitetos e urbanistas moder- do esPll l(.., , tlt ' '

nos ante as realizações técnicas da industrializaçáo: "...produziram uma Oquetlt't "r'l' ''
arquitetura da era mecânica apenas na medida em que construíram rial del;t )l r\/r ,l r I r

seus monumentos em uma era mecânica e expressaram uma atitude lizaçàtt 11r,,' 1',
frente à máquina, na medida em que se podia encontrar em solo ,.1", fl6r1;,;r , r rlr
,r I

francês, e discutir polÍtica francesa, mas sempre falando em inglês." o arqttilllr r rtt' i'

O arquiteto é sempre um turista fascinado ante um maquinismo cuja eSSa [)()l 1111l,r'r '

mecânica desconhece, um turista que se encanta com a beleza do tran- Iiraniar()r ,/\rl'I '

satlântico no qual decide viajar para pontiÍicar sobre a cidade, mas é quarto t lt t tti' r"'

incapaz de mostrar a mesma sensibilidade diante da memória historica foi Previr ,1,,1",

BO B1
r , r ( ll ) l)roicto. A cidade dos Arpel será, portanto, da cidade, ainda que distraidamente visite a Córsega e Atenas, en-
1rl; rr rc1r rrlir, uma utopia social que somente em quanto elabora a sua cidade ideal. Este turista não terá as mãos trêmu-
rlr.'; rr lr r r;rrnr a pureza desejada pelos modernos. las quando propuser a destruição do passado em favor da lógica maquÊ
,\/, ) , I l)l; lntír a nos revelar a simbologia que dá ori- nica social: "Não se pode admitir que, em prol de um culto mesquinho
rlrl: ;o r;rir tlro humano - voar - torna-se realidade do passado, sejam ignoradas as regras da justiça social", escreverá
|( ( )r r( ) o sonho da cidade pedeita, que se mate- na Carta de Atenas. Esta insensibilidade, produto dos valores
rL r url r; rnil;rrro. Uma dupla metáfora, maquínica e positivistas, certamente marcará o início do fim da cidade moderna, e
,, , . rl rrr ) rr ti r:l asas em pleno Planalto Central, cons- servirá à crÍtica sistemática que outras formas de pensar e de habitar
rrr lr r, l r ln t (Jrande e - por que não? - monstruoso aqui estudadas trarão à tona na segunda metade do século >«.
Da mesma forma que o apelo de Comte a uma vida positivista carecia
r, lt il, I ti r r I ;Cala da cidade, os mecanismos de pro- de um programa especÍfrco, que se confiava a um posterior desenvol-
L ,r rl( ) n rr l:;lrc será de novo a planta, sua otimizaçào vimento, o maquinismo moderno carece de qualquer reflexão sobre a
, rlr r rrrrr
- o zoning - e a sua
rrcntos em equilíbrio mecânica do conforto. Também sua cultura material está ligada a uma
, r l tit;it. lnversamente, podemos entender o
I rir 1icr visão mais estética, do que práIica, do conforto, baseada na ideali-
rnr,r lr;rrr;liu;ão da cidade: também o proleto da zaçáo das técnicas e dos materiais industriais. Expressa, quanto mais;
' ,( ' ; rl I i rv( xi do zoning , de um microzoning consa- o prazer de viver em uma época em que foram compreendidas, final-
microzoning
r' ,I )( r( ri r r :;l ur riecompostas para serem novamen- mente, as tarefas da maquinizaÇão, e aspira a realizá)as no interior da
, ,r r( ,r )r ri r( J( )r)t
( ntecânica e orgânica com eficiência casa. A casa dos Arpel expressa bêm este anelo e suas limitaçÕes, evi-
1r rrr r, r r lc n rorar". Esse microzoning e, sem sombra denciando, através das falhas sistemáticas de seus automatismos - na
r lr r( , ){ )r n l l t(xle implícito e oculto em muitas das cozinha, no portão de entrada, no jardim, no portáo da garagem... -, a
|
rrlr r;oI rllrriits a ortodoxia moderna. E precisa- ineficiência técnica e suas conseqüências. Uma delas será, sem dúvi-
r r( r( ,r ri rl, ( ll r( ) se reproduz no público e no privado, da, a fixação máxima das atividades imposta por essa mecanização, de
l,,Ílt t( ) l;tli txtrrbe evidenciar, mOstrando-O Como modo que nem tanto os objetos visÍveis, o mobiliário, mas sobretudo as
rr r, r lc r cI roI rlirnentação do sistema maquínico. precariamente desenvolvidas instalaçÕes elétricas da casa, obrigarão a
, l, r r ;; r ;; r
1
ror ;il ivista tem tambem um caráter sim- uma rotina de alguma forma escravizadora, submetida aos des(gnios do
r. , 'l r /r '( )t i; t () pt'Ojeto na era da máquina (1 960), o arquiteto arquiteto, tornando o habitante incapaz de reconstruir a experiência
, r., r ,r r li11tilcl; r los arquitetos e urbanistas moder- do espaço através de procedimentos e vínculos personalizados.
, llr ; 1;1';r:; r llr inrlustrializaçáo: "...produziram uma O que deixa de estar presente na casa positivista é toda a cultura mate-
,rr( ,r irl )()r ri r:l rrii medida em que construíram rial desenvolvida na construção do eu: qualquer vislumbre de individua-
rrrr,r (rt;lrtcr ;ljnica e expressaram uma atitude lizaçáo do espaço é substituído pela presença autoritária e fantasmagó-
rr r.r lrltr lr r {l l
( to se podia encontrar em solo rica desse outro que dirige invisivelmente as pautas da conduta privada,
lr, ,rt, tllitsl sempre falando em inglês."
lr;urc()r ;i o arquiteto moderno. Quem não terá percebido, ao assistir l\lon oncle,
rrrrr llt r;l;r lrr:;cilnr.lo ante um maquinismo cuja essa perturbadora presenÇa, contínua e latente, que voluntariamente
r rr r r lr l ir ,l; r r lrrc lto encanta com a beleza do tran- tiraniza os Arpel, até anular qualquer hipótese de iniciativa? Entremos no
(1,, \/r; ll; lr l); tril pontificar sobre a cidade, mas é quarto do menino, incapaz de personalizar esse espaÇo em que tudo já
r r r, r r;lr r;il iilir llrc.le diante da memória histórica foi previsto por outro, e assim entenderemos até que ponto a mecani-

BO B1
zaçáo - ao menos a imperfeita - é um lastro para a apropriação do .r eSCâPill ;ttttt '

espaço. Comparemo-lo com Hulot, em sua casa, distraindo-se ao Íazer damorlt)t Irt, I.r,L '

o vidro refletir o sol em determinada direção para estimular os passari- desto: r tt ;( , rl ,. , ,

nhos a cantar, e ouÇamos, de outro lado, os ruÍdos de todo o maquiná- lrrpg(r1 11 I 11 rrr Il,
rio da casa positivista. Não é a sua idéia de conforto puramente exter- a castl t lo' ,'r I ,

na? Não há, na higienização do ambiente, um esquecimento profundo Eobvio(ltlr ',rr'


do conjunto de estímulos sensoriais - odores, sons, elementos táteis - se porlct t,rl.r ,,
que compÕe qualquer idéia plausÍvel de ambiente? do a silttr r,., r, , I

A sonoridade metálica e irritante da casa dos Arpel- que, não aciden- lizaçáo, () , rr rt,
talmente, reproduz a da fábrica - é, assim, expressão de uma mecani- Qualidatk',1,, ,1,

zaçáo a um só tempo imperÍeita e mitificada, que se expande por toda a sentido ri, ' r, r,

casa, tornando cada vez mais difícil o prazer, o descanso, a intimidade. tais do ( r, rl ,rl rl, ,,
Lembremo-nos de como Tati Íilma o momento de maior relaxamento na obr ga il , r, l, ,l ,,
casa dos Arpel. A televisão, o grande totem do mobiliário moderno, nos col ll( )\1í L I

polariza a posição dos Arpel em suas poltronas-estrutura, sentados justo lhe quo Irtlt ,lr I

no limiar da porta, continuamente levantando-se, nem dentro, nem Íora, de ttmrt l, r.tr l, r, I

mas de costas para oexterior, numa posição inverossímil e ridícula, ples,dc(ltt, rr ,

angustiantemente incômoda. Esta cena cotidiana da vida dedicada a fé Conveft0t t |r rr I

positivista é uma metáfora completa das limitaçÕes que apontamos na lugar et tt , t,


1r
,

casa positivista, nas formas de pensá-la e de habitá-la. de, balurtr Lr ,,,


falvez, porém, as dificuldades que ainda hoje a arquitetura encontra ffiento, llt rlr, r I

para superar esta casa, para aprender a esquecer as suas grandes limi- ti[ do ct rl, 'r r, t '

taçÕes, não residam apenas na inÍluência do positivismo vigente nos contra il r rrtt. r

processos de formação do arquiteto, mas em sua proÍunda capacida- somenlo , r','. r, r 1

de de penetração na mecânica produtiva, através das normas que nos normas dado rlill; ,, 'r r r I

deixou como herança.Talvez seja esta a principalferramenta para a per- modernas monsiqrr llrrl, t ,,
sistência de alguns modos de pensar e de projetar a habitação nos entre at; r lr t, r' I

quais ninguém mais crê, mas de acordo com os quais todos estão con- e não r,,
rt1 ,, 't I

denados a agir. Apenas quem confia no Íato de que tanto a sociedade, eXp iCa ;l , rrrl r

quanto analureza são regidas por lers idênticas pode trabalhar, com o É atravoll rlr , ,r , ,

afinco dos modernos, na produção deste legado de normas cristaliza- beleza t l; t: , rrr, ll

das. Assim como os arquitetos do Team 10 experimentaram dificulda- Um SO ltl( " r'l r
( r'

des para superar a oftodoxia moderna no interior da propria moderni- das obl l; trr,,,

dade, os arquitetos de hoje ainda permanecem, em muitos lugares e que Íosl;r )| r,I r,,'
países, presos a essa jaula herdada. A tarefa de quem deseja modificar oâs de ltt, ,t , ,,
sua forma de pensar e de projetar a habitação é também a tarefa de grandel; ol ,r, r r ,

a2 B3
o lltil lÍlstro para a apropriaÇão do escapar ao marco não apenas epistemologico, mas também normativo,
)1, { )r r I suA casa, distraindo-se ao fazer da modernidade. Por ora, contentaremo-nos com um objetivo mais mo-
rr l; r r lirrxl;io para estimular os passari- desto: escapar a uma valoração simplista e negativa desta fantástica, e
1l
ro l;os ruídos de todo o maquiná-
11 l1;, }I também unidirecional, concepÇão de arquitetura e, através desta visita
r;r ir k.riir rle conforto puramente exter-
url ricr tlo, um esquecimento profundo
Il à casa dos Arpel, olhar sem rancor a experiência moderna.
E óbvio que a nossa visita à casa dos Arpel e enviesada e parcial, e que
;l: r
rxlores, sons, elementos táteis - se poderia Íazer uma análise bem distinta da casa positivista, explican-
tvr:l rkt iunbiente? do a situação historica, a explosão demográÍica associada à industria-
lr r r;; r;ii clos Arpel
- que, não aciden- lizaçáo, o caráter progressista de tantas experiências, o beneÍício à
,', ;l;l;lnt, expressão de uma mecani- qualidade de vida obtido através daquelas mesmas regulações e leis, o
rrriliÍir;rrrllr, que se expande portoda a sentido de resistência da modernidade frente às tendências mais bru-
r rl o put/er, o descanso, a intimidade. tais do capitalismo selvagem...Tudo isto é inegável, mas apenas nos
r o rIro| Itonto de maior relaxamento na obriga a adotar a postura do historiador tradicional e, sobretudo, nào
1;rr rrio lolem do mobiliário moderno, nos comove. O que nos comove, e emociona, é o cuidado com o deta-
r; r ; 1 rollrrtnas-estrutura, sentados justo
lhe que Tati dispensou à construção desta casa, e do bairro completo
krv; rr rlllrrJo-se, nem dentro, nem fora, de uma cidade de negócios em Playtime, Comove o fato, puro e sim-
nr l )ri l
IrosiÇão inverossímil e ridícula, ples, de que aquela Íantástica iluminação chamada modernismo não se
L , ;q ut colidiana da vida dedicada a fé
convefteu em história abstrata, mas em nossa própria tradição, no
rl;r rilt; lirnitaçÕes que apontamos na lugar em que nossas vidas têm se desenrolado, Comove que esta cida-
rr ;; r ll o rir: habitá-la. de, baseada em princípios cuja mera menção repele nosso entendi-
rc ;rirrrli I ltoje a arquitetura encontra mento, tenha sido um marco em nossas vidas. Somente assim, a par-
rr lr:r ;r olt{luecer as suas grandes limi-
tir do entendimento daquilo contra o que nos formamos, "nadando
rrrlhrcr rr;ilr rlo positivismo vigente nos contra a corrente", e de sua conversão em uma difícil tradição viva,
rrl(), rlilll otT) sua profunda capacida- somente assim podemos entender e comparlilhar esse amor, esse cui-
, rr h rlraves das normas que nos
rljv; r, i normas dado dispensado por Tati. Provavelmente nos identificaremos não com
r: ,l;r ;r irrcipal Íerramenta para a per,
1rr modernas monsieur Hulot, nem com os Arpel, mas com o que representa o filho,
)r r: ;; u o rlc Jtrojetar a habitação nos entre as duas cidades que lhe são alheias, pulando de uma para outra,
r :oI lo r:ot os quais todos estão con-
r r e não apenas fisicamente. É ele o protagonista, o personagem que
rli; r r ro l; tlr I r le que tanto a sociedade,
explica a ambígua posiÇão de Tati frente ao mundo que nos foi dado.
r [ ,i: r ir k rr rlic;rs pode trabalhar, Com o E atraves de sua mente que podemos entender e nos identiÍicar com a
o rIl;lo lorlirrlo de normas cristaliza- beleza das melhores proposições positivistas, sem concordar com nem
r lr; ll lo cxperimentaram dificulda- um só que seja de seus argumentos. Quem não terá sentido abeleza
llr rr;rno irtlrlrior da propria moderni- das obras mais radicais de Le Corbusier? Quem não desejaria, nem
I I I rr | | li il t( )( )( )t r I, em muitos lugares e que fosse por uma temporada, viver em uma destas fantásticas máqui-
;r /\ lrrrcllrtk: quem deseja modificar nas de morar? Quem não valorizaria a casa dos Arpel como uma das
r ;r lr;rl rillrr.:lro é também a tarefa de grandes obras da arquitetura de nosso século, com sua horrivel fonte,

82 B3
sua cozinha de hospital, suas janelas-olhos dalinianas, seu cacto Picasli( ) { jlti lr "
catastroficamente mutilado por monsieur Hulol? Quem, finalmente,
permaneceria impassÍvel ante o desdobramento de ilusão e beleza, de
fé no progresso, de uma cidade como Brasília, capital de um país que
ainda hoje ostenta, escrito em sua bandelra, o lema que foi o leit motiv
do credo positivista: "Ordem e Progresso"? Como o menino Arpel,
sabemos que estamos condenados a esta fascinação exercida pelo
mundo de onde viemos, que nos fez como somos, que nos forneceu
as normas com e contra as quais viver, isto a que sempre se denomi-
nou "tradição".

B4
rl

lrrl;rl, r;r ri ri
jínelas-olhos dalinianas, seu cacto Picasso em férias: a casa fenomenologica
rlrl; rr Ir 1)or /norjsieur Hulot? Quem, Íinalmente,

vr rl .rr rlr: o r k;sdobramento de ilusão e beleza, de

rrr, r r rr l;rrkr ctonro Brasília, capital de um país que


,r rlr r r rr I r;r ra bandeira, o lema que foi o leit motiv
"1 rlrrrr c I)rogresso"? Como o menino Arpel,
)r

)' , k:t rirclos a esta Íascinação exercida pelo


( :( )r l(

I)r ,, (lr ro rros fez como somos, que nos forneceu

rlr,r,r:; rlrlrilr viver, isto a que sempre se denomi-

B4
,ír

,1 ''ffi

\,

Cannes,I957 O Photographie André Villers


t

II

ll' r
1
I
ü
'qt I
I 1 I

il
I
h,,ll$,iffi

Cannes,1957 O Photographie André Villers


t

Il
I
I I
I

l
11

F
t,
'ir \ { rl

r
II l

T
,,'!c 6 Photographie André Villorrr

,, u rEE ffiPhotographie André Villers


Cannes, l g55 O photographie
André Viller

il.
il ' rnn{@ Photographie André Villers

ffi
l:.

l)âçs @ Photographie Andre Villers


Ao lançarmos a idéia da casa existencial, tínhamos um ponto de par- modo r lr, rr,, ,

tida: uma soma da investigação etimológica sobre a palavra bauen, em no{ll ;l llr, i,

da imagem heurística da ponte, e da descrição da propria cabana de da na r It'r ,, ,t, l' '

Heidegger. A idéia da casa fenomenologica, por sua vez, pode ser cons- f,gggp1J1v1 11,,r1

truída a partir de dois textos e de duas referências visuais que também sua ifilitr ttl,r, I ,

alimentam sua configuração arquetípica: de um lado, o clássico texto de mento:;, l,r, rr,,

lVlaurice lVerleau-Pon|y, Fenomenologia da percepção (1945) - espe- mos ' ,1,


Potir .( I

cialmente os capÍtulos dedicados ao corpo e ao espaço -, e, de outro, fantasiar,,r,, ,;


essa obra tão popular entre os arquitetos, A poética do espaço (1957), Qugm tll',t tl,I
através da qual Gaston Bachelard realizou uma completa topologia da forma rit r lt, rl ,,r ,'
casa fenomenologica. Contudo, paradoxalmente, nenhum outro tipo que aprendOt ',r r,, l,

descrevamos será menos livresco, menos abstraído da experiência, defamoll lrll rrr'!
que esta casa que se constituiu, por assim dizer, somente a partir de logico orir ll,,
uma determinada atitude vital. a subjotivr, l, r, t,

Por isso, optamos por recorrer inicialmente a duas referências mais hegemÔt tr, ,r 't' !'
concretas, que se tornaram familiares para nós através de documen- Único. t) I,'r , ,,
tos gráficos, tão próprios do século xx, como a fotografia e o cinema. experiêtrr:r,r,l,
De uma delas já falamos, ao abordar a casa positivista: a complexa e ponto drt l)rl l,
absurda - pelo menos do ponto de vista funcional - casa multifamiliar, de tudo, Voll, tt r ' i

em cujas águas-furladas vive monsieur Hulot, imerso em seu mundo tareÍafiltx;olr, r,,,
fantástico, e cuja contraposição à casa dos Arpel evidencia a distância a de "del;r 'lr'\ I I I

entre duas concepções de existência profundamente antagônicas, claramertlr' II,," t

A outra, tivemos acesso através das reportagens de André Villers e de meu Potltrr ,

David Douglas Duncan, registros de uma prazerosa intimidade apre- mentos r: r l| 1,,, i '
sentados em dois llros, Viva Picasso (1980) e Picasso, lenda de um 'habita' t lr ttt , tt t r' , r'
século (1999), nos quais, com todos os detalhes, assistimos a uma interior, o ltt ,r rt, r, i :

forma fascinante e mÍtica de entender e de usar o espaÇo. Uma forma Este sujeilo, 'rrr ,,
de habitar que pertence plenamente ao século xx, aos seus maiores coisas e t|" rr "
triunÍos na construção do indivíduo livre e criativo, capaz de estabe- mundO,(rrlr r','
lecer um diálogo desinibido com as convenções. Picasso pintando, Íenômeno, ,r ,tri,l
absorto, a casa desarrumada ao entardecer. Picasso, de ceroulas, sujeito estendentltlrr , ''r"
Íazendo palhaçadas, ou pulando corda com sua Íilha. Pouco, ou nada, objeto formando it lll rl, | , r.
importa que estes documentos fotográficos, realizados por David Nada, pot l; rr rl, ' r

Douglas Duncan e André Villers, peftençam a La Californie, a vila situa- olhar introl;1 r, ', lr ,

da em Cannes, na Riviera Francesa, ou ao Château de Vauvenargues, constituettt r,r '.r r,,


ou à Notre Dame de Vie - as distintas casas do artista: um mesmo umatecnir;r rrL, ,

o, 93
;;ri(iéia da casa existencial, tínhamos um ponto de par_
modo de morar desenvolve-se em todas elas. Todas elas compÕem,
l;r rlrr investigação etimológica sobre a palavra bauen, em nossa memória, uma mesma casa, desmesurada e anárquica, vivi-
rr rrl;lica da ponte, e da descrição da propria cabana de
da na desordem e na despreocupação proprias de um menino, nessa
r l casa fenomenologica, por sua vez, pode ser cons_
ri; r r li.r
desordem e nessa liberdade de que tanto ressente o filho dos Arpel, em
r I r rktis textos e de duas referências visuais que
também sua imaculada casa positivista. Observemos detidamente esses docu-
r t:or rlir;rrração arquetÍpica: de um lado, o clássico texto de mentos, façamos nossos esse espaÇo e esse modo de habitar, tome-
:rrrrl\rrrty, Fenomenologia da percepção (l9aS) _ espe_
mos posse de tudo isso, e assim principiemos a construir, em nossa
rrlrrlos dedicados ao corpo e ao espaÇo
;; 11
-, e, de outro, fantasia, a casa fenomenológica.
rr r; rrrlar entre os arquitetos, A poetica do espaço (jg|7),
1
Quem é o sujeito que habita esta idéia de casa? Como construiu sua
;rl (lrr:;lon Bachelard realizou uma completa topologia da
forma de habitar? Para encontrarmos uma resposta, teremos que
rk rt,ici.r. Contudo, paradoxalmente, nenhum
outro tipo que aprender suas técnicas nos dois textos citados anteriormente. Já pon-
r;cr;i ntenos livresco, menos abstraído da experiência,
deramos o quanto, ao menos originalmente, o pensamento fenomeno-
r ( Il lo :le constituiu, por assim dizer, somente a parlir de
logico - o de Husserl e o de Jirlerleau-Ponty - pretende resgatar, para
rr lr r I rliltrde vital.
a subjetividade, uma capacidade de explicar o mundo que anule a
ul(): ; [)or recorrer inicialmente a duas referências mais hegemônica constituição do objetivismo positivista como pensamento
r r;c lr)rnaram familiares para nos através de documen_ único. O fenomenologo pensa que pode conhecer tão-somente a
r( ) l)t (i[)rios do século xx, como a fotografia
e o cinema. experiência de sua própria vida, e que este é, poiranto, o seu único
j; r lrrlrrrrros, ao abordar a
casa positivista: a complexa e ponto de partida - daí sua subjetividade radical. Por isso deseja, antes
) n r{ )r ros do ponto de vista funcional casa multifamiliar,
- de tudo, voltar a estabelecer "um contato ingênuo com o mundo": sua
r; lrrrlirclas vive monsieur Hulot, imerso em seu mundo
tarefa filosofica não é propriamente a de analisar, ou a de explicar, mas
rj;r r;onlraposição à casa dos Arpel evidencia a distância
a de "descrever as vivências", lt/aurice Merleau-Ponty assim o enuncia
r1 1r:cI rr.;rios de existência profundamente
antagônicas. claramente: "O mundo não é um objeto cuja lei constitutiva estaria em
):; ;rcosso atraves das reporlagens de André Villers e de
meu poder: é o meio natural e o campo de todos os mêus pensa-
; rrtuut, reqistros de uma prazerosa intimidade apre-
l)r
mentos e de todas as minhas percepçÕes explÍcitas. A verdade não
loir; livros, Viva Picasso (igB0) e picasso, tenda de um 'habita' unicamente o 'homem interior': melhor ainda, não há homem
11or; r1rr.lis, com todos os detalhes, assistimos a uma interior, o homem está no mundo, neste mundo em que se conhece."
lc r: rrrÍlir;it de entender e de usar o espaÇo. Uma forma
Este sujeito, "um sujeito presenteado ao mundo", extrai a vivência, das
r por lot)c{.) plenamente ao seculo xx, aos seus maiores
epoié coisas e de si mesmo, através da epojé (redução), do espanto ante o
r: rlrrrr;rio do indivíduo livre e criativo, capaz de estabe_
mundo, o que seria uma forma de isolamento da consciência frente ao
,;o ritlido com as convenções. picasso pintando,
rlor;it
fenômeno, a qual desvelaria sua intencionalidade através da visão,
;;r rkr;l trrurnada ao entardecer. picasso, de ceroulas, Ílos entre sujeito estendendo fios entre ambos - eu e mundo, sujeito e objeto -, e assim
:r rr l; r;, oI r
ltulando corda com sua filha, pouco, ou nada, e objeto formando a unidade natural do mundo e da vida.
:: ;lcr ;
(krr;rrmentos fotográficos, realizados por David
Nada, poftanto, que se compare a um espectador imparcial ou a um
rr r c Ar trlrc Villers, pertençam a La Californie, a vila situa_
olhar introspectivo ou científico. Nessa vinculação, o sujeito e os objetos
, rr; r I livicra Francesa, ou ao Château de Vauvenargues, constituem-se a si mesmos. A "redução eidética", a epoje husserliana, é
rrrc rkr Vie - as drstintas casas do artista: um mesmo uma técnica de esquecimento de todos os preconceitos, e de restabele-

92 93
cimento de vínculos diretos entre os fenômenos e a percepção individual. senÇrt ri, , r

É, neste sentido, uma técnica de suspensão do tempo, de "colocar entre - eSSi I lllr, i, l, ,

parênteses" a historicidade do conhecer e do ser humano, em favor de transÍot tr, rr ' I


uma volta idealista "às coisas mesmas", cuja essência nos seria revelada existôttr :t, r

por uma "vivência depurada". Esta vivência depurada não é outra coisa, QUe i.l t:, t" r

senão o primado absoluto da percepção sobre as demais formas de rdiata A pert;r,y )r , r, r,

aproximação da realidade. No fenômeno, tal como o vê o fenomenologo, ração -muntlo ,;r r,

capta-se a coisa mesma através de sua intenção significativa: são a vada pr'1,, ,,, ,

intuição e a intenção, bem como a união de ambas, o fundamento do -oS"lir)r ' I'r,,
conhecimento. E isso implica na intensificação da experiência, o que sig- g outri t, ( lrr , r, !.

nifica, por assim dizer, congelar o tempo, isolá-lo, e esquecer, devolven- naÇão (l i, r, I r, I ,, ,

do-se, ao ato mesmo de experimentar, a sua pureza. mofaÇilo l r, ,

l,lgnsieur Hulot,surpreso e ab,sorto-açrte qualquel.fenômgno.,"?91i9"9199_ vidual, lrrr r,,,,,


tado por vínculo.s quase físicos, numa permanente inogâ-r:i? fenonlct r, ,, ,
li-l:fl1,." I

Picasgo, usuÍruindo dessa mesma.sensaçáo em seu proprio lrabal[g,9-p parêrltor r, ' ,'
um grande palácio rural, ocupando esse espaÇo - poder-se-ia dipr 'lnva- autobio, 1r, rl,, , ,

dindo" esse espaço - cgT o desembaraço de um menino rebelde e capri- OU COÍ)\/t I rr I

choso, explicam o olhar fenomenológico de forma intuitiva e imediatq. deiml rr rlr r, ,r ,,i .

O qúe isto imediatamente nos mostra é que o olhar fenomenologico lVlerleal tl,r,t
carrega consigo não essa consistência temporal - associada a um "per- rede de tiplos, t rr rr t, ,, , ,1

tencer" estável, a uma linhagem e a um lugar - que daria sentido à casa alidades uma lirtl lr, rr,'
existencial, mas uma maior intensidade do vínculo pessoal com o espaÇo intensidade Em N/lot|,, rr r t

como fenômeno do sentido - tanto emocional, quanto intelectual. toast tr;l u,r ,, ,

Dito de forma direta, o sujeito protagonista, aqui, não seria, em absoluto, brança, rli , ,,,i
aquele encarnado pela autoridade paterna e pela coesão familiar, pirami-
dal, mas, sim, um indivíduo diante de si mesmo e do mundo, corpo sen- fiâtal, it lr,',, ,

sÍvel constituído através de sua experiência, vinculado, através da mundoiilri l.r ,, :

intenção, ao mundo e às coisas. Tal experiência realizar-se-ia mediante


uma relação parlicular com cada espaÇo ou cada objeto - "intensidade" guiaol||l1 ,, |'r
seria a palavra que definiria esta relação, assim como "consistência" seria SOnagelll rl,, ll,, ,

aquela adequada à casa existencial. Aepojé, então, seria esta técnica de mesmal; /\' ,, ,

intensificação em que se subtraem o tempo e os argumentos do /ogos, e um irtr liv, lr r,

para se atingir uma percepção direta das coisas "em si mesmas", Essa e [e[flêll lt tt, t, , ', i .

subtração, porém, assemelha-se muito mais a uma suspensào, pois Sente: r1,, ::
Or,, ,r

tal forma de aproximação inclui também o tempo de nossa memória. escondido linhagerrr, r r r,,, r, ,

O olhar absorto detrás da janela, o corpo e a mente enfeitiçados pela pre- o olhar absorto e à dupl;r r, ,, r

94 oÃ
/noulos diretos entre os fenômenos e a percepção individual. sença do mundo ao redor, descrevendo vagos círculos rememorativos
lir kt, uma técnica de suspensão do tempo, de "colocar entre
- essa imagem cotidiana que Vermeer soube resgatar da indiferença e
rr ltistoricidade do conhecer e do ser humano, em favor de transformar em motivo central da sua própria Íorma de entender a
;; rlista "as coisas mesmas", cuja essência nos seria revelada existência -, seria uma imagem precisa desse momento privilegiado em
'crrcia depurada". Esta vivência depurada não que a casa, o mundo, e a propria subjetividade encontram sua síntese.
é outra coisa,
rr; rrlo absoluto da percepção sobre as demais Íormas de telrrçáo imediata A percepção fenomenológica é atravessada por dois tipos de relação eu-
r r lr r rrxrlidade. No fenômeno, tal como o vê o fenomenologo, a rcmemoração -mundo que se alimentam mutuamente: uma, puramente imediata, ati-
;oir;r r rnesma através de sua intenção significativa: são a vada pela ação das coisas frente ao sujeito em sua presenÇa simultânea
ir rlct tr.;rro, bem como a união de ambas, o fundamento do
- os "fios" já mencionados que a teoria psicologica gestáltica estudará -
oI i:;so implica na intensificação da experiência, o que sig- e outra, em que o tempo seria ativado pela rememoração e pela imagi-
,: :rr rr r lizer, congelar o tempo, isolá-lo, e esquecer, devolven- nação (Bachelard). Observemos, contudo, como esse tempo, o da reme-
)n t( )rit)lo de experimentar, a sua pureza. moração, é ao mesmo tempo retroativo e autobiográ,fico: um tempo indi-
k rl, r;rrrpreso e absorlo ante qualquer fenômeno, a ele conec- vidual, uma memória pessoal. Poderíamos, então, descrever o tempo
tl|rrl ; rluase fÍsicos, numa permanente inocência infantil, e Íenomenológico como um tempo lento e em suspensão, "posto entre
Irr rirtr lo dessa mesma sensação em seu próprio trabalho, em parênteses", produzido por um ensimesmamento que o torna também
; rl; u;io rrrral, ocupando esse espaÇo
- poder-se-ia dizer "inva- autobiográfico, personalizado. O de Vermeer, o de Picasso trabalhando
:r;l)ir(.)o com o desembaraço de um menino rebeldeecapri- ou conversando, o de Hulot: um tempo à margem de qualquer velocida-
;rr rr o olltar fenomenológico de forma intuitiva e imediata. de impulsionada quer pela nostalgia do passado, quer pela do futuro.
rrrcrlilrliunente nos mostra é que o olhar fenomenologico lvlerleau-Pon§ o deÍne como um conjunto de pontos, de instantes múl-
;ir;o Itilo essa consistência temporal - associada a um ,,per- rr tcÍÍtporrede de tiplos, um tempo sem direção, carente de linearidade: "O tempo não é
'cl, rr utnít linhagem e a um lugar
- que daria sentido à casa Irrkrrrcionalidades uma linha, mas uma rede de intencionalidades".
r: r; u níl rnaior intensidade do vínculo pessoal com o espaÇo intensidade Em lVerleau-Ponty, primarão tanto a intensificação da experiência, quan-
rr ro rlo :;entido
- tanto emocional, quanto intelectual, to a suspensão do tempo. Em Bachelard, tudo será ativação da lem-
r lirclir, o sqeito protagonrsta, aqui, não seria, em absoluto,
r brança, do sonho. A apresentação da casa fenomenologica requer, em
rrr rr k r lxrla autoridade paterna e pela coesão familiar, pírami- Bachelard, esta técnica de devaneio que nos remete à infância e à casa
, rrl ir trlivÍduo diante de si mesmo e do mundo, corpo sen-
r natal, a esses momentos supremos, nos quais a relação entre o eu e o
rrrkr rrlrirvés de sua experiência, vinculado, através da mundo ainda não foi deteriorada pela imposição de um modelo racional
rrrr rrrrkr c as coisas. Tal experiência realizar-se-ia mediante à nossa Íorma de visão. E a visão do menino, sua rememoraçào, o que
I r; rr licr rlrrr- com cada espaÇo ou cada objeto - "intensidade,, guia o método bachelardiano, e vincula o Picasso das fotografias ao per-
rr 1r esta relação, assim como "consistência" seria
rc r lolrrriria sonagem de Hulot, ambos habitantes de casas com memórias de si
r; rr l; r rr r;asál existencial. A epoje,então, seria esta técnica mesmas. Assim, o sujeito que constitui e polariza a casa fenomenologica
de
( )r l
luo se subtraem o tempo e os argumentos do /ogos,
(
é um indivíduo cuja experiência do espaÇo provém tanto das lembranças
ir rrrn; I pcrcepção direta das coisas "em si mesmas". Essa e rememoraÇÕes do passado, quanto das experiências sensoriais do pre-
:)r or l, iltisemelha-se muito mais a uma suspensão, pois sente: o seu passado não é um passado transcendente, relacionado à
rr1 rroxirrrirç;áo inclui também o tempo de nossa memória. linhagem, mas um passado imanente e individual, relacionado a infância
" rn( l)ino escondido
l, , r k rlr ril; rla janela, o corpo e a mente enfeitiçados pela pre- o olhar absorto e à dupla ação do segredo e da descoberta. O sujeito fenomenológico

94 95
será o menino escondido em cada um de nos, desfrutando do prazer em ufilil lio| lr. | , l,

proporcionado por férias prolongadas nessa imaginária casa natal, em é, tt tlo, r,


Porll '1

que a convivência com muitos facilita a multiplicação e, conseqúente- QUA fi\)l l:;lr'ut I t', '

mente, a dissolução das hierarquias familiares cotidianas. ESta bullt:; t 1 ,, 'l' 1

Se queremos aprender a pensar e a projetar tornando nossa esta con- Ítcada, t;( ) rrl )' ;t r ,

cepção do pensamento contemporâneo, devemos, novamente, Íazer o topolóc;ir;r r,,,, ;r,,

esforço de aprender a esquecer, exercitando nossa inteligência e nos- UU6g, n11,1 tr lr. ,
r I

sos sentidos para ver o mundo - a arquitetura - através do olhar deste matizacll t | | rt rr lr I r' i

sujeito a quem provavelmente nada - absolutamente nada - importa ou oos intctiot, '. 1
,,,

interessa daquilo que propugna a forma positivista de pensar a casa, espaÇo;llt,r\4, ,1,
esta que persiste ainda hoje em praticamente todas as formas de arqui- aparenttt it tlt, t, t ' '

tetura. Uma aprendizagem, portanto, embora aparentemente simples, neutra [)t( )l )t r, r , l, ,

complexa, na medida em que nos obriga a um longo percurso. tado" Por t ",llr trr rl' '

Como poderia proletar uma casa este menino ou menina-arquiteto? O orientatlt, ;trrl,'1 rl , ,,,
que consideraria fundamental? Quais seriam as idéias que daíse desen- elas, Assirrr,;r;
cadeariam? Sob o ponto de vista fenomenológico, esta casa poderia ser Uma Prell( )l lt., I I

descrita, numa primeira aproximação, como a grande casa familiar, habi- fÍsicos etrr nl,r ,r, ,,.

tada por longos períodos de férias, uma casa "bachelardiana", com seus Esta ativlu.:; rr , , l, , r,

sotãos e suas águas-furtadas, com seus recantos secretos e seus com- u[na atet ]r,;r tr , ' r

pridos corredores, conformada por uma multiplicidade inapreensÍvel de dlvulgavirtrrr,'.r,,


li'i.
habitações, à semelhança de um labirinto. Uma rede de momentos jus- PerCePÇít() lr,r ,.,'i
tapostos, em que não se distingue um esquema hierárquico ou funcional Gestalt lrr rr I l' , ,ttt ,

capaz de representar, sinteticamente, a casa. E precisamente o seu apa- KÔhler, l):;ir'r,1, ', tr t ' ,

recimento como um acúmulo surpreendente, como uma multiplicidade vlsua/, 1954, A;


de microcosmos, o que constitui a sua experiência mais límpida. vações tiitrl; r'. , ,r , ,,

A casa Íenomenologica seria uma multiplicidade de microcosmos, cada sionais, otrltr',, t,,,
um dos quais teria sua identidade definida por seus proprios e diferen- Kepes - ( lt tc r ltt r, r,

crados atributos topologicos. Como nos desenhos infantis de interiores Visual Stttr lr, ', , i

de casas, esta concepção requer a fragmentação do conjunto em uma em arquilt:lrtt, i, r h' r

soma de espaÇos autônomos, sem unidade, nem coerência: uma proli- de Edwa«l I I l,rll I

feração de habitações e coisas cuja relação somente poderia ser descri- ideal esPitr rtr 11 111r ,, l, r'
ta por meio de preposiçÕes. Uma organizaçáo cuja taxionomia foi estu- boradas. Ak I r \/' rr ,

dada e posta em prática por Steven Holl, em suas cartas topologicas Baldewetl, lillt,,'t, l t

(correlational chafts), nas quais são descritas as formas de organização que Se doixl tt, t, , tt

de dois, três ou quatro elementos, em posrções variáveis, e cuja apli- Poucas itllllrtl, t,., ,' '
cação supÕe a prévia explosão de qualquer possÍvel entidade espacial Íenomênir ;r ), r lr t, rr rl '

96 97
r()or ;(;on(lido em cada um de nós, desfrutando do prazer em uma soma de distintas peÇas ou salas autÔnomas. A pretensão, aqui,
() l)or l(lriírs prolongadas nessa imaginária casa natal, em é, portanto, reproduzir, metodicamente, a irracionalidade poética com
a multiplicação e, conseqüente-
rr rr ir r r)onr rnuitos facilita que monsieur Hulot habita e Picasso ocupa seu palácio mediterrâneo.
;oI rr.:; u r r 1as hierarquias familiares cotidianas. Esta busca pela multiplicidade, porém, resultaria excessivamente simpli-
, , r1 rr cr tr k rr a pensar e a projetar tornando nossa esta con- ficada, se apenas atendêssemos a uma certa complexidade e variedade
,r r:;; rrncr tlo contemporâneo, devemos, novamente, Íazer o topológica, o que seria a sua condiÇão primeira. A multiplicidade seria ati-
lrrr rrrr k:r a csquecer, exercitando nossa inteligência e nos- vada, além disso, por uma diferente relaÇão com o meio natural, por uma
|)i riIv()Í o mundo - a arquitetura - atraves do olhar deste matizada modelação sensorial do ar. Como comprovamos em Vermeer e
r rvclrrente nada - absolutamente nada - importa ou
r I )r( )vi nos interiores picassianos, a casa fenomenológica constrói sua idéia de
1r ri[r rlrrc t)ropugna a forma positivista de pensar a casa, espaço através da excitação do ar, de uma ativação completa de sua
,r:;lc ;rirrr lir hoje em praticamente todas as formas de arqui- aparente inércia. O espaço deixa de ser entendido como aquela extensão
rl ,r rrqem, portanto, embora aparentemente simples,
r :r rr li,t neutra própria do cientificismo cartesiano, e passa a ser um "ente habi-
rrrrr :r lrrLr crn que nos obriga a um longo percurso. por estímulos e reações, por vetores, por desejos e afetos que
1399"
,rlrrojcllrr urra casa este menino ou menina-arquiteto? O orientam, antecipam e dão sentido às coisas, e ao nosso corpo entre
rrr, r lr rnt l;rrnentd? Quais seriam as idéias que daí se desen- elas. Assim, a presunçáo de qualquer objetividade é anulada, emfavor de
,,I r o lronto de vista fenomenologico, esta casa poderia ser uma presenÇa protagonista, polarizada pela revelação dos fenômenos
r, r 1 rr ir rrcirir irproximação, como a grande casa familiar, habi- írsicos -em interação."eom a própria subjêtividade.
( )r ; krs de Íerias, uma casa "bachelardiana", com seus
I x )r ror Esta ativação do ar, levada a cabo pela fenomenologia, veio recebendo
, lrj lrrdadas, com seus recantos secretos e seus com-
, r( Jr ri uma atenção crescente por parte dos arquitetos à medida em que se
l, ,rrr r, r;onformada por uma multiplicidade inapreensível de divulgavam os escritos clássicos da fenomenologia * Fenomenologia da
r ;cr I tr :llll r )Ça de um labirinto. Uma rede de momentos jus- percepção foi escrito em 1945; A poética do espaço, em 1957 - e da
(
lr ) ni ro
r( se distingue um esquema hierárquico ou funcional Gestalt - Kurt Koffka, Princípios da psicologia da forma, 1935; Wolfgang
l':cr lllr, l;irrteticamente, a casa. E precisamente o seu apa- Kóhler, Psicologia da forma,1947; Rudolph Arnheim, Afte e percepção
rrr( ) rrrr ru;rrrnulo surpreendente, como uma multiplicidade visual, 1954. A percepção visual e a fenomênica serão, assim, as moti-
r r{ )r i, ( ) (
1r rc constitui a sua experiência mais límpida. vações diretas ou indiretas de um importante conjunto de textos profis-
rr ,r rok x 1ir;; r seria uma multiplicidade de microcosmos, cada sionais, entre os quais se destacam A nova paisagem,1956, de Gyorgy
, loir r r;r lr irlentidade definida por seus proprios e diferen- Kepes - que dirige, no N/lT de N/assachusetts, o Center for Advanced
l,r , lo1 rokrt;icos. Como nos desenhos infantis de interiores Visual Studies-; A imagem da cidade, de Kevin Lynch, 1960; /ntenÇões
;r ( r( )t t( ;( )l x.li () requer a fragmentação do conjunto em uma em arquitetura, de Christian Norberg-Schulz, 1967; A dimensão oculta,
, r( r( ): r ;r( rlr ir tontos, sem unidade, nem coerência: uma proli- de Edward T. Hall, 1969, que contribuirão decisivamente para desviar o
rl rtlr rr.i x r; c r;oisas cuja relação somente poderia ser descri- ideal espacial moderno em direÇão a concepçÕes do ambiente mais ela-
|,1 ,1 c1 ;1 r:;iq.;oes. Uma organizaÇão cuja taxionomia foi estu- boradas. Aldo Van Eyck, Jorn Utzon, Juhani Pallasmaa, Juan Navarro
r rr r l)r irlir;lr por Steven Holl, em suas cartas topologicas Baldeweg, Steven Holl serão alguns dos arquitetos mais significativos
, ;\, r r rsr cluais são descritas as formas de organização
I t, tr l: que se deixarão influenciar pelas teorias da percepção fenomenologica.
{)( r(lui rlro clementos, em posiçÕes variáveis, e cuja apli- Poucas instalações sintetizam com tanta precisão esta idéia de espaço
,rlrr cvir roxplosão de qualquer possÍvel entidade espacial fenomênico, quanto a realizada por Juan Navarro Baldeweg, na Sala

96 97
Vinçon de Barcelona em 1976, na qual o
tempo é suspenso por um instante, e se
rememora o momento Íelizda experiência
infantil do desafio à gravidade, enquanto
a luz é detida e direcionada, através de
linhas e vetores, ao seu foco natural - a pele sensível I

janela -, numa encenação de ecos ver- t,


meerianos. Todos os elementos - inclusi- l!
ve o plano da fotografia, à altura do olhar
atônito de um menino - contribuem para t,
desautorizar a neutralidade da res extensa cartesiana, conferindo ao
espaÇo presenÇa, sentido e intencionalidade. Neste espaço, o meio ll,l

natural aparece não como algo externo, que estivesse lá fora, esperan-
do por uma visita, mas como algo que participa da atividade da casa,
que modela sua experiência sensorial e outorga seu significado à com-
plexidade topológica. Angel González assim descreveu esta revelação
fenomênica: "Precisamente nas habitaçÕes de Vermeer, Juan Navarro
descobre o que ele mesmo definiu como o sentimento de uma realida-
de iluminada, Estas habitações ativam todos aqueles atributos da
evidência e da presenÇa que os caravaggistas ingênuos deixavam
escapar, em sua desemparelhada rede de sombras e músculos: a
queda das coisas, seu peso e seu significado, os olhares perdidos e lrl

os retribuídos, a simetria e sua enfermidade, o fluxo e o refluxo das


direções, o rastro daluz, o ar... Ou, como diria Juan Navarro, de um
modo elíptico, mas suges-tivo, a estreita estrutura de relaçÕes e refle-
xos." Um sentimento de realidade iluminada que podemos trasladar
facilmente desde a habitação de Juan Navarro Baldeweg até a grande e
casa compacta de Bachelard, com os diferentes odores e densidades
luminosas de cada aposento em função de sua posição - observemos
novamente os aposentos da casa picassiana e comprovemos o parale-
I
'm
Iismo existente com a fotografia em que sua Íilha Paloma pula corda -,
assim como aos esquemas espaciais horizontais, cuja complexidade
topológica organiza-se através do desenvolvimento da casa ao redor
de pátios, espaÇos externos e umbrais de todo os tipos, buscando
uma maior presenÇa do meio natural no interior. Dessa forma, chega-
mos àquela dualidade já assinalada em Bachelard e lVerleau-Ponty: de
r"''
9B
níl em 1976, na qual o um lado, o velho casarão - as férias ociosas -, de outro, o esquema
) por um instante, e se horizontal, mais moderno, que enÍaliza aquele contato abraçando o
lnto feliz da experiência meio natural; de um lado, um esquema rememorativo, de outro, um
r\ gravidade, enquanto esquema intensificador (que, sem dúvida, não são excludentes, mas,
lirocionada, através de antes, respondem a uma diversidade de opções topologicas).
rcl sou Íoco natural - a pcle sensível Por isso, a casa fenomenologiéatraz consigo uma concepção de pele
rcenação de ecos ver- bem distinta da existencial. Esta é, aqui, extremamente sofisticada, um
«rs elementos - inclusi- filtro emocional, eriçado e sensÍvel, e não algo que defina âmbitos ou assi-
grafia, à altura do olhar nale uma "estabilidade". Para o fenomenólogo, a casa é um "ser entrea-
rirro - contribuem para berto" -
como tantas vezes a descreveu Francisco J. Sáenz de Oíza -,
rlrrrlirl; rtlo da res extensa cartesiana, conferindo ao um contínuo umbral, um espaÇo de transição onde se regulariam os
:urr rlrrlo c intencionalidade. Neste espaço, o meio intercâmbios e se organizaria a complexidade labiríntica. Assim, se qui-
( ) ( )( )n lo algo externo, que estivesse lá fora, esperan- séssemos, agora, destacar um momento privilegiado da casa, em que
rririoorno algo que parlicipa da atividade da casa, ela alcança sua plenitude, este não seria, em absoluto, o da tempestade
<1 ru icr rr;ia sensorial e outorga seu significado à com- heideggeriana, este momento que obriga a uma concepção defensiva da
r; r. Ar rr;r--l González assim descreveu esta revelação casa, encerrando o habitante em um espaÇo quase indizÍvel, mas um
i:;r rr rror rtr: nas habitaçÕes de Vermeer, Juan Navarro momento de especial esplendor fenomenologico, o da luminosidade
:nror;r no definiu como o sentimento de uma realida- mediterrânea do amanhecer ou o momento em que a garoa cessa e toda
;r; lrrlritaÇÕes ativam todos aqueles atributos da a natureza volta a se abrir.
que os caravaggistas ingênuos deixavam
r{)r ior l(.rí1 A casa de Utzon, em lVaiorca, ou a de Juan Navarro, na Cantábria, são
,lcr ;onlxtrelhada rede de sombras e músculos: a exemplos eloqüentes, ainda que com as limitaçÕes que a realidade
, :;ol r [)oso e seu significado, os olhares perdidos e impÕe, de como esses esquemas implicam em peles sensÍveis, eriçadas,
;rrrclri;r r: sua enfermidade, o fluxo e o refluxo das
rl; rIrz, o ar... Ou, como diria Juan Navarro, de um
ri:r r(Joli livo, a estreita estrutura de relaçÕes e refle-
rrlo ilc roalidade iluminada que podemos trasladar
rlt; rl ril;rr.;iro de Juan Navarro Baldeweg até a grande I 1nffiil
,
r ;rl
I 1; rr;lurllrrrl, com os diferentes odores e densidades
)( )lror rto erl função de sua posição - observemos 1\.\nlin\
r;cr llor
r
casa picassiana e comprovemos o parale-
r r lir

;r lolorlafia em que sua filha Paloma pula corda *,


[r.
,r
nílÍl espaciais horizontais, cuja complexidade
i( Irr( )r
^
;r rc lrlltves do desenvolvimento da casa ao redor
f
r: ; rxlct rtos e umbrais de todo os tipos, buscando

r;,r rlo tloio natural no interior. Dessa forma, chega-


; rr ic j;r rt;:;inalada em Bachelard e Nrlerleau-Ponty: de

9B
ligadas aos fenômenos relevantes em cada caso: no primeiro, ao clima Voltelt tr r', ,' r

mediterrâneo, no segundo, ao atlântico. Ambas, significativamente deno- pâra ir ir'r rlit,

minadas "casa do sol" e "casa da chuva", buscam a mâima intensifi- nolotlir,r t Il,'
cação da experiência, através de seus esquemas desdobráveis e labirín- fusárlrlr"'l
ticos, deformando-se cada uma segundo sua particular interpretação da mesi|;, I r'r i'
paisagem. A casa da chuva parecerá "penteada", com sua cobertura em pers( )l I ll, rr

duas águas, suas calhas e encanamentos à mostra como se se tratasse pl'Of )l ll' .' l' "
de um baldaquim, enquanto a casa do sol buscará o encontro deste com car (l( )l ll , '

o mar, com janelas por ele polarizadas, transformadas elas mesmas em des( ll.r" ' r

habitáculos. Ambas mostram como a casa fenomenologica e seus habi- objtllr, , ' 1','
f6p111; 1 r ,',r rl r,
tantes mantêm uma relação comprometida, ativa, com o meio físico,
completamente alheia à concepção deÍensiva existencial, à concepção objetos O sttlr 'r1,,

higiênica positivista, ou à concepção contemplativa nietzschiana. rpntimentais t-net tl,r'. 1,,,

Numa versão mais esquemática ou caricaturesca do que implica esta 62111 I \;1 r

relação com o meio natural, poderíamos afirmar que o habitante desta hierittr 1t

casa cuida pessoalmente, e com primor, de seu hipotético jardim, ao do:; o| ,1, 'l' '

qual, se o clima permitir, não Íaltarão horlas, nem árvores frutÍferas, flo- orgi ll ll. ' r, i'

res e pombais. Uma relação cnativa que, em sua versão mais sofisti- Pritt r;, ' ' 1' '
cada, será consubstanciada nessas janelas através das quais Picasso dept rt t, l, ', ,

fixou em nossa memória a presença da natureza mediterrânea, fértil e dol; ll, 't , r

generosa, na vivência da casa Íenomenológica. vir rr

Como conseqüência desta primazia do ar sobre os limites que o confor- So[llrrrlr rrt'
mam, a materialidade da casa Íenomenológica passará a ser de uma materialidadtr funcint r.,1,,

ordem pouco problemática. Numa descrição gestáltica, seria o "fundo" da O ltltl'tl 'r'i"
"figura" que é o espaÇo. Por isso, não se aplicarão, aqui, categorias espe- esi'l( )l lr I ilr'

ciais ou valores a priori, e se poderá, rndistintamente, utilizar materiais arti- fitlllr Ir , rr,,'

indir 11 ,,,r
ficiais ou naturais, tendendo a um uso ad hoc e híbrido destes - tal como
mostram os mesmos exemplos das casas do sol e da chuva âlTll tt,t rl,, '
-, mas a um
uso dirigido à obtenção de uma congruência e de uma economia senso- til, rl,r, , ,

riais - nos sentidos tátil e háptico -, mais do que técnica ou construtiva. hal rtl,rr r, "
As texturas, a temperatura da cor refletida, a sonoridade dos ambientes e[]t:; tl, tt , 1,,"

g 1l(! r' l
regerão os critérios seletivos, incorporando ativamente elementos naturais
gilv( 'l.
- espelhos d'água, árvores frondosas etc. -, os quais passarão
r
a ser con-
pÍ(x rl.,, l, ,

siderados e utilizados como verdadeiros materiais de construção. Trata-se,


porlanto, de uma materialidade desinibida e sensual, mais propria da de e1 r llr rr,,

um bricoleur, do que da de um engenheiro, mais tátil, do que tectônica. O tIrl.rll,, ,

.t00 101
ros fenômenos relevantes em cada caso: no primeiro, ao clima Voltemos, agora, às fotografias dos interiores domésticos de Picasso,
lnoo, no segundo, ao atlântico. Ambas, significativamente deno- para identificar a logica com que estes se organizam na casa fenome-
"casa do sol" e "casa da chuva", buscam a mâima intensiÍ- nológica. Neles reina uma esplêndida desordem aparente, uma pro-
l experiência, através de seus esquemas desdobráveis e labirín- fusão de objetos pessoais, telas, potes de pintura e pincéis, cadeiras e
formando-se cada uma segundo sua particular interpretação da mesas, cerâmicas e pratos amontoados aleatoriamente. Podemos
n. A casa da chuva parecerá "perrteada", com sua cobertura em perscrutar essas habitaçÕes, observando seu colorido e sua desordem
ras, suas calhas e encanamentos à mostra como se se tratasse próprios de um bazar - ou de uma habitação infantil-, e, assim, verifi-
ildaquim, enquanto a casa do sol buscará o encontro deste com car como o labirinto topológico, o microcosmo de multiplicidades que
:m janelas por ele polarizadas, transformadas elas mesmas em descreve a casa como um todo, é trasladado ao territorio de móveis e
os. Ambas mostram como a casa fenomenológica e seus habi- objetos que colonizam e ativam esses espaÇos, multiplicando-se de
antêm uma relação comprometida, ativa, com o meio físico, forma escalar sem solução de continuidade.
rmente alheia à concepção defensiva existencial, à concepção objetos O sujeito fenomenológico se faz rodear por coleçÕes de objetos senti-
positivista, ou à concepção contemplativa nietzschiana. sentimentais mentais que constituem um inventário notório, a memória, de sua ativi-
rrsão mais esquemática ou caricaturesca do que implica esta dade. [Vas o faz através de sua propria desordem e de uma ausência de
;om o meio natural, poderíamos afirmar que o habitante desta hierarquização, em certa medida, da organização também labiríntica
Ja pessoalmente, e com primor, de seu hipotético jardim, ao dos objetos, o que seria uma reprodução ou homotetia da casa: uma
> clima permitir, não faltarão hortas, nem árvores frutÍferas, flo- organização particular, labiríntica, através da qual o habitante apro-
nbais. Uma relação criativa que, em sua versão mais sofisti- pria-se do espaço. A ligação entre a idéia de uma extensa soma de
'á consubstanciada nessas janelas através das quais Picasso dependências distintas e a sua proleção sobre os objetos personaliza-
nossa memória a presença da natureza mediterrânea, fértil e dos será algo sempre presente nestes interiores, que somente poderiam
na vivência da casa fenomenológica.
r, intimidade vir a ser descritos a parlir da primazia da concepção de "intimidade"
nseqüência desta primazia do ar sobre os limites que o confor- sobre qualquer outro padrão ou valor da domesticidade - o conforto, a
materialidade da casa fenomenológica passará a ser de uma rnaterialidade ad funcionalidade, o luxo etc.
uco problemática. Numa descrição gestáltica, seria o "fundo" da O habitante fenomenologico buscará o bem-estar através de relaçÕes
Jê ó o espaÇo. Por isso, não se aplicarão, aqui, categorias espe- essencialmente afetivas com os objetos, recriando, através deles, um
alores a priori, e se poderá, indistintamente, utilizar materiais arti- mundo miniaturizado - para o qual os brinquedos serão uma referência
taturais, tendendo a um uso ad hoc e híbrido destes - tal como indispensável desinteressando-se por qualquer visão tecnicista do
-,
os mesmos exemplos das casas do sol e da chuva -, mas a um ambiente. Os objetos ressaltam o caráter particular, íntimo, quase infan-
io à obtenção de uma congruência e de uma economia senso- til, da casa fenomenológica: baús, cofres, armários, caixas, chaves
; sentidos tátil e háptico -, mais do que técnica ou construtiva. habitarão e colonizarão o seu espaÇo. Trata-se de uma descomposição
m, a temperatura da cor refletida, a sonoridade dos ambientes escalar, que rompe todo o sistema hierarquizado de conceber a casa,
s critérios seletivos, incorporando ativamente elementos naturais e se estende, sem perder a intensidade, até o aroma do interior das
s d'água, árvores frondosas etc. -, os quais passarão a ser con- gavetas, o que coloca, portanto, a dificuldade de se estabelecer, com
o utilizados como verdadeiros materiais de construção. Trata-se, precisão, o limite entre a construção e a ocupação da casa. Algo que,
de uma materialidade desinibida e sensual, mais própria da de em termos convencionais, poderia ser explicado destacando-se como
wr, do que da de um engenheiro, mais tátil, do que tectônica. o detalhe, a "decoração", integra substancialmente o método fenome-

100 101
Jl[,,.,. t
nologico, aí desenvolvido com a mesma - ou ainda maior - ênfase que -+'
se aplica aos aspectos construtivos, estruturais ou energéticos. p I
Da mesma forma, no que se refere ao esquema público/privado, flh.
encontramos uma mecânica semelhante de reprodução escalar do
microcosmo de multiplicidades, desde a casa até os modelos urbanos
aos que se remeteriam a casa fenomenologica. Os arquitetos do CIAIV
t $,
, -,1
- t

de Dubrovnick (1956) bem o sabiam, quando polemicamente enfrenta-


ram a vitalidade da casbá, e de sua labiríntica organização espacial,
I
com a pureza dos prismas modernos, e propuseram substituir as qua-
tro funções identificadas na CarÍa de Atenas por outras quatro catego-
rias diretamente ligadas à experiência: casa, rua, bairro, cidade.
Do mesmo modo, a complexidade espacial dos grandes edifÍcios termais It
romanos, assim como os vínculos que estes estabeleciam com o corpo e {
a nalureza, provinham de um modelo coerente, uma arquitetura de res-
sonâncias piranesianas, na qual se comprazerá a proposta de Cidade- Collage City
colagem (Collage City, 1981), de Collin Rowe e Fred Koetter (e também a
proposta da cidade análoga de Aldo Rossi, uma colagem baseada em
associaçÕes rememorativas e autobiograficas). A cidade fenomenológica
terá, assim, um caráter fragmentário, cenográfico e complexo, como (;l 'l rr r' i

uma soma densa de peças ot Ilttr ,I


que a experiência e o tempo litrrrl,r,l

viriam destilando. "Por que nos r r'1 rlt ,

veríamos obrigados a preferir cI tl, r, i

a nostalgia do futuro à do pas- ir llt rl rl

sado? Não poderia esta cida- li{'1,r,'l


de modelo que concebemos (,1,
considerar nossa conhecida lli l, lr l

constituição psicologica? Não Ol ll.ll 't 1'


poderia esta cidade ideal
comportar-se ao mesmo tem- r Ir ,' ,lr ,, '

( :1 rl I L, ,
po, e explicitamente, como um I

teatro da profecia e como cll, r',

um teatro da memória?" O que lllí'llli

Rowe e Koetter propÕem na Irl,,trr.,,,


Cidade-colagem é um retorno t;il 1,,'r,, t

à memoria e à experiência, t,t Illt tt rt

102 lo]
/( )lvi( l( ) ooln a mesma - ou ainda maior - ônfase que mediante a técnica da justaposição descontextualizada:
r:lo: : r:or lslrlrtivos, estruturais ou energéticos, uma cidade constituída por elementos memoráveis, com-
, n( ) ( lr lo se refere ao esquema público/privado, pletamente alheia as categorias e técnicas de organização
rrrcclini<;ír semelhante de reprodução escalar do I espacial da CarÍa de Atenas, uma cidade idealmente
rllilrlicirltrrles, desde a casa até os modelos urbanos representada pelo Íragmento urbano desenhado por
rirrrrr ir r;irsa fenomenológica. Os arquitetos do CIAI\/ David Griffin e Hans Kollhoff, com o que principiam seu
,í i) I ior rr o sabiam, quando polemicamente enfrenta- I texto, tão proximo à cidade análoga pintada por Arduino
I Cantafora sob a inspiração de Rossi.
;r r;;r:;l ríi, e de sua labiríntica organizaçáo espacial, Í
l,rir;r rru; rrodernos, e propuseram substituir as qua- Na Crdade-colagem, encontramos o mesmo desdobra-
:r rtl; r; nil Cafta de Atenas por outras quatro catego- mento que vimos na casa fenomênica: de um lado, a
;rr lrr; il oxperiência: casa, rua, bairro, cidade. rememoração; de outro, a intensificação gestáltica da per-
r ,;orrrl rloxidade espacial dos grandes edifÍcios termais cepÇão. Se a cidade moderna que se pretende combater
rr, r or; vírrculos que estes estabeleciam com o corpo e pode ser condenada a partir de critérios gestálticos, a pro-
;rr rrrli :rrnr modelo coerente, uma arquitetura de res- posta elaborada organiza-se a partir de modelos tradicio-
rr ri ri, nir rlual se comprazera a proposta de Cidade' Collage City nais rememorativos: "De imediato, ao se considerar a
)/yr, l), de Collin Rowe e Fred Koetter (e também a
11)t3

r ;rr rrkrr;ir de Aldo Rossi, uma colagem baseada em


ror;rlivrr; c autobiográficas). A cidade fenomenológica
t cidade moderna do ponto de vista da capacidade per-
ceptiva, segundo o critério da Gestalt, somente cabe con-
dená-la. Porque se se supôe que a apreciação ou a per-
rr;rlt:r lrul.nentário, cenográfico e complexo, como cepção do objeto ou figura requer a presenÇa de um certo tipo de campo
) lXx,iítS
( l{ ou fundo, se o reconhecimento de uma determinada classe de campo
l o lct lllt) limitado é, de qualquer modo, um pré-requisito de toda experiência per-
'lt r luc lx)sl ceptiva, e se a consciência de campo precede a consciência da figura,
r;;r lrtclttrir então, quando a figura não é suportada por nenhum marco referencial
{)it(l()l)illi- identificável, forçosamente ela há de se fragilizar e de se destruir." O que
rcrlrrr;itlil se propõe contra esta ausência de contraste Íigura-fundo é um retorno à
rtl:r:llr:lllr)s espacialidade tradicional, e não àquela da pequena cidade tessenowia-
r ;ot rl trtcir lí t na, mas à do modelo metropolitano, complexo e monumental, baseado
r rr;ir:; t':) Nll{) em apropriaçÕes de fragmentos urbanos de grandes exemplos histori-
l, rr lc ir lcr rl cos. Veneza, Roma, Berlim, Londres, Paris ou Nova lorque - todas elas
tr:;ltto litlll destino habitual do turismo cultural - serão tomadas como modelos,
', (:()ltl() tlll) .YI como objeto de análise e de apropriação. Observemos, porém, que
,t ir c()lllo estas são cidades que não resistem a uma análise funcional: é precisa-
rt l; l'."' ( ) ( lo
1l
mente o seu excesso o que as torna memoráveis. A despeito dos pro-
)t()lx)()llI llil blemas técnicos que esta idéia de cidade-colagem implicaria - não é difÊ
rr rr trlloiltr) cil perceber que tal cidade resultaria numa espécie de parque temático
:,r1 r|t iCt tCiil, cultural -, de novo o mais interessante, aqui, será entender que o traÇo

102 103
diferencial da argumentação fenomenológica é a remissão à experiência el l( llt rl r,

como a única certeza, o fato de prescindir dos modelos abstratos aos dt:r ltr , r, l,
que induzem as demais logicas. Ao contrário, e nisto seguramente Tati ;rrltoto bricoleur Íllct rl, , ,

supera a Rowe e a Koetter, a cidade de monsieur Hulot é aquela que [Jlilllrir'i,


contém não apenas espaços públicos e monumentos, mas também o tiitt;rr,r,l,
que interessa à sua visão da cidade existente. E isso inclui não apenas C()l l( r,l ,r, I'
os tradicionais espaços de sociabilidade - o café, o mercado, a praça -, descampados illl;ltttt r, r'i
mas também os descampados, aqueles lugares que, como a grande O()l ll lr 1,l
casa picassiana, somente adquirem pleno sentido através do uso que a fel l;ilrr,'r ,l '
eles se da. atraves da nossa capacidade de deles nos apropriarmos. p()l{ll l, ',, I

Encontramo-nos, assim, diante de uma visão do público que é uma rel tltr l, r, l, ,

malerializaçáo dessa rede de estímulos e intencionalidades de que se tori;r'.,r


compÕem a temporalidade e a espacialidade fenomenologicas, conce-
bendo a cidade moderna e burguesa de Íorma análoga àquela com que os;rltv,.r ,.
Picasso ocupa sua residência de verão. O decisivo na cidade fenomê- pro1r'1,, r,, 1

nica, no âmbito público a que se remete, seria, então, sob o ponto de hrll tv,'., '
vista do proleto, a suspensão de toda a linearidade dos argumentos, o riili:;,,,rr I I

questionamento dos métodos objetivos, a confiança nos modelos sub- S( l

jetivos próprios da experiência: a casbá, o "descampado" e as termas OII ('r' r ,

seriam a idéia mesma do público fenomênico. I 'll( )l I ll rr, I l

Picasso e monsieur Hulot sintetizam, dessa forma, o universo fenomeno-


lógico tanto no âmbito privado, quanto no público, compondo uma forma I t êrll1,,,I
de habitar a casa ao mesmo tempo estranha ao carater heroico do super- rlr't ,, '
cior
'
-homem niilista, totalmente avessa à submissão social do positivista, ê i,,,
(lr'1.r ,

e igualmente distante do homem interior heideggeriano. "Um sujeito pre- Sil() 'r r1 ,r L i

senteado ao mundo", tal como N/erleau-Ponty o definiu, que desenvolve \, d()nr, ,,r,, ,,
suas próprias técnrcas de proleto com as que materializa tal idéia. Não
basta, obviamente, adotar uma atitude que se iguale ao olhar infantil, nem
,W
1* r*
E c: ,1, r r' ,,,, i
fililio| 't ,, ,:r r :

manipular as questões topologicas frente às geométricas, ou trabalhar eS| ); tt r, ' ,

com o ar e aluz, ou de acordo com um certo ad hocismo material. E essa gl(i(), lll lr!
surpresa diante de tudo, apresentada a este sujeito presenteado ao je1tt,,t t,,,,' ,

mundo, que induz aulilizar uma multiplicidade de técnicas díspares, a tra- 1-111y; 11 I 1r ,r r l.

balhar como um entusiasta ou bricoleur, e náo como um cientista ou Kir:ir r , ,r,


artesão - e o exemplo de Picasso explicita esse aspecto de forma privile- s[1i I lllt, r, I

giada. A colagem não é apenas uma referência na concepção da cidade, cí1)io, tr,,,,, '

mas também uma técnica do arquiteto bricoleur, alheia à otimização do t[ítl t: ,l r, ,r, t ,

104 105
'r ;u(lurnentação fenomenologica é a remissão à experiência
engenheiro. Claude Lévi-Strauss, em O pensamento selvagem (1962),
:r r r;orteza, o fato de prescindir dos modelos abstratos
aos dedicado justamente a lVerleau-Ponty, desenvolve esta idéia pontual-
r ;r; rlL.Ínais logicas. Ao contrário, e nisto seguramente Tati mente colocada por Rowe e Koetter: "O bricoleur dedica-se arealizar um
)wo o A Koetter, a cidade de monsieur Hulot é aquela que grande número de tarefas, mas, distintamente do engenheiro, não subor-
irl x)ni.lsl espaÇos públicos e monumentos, mas também o dina cada uma delas à disponibilidade de matérías-primas e ferramentas
;rirr;uíl visão da cidade existente. E isso inclui não apenas concebidas e obtidas segundo a finalidade do projeto. Seu universo de
ri: ; r:r;1 rirços de sociabilidade - o café, o mercado, a praÇa _, descampado:; instrumentos é limitado e as regras do seu jogo são sempre as de atuar
rr tx; rlescampados, aqueles lugares que, como a grande com 'qualquer coisa que esteja à mão', isto é, com uma sucessão de
;rr I r, rx)rnente adquirem pleno sentido através do uso que a
ferramentas e materiais que é sempre Íinita e que é também heterogênea,
rlr;rvr'::j da nossa capacidade de deles nos apropriarmos. porque o que contêm não guarda relação com o projeto em si, nem, na
rror;, ilssim, diante de uma visão do público que é uma realidade, com proleto particular algum, mas é o resultado contingente de
r,r rlrxjÍla rede de estÍmulos e intencionalidades de que se todas as ocasiões para renovar ou enriquecer as existências - ou mantê-
lcr rrporalidade e a espacialidade fenomenológicas, conce- -las - com os restos de construções ou destruiçÕes anteriores. Portanto,
rr k r rr tctderna e burguesa de forma análoga àquela com que
os diversos meios do bricoleur não podem ser definidos em função de um
I )i líl residência de verão. O decisivo na cidade fenomê-
r sl projeto (o que pressuporia, ainda, que, como ocorre com o engenheiro,
rilo lrri[tlico a que se remete, seria, então, sob o ponto de houvesse, ao menos em teoria, tantos jogos de ferramentas e de mate-
( ll( ), il suspensão
de toda a linearidade dos argumentos, o riais, ou 'jogos instrumentais', quanto há diferentes tipos de projeto). Deve-
rrrlo r krs métodos obletivos, a confiança nos modelos sub- -se, ao contrário, deÍini-los unicamente por seu uso potencial... porque
rrrr; rltr experiência: a casbá, o "descampado" e as termas os elementos são reunidos ou conservados segundo o princípio de que
ir nrolitna do público fenomênico. 'sempre podem vir a ser úteis'. Tais elementos são especializados até um
rlr;rour l-lulot sintetizam, dessa forma, o universo fenomeno-
ro ;rr I tlrilo privado, quanto no público, compondo uma forma
:; r ii l i to tltesmo tempo estranha ao caáer heroico do super-
ffi I
t
cedo ponto, o suficiente para que o bricoleur não precise de uma equipe
e de todos os conhecimentos de todos os ofícios e profissÕes, e o sufi-
ciente para que cada um deles não tenha tão-somente um uso definido
;lrr, lolalrnente avessa a submissão social do positivista, e determinado. Representam uma série de relações reais e possÍveis;
rli:;lrurle do homem interior heideggeriano, "Um sujeito pre- são 'operadores', mas podem ser empregados em quaisquer operações
I

rnrrr trkt", tal como Nrlerleau-Ponty o definiu, que desenvolve

; lrx:r rir;ítsl de proleto com as que materializa tal idéia. Não


\
t
I do mesmo tipo."
E esta multiplicidade de operadores heterogêneos a que guarda uma
rr rr rlc, irrlotar uma atitude que se iguale ao olhar infantil, nem maior empatia natural com essa outra heterogênea multiplicidade de
r1ru;kies topologicas frente às geométricas, ou trabalhar espaÇos e experiências sensoriais na qual se realiza o olhar fenomenoló-
Ir r,,, r ru rle acordo com um cerio ad hocismo material. E essa gico, uma multiplicidade que esfuma a atenção e as ferramentas do pro-
rlc tlc ludo, apresentada a este sujeito presenteado ao jeto em um processo que não é linear, nem hierárquico. Se examinamos
rr h rz Ir ulilizar uma multiplicidade de técnicas díspares, a tra- novamente o esquema metodológico linear e arborescente de Alexander
rrrrr cr rlrrsiasla ou bricoleur, e
náo como um cientista ou Klein, compreendemos a diferença substancial de posição do proletista:
cxcr r iplo de Picasso explicita esse aspecto de forma privile- sua imagem é a de uma "rede de intencionalidades dispersas", sem prin-
l{ r n r rí () é apenas uma referência na concepção da cidade, cípio, nem fim definidos. É a mente de Hulot e a criatividade profusa e
rrlur lrrr;nica do arquiteto bricoleur, alheia à otimização do transbordante de Picasso - se é que esta mente singular pode ser toma-

104 105
da como exemplo. Não há um fim definido, uma casa que já conhecês- férias disl r, ,',r, ,

semos em seus valores arquetípicos, um processo que tivesse os pro- tal ctt, , , ,, ,

cedimentos prefixados: o projeto fenomenológico é uma divagação da lal; ir lr ,, rlr ,

mente e dos sentidos, não conhece, nem deseja aproximar-se de ima- Cí-llii lrlr' ,

gem prévia alguma; ao contrário, busca, antes de tudo, evitá-la. VÊ),2, I tr ,1 1t ,

Para concluir esta visita, adentremos nas casas da chuva e do sol e com- plitrrl,r r,!
provemos, aí, essa atenção esfumada do arquiteto em momentos sus- suilI,rl rr,,,
pensos, nos quais os tópicos decisivos do projeto positivista - estrutura, cttlttl,r r,, ,'
pele, eficiência distributiva -, e sua mecânica de análise em planta e de niÍir,; r, , r, ' '

evolução do geral ao detalhe, são incapazes de explicar tanto as técni- Sot 1,, 1,,,.
rr

cas de projeto, quanto os valores da casa. A casa da chuva dá as boas- SOI tr Ir.rl ,i.
-vindas ao visitante, organizando, sob uma abóbada marcante, um p{)r ['tr, r,,,
pequeno labirinto com vitrines. Nas vitrines dispostas em leque, as dis- C(tlir lt rrr r !

tintas coleções de objetos registram as afeições íntimas do proprietário e sii ltrr,', ,

emolduram a visão da paisagem, num gesto único de boas-vindas. Tíllv, '. ,.; ' ,

A duplicação de circulações em uma das alas permite incrementar os fêl lot rr, r i

graus de complexidade e as formas de organização de uma casa cujo é l;rtrl,, , '

tamanho é relatúamente pequeno; os muros exteriores incluem a arma- eXl tt'l tt tt , ' r'

zenagem de objetos, propiciando, assim, uma proteção climática extra; nt)|t,, 1t, ,

o cercamento da casa realiza-se através de um movimento, quase um c«tlor , r, l,


I

balé, que realça o vale e, nele, a casa. A casa do sol buscará um arranjo elili( 'l l, trl
sensorial em um clima ensolarado mediante a construção de aposentos lltcl rl, , I

no exterior; exagerará seu tamanho, desmembrando-se em distintos cor- Aitltlrr,l, t' '

pos que criam um efeito de maior escala e ampla liberdade de uso; utili- tivi: ;l,r,rt' ,

zará, com deleite, motivos decorativos que refletem o esmero e os gostos tf[]t rrlr rl ' ,

de quem a habita; buscará uma relação corpo a corpo com o meio físico SOorlt t,

definido pelo sol, pelo mar e pela rocha; Íixará a posição de seus móveis
mais significativos, transformando-os em uma arquitetura permanente. [el ]llt tt,,r ,i,

Não foi casualmente que estes momentos do projeto, decisivos sob o


ponto de vista da experiência de habitar essas casas, suplantaram sur rltr ,1, r

aqueles canonizados pela ortodoxia moderna na busca de uma inten- p0l l: ,, ll li' ' '

sificação da percepção, busca esta responsável pelo desencadea- [elltlr 'll,''


mento de um método específico de proleto. UIll ltt't 1', i

Já citamos a característica relação desta idealização da casa com as O rlr" rt,


férias. Talvez no momento de precisar o método fenomenológico, ottltr, ,,,,,
devêssemos insistir nessa circunstância, já que o ócio, e a especial pre- lal ritttrl,, i ,

106 10/
n rl )l( ), Nao há um fim definido, uma casa que já conhecês- férias disposição sensorial a que induz, são uma experiência comum, e já que
rr r: ; v;rlores arquetípicos, um processo que tivesse os pro- tal circunstância permite sublinhar a distância desta idealizaÇão daque-
rrclixr rrlos: o pro1eto fenomenológico é uma divagação da las idealizaçÕes funcionalistas convencionais. Como concebemos essa
:;cr rlirkrs, não conhece, nem deseja aproximar-se de ima- casa de veraneio ideal? Que fantasias a constróem? Alguém, alguma
(
lr r ri r; ao contrário, busca, antes de tudo, evitá-la. vez, por algum instante, pensou na racionalidade da distrilouição da sua
r:: ;l;r visila, adentremos nas casas da chuva e do sol e com- planta, na sua economia de circulações e metros quadrados, em
cr ;:;lr iltenção esfumada do arquiteto em momentos sus- sua capacidade para acoplar-se a um conjunto habitacional como uma
;r r; rir ; t x; topicos decisivos do proleto positivista - estrutura, célula, no ritmo modular da sua estrutura e do seu fechamento, na tec-
;r r lir;lrilrutiva , e sua mecânica de análise em planta e de nificação avançada de seu ambiente, em todos esses aspectos como
1rr rrl rro detalhe, são incapazes de expilcar tanto as técni- sendo parâmetros seletivos? O quanto desta atitude preguiçosa e
), (
lr ri u llo os valores da casa. A casa da chuva dá as boas- sensual das férias, desse momento de plenitude, ainda se fictício,
i: ;il;rrrlc, organizando, sob uma abobada marcante, um poderíamos trasladar à cidade, à casa, ao cenário de nossa intimidade
rrrlo r;orn vitrines. Nas vitrines dispostas em leque, as dis- cotidiana? Em que deveríamos pensar ao construir esse espaÇo picas-
r; rk r olrjetos registram as afeições íntimas do proprietário e siano? Como deveríamos estruturar a lógica de nosso próprio proleto?
r vir;r ro c1a paisagem, num gesto único de boas-vindas. Talvez seja interessante ressaltar, aqui, que há algo que diferencia a casa
rlc r;ircLrlaÇÕes em uma das alas permite incrementar os fenomenologica das demais casas que visitamos. E tal é que esta casa
r1 rlcxiriirde e as formas de organização de uma casa cujo é tanto o produto das decisões de quem a projeta, quanto o objeto da
l;rliv; rrnr;nte pequeno; os muros exteriores incluem aarma- experiência de quem a vive. Dito de outra forma, a arquitetura é fenome-
r rl riolrx;, propiciando, assim, uma proteção climática extra; nologica em si mesma: todas as casas, pelo fato de serem objetos Íísicos
r rlr r r;lr:ja realiza-se através de um movimento, quase um colocados diante de alguém, são casas fenomenológicas, pois o que
r :; r o vale e, nele, a casa. A casa do sol buscará um arranjo essencialmente a fenomenologia estuda são tais relações, e os conheci.
rrrrrr;lir rrr ensolarado mediante a construção de aposentos mentos que provê dedicam-se a intensificar a experiência dos objetos.
<r rr 1olrrii seu tamanho, desmembrando-se em distintos cor- A atitude fenomenologica ensina a questionar o burocrático método posi-
I

r rrr rr olcito de maior escala e ampla liberdade de uso; utili- tivista através da própria experiência vital. E fornece ao arquiteto uma ins- I

r rilo, rrtotivos decorativos que refletem o esmero e os gostos trumentação técnica, uma "cozinha", que dificilmente pode ser ignorada
rl ril;r; lrtt;cará uma relação corpo a corpo com o meio físico se o que se deseja é escapar da jaula positivista. N/as há, também, limi- I

rrr rl, 1v1;11; rnar e pela rocha; fixará a posição de seus móveis tações, como as há na esfera da arte. Uma das suas limitaçÕes mais recor-
ivor ;, lriursÍormando-os em uma arquitetura permanente. rentemente citadas é a negligência de todo o esforço crÍtico, de todo o I

rhrrcr rlo rlue estes momentos do proleto, decisivos sob o posicionamento polÍtico, em favor de um declarado individualismo "sen-
l;r ri; r cxperiência de habitar essas casas, suplantaram sualista", acusação dirigida a muitas das manifestações desta corrente do
rriz; rtlol; pela oftodoxia moderna na busca de uma inten- pensamento contemporâneo. Outra, esboçada sobretudo entre os leito-
rrláo, busca esta responsável pelo desencadea-
1rll r;c1 res de Bachelard, é o resvalo em uma nostalgia excessivamente literal, em
rrrclorlo específico de projeto. um perpétuo ensimesmamento, em uma imaginaçáo rememorativa.
r:r rr;rr;lorÍstica relação desta idealização da casa com as O desafio que o fenomenólogo nos coloca, porém, é precisamente
rro rrrorTrento de precisar o método Íenomenologico, outro: como recuperar a complexidade da experiência; como recriar os
rr;i:;lir nessa circunstância, já que o ocio, e a especial pre- labirintos topológicos dos grandes casarões rurais em vivendas e apar-

106 107
tamentos com cem metros quadrados apenas; como organizar uma
W;tt lt, r! tí ;:.4
pele entreaberta, provedora de intensidade, em fachadas com superfÊ
frrtt lr lr, lr r, , i'.=
cies e técnicas limitadas e em lugares sem qualidade alguma; como
relacionar o palácio em que Picasso desfrutava de longas, prazerosas
e produtivas férias, com tantas periferias deprimentes e sem quaisquer
atributos. Podemos - e por que não? - simplesmente renunciar a tal
tentativa, e assumir que a concepção fenomenológica é demasiado
bela para ser real, que talvez seu destino seja mesmo elitista, e que sua
intensidade somente possa ser empregada ali onde as circunstâncias o
permitam. A arquitetura - e o nosso tempo - é, quase sempre, dema-
siado real, demasiado brutal, para admitir a sofisticada inocência do
olhar fenomenológico. Contudo, ainda que carecesse de recursos,
monsieur Hulot habitava, em uma poética plenitude, ao mesmo tempo
um minúsculo espaço e a cidade inteira, desde o centro até a mais
remota periferia, mostrando que, às vezes, a imaginação é capaz de se
sobrepor até mesmo à pobreza.

108
s com cem metros quadrados apenas; como organizar uma
Warhol at the Factory: das comunas
oaberta, provedora de intensidade, em fachadas com superfÊ
freudiano-marxistas ao loft nova-iorquino
icnicas limitadas e em lugares sem qualidade alguma; como
ru o palácio em que Picasso desfrutava de longas, prazerosas

ivas férias, com tantas periferias deprimentes e sem quaisquer


, Podemos -e por que não? - simplesmente renunciar a tal
, e assumir que a concepção fenomenológica é demasiado
t sor real, que talvez seu destino seja mesmo elitista, e que sua
rde somente possa ser empregada ali onde as circunstâncias o
t. A arquitetura - e o nosso tempo - é, quase sempre, dema-
ll, demasiado brutal, para admitir a sofisticada inocência do
romenológico. Contudo, ainda que carecesse de recursos,
'Hulot habitava, em uma poética plenitude, ao mesmo tempo
sculo espaço e a cidade inteira, desde o centro até a mais
eriferia, mostrando que, às vezes, a imaginação é capaz de se
até mesmo à pobreza.

108
---f ü v§r ItE
Yoko Ono, Andy Warhol e John Lennon, -.l971.
@ David Bourdon

r:

§
t
.t',

.,. f
\
N
':! I
,!

-t

Well

w
, 1\r l iv Wrrlrol o John Lennon, 197 I .

1,,'llr,l(rll

{{

,,1

.lr
§
{l

I l
)
I &
I
a§ \-t
r*.

,ll

&.ffi*ffiffil.t
.§§{r}§§âi§t§*,ii,:,

I ,rv l.li,.l rol:xrrr, Chuck Wein, Peter


rr ,. I r,'Í, l: ;. Ar rrly Warhol e outros, I9ô5.
t,'!rÍ,1Í'
tst t \
T}
rI r
i
\ t ,
t bü
bü l,i
§ ({

t rffryh \
Ír{

<í-
Ll I
§
t
§


,,,§ ltI
t*r-
1r(â":. jy*rt1
:i {
llr <§/.
.i\ i.-
i. ::
l.À.
IÉ ,§
.i'i ,§ _ rln

;}§Jt;r§ei'l i:ii:$§&
:xt'r' "3"§§.

,,.:l
i§:i,l,a
. rr§§i
\
,rr 'l.
a
,t? ,

ffi
t rffiH
\l
?. ;t

: [\

€"'
It I
i

ii.§
tl
:1
Vamos, agora, realizar uma visita relativamente extravagante, e, para fg 1; 1 1. 1,r
tanto, teremos que ajuntar em nossa cabeça pelo menos três perso- Aoor ttt tt ,, r

nalidades díspares: Karl Jt/ax, Sigmund Freud e Andy Warhol. E vamos ol'(J; ü il." r, r

fazê)o para descrever o surgimento e a disseminação de um fenôme- de t;r,r r',1r,,,,


no moderno - a comuna urbana -, que não só tem interesse socioló- âl'{1t tilr ,1, ,r r,,
gico e político, como também resulta na cristalização de um arquétipo fl(111 111r ,r rr, ,

da vida moderna que apenas nas últimas décadas - através da comer- Wittltr ,l 1,,
cializaçáo do loft como um espaÇo habitável - ultrapassou o âmbito Carilllt ,

"alternativo", para convefter-se em uma Íorma a mais de pensar, proje- teat l( ,, tt

tar e viver do nosso tempo. fllot itr l, r , ,,


A junção dos pensamentos de Freud e de lr/anx já foi explorada, com frulc ,, r

grande repercussão, por Wilhem Reich, em A revolução sexual(1945), eS( lt lt 'r 11 I

onde se analisam os problemas da vida cotrdiana nas comunas russas Stll lot Ir r

revolucionárias. Essa experiência e essa crÍtica foram assimiladas pelo d{)l ;r'1, ,,l,
conjunto de correntes da contracultura dos anos cinqüenta e sessenta, UII ll r,Iil
até dar forma a um estilo de vida, a geração beat americana (especial- a festa tarlt r, rrlrt,
mente um grupo reduzido de pintores sediado em Nova lorque), que COI llo lr L
associou este estilo de vida a uma técnica de habitar: a apropriação de D0:;t r,r
um espaÇo industrial neutro, o /oft. Seguramente a sua versão mais pillilt, t'
insolita foi The Factory uma comuna produtiva liderada por Andy
Qrltior Ir, ,

Warhol, que não so não dormia ali, mas num aparlamento próximo em c<.rt tt, ,11,, ,

que vivia sua mãe, como pouco se interessava por Nrlarx, Freud, Reich inr;o| ,r rl,,r

II
e todo o movimento comunal da época. Não obstante, através de sua col tt I r' l,
mi
combinação de sedução e glamour, deu brilho e forma a este estilo de UII Dirvrr llt,,,
vida, entendendo-se, aqui, dar forma também como dar forma arqui- at tr l,rr ,1,,,
tetônica. Sem dúvida, será esta a comuna mais conhecida e influente, Slttlt,t r , ,

pelo menos do ponto de vista cultural, de quantas tentativas tenham se aokrr r, 1,,t.
realizado no século »<. O glamour teatralmente destilado por Andy Vlll(lr'rl,ll
Warholterá dado ao loft o prest(gio de um arquétipo que condensa, em No r,, lrl, ,

si, os distintos carismas progressistas e contestadores da tradição lllrrlr,,rl,,'.


comunal e o ambiente underground dos anos sessenta. ([t, lr,r'r, ,.

Assim, paradoxalmente, a comuna mais capitalista, localizada na cidade al )', r lrl I

F
l( ,,

que é o símbolo do capital e habitada por personalidades amantes do Íll tltr lr ,

capitalismo, produziu a culminância desta idéia anarquizante do habitar; tllt, I, , t,


a â11

destinada a um futuro imprevisÍvel tanto em função da capacidade da filrrrr,',,1,,,


claudicante família para perpetuar-se a si mesma, quanto do crescimen- (l()( r rt,r I

116 1ti
l nlit visita relativamente extravagante, e, para to e do prest(gio da solídão como forma voluntária e alternativa de vida.
ir rr rlrrr orrr nossa cabeça pelo menos três perso- A comuna, porém, assim como a solidão ou a família, não é apenas uma
;rrl N/rux, Sigmund Freud e Andy Warhol. E vamos organização social determinada: é uma forma de habitar, de pensar e
ro r;t rrr;irnento e a disseminação de um fenôme- de construir o espaÇo privado, com claras derivaçÕes e implicaçÕes
rrr Ir lrlxrna -, que não so tem interesse socioló- arquitetônicas, e este é o foco prioritário do interesse de nossa visita.
l;rrrrlx;rrt resulta na cristalização de um arquétipo Adentremos, poftanto, com essa atenção espacial, na sala em que Andy
i rl )( )r riui rras últimas décadas - através da comer- Warhol nos recebe, visivelmente satisfeito com a sua invenção, com o
n() lrn ospaÇo habitável - ultrapassou o âmbito caráIer desordenado, não obstante sedutor, de seu imenso espaÇo pra-
rvr:t lr lr :;t; em uma forma a mais de pensar, proje- teado; inteiramente à vontade nesta pose que é uma provocação na
rl ill )Í ). medida em que anuncia uma forma de domesticidade para cujo des-
rcrtlor; rlr-. l:reud e de N/larx já Íoi explorada, com frute é necessária uma mínima iniciação. Uma iniciação que consiste no
,or Willrc;nr Reich, em A revolução sexual(1945), esquecimento não só da correção e da Íamília que ideologicamente a
rro| rlcr rras da vida cotidiana nas comunas russas suporta, mas também de toda a convicção ideologica alternativa, no
( rxl )( )r i()ncia e essa critica foram assimiladas pelo
desejo de estender livremente a criatividade ao domínio da intimidade.
r I; r corrlracultura dos anos cinqüenta e sessenta, Um lugar que se institui como uma casa aberta, intensamente freqüen
;lilr r r lc vicla, a geração beat americana (especial- a festa tada, um lugar ao mesmo tempo da festa e do trabalho - do trabalho
r.'ir I r r lc pintores sediado em Nova lorque), que como festa -, que nega a si mesmo a exclusão, a marginalização.
r vrr i; ra rrma técnica de habitar: a apropriação de De sua festa participam miseráveis e afortunados, os que produzem arte
rtr:r rlro, o /oft. Seguramente a sua versão mais para os museus e música para as massas, e sua divulgação é feita por
)r y, urír comuna produtiva liderada por Andy periodicos como a revista lnterview, Íormadora do gosto de uma cidade
ro iIrnrriit ali, mas num apaftamento próximo em como Nova lorque. Um lugar que deixou de se ver como alternativo, para
rr() lx)uoo se interessava por lVarx, Freud, Reich insolentemente apropriar-se do espaço público. Para familiarizarmo-nos
:,,rrrlturl da epoca. Não obstante, através de sua com este espaÇo, deixemo-nos guiar por um de seus biógrafos oficiais,
;ut t: rlltunour, deu brilho e forma a este estilo de Davíd Bourdon: "Nofinalde 1963, encontrou um local maior, no quarto
;rr1r ri, rlirr forma também como dar forma arqui- andar do número 231 da rua 47 , a uma curta distância da Grand Central
r;o;r ol;lil a comuna mais conhecida e influente, Station. O local media cerca de quinze metros por trinta e tinha janelas
lI
ú
rI rvir;l;r ctrltural, de quantas tentativas tenham se ao longo de toda a sua fachada sul, voltada para a rua, sobre o YMCA
" () (llíunour teatralmente destilado por Andy Vanderbilt. Dispôs seus quadros e sua mesa de trabalho junto às janelas.
,// o
ri ri
I rr t r:rlÍgio de um arquétipo que condensa, em
l)r(xJressistas e contestadores da tradição
J No edifício havia um monta-cargas, pouco mais que um piso e uma
grade aberta diretamente para uma das esquinas. Junto à saída da esca-
t rr t lt:r r'7r ound dos anos sessenta. a da, havia um telefone público, opção sensata para alguém que passava
), ;r lunlt rnais capitalista, localizada na cidade
o( )r anos driblando a companhia telefônica por culpa das ligações de seus
r1 rrl;rl c llrl;itada por personalidades amantes do antigos companheiros de apartamento. Os visitantes deram ao lugar o
r , :r rlrrrirulrrcia

r 1 rlr 1 rcl
desta idéia anarquizante do habitar,
rrrrl rrcvi:;ívcl tanto em função da capacidade da

r l rr-se a si mesma, quanto do crescimen-


I a
I
ltl
apelido de 'Factory', em função da prodigiosa quantidade de quadros e
filmes que ali se produziam. [...] Linich converteu-se não somente em
decorador residente da Factory, mas também em seu superintendente e

116 117
zelador. Criou a decoração prateada cobrindo as paredes acimentadas ComO lo ,l, r I

e alguns arcos do teto com papel alumínio, Pintou uma parede de tijolos Antes rltr r'j .tr '

com uma tinta prateada, transformando-a em uma superÍície reluzente. cos, vltlr).rIi, r' '

Continuou pintando de prateado quase tudo: mesas, cadeiras, a copia- caclo, 1tll, t " t' I rr' '

dora, os manequins desmembrados e o telefone. lnclusive o piso, mas a comuna ainda r1tIl l.ttI! ,

circulação era tão intensa, que mantê-lo reluzente obrigaria a repintá-lo Tanto r): , l,rrr,..
a cada duas semanas. Linich passou tanto tempo arrumando a Factory Fouricl, rIr,rlr' "I
- a sua imaginação, alimentada por anfetaminas, nunca se esgotava novas lr rtttr. r ' l'

com as tarefas que se impunha -, que passou a morar ali. Ao ajudar do init:i,, ,l' '

Andy, Billy criara um extraordinário hábitat para si mesmo. [...] Uns meses âlterrll tltv, , 'l'
depois de se instalar no estúdio de Warhol, Linich descobriu, em uma de dirão, rt:,',rrrr ,' ' I
suas andanças noturnas, um sofá abandonado na calçada e o arrastou POS (lll( ',
',r'rrr i' '

para a Factory. Aquele sofá converteu-se não só em um elemento impor- Um ol ;l ), lr i'! '

tante da decoração, mas também na peça básica do alrezzo de Couch,


um filme em episodios que retratava uma série de visitantes metidos em Ainclt trlr r, 't,"
diferentes tipos de relaçÕes sociais e sexuais."
Ouçamos agora Warhol: "A localização era estupenda: rua 47 com
Terceira Avenida. Sempre víamos as manifestaçÕes em direção às ha[tlrrr ]r,it'
NaçÕes Unidas. O papa passou pela 47 uma vez quando ia a São ensíl( ) lr' , 'l ,

Patrício. Kruschev também. A rua era muito boa, e larga. lVuita gente
famosa começou a aparecer na oficina, por curiosidade, acho. Era uma POSII( I I ll
festa sem fim: Kerouac, Ginsberg, Fonda e Hopper, Barnett Newman, ses soclals fantilir r

Judy Garland, os Rolling Stones. O Velvet Underground comeÇou a desr :or r, ,lr , ,,

ensaiar ali mesmo, um pouco antes de fazermos apresentaçÕes juntos, libcti lr r, I, t'

ao vivo e transmitidas, e de iniciarmos nossa turnê em 1963. Era como delt:t ttrtt r,l
se tudo estivesse começando ali, A contracultura, a subcultura, o pop,
os superstars, as drogas, as luzes, as discotecas, tudo o que estava Oltrrttt,'t,,' ,

'na crista da onda' provavelmente comeÇou nesse momento. Sempre totl;tr,,,'r't'


tinha uma festa em algum lugar: se não era num ônibus, nem num altitvr ",,1,
barco, era na estátua da Liberdade. A gente vivia se aprontando para cot rlttr r, i,

ir para alguma festa. AllTomorrow's Parties era o tÍtulo de uma música Al'IrI
que o Velvet ia cantar no Dom quando o Lower East Side estava
começando a perder seu status de zona de imigrantes e a virar uma centricidade
zona hippie. 'Que vestido usará a pobre menina nas festas de do eu c;oll rl tr r ', '

amanhá...?' Eu realmente adorava essa música que o Velvet tocava e Ftct tr I rrr ,

Nico cantava." (jtt,,,,11,,, '

11B 111)
r (l( )o()raÇão
prateada cobrindo as paredes acimentadas Como foi gerada esta Íorma de vida e quais são as suas referências?
r k r Iolo com papel alumínio. pintou
uma parede de trjolos Antes de esmiuçarmos os seus conteúdos propriamente arquitetôni-
1ntltxula, transformando-a em uma superfície reluzente. cos, vale a pena Íazermos um percurso, seguramente um tanto intrin-
k r tle prateado quase tudo: mesas, cadeiras,
rr tr
a copia_ cado, pela biografia desta forma de vida tão característica do século xx,
rirrl; rlesrnembrados e o telefone. lnclusive o piso, mas
1r
a a comuna ainda que tantas vezes Írustrada, que é a comuna.
rro rntonsa, que mantê-lo reluzente obrigaria a repintá_lo
Tanto os primeiros socialistas utópicos, entre eles Saint-Simon e
rr ni lr til:1. Lir-rich passou tanto
tempo arrumando a Factory Fourier, quanto algumas seitas religiosas puritanas que propunham
ro, alimentada por anfetaminas, nunca Se esgotava
r; rr.:;
novas formas de organização social, encontrarão nos Estados Unidos
(lr ro
rjc impunha -, que passou a morar ali. Ao ajudar do início do século xrx uma terra promissora e fértil a estes modelos
r rrrr cxlraordinário hábitat para si mesmo.
Uns meses [...] alternativos de organização. Movimentos ideologicos díspares coinci-
;l;rL u rro estúdio de Warhol, Linich descobriu, em uma de
dirão, assim, na proposição de formas de vida comunais, isto é, de gru-
rolutrrí,rs, um sofá abandonado na calçada e o arrastou pos que, sem relaçÕes de parentesco, decidem livremente compartilhar
Ar lrrck; sofá convedeu-se não só em um elemento
impor_ um espaÇo comum, no qual se organizam segundo uma maior ou
lÍ,ri r( ), rlras também na peÇa básica do alrezzo de Couch,
menor divisao de tarefas.
i: ;or lios que retratava uma série de visitantes metidos em
Ainda que sejam inumeráveis os apostolos das comunas, centraremo-nos
r k r rcli rÇóes sociais e sexuaís.',
aqui nas duas figuras - Max e Freud - cujo trabalho intelectual tem um
;r Wrrhol: "Alocalizaçào era estupenda: rua 47 com peso maior no questionamento do sujeito tradicional e de suas formas de
l;r. llcrnpre vÍamos as manifestaÇões em direção às habitar. Em Max, a comuna é a conseqüência logica de uma compre-
, ( ) f )apa passou pela 47 uma vez quando ia a São ensão revolucionária da sociedade - o materialismo - que demanda uma
rcv lrrrnbém. A rua era muito boa, e larga. trrluita gente
ação coletiva radical: o sujeito maxista não se desenvolve, não toma
)r r ir ill)rlrecer na oficina, por curiosidade, acho. Era uma posse de si mesmo - quer como indivíduo, quer como membro de uma
\r )rouilc, Ginsberg, Fonda e Hopper, Barnett Newman, ,r:; lasses sociais família- senão no interior de um grupo, da classe social que o molda. [Vax
r:r liolling Stones. O Velvet Underground comeÇou
a desconstroi o mito filosofico do homem dotado de plena individualidade e
r(), r l r I pouco antes de fazermos apresentaçÕes juntos,
liberdade de pensamento, inserindo-o em grupos sociais, as classes,
rilir L u;, c de iniciarmos nossa turnê emI963. Era como determinados pelas relações de produção. A conquista da liberdade é,
;r r rr,.çando ali. A contracultura, a subcultur a, o pop
r ;r rr r
portanto, uma conseqüência de uma transformação das forças produtivas.
,

r; r1roclits, as luzes, as discotecas, tudo o que estava


O homem não cria, nem é o que imagina ser. Ele é o resultado do conjun-
rlr r' lrrovavelmente comeÇou nesse momento. Sempre
to das condições materiais de produção e das relações sociais: somente
{)r n ;llqurl lugar: se não era num
ônibus, nem num através da luta social poderá adquirir, no deconer dessa historia cujo curso
;lrrlrr;r rla Liberdade. A gente vivia se aprontando para
confunde-se com o da libertação, sua dignidade como homem livre,
r: ;lrr. All Iomorrow's parties
era o título de uma música A esta desconstrução dos fundamentos do humanismo clássico a
rrrllrr no Dom quando o Lower East Side estava
r;r
partir da análise econômico-historica, porém, sucederá outra, de igual
, ir :r r;olt status de zona de imigrantes e a
'rr virar uma a excentricidade intensidade, a partir da psicanálise, desferindo-se, portanto, um duplo
)r rc vostido usará a pobre menina nas festas de do eu golpe mortal no sujeito do humanismo.
rr rlrrrcnte adorava essa música que o Velvet tocava
e Freud mostra a radical excentricidade do eu sobre si mesmo, inverten-
do o olhar de lVarx sobre o homem: se este se produz sobre sua exte-

118 119
rioridade e com base em um fundamento ainda teleologico, buscando
a resolução dos conflitos no futuro, o olhar de Freud é introspectivo, -r irhidEnaI desclrr,l, r , l,
dirigido ao interior, e se realiza através de uma translaçáo ao passado eixo :;o, t, rl , l,

e ao inconsciente. O homem freudiano adquire sua relativa liberdade tamltt:r rt lr, rl , 'rr

em um processo individual de autoconhecimento no qual se identificam transÍot rrr ,, , ,

os mecanismos repressivos em que se baseia a educação e o proces- como ll,r,' r, l,


so de socializaçáo através da família, e em que se aprende a conviver real, 0r )r l{ r l, ,

com o eu, reduzindo-se a neurose através da consciência do valor da fava ( ) tr L|r Ii l, t

auto-estima e dos desajustes nas relaçÕes com o mundo. O homem xerat| ;r lr r I

freudiano não só não se realiza socialmente, como a estrutura de sua a fe[)t(]" r I

personalidade psíquica é fragmentada, não constituindo uma unidade. COmo tt l, rlrril, ,

A busca cega pela satisfação de seus impulsos, encarnada no "id", amecltot rl, r, l, , r

entra em luta contra o "ego", que seria uma parte remodelada do a fanttlr;1 , ,, r r'

"id" adaptada ao mundo exterior, enquanto o "superego" seria um sedi- gura "tlllr'r rr 1, r

mento da dependência infantil em relação aos pais e às suas exigên- Socior l; rr I, ,'

cias de controle dos impulsos e de socialização. AinÍ[rcr rr ],r,1, r',


Resulta, assim, duplamente esgarçada a unidade do homem, imerso nas
relações de produção que o determinam socialmente e, ao mesmo lunto rr I l,
tempo, tendo a sua psique fragmentada por tendências inconciliáveis. sâdotc: , rt rll, ,, '

Tanto o materialismo historico, quanto a psicanálise colocam em ques- cotirlir rr r, r , ,

tão o idealismo humanista, o homem centrado e o seu fundamento Por OlrY l ', i

ontológico na harmonia entre o eu, arazáo e o mundo: tudo isso - o eu, gfup()l i tl, ' r' ,

a razáo e o mundo - perde a sua objetividade, fragmenta-se, revelan- êstalrc|',r, I, i

do-se como construções consoladoras, como produtos das ilusÕes Fronrrrr, /\, l, ,,,

implícitas ao idealismo. totalill rr ir ,r r r' , I ,

A tarefa de fundir essas duas disciplinas, psicanálise e materialismo, em COffiO l(",1 t' r1 ,

um único processo de construção de um novo sujeito social, Íicará a de cril u r, , tlt ,

cargo de Wilhem Reich, que denunciará os limites de cada uma e a sua Parar:k'!!. | ,l

complementaridade. Para Reich, a resolução individual dos conÍlitos suprtt iot ,r, ,,,
internos é um resíduo ideologico burguês: a liberação interior não se uI toritarismo destrrtit lr , I

produz senão em um plano social. lsso significa, contudo, uma denún- fOS Fx )l 1',. 1, l' 'r'
cia das estruturas sociais em que a família - a "família autoritária", em nalÍtic; r ,' ,, ,,
sua terminologia -, como unidade produtiva, também reproduz as contt rrir l, r, l,

relaçÕes de produção da sociedade, transmitindo de pai para filho a vivêrtr :i, l I ,r,
,, i ,'

luta de classes, É, portanto, necessário associar o materialismo, e sua ordet rr 1rt,rlr, ,

exigência de igualdade, a processos de aprendizagem vital e sexual Huizirtrli r '',1 '

120 121
); orn um fundamento arnda teleológico, buscando
rr( ) que reduzam e anulem ao limite a neurose, e permitam uma máxima
rllilos no futuro, o olhar de Freud é introspectivo,
r;or
rncrgia libidinal descarga de energia libidinal. Reich propÕe a comuna como um novo
)r, o r]() realiza através de uma translação ao passado eixo social de aprendizagem capaz de conectar o mundo - e mundo é
r. () lrontem freudiano adquire sua relativa liberdade também trabalho - ao eu. A construção de um novo sujeito depende de
rr rt Iivirirt,il de autoconhecimento no qual se identificam transÍormaçÕes profundas no espaÇo privado e no espaÇo público, bem
cI ircr r,.;ivos em que se baseia a educação e o proces- como nas relações e nos vínculos entre ambos. Algo que o socialismo
ro ;rlrirvíls da famÍlia, e em que se aprende a conviver real, como denunciou Reich, nunca pôde resolver, pois nele ainda impe-
rrr lo l;o a neurose através da consciência do valor da rava o modelo burguês de ordem social. Enquanto Marx e Freud trou-
r:; r ltl.;l.rjustes nas relações com o mundo. O homem xeram à luz as implicaçÕes públicas da Íamília, Reich demonstrou como
I ri r( ) :ie realiza socialmente, como a estrutura de sua
a repressão doméstica relacionava-se com a repressão de forma geral,
rr e fragmentada, não constituindo uma unidade,
lrric; r como a Íamília era o aparato que garantia a produção de indivíduos
rl; r r;lrli:;Íaçáo de seus impulsos, encarnada no ,,id,,,
amedrontados, perfeitos para a perpetuaÇão da ordem social: para ele,
rr rlur o "ego", que seria uma parte remodelada do a família é o agente delegado da repressão, na medida em que asse-
rrrtl lr k) exterior, enquanto o "superego" seria um sedi- gura "uma reprodução psicologica massiva do sistema econômico da
Irr rr;irr infantil em relação aos pais e às suas exigên- sociedade".
I r; irrrpLrlsos e de socialização. A influência de Reich nos líderes do movimenlo hippie e do lVaio de 68
r1 rlr rr r x;rrle esgarçada a unidade do homem, imerso nas em Paris é um fato amplamente conhecido e divulgado. Neste período,
ro rlue o determinam socialmente e, ao mesmo
ir rr.;; junto a Reich, adquirem prest(gio Herbert lvlarcuse e Henri Lefebvre, pen-
l r;r 1x;ir1ue fragmentada por tendências inconciliáveis. sadores influenciados por ele, e cuja crÍtica maxista e psicanalÍtica à vida
rrro lri:;kirico, quanto a psicanálise colocam em ques- cotidiana e ao esquema da família autoritária é pontualmente absorvida
rr rl l nista, o homem centrado e o seu fundamento por Guy Debord e pela lnternacional Situacionista, entre muitos outros
rrr rr riir cntre o eu, a razáo e o mundo: tudo isso - o eu, grupos de ação que propunham uma drástica transformação da ordem
Ir lnrde a sua o§etividade, fragmenta-se, revelan- estabelecida. Através de ÍVarcuse, e da Escola de FranKurt (Horkheimer,
:rlrrrr.;rx)s consoladoras, como produtos das ilusÕes Fromm, Adorno, Benjamin), cresce a preocupaÇão com o Íenômeno dos
i;1 il( ).
totalitarismos ditatoriais e sua relação com a família, que passa a ser vista
cr ;r ;r r;(hlas disciplinas, psicanálise e materialismo,
em como responsável pelo surgimento do líder carismático em momentos
rr r rlrr r;onstrução de um novo sujeito social, ficará a de crise, através do mecanismo internalizado da autoridade.
icir:l r, «1uo denunciará os limites de cada uma e a sua Para eles, as novas formas de vida esboçadas carecem de um esforço
rkr. l)iuil Reich, a resolução individual dos conflitos superior ao mero desejo de convivência: é necessário, antes de tudo,
;rrhro irlr;«tlogico burguês: a liberação interior nào se antiautoritarismo destruir todo vestígio de autoritarismo, como já assinalavam os primei-
rrrr lrlarto social. lsso significa, contudo, uma denún- ros pensadores anarquistas, e isto requer uma formaçâo de raiz psica-
; :;rrr :iril; orn que a família - a "família autoritária',, em o ensaio de formas não hierarquizadas de convivência em
nalÍtica e
, (;()tTto unidade produtiva, também reproduz as comunidades. A dissolução das práticas autoritárias em uma con-
rr..:; ro rlir sociedade, transmitindo de pai para filho
a vivência produtiva e lúdica aparece, assim, como um aprendizado de
, 1ror llrnlo, necessário associar o materialismo, e sua ordem prática, cuja maior referência serão as investigações de Johan
kl; rrlc, ir processos de aprendizagem vital e sexual Huizinga sobre o jogo nas sociedades humanas. Seu texto Homo

120 121
ludens (1954), uma argumentação a favor da compreensão das SeÀr /, // \

relaçÕes humanas como uma busca regulada de diversão improdutiva, Sellt rIr r t,
dará cobertura aos movimentos da contracultura que surgem na vira- Gjt 1;l ,r,r ,l l,
da da década, entre os anos cinqüenta e sessenta. at*'ibo taror;,1,,,,',
A contracultura ó então definida como o reverso da cultura estabelecida, a contracultura del lr, tt,,t rl,
e encontra seus aspectos mals distintivos no antiautoritarismo, na origi- Sitttl rltr i, Lr, t,

nalidade, na criatividade, na espontaneidade, no amor, no gosto e no âO ttl ,r t, ,t r, ,


1t
prazer, no jogo e no trato direto, no espírito tribal e nas comunas. As r
dtit lr' 1
,, ,,

comunas K1 e l\2, em Berlim, seriam emblemáticas desta nova atitude. nátir r l,r r,
Com elas surgem também, pela primeira vez documentados, os novos dat,.t; tr , , 1,, ,

problemas cotidianos - a divisão de tarefas, o seu caráer rotativo, a for- Ulll l: ,ltl, , , 1, .
mação de casais e situações assimétricas, a obtenção de recursos l')â tllrl,r,lr '1,
econômicos, a liderança e o surgimento de tendências tribais, a limpeza, do t,,',tr,,,1
etc. -, obrigando a um aprendizado do espírito antiautoritário no âmbito sttt l; rr. , r, , I rr

da intimidade que integra hoje a tradição de um movimento, o dos squaf- Dt:lit tlt t i ', ',
fers ou okupas, disperso atualmente por todo o mundo. COSII ll( ,l r, ,lrl ,

O que tem a ver tudo isso com um Andy Warhol obviamente cético em miti: ; 1,t,', I'
relação a toda ideologia, e desde já ao maxismo e à psicanálise, des- ruhattasltse.fio Pârit r ,: ,lr , r,,i
mesuradamente entregue a uma idolatria da América e do sistema "glirt r, l, , l,
'

americano, e, precisamente pela desmesura dessa entrega, responsá- qllill ll( , lr , .

vel por uma paródia mais crÍtica e mals perversa do que muitos dis- exÍ)l(): ,',,r ,,,' '
cursos edificantes? Como se liga a Factory a esta complexa trama de de lct tt1 , ,, ,r

intentos de construir uma espacialidade própria à comuna? estirv; r',,.,, r

Se atentamos para a peculiar capacidade da cultura americana, e, mais ,,tt i


QIâl{..)i lr
explicitamente, da nova-iorquina, para assimilar e descontextualizar as Ser.oI rlr ,1, I

propostas das vanguardas europóias, torna-se fácil perceber, no ambien- I,


de ttttr,r rr r.

te da Factory uma grande similitude com tantas outras tentativas de ins- oal r; lr, l, ,r ,. r.
tituir comunas. Há, ali, um ambiente permanente de festa e trabalho cria-
tivo (pintura, cinema, música, happenings), no qualpodemos reconhecer
q Câ(h,t tlr ,
de 1roltlt, r ,,
r

'
tanto o espí"ito dos manifestos da lnternacional Situacionista por uma collll) r,.l
I
construção criativa do próprio indivíduo - essa proposta de superação
da arte através da sua realizaçáo na "arte de viver" -, quanto o espí"ito
I fllell0l r, ,ltl r,
Ufi) llt t\ll ttr,r
,

lúdico do homo ludens de Huizinga, e o antiautoritarismo de Reich e COI lV(lI llr l, , ,

N/arcuse. tria,r,r',r ,,
Foi este espú'ito do tempo (que se pode descrever a partir da mera enu- Nos; tl, rr rl,. ;

meração dos tÍtulos dos livros dos autores mencionados: A revoluÇão nec(): ;: ,,[] ,

122 123
r; r ;r(lurnentaÇào a favor da compreensão das sexual, A revolução urbana, Homo ludens, A crÍtica da vida cotidiana),
I
( ( )r r( ) rrrrlr busca regulada de diversão improdutiva, sem dúvida, o que animou a geração beat americana - Kerouac,
, rrrovirrtcr tlos da contracultura que surgem na vira- Ginsberg, Burroughs... - a ensaiar, nos anos cinqüenta, formas rudimen-
( , ( )r ; iltrt x; cinqüenta e sessenta. a tribo tares de convivência em comunidade. Para eles, a tribo era uma espécie
rl, ro r lclirriria como o reverso da cultura estabelecida, a cúntracultur,r de parentesco eletivo, baseado na solidariedade, na hospitalidade, na
1
,r ,r ,lor ; rrrl ris distintivos no antiautoritarismo, na origi- simplicidade e na amizade frente a uma sociedade endur-ecida. Estranhos
rIrrIr, nr I cspontaneidade, no amor, no gosto e no ao esquema "produÇão-consumo", o desdém, a imprevisão, e a passivi-
r. l;,111r ilircto, no espírito tribal e nas comunas. As dade passaram a ser formas contestadoras de aÇão e de luta revolucio-
,,r II Ilcl lirrr, seriam emblemáticas desta nova atitude. nária. Sua atitude, por um lado, levou ao abandono da cidade e à fun-
, rrrl rt l lt, pelar primeira vez documentados, os novos dação de comunas hippies de sabor idealista, e, por outro, influenciou
) , ;r r livir;ao de tarefas, o seu caráter rotativo, a for- um estilo de vida urbano, o dos artistas de vanguarda, que encontraram
r ';ilrlrr.;txli assimetricas, a obtenção de recursos na cidade de Nova lorque o melhor lugar para se fixar, impregnando-se
u r( ;r ( ) o t;trrgimento de tendências tribais, a limpeza, do cosmopolitismo especial dessa cidade. Para compreender esta
ur;rl triizado do espírito antiautoritário no âmbito
)rot situaÇão, talvez seja conveniente recordar como Rem Koolhaas, em seu
l, ,( lri r lx )jo a lradiçáo de um movimento, o dos squaÍ- Delirious New York (1978), esforÇou-se para descrever o estilo de vida
rr rr r;o illtrtlrnente por todo o mundo. cosmopolita nova-iorquino, baseado na exacerbaÇão das tendências
l, ) |ir;()Andy warhol obviamente cético em
C()rTt Llm mais progressistas e irracionais do capital.
I rr 11; r, c rlosde já ao marxismo e à psicanálise, des- nhattanismo Para este autor, o "manhattanismo" já havia produzido, nos anos trinta, o
rlr., ;uc il ulra
idolatria da América e do sistema "grande hotel residencial", uma nova forma de vida tão vanguardista,
, rl rcr tlc poltr desmesura dessa entrega, responsá- quanto frÍvola, na realidade, uma revisão capitalista da comuna, cuja
,rrrr,nrr;rÍlica e mais perversa do que muitos dis- expressão mais deslumbrante seria o Waldorf Astoria. falvez a proximida-
( ;( )t rl( ) r;o ligaa Factory a esta complexa trama de de temporal tenha impedido Koolhaas de observar como este fenômeno
r ll;I r cl;pacialidade propria à comuna? estava se reproduzindo nos /ofts do SoHo, os quais, em grande medida
, r ; rr r rrrlil rr capacidade da cultura americana, e, mais graÇas a este grande marqueteiro que foi Andy Warhol, teriam passado a
r.vr riorr1r rina, para assimilar e descontextualizar as ser objeto de desejo da elite. A transformação da vida cotidiana, a busca
r rrr l; r:; cr tr i1)eias, torna-se fácil perceber, no ambien- de uma arte de viver que se confundisse com o proprio trabalho criativo,
1 , rr rr ir : : ;ir r tifitt rde com tantas outras tentativas de ins- o abandono da idéia de família como pro1eto vital e a colocaÇão em prái-
rlr, r rr r r r tr I tl ricnte permanente de festa e trabalho cria- ca de outras pautas de organização vital e sexual, perderão a radicalida-
, rrr: ;r(r; r,Irrtrttrtenings), noqual podemosreconhecer de polÍtica onipresente em Berlim e Paris e se desenvolverão, finalmente,
rrr; rrilu;lor; rla lnternacional Situacionista por uma como expressão mesma da identidade dessa cidade, de sua cultura
I
I r ;rto1 rr io inciivÍduo essa proposta de superação
,r r,rtr:; rli.rl(.tilo na "afte de viver" -, quanto o espírito
t metropolitana e dos aspectos mais liberadores do capitalismo, dando-lhe
um novo impulso vital e econômico. Em poucos anos, Nova lorque terá
tr,r t, rlr lhrizinqa, e o antiautoritarismo de Reich e convertido essa identidade cultural transgressora em sua principal indús-
tria, e a si mesma no destino preferencial do turismo cultural internacional,
, 'r r. (r llo lje pode descrever a partir da mera enu-
r11
Nos manifestos situacionistas, nas comunas berlinenses havia sido
rlr r', lrvrrl; rir)s autores mencionados: A revolução necessário - e quanto deste esforço remete-nos ao dos arquitetos do

122 1aa
Team 10 uma transformação a paftir de dentro, argumentada e apoia-
- (ltllll tr,,,,, ,.
da nas mesmas referências ideológicas que se pretendia superar. Para lillrt r, r,, ,

entendermos essa conÍlituosa posição ideologica, basta recordarmos a


resposta dos situacionistas à pergunta, "Vocês são marxistas?", que não (ii l:,, t'. , l,

for outra, senão, "Tanto quanto [t/ax quando dizia: eu não sou maxista". V(" { r

Não obstante, na Factory esse esforço parece completamente desne- (i()lIililr ri

cessário: ali, é irrelevante argumentar ou discutir, o que importa é passar cl; r',, ,, t' ,,

bem e produzir o mais intensa e provocativamente possÍvel. ill il rlr l,' I

Assim, Warhol será bem-sucedido não apenas ao fazer confluir a totali- illttrrr, l. r, t,

dade das tendências vanguardistas européias e americanas, mas tam- o; I L

bém ao Íazê-lo oferecendo um modelo vital que integraria nessa tra- O()l lll ll |, , ,

dição o capitalismo progressista e cosmopolita de Nova lorque. Não Itttttl,, ,,,.


nos interessa, poftanto, narrar uma vez mais o processo pelo qual um O( )l lllll r ' I

determinado grupo de artistas - de forma especialmente significativa, fol llí ,t rI r il',


Gordon lVatta-Clark e George lVlaciunas - decide viver e trabalhar no ol ;r ,, I l, i

sudoeste de tVanhattan, adquirindo, para tanto, grandes espaÇos em fol; rltr.rr ,' '

edifícios industriais e comerciais abandonados. O que nos interessa é rlr,tr lr


investigar o que vêem ali, além do baixo preço do aluguel, ou que valo- lli l( r, l,
res e que idéias espaciais ali subjazem, ou, finalmente, como se orga- ; i, l)l()lr'l'
niza um dos modos mais singulares de morar que o século xx inventou, { ll; ll rr lr

como esta larga tradição que se originou nos socialistas utópicos resul- rtolllr
ta nesta sua versão mais delirante - o loft nova-iorquino -, e como este, /ofÍ nova-iorqull, il ( { )l | ,

por sua vez, em uma forma de pensar, construir e habitar um arquétipo O( )l Ilr ,I

da casa contemporânea. ll)r:trl,,


O loft será, basicamente, uma casa-oÍicina, com uma grande superfície ;tlrr,rr'. , ,

e um grande espaÇo interno, quase sempre alugada por preços muito Si'rrr
baixos, instalada em um galpão industrial ou em um armazém - geral-
mente datados do final do século xx e situados num lugar central eco-
nomicamente decadente -, na qual se fundem os âmbitos privado e do ltt i; rr , r

trabalho. Um loft é, originalmente, uma porção de solo, para aluguel ou ol lr,r lrlr ,

à venda, dentro de uma estrutura de pisos, o modelo tipologico industrial litllt,,r,,,


caracterÍstico do século xrx, geralmente medido pelo número de pórticos Il lo: in t l,

estruturais com suporte para fundição que abarca. Poderá ser ocupado ir lr:tr r , l,

individual ou coletivamente, em função basicamente da capacidade Ao ll,r, ;

econômica, mas também dos interesses criativos ou do compromisso Cio: ,,rl ,,, ,

social do(s) seu(s) residente(s). Em qualquer caso, a mudança para uma

124 1")!,
r lrir rsbrmaÇão a paftir de dentro, argumentada e apoia-
r, r determinada zona da cidade como o SoHo já é uma afirmação da per-
rrrrr:;rclcrf)ncias ideologicas que se pretendia superar. Para tinência a uma certa comunidade. lgualmente, em função tanto de sua
, , :r ;r ;r r conÍlituosa posição ideologica, basta recordarmos a grande superfície, quanto dos novos códigos sociais vigentes, estas
, r;rlrt rcionistas a pergunta, "Vocês são marxistas?", que não casas-oficinas permanecerão abertas a visitantes mais ou menos está-
r, ro, "
l;11111; quanto Nrlax quando dizia: eu não sou maxista". veis, e à organizaçáo de festas e reuniões sociais, de modo que o efeito
Í), r;r l lrctory esse esforço parece completamente desne- comunal será uma de suas características mais evidentes. Em todas
, , trrck:vante argumentar ou discutir, o que importa é passar elas, o trabalho criativo, individual ou coletivo, primará sobre outros
r. rr o rrrilis intensa e provocativamente possÍvel. aspectos da vida individual, tais como o conforto, o luxo, a ordem, ou a
rr rl r ;r l i r lrr:rl sucedido não apenas ao fazer confluir a totali- intimidade. O contínuo contato com a comunidade, o desprest(gio do
r rricr rr;iln vanguardistas européias e americanas, mas tam- casal estável, e o entendimento do sexo como uma forma a mais de
, I r olorccendo um modelo vital que integraria nessa tra- comunicação propiciarão, ainda assim, práticas amorosas e sexuais
,rl;rlir;rr)o progressista e cosmopolita de Nova lorque. Não muito semelhantes às que, mais conscientemente, contudo, adotam as
r, lror Ilinlo, narrar uma vez mais o processo pelo qual um comunas politizadas centro-européias. O ambiente é, pelo menos apa-
(1llx) rle artistas - de forma especialmente significativa, rentemente, festivo, criativo e liberal. Através desse modo de instalação,
l,r()lr rrli c George lVaciunas - decide viver e trabalhar no essa coletividade, ou tribo, constrói para si um marco urbano próprio,
, N/r rlllrltan, adquirindo, para tanto, grandes espaÇos em relativamente independente, e se apropria de edifícios e porções da cida-
r:;lrirrir r o comerciais abrandonados. O que nos interessa é de, modificando radicalmente sua identidade. E significativo, porém, que
lr( ) vrx)nr illi, além do baixo preço do aluguel, ou que valo- não o faça construindo uma utopia, ou mediante a planificação de um
,r. r; t;r;1
xrt)iais ali subjazem, ou, finalmente, como se orga- a apropriação pro1eto ex-novo, mas através de uma técnica, a apropriação, que, em
Irrorloi; rrrais singulares de morar que o século xx inventou, grande medida, poderia também descrever as práticas artísticas desses
rrr ;; r lr rr iiqlao que se originou nos socralistas utópicos resul- coletivos - o objet-trouvé e sua descontextualizaçáo -, de forma similar
v( )r r;i r( ) ntitis delirante - o loft nova-iorquino -, e como este, loft nova- a como a lnternacional Situacionista invoca o détournemenÍ (o desvio)
r:r l utnil lorma de pensar, construir e habitar um arquétipo como uma prática social revolucionária, descrita como o "desvio de ele-
lrrtrt1 rr it IUtoa. mentos estéticos pré-fabricados. lntegração de produções artísticas
r; r:;ir;; rrrtr:nle, uma casa-oficina, com uma grande super-fÍcie atuais ou do passado em uma construção superior do meio."
, ( ,r ;l )i r(.)o interno, quase sempre alugada por preços muito Se na casa existencial poderíamos falar em consistência como pala-
l,rr Lrcr rr rrnt galpão industrial ou em um armazem - geral- vra-chave, na fenomenológica, em intensidade, na positivista, em visi-
Irr ; rlo lirlrl tjo seculo xx e situados num lugar central eco- bilidade, a palavra que gravita em torno desta idéia do habitar e "apro-
, l rr ;; rr k rnte , na qual se fundem os âmbitos privado e do
r priação", uma palavra que explica seu parentesco com as comunas e
t htll r:, orrr;inalmente, uma porção de solo, para aluguel ou o_s eQif'çios ocupados ilegalmente, pois este será o impulso que gravi-

rlr, r lc r rr r ur estrutura de pisos, o modelo tipológico industrial tará em torno do loft, da forma de clolonizq" o seu espaço,_{o_ ato
,r I r r;r:r;Ltkr xrx, geralmente medido pelo número de porticos mesmo de qproprrar-se parcialmente das experiências comunais, da
rr rr :;l rorlo para fundição que abarca. Poderá ser ocupado
11 ideia de instalar-se no centro histórico da cidade.
r r:o[rlivlulrente, em função basicamente da capacidade Ao transportar sua residência e sua oÍcina para áreas da cidade e edifí-
rrr,r; llrrnlrenr dos interesses criativos ou do compromisso cios abandonados pela dinâmica especulativa, o artista, o homo ludens
,r 'r r(: ;) ri:r ;iclcnte(s). Emqualquercaso,amudançaparauma warholiano, apropria-se da cidade, do seu centro histórico, e reivindica

124 125
V
todos os contravalores que a convenção - a convenção do positiüsmo - To(Lt:;, l ,

havia rechaçado, começando precisamente por essa instalação na me- âS {;l tlr', 1, r,,
mória urbana Írente à tabula rasa sempre propiciada pela modernidade o lttll 1x "1, ' '

orlodoxa.
Como é o espaço resultante dessa apropriação de uma nave diáfana
com imensas janelas e altura, ritmada pelo espaço isotropico das colu- abundância de COlll(r l rl'

nas proto-industriais? Em primeiro lugar, este é um espaço que nega a rnetros cúbicos Qultlir L r, l, , r

modernidade, que demanda um habitante capazde abandonar as ide- teOttiltr , r, . r

alizações positivistas do habitar, para transportar-se justamente ao bellt , , rt rlt rr '

espaÇo comercial e industrial anterior à modernidade. Em contrape-


sição à ordem pautada da vida cotidiana regulada pelo Íuncionalismo, a colll( ) i ".1,

desordem será a característica visual mais óbvia, uma desordem preci- desordem âS01 ltt,t , i

sa, que se estende desde o espaÇo e seus usos sempre imprevisíveis e da lor lr,r,l, I .,

improvisados até o tempo, dando forma a modos de vida alheios ao


ritmo vital do homem-tipo. O /ort pulsará em horários nunca estipulados:
seu momento privilegiado coincidirá com aquele em que o resto da
cidade se apaga, e será vivido seja no trabalho criativo e/ou na festa dio- volvit trr 'r rl, , , ' ;

nisíaca, que numerosas vezes chegam a se confundir e a se identiÍicar. Wal ltol r r, , I

Enquanto na casa dos Arpel tudo está submetido a regulaçáo e à vigilân- têr ttl r',,,1 r ,

cia, no /oft warholiano não há ordem, nem vigilância: a casa pode ser ocú-
pada por qualquer um que tenha as credenciais da "tribo". Não há, nem gpl l;, ql r, rll

deve haveç outras determinaçÕes, nem rotinas, senão as que cada um huttror "

imponha a si mesmo - não existe a programaÇão, mas o seu inverso, a recicll t, l, r ,

improvisação. Enquanto para os habitantes positivistas, os habitantes das -\


rmprovrsaçaq forltt tt ", 11 ,r 1

comunas, os beatnicks e seus derivados serão uns "parasitas", os pri- dll/it tr l' '
'
'

meiros serão uns desmancha-prazeres para os segundos. Aspectos apa- .: :..- 1.1. ::, ,, SeCt tlr , .

rentemente anedoticos como o da limpeza ou o do vestuário adquirirão de ttr;1,'t r, i,

um conteúdo polÍtico e um sentido espacial preciso; a "contestação", o Catttl rl r, 'll ,

espírito de protesto, insistirá com força na desconstrução destas "Íalsas lT)et)lc (,,i ,l' ,

necessidades" impostas por uma visão exacerbadamente higienista.


"Somos contra qualquer idéia de necessidade absoluta dos objetos", afir- Umit iri, '1. 1,1, 1

mará Asger Jôrn em Sobre o valor atual da concepção funcionalista dê ol rlll, , t,,

(1956), enquanto em Berlim os comuneiros negam-se aaceilar o "tabu da âdqt titlt tr rrr ,

sujeira" proprio da sociedade moderna como critério para se discutir rela(.)ito, r r r, L


sobre ela: "a sujeira é um elemento da realidade...e não se pode fazer de c ittsÓlitc protit tr.:r l, , , ,, , , "
conta que ela não existe por meio da obsessão pela limpeza".

126 127
rlrirvi rloros que a convenÇão - a convenÇão do positivismo - Todas estas manifestações da contracultura contestarão, uma a uma,
, rr I r, corneÇândo precisamente por essa instalaÇão na me- as categorias que a existência positivista havia idealizado. Por isso,
r Írcr llo tr labula rasa sempre propiciada pela modernidade o /ofr poderá ser entendido exatamente como a negação do valor de
projeto positivista por excelência, o metro Quêdrado, substituído pela
r 1r; rr;o rcsultante dessa apropriação de uma nave diáfana proliferação não de metros quadrados apenas, mas de metros cúbicos
, 1r rnclrrs e altura, ritmada pelo espaço tsotropico das colu- nbundância de como o valor espacial máximo: a abundância de metros cúbicos sem
h r;lr ir rir;'? Enr primeiro lugar, este é um espaço que nega a rnetros cúbicos' qualidades de qualquer tipo - por exemplo, com nula, ou baixíssima
,
. ( nanda um habitante capaz de abandonar as ide-
lr r( ) lt-.r
( tecnificação - é estabelecida no loft como uma demanda que é tam-
r';rlivlrllt; do habitar, para transpoftar-se justamente ao bém contrária à metodologia do arquiteto ortodoxo da modernidade, e
r, ,rr:ir rl o industrial anterior à modernidade. Em contrapo- a todo o seu aparato funcionalista pseudocientífico. E+r1 um espaÇo
rr I r; rrrlrrrla da vida cotidiana regulada pelo funcionalismo, a qomo qgte- 4 criatividade empregada no habita/.é maxqma) pois todas
,r , r ; r cr rí.ac[erística visual mais óbvia, uma desordem preci- desordem as opçÕes são possÍveis; apropriar-se deste volume de ar é a essência
,lr ticsde o espaço e seus usos sempre imprevisÍveis e
:r rr kr da forma de habitar em que se realiza o sujeito warholiano. E neste
, rrlc r) tcrnpo, dando forma a modos de vida alheios ao volume, e mediante a técnica da apropriaçáo ou détournement, que
Irotrrctn tipo. O /oft pulsará em horários nunca estipulados: projetará sua cultura material e objetal.
t,r 1rr ivilcr;ii,rdo coincidirá com aquele em que o resto da Voltemos ao interior daFactory e comprovemos, novamente, esse desen-
,; r( li r. ) l;crá vivido seja no trabalho criativo e/ou na festa dto-
( volümento em torno de uma pose insolente e satisfeita consigo mesma.
r rl r r( )r( )sas vezes chegam a se confundir e a se identificar. Warhol nos dirá: "Sempre gostei de trabalhar com as sobras, de conver-
casa dos Arpel tudo está submetido à regulação e à an- ter as sobras em coisas. Sempre achei que as coisas rejeitadas, e que
rrlroli; no não há ordem, nem vigilância: a casa pode ser ocu- todos pensam que não servem para nada, podem ser divertidas. E como
;rl. 1r rr:r unr que tenha as credenciais da "tribo". Não há, nem um trabalho de reciclagem. Sempre achei que as sobras tinham muito
,r rlrr: rricterrrinaçÕes, nem rotinas, senão as que cada um humor." Assim como a Factory é, em si mesma, uma nave rejeitada e
Ir r, ,'.r r, )
nao existe a programaÇao, mas o seu inverso. a \ reciclada, os objetos com os quais se produz a sua apropriação espacial
-1
, I r rr lr ri irrto para os habitantes positivistas, os habitantes das lmprovlSaÇaOl foram "apropriados", reciclados, daquilo que não serve para nada, repro-
, /rrr,r/rlclis e seus derivados serão uns "parasitas", os pri- duzindo-se, assim, um procedimento artístico bem conhecido do
r I il nancha prazeres para os segundos. Aspectos apa-
t: ( l( )rit objet-trouvé século w., o objet-trouyé duchampiano e descontextualizado. A criativida-
rr rli I ilicos como o da limpeza ou o do vestuário adquirirão de estende-se, portanto, do trabalho à vida cotidiana: das latas de sopas
r liolrlir;o c rrrl sentido espacral preciso; a "contestação", o Campbell e caixas de sabão Brilho, aos objetos domósticos, indistinta-
r,l.r ;lo, insistirá com força na desconstrução destas "falsas mente. Contra o luxo, o conforto burguôs, a intimidade fenomenológica,
'," ir r1 ro:rk,rs por uma visão exacerbadamente higienista. a tecnificação moderna ou a beleza essencial da casa nieüschiana, surge

Ir rr 1r rr rk lrrcr ideia de necessidade absoluta dos objetos", afir- uma idéia de espaço baseada na descontextualizaçáo e na proliferaçâo
,1,r1 11 1,111 Sobre o valor atual da concepção funcionalista de objetos triviais, desprezados pelo consumo, que, recontextualizados,
, rr rl, r:r l Ilcrlim os comuneiros negam-se a aceitar o "tabu da adquirem um significado estético e, se se preferi[ também satírico em
,r r, )(li r r;ociedade moderna como critério para se discutir relação à vida cotidiana estabelecida, em um parasitismo criativo do ciclo
:,r r1r rir;r rr Lrrn elemento da realidade...e não se pode Íazer de o insólito produção-consumo. O insolito polariza o espaÇo warholiano como a luz
, r rr ro cxi:;te por meio da obsessão pela limpeza". intensifica a presenÇa do ar na casa vermeeriana. O aspecto reciclado do

126
objet-trouvé conduzirá a uma estética acumulativa e heterogênea, alheia ziu unt ,r ',, ,r ,
l)( r,

aos esteieotipos da modernidade. Objetos d'spares e contraditórios insultuollo l, rr rl, r

comporão paisagens, ou cenários, em que o grotesco e o requintado, inú- lidade, r;r r, rr rl, ,1 '
til e o desproporcionado, convivem caoticamente, em uma afirmação mas fêllr:tt r, r rl, 1 .. .
do caráer lúdico da desordem, da sua pertinência como valor criativo do aborrccjr l(),,,r rir
ambiente. Freqüentemente esta atitude levaráa uma estética do excesso, mo dal; tt r',lrlri,' r

da acumulação proliferante, o que, no caso de Andy Warhol, resultará em Uma Ílo( rtl, r' . r, ,

um consumismo fetichista compulsivo (algo, por outro lado, comum a oitenta r


I x'r r,,lr '
outras estrelas do universo pop, tais como Elvis Presley e Elton John...). Segmot tlo', ,,r r, 1,, , -;
Nrlas, no seu caso, este fetichismo será revelador, pois, contrariamente a
haviall {'t rr ,r rlr ' !

qualquer hipótese previsÍvel, não se aplicará apenas aos objetos descri-


exClUSiv; trlr,r,t,
tos, mas incluirá, com igual intensidade, o mobiliário burguês, americano anttqttitt it)',,,r l,i. .

ou inglês, do século xx, em um aparente desdobramento do gosto que lugar lt ur rr r l,. r,.'
determina a paradoxal distância que há entre a Factory e a casa de sua epodr",,rtr.
mãe, em que seu próprio quarto desfaz qualquer unidimensionalidade do e mtrtit tr; rlt'l r r..
personagem. Se o contrapusermos ao espaço prateado da Factory e à
tivtdark) ()t I, lrr
'r i. :-
sua raivosa modernidade, Íalvez entendamos porque Andy Warhol era a o /off como O loíÍ ,,r , , ',
1);r',
figura indicada para transformar a estética extravagante do loft em um eria de arte gâleriit rlr',rrt, i.:
conceito espacial apto a ser consumido pelas classes altas. No universo âbêrtit ,r I ,
1r,
de Warhol, não há contradição: ele quer tudo, e, de cada coisa, o melhor. bela o r:lr', ,t,
;, rr
A única coisa que não é necessária é a congruência, o acordo entre as
partes, a exigência de uma coerência a priori, justamente as idéias das
quais sua arte tão rápida e lucidamente se livrou. t:
O que há de verdadeiramente original na Factory em relação ao conjunto
de /oi?s que prolifera nos anos setenta, é a atitude radicalmente antimargi- L

nal de Warhol, sua postura glamourosa e exibicionista. Foi esta postura


que, sem dúvida alguma, contribuiu decisivamente para que se conce-
bessem estes espaços vazios como lugares em que, de fato, não apenas
se veriÍcava uma liberação lúdica das forças criativas, mas também se liheração lúcli<:rr
podia organizar uma forma de vida sensual e festiva, que não parecia exi-
gir nem marginalização, nem submissão a princípios ideológicos contrá-
rios ao sistema, nem renúncia alguma aos prazeres do capitalismo. Warhol
- com suas festas, freqüentadas por Tiuman Capote, Nrlick Jagger ou
Jackie Kennedy, com o Velvet Underground ensaiando por ali, e filmes
insolitos em exibição, fabricando estrelas de comportamento desinibido;
envolto em um halo de sexo, fama e dinheiro, drogas e diversão - produ-

128 129
I I il I t; I ( ): il( )li(l.l acumulativa e heterogênea, alheia ziu um personagem com um estilo de vida duplamente revolucionário:
I r( ), l{ rr I li( 1r rt 1c. Objetos díspares e contraditórios insultuoso tanto para o "autêntico" contestador, por sua exibiÇão de bana-
rr ( orr que o grotesco e o requintado, inú-
r ,r li lri( )ti, lidade, quanto para o homem do sistema, por sua radical imoralidade,
lrr, r.{)r rvivcrl caoticamente, em uma aÍirmação mas fascinante para um importante setor da vida cultural, cético diante do
,( )r ( l{ )r r r, r ll r sLra peftinência como valor criativo do aborrecido compromisso esquerdista, e enojado diante do cínico moralis-
1 11. r r;lrr lrlilrrde levaraa uma estética do excesso, mo das instituiçÕes públicas. Warhol preparou, assim, o caminho para
rrlr ,, o r ll lo, no caso de Andy Warhol, resultará em uma aceitaÇão, em larga escala, desta forma de vida que já nos anos
',l,rr:or nlrLrlsivo (algo, por outro lado, comum a oitenta penetrava nos mecanismos de promoÇão imobiliária, dirigida a
't' ,t t l )( )l ) . lr ris como Elvis Presley e Elton John. . .). segmentos endinheirados, aqueles mesmos segmentos que, anos antes,
l, ,lrr :l ril ;r lo será revelador, pois, contrariamente a haviam encontrado no hotel residencial a sua forma mais sofisticada e
,t\/, ,1, n'ur lc aplicará apenas aos objetos descri- exclusiva de vida. Os refugos não são mais encontrados na rua, mas em
1r rrl rr rlcr rsirliicle, o mobiliário burguês, americano antiquários ou em mercados especializados; a sujeira e a desordem deram
ll t itf )airente desdobramento do gosto que
( ,r r r r
lugLar a um-desleixo calculado; a roupa extravagante agora é glamourosa
iir ,l,rr rr:il rrlrrc há entre a Factory e a casa de sua pop
e!,o_{e_§€r -adquirida nas butiques da moda. Os quadros dos artistas
( ) ( r; l l( i r lesfaz qualquer unidimensionalidade do
lr e minimalistas foram pendurados nas paredes, como evocações da cria-
I , rl )r li ;( )t n t( )s ao espaÇo prateado da Factory e à
tividade original deste modelo residencial.
l, ,. lrrlvc., cnktndamos porque Andy Warhol era a
o Ioff como O /ort passará aIer, em sua versão mercadológica, o aspecto de uma
r r ,lr rl lli lr lr ostetica extravagante do loft em um leria de arte galeria de arte, daquelas galerias pioneiras instaladas no SoHo, como a
| ' ,r ,r ( :or
r;rrrrrido pelas classes altas. No universo $ aberta por Leo Castelli em 1970, no número 420 da Broadway Oeste,
, r ltr .; ro: clc cltrer tudo, e, de cada Coisa, o melhor.
bela e elegante. Sua estótica evoluirá até um relativo minimalismo muse-
, r rÍ y rrl;r ilr r) a congruência, o acordo entre as
ri lt ográfico, em concordância com os novos padrões estéti-
rr,r(:()uilr u;ia a priori, justamente as idéias das cos dos anos oitenta, Entremos, pelas mãos de Gabriela
r , , lr rr rir li rrr torrte se livrou. Henkel, na galeria Castelli, em 1988, anos depois do
rr'r rlc linal na Factory em relação ao conjunto
or ir
boom de Jasper Johns, Robert Rauschenberg, Roy
, , rr r{ )r , r,clonlit, e a atitude radicalmente antimargi-
Lichtenstein, Claes Oldenburg ou Warhol, e comprovemos
I r rr , r r ll; lr I t( )r trosa e exibicionista. Foi esta postura a transformação e a consolidação operadas sobre esta
,r ( r)t lltil rr rtr decisivamente para que se conce- conÍiguração espacial convertida em lugar da elite: "Uma
,/, r. r( )r ; (;or lo lLrc;alres em que, de fato, não apenas escada estreita conduz aos espaÇos pertencentes a
,r,, Irr licr rrl;rs; ÍorÇas criativas, mas também se liberação lúdi<:;r Castelli, imponentes já por sua extensão. No primeiro, em
r ( l( , \/t( i;
r, r lxrr tsual e festiva, que não parecia exi- frente ao elevador, a sala de recepção está repleta.
r nr r rir rl rr r111-;1;1,11, a princípios ideologicos contrá- Parquete em tons claros, paredes brancas com uma refi-
lr r, r,r;rl, rri rirosprazeresdocapitalismo.Warhol
,r nada iluminaÇão para as distintas exposiÇões em exibição
1r r,
,r rl, rr l; r; yxrr lluman Capote, N,4ick Jagger ou na casa, umas tantas colunas de ferro fundido, um par de
\/,,lvr ,l I irtrk;rr;round ensaiando por ali, e filmes bancos, nenhum móvel ou equipamento mais. O segun-
| ,r r, , rt rr I r cl;lrr--las de comportamento desinibido; do, mais reduzido, serve para expor obras, e dá passa-
, ,. r. Í, rrrr; r c rlinheiro, drogas e diversão - produ- gem ao lugar de maior atividade, separado por um cordão

128 129
e totalmente inacessível ao mundo dos profanos, Ali, à esquerda, uma balltr rr, r l, , l, ,,

série de escritórios para cinco ou seis assistentes - moÇas excepcio- trabitll r; r r rrr,, r

nalmente bonitas -, que atendem diariamente a centenas de chamadas QUetttllr rr,1,.


do mundo todo, em telefones de timbre suave e respeitoso. Uma delas teriit rrl r rrrll ,

fica junto ao terminal de um computador: podemos vê-la a classificar que(ji r(1,rrrr,,


documentos, selecionar slides, cumprimentar cordialmente as visitas, porót rr, rlrrr ,
ou a consolá-las quando ocorre que Leo esteja ocupado ao telefone..., soas;. I rrr I l, ,

e Leo telefona muito. Ele se assenta quer entre as assistentes, diante de benl :;; tl rr ,r rr , t,

um dos escritórios, com um copo de Perrier diante de si, quer numa Tamlrct rl
sala envidraçada que é a sua central de comando, de onde pode obser- Park lr, rl ,, rtt , ,

var a casa em toda a sua extensão. Leo, a quem aborrece qualquer som Acirl;r, 1,,, '

estridente, carrega consigo desde há muito tempo - devido, presumi- eolltrl,rt,lr


velmente, ao seu ambiente - um aparelho auditivo invisÍvel, para que apr()l )r r,r', l,

ninguém precise gritar. Sobre a mesa negra à sua frente há uma peque- é o t;,'trlt,, .l
no bloco de notas. A desordem está proibida ali. Seguindo o exemplo ciditr lr, r 1t r rl, 1' ,'

do estilo e do ambiente que distinguem Castelli, já são muitos os mar- lorqlrr:, ,r ',r,,,
chands mais jovens que atingiram a sofisticação do detalhe do cordão paf€x;i;I,rlr r, ' I

de isolamento e das flores viçosas sobre a mesa do escritorio." tenrlctr, ,r ,,'


O loft é, agora, o espaÇo dos elegantes, um modelo único a ser expor- Umil (:l( l, r, l' I

tado para todas as grandes cidades, uma forma de vida que com- Vâ S(:l I ltt, rr ,,t,

pleta o conjunto de arquétipos da casa idealizados pelo século >«. COfilt I tt t, t, '

N/as voltemos a esse outro momento, sem dúvida mais atrativo, em De ltt,v,, ,,,' ,

que Warhol, na sua Factory em Lexington, inicia a conquista de toda a acÚtt tttlr , i, , I

cidade, recusando-se a permanecer na marginalidade. E busquemos doti't lr ,', ' l, t

entender como esta forma de habitar relaciona-se com a cidade e com a r!.ia Nesllrl,, r 1 '

a natureza, e que espaços públicos a ela se referem. no tlcr ,, '1. r

A cidade existente, Nova lorque, é o meio natural do habitante do loft a cidade


warholiano, que é construído com seus resíduos, assim como o hábi- como naturerrr
tat heideggeriano é construído com os materiais presentes na Floresta
Negra. Para Warhol, não há natureza, não há o "campo": "Sou um
\
rapaz da cidade. Nas grandes cidades, as coisas foram organizadas de
tal forma, que você pode ir a um parque e se sentir num campo em
miniatura, mas o campo não contém partes da cidade, de modo que
eu prefiro a cidade. Oulra razáo que me faz gostar mais da cidade do
que do campo é que na cidade tudo é pensado para o trabalho, lll llmt crrY
rurrt#tvr rr r"**
,tucührr.",,r*
enquanto no campo tudo é pensado para o relax. Gosto mais de tra-

130 131
;rvol ilo rnundo dos profanos. Ali, à esquerda, uma
r: ;:
balhar, do que de descansar. Na cidade, até as árvores dos parques
:;l)i uitr;inco ou seis assistentes - moÇas excepcio_ trabalham muito, porque é esmagadora a quantidade de gente para
, r ltrc Itlcndem diariamente a centenas de chamadas quem têm que fabricar oxigênio e clorofila. Se você vivesse no Canadá,
,r
tr lokrkrrres de timbre suave e respeitoso. Uma delas teria um milhão de árvores fabricando oxigênio só para você, de modo
rrr; ric urn computador: podemos vê-la a classificar
rl que cada uma dessas árvores não trabalharia muito. Na Times Square,
r;ior r; rr l;lirles, cumprimentar cordialmente as visitas,
porém, uma árvore tem que fabricar oxigênio para um milhão de pes-
1r rr rr kr (x)orre que Leo esteja ocupado ao telefone,..,
rr
soas, Em Nova lorque elas realmente têm que suar, e as árvores tam-
lo I 11; .;1. assenta quer entre as assistentes, diante de bém sabem disso, basta olharmos para elas."
:, c()t n unt copo de Perrier diante de si, quer numa Também as árvores trabalham criativamente na cidade. O Central
lr r( r ( ) ir :;rra central de comando, de onde pode obser- Park trabalha para a cidade, a natureza está a serviço da cidade.
r it :ir li I cxtensão. Leo, a quem aborrece qualquer som A cidade é o lugar em que o trabalho crrativo é prazeroso, divertido,
r r:olsirlo desde há muito tempo - devido, presumi_ é o lugar da diversão. O habitante do loft vive no centro da cidade,
;rrrrl ricrrlr.. - um aparelho auditivo invisÍvel, para que
apropria-se dele, porque esta posição lhe dá tudo o que ele deseja,
ril;rr liolrre a mesa negra à sua frente há uma peque- é o centro do cosmos existencial. Mas esta cidade não é uma
A rltxxrrclem está proibida ali. Seguindo o exemplo cidade qualquer, é a expressão máxima do cosmopolitismo, é Nova
ricr rlo rlrrc distrnguem Castelli, já são muitos os mar_
lorque, a cidade que se construiu apropriando-se de tudo o que
r;r1rrr:rrlingiram a soÍisticação do detalhe do cordão parecia atraente e interessante no mundo moderno, expressão desta
r; llorc:; viÇosas sobre a mesa do escritório.,, tendência irrefreavelmente fetichista e consumista do capitalismo,
:iil ); r(.)( ) r krs elegantes, um modelo únrco a ser expor_
uma cidade para a qual nesse mesmo momento Rem Koolhaas cria-
r:i ( jr;lrrlos cidades, uma forma de vida que com- va seu manifesto retroativo, o livro que toda grande cidade merece -
lc rrrrllrctipos da casa idealizados pelo século xx. como merece, ou possui, um grande filme ou um grande romance.
r;r ;r: or llto rnomento, sem dúvida mais atrativo, em De novo, uma homotetia sem escala: a cidade entendida como um
r I ;u;lory r:rn Lexington, inicia a conquista de toda a
acúmulo de objetos a serem consumidos, dos quais se apropria para
:io ir l)onnanecer na marginalidade. E busquemos dotá-los de beleza.
; r lorl ti r rkt habitar relaciona-se com a cidade e com a rua Nesta perspectiva, a rua aparece como aquilo que o urbanismo moder-
r;l ); r(,)()ripúrblicos a ela se referem.
no deseja "suprimir" -
sua defesa, portanto, é uma contestação -, e
, Nov; r lorrltre, é o meio natural do habitante do toft a cidade como o lugar em que pode se praticar uma reapro-
r ror lrlrrrirkr com seus resÍduos, assim
como o hábi_ como natureza priação lúdica da cidade. A "deriva" situacionista
ri.o| lr lllrrirkr com os materiais presentes na Floresta
não sera outra coisa, senào uma prática - a vaga-
ro lli rratureza, não há o "campo,,: ,,Sou um
,1, rl;
bundagem experimental pelas ruas elevada à cons-
ir:i ( ,t i l tr k ll; cidades, as coisas foram organizadas de
\
trução dê üma psicogeograÍia subjetiva da cidade
I ir ir rrm parque e se sentir num campo em
:1ror11
que reivindica a cidade da memoria e da
existente -
irrl )() nlrr.r r;orrtém partes da cidade, de modo que experiência subjetiva, a cidade desvalorizada e,
()r rlr;r ril,/Llo que meÍaz gostar
mais da cidade do portanto, em extinção, como marco revolucionário
(llr() r r;icJade tudo é pensado para o trabalho,
r)i
contra as determinações da cidade objetiva mo-
o lrrrki r'r ponsado para o relax. Gosto mais de tra_ '&I"ffi'11*"
dernista. Esse marco, onde se podem construir

130 131
Ir
situações revolucionárias, é uma completa subjetivação lúdica, a revo-
lução urbana que, nas palavras de Lefebvre, viria com uma liberaçào lll,l,,rr,,,
da subjetividade no espaÇo público. It;rlt,tt,, ,,
Estes enunciados polÍticos têm uma clara tradução na transformação do litl Ir.I rl,.

SoHo, que se pode contemplar, à luz da teoria urbana situacionista, lr;ttr,,r't


( )',, lr,
como um valioso exemplo prático de apropriação de uma porção da l(
I

cidade abandonada e alterada por práticas cotidianas que se estendem (lrilr,r ,l

do âmbito privado - o loft - à rua, esses dois elementos que o caracte- r:;rrl,r lr,,t '

rizam. Warhol nem sequer se estabelecerá no SoHo: sua ambição e indi- ( lt t rl rt r rll,'

vidualidade serão maiores, a apropriação completa do espaço público llrrl


que é Nova lorque. Ou melhor, da "vitrine" que é Nova lorque. Assim, sua illrl,,lr,',
"deriva" pela cidade será tão sensorial e psicogeogréúica como qualquer :;ll,r

uma descrita por Debord, mas terá perdido qualquer conotação antica- lLt, l,,, r

pitalista, pois, como observa Koolhaas, a capacidade emotiva de Nova 1rt,rlt,r


lorque virá de sua própria identidade como expressão do capitalismo e f,t
de suas práticas consumistas. "Quando caminho por Nova lorque, estou (l(llr, r, l'

sempre atento aos odores que me rodeiam: os tapetes de borracha nos |)or lr'
edif'aios de escritórios, as cadeiras estofadas dos teatros, apizza, a laran- l),'1,,,1
jada Julius, expresso-alho-orégano, os hambúrgueres, as camisetas de vllr ', 1 ,,

algodão, as lojas de alimentos nos bairros, as delbafessen, os cachorros- l;ll r.r


-quentes e as salsichas com Saverkraut, cheiro de loja de ferragens, chei- l;i't,1,

ro de papelaria, de souvlaki, de couro e de manta de viagem em Dunhill, l'r,,1,1,,


N/ark Cross e Gucci, de couro curtido marroquino nas bancas pelas ruas, tltttt,r,
revistas novas, números atrasados de revistas, lojas de produtos chi- t;lil,rl, r

neses importados (mofados durante a travessia), lojas de produtos india-


nos importados, lojas de produtos japoneses importados, lojas de discos, tll,llr,l,
Iojas de comida natural, drugstores com máquinas de reÍrigeranle, drug- lilr, lr,
sfores em liquidação, barbearias, salões de beleza, rotisserias, depósitos ;tlllr ,l, rí

de madeira; as mesas e as cadeiras da Biblioteca Pública de Nova lorque, llrlll

os donuÍs; os pretzels, de chicletes e de sucos de uva nos metrôs, as


lojas de acessórios de cozinha, laboratorios fotograficos, sapatarias, lojas itrrlr',r,
de bicicletas, o papel e as tintas de impressão nas livrarias-papelarias l,r,t,t
Scribner's, Brentano's, Doubleday's, Rizzoli, N/larboro, Bookmasters, Irvr',1 r

Barnes & Noble, engraxates, milk-shake, brilhantina, o cheiro de cara- 1ro',1,

melo barato em frente a Woolsworth's e o cheiro dos tecidos ao fundo, os lrtrlt,,


cavalos em frente ao Plaza Hotel, a fumaça dos ônibus e dos caminhÕes, (lll,lrlrrr

132 lll
Il!

r, ui r;, c uma completa subjetivação lúdica, a revo- o papel copiativo dos arquitetos, cominho, alforva, molho de soja, cane-
r, r', ; i, rl; rvras de Lefebvre, viria com uma fiberaçào la, bananas Íritas, as linhas de trem na Grand Central Station, o cheiro de
{ ,, ;l )i t(,.;( ) llLtblico. banana das tinturarias, os vapores das lavanderias dos edifícios de apar-
,lrlrr:or; li)rr uma clara tradução na transformação do tamentos, os bares do East Side (cremes), os bares do West Side (suor),
, rlcrnplar, à luz da teoria urbana situacionista,
r:or bancas de jornais, as bancas de frutas de todas as temporadas: moran-
.rr rr; rkr 1rrático de apropriação de uma porção da gos, melões, pêssegos, ameixas, kiwis, cerelas, uvas de Concord, tan-
,, rrllurrrl.r por práticas cotidianas que se estendem gerinas, abacaxis, maçãs, e me encanta a maneira com que o cheiro de
rt h tll
ir rua, esses dois elementos que o caracte- cada fruta impregna a madeira rugosa das caixas e o papel fino dos
r( lr r( )t r;o ostabelecerá no SoHo: sua ambição e indi- embrulhos."
irr{)ror ;, lr apropriação completa do espaço público Uma perfeita deriva consumista, através da qual Warhol também se
tr r rlr rlltor, da "vitrine" que é Nova lorque. Assim,
sua apropriaria das técnicas e estéticas da contracultura, submetidas, por
r ,r ,rrr llo llensorial e psicogeográfica como qualquer sua vez, a uma descontextualizaÇáo perversa e sofisticada. O homo
l,orrl, rrrils terá perdido qualquer conotação antica- ludens glamouroso de Warhol deu um salto qualitativo, integrando as
(,l ): ;()r vil Koolhaas, a capacidade emotiva de Nova práticas da contracultura ao mundo totalmente superficial do consumis-
,,1 rr i; r irlonlidade como expressão do capitalismo e mo capitalista. Warhol deixa, pronta para o consumo elitista, uma con-
r ,r rrrrir ;ll r:; "Quando caminho por Nova lorque, cepÇão de espaço quetraz consigo um completo modelo espacial que
estou
r I rrrll r r lr to rne rodeiam: os tapetes de borracha nos pode ser desenvolvido tanto no âmbito privado, quanto no público.
;, i r ; ( )i r( lciras estofadas dos teatros, a pizza, a laran- Depois dele, esta forma de habitar desenvolvida no SoHo passará a pri-
rrllro orr:qAno, os hambúrgueres, as camisetas de vilegiar os yuppies reaganianos dos oitenta, que, assim como ele, aspi-
rlrrn rr rlol; rros bairros, as delcaÍessen, os cachorros- ram ao sucesso material, sem renegar o atrativo da contestaçáo._o loft_
r; ( r( )t n I jtrvorkraut, cheiro de loja de Íerragens, cher- será, em po_ucos anos, o lugar, o espaÇo doméstico dos privilegiados.
,t rttl, tl'i , rk i couro e de manta de viagem em Dunhill, Pode parecer que este modelo estético e existencial seja demasiado uni-
lr ' ( ;( )l lr( ) cr rrtido marroquino nas bancas pelas ruas, dimensional, excessivamente ligado a Warhol e à sua Factory alheio ao
,rr i: ; llll:uldos de revistas, Iojas de produtos chi- caráler combativo e idealista das primeiras comunas ou dos edifícios inva-
,l, rr I r: ; r lltnnte a travessia), Iojas de produtos india- didos. Talvez por isso tenha chegado agora o momento de recapitular esta
, lc I rror I rlos laponeses importados, lojas de discos, grande e aparentemente dispersa corrente de pensamento que teria em
,1, r lr rrtl:;lr'»es com máquinas de refrrgeranle, drug- Reich o seu mais preciso e sintético ideólogo. O que teriam em comum,
I r, ri I rc; iril r;, salóes de beleza, rotisserias, depositos além do abandono da família e da opção pela vida independente, as
, ( ,ir: ; ( ri u icirirs da Biblioteca Pública de Nova lorque, comunas, os /ofs e os edifícios invadidos? Que idéia de vida, e que téc-
/,, rIrr;l rir;krtos e de sucos de uva nos metrôs, as nicas se empregam em seu projeto? Sem dúvida, à crítica à famÍlia eslá
' r l,'ir rl rr r, ltrltoratorios ÍotograÍicos, sapatarias, lojas indissoluvelmente associada a crÍtica ao modelo ideologico positivista e ao
,l r' ;rr linllt; de impressão nas livrarias-papelarias seu esquema de produção-consumo. A negação da casa funcional posi-
1, l)or rl rlcrllry's, Rizzoli, Ir/arboro, Bookmasters, tivista, a sua "contestaçáo", unifica seus critérios, ainda que os pressu-
1, rr; rl( )r ;, rnilk-shake, brilhantina, o cheiro de cara- postos ideológicos alternativos (basicamente anarquismo, socialismo
,,r Woo|l;worth s e o cheiro dos tecidos ao fundo, os radical e freudiano-maxismo) sejam relativamente d'rspares. Q metro
'1, r,', r I lolcl, a fumaça dos ônibus e dos caminhÕes, quadrado eficiente, como valor, ó substituído pelo metre çúbico ptoÍUso e

132 133
17
ineficiente, tanto técnica, quanto programaticamente. Frente à Íragmen- dtl;c1, r, l, , , I

tação que organiza o proleto funcional em âmbitos de maior ou menor A t:rllrr,r I

privacidade, este modelo espacial reduz ao máximo o âmbito da privaci- COOI ('l r, r.r'I

dade, concebendo-o como uma seqüela do autoritarismo e do modo illr;ohl,,, r, ,,.


burguês e familiar de vida. Somente as camas e os vasos sanitários rece- dot;; tr llr rl,

berão algum tipo de fechamento, geralmente tênue; a casa será o lugar uÍn r ,',1, r, l, 'r ,,

em que se aprende e se pratica o antiautoritarismo. Os "segredos do v(lil l; t, 1, 'rr, , ', , :

papai e da mamãe", e toda a sua codificação em espaÇos fragmentados, eC(tlor1t,,, ,t


darão lugar a uma exposição enÍática da intimidade, que se pretende ret;l rrr,r, Ir
libertadora dos tabus sociais e sexuais. Não haverá hierarquias, nem dis- ettlct r, h, l, , , , ,,
tribuição, nem especializaçâo espacial. A simplicidade do continente neu- Villil('l tllIr, I

tro será o novo paradigma habitacional. Não haverá, nele, nenhuma outra cal tltt rrrrrr

qualidade que não o seu tamanho, o seu volume. De fato, a "qualidade" fut tt lir l, ,' ..

passa a ser um atributo negativo, suas conotaçÕes com o consumismo lgtt; rlt rr, 'r rl,

burguês serão demasiado obvias para que se aceitem critérios de quali áriorl, ,lrrl ,r ,

-
dade: não terão qualidades tanto o ar nem técnicas, nem sensoriais, Ciol l; ürrr rrt r ;

nem existenciais -, quanto o "desenho" improvável dos objetos. Frente Zâl;l tt1,t,,t
aos usuais padrões de qualidade, o imediatismo aparecerá como um dct rc, 1tr, I

valor existencial: o barato - o de graÇa - é, agora, o melhor. Como resul- fictlrl, r,', ,1,I,
tado de tudo isso, a apropriação será uma técnica exemplar, que mostra, ciot t; tr l,, rt
até a evidência, como se coloca o habitante desta casa frente ao ciclo esllrr,r',r1,
produção-consumo. Será uma espécie de parasita oportunista: à mar- Arpcl, rrl i.
gem dos valores dominantes, mas vivendo deles, apropriando-se de seus intct r, ,r , ,

resíduos, jogando contra o ciclo consumista. Aparecerá, assim, uma cate- datlr,rrrl
goria estética nova, o "retrô", avalorizaçáo do que o ciclo acelerado da da lc tt,, I r' i,

moda abandonou e a sua conversão em antigo-moderno, uma espécie fiti tllt i; r, l, , r i

de micromemoria de curtíssima duração. A reciclagem de resíCuos tem,


assim, uma estética associada que se concretiza em uma domesticidade
\
I Ca[ rlr t,r,r, ,,,

construída com objetos descontextualizados. Estes resíduos reciclados apl( )l )l l, l, , r' ,

tendem a não pertencer ao âmbito doméstico. O que é divertido e origi- reilct;tlti,, r r, ;

nal, criativo e lúdico, é a incorporação de peças cujo âmbito de aplicação intlt l;lr r, rl , 1,
,'

é estranho à tradição da casa: fragmentos de automóveis, restos de Or1rr,',t|,' r I

bares, de mobiliário urbano, de discotecas e clubes, de ônibus ou aviÕes, tivo r ,, ,t rlr ,r


'

são agora o que melhor define o âmbito doméstico tribal. O que uniÍica flOVi I lt tt, 1r trt

este ambiente é o humor, a hilaridade que provoca a descontextualizaçào, jetc> ;r :,, , , l,

um humor que é o tom existencial dominante na casa, a conseqüência filair ; lr,rr rrl

134 135
lcr ;r tir;il, (lllanto programaticamente. Frente à fragmen- desejada do antiautoritarismo, do abandono da família em favor da tribo.
.'r r o lrrojcto Íuncional em âmbitos de maior ou menor mlnlma A cultura objetal prima, assim, pela extravagância frente à "unidade e
r r rr x k rk r espacial reduz ao máximo o âmbito da privaci- coerência do desenho", uma cultura que tem como conseqüência um
kr o t;otTto uma seqüela do autoritarismo e do modo insólito caráler pitoresco: a casa é uma paisagem urbana caótica e
r I r vir lir. Somente as camas e os vasos sanitários rece- decadente, na qual se dilui qualquer aspiração latente à privacidade e a
r ir r krr;lxrrnento, geralmente tênue; a casa será o lugar um estado natural primitivo. A cidade passa a ser concebida como o
rr lr: c :io pratica o antiautoritarismo. Os "segredos do verdadeiro meio natural do habitante desta casa, como o seu marco
r r", t: kx la a sua codiflcação em espaÇos fragmentados, ecologico, do qual se nutre vital e criativamente. Dela somente serão
r;r cx1xrsiÇão enÍática da intimidade, que se pretende rechaçadas as áreas estritamente funcionalistas: seu higienismo será
I rr r; l;rx;iais e sexuais. Não haverá hierarquias, nem dis- entendido como uma peÍÍeita e inútil esterilização. Esta concepção deri-
rr x;ir rlizrrÇao espacial. A simplicidade do continente neu_ vará em um deliberado anti-higienismo e este, por sua vez, em uma radi-
rr; rr lir 1r ra habitacional. Não haverá, nele, nenhuma outra cal minimização dos quartos técnicos, banheiros e cozinhas, agora con-
I) () r;ou famanho, o seu volume. De fato, a "qualidade" fundidos, numa continuidade espacial, com a paisagem doméstica.
rlrilrr rlo rregativo, suas conotações com o consumismo lgualmente, a materialidade eludirá tanto o "natural" - inexistente no ide-
rrrrr;ri rrlt) obvias para que se aceitem critérios de quali- ário do habitante desta casa -, quanto qualquer conotação com o fun-
:1r r; rlirilulcs tanto o ar
-
nem técnicas, nem sensoriais, cionamento higiênico e produtivo da cidade-máquina moderna: reutili-
, rlttrnlo o "desenho" improvável dos objetos, Frente zará o proto-industrial já abandonado ou os produtos industriais mais
xr: ; rftr rlualidade, o imediatismo aparecerá como um denegridos, aqueles que passaram da moda. A materialidade será arti-
r I r; rr ;rlo o de graça - é, agora, o melhor. Como resul- ficial, reciclada e descontextualizada, estendendo o critério já men-
, ;r ;ipropriação será uma técnica exemplar, que mostra, cionado a todos os momentos do proleto desta casa. Definitivamente,
lo ll(, coloca o habitante desta casa frente ao ciclo
:( )r esta casa possui dois antiarquétipos: não apenas a casa positivista dos
to. liori urna especie de parasita oportunista: à mar- Arpel, mas também a casa existencial, o refúgio protetor do homem
k rr rrrrmas vivendo deles, apropriando-se de seus
r rr rlr-.s, interior e sua linhagem, enraizado no lugar e na natureza. Como antÍpo-
r :or rlril o ciclo consumista. Aparecerá, assim, uma cate- da de ambos, o habitante comunal prescinde da família e das essências,
rr, r r "rr;lrô", a valorizaçáo do que o ciclo acelerado da da fé no progresso e na natureza. Constitui-se como puro exterior sem
I c ir rilil
conversão em antigo-moderno, uma espécie finalidade edificante: sua meta é o jogo, a festa, a risada coletiva,
rlc r;rrr líssima duração. A reciclagem de resíduos tem, reciclagem Caberia uma última digressão a respeito do destino do loft warholiano,
:; r ;r;lxx;iada que se concretiza em uma domesticidade de sua operatividade como arquétipo, pois poderia parecer que a idéia de
\
rl rlrrlor; ric:;contextualizados. Estes resíCuos reciclados apropriação não permite um possÍvel projeto ex-novo, mas apenas uma
l.r rr;cr iro ârnbrito doméstico. O que é divertido e origi- reiterativa reprodução do modelo do SoHo em quantos bairros de cariíter
;o, o rr ir)t;{)rporação de peças cujo âmbito de aplicação industrial que se coloquem à disposição de sua reapropriação residencial.
lic; ro rlrr casa: fragmentos de automóveis, restos de O que até aqui se descreveu tem, em grande medida, exatamente o obje-
( ) rit I )i rr ro, de discotecas e clubes, de ônibus ou aviÕes, tivo contrário: ao visitar a Factory e, através dela, a experiência do loft
rrr:llror rlefine o âmbito doméstico tribal. O que unifica nova-iorquino, o que se torna evidente e que há toda uma técnica de pro-
Irr rrrrr rr, ir ltilaridade que provoca a descontextualizaçáo, humor I jeto a se desenvolver. Técnica que passa pela apropriação da construção
,r lor rr cxistencial dominante na casa, a conseqüência mais banal, o armazém ou o galpão, como provedora de um grande

134 135
volume, a um preço acessível, sobre o qual se pode operar com instrumen-
l,,r
tos de baixísslma determinação programática e formal, deixando ao ;llrlll,ltl I
usuário um grande leque de possÍveis apropriações do mesmo. Alguns ;tlr,rlrl
projetos, como a casa Davis, realizada por Frank O. Gehry em 1972, (,lL/1,
reproduzem, em exemplos isolados, os valores espaciais, materiais e obje- (I",,,r,
tais do /ort, o uso do galpão sem atributos como um envolvente simples e
l)ll,r,.r,i
generoso, a improvisação programática e sua materialidade descuidada, lll q
1t, 11 1

o uso de técnicas e objetos descontextualizados. vr ,l ,.rl ., ,

Nrlas enquanto o programa - uma casa-estúdio Alt,r , I

para um pintor de vanguarda, ao norte de Los


Angeles - permite esse desenvolvimento espacial -1__L ;qir;,,,1,,,1
li:,1,r.
em sintonia com o loft nova-iorquino, no caso de lllll ltr, ,

uma pequena casa em Floriac, realizada por FIE


ffi lil rlt , r, l, ,,

Lacaton e Vassal (1993), o programa é conven- Eltid l;1111r,1r,,


cional: a casa é habitada por um casal com filhos
l)l,r,i
cujos valores e forma de viver peftencem, ou t l; rr l, , , 1, ,.

desejam pertencer, a um âmbito cultural alterna- II l( ",t I , 'r i

tivo. E esta obra responde a essa aspiração com Itl,trr I I,


um grande rigor, sem perder nem um pouco da {lc,,'1,1 r.
energia e da forma do galpão dilatado - que, V; tr tr l, r, l,

aqui, inclui uma enorme porção de ar de grande


I)().,
ambigüidade graças ao uso do policarbonato -, Ol l( ,tr li I I'

nem do imprevisÍvel desenvolvimento e da indeÍi- llit lt,, l , r, .

nição do espaço interno realizado com técnicas


próprias da bricolagem. Esta idéia de extensão do arquétipo do loft a
uma forma tipologica a princípio estranha pode ser exemplificada, ainda
mais radicalmente, com o proleto Nemausus de Jean Nouvel, realizado
em Mmes em 1987, um sério esforço de estender este arquétipo ao
terreno da promoção pública de habitações. Encontrarnos nesse proje- \
to o princípio volumétrico do loft: metros cúbicos indeterminados, aber-
tos a uma apropriação criativa, em um experimento cujo êxito é inegável
por possibilitar uma ampliação da oferta pública de habitaçoes, e uma
ffil
ampliação não apenas no sentido distributivo, mas também no concei-
tual, já que rompe com a jaula moderna precisamente ali onde ela é mais
densa, mostrando de maneira convincente os resultados que podem ser
obtidos sem que se extrapolem os limites econômicos da habitação ffi rl

136 137
' , ,t\/( )1, tr )l )ro o clual se pode operar com instrumen-
popular. São exemplos como estes que nos permitem assumir este
,r
r ) e formal, deixando ao arquétipo como uma forma de pensar, construir e habitar a casa, cuja
lir ri l(.ri r( [)roqramática
rr, 'rIrlrr x;:;íveis aproprraçÕes do mesmo. Alguns atratividade abarca desde a luta pol'r1líca e as elites artGticas, até os
r l); rvi: ;, rrxrlizada por Frank O. Gehry em 1972, grupos sociais cada vez mais numerosos e expectantes, desejosos de
rl, r;o[ rr los, os valores espaciais, materiais e obje-
,r ;
desenvolver sua criatividade no âmbito doméstico mediante uma apro-

rl1 rr ro r;crr r atributos como um envolvente simples e


priação lúdica de grandes volumes de ar sem qualidades, este volume dê

,r( )l)r(xIílnrática e sua materialidade descuidada, ar paradoxalmente "superficial", pronto para uma apropriação imprevisí-
Ic:;t)t)rttextualizados. vel, capaz de satisfazer a idéia de domesticidade de seus habitantes.
1r,lo: ; r

ir| til Lrrna casa-estÚdio Através do loft teremos aprendido a pensar o espaÇo doméstico como
l lr r: rrr L r, ao norte de Los algo qlg pode permanecer alheio a todas as determinações funciona-
r lr r;cr rvolvir-nento espacial [íúg, como um espaÇo generoso e indeterminado, em que alguns
r r, rvr r iortlttitto, no caso de t
mínimos atributos domésticos permitirão um estilo de vida desregrado,

rr ilrc, realizada Iibe_r-ador:, ti§ado à melhor tradição contestatória do século. Não obs-
,r Ilor Por '-:l -{
tante, para concluir, conservaremos na retina essa duplicidade da sala
,i), () l)r(xJrama e conven- -tLrI I 1

l; r 1 x rr unr casal com filhos


prateada da Factory e do denso quarto de Andy Warhol, essa duplici-
i
r ilr: vivcr peftencem, ou dade que nos assinala os limites desta modalidade doméstica, ao
l rr rrn rlrrlo cultural alterna- mesmo tempo em que amplia nossas expectativas, nosso desejo de ir
rrr ll ;r r:r;l;a aspiração com
além. Não se trata de emitir juízos sobre essa duplicidade, numa atitu-
de estupidamente moralista. Trata-se de entender até que ponto a pri-
1rcr rIrr n{)rll um
pouco da i

l{)Íl; tll )ilo dilatado - que, vacidade é paradoxal, contraditorra, misteriosa, aIé que ponto seria
| ) cle ar de grande possÍvel um proleto, uma Íorma de pensar a casa, que retirasse sua
r( I x )r(.ri l(

r:,(,, h ) l)olicarbonato -, energia de semelhante reflexão, que lançasse longe o que de liberador
', I

r',1r rvolvirTrottto e da indefi- há nesta tradição doméstica do século >«.

rr, cr rli,r rt k) com técnicas


r r

rr l:rl:r irlóia rie extensáo do arquétipo do loft a


r 1
rr ir rcrpio r:stranha pode ser exemplificada, ainda
I
;l1 o 1rrojclo Nemausus de Jean Nouvel, realizado I
r l rr r;o io t:sforço de estender este arquétipo ao

I rr rl rlrr ;r r r k r llrbitações. Encontramos nesse


proje-
i ][.!4
rr o i k r /o//: rnetros cúbicos indeterminados, aber- i -JlllrLi!
I

, , rr rlivr r, orn Llrt experimento cujo êxito é inegável i


I I i-1J
rrrl rlr, rr ;; ro rllt ofetla publica de habitaçÕes, e uma r'.Ç - i--l

, r( ) :,( )r rlir 1o ciistributivo, mas também no concei-


r,r rorlerna precisamente ali onde ela é mais
1; rr rl; rn

rr r, rr rr rirlr cotrvincente os resultados que podem ser

,,.lr11 iolcr rt os limites econÔmicos da habitaçáo

136 tót
a
oC)(ú
,58
C(Ú
oo
,n§
(ú \J
-'E rl
8'ú
cúl
L-,1_#
_u)
E6
CO
EE
6(J
Oo
"[ )t :r,, i, ,

611v 11111,;,,

ât( ll lllrlr ir '

-ilt,1rt,',1-,
â{lt",r,,r, r'
tjri:, lr,"l,,
oItlr t, I ti
/í\l't,l' i

i( ilr rl, ,, tr r r

fi t( llÍ , rl t,

(lct,t t, ,,t ,t

.J;1r .r 1r
r, I

1;1111'",, r,i,

I ttllr,rrtl! i

Itx.ltt,rr I

( lcI ttr, r' ' ',


c; l',l r 1,, r....
Buster Keaton. Fotograma de One Week, 1920. ()l)('ll 11!:::

lllt rl,' t' , ,

()(l,tl, Ii't''-
il ('llllllr,,, i' "
Io ltr tt ,, ,"'=
N,4tr lrltti.-

"N,t," I

lllt,rlr, i,.
ll l( ' I
( |,i
ilt{,l rl" ' 1, ,,
I'r,lr,rl,..

V; rtrr, , :;
It;tlrtlrrl,
Io rl, ,',,

| , ,l l, . , ' .
',
()( (r' lr' a

I;tLI II

l.t1
I

"Desde os anos sessenta, o discurso sobre o sujeito vem experimentan-


do um giro explicitamente anti-humanista, tanto na filosofia, quanto na
arquitetura. Na filosofia deste período, ou, mais precisamente, na teoria
- já que a páica pós-moderna provocou um deslocamento da filosofia -,
a desconstrução da tradição humanista fundamenta-se na radicalizaçáo
dos textos de pensadores modernos como lVlax, Nietzsche, Heidegger
e Freud. Uns poucos textos trarão o indÍcio de uma tendência generali-
zada: desde a leitura de Althusser, em Para lVlarx, do humanismo como
ideologia burguesa perniciosa, em que se aponta o seu 'anti-humanismo
radical teórico' com base no 'pré-requisito absoluto do mito filosofico
(teorico) do homem reduzido a cinzas', passando pela reafirmação de
Jacques Lacan de que a 'verdadeira descoberta de Freud' seria a'radi-
cal excentricidade do eu', e pelas sistemáticas interpretações de lt/ichael
Foucault sobre as repressivas negações e reduções das diferenças inte-
lectuais, psicológicas e sexuais cometidas pela razáo moderna e suas
derivações na 'morte do sujeito', em As palavras e as corbas, até a crÍti-
ca sustentada por Jacques Derrida sobre a metafísica do humanismo e
orama de One Week,192A. o pensamento logocêntrico. Através destes escritos, a ideologia moder-
na do 'homem' como origem subjetiva e limite interpretativo do sentido
e da realidade é enfrentada por um esforço anti-humanista determinado
a eliminar da filosoÍia o que Jean François Lyotard chamou de 'obstácu-
lo humanista'."
lVichael Hays

"Não estou falando de Íazer casas feias, o que estou dizendo é: supo-
nhamos que façamos uma casa que não é simplesmente um 'lugar feliz' ,

que está por um fio de ser misteriosa, que contém o sublime, um ele-
mento de incerteza e, talvez, de terror. Algo que esteja além da beleza. .. "
Peter Eisenman

Vamos, agora, visitar uma casa construída em um meio virtual para um


habitante em potencial, o sujeito cuja desconstrução tem sido o obje-
to de uma parte importante do pensamento contemporâneo, desde
Foucault e seu polêmico enunciado sobre a morte do sujeito, de óbvios
ecos nietzschianos, até Deleuze e Derrida. Um sujeito pós-estruturalis-
ta ou pós-humanista, que gravita em torno de um grande número de

141
experimentos levados a cabo em ambientes acadêmicos americanos e lrr,tl,
europeus nas duas últimas décadas do século >«, até adquirir uma ()ll"l r,l

influente presenÇa virtual. Não se trata, poftanto, de uma casa materia- /\trr,l, ,

lizada, de um arquétipo que foi se formando no espaÇo cotidiano da vida l( 'l | | tli

e da cidade, mas, em grande medida, de um constructo mental: a casa ; l( ) r lr , ,,

reprimida pelos fatores que compÕem essa realidade cotidiana, a lll(.1'


casa que, com sua mera presença latente, coloca em questão a com- itr',lil,r'
pacidade e a coerência objetivistas com as quais essa realidade se nos l )r,lll,,
apresenta como algo concluso e tangilvel. Não obstante, deve-se
advertir, desde o início, que tudo o que existe potencialmente, existe na
medida em que sua virtualidade é suscetÍvel de atualização, que o fato ( l,lllrl,

de que esta casa habite hoje na realidade virtual não apenas não a dis- 111,11rr,

tancia do cotidiano, mas também lhe confere uma posição que talvez Vt ,', r lr

lhe permita atuar sobre o espaÇo dos fenômenos tangíveis, da r:ealida- ll,r,,,
de cotidiana, com maior precisão e capacidade descritiva. Esta casa ittrl ,, , i

virtual pode ser um instrumento para se elucidar, e, se sê quiser, para ll{ ) lr,!, r

se criticar o que se tornou a domesticidade nesse fim de século. llrrl,t


Visitar esta casa é, em si mesmo, um ato problemático: não são apenas At ;r, ll
as possibilidades de existência da casa como lugar de uma privacidade lll{,ll ' !-

inocente o que se questiona nesta visita, mas também a pertinência das O0l ll ,,,.' .=

práticas sociais, materiais e de proleto que a tornam possÍvel: é tanto a (l|l r l! ,

instituição da família, quanto a da arquitetura - definitivamente o "lugar All,'t ,

feliz" - o que, a partir da ótica pós-estrutural, passa a estar sob sus- lir, rrt ,,, ,

peita, demandando uma "sacudida estrutural". Ilrtr,r


Para tornar visÍvel, passÍvel de visitação, a casa deste sujeito "pós- Itrtl l, ,,.
-humanista", não invocaremos, como fizemos em relação aos outros [)llllr,,l"
arquétipos, um ou dois exemplos marcantes, mas um sem número de I r ru,, ll
referências, uma constelação de casas que, em sua diversidade mesma, ( )l ;l r|il r

evidenciará a alteridade e a multiplicidade próprias deste modo de pen- v( )t ,l rl

sar e de habitar. E começaremos com a casa que um Buster Keaton | )l l\/, t, l' I

apaixonado e recém-casado deseja construir, para seu par e para si, (i; t,rlr ,

como uma celebração de seu casamento. Em One Week (1920), um dos (l(rt,lttr, i =

primeiros curtas que protagonizou, Buster Keaton tenta, de todas as for- 1ot tr, rt ,, l

mas, levantar a casa pré-fabricada cujos componentes lhe foram envia- () lr,rl,,i ' .,

dos, por trem, como presente de um antigo pretendente de sua mulher. Ci llllr jl rl' '

Junto aos elementos construtivos, chega um manual de instruções, mas, vivlr r, l,

142 14,,,
1ilr

r, rci ll x) crn ambientes acadêmicos americanos e por obra do pretendente, os códigos de identificação dos componentes
rrllrrrrn rlercadas do século xx, até adquirir uma enviados haviam sido alterados, não coincidindo com os do manual.
Ir r. rl N; rr i se trata, poftanto, de uma casa materia- Ainda que logo fique evidente a ocorrência de algum erro, Keaton não
(
I ,( , ll i( ) Íoi s:e formando no espaço cotidiano da vida tem alternativa alguma, nenhum outro modelo de pensar que possa opor
r (lrirr(kr rleldida, de um constructo mental: acasa ao do manual, e, assim, procederá cegamente a uma construÇão maquÊ
)r(,ir (luo compõem essa realidade cotidiana, a nica, cujo resultado final será uma cruel metáfora do futuro do casal e da
r li rt i r I )r{ )rjenÇa latente, coloca em questão a com- instituição da família em nossos dias. Finalmente, depois de incontáveis
, r, r oI rlclivistas com as quais essa realidade se nos peripécias, a casa será destruída pelo mesmo trem que a havia Lrazido.
l, , rro| rr;lu:io e tangível. Não obstante, deve-se Assim, então, não apenas a casa, mas também o casal, que sobre ela
r, ), ( lu( ) lLrrlo o que existe potencialmente, existe na projeta suas ilusões de uma domesticidade feliz, dissolvem-se, eviden-
vrr Ir r; rlir L tr le e suscetível de atualização, que o fato ciando-se os vínculos estreitos entre a incapacidade de opor estratégias
, lr, Itojo nir realidade viftual não apenas não a dis- materiais alternativas e a crise das instituições que se consolidam atra-
rr I r: r ll rr r rbcm lhe confere uma posição que talvez vés dessas práticas materiais, neste caso, a família, ou o casal.
)r( , ()
):pltÇo dos fenômenos tangÍveis, da realida-
(
Há, sem dúvida, uma similitude entre Keaton e Tati, na maneira como
r,rior 11111;icao e capacidade descritiva. Esta casa ambos parodiam a dificuldade de sobrevivência do sujeito tradicional
rr ,lrrrrrrcr rto para se elucidar, e, se se quiser, para no mundo contemporâneo. Porém, enquanto a casa de monsieur
( )r I r( )l r il rlorlesticidade nesse fim de século. Hulot, seu espaÇo doméstico, é, integralmente, uma alternativa à dos
rrr;r rrtcllTtr), um ato problemático: não são apenas Arpel, Keaton não só renuncia a todas as alternativas, mas é e se sente
(,\ r;l()r lcilr cJit casa como lugar de uma privacidade incapaz de opor qualquer logica compensatória, aceitando os erros
, ,' ;lr,I I I r tosla visita, mas também a pedinência das como uma parle da norma e habitando a impossibilidade mesma de se
r: i lo projeto que a tornam possível: é tanto a
'r r, ur construir uma casa convencional.
1r
r rlo lr r1:r arquitetura - definitivamente o "lugar
u rr Alterações para uma casa suburbana (1978) é o tÍtulo de uma propos-
rr rlr r olicit pos-estrutural, passa a estar sob sus- ta, nunca executada, de Dan Graham, em que uma típica casa subur-
lr r ri iiria estrutural".
r "r ii rcr rr bana * semelhante à que Keaton deseja construir -
experimenta uma
,,rrrvcl rlc visitação, a casa deste sujeito "pos- transformação radical: a fachada frontal é substituída por um grande
r.( r; r { )r r r( x l, como fizemos em relação aos outros pano de vidro - gerando uma imagem a meio de caminho entre
,r, cx()t r11 rkis marcantes, mas um sem número de Lewittown e um pavilhão moderno -, e, em um vão, é instalado um
.lr ,l; rr .l u r r lrt casas que, em sua diversidade mesma, espelho contínuo. A casa, seus habitantes e hipotéticos espectadores,
r I' r,
ir rr rrrlliplicidade proprias deste modo de pen- vêem, assim, radicalmente modificadas suas relações: o que antes era
, [ ( )r r los com a casa que um Buster Keaton
)t I t( )( .; privado passa a ser público; o espectador, incorporado à cena domésti-
, . r .. r, l, , , l, ,sejâ construir, para seu par e para si. ca através do espelho, passa a participar da privacidade do habitante,
r lr r : ;i rr | ( )i r:rilrento. Em One Week (1920), um dos destruindo-a; desmancham-se os limites entre o privado e o público,
)r( ,lr( l( )r rizou, Buster Keaton tenta, de todas as for- tornando-se impossí'vel distinguir quem é, e onde está, cada um.
1
,r l l;rl rrir;l uJa cujos componentes lhe foram envia- O habitante da casa, contudo, ainda tem um segundo setor - hipoteti-
l
I rrr ': ;r :r llc t lr.- um antigo pretendente de sua mulher. camente destinado aos quartos e banheiros -, onde pode continuar
i ( ,r r;lrtrlivrx;, chega um manual de instruções, mas, vivendo uma intimidade convencional. Não obstante, o que se faz,

142 143
I
!.

ii
I
\
Dan Graham. Alteração de uma casa suburbana. lmagem da maquete, 1978.
s..
L-

i ,rl

1l'
a aqui, é denunciar a dissociação que o sujeito experimenta ao
viver, sob duas formas tão profundamente diferenciadas, um
fiffi
mesmo espaÇo doméstico.
A proposta de Graham pode ser entendida como uma ence-
nação realista do sujeito contemporâneo, ao mesmo tempo
I invasor e invadido em sua intimidade, estrangeiro sempre. E é
também uma técnica de proleto em que se opta por uma
u intervenção restrita à manipulação de linguagens e elementos
formais já dados: o trabalho do artista consiste em apresentá-
( \âF.' -los de forma que o que não é visí'vel - visualmente e ao pen-

\ M'r\ samento, e, por isso, aos olhos -, uma vez desconstruído ou


descontextualizado, torne-se evidente. Todas as pautas e gra-
daçÕes do público ao privado, através dessas leves altera-
ções - virtuais, sugeridas apenas -, reveladas, sublinhando-se
o microcosmo de regulações e codificações que o âmbito
I .,/
doméstico estabelece para o sujeito contemporâneo.
Há mais de uma coincidência entre as casas de One week e
I
Alterações para uma casa suburbana e duas casas projetadas
por dois arquitetos singulares no final do século >«: a House Vl,
construíCa por Peter Eisenman em Washington, Connecticut
7o de uma casa suburbana, tmagem da maquete, 1978,
(1972-1975), e a casa que Frank Gehry fez para si mesmo, em
li
Santa N/onica, Los Angeles (1977-1978). Se as janelas de
r Keaton saem da altura do teto e são distorcidas, se não há
porta, e o telhado está pela metade, se as escadas não levam a
lugar algum e o alpendre pode se desmanchar num sopro, pra-

T ]M
ticamente todos esses elementos encontram-se revisitados nas
duas casas, aqui como lá, construídos com a mesma Íé no cará-
ter fatalmente determinista do processo mecânico que induz a
essa configuração. Enquanto em Gehry encontraremos analo-
gias mais explicitamente formais e "construtivas", em Eisenman
\
as semelhanças serão de caráter mais processual, e, por isso,
mais precisamente referenciadas a Dan Graham. Eisenman agirá
ao mesmo tempo como o construtor iludido e como o perverso
subversor de normas: as escadas não conduzem a parte algu-
ma, uma coluna suspende-se no ar, a copa é recortada por uma
outra incômoda coluna, que fica ali como um convidado indese-

tiltililfltflt
145
V
jável, as camas do casal encontram-se separadas por um grande fosso rerhr,'r, 1, , ,,
no piso do quarto principal... O trabalho do arquiteto, nesta casa, torna- enllr r,', ,r '

-se claramente esquizoide. De um lado, vale-se de uma série de conheci- çp1111;11, ,1r r'

mentos - em especial todo o legado sintático da modernidade - para que sor;il rl, llr r,,, .

a casa possa ser construída; de outro, como Dan Graham, converte-se pOtlrtttr,,r rl,

em um comentarista crÍtico radical, cuja principal incumbência é questio- COIf lo l r.r '

nar toda a convenção institucionalizada - a comeÇar pela figura mesma incttl r, r. ,1, r

do arquiteto e pela arquitetura. Peter Eisenman imita Keaton, convencido Or;tt1,,r1,1,


de que há mais verdade e mais "espírito dos tempos" em sua atitude atitude maquirrrr rr
Ulll (r)l rl',,.
maquínica, do que em todos os discursos consoladores, do que em todas to, tttrr,r rr,r ,

as reconstruções do sujeito que a filosofia intenta. VCttl; tr l, r,' i,,


O que ocorreu com o sujeito normal - o que submete-se à norma - para Hiiyr ;,1, ,,'
que se convertesse neste agente cuja única capacidade de expressão Alc;o , 1r t, ,.

consiste precisamente em sua incapacidade, tanto para opor resistência As;l;tt rrlil.rr ,. r

às normas, quanto para, com êxito, desenvolvê-las? Este personagem, l'tclrrr rL ,i

sem dúvida, é um dos que mais tem interessado ao pensamento con- urlir l; r, l, l,

temporâneo; é nele, com maior ou menor precisão, desde Foucault, que Sât.,;; 1r,, 1 ',
têm pensado os principais críticos pós-estruturalistas Íranceses - SCI (ll lí

Blanchot, Deleuze e Guattari, Lyotard, Derrida. Suas páicas materiais e [âl]illr l1, 1,,.

sua instalação no mundo são objeto de estudo e de investigação nas lidiu lr , , l, t

melhores academias de arquitetura, como reflexo do prestígio alcançado


pelo pensamento pos-estruturalista, um fenômeno que somente multo QL]Otttl I rl,
parcialmente será descrito sob a epígrafe "desconstrutivista", ainda se o dislit rl, r'. I ', ,

resultado obtido por Keaton, não por casualidade, remeta-nos instanta- Oll lt ltrIrr , i

neamente a esta corrente do pensamento. Se queremos conhecer sua


genealogia, teremos que nos reÍerir à "mor1e do sujeito", enunciada por monte do sujerlo QLrrr r, l, ,1,,, ,

Foucault em Ás palavras e as coisas como um eco de Nietzsche que, de"r ", l,

agora, porém, problematiza a idéia mesma de sujeito em que se fun- dOrrr ll


damenta toda a experiêncra da modernidade, desde o humanismo clás- tâoo1 ,1, 1

sico. lVlichel Foucault, partindo de uma metodologia de análise baseada pl'Ol )( )r trr
na "filosofia da suspeita" nietzschiana, perscrutou os modos através dos ca..." l, ,r l
quais os saberes das novas ciências humanas constituem-se em instru- H€-'ir lr 'r 1, 1, r

mentos das relações de poder, e o conhecimento adquirido através do sÍtio i,r rlr ,

desenvolvimento das ciências humanas, em seu arco clássico, resulta em m(l(l; ll ll, , r I'

novas formas de dominação e crueldade, em última instância, como o Ilâ(l llltr , ,

sujeito clássico e o seu precedente, o homem do renascimento, foram COlll( ) rl|

146 147
) (:; t:ii tl oncontram-se separadas por um grande fosso reduzidos a nada mediante esse processo de intensificação dos vínculos
l)r iloi[)a|.." O trabalho do arqurteto, nesta casa, torna- entre os saberes e o poder, O homem 1á náo é mais um indivíduo livre e
1r lo. De um lado, vale-se de uma série de conheci-
rizoii central, que cria e constrói à sua imagem e semelhança: é um produto
r :ir rl lor lo o legado sintático da modernidade - para que social, funcional a determinadas relaçÕes de poder, cujas pautas de com-
r:or IrlruÍda; de outro, como Dan Graham, converte-se portamento estão submetidas à vigilância. Já não existe harmonia entre
;l;r r;rilir;o radical, cuja principal incumbência é questio- corpo e razáo. O corpo foi "reificado", coisificado, convertido em objeto,
r..:; rrr irrs;titucionalizada
- a comeÇar pela figura mesma incapaz de qualquer ação individual alheia às necessidades do Estado.
r r rrr lrrilt:tura" Peter Eisenman imita Keaton, convencido O sujeito jâ não é mais um produtor individual de significados, mas, sim,
orlr rr jc e mais "espírito dos tempos" em sua atitude atitude um conglomerado heterogêneo, com perfis desvanecidos, um movimen-
lr rr lorios os discursos consoladores, do que em todas to, uma "entidade variável e dispersa, cuja verdadeira identidade e cujo
lr r :u r1r:ilo clue a filosofia intenta. verdadeiro lugar constituem-se nas práticas sociais", tal como N/ichael
r r r r :rrrjr,-ito normal - o que submete-se à norma - para Hays descreveu em seu l\/lodernism and the Posthuman Subject (1992).
;c rrxrlc agente cuja única capacidade de expressão Algo que somente pode ser enunciado no plural, como multiplicidade.
rr rlc crn sua incapacidade, tanto para opor resistência Assim Blanchot escreve, em palavras mais belas, a proposito da morte do
corr êxito, desenvolvê-las? Este personagem,
) l)i rrir, homem foucaultiano: "o sujeito não desaparece: é a determinação da sua
r riori rlue mais tem interessado ao pensamento con- unidade que é problemática, já que o que suscita o interesse e a investi-
( ou menor precisão, desde Foucault, que
), (;( )r'r) rnaior gação e precisamente a sua desaparição (ou seja, esta nova maneira de
pr irropais crÍticos pós-estruturalistas Íranceses - ser que consiste na desaparição), ou mesmo a sua dispersão, que, embo-
c )uirttari, Lyotard, Derrida. Suas práicas materiais e
( ra não chegue a aniquilá-lo, não nos oferece dele mais do que uma plura-
rrrrrrxlo são objeto de estudo e de investigação nas lidade de posiçÕes e uma descontinuidade de funçÕes."
rr r rio arquitetura, como reflexo do prest(gio alcançado Este retrato do sujeito contemporâneo como uma "nova maneira de ser
1x»; o:;lruturalista, um fenômeno que somente muito que consiste na desaparição" adquire, no pensamento contemporâneo,
r lr:r;crikr sob a epígrafe "desconstrutivista", ainda se o distintas formas: o parasita de Derrida, os nômades de Deleuze e Guattari,
xrr [(cirlon, não por casualidade, remeta-nos instanta- ou a figura do vagabundo em Lyotard, entre outros, representam este
;or tonlr) do pensamento. Se queremos conhecer sua retraimento ou marginalidade do pedildo sujeito contemporâneo.
)i i (lro nos referir à "mofte do sujeito", enunciada por morte do Quando Derrida usa analogias arquitetônicas para descrever sua ativida-
,tl; tvrt:; e as coisas como um eco de Nietzsche que, de "desconstrutora", ele o faz basicamente por meio de duas figuras: a
rl r[rr li rli.za a idéia mesma de sujeito em que se fun- o parasita do edifÍcio e da estrutura da metafísica, e a do "parasita", que represen-
x1 rr:r ií:rrcia da modernidade, desde o humanismo clás- ta o objeto e o sujeito de seu pensamento. Através da primeira imagem,
rrrll, lxrrlirrdo de uma metodologia de análise baseada propõe um programa - "escavar sob o cimento do edifício da metafísi-
;1 rcilr r" rrietzschiana, perscrutou os modos através dos ca..." - formulado explicitamente como uma prolongação do iniciado por
l; r; lovlrs ciências humanas constituem-se em instru- Heidegger, enquanto com a segunda, the para-site, o que está fora do
rlr r rlo Jroder, e o conhecimento adquirido através do sÍtio - outra imagem topologica -, descreve a atitude, o procedimento, a
l; r; ci0r rr;ias humanas, em seu arco clássico, resulta em mecânica desconstrutiva que, como no caso de Keaton e de Graham,
,l,rr rrir rr<;áo e crueldade, em última instância, como o não oferece qualquer alternativa, desenvolvendo-se como pura crÍtica,
() ::( )r r l)recedente, o homem do renascimento, foram como desconstrução. Entendido como modelo, o parasita é o intruso

146 147
que se instala na vida de terceiros - aqui, as outras formas de pensa- ',11;11rlrl,
mento -, evidenciando, com sua presenÇa única e impertinente, a com- l;{ ,l I l

plexa trama de leis e convenções secretas, não formuladas, cotidianas, llllr,rir,,


que tecem a rede da segurança e dos mecanismos de defesa privados, illl rr,l,
o conjunto de normas com as quais se organiza a violência no âmbito ;tll r 1,, ,

doméstico e, através dela, por extensão ou por oposição, a violência no r:r,1,r1,,,


âmbito público. lllí ,rl, I ,

Gilles Deleuze trabalhará sobre uma das patologias resultantes desta i l( r rl rlr

violência, a esquizofrenia, para propor uma visão permeada por essa


l)Lrr
incapacidade de distinguir o normal do alucinante, de construir totali- lllr)',ll
dades coerentes. tVlil platôs (1980), escrito com Félix Guattari, é uma (:(,lll.r i l,
panorâmica múltipla e caleidoscopica do universo das sociedades capi- Itt,;,, ,,1
talistas, a partir de uma ótica atravessada por seus proprios eÍeitos psi- ( lÍ )11 ,, ,, ,
| '

quicos. Nela, os nômades afloram como sujeitos cujas páicas sociais (llr r rr

poderiam ser vistas como um modelo de ação capaz de se opor, cons- llllt,t 1t il t

truindo "máquinas de guerra", ao estado moderno e ao seu modelo hie- lltr,trl


rárquico/pastoral. Em lVlil platôs confundem-se o vaguear da visão esqui- A tt nl , r

zoide entre um exterior e um interior nem sempre concordantes entre si, (:t rl I lr
e os modos de organização, de percepção e de conhecimento nômades, (|'tttrr i,'
oferecendo ao sujeito uma posição possÍvel, descrita por princípios de visão esquizóidt O, :,r'l lr 1,,
organização rizomáticos -de conexão e heterogeneidade, de multiplici- e princípios Ior;t, , ,

dade, de ruptura a-significante, de cartografia e decalcomania -, contra- rizomáticos íll ll l lr'l rl, r .

postos aos clássicos modelos arbóreos ou piramidais, do tipo causa-efei- illtlr,,tl rr, . t:
to, implícitos nas formulaçÕes cientÍficas e filosoficas tradicionais. (l:1,t1 ,,, ,r,
Por outro lado, a ideia de um espaço "liso", implÍcito à mobilidade nôma- espaço liso atomização li7; 11 , 1, lr

de, frente a um espaÇo "rugoso", ligado ao sedentarismo e, através dele, e mobilidade lir l; tr l,' , 1,,,

ao Estado lVoderno, contém e é capaz de desenvolver o léxico neces- pl tt, ri, /

sário para se elaborar a proposta de um programa de trabalho baseado


lxrl()lrtrrl
no abandono de algumas das categorias mais estáveis, associadas à
lX)l( lr,lr I I

disciplina arquitetônica. Deleuze define um sistema de filosofia diferente rl I


lt it; r,

do genealogico e hierárquico, presente nas Íormas tanto dedutivas, l)lil,,,,r',,,'


quanto indutivas de raciocínio, o qual encontra no desedo - na des- O( l()',lrrl i

crição feita por um esquizofrênico de um sonho sobre o deserlo - a {l{l;,,'rr,,,


metáfora heurística e espacial que o explica: "Hâ um deserto. lt/las nem tttttlrr,l,l,
por isso faria sentido dizer que estou no deserto. Trata-se de uma visão dc: ;lrr rr, r

panorâmica do deserto. Esse deserto não é trágico, nem desabitado: tot rr, r' , ., r

148 14t.)
, , ):l
aqui, as outras formas de pensa-
l( 'r ( ,( )ir(
v somente ó deserto em funÇão de sua cor ocre e de sua luz, ardente e
, )r r ril li l l)rarsenÇa única e impertinente, a com- sem sombras. Nele, há uma multidão buliçosa, um enxame de abelhas,
r\/.I r(.,( )cr ; r;crtretas, não formuladas, cotidianas, uma melê de jogadores de futebol ou um grupo de tuaregues. Eu estou
lrrirr rc rlos mecanismos de defesa privados,
r(;; à margem dessa multidão, na periferia, mas pertenço a ela, estou unida
(,r rr rr;r1rrtis se organiza a violência no âmbito a ela por uma extremidade do meu corpo, uma mão ou um pé. Sei que
, r, 1 ror cxlr)rlsáo ou por oposiÇão, a violência no esta posição periférica é o único lugar possÍvel para mim: eu morreria se
me deixasse arrastar até o centro da melê. E, no entanto, o mesmo
r:;ol r) luna das patologias resultantes desta
rr aconteceria se eu a abandonasse. Não é fácil conservar esta minha
r, l)lir l)ropor uma visão permeada por essa posiÇáo, diria até que é muito difícil mantê-la, porque aqueles seres
rrir ri
do alucinante, de construir totali-
rrorrTritl movem-se sem parar, seus movimentos são imprevisÍveis e não obede-
lrlo:; (11,)ttO), escrito com Félix Guattari, é uma cem a ritmo algum. Ora eles se amontoam, ora dirigem-se ao norte, e,
r[ rrr k r: ;co1)ica do universo das sociedades capi- logo, repentinamente, a leste, sem que nenhum dos indivÍduos que
r rlrr :; r lrlrirvL.ssada por seus próprios efeitos psÊ compõem a multidão mantenha a mesma posição em relação aos
.r , rrl[irirrn como sujeitos cujas práticas sociais demais. Assim, também estou em perpétuo movimento, e isso exige
l( , I lr I I rr rodclo de ação capaz de Se opor, ConS- uma grande tensão, mas ao mesmo tempo me proporciona um senti-
r ,r ri r", ilo ostado moderno e ao seu modelo hie- mento violento, quase vertiginoso, de felicidade."
I I ,1, tlt t:; r;onfundem-se o vaguear da visão esqui- A similitude da imagem deleuziana do nômade com as mudanças de
I I l| t ir tl( )[ior nem sempre concordantes entre si, conduta nas sociedades avançadas - derivadas, em grande medida,
r,, r lt: porcepÇão e de conhecimento nÔmades,
, de mudanças simultaneamente econômicas, tecnolóqicas e demográúicas -
rrrrlror ;ir,;iicl possível, descrita por princípios de visão esquizóldl é, sem dúvida, mais do que uma coincidência oOortufa. Em termos socio-
r I r r;or rexão e heterogeneidade, de multiplici- e princípios lógicos, esta nova forma de ser é convencionalmente descrita como um
ltr :; u llr r, ric cartografia e decalcomania -, contra- rizomáticos aumento da mobilidade e, paralelamente, como uma diminuição da
rr I rk r ; r rrlrrircos ou piramidais, do tipo causa-eÍei- importância da família e da razáo doméstica, essa associação tradicional
rr .lr rr ; cior rlíficas e filosoficas tradicionais. estabelecida entre um lugaç uma casa, uma linhagem familiar e uma loca-
,, r n r { ): rço "liso", implícito à mobilidade nÔma-
rl rr espaço liso atomização lizaçáo física em que se inscreve a própria existência. Atomização e mobi-
'r r( l( ir ro", liqacio ao sedentarismo e, através dele, e mobilidade lidade que conduzem a uma instalação no mundo fugaz e individualizada,
)r rlr ,r l ( ) () oírpaz de desenvolver o léxico neces- paralela, em grande medida, à mobilidade do capital em sua implantação

1rr o;
ro: ;lil rle um programa de trabalho baseado pelo territorio, pois ambos, indivíduos e capital, utilizam-se dos meios pro-
r,r', rl; r:; catcgorias mais estáveis, associadas à porcionados pelo desenvolvimento técnico como infra-estrutura vital e cul-
I t.lr rr r,,c r lcfine um sistema de filosofia dtferente tural. Este novo sujeito social é, assim, ao mesmo tempo, resultado e
r { lr r( :( ), I )resente nas formas tanto dedutivas, braço armado da globalização econômica do território. Para as civilizações
rí ){ ;lr li( ), o qual encontra no deserto - na des- ou os habitantes sedentários, este sujeito, assim como todos os nôma-
1lt,'.lrcr rir;o tie um sonho sobre o desedo - a des, é um parasita, um depredador que usa as cidades, e que, embora
,l ), r( lrtc o explica: "Há um deserto. N/as nem
r, rl { tenha delas se originado, contribui, a partir de sua perspectiva, para a sua
í 'r ( lr rc o:;lou no desefto. Trata-se de uma visão destruição, na medida em que opera contra elas, como um fagocito que
, I r;r ;r : rk:serdo não é trágico, nem desabitado: tomasse para si todos os benefícios de um esforço que é coletivo.

148 149
lll,lr,"

;tr|l l

,l,,tr,,l
rrl,
rlilÍ!

l,r'l
.,1' l, I

l1'lt',
ll| r ,r

1,r,,
regime de ,l,l,,rr
acumulação I

'Itlrrl
Ílexível
rrll,rl

lr,rll
1lrrl,,
lr,[ rl ],"
,l(ll1,L,'

llt rrl ,, ,

rJ,

( lr r,', !

r,.lr,
A trr, i t.
llr

r l,r'. r

(.,t|.,,,'
litrlr,,,1,'

r lI rl rl

lllrrrlrl
l,r'rl

ll5r,, lt

Ir,llr r

ll,l
Não se trata, portanto, do surgimento de um perfil específico, de um
novo sujeito, como foram o burguês e o proletário em seus respectivos
momentos históricos, mas de um Ílorescimento simultâneo de um con-
junto de pautas sociais que têm como denominador comum a recusa
do modelo tradicional da família como referência vital. Este sujeito con-
verte-se no objeto de um sistema operativo, o do capitalismo tardio,
que exige uma diferente identificação do corpo social com os seus pró-
prios processos de crescimento, atomização, ubiqüidade e globali-
zaçáo. Para David Harvey, autor de The Condition of Posmodernity
(1990), a expansão econômica sobre o território global demanda uma
nova capacidade de deslocamento correspondente à superacumu-
lação e aos problemas inerentes a ela. Os fluxos econômicos adotam,
regime de agora, as pautas espaciais de um regime de acumulação flexÍvel que
acumulação inverte o modelo fordista-keynesiano segundo um novo enunciado:
flexível "Quanto mais flexÍveis e desarticuladas são as estruturas locais, espaciais
ou temporais, materiais ou sociais, mais estável é o sistema ao nÍvel glo-
bal". Encon'tramo-nos, assim, frente a um sujeito contraditorio, pensado
(Deleuze) como uma alternativa aos desenvolvimentos do capitalismo e,
paralelamente, descrito (Harvey)como o produto dos novos sistemas de
acumulação flexÍvel do capitalismo globalizante, um sujeito ao mesmo
tempo negativo e funcional às necessidades de atomização e ubiqüida-
de criadas pelas novas pautas econômicas. Talvez através desses para-
doxos possamos entender o que se quer dizer quando se recorre a
expressão "perfil desvanecido" para descrever a imagem deste sujeito.
A medida em que se desvanece o perfil do sujeito tradicional, desva-
nece-se não apenas a sua associação a um modelo antropocêntrico
clássico segundo a visão etnocêntrica ocidental - o da família patriar-
cal, ou melhor, o do pater famitias -, mas também a sua ligação a uma
Iinhagem ou a um lugar específicos, Seus limites e seus perfis tornam-
-se desvanecidos em função tanto da fugacidade de sua fixação e dos
contatos com os seus semelhantes, quanto do abandono de um
modelo racionalizável de mobilidade e comportamento, submetendo-
-se este, sob os novos fundamentos econômicos,'a uma "randomi.
zaçáo" tão crescente quanto a do mercado financeiro.
Toyo lto investiga este modelo de conduta, do ponto de vista da arqui-
tetura, estudando suas implicaçÕes no espaÇo doméstico através de

151
seus pro1etos para a "mulher nômade de Toquio" (Pao 1 , 1985, e Pao 2,
19Bg). O que Toyo lto projeta ali são estruturas ao mesmo tempo míni-
mas e tênues, verdadeiras cabanas ou barracas, nas quais apenas se
encerra o âmbito da privacidade. Nelas habita uma figura emergente e
especialmente singular no Japão: uma mulher jovem, independente,
ociosa e consumista, um sujeito em si mesmo banal, mas que, com sua
mera presença - parasitária -, coloca em questão a trama social japo-
nesa, altamente hierarquizada, sexista e tradicional. E não é so isso: ao
trasladar esse objeto de estudo, das suas heróicas formulações - o
super-homem nietzschiano, a família-tipo calvinista, o "autêntico" sujeito
existencial -, até esta protagonista, Toyo lto assinala aquele desloca-
mento de interesses, no pensamento contemporâneo, de um certo ano-
nimato - Any e a Íeliz expressão que Peter Eisenman usa para descrevê-
-lo e para denominar o sistema a partir do qual é investigado -, até um h I
I
afastamento expresso do sujeito heróico, centrado, masculino e domi-
nante, no qual todas as correntes do pensamento ocidental haviam se ,ii
comprazido até recentemente.
Não casualmente a casa, o espaÇo privado, sofre, a partir desta perspec- U .p a
,s
tiva, uma transformação completa. A casa, como forma, como modulo
disponÍvel paraaagregação, como entidade reconhecÍvel e como espaço
interior submetido a um zoneamento, deixa de ser interessante, de ser o
T1
lugar no qual se resolve o pro1eto. Problemático, e importante, agora, é l
o meio em que a mulher nômade realiza a sua existência: um conjunto de
t
\ fr
adefatos ou moveis nos quais a técnica ou a memória já náo são reco-
nhecrdas como signos, meros instrumentos para o hedonismo - nos quais
E-
t
a velha privacidade encontra-se dissolvida. Estes objetos são escolhidos
em função de seu vínculo com as principais ativrdades desenvolvidas pela
mulher nômade, conformando um programa estritamente relacionado ao
que há de mais imediato na sua existência diária: o embelezamento r
(o toucador), a informação (uma mesa de telecomunicação) e o repouso
iir. , '-.'. ,: .' ,,

(uma mesa e uma cadeira). As perspectivas funcional, existencial ou feno-


menologica foram anuladas, reduzidas a um puro hedonismo consumis- hedonismo
ta, um hedonismo que se resolve na mecânica da sedução (a mulher consumista
nômade maquiando-se para sair), e na fugacidade existencial propiciada
pelas práticas econômicas, numa perspectiva que convede os artefatos
- as máquinas, os móveis, e também a decoração - em objetos.
152
I r( )ln; Toquio" (Pao 1 , 1985, e Pao 2,
r( l( ) ( le

, r ; rli :;; u ao mesmo tempo míni-


r r-.struturas
rl ,, rr r, r r )l I barracas. nas quais apenas se

l, rr Il Ncli.rs habita uma figura emergente e

.l,ry r; ro. Lrrna mulher jovem, independente,


r , l( ) cr n l;i llesmo banal, mas que, com sua
, .olor)íl em questão a trama social japo-
L r, r;cxi:;lir e tradicional. E não é só isso: ao

Irlr Ir, rirrs suas heroicas formulaçÕes - o


r Lrrrrrlirr tipo calvinista, o "autêntico" sujeito
rr l{ )r li:;lil, lityo lto assinala aquele desloca-
r , l rrcr llo contemporâneo, de um cefto ano-
,, r( ) ( Il r( ) Peter Eisenman usa para descrevê-
rr; r ir lxrrlir do qual é investigado -, até um
r;lrlo lrr:roico, centrado, masculino e domi-
rrrr rlc: ; rlo pensamento ocidental haviam se

lr,
' ,l ); r(.)( ) rrivado, sofre, a partir desta perspec-
1
n
r11 r[ rlrr. A casa, como forma, como módulo rt
, ( )t rr( ) (lrrlidade reconhecÍvel e como espaÇo
', rr rlcl tlo, ricixa de ser interessante, de ser o
1,1r rll l'roblemático, e impofiante, agora, é

I
r, rr I r rc; rliza a sua existência: um conjunto de
rr', r lcr;rrica ou a memoria jâ náo são reco-
,

, rr r: ;lr r r rtr-.rrtos para o hedonismo - nos quais

' ,, , r Ii: r x rlvir ja. Estes objetos são escolhidos


r ir , | )r irrr ;ip:tis atividades desenvolvidas pela
lr i lr r
l)r(xlritma estritamente relacionado ao
ri r r;r ri r cxistência diária: o embelezamento

nr;l nrc: ;l r rie telecomunicaÇão) e o repouso


\r , | )r 'r r;l rr x;livas funcional, existencial ou feno-
r'r Ir.,ii Ilr; il Llm puro hedonismo consumis- hedonismo
i, ,,lv. ni l nlecânica da seduÇão (a mulher consumista
'., rrr), c rrrr ÍLrgacidade existencial propiciada
rl r ri r Ix :rspectiva que converte os artefatos
l, rr rrl rcr rr rr tlecoração - em objetos.

152
!
A mulher nômade é um parasita da cidade - agora concebida como a ,l
infra-estruturapara o seu ócio e para o seu trabalho - e, assim, des- lr,rl,l
barata os limites da casa, da sua privacidade, até convertê-la em um llrrlr,ir
lugar fragilíssimo e pequeno, usado exclusivamente para se recompor 1lír'
e para se organizar a agenda. A casa da mulher nômade foi instalada llr
na cidade. Seu nomadismo é agora urbano e consumista, exercido ,t,r.1.,
sobre o meio mais denso gue se conhece: a cidade de Tóquio. A mu- ,1,t,
lher nômade, porém, não resiste a seu meio, nem atua, ou exerce rl,rlr
pressão sobre ele, apenas se dispõe a ser objeto das ações e ofertas lll,,
por ele propiciadas: sua existência é uma imolação ao consumo, que rir'
nela se encarna, adquirindo realidade física. Ela não se insere na cida-
de do trabalho, do transporte, da família e do ocio, nessa cidade- lr.l r ' i

-máquina-de-produzir em que habita: se as suas barracas se dispõem r1,,,,


na cidade, elas o fazem flutuando, pousando sobre lugares privilegia- lr,r,lt
dos, sobre as atalaias conformadas pelos arranha-céus do centro ,1,1,r.,
comercial. Como insetos ou vaga-lumes, colocam-se ali de onde a lll,lr
cidade oÍerece um magnÍfico espetáculo de luz e agitação, transfor- llt,',
mada em uma segunda natureza que convida a passear e a consumir. ,{ I I

A mulher nômade é parasitária porque não produz como os habitantes )"


sedentários. Não obstante, cumpre uma função na mecânica do capi- rll
talismo pos-industrial, pois o seu consumismo é funcional ao sistema: consumismo l|, lr

evita a superacumulação e regula a fluidez da circulação de mercado- funcionalista lrl,,rrl'


rias (lembremo-nos de que no Japão ocorre essa situação inusitada em I I tr it I

que as autoridades exortam os cidadãos a consumir mais). Ílll.il


Javier Echevaría, em seu ensaio Telépolis (1994), explica, como ninguém,
esse paradoxo da sociedade contemporânea em que o consumo pas- l,rlrl
sou a ser tempo produtivo, uma contradição no sentido estrito, que pode lllllrr
ser exemplificada pelo "tele-segundo", essa unidade de ócio passivo que
l),ri r,
a publicidade converte em fonte geradora de riquezas. "Através do tele-
-segundo, não foram apenas os meios de produção que se modificaram, Ittrl,'
nem tampouco unicamente o modo de produção (e de consumo), mas |l t

a estrutura mesma da tríade produção/comércio/consumo. [...] Telépolis r l. rlr r,,

subverte a estrutura do mercado, fazendo com que o autêntico ato de lltlt rl,
comprar passe a ocorrer sem que o comprador gaste dinheiro, ainda lr ,r rl
que gaste tempo [...] muitas formas de ócio foram transformadas em lrl|r l, i

trabalho produtivo, em muitos casos, sem que os ociosos tenham it I [ ' ,l , I

154 lr,,,
, | ( lr
- agora concebrida como a
| ( )i(lirde a consciência de que, ao desfrutar de suas horas de descanso, estão na
r, l)i rir o seu trabalho - e, assim, des- realidade trabalhando." Assim, pois, a cidade habitada pelos novos
,r r; r lrrivrrcidade, até convertê-la em um nômades não é apenas a que tem presença física, mas também aquela
',, rr I i cxcllrsivamente para se recompor definida pela circulação contínua de fluxos invisÍveis, fluxos de infor-
A ( r;r;i l r la mulher nômade foi instalada maÇão e econômicos que provocam uma drástica mudança de escala:
,rr 1orr rrrbano e consumista, exercido a cidade em que vive o sujeito pós-humanista é o mundo inteiro, a cida-
,, ' rllcce: a cidade de Toquio. A mu-
r ;, rr de global, ou, se se preferir, a "cidade genérica", uma entidade asso-
',lr: ir :lelr meio, nem atua, ou exerce ciada intrinsecamente ao desenvolvimento cientÍfico e à economia de
Ir ;1 roc lr ser obleto das açÕes e ofertas mercado, que subentende a compreensão do território como infra-
r( :ri r()unra imolação ao consumo, que estrutura para a circulação da mais-valia, organizada não tanto pela
l r lÍsica. Ela não se insere na cida-
rlrr l; rr concentraÇão geografica da mais-valia - a cidade industrial -, quanto
'. ,Ir llrrrrília e do ocio, nessa cidade- pela integraÇão econômica, através da oposição desenvolvimento/sub-
lr,rlrilrr: :je as suas barracas se dispõem desenvolvimento.
rr Ir, lrorrsando sobre lugares privilegia- David Harvey assinala a compressão espaÇo-temporal que a ubiqüida-
r r t; ri I;ul pelos arranha-céus do centro de telemática e a lógica do capital impÕem como sua característica
r,r, lrr Irrnes, colocam-se ali de onde a mais singular, capaz de modiÍicar a percepção da cidade e do territorio.
, .r ;1 rr rlrir;Lrlo de luz e agitaÇão, transfor- The Generic City (199a), escrito por Rem Koolhaas - uma revisão de
, I { llt( i corrvida a passear e a consumir. seus postulados teóricos, concluída vinte anos depois de Delirious New
| )( )r( lr ro nao produz como os habitantes York (1994) - é uma descrição céptica e cínica desse magma global e
rrl )r( ) rnra Íunção na mecânica do capt- de sua mecânica homogeneizadora, utilizando como referência já não
( ,r r;rrrnismo é Íuncional ao sistema:
r r( )r consuml:;lltl I mais lt/anhattan, demasiado precisa e "européia" - ou seja, demasiado
rrl; r;rlIritjcz da circulação de mercado- funcionalr:,1,t pronta, também culturalmente -, mas a imensa expansão do fenô-
l, r1 r; ri i or;orre essa situação inusitada em meno urbano no sudeste asiático, a explosão das megalopoles para as
, , rr ll rr Ilrr)s a consumir mais). quais a economia de mercado, o regime de acumulação flexível, dire-

' l,:hltoli:; (1994), explica, como ninguem, cionou sua implantação global. Nessas megalopoles, vem se configu-
lr rlrr rrlrorânea em que o consumo pas- rando um novo meio'de diÍícil categorização, nem natural, nem artificial,
|( r )r rlti rr li(;lro no sentido estrito, que pode um meio que se impõe, por si só, como uma segunda natureza, uma
r r rr lr r", cssa unidade de ocio passivo que paisagem contínua, homogênea e fluida, na qualfenômenos biológicos,
, (
l( )r ir( l( )ra de riquezas. "Através do tele- tais como o crescimento e a decadência, a instabilidade, a auto-simili-
, r rcior ; r kr produção que se modificaram, tude, a violência e a mutação, podem ser observados como até então
rr,r I r ( kr produção (e de consumo), mas somente se fazia na natureza. Algo que está presente no texto, e espe-
.r I ro/cornercio/consumo.[...] Telepolis
rr :; cialmente nas imagens referenciais de The Generic CiÍy, propositada-
1,,, l;r,'i:r rrlo com que o autêntico ato de mente desvanecidas: um esfumado que a tudo iguala e, ao mesmo
r lr( r ( ) oorlrprador gaste dinheiro, ainda tempo, aponta para a instabilidade de que se constitui essa paisagem,
,t I|i Ii (lc ooio foram transformadas em remetendo, mais uma vez, ao anonimato e à imprecisão do sujeito que
', { ,1;()r;, sem que OS ociOSOs tenham a protagoniza.

154 155
il
1ÍlEq \/, ,ll, ',
(I rl I l,

llllllrr
',,lllr,
tl,,,,t
(,lllrr

t|, r 1, ,,

',ll,tril.
/\ 1,r.
\/l'll lr,l
( r r1 r r,

t t rl tlr.r r t

l)resente contínuo, Ittlrl, .

espaço ubíquo llIl rl


ll,lllri ',i
ll|lrr i .

lrrltili:
tlrlr,lr".!
l', , l, i,, '.

(l(,lr!r,,
|),,l',
lt! r r

posiÇão rtrl,r,l,
heterotópica llllllr'l
tl,ttr ,

l,t,ti,l,

llrlr1rr
llrrllrr'1.
rlr,,,
rl,t1,ir,
( .r ,; 11,

lllr\', i

l,rl,,
lll r,t, '

lll r l,

t' ,
Çily, ltsli Voltemos à imagem das cabanas flutuando sobre Toquio e vejamos agora
como a cidade perdeu, nelas, sua identidade, digitalmente transformada
numa cidade desÍocada, "genérica". E vejamos como as cabanas pou-
sam como parasitas neste meio já quase natural, simultaneamente estan-
do e não estando nele, diferenciando-se em seu tamanho, minúsculo, e
em sua autonomia, pois não formam um corpo social: sua disposição não
é coerente, mas aleatoria. Uma disposiçáo diferente, externa ao sistema,
mas funcional a ele, tal como a geometria que as define, sublinhando a
sua alteridade em relação às formas de viver a cidade e o âmbito privado.
A privacidade, reduzida ao mínimo, somente está protegida por um fino
véu, uma segunda pele que envolve uns poucos objetos.
Como cabanas primitivas, anunciam um modo de se instalar no mundo
contemporâneo permeado porsua propriafugacidade, sem memória, nem
lrresente contínuo, futuro, em um presente contÍnuo telemático e em um espaÇo ubí.quo
espaço ubíquo nem sempre idêntico a si mesmo. O sujeito pós-humanista habita exter-
namente, provisoriamente, esse magma cujas leis de organização caotica
nem sequer lhe pertencem. Está dentro e fora: como o parasita, não é
convidado, nem estranho, apenas cumpre a sua função como elemento
integrante do sistema global. Tarzãs numa floresta midiática, assim como
os define Toyo lto em um teto, esses sujeitos transformaram a cidade
genérica em sua natureza. Contudo, eles não são iguais entre iguais.
Do mesmo modo que o agricultor não vê a paisagem, que somente se ofe-
rece ao olhar do viajante ocioso, são turistas, hospedes temporános na
posição cidade global. Sua posição é heterotopica, seu olhar é aquele que avista o
heterotópica mundo de fora dele. Não habitam propriamente: provisoriamente hospe-
dam-se. É em sua mobilidade, em seu trajeto, que esses sujeitos podem
se registrar; não há em sua concepção espacial um mundo de Íundos e
Íguras, mas fluidez, fugas, continuidades e vórtices. Sua percepção e a do
nômade, e seu espaÇo, um espaÇo feito de continuidades e singularida-
des, o espaÇo "liso" que Deleuze contrapÕe ao espaço "rugoso" próprio
da percepção sedentária, da cidade e da casa institucionalizadas.
Como se poderia compreender a materialidade dessas cabanas para os
novos tazãs? Que técnicas de projeto requerem ser desenvolvidas?
Talvez seja o momento de visitar a Casa Virtual do Foreign Office (1996),
uma casa sem outro cliente, nem outra localização, que não um seminá-
rio de arquitetura organizado por Any, o meio de difusão pós-humanista

157
lt r 1,,
Lu

r rl r1r Ir

(|l r ll

l{ ,l tlt r, ,

Itlt rrt l,

l),1,,,
rIl,r',.
t t, l, r, l,

()lq1,pl r

Ir ,, |r r,

í''lr'
It,tl tl, r,

t , tr lr ir i

ll(,ltr,,l'
FOA (Farshid l\zloussavi e Alejandro Zaera-?olo). Casa Virtual. Vista geral, 1996, r,rl,l,
hecceidade t| r

({)llllrL'
( )l |, l,

Iot trr,,
l i' 'l t t""'
l)r',,,
l,llt,lirl,,
(.,t.,1

lll,l,.r,!
tll,rrl,r,
llír,,,r
ll(,r
llr tr,,

it rlr'r, ,

r,ll
lr(rlrl,,
It,' ,

iIr,1,1,
rlr ,ll r, ,,

ll,,r
em torno de Peter Eisenman: um lugar e um cliente paradigmáticos, cujo
objetivo é o de ensaiar os novos valores e técnicas com os quais deve se
construir a casa pós-humanista. E assim a interpretarão seus autores,
como uma versão da cabana primitiva do abade Laugier, alualizada alra-
vés do olhar deste sujeito nômade para o qual a nalurezajá não é um
terreno virgem e inocente, mas uma construção cultural, uma metáfora
heurÍstica da cidade global cibernética, sua verdadeira natureza.
Desta maneira, sua percepção encontrar-se-á impregnada pela visão
deleuziana do espaço liso; a paisagem é um material contínuo - a própria
cidade - atravessado por linhas de fuga, provisoriamente parasitadas.
O lugar da casa não é mais do que uma densificação do trajeto, um nódu-
lo, um vórtice onde se concentram e se vincam intensidades para definir a
expressão mínima do habitar, da idéia de interior que é consubstancial ao
habitante. O caminho se dobrará sobre si mesmo, desenhando uma
cadeia de lVoebius que é tanto um exterior - o trajeto -, quanto um inte-
rior, negando-se, assim, a interioridade - a intimidade? - como forma radi-
cal de se instalar diante do mundo. Em última instância, devolverá o nôma-
lro Zaera-Polo). Casa Virtual. Vista geral, 1996'
lecceidade de ao seu trajeto como num acidente, uma hecceidade desse material
contínuo e homogêneo que é a cidade-mundo-natureza. Este material é o
oposto daquele definido pela visão aristotélica dos corpos, aí cindidos em
forma e matéria. Frente a êsta concepção hilemorfica - em que a forma
permanece fixa, e a matéria, homogênea -, o proleto remete-se àquilo que
Deleuze denomina "materialidade energética, em movimento, portadora de
singularidades ou hecceidades, que são formas mais implícitas, topológi-
cas, do que geométricas, e que se combinam com processos de defor-
mação: por exemplo, as ondulações e torções variáveis das fibras de
madeira." Uma materialidade presente nas estepes, no deserto, no mar ou
no céu, e que se constitui na expressão mesma do espaço liso deleuzia-
no: "O deserto de areia e o de gelo podem ser descritos nesses mesmos
termos: neles, nenhuma linha separa alerra do céu, não existe distância
intermediária, perspectiva, nem contorno, a visibilidade é limitada, e, não
obstante, há uma topologia extraordinariamente fina, que não se baseia em
pontos ou objetos, mas em hecceidades, em conjunto de relaçÕes (os ven-
tos, as ondulações da neve ou da areia, o canto da areia ou a crepitação
do gelo, as qualidades táteis de ambos); trata-se de um espaÇo tátil, ou
melhor, 'háptico', e de um espaço sonoro, muito mais do que visual..."

159
Ç

Há, pois, nesta cabana "primitiva", a construÇão completa de uma ( l,l lr

visão da nalureza, da matéria e da forma, uma visão que, não casual- 1 11 ,' r r

mente, vincula-se à que as ciências desenvolveram, ao longo do sécu- rlrl,,1


lo, em busca de uma explicação para os fenômenos complexos, em 1111r,,,

busca da ordem no interior do caos, capaz de aproximar as ciências lr


humanas das ciências exatas na medida em que ambas identificam ri,l
seu objeto de estudo nos fenômenos complexos e instáveis - o tema fenômenos
central de pesquisadores tais como Ylya Prigogine, por exemplo. complexos II lí'l rl' ,

Nada, pois, semelhante a uma visão virginal ou à margem do conheci- e instáveis l,rl,1'
mento científico: a posição do parasita, do nômade, alimenta-se preci-
samente deste; é o domínio da informação que lhe permite estar e não
estar, adquirir uma presenÇa incorpórea; é através do conhecimento lrr,,l,
que aprende a adotar uma posição mimética, diluída nesse material 1,,rrr,,,,
que é a cidade-mundo-natureza. Assim, pois, o anel em que se insta- cidade-mundo ll,l,r,l
la está, ele mesmo, mimetizado, camuflado no contexto organizado -natureza (I IIrrr. I

em cada ocasião. N/as este é um material ao qual não podemos dar ,l()ilil

nome, produzido pela hibridação digital - morphing - de outros mate- 1 11 , , r

riais conhecidos: o concreto armado e ospafferns de camuflagem mili- tr,r1


tar, até dar lugar a um corpo com propriedades tectônicas, de conti- Y1 'l r.r',,r
nuidade e ornamentais, que somente tem presença no espaço virtual N,t, , ,r
em que se situa. lgualmente, sua forma de apresentação passa a ser tt lr,, r,, '
digital -
como nas colagens urbanas dos Pao de Toyo lto -, através de ll|t,,,r
um vídeo em que se restitui a experiência deste sujeito itinerante, ()lrl,ll|.
nunca visÍvel, que entra e sai ininterruptamente. A concepção topolo- lll(ll
gica do espaÇo liso, Írente à convencional organização geométrica da ()(l I

casa, assim como a sua organização material e as suas formas de tlttlrlr


representação encontram, na tecnologia informática, o sistema opera- concepção Jl;li,rl
tivo necessário ao proleto, não um utensílio, mas um meio mesmo em topológica ()l(I,ilr I i

que se concebe, constrói e habita a casa pós-humanista. e tecnologia (,;l',,, r, I'

A tecnologia de informação não é um sistema operativo oportunista ou inÍormática (1rllíri


casual, à margem do que aqui se descreveu sobre a casa pós-huma- ;rll,, t,
nista, mas um meio que permite operar com o virtual e o atual como ele- condutismo
mentos de um processo dinâmico contínuo, algo que estaria vedado à e Big Brother tll,l, t.
dualidade Real/PossÍvel, sempre deÍinida por oposição. A técnica infor- (i(rltlr.r,
mática permite operar com diagramas e processos dinâmicos em um diagramas (:()lll,lr.,
estado contínuo de atualização e transformação, poitanto, com fluxos, ,l
l'

1ô0 liil
:

'l)r ir nilivi t", a construÇão completa de uma com uma lógica de complexidade semelhante àquela que os novos
desenvolvimentos cientÍficos e biologicos pretendem captar. Como já foi
ui; r c rltt forma, uma visão que, não casual-
r r;icr rr;iir:j clesenvolveram, ao longo do sécu-
dito por um teórico da complexidade, "toda complexidade se move em
rlir;r rr..;rro para os fenÔmenos complexos, em
direção à biologia", e é assim que se pode interpretar a necessidade de
rr rkr r;íros, capaz de aproximar as ciências um suporte informático para se trabalhar com o modelo de uma cidade
;rl;r; rrit medida em que ambas identificam desfocada, constituída pela presença turva do nômade, um modelo de
rirrrrcnos complexos e instáveis - o tema
lcr fenômenot espaço fluido e vivo, que exige pensar o incorpóreo - o rastro do movi-
complexot mento - através de uma materialidade precisa: o diagrama. A arquitetu-
lrrir r r;orIro Ylya Prigogine, por exemplo.
e instáveic ra pós-estrutural encontra no diagrama a aplicação e o desenvolvimento
r rrrrr r visáo virginal ou à margem do conheci-
,, r Io pitrasita, do nÔmade, alimenta-se preci- de logicas materiais invisÍveis, mas capazes de explicar e gerar realida-
rio r li r irrlormação que lhe permite estar e não
des. Como realçou Sanford Kwinter: "O virtual relaciona-se com o atual
r it rt;orpórea; é alravés do conhecimento
rr,.;r
não por uma transposição - um chegar a ser real -, mas por uma trans-
rrr posiÇão mimética, diluída nesse material formação através de processos de integraçáo, organização e coorde-
rlrrc/il. Assim, pois, o anel em que se insta- cidade-nrtrrrr ln nação. [...] A realidade é um fluxo, uma atualizaçáo irredutÍvel no tempo;

rclizr rrlo, camuflado no contexto organizado -natureztt o mundo é uma esfoliação de diagramas". Há uma "bio-logica" comum
:lc (') r.rrTr material ao qual não podemos dar ao sujeito desvanecido do pos-estruturalismo e às ciências do instável,
morphing - de outros mate- do caos, a qual encontra, na capacidade iterativa e proliferante do orde-
rr irlr rrliro digital -
rlo ;rrrlrado e os paÍÍerns de camuflagem mili- nador e no trabalho sobre diagramas dinâmicos, o meio para tornar visÊ

r)r l)() oorn propriedades tectÔnicas, de conti-


vele material o que é incorporeo e fluido.
virtual Não se pode deixar de advertir, nesta concorrência cientÍfica, filosofica
lrro r;orrtente tem presenÇa no espaço
e técnica - biologia, desconstrução e inÍormática -, sobre o perigo de
rr rlc, sua Íorma de apresentação passa a ser
,r r: : r rr lríinas dos Pao de Toyo lto -, através de
um certo determinismo objetivista, uma espécie de aggiornamento do
;lrlui ir experiêncra deste sujeito itinerante,
r:
organicismo, do positivismo e da industrialização que levaram ao surgi-
rr :; ri ininterruptamente. A concepção topolo-
mento objetivo da ortodoxia moderna como único modelo operativo.
lo r oonvencional organização geométrica da O uso do diagrama implica necessariamente em uma concepção "con-
;r ortlirttização material e as suas formas de dutista" e abstrata dos habitantes da cidade genérica, uma certa fasci-
n r lcr;nologia informática, o sistema opera- concepçao' nação pela proliferação de condutas e rotinas pautadas como matéria
r,
r ), ni r( ) rrtl utensílio, mas um meio mesmo em
topológica organizada. Em última instância, uma eliminação da diferença como
ri o lrrlrilii a casa pós-humanista. e tecnologh caso relevante a partir da perspectiva cultural - o sujeito das outras
; r( ) r)i ro c um sistema operativo opoftunista ou
informática correntes do pensamento -, e inclusive do arquiteto como responsável
pelos processos mecânicos, capaz de conduzir até um funcionalismo
1r r ;rr lx; descreveu sobre a casa pos-huma-
1ui
r rr n rilc operar com o virtual e o atual como ele-
condutismo das massas no qual o arquiteto poderia operar como um braço arma-
r lir r: rr r rit;ocontínuo, algo que estaria vedado à Big Brother do do Brg Brother orwelliano. A própria história do século >« adverte-nos
: r )r r rl )r ( ) t lefinida por oposição. A técnica
infor- contra essa excessiva fascinação. Encontrar o lugar da crÍtica, a forma
,,r rr rrlratras e processos dinâmicos em um
rlir diagramas com que o arquiteto concebe a si mesmo dentro desta mecânica de pro-
jeto é, ainda hoje, algo difícil de se buscar. Os proletos e os textos de
li.'r rr,,:r ro c transformação, portanto, com fluxos,

160 161
Ç
Peter Eisenman e de Greg Lynn, entre outros, ainda buscam uma reubi- il' l,l
quação dos processos, dos resultados, e da responsabilidade (ou papel) Itlt rl,
do arquiteto (ver, neste sentido, "Procesos de lo instersticial" e "Una con-
versacion" em El Croquis, n. 83, 1997). Poder-se-ia dizer, então, que a y ro', 1,,,,,

casa pós-humanista implica em um comportamento maquínico do arqui- l; l\rlI , l,

teto, que já teria encontrado o seu sujeito, seu modelo urbano, material
e espacial, seu sistema operativo, mas cuja acertação completa, contu- ( li llilll rl , '

do, implicaria, por sua vez, na negação de uma finalidade essencial, It,tl,r
numa "randomizaçâo" na conduta do arquiteto, dedicado a destruir a ()rlrrl

aparência de um mundo do real e do possÍvel paraÍazer proliferar formas t [ "., t ,

distintas de materializar o incorporeo, sem outra possível finalidade que llrl, r lt


não "descobrir o que está reprimido pelas convenções ou normas em um ( l',, tl t ti , t

momento dado".
Não é fácil concluir esta visita. Em primeiro lugar, porque é difícil fugir à ,1

sensação de que não fomos bem recebidos nesta casa, de que é difí- l)r,ll,,l
cil entrar nela, "possuÊ|a". Em segundo lugar, porque, ainda que seja ('l ll I I

fácil, não é reconfortante darmo-nos conta de que essas sensaçÕes lr,ll.rr"'


não são casuais, mas integram a existência parasitária deste nômade.
Não possuir, não habitar nenhum espaÇo de intimidade, não se sub-
meter às pautas existenciais da "boa educação" seriam, praticamente, rl,
seus sinais de identidade. N/ais do que isso, porém, depois de obser- t;rltl
var essa caricatura da casa tradicional que é a intrepidez de Keaton ou r"l.r
a alteração de Grahan, esses Paos que, embora voluntariamente se l,r,
formalizem como alheios à ordem instituída, simultaneamente a incor- lr'ttrl,,
poram e a controlam, ou aquela mesma pirueta geométrico-labiríntica (l|r' l' :

da casa virtual na qual ninguém chega a poder "estar", que é puro devir, rll l,,l r.
damo-nos conta de que em todos estes proletos de casa há um
esforço extra de provocar, de produzir um estranhamento, de se apre- Itrlll r

sentar como uma atitude deliberada de negação de qualquer poss'rvel lllltrl


imagem unificada ou totalizadora. Como se houvessem sido pensadas
contra, violentando outros arquétipos e seus paradigmas até transfor- l,,rrt,,
má-los em caricaturas de si mesmos.
Sabemos obviamente que é assim, que tal é, em essência, a dinâmica
desconstrutivista, que nesse objetivo de estranhamento há um delibe- estranhamento
rado intento de forçar um questionamento dos valores, manifestos ou
latentes, pelos quais a vida cotidiana tende a se regular, que, em última

162 lll
r
tr(l Iyr rr, onlre outros, ainda buscam uma reubi- instância, esta forma de pensar a casa contém um proleto liberador
t lt r: ; rcr;r rllirdos, e da responsabilidade (ou papel) frente à violência pública e privada, ainda que a custo de um questro-
:,r rr rlir k r, "l)rocesos de lo instersticial" e "Una con- namento mesmo do sujeito ou de sua extrema banalizaçáo. A casa
r:,, rr []ll, 1997). Poder-se-ia dizer, então, que a pós-humanista não abriga nenhuma intimidade, nenhuma forma perdu-
comporlamento maquíntco do arqui-
I rltr :r r cr r r r rrr r
rável de conforto, nenhum consolo. Não é um refúgio da cidade gené-
Ir;rrkr o l;ctt sujeito, seu modelo urbano, material rica, mas um posto de observação, em suma, um breve deter-se no
r o1 xrr;rlivo, rnas cuja aceitação completa, contu- caminho. Não se trata, porém, de uma mera enteléquia intelectual;
I vrl,,, |íl
rregação de uma finalidade essencial, trata-se, ao contrário, de abordar, com Írio entusiasmo, questÕes que
rr; r r:or rthrta do arquiteto, dedicado a destruir a o tempo vai tornando mais e mais evidentes, relativas ao meio que o
, , r lt r rr l rl er c1o possÍvel parafazer proliferar formas desenvolvimento econômico e cientÍfico vai construindo ao nosso
o irrt;or1x)reo, sem outra possÍvel Íinalidade que redor. Nesse sentido, apesar desse estranhamento figurativo, ou pre-
,l;rrt:1 rr irrrrrlo pelasconvenÇÕesou normasem um cisamente em função dele, ninguém pode se sentir totalmente alheio
a esta forma de pensar, construir e habitar. Todos vamos nos tornan-
, vi:;rl;i. I nr primeiro lugar, porque é difícil Íugir a
r do nômades e parasitas neste modelo de cidade, todos somos um_
lor rori Ircrrr recebidos nesta casa, de que é difí- pouco Keaton, um pouco mulher nômade, em nossa forma de viver e
Lr" I rrr segundo lugar, porque, ainda que seja em nosso trabalho. Este texto mesmo é um projeto que se construiu
rrlrr rltrrrno nos conta de que essas sensaÇÕes parasitando valores e idéias de domesticidade, visitando casas que
rrrlr:rlrrrr a existência parasitária deste nÔmade. outros constróem e habitam, quiçá em sua fantasia. Tudo o que nele
l;rr rrcr rlrrrrn espaÇo de intimidade, não se sub- se conta pode ser descrito, até certo ponto, como uma desconstruçào
,r rr;i; rir; r Ilr "boa educação" seriam, praticamente, de seus valores; ao fim e ao cabo a desconstrução não ó outra coisa
rr Ir N,4rrir; tlo que isso, poróm, depois de obser- senão uma Íorma de análise lingüística crÍtica. Não se pode pensar
r :; r: ;; r lrr rr licional que é a intrepidez de Keaton ou esta casa à margem de nos mesmos. tVelhor será pensá-la como uma
r, i:í)r; l)aos que, embora voluntariamente se
{i: forma de habitar que está antecipando uma topologia global frente ao
r, ,: ; ;r orrlonr instituÍda, simultaneamente a incor- teritorio segmentado das culturas tradicionais, uma forma de habitar que
,r r rrrlrrclir mesma pirueta geométrico-labirÍntica questiona os limites e fundamentos do público e do privado. Esta forma
rrir tr lrrcnr <;hega a poder "estar", que é puro devir, de habitar que opera sobre a convenção da cidade moderna - nas
rlr ro or r torios estes projetos de casa há um dobras da arquitetura moderna - pode ser entendida não como uma
rr :; u. ric 1rrrduzir um estranhamento, de se apre- Íorma destrutiva da ordem da velha cidade burguesa, mas como
rr lr:rkrlilrcrrrda de negação de qualquer possível uma forma reveladora de outros foros, de novos lugares nos quais se
ol;rli,';rr k rrr. Como se houvessem sido pensadas realizam intercâmbios, de novos lugares onde, talvez, constituam-se hoje

llIrr;rl(1rrr,ilipos e seus paradigmas até transfor- formas paralelas de habitar o público e o privado adequadas aos pro-
r lr : t;i tttcs;tlloS. cessos de transÍormação a que nossas vidas estão submetidas.
, 1r rr
, r: ;[;l;int, que tal e, em essência, a dinâmica
;c oI rjr,.tivo de estranhamento há um delibe-
r rr :: ;r estranhamento
rrrrr rlrrrx;tionamento dos valores, manifestos ou
vrr lr r r;rilirliana tende a se regular, que, em Última

162 163
o
E
.a
#

E
o)

!-
o_

co
6
a

o

ta

o_
a
s-
o
o')
o
õ
í
§r
o
(^
e
tl)
\
o)
§,
.P)
a
'<{

0)
C.
_:c

I
I
ç
\ >+
!{

\\

\ I
!
it'.1
á
,-_ y!+-!44 +i f Í
I

<>
il
r.r -.l.
1 r.Ll

-L -1.

\-L
I

i\

\".
}.*".-
l

-'J_
l.

__.! . ..
-.-,-.
'olun[uo3 a splue I

'sogÕE^olo'soÓoqr I

',86 1 'Ecror€ l
'elpnc§ LUo SPSE r

m 'elos El op orpuelo /
llJi


-\
\.
)
pffiffiããe@@

\
l

-*r
-ia
,E
.j

t
:§ú
<=\
il

\
_-

4t-ã
!il
arl f 1 I Í

\
tl

q
Bay e Charles Eames no salào cia casa Earnes, l, I


.ii
{
r'
I b lürl

t
F

Ray e Charles Eames no salão da casa Earrl

'.:
,i:

1 , 1,e, ,.
I
tm-* "'
ü

&
U
Quando, em 1968, Davld Hockney pintou A bigger sp/ash, talvez nem
lhe ocorresse que esta obra acabaria sendo compreendida como um
completo manifesto de arquitetura. lVlas sua inocência durou pouco:
em 1973 ela já aparecia reproduzida na capa de Los Angeles. The mudança e verdadl t.
architecture of four ecologies, provavelmente o melhor livro, e o mais !l,i

popular, de Reyner Banham. A bigger sp/ash sintetizava uma forma de


conceber a arquitetura, a cidade e a sua relação com a natureza que
se vinculava definitivamente à memoria do século xx. Uma idéia de pen-
sar, construir e habitar originalmente americana, mas, sem dúvida, uni- t,,r

versal, como o demonstram não so a própria origem européia dos dois


autores, Hockney e Banham, mas também a sua rápida expansào e
aceitação em outros continentes. Esta forma de pensar a casa é aque- I

-
la que, desde meados do século xtx e sobretudo a partir do princípio t,'
do xx, veio se consolidando através do pensamento dos filosofos prag-
máticos William James, Charles Sanders Peirce e John Dewey. Suas
idéias sobre o papel da teoria frente aos fatos deram suporte a um
r - democrático, plural e progressista -
determinado perfil de sociedade
cuja capacidade de ação não encontrava reflexo nem no positivismo
europeu, nem nos demais modelos de pensamento metafísico, e que
recentemente recebeu uma significativa revitalização, através do tra-
balho teórico de Richard Rorty - cujo livro Contingência, ironia e so/r- redescriÇâo
dariedade (1989) irá nos acompanhar nesta visita à casa pragmática -, I

assim como a partir de múltiplas posições arquitetônicas que hoje já


i conformam uma verdadeira alternativa ao pensamento pos-humanista.
Assim, pois, estudaremos agora esta casa da qual Hockney deixou-
-nos um retrato memorável, associado em nossa lembrança a tantos
esforços para definir uma casa moderna, econômica e fácil de cons-
truir como as que se produziram em Los Angeles nos anos cinqüenta.
Uma casa que - e é melhor dizê-lo o quanto antes - pouco ou
'Ítada
tem a ver com aquela que Tati satirizou, a casa positivista, apesar de
muitas vezes a historiografia do século xx tê-las englobado a ambas
sob o manto protetor do "estilo internacional", de um suposto movi-
mento moderno que a Europa teria expoftado para a América. Esta
casa e esta forma de conceber a existência, cujo hedonismo e ligei-
reza tanto se distanciam dos parâmetros e valores positivistas, permi-
tirão resgatar, com plena autonomia, uma tradição doméstica cuja

172
E
ll)(;ii, I )avid Hockney pintou A bigger sp/ash, talvez nem vigência na cultura contemporânea está rnuito longe de haver se esge:"
tlrtc rx;tíl obra acabaria sendo compreendida como um tado, mostrando uma vitalidade - uTa capacidade de mudança,e de
rrlc: ;lo tlo arrquitetura. N/las sua inocência durou pouco: ad a ptação - qge,_está _ryq base-m esma_d_o. p e n sam e nt o p rag ry at sià)
i

j; r r11 lrrrrr;ia reproduzida na capa de Los Angeles. The ll Iança e verdade Foi a iOOia Oe mudança a que Jámes desejou positivamente propor ao
I lrtr rr tx;ologies, provavelmente o melhor livro, e o mais j defender a necessidade de a filosofia abandonar a busca de uma ;
t:
:yr rr rr I 1r rrrlram . A bigger sp/ash sintetizava uma forma de ' I verdade única e definitiva como objeto mesmo de seu- pgnsamento. \
rlrrilclrrlr, a cidade e a sua relação com a natureza que Em James, a verdade é algo que pode se suceder a uma idéia, "chega
llrrrilivrrrnente a memoria do século xx. Uma idéia de pen- a ser verdadeira, torna-se verdadeira pelos acontecimentos". Não se
. lrr rl rillrr originalmente
americana, mas, sem dúvida, uni- trata, portanto, de negar que a verdade exista, mas de afirmar seu
, r I rr rrorrstram não so a própria origem européia dos dois caráIer contingente. A verdade é um processo em que a realidade e a
rrcy c llitnham, mas também a sua rápida expansào e mente adaptam-se uma à outra. James aceita que a verdade é corres-
( )l continentes. Esta forma de pensar a casa é aque-
rlr( )ri pondência com o mundo, é uma relaÇão de ajuste com um mundo
rrrlr rr ioli do século xx e sobretudo a parlir do princípio que, por sua vez, vai se construindo pela ação das proprias idéias. No
( r( )n i( )li(llindo através do pensamento dos filosofos prag- pensamento pragmatista;'a mente e o mund{1teofl4q a prática,)'hão
rr .l;urrrxi, Charles Sanders Peirce e John Dewey. Suas
"
se êncontram separados:*õonstituém-se entre si. A idéia de "verdadá;
;
,;r; rcl ria teoria frente aos fatos deram suporte a um
11 é uma criação do homem e é, portanto, contingente, como mostra a
rlr lrl r kr :;ociedade democrático, plural e progressista -
- experiência, como o é a própria linguagem de que se alimenta: "um
r ic ic açtro não encontrava reflexo nem no positivismo
i móvel exército de metáforas". Tal é a definição que Rorty tomará
rror ; ilcntats modelos de pensamento metafísico, e que emprestada de Nietzsche para explicar a história das idéias.
Icr;cl x)u uma significativa revitalizaÇão, através do tra- O trabalho do filósofo, o trabalho do cientista e o do artista, não será
lr r I lir:lrirrci Borty -
cujo livro Contingência, ironia e sol'- redescrição outro senão a elaboração de uma "redescrição" da realidade através
11 )) itir n( )s acompanhar nesta visita à casa pragmática -, dessa experiência em mutação. A redescrição metafórica, a invenção de
1r;rrlir rlr: múltiplas posiçÕes arquitetônicas que hoje já novas metáforas mais verossímeis, que convidem ao abandono das
r;r vorr ltrrlcira alternativa ao pensamento pós-humanista. velhas linguagens e à adoção de um novo léxico será a tarefa própria
'r rrr:rlos agora esta casa da qual Hockney deixou-
;lrrrl; ,,,' y do criador: i'Raramente uma Íilosofia interessanteeonsistê.no exarne dos -
,r rrtcr rroriivel, associado em nossa lembrança a tantos prós e contras de uma tese. O mais comum é que s,eja, implícita ou expli-
,Irlinir rrrla casa moderna, econômica e fácil de cons- citamente, uma disputa entre um léxico estabelecido- o-qual se oonver-
qrrl r;c produziram em Los Angeles nos anos cinqüenta. tô, em um estorvo, r.^ Iériao novo e em formação que vagamente
, ()o rlr:lhor dizê-lo o quanto antes - pouco ounada
"
promete grandes coisas". _Esta disputa desenrola-se, então, através de
r;irlrrcl; r rlue Tati satirizou, a casa positivista, apesar de um método que "consiste em voltar a descobrir muitas coisas de uma
r lri:;lor ioryraÍia do século xx tê-las englobado a ambas maneira nova até que se logre criar uma pauta de conduta lingüística que
rrrrlclor rlo "estilo internacional", de um suposto movi- a geração principiante vê-se tentada a adotar, estimulando-a a buscar
r() (lr l() ir Europa teria exportado para a América. Esta novas formas de conduta não lingüística tais como, por exemplo, a
lrr; r rkr r;onceber a existência, cujo hedonismo e ligei- adoção de um novo equipamento cientÍÍico ou de novas instituiçÕes
ir:,1;rncilrrn dos parâmetros e valores positivistas, permi- sociais. Este tipo de filosofia não trabalha peça a peça, analisando con-
r or rr lrlona autonomia, uma tradição domóstica cuja ceito após conceito, ou submetendo à prova uma tese após a outra.

172 173
.q

I
Trabalha holística e pragmaticamente. Diz coisas como: 'intenta pensar l', ri

deste modo', ou, mais especificamente, 'intenta ignorar as questÕes tra- rlr
*
dicionais, manifestamente fúteis, substituindo-as pelas seguintes r,ll'
quéstões, novas e possivelmente interespilqtesi. Não pretende dispor de otimismo r|l rl i

urn candidato ,a's apto a efetuar as mesmas velhas coisas que fazía- ,rl,!,'
mos ao Íalar de acordo com o antigo costume; sugere, ao contrário, que i,,
lr

poderíamos propor deixar de fazer estas coisas e Íazer outras. Porém, rlrr'1r'

não argumenta a favor desta sugestão com base nos critérios prece- Itrrr,l,
dentes, comuns ao velho e ao novo jogo da linguagem, pois, na medida
em que a nova linguagem seja realmente nova, tais critérios deixarão de l,l
existir. De acordo com os meus próprios preceitos, não arrolarei argu- It,r,
mentos contra o léxico que pretendo substituir. No lugar disso, pretendo llrl ,lr,

fazer com que o léxico que prefiro apresente-se atrativo, e evidencie o técnica e l lr
modo como pode ser empregado para descrever diversos temas." imaginação rl,t

Q pragmatismo; portanto, e mais um método do que uma filosofid, um o método Itttrrl,!'


método sem dogmas nem doutrinas, para o qual "as teorias chegam a pragmático, lr rr i, -
ser instrumentos, mas não respostas a enigmas nas quais possamos a conversação llt.rlr
nos apoiar...". Um método de atualização das verdades, de redescrição I 11 rl r, i

e adaptação constante de nossas crenÇas e linguagens frente à nossa t7 t',.,,


experiência, que extrai da contingência do mundo e de suas represen- -a_: qi/ lr,rli,,
-. t\
tações toda a sua energia. Uma forma de pensar que não se institui ,. 1
('ll,!

como negaÇão a outras concepções, mas que as cruza de forma sin- (r1,,
, "r\§
gular, adotando-as para construir uma "conversação" particular, até l|llr |1. --

iluminar novos léxicos cuja única validade não se ancora mais em sua (r'l'!

verdade, mas em sua "verossimilhança", em sua capacidade para criar \-*" *§t \ s C-t \.\s- l)r,rl'
no outro o efeito de verdade através da experiência. James utilizou a o Bresente
imagem de um corredor de hotel cujos aposentos abrigam diversas pragmático.. l,lt,,l
concepções de mundo; o corredor é o lugar em que todas elas se cru- q" cõê'\
,)F lllr I ri '-
rt rlr,l'
zam, o lugar onde se pode entabular uma convorsação plural e enri- 'J! 'À;ttr
quecedora. A metáfora pragmática será, assim, a "conversação", ima-. lllr,ll,
gem que sublinhá os vínculos com u11 modelo social no qual realmente ( r' ,l I r

possa se dar uma discussão âbeÍta e imprevisÍvel,-sem verdades últimas. Ll, IrI I

O criador, o artista e o filósofo conÍundem-se com a figura do "crÍtico", 1,1r,r,t,,.


pois operam com o mundo e o presente como materiais que se interro- IllII,I
gam, cuja coerência deve se reÍazer continuamente em uma espécie de. rr['tl
aventúra intelectual que definirá precisamente isto, a história das idéias. ((rl),,,

174 1,,,
E
Irr ,rr:l)r'itqrnaticamente. Diz coisas como: 'intenta pensar A atualidade do pensamento pragmatista encontra-se neste abandono
rr, tli liij cspecificamente, 'intenta ignorar as questÕes tra-
rrrrlu;l;rrlernte fúteis, substituindo-as pelas seguintes
*? da certeza e da objetividade como metas do pensamento, em sua
capacidade para instalar o criador - o arquiteto, se se desejar - em um
, r, . 1ro:urivclmente interessantes'. Não pretende dispor de otimismo contexto heterogêneo e instável, e para Íazê-lo com um cêrto otimismo,
r r r, ri: r rr1 ito a efetuar as mesmas velhas coisas que Íazía- a partir da suposição de que a instabilidade e a heterogeneidade não
, , , r( r( )r( lr i t;om o antigo costume; sugere, ao contrário, que são um acidente embaraçoso, mas um material criativo precioso, o
rí ,l )( )l tixar de fazer estas coisas e Íazer outras. Porém,
(k genuíno objeto da imaginação pragmatista. Uma visão, também, pro-
, r , r I rvor riesta sugestão com base nos critérios prece- fundamente avessa às convicções positivistas, da visão do cientista
r' , ;ro vcllro e ao novo jogo da linguagem, pois, na medida como um "demiurgo", de sua abstração social e sua finalidade edifican-
r lrr rr 1rr; rr;ern seja realmente nova, tais critérios deixarão de te. o pragmático, se há algo que a expenência da ciência demons-
lalq
)r ( l( ) ( :( )r l I os meus próprios preceitos, não arrolarei argu- tra é o fato de não haver uma explicação única, de as distintas idéias
r,, l.:xico que pretendo substituir. No lugar disso, pretendo implicarem em distintas práticas materiais, de que todas as teorias
, I rxico que prefiro apresente-se atrativo, e evidencie o
, técnica e estão disponÍveis para uma redescrição do eu e do mundo.. As técnicas
,,r lr : r;( )r i-.rnpregado para descrever diversos temas." imaginação das distintas práticas materiais e culturais chegam a ser o horizonte, o
r, ), lx )r llt[o, e mais um metodo do que uma filosofia, um o método limite da imaginação, um ponto crÍtico, pois, a,capacidaQeqqesqq__{e_
l.r 1Il; ll; rtcm doutrinas, para o qual "as teorias chegam a pragmático, pensar e criar, e, portanto, um veÍculo essencial da sensibilidade prag-
l()r;, tllll nao respostas a enigmas nas quais possamos a conversação máttca. São as novas técnicas - sua invenção, transferência, mani-
I rrrclocio de atualização das verdades, de redescrição
lr r r pulação - os verdadeiros operadores da imaginação pragmática. Por
;litnlo cie nossas CrenÇas e linguagens frente à nossa
, )r lr isso, o arquiteto, o "crÍtico" afeito a esta sensibilidade, conhece e tra-
rr. cxluri c1a contingência do mundo e de suas represen-
\õ-- ,balha com elas, e o seu saber tem um caráter eminentemente técnico
r,r de pensar que não se institui
r;r cr terq;ia. Uma forma \P' le metodolooico.
r ,r orlr;ls concepções, mas que as cruza de forma sin-
t"
O pragmatismo contrapõe uma concepção individual e subjelúa do
i.;r:r l)ítra construir uma "conversaÇão" particular, até mundo à grande máquina social positivista. Apresenta, assim, uma con-.-
, l, ',rr:or cula unica validade não se ancora mais ern sua cepção bastante distante daquela do tempo finalista e teleologico do
í ,r l
:;r ri r "verossimilhanÇa" , em sua capacidade para criar \*.* jàsL
t
C-'
tempo
\o\:-'
positivismo. O
o que pragmatismo privilegia é o dos falos - prag-
,rl,rrIrvrtrclade atraves da experiência. James utilizou a =
o presente mata o das ações, o tempo do presente, um tempo que não é amné-
-,
rr i;ot tr)(lo[ de hotel cujos aposentos abrigam diversas pragmático.. sico, porquetem a memória de si mesmo através deste exército móvel de
,, nrrr(Io; o corredor é o lugar em que todas elas se cru- metáforas no qual as novas se alinham, um tempo "que usa os sucessos
rr r( l():rc pode entabular uma conversação plural e enri- do passado para informar o presente", e para o qual o futuro é "mera-
rrrr rlrrlr rrir pragmática será, assim, a "conversaÇáo", ima- mente uma promessa, um halo em volta do presente", tal como Dewey
r rl com um modelo social no qual realmente
r r or ; vir tcrrlos escrevêu. Trata-se de um tempo polqrizado, atqíCo tante pela exp_griê!_ _

t;sáo aberla e imprevisÍvel, sem verdades últimas,


rr r, r r lir u:r cçr do plegente como pelo individualismo, um lempo ligado a nossa sub--
Ir',lrr r: o Íilosofo conÍundem-se com a figura do "crítico", jelvidade, _que nada cobra ao desenvolvimento criativo do eu que tenha
Ir
í ,r r ( ) n trrrrclo e o presente como materiais que se interro- uma origem remota ou apele a um destino coletivo, a um projeto lançado
, 'r r( rii se reÍazer continuamente em uma espécie de
I ( lOvc dém dessa busca de perfeição privada na qual se constitui a própria
, lrr; rl rlrrc clefinirá precisamente isto, a historia das idéias. consciência do "eu".

174 175
I U
O sujeito pragmático é uma criação art'rstica individual de cada um sobre ( ,)t t,

si mesmo, uma sucessão de experiências, metáforas e linguagens que lir,r'


constituem a própria identidade e em cuja maior riqueza reside sua r lil, rr

plena realização. Rorty o denominou "ironista liberal"; irônico porque é ironista liberal { ll ll rl,

consciente da contingência de sua identidade, não sujeita a verdades ll,ttt,r


ou a essências de espécie alguma, liberal porque seu modelo social experiências ,,;1 1,
1tl1 ,,

baseia-se em um "pacto" entre sujeitos análogos, dirigido a libertação cotidianas tlt.ttr,r


do sofrimento e da dor, empenhado em evitá-los: "A concepção l lr , ; ,, , '
que estou apresentando sustenta que existe um progresso moral, e que r :|, rlr ,

esse progresso orienta-se, na realidade, em direção a uma maior soli- ( lÍ )l I ,1r,,.

dariedade humana. Porém, não considera que essa solidariedade con- .lll rt rl,,
sista no reconhecimento de um eu nuclear - a essência humana - em Irlt t, r, Lt'
todos os seres humanos. Ao invés, concebe tal essência como a capa- ( r rl llili, I

cidade de perceber cadavez mais claramente que as diferenças tradi- (lll,'


cionais (de tribo, de religião, de raça, de costumes, e outras semelhan- 111r,ttl

tes) perdem impoÊância quando comparadas com as semelhanças tl,r,t,,


reÍerentes à dor e a humilhação, como, poftanto, a capacidade de con- lllll ! , 1

siderar as pessoas muito diferentes de nos incluídas na categoria 'nós'." il l|l tl,

Talvez esta exposição pareça extemporânea. Contudo, se retornarmos N;rr, 1,, i

agora àquela imagem de Hockney, ou observarmos as fotografias que t.,, '


ill1,
Julius Shulman Íez das Case Study Houses californianas na mesma arquitetura A,rr,1,'
época, ou mergulharmos nos desenhos que Alejandro de la Sota pre- como marco { ll\l 'r'r ri ! .

parou para mostrar o ambiente de seu projeto de casas para Alcudia da experiência
(1984)- referências que nos acompanharão daqui em diante -, prova- I rr r' l. r

velmente nos veremos em melhores condiçÕes para apreciar como tlt'vr I ,

essas imagens concordam com a concepção pragmatista do eu e do "lr', Ir, .t

mundo, como é a experiência do presente o que nelas está atendido de ;r,lrl r , i.-

forma privilegiada. Um presente gozoso e cotidiano, ou, se se preferir, lll,ltrit

banal, cuja construção requer o desenvolvimento de uma coleção de r;ttl,rr


técnicas e métodos que desaparece no desfrute da conversação, da lei- lllll,lr
tura ou do mergulho. Fixemo-nos em como a arquitetura retirou-se para l;rt,'.1,
um segundo plano, quase se desvanecendo, para tornar "naturais" Itt|,,,,,,
esses momentos, assim como ocorre com a moldura que enquadra l( ,r lrl r, l

aquelas cenas. Pensernos em como todos os elementos naturais e arti- cr rr 1',

-
ficiais foram postos a trabalhar para que uma conversação precisa- ( ) r r tlt' lr i,

mente a metáfora do pensamento pragmático - possa se desenrolar. (l()l',,1 ,,,

176 lir

nático é uma criação artística individual de cada um sobre Que concepção de arquitetura, de afte, serve de base à casa pragmá-
l sucessáo de experiências, metáforas e linguagens que tica? Como se materializam os paradigmas, os valores a partir dos
crópria identidade e em cuja maior riqueza reside sua quais esta casa é pensada? Temos falado do presente como o tempo
o, Rorty o denominou "ironista liberal"; irônico porque é ironista liberal que atende ao pragmatismo, como o lugar mesmo da experiência, mas
contingência de sua identidade, não sujeita a verdades não se trata de um presente e de uma experiência heroicos, épicos, ou
r de espécie alguma, liberal porque seu modelo social experiências singulares. O presente é o lugar no qual se dão as experiências coti-
Jm "pacto" entre sujeitos análogos, dirigido à libertação cotidianas dianas, o "hoje, aqui e agora" tão desatendido por tantas outras formas
o da dor, empenhado em evitá-los: "A concepção do pensamento. Transformar esse presente cotidiano em uma força
sentando sustenta que exlste um progresso moral, e que criativa, aprender a ver nele um substrato poético com o qual pode se
> orienta-se, na realidade, em direção a uma maior soli- construir essa perfeição privada é, por excelôncia, a tarefa pragmática.
rana. Porém, não considera que essa solidariedade con- J_ohn Dewey, em Aft as Experience (1934 - título p_o-r sisó,tâbastante
rocimento de um eu nuclear - a essência humana - em elucidativo-, claramente a descreve: "Est_? larefa é a de restaurar a-
humanos. Ao invés, concebe tal essência como a capa- continuidade entre as Íormas refinadas e intensificadas da experiência
;eber cada vez mais claramente que as diferenças tradi- que são as obras de arte e os acontecimentos, os fatos e os sofri-*
c, do religião, de raça, de costumes, e outras semelhan- mentos cotidianos, universalmente reconheci_dos como conslituiltes
nportância quando comparadas com as semelhanças da experiência". E continua, advertindo-nos: "A primeira consideração
r e à humilhação, como, portanto, a capacidade de con-
llnportante é que a vida desenvolve-se em um entorno, não mgra-
oas muito diferentes de nós incluídas na categoria 'nós'." mente 'em', mas por causa dele, atravós da sua.interação com ele."
)osição pareça extemporânea. Contudo, se retornarmos Não !q pgis, qpa autonomia da experiência: esta se dá através da
nagem de Hockney, ou observarmos as fotografias que i[e1ação d.o rneio-eom-os fatos cotidianos.
t fez das Case Study Houses californianas na mesma arquitetura A arquitetura , a arle em geral, terão esse papel de construir o marco da
gulharmos nos desenhos que Alejandro de la Sota pre- como marco experiência cotidiana que regula as interações do meio com o eu, pois
rstrar o ambiente de seu projeto de casas para Alcudia da experiência "as coisas são experimentadas, mas não tal como se estivessem com-
rcias que nos acompanharão daqui em diante -, prova- postas em forma de experiência". Para que se produza tal experiência,
vêrêmos em melhores condições para apreciar como deve haver uma certa unidade emoclonal, uma qualidade estética, um
concordam com a concepção pragmatista do eu e do "fecho" do qual se desprenda a energia. A arte, a obra plástica, apre-
á a oxperiência do presente o que nelas está atendido de senta-se de forma análoga ao modo pelo qual o meio natural transfor-
Lda, Um presente gozoso e cotidiano, ou, se se preferir, ma-se em uma experiência, à percepção estética de uma paisagem sin-
rstrução requer o desenvolvimento de uma coleção de
?I!e,_? arquitetura, em última instânciAa casa-adquirern,-assírn,
gular. A
rdos que desaparece no desfrute da conversação, da lei- qm _víncqlq emocional coryr a pqisaggm, constltulndo expq1fuçtaS,S4lt|.
gulho. Fixemo-nos em como a arquitetura retirou-se para lares. Talvez seja difícil hojg vqlorizar a inoyaçãe_destaçp_nqepçao- _da
rlano, quase se desvanecendo, para tornar "naturais" artecomo1ey-elaggq_Qqsgxperjênciascoiidianas,-comof iltro"ou_marc,o"
os, assim como ocorre com a moldura que enquadra
Iggglqdpr entre-nosss-pr€seete-+o meio enr que ele se-pr-oduz -Mas:
Pensemos em como todos os elementos naturais e arti- em 193{ , antes que_a artê pop nos:restitu6squm olha!: poqtlÇa s9!Ic-
-
lstos a trabalhar para que uma conversação precisa- o cotidiano, antes que a minimal.art pr:oblematizasse.a exqerlêIÇ_lA_des
:ra do pensamento pragmático - possa se desenrolar. coisas em relação a seu-entornoi e- antesq ue_aland_art exp_erimenlêsr

176 177
t7

se o meio natural como um meio plástico -, a visão pragmática já havia 1,

dado uma guinada significativa na concepção convencional das prati- l,,tt


cas artísticas como experiências singulares, preparando as condiçÕes lllr,l,r.
para que todas estas formas artísticas pudessem se manifestar. llllttt't'

Voltemos novamente a contemplar as imagens da casa do pragmatis- (rrllr'

mo, agora que já possuímos elementos crÍticos suficientes para indi- ',,, '\^"' ,llllr,'

vidualizar seus paradigmas, que podemos diferenciá-la, agora sim, rllrrl


nitidamente, desta outra casa a que tantas vezes, num julgamento lll,l!l '

excessivamente apressado, foi vinculada: a positivista. E agora, duran- I

te essa cena cotidiana de um mergulho na piscina de uma casa califor- 1,t


niana, nesse instante em que a explosão da espuma da água faz com lr
que tudo gravite em torno da piscina, com as linhas simplificadas de sua vJ $F rl,

arquitetura emoldurando a cena e refletindo outras cenas similares, com ,t,,


\*
as palmeiras e o céu azul remetendo a um clima quase tropical - um ar
quente, puro, e quieto -, com a serenidade das suas linhas horizontais
e a superficialidade das suas cores planas e cálidas; é agora, enquanto
nos falam de um olhar positivo sobre o cotidiano, do instante banal instante bana!
como uma experiência estética, de um espaço entendido como inte- t"
ração entre o meio natural e o artificial, da tecnificação como suporte do
conforto, do prazer individual como uma meta legÍtima e desejável. Em
Hockney, nos artistas pop, encontraremos plasmado, em grande medi-
da, este olhar que vê o hoje, aqui e agora como o centro do universo. t,

Entremos agora na casa de Alcudia e deixemo-nos levar pela cena que ll


gravita em torno de uma conversação com os pés na piscina, uma cena,
como outras desenhadas por Alejandro de la Sota, na qual a arquitetura t,,'
.t,
se desvanece na atmosfera. E difícil, por exemplo, entrar nas casas de
Alcudia sem sentir a brisa e o prazer das sombras e contraluzes detrás
das gelosias, sem pensar em como, frente ao ar imaculado moderno, i'

esta casa é uma verdadeira máquina de ativar o ar fresco e sombreado


das construçÕes rurais tradicionais. Aquele ar que Íaz Iáo gratas as i

casas, com suas sombras, seus salÕes contíguos e suas persianas


maiorquinas, e que nos faz sentir na pele o ócio da vida, a proximidade
do mar e a sua intensidade hedonista, o lento passo do dia. Quase evo-
camos aquelas imagens felizes das casas mediterrâneas onde viveu
Picasso, essa pura experiência metaÍórica da eternidade de um instante a mulher libcr:rl
feliz. Porém, o que há de interessante nesta memória latente é a sua !,

178
lr ucorro um meio plástico -, a visão pragmática já havia
rl especificidade técnica, o fato de esta casa haver sido construída de
rir rr rrlir significativa na concepção convencional das práti- forma consciente, a partir de mecanismos disciplinares da arquitetura
(;()nro experiências singulares, preparando as condiçÕes mediterrânea: o terraÇo tradicional utilizado para obter privacidade e
,, lr lr estas formas artísticas pudessem se manifestar. aumentar o rendimento da escassa supedície do terreno, a cobertura
rrnrcnle a contemplar as imagens da casa do pragmatis- como solário e terraço sobre o mar, a organizaçáo planimétrica em torno
rc ji r possuÍmos elementos crÍticos suficientes para indi-
ilt\\,isL
§""o a uma sala central cruzada, o uso de gelosias e painéis de correr, a pis-
rr ; lilrriidigmas, que podemos diferenciá-la, agora sim, cina posicionada para provocar o movimento do ar e, como num eco
,.*\-'
rlr:r ;ttr outra casa a que tantas vezes, num julgamento marÍtimo, a entrada de uma luz tremulante no salão, os toldos e os parrei-
rlc rressado, foi vinculada: a positivista. E agora, duran-
rrl rais, as árvores dispostas nos limites do terreno, para ao mesmo tempo
, olir lirrna de um mergulho na piscina de uma casa califor- dilatá-lo e demarcá-|o... De la Sota, que mantinha uma relação estupen-
rrr;lrnlc em que a explosão da espuma da água Íaz com da com este projeto, costumava explicá-lo como uma pura experiência
irll cnr torno da piscrna, com as linhas simplificadas de sua }\" rY!\ sensorial tecnicamente induzida: basta ver suas anotaÇões para enten-
rrolr Irtrndo a cena e refletindo outras cenas similares, com der o que ele buscava ali, até que ponto este trabalho imaterial é o núcleo
,\ -t"^l
r() ( )o[] azul remetendo a um clima quase tropical - um ar conceitualdo proleto. Tiata-se, portanto, de um projeto construído com
{ Iui(--to , com a serenidade das suas linhas horizontais
) ( o ar, que faz com que o ar seja capaz de, por si mesmo, evocar aquela
Ir, l; rr k: rlas suas cores planas e cálidas; é agora, enquanto condição feliz e hedonista que nosso imaginário projetou sobre as férias
, rrrrr olhar positivo sobre o cotidiano, do instante banal instante ban:rl e a casa mediterrânea...Assim De la Sota escreveu: "A arquitetura é o ar
,1rcr ii':ncia estética, de um espaÇo entendido como inte- que respiramos, mas um ar carregado de odores, de sabedoria, um
rrrr:io y11{slsl e o artificial, da tecnificação como supofte do ar transformado por isso mesmo, pela Arquitetura."
,r;r,,cr irrdividual como uma meta legÍtima e desejável. Em Vamos agora à casa de Pierre Koenig (1959) fotografada por Shulman, a
;rr li:llrs pop, encontraremos plasmado, em grande medi- essa cena cuidadosamente preparada por este grande fotógrafo - em
r 1r rc vô o hoje, aqui e agora como o centro do universo. grande medida, construtor ele mesmo da imagem das Case Study
)r ; r ni l oasa de Alcudia e deixemo-nos levar pela cena que Houses, e, não casualmente, morador de uma das mais bem-sucedidas,
r r, r I r unla conversação com os pés na piscina, uma cena, rea)izada por Ralph Soriano -, em que duas mulheres conversam distrai-
I r;r:r rlrirdas por Alejandro de la Sota, na qual a arquitetura damente enquanto a visão noturna de Los Angeles abre-se a seus pés.
, rrr r rrlrnosfera. E diÍícil, por exemplo, entrar nas casas de Através dessas mulheres ociosas, revelam-se com total clareza o sujeito
,r 'r rlir rr lrrisa e o prazer das sombras e contraluzes detrás e a genealogia da casa do pragmatismo. Comparemos essa cena com
:;lr n lx)nsar em como, frente ao ar imaculado moderno, a gravidade daquela em que Heidegger, um homem denso e maduro,
r r r; r vo r llrdeira máquina de ativar o ar fresco e sombreado olha-nos inquisitivamente enquanto sua mulhel servil, cozinha em um
rr:: ; rrrrítis tradicionais. Aquele ar que Íaz Iáo gratas as obscuro e restrito interior. O= protagqrisia da casa do pragmatismo é,
,r rr: ; r;orrbras, seus salÕes contíguos e suas persianas sem dúvida, essa mulher que permangceu ocu[ta,eu em segundo plano
, ( r{ ) ros Íaz sentir na pele o ocio da vida, a proximidade em tantos outros arquéiipos, uma mulher que é - e se sente - igual entre
lr
, r rr rlcr r:;irlade hedonista, o lento passo do dia. Quase evo, iguais, que habita, em plenitude, a casa e a cidade: não é a mulher
r, inrrr;ens felizes das casas mediterrâneas onde viveu nômade de Toquio - nqo e um mulher tradicional, nem possuída pelo
I ,r rr ; r cxtr reriência metaforica da eternidade de um instante a mulher liberal consumismo -r_!as uma mulher liberal e ativq;_!o!o seg olhar e a sua luta
,,lilo ltii de interessante nesta memória latente e a sua de mais de um século que construiu esta idéia de dome,stieidade.-A casa

178 179
U
do pragmatismo não teve congressos ClAlV, nem métodos cientÍficos Ittri,,
de dedução de nenhum tipo de Existenzminimun. Sua domesticidade foi lll lrr "
deduzida empiricamente: nem é demasiado grande - o que preocupa ,i,

não é a representatividade do espaÇo, mas a sua manutenção -, nem


demasiado pequena, já que nela deve haver espaço para que cada
membro da família leve uma vida autônoma. A casa pragmática é hipo- lllr,'l
tetrcamente habitada por uma Íamília - ou por lr,,l
qualquer uma de suas variantes hoje tão estendi- ,lll,l,

das - cuja composição já é bastante reduzida, 'rlrl'r

formada, no mâimo, por duas geraçÕes, e na t,


qual os papeis tradicionalmente designados às '.t tr ,i

figuras do pai, da mãe, e do filho/filha encontram- I' r I r rl , i.

-se relativamente diluídos em Íavor de um maior


\ lr!

respeito à individualidade. Uma casa mecaniza- rllr


Wry
da, 'pensada para evitar o quanto possível as t,,,,,
tarefas ingratas, e que parte da hipotese de uma l

eliminação completa da necessidade de serviçais


lr
- em outras concepções ocultos mediante dife-
rentes artifÍcios espaciais. A casa do pragmatismo foi construída a partir lr'
da luta de um numeroso grupo de ativistas do feminismo, que, desde
1868, começa a problematizar a casa como o espaÇo da escravidão, do 5 rrl

"sofrimento" da mulher, quando pela primeira vez se reivindica o direito


de remuneração por seu trabalho e, a partir daí, questiona-se a organi- I

zação espacial tradicional. Este materialismo feminista - que Dolores


Hayden narrou em The Grand Domestic Revolution (1982) - adotará inú- I'
I
meras Íormas de expressão: desde as mais radicais, devedoras do
t
socialismo utopico e do maxismo, às mais imbuídas da moral protes- ll rlr -

tante. O que, entretanto, delineia-se em todas elas é o papel da mulher,


a sua invisibilidade e a sua condenação a uma extensa e interminável It,,l
4
rotina de trabalhos penosos que culminam em uma total alienação. rl,,i

Frente a este panorama, poderá se propor a coletrvlzação das tarefas


domésticas através de cooperativas - l\rlelusina Fay Peirce -, ou a tecnifi-
cação radical das mesmas - Catharine Beecher -, mas sempre o tema da I

eliminação do sofrimento estará claramente vinculado à concepção social eliminação do


progressista do pragmatismo (e se refletirá diretamente em circunstâncias sofrimento t,
pessoais, como o casamento de Melusina com Charles Sanders Peirce, I

180
|() |ilo teve congressos CIA|\/, nem métodos cientÍficos fundador, com James, do pragmatismo). Catharine Beecher exercerá
Í ' r r( )r rl rr rrlr tipo de Existenzminimun. Sua domesticidade foi uma influência decisiva no desenvolvimento da casa pragmática através
,rr ii:;rrrrcnle: nem e demasiado grande o que preocupa - de suas duas obras: Treatise on Domestic Economy, For the Use of Young
,r ,r rlrrlivirlade do espaço, mas a sua manutenção -, nem Ladies at Home and at School, publicada em 1841, e sobretudo, The
,( lr r(]t ri r, 1á que nela deve haver espaço para que cada American Woman's Home, escrita com sua irmã Harriet e publicada em
rrr lcvo urna vida autônoma. A casa pragmática é hipo-
li; r 1869. Sua intenção, a profissionalizaçáo do trabalho doméstico, induziu à
rlrilrrr lrr [)or uma família - ou por proposição de um protótipo de casa protagonizado pela eficiência, utili-
r I r r;r l; l; vanantes hoje tão estendi- zando as diferentes técnicas então disponÍveis - sistemas de calefação e
ro:;ir,;iu) já é bastante
rr11 reduzida, ventilação, hidráulico, elétrico e de gás - para facilitar a sua manutenção,
r, r"il ilr ,. | )Or dUaS geraçOes. e na ar tecnificado bem como uma concepção flexível do espaço e uma evidente redução da
', lr;rr lir;ionalmente designados às sua superfície E1 Beecher, pela primeira vez, o ar deixa de ser inerte pala
, i; r rrr rr), c do filho/filha encontram- ocupar o plano central no projeto doméstico: a casa passa a_ser pelsa_
rt' r lill 111 los em favor de um maior Q1e=y"._{".§q? tgcnificação, o que condr,z a uma mudançq çlrásIica
«le. Uma casa mecaniza
vrr h I rlir l;
I em sua concepção e organização A gqqg exibq, agora, Um côraçãg
l,,rr;r ovilar o quanto possÍvel as !?gn!gq c_entral
que altelq os então vigentqs q§_q_u-emas, da -c-asayitgrtana
,, . ( Ilo pafte da hipoteSe de uma .burguesa. Como Banham escrevêu em La arquitectura del entorno bien
rr1 rlc111 1111 necessidade de serviçais climatizado (1969): "Tudo isto é obtido por um único conduto para a cale-
r )r r( ,cI x..r( )os ocultos mediante dife- fação e a aspiração, ao redor do qual se agrupam os equipamentos que
, , ,: ;1 r rr;iílis. A casa do pragmatismo foi construída a parlir fornecem ar puro e água quente, e dentro do qual o ar sujo é aspirado e
rir lntorr)uo grupo de ativistas do feminismo, que, desde eliminado. O que há de peculiar nesta 'árvore' ambiental e em seus ramais
, r 1 irr rl rlcrrreltizar a casa como o espaÇo da escravidão, do Í subsidiários é o fato de haverem usurpado da parede exterior da casa
r rrrrrll rct, cluando pela primeira vez se reivindica o direito todas as funções ambientais tradicionais, exceto duas: proteger do tempo
r( ) lx)r tiou trabalho e, a paftir daí, questiona-se a organi- e permitir a entrada da luz. Não é sobrecarregada por nenhuma lareira,
I lr;rrlicronitl. Este materialismo feminista - que Dolores conduto ou encanamento de alguma importância, nem atua como uma
r ,rrr /lio Crttnd Domestic Revolution (1982) barreira térmica, pois nesta época já se pode dispor com segurança de
- adotará inú- :
r I r rressão: desde as rnais radicais, devedoras do
cx1 construções com estruturas leves." Com isso, Catharine Beecher "parece
l)rr:( ) o rio marxismo, às mais imbuídas da moral protes- introduzir, pela primeira vez, o conceito de um núcleo de serviços central
.r rlrr :lru tlo, delineia-se em todas elas é o papel da mulher, e unificado, em torno do qual se organizam os pavimentos da casa, não
lr rr lc c il :utat condenaÇão a uma extensa e interminável tanto como uma aglomeração de quaftos, mas como um espaço livre,
ll 1,r ; 1
rr )Í t( )sos que culminam em uma total alienaçào. z
abefto em seu traçado, mas diferenciado funcionalmente por um mobiliá-
| )i r r( )ri l r tí r, poderá se propor a coletivização das tarefas rio especializado e por equipamentos integrados à arquitetura, anteci-
r\/( :r i ( I( ) ctrcperativas - lVlelusina Fay Peirce -, ou a tecnifi- pando, assim, a organizaçáo funcional básica da casa Dymaxion de
, r' , r r r( )r ;r r tils Catharine Beecher -, mas sempre o tema da Buckminster Fuller de 1927."
,, ,llr r rcl rlr I estará claramente vinculado à concepção social eliminação do Esta concepção técnica do ambiente e o conseqüente estreitamento das
, I )t i r( ]l t litlismo (e se refletirá diretamente em circunStânCias sofrimento paredes externas terão influenciado não apenas Fuller, mas tambrém
) () (:i uilltento de lVelusina com Charles Sanders Peirce, Frank Lloyd Wright, cujas proposições técnicas e espaciais podem ser

180 1B\
Ç

entendidas como uma plena estilização do esquema beecheriano. ()1 ,[1r ' :

Poderíamos nos deter nos dois autores e, assim, completar a genealo- lo l l,,r
gia, independente e autônoma em relação ao positivismo moderno, da t|'1,,,t,,
casa pragmática. [Vas o que nos interessa mais aqui é destacar como o lll,t" rrr,,.
esquema pioneiro de Beecher, e, com ele, todas as tentativas de defi- ():,llli, rr, '

nição da casa do pragmatismo, consideram um problema o seu tama- tamanho Íacilidade de l l{ 1, t, r


' '

nho em relação ao trabalho empregado em sua manutenção, em relação construção lil l.r, rt,,

ao sofrimento da mulher, elaborando um programapara a minimização (lllr

relativa da superfície como valor prioritário. Se pqngqlmos na proposta ()(.( tllt,lt,, '

de Le Corbusier de localizar uma cozinha no segundo pavimento, "para A,'lttr,," ,

evrtal oáôres", o que é bastante diferente de simplesmente afastá-la da (tlrlrrrt r


', ,

coqa.-qu 1og_lrezentos metros quadrados do pavilhão do Esprit Nouveau tll t, l, , !

(e Oas casas-pátio de N/lies van der Rohe), e o contrapusermos aos IIl|| Ilr I,l

e_scassos 90/100 metros das propostas desses manuais de construçào tempo como i ll , r r ,t r rl

q9_r? c-asas. com programas similares - análogos aos de muitas normas material il',r'l , I

atuais para habitaçÕes populales -, entendelemos não só o qqe s]gn!


fica a deshierarçuizaçáo da ÍamÍla e o novo papel da m.ulhel mas tam.
béq qs profundas diferenças que separam o pensamento pragmático do
positivis_t?, e-m 9s§éónl Àó que se refere ao significado e à operatividade
dos_q.va1çgsJe"cliqqs- r------l
Será ao final da Segunda Guerra lVlundial - no momento em que a .-
maquinaria industrial disponibilizada para fins militares pode se transfe-
rir aos civis - que a casa pragmática chegará à maturidade, nesse -
momento que Shulman eterniza na memória da casa do século xx.
E será precisamente uma revista destinada preferencialmente ao públi-
co feminino, Ari & ArchitecÍure, dirigida por John Entenza, a que deci-
dirá reunir teoria e prática, materializando em uma coleção de exemplos
a adaptação do pragmatismo às mudanças técnicas e culturais. Ray e
4
,fl
Charles Eames, Ralph Soriano, Pierre Koenig, Craig Ellwood e outros
encontrarão em John Entenza um cliente abstrato e, em Los Angeles,
um suporte ambiental perfeito para desenvolver este ideal da casa prag- Iclr ul, ,, t'

mática lançado pelos manuais do século xx, em uma aventura coletiva conforto ilrv, 't , r:
que, de novo não casualmente, foi recolhida pontualmente por outra instantâneo it l,l, rt rt ,,
mulher, Esther tt/cCoy, em seu livro Case Study Houses, 1945-1962. tlloI rtll r, ,

Graças a esta aventura, a casa pragmática, como corresponde à sua oor ltlt, , t

posiçáo intelectual, pôde finalmente materializar-se, revelando quais (l't r r, ,, , ,,

182 Jlli
Ç

)r r( ) unrll plena estilização do esquema beecheriano. eram as técnicas de projeto mais adequadas à tecnificação do momen-
rr,ilclr)r nos dois autores e, assim, completar a genealo- to. No pós-guerra, o coraÇão técnico, aá.vore ambiental, terá deixado
,r rll c lrrrtônoma
em relação ao positivismo moderno, da de polarizar a organizaçáo da casa. Já não haverá um centro técnico,
r:, r N,4;l:l o que nos interessa mais aqui é destacar como o mas uma difusão da tecnificação. A casa poderá se abrir, rompendo os
r, ,tro rlc Íloecher, e, com ele, todas as tentativas de defi- esquemas nucleares e adotando configuraÇões extensivas e homogê-
rlo lrr lrrllatismo, consideram um problema o seu tama- tamanho facilidade de neas, nas quais, nem em funÇão da posição, nem do tamanho, pode.
r , , rr r lr;r[ri]lho empregado em sua manutenção, em relação construção -se facilmente distinguir as hierarquias tradicionais, num conjunto em
rrrurllror, elaborando um programapara a minimização
,lr que se organizam salas de dimensÕes generosas, agrupadas de forma
) rr lt(:io (iorlo valor prioritário. Se pensarmos na proposta econômica em Íiguras elementares.
.r t ir r k x:,irlizar uma cozinha no segundo pavimento, "para A eliminação do sofrimento nas tarefas domésticas terá conduzido a uma
, r r r lro r-. bastante diferente de simplesmente afastá-la da eliminação também do sofrimento nos processos de construÇão: a facili-
rr ', r rr rlr xr rretros quadrados do pavilhão do Esprit Nouveau dade e a simpliÍcação técnica serão valores que se estenderão a todos os
1;; rlio rle lVies van der Rohe), e o contrapusermos aos momentos da casa, Esta é, agora, pensada, construída e habitada contra
l( )( ) n t( )tros das propostas desses manuais de construção tempo como as complexidades técnica e existencial, comodamente. O tempo passará
,r rr I)t()(lr'ílrnas similares - análogos aos de muitas normas material a ser entendido como um material, um material de construção, o mais
rl ,rl;rr.,;oc:i populares -,entenderemos não so o que signi- valioso, de modo que
rrrlrr.ul rr.,;iu) da famÍlia e o novo papel da mulher, mas tam- minimizá-lo adquire um
, l; r r r liloronÇas que separam o pensamento pragmático do sentido econômico abs-
, :r ;; rcciíll no que se reÍere ao significado e a operatividade trato, expressão des-
C( .l ti( t{ Xi. sa facilidade existencial,
,l;r li:t1Lrnda Guerra lVlundial - no momento em que a Esther N/cCoy reunirá
h r ;lr irrl r lis;ronibilizada para fins militares pode se transfe- nas páginas de seu livro
ir casa pragmática chegará à maturidade, nesse
rlr ro imagens de casas em
r lil rrrlrrtut eterniza na memória da casa do século xx. construção, exibindo o
rrrcl llr: Lirrra revista destinada preferencialmente ao públi- aspecto elementar de
\r I .\:, /\rt;ltitecture, duigida por John Entenza, a que deci- sua técnica com um
r r ( ) I )rirlica, materializando em uma coleção de exemplos claro objetúo demonstra-
l( ) l)r ir(1llttismo às mudanças técnicas e culturais. Ray e tivo. O espaÇo plaglná:
r, li; rl1 rlr Soriano, Pierre Koenig, Craig Ellwood e outros tico, que vive no pre-
rrr .I rl rrr I ntenza um cliente abstrato e, em Los Angeles, sente, carece de sentido
rl ,rr rt tllrl lrcrfeito para desenvolver este ideal da casa prag- teleológico e de um fundamento original ou transcendente. E, antes, o
, , | i rlanuais do século xtx, em uma aventura coletiva
)( )l( )r conÍorto inverso das casas existencial e positivista. Seu paradigma é o confofto
')
r); r{) ci r;rralmente, foi recolhida pontualmente por outra instantâneo instantâneo, associado à mecanizaçào e a ergonomia do espaço e do
\,4r ;( )r ry, ern seu livro Case Study Houses, 1945-19ô2. mobiliário, propício para um habitar escassamente regulado, suavemente
,rvcr tlrrra, a casa pragmática, como corresponde à sua codificado. Nos interiores pragmáticos encontraremos não apenas uma
, lrr; rl, liircle finalmente materializar-se, revelando quais democrática homogeneidade no valor atribuído aos espaÇos individuais e

182 183
U
coletivos, mas também um conforlo ambiental induzido pelas máquinas,
o qual se faz acompanhar por uma suavização dos limites, da precisão
das fronteiras entre o público e o privado. As máquinas, e de forma
excepcionalmente significativa, o automóvel, o telefone e a televisão, intro- li,
duzem em seu interior o mundo da opinião que, em Heidegger, é o da Irri
supedicialidade e do inautêntico. De fato é essa introdução do público, ou
ao menos do midiático, na casa, o que transtorna o antigo poder coesivo as máquinas tl'
da família e de seu esquema hierárquico e interno. e a mídia t,,
Entretanto, não será apenas esta introdução da mobilidade e do midiá- lrlr,'
tico o que maculará a autenticidade heideggeriana da casa pragmáti- ar condicionado I lr !

ca: toda a sua cultura objetal e material será arlificial, industrial, ou, t,,
mais precisamente ainda, consumista. lVais concretamente, será cons- t",,
truída através de produtos industriais sistematizados, acessÍveis em
catálogos comerciais, englobando desde a roupa e o mobiliário até os catálogos llr,li

sistemas construtivos. Será, pois, uma casa que, em sua materialidade, 1, ,1,, ,

submete-se a essa exterioridade e ao parâmetro básico de sua regu- ,lrL

Iação interna, a influência da moda, que não apenas determina, em gran- lrlLrr,

de medida, seu caráter perecÍvel, como também regula as modificaçÕes lrl


que experimenta frente a qualquer reajuste de programa derivado da Lrt l

necessidade ou do puro desejo. rl,r


A soma de equipamentos para uma vida mais prazerosa e a eficácia da
produção industrial propiciarão o paradigma de um espaço banal, um espaço banal Itllr,,
espaço ligeiro, inconsistente, confortável eÍugaz, cuja máxima expressão (ll,llr'1.

formal será provavelmente a decoração perecÍvel, construída através de rl,r


objetos associados a viagens turísticas, a ídolos infantis ou à bricolagem. (,tll,,

Sua expressao mais "clássica" sairá das màos de Charles Eames, de


seus desenhos de móveis baseados no estudo ergonômico da postu- Ir', tr, I

ra - uma busca do conforto empÍrico -, com V rll, 'r',

materiais e técnicas que nos anos cinqüenta (1. r, t I

começam a estar disponíveis, tais como as itrlrrr,


peças de madeira montáveis, o poliéster pré- l;llllrrl,,
-moldado e suas rápidas combinações, movi- lct ,,
rr1 ,,

dos pela honesta intenção de obter desenhos lct t,r, , r

econômicos e ligeiros, capazes de competir no bom tempo !ir rr l, , r,

mercado de móveis. A ênfase terá se desloca- C() Vll l, 1rr , '

do, do interesse dos modernos pela exibição de SOollrr

184 185
U
rrbem um conforto ambiental induzido pelas máquinas,
l;rr
seu maquinismo simbolico, em direção ao estudo da postura, numa
rr;ornpanhar por uma suavização dos limites, da precisão reflexão precisa do estilo informal e descontraído da "boa educação"
crtlrr) o público e o privado. As máquinas, e de forma americana, esse estilo expresso em alguns dos desenhos de Norman
rrlc :;igniÍicativa, o automóvel, o telefone e a televisão, intro- Rockwell ou nas fotografias que o casal Eames (de uma forma um
r inlcrior o mundo da opinião que, em Heidegger, é o da tanto carregada para o gosto europeu) tira de si mesmo,
r c r kr inautêntico. De fato é essa introdução do público, ou As máquinas já não são heroicas, mas reais, e tendem a invisibilidade,
rir liritico, na casa, o que transtorna o antigo poder coesivo as máquinas à dissolução, à substituição de seu valor fetichista como objetos visÍveis
ri( )u esquema hierárquico e interno. e a mídia pelos parâmetros do conforto que propiciam: calor, frio, umidade, ven-
r r;crá apenas esta introdução da mobilidade e do midiá- tilação, luminosidade, isolamento térmico, isolamento acústico ou segu-
;rlruá a autenticidade heideggeriana da casa pragmáti- ar condicionado rança. O ar do pragmatismo é, em seu sentido mais amplo, um ar "con-
e material será artificial, industrial, ou,
r r;trltrrra objetal dicionado", este do qual William Carrier terá sido um impulsor, não so
rr rlc ainda, consumista. l\rlais concretamente, será cons-
teórico, mas também, como bom pragmático, prático, divulgando uni-
rkr produtos industriais sistematizados, acessÍveis em versalmente as técnicas de condicionamento ambiental que já estão
r:rr;irris, englobando desde a roupa e o mobiliário até os catálogos indissoluvelmente vrnculadas ao espaÇo contemporâneo, aos tipos e às
rrrlivos. Será, pois, uma casa que, em sua materialidade, formas urbanas característicos de nosso tempo. [Vas não será exclusi-
r:: ;r;rr exterioridade e ao parâmetro básico de sua regu- vamente um ar "condicionado" mediante técnicas mecânicas: a arqui-
illI rência da moda, que não apenas determina, em gran- tetura mesma, sua organizaçáo e materialidade derivarão de um con-
rr;rrrriter perecÍvel, como também regula as modificações forto ambiental passivo. A casa pragmática será aquela que incorpora
l;r ln;nte a qualquer reajuste de programa derivado da tanto técnicas passivas, quanto ativas de condicionamento; esse é o ar
r rlo lturo desejo. das casas de De la Sota em Alcudia, e é essa a idéia mesma de Dewey
ri1 r; rrnentos para uma vida mais prazerosa e a eficácia da de interação com o entorno, a sua visão da arquitetura como marco que
;lri; rl propiciarão o paradigma de um espaÇo banal, um espaço banal filtra e regula os intercâmbios com o meio. Uma visão que antecipa, em
r rr;r rr r:;istente, confortável efugaz, cuja máxima expressào grande medida, essa posição ecologica que somente nas últimas déca-
v; rvclrrrente a decoração perecível, construída através de das vem sendo assimilada no processo de definição da casa pragmáti-
r I r; ir viagens turísticas, a ídolos infantis ou à bricolagem. ca. Uma mudança paralela às mudanças culturais e técnicas, a uma
rrr;rir; "clássica" sairá das mãos de Charles Eames, de crescente sensibilidade ambiental concomitante à irrupção de novas
r Ic rrróveis baseados no estudo ergonômico da postu- tecnologras.
;; r rlo r;onforto empírico -, com Voltemos agora a visitar a casa que Hockney fixou no momento trivial
;rrir;; r;
rlLle nos anos cinqüenta de um dia ensolarado. Comparemo-la com a tormenta existencial, com
:,1;rr rli:;ponívets, tais como as
a chuva e o estio da casa fenomenológica, com a noite buliçosa e con-
,,rr;r nrontáveis, o poliéster pré- sumista da mulher nômade de Toquio, com o contemplativo fluir do
,r', r;r1 ririlrs combinaçoes, movi- tempo nietzschiano ou com o puritano uso medicinal do ar livre no
,lrr irrlcnÇao de obter desenhos terraço positivista. A casa pragmática encontra seu momento privile-
rr 1lirol;, capazes de competir no bom tempo giado no "bom tempo", inaugurando um hedonismo ocioso e impudi-
rvcir ;. A ônÍase terá se desloca- co vinculado ao cuidado com o corpo; seu lugar é este jardim no qual
,r io: ; trrocjerros pela exibição de se observa o barulho das mangueiras de irrigação, no qual ainda flutua

184 185
-il

no ar a espuma de um salto exibicionista na piscina. Uma cena coti- s(:t i; tt rr , '

diana que somente um olhar atento, capaz de apreciar a beleza que há C(llltil lrIt,
no mais fugaz, na contingência da vida comum, é capaz de transfor- e l tor llr"
mar em obra de arte. Esse olhar atento é a técnica mesma do proleto conÍorto -ol llr tt (r r ,

pragmático, seu modo particular de pensar, construir e habitar a casa. e bem-estar íll l,(' it '

Qual é a materialidade especificamente pragmática? Como se desen- IX)l('lr r,,


volve, no proleto, a sua cultura material e objetal? Já mencionamos a sim- ll(1, ,t ttt t,'t
plicidade da técnica construtiva como um reflexo direto da atividade prag- (llt',1,1, r',,
mática; neste sentido, sua aproximação da construção, da idéia de maté- (()' , Llr

ria, compaftilhará, indubitavelmente, com o arquiteto moderno, um l lo, l r,,


mesmo apreÇo pelas possibilidades da indústria e pelos processos de I I l{'l tlr ' r,,

construção que desencadeiam (esta será a razáo de sua mistificação em c; t',, r I ,,, '

tantas historiografias). IVas a ênfase aqui será desviada, da exibição do tlr'l,r !.


objeto em sua aparência maquínica, para a sua dissolução no sistema, 1o1 ,, ,, 1r ,t '

para a sua fácil articulação em uma totalidade difusa. A casa de Ray e Alr rr, lr r
Charles Eames será o exemplo paradigmático desta atitude pragmática, materialidade I('tttl,,rr,
ao ser erguida e preenchida com peÇas e elementos escolhidos de dis- e sistema Itrirr,ii

tintos catálogos comerciais- alguns provenientes diretamente da indús- ltl,!

tria militar. Trata-se de uma materialidade sem essências, ligada a seu rl,'
tempo precisamente através deste mecanismo de mercado. O trabalho lll,ll

do arquiteto desloca-se, assim,.da invenção técnica positivista.- emu- t,r,lr.r

lando seu heroi, o cientista-inventor - em direçào à organizaçào de sis- lrrrtrl,


temas construtivos a partir de patentes comerciais. Não haverá nem a 1r,r1r,,,,
épica da invenção, nem a emoção do detalhe; será a eliminação de l,r ll! !

ambos o que agora se propõe nesta materialidade subsumida pelo mer- llrrl'
cado. lmbuÍda deste espírito comercial, a casa pragmática não só adqui- ()t rrl ,,.
re uma materialidade contingente, tal como a dos obletos de consumo, lllltrr

como pode ser integralmente entendida como um superobjeto pronto lril.

para o consumo. Um superobjeto que reproduz, num automodismo, a a casa como \/r , ",,
cultura material de quem o habita - suas roupas, seus automóveis, superobjeto llllr'

hobbies, móveis, máquinas... lrlrl


O quadro de Hockney anuncia tal aspecto comprecisáo. Nele, tudo - ll,
a casa, o clima, a natureza.,. - apresenta-se com a força sedutora e ,ttl,

banal de um anúncio publicitário, com as suas cores planas e cálidas, lr.l


e a suq marcação cinematográfica, assemelhando-se mais a um set do 1,,,
que a um fragmento de realidade. Os sentimentos que provoca jamais r lr I I

186
EIr
rri r (lo um salto exibicionista na prscina. Uma cena coti- seriam os de evocaÇão de uma existência autêntica ou de identificação
rrr rr llr) um olhar atento, caeaz de apreciar abeleza que há com o lugar, próprios da casa heideggeriana. É essa idéia instantânea
, nr da vida comum, é capaz de transfor-
r contingência e poderosíssima do conforto que se convencionou denominar "bem-
r k r irrle. Esse olhar atento é a técnica mesma do projeto conforto -estar" (welfare) e que catalisa toda a cultura material pragmática, o que
i( )l r nrodo particular de pensar, construir e habitar a casa. e bem-estar aí se suscita. A construção da casa pragmática, a sua materialidade,
,rr i; rliriade especificamente pragmática? Como se desen- porém, não se encerra nos aspectos construtivos: a preparação do terre-
,l(), ir slra cultura material e objetal? Já mencionamos a sim- no, a manipulação do meio natural, pressuporá o contraponto dialético
', ;r tica construtiva como um reflexo direto da atividade prag- do sistema, a forma com que o arquiteto organiza a construção de mar-
r;, rr rli(lo, sua aproximação da construção, da idéia de maté- cos que conduzem a esse mencionado bem-estar. As duas palmeiras de
lr;rr;i, indubitavelmente, com o arquiteto moderno, um Hockney compõem a cena do mesmo modo que a plataforma artificial-
()
lx)lárs possibilidades da indústria e pelos processos de mente modelada e os eucaliptos que protegem, filtram e expandem a
rr r r lcsencadeiam (esta sera a razáo de sua mistificação em casa Eames em direção às praias de Pacific Palisades, e que Alejandro
)(lrirlias). N/las a ênfase aqui será desviada, da exibição do de la Sota manipula o terreno até quase converter o projeto em uma
i rrlxrrência maquínica, para a sua dissolução no sistema, topografia modificada. Fixemo-nos em sua explicação do pro.leto de
r;rl rrrliculação em uma totalidade difusa. A casa de Ray e Alcudia: "segundo a biologia, o homem tende a possuir o seu próprio
,r; r;oríi o exemplo paradigmático desta atitude pragmática, rnaterialidatftr território. Segundo a climatologia, se o clima é propício, basta demarcá-
r c yrreenchida com peÇas e elementos escolhidos de dis- e sistema -lo. O rugido do leão, o chichi da raposa-macho. Segundo a noção de
rr cornerciais - alguns provenientes diretamente da indús intimidade, que lhe é própria, é necessário ocultar a sua atividade e o seu
rl;r r;c de uma materialidade sem essências, ilgada a seu descanso. Se o homem encerra-se em sua casa, consegue tudo isso,
rrncnle através deste mecanismo de mercado. O trabalho mas perde a nalureza. Ele busca, então, uma forma de apreendê-la,
l( ,r ;loca se, assim, da invenção técnica positivista - emu- senão totalmente, ao menos em parte. Surge então o pátio. Desde
, ,i, o cientista-inventor - em direção à organizaçáo de sis- Pompéia, até lVies van der Rohe, e na Espanha nem se fale, temos o
rlivos a paftir de patentes comerciais. Não haverá nem a pátio: interno, se a casa dá para tanto, e adjacente, contíguo, cercado,
,l riri ro, nem a emoção do detalhe; será a eliminação de se não chega a tanto. E um fato tão notoriamente manifesto o de possuir
, r( J()ril se propÕe nesta materialidade subsumida pelo mer- a nalureza, que não existe nada tão ligado à paisagem quanto a cerca.
rr k:r;lc espÍrito comercial, a casa pragmática não so adqui- Quilômetros de cercas têm passado nas melhores pinturas. Tenta-se
; rlii I rrie contingente, tal como a dos obrjetos de consumo, uma urbanização com mais cercas. Dentro delas, a vida íntima, cobrindo
,, rr intr:gralmente entendida como um superobjeto pronto o espaÇo por elas determinado com parreiras, trepadeiras, toldos.
rrri superobjeto que reproduz, num automorfismo, a
LJn'r a casa como Viveremos em toda essa pequena parcela que assim convertemos na
rr rl r lc quem o habita - suas roupas, seus automoveis, superobjeto maior das casas. Viveremos cercados por parreiras. Quem não se lem-
ri:;, ntáquinaS... bra dos abrigos dos zeladores dos caminhos públicos e dos guarda-can-
I lor;l<ney anuncia tal aspecto com precisão. Nele, tudo - celas? Façamos da casa um periscopio, um terraço à sombra, para se
r; r, li natureza... - apresenta-se com a força sedutora e avÍstar o mar e a montanha ao longe. Acrescente-se uma piscina peque-
rr rr rncio publicitário, com as suas cores planas e cálidas, na e adequada, com água do mar. A construção é toda pré-fabricada e
rr .ro cinemâtográfica, assemelhando-se mais a um set do leva-se pronta da fábrica até, neste caso, lVlaiorca. Painéis em chapas,
;rrrr:nto de realidade. Os sentinrentos que provoca jamais vigas metálicas, divisorias em chapas, instalações fabricadas em oficinas,

186 187
-F'

pavimentos de grandes dimensÕes pré{abricados, tudo de fácil monta- tIr"ttrl,r,


gem. Poupa-se tempo, obtém-se qualidade e se obriga a Íormas talvez Il()\/,l t ,,

distantes da Arquitetura. Avistar o mar de todas as casas, propiciar inti- ito 1,r., r ,, ,

midade em todas elas. Pensou-se numa casa aberla, que convertesse o O()l ll,'rl,'

terreno, o jardim, em uma autêntica casa, coberta por buganvílias, tre- l;|: ;r tl rr ,,,
padeiras.,.E sobre elas, o mirante-solário." llttll, r ,l, , ,, ,

A técnica e a materialidade pragmáticas encontram-se admiravelmen- ll trr ,, lr l

te sintetizadas neste texto; aí se arrolam todos aqueles aspectos já €)(l()llrrllri.r,i


mencionados: a cuidadosa manipulação do território, as técnicas Col i: ,r r ,r
comerciais, a facilidade e a agilidade, o uso do passado para informar Cl;r lrl r, .r I r

o presente - desde [Vies van der Rohe até a tradição autóctone -, o llltlttl rr r l '

presente pragmático, a ativação do ar, a arquitetura como acondicio- Íinrl: ,' ,,,

nador passivo e como superobjeto. Para quem - como nós - pôde se S0 f roi li' l,

formar proximo a elas, foi fantástico desfrutar da sua fé na manipulação a l)irtltt ,1,,

do territorio e na técnica industrial justamente no momento em que dct;r,t tr r ,l rr, ,,. ,

ambas eram amaldiçoadas. Deleite ainda maior, porém, proporcionava ESllt r ;' t
1,,
-

a elegância que o uso intencional das técnicas industriais imprimia ao Col tr;ltttlr , i
processo construtivo: ali onde antes havia a emoção do esforço, do fenomenologia da [iait];r,i, I i '
suor, e a dimensáo épica da obra, surgia o prazer da facilidade, da facilidade imaterialidade poil; ,' tl
substituição do esforço físico pelo esforço intelectual, da anulação de truÇl tr,,l,, r

toda a nostalgia - mais ou menos indisfarçável - por qualquer indício lógit;o t,,,, i

de escravismo. O pejorativo "fácil" resultava substituído pelo pejorativo pâríir lr ,' r, ,I


'difÍcil', o salto muscular do atleta, pelo ágil vôo da bailarina. irÔnir:r , tlt. ti I' i

O arquiteto pragmático é, sobretudo, aquele que dá voz à convenção, estelit,;r l,t ' t"
que resgata a dimensão poética do aqui e agora, capaz de descontex- Pfaglili tlt" " r

Iualizar o já sabido e de fazê-lo adquirir o brilho da poesia. A insistência necol ,tl,r ir , i,

nos aspectos materiais, tanto construtivos, quanto referentes à mani- â potl{:; lr, r,

pulação do territorio, deve ser interpretada sob esta ótica: não é aban- O prt lr t, 'r lltri, , i

donando os aspectos mais rotineiros da disciplina que podemos tica lttcr r',1, ,

transcendê-la, mas, sim, reconhecendo nesses aspectos toda a força âim1>trt l,rr ,, , i:
poética de um gesto fundador. As decisÕes de projeto afetam todo o pro- PerStr)or lttr.r , t

cesso e todas as pessoas envolvidas no processo construtivo. A partir Criadot r l, '

desta concepção, o arquiteto pragmático assume um compromisso com a de geti tt lr, , ,

sociedade que não passa pelo messianismo social moderno. O catálogo mant(:t r,r rlr,

é sua ferramenta, o que parece óbvio se pensamos, por exemplo, nos mento (l;r ., ,,r

Eames ou em De la Sota. Não se trata de um trabalho de "invenção", mas bom siltllr rr,,'

lBB 189
-tr

grandes dimensões pré-fabricados, tudo de fácil monta- de "intenção": trata-se de dirigir os produtos elaborados pela sociedade a
l tempo, obtém-se qualidade e se obriga a formas talvez novas e insólitas aplicações, resgatando-se, assim, uma dimensão crÍtica
quitetura. Avistar o mar de todas as casas, propiciar inti- ao fazer arquitetônico. Trata-se também de um diálogo com o presente,
as elas. Pensou-se numa casa aberta, que convertesse o com o que está aí, "tal qual", esperando ser olhado como algo capaz de
Tr, em uma autêntica casa, coberta por buganvílias, tre- suscitar emoção e beleza. A desejada falicidade, a desdramatizaçáo da
cre elas, o mirante-solário." tarefa do arquiteto induz a algo mais do que uma certa limpeza dos deta-
naterialidade pragmáticas encontram-se admiravelmen- lhes, tão do gosto minimalista: não é a limpeza, mas a simplicidade e a
neste texto; aí se arrolam todos aqueles aspectos já economia de esforços - como uma extensão da facilidade a todo o pro-
a cuidadosa manipulação do território, as técnicas cesso - o que se propugna. A construção é o momento da solidariedade,
lcilidade e a agilidade, o uso do passado para informar da libertação do sofrimento _Os prlgmáticos não têm y_erdaleg Í111da
esde lVies van der Rohe até a tradição autóctone -, o menlqqg 4 {efgndq', nao--|}á o qqg sg sacrificar por algo mais or§inal ou
nático, a ativação do ar, a arquitetura como acondicio- final; é ao se reduzir o sofrimento, ao contribuir para a sua redução, que
3 como superobjeto. Para quem - como nós - pôde se se pode desenvolver um trabalho progressivo efetivo. Somente o trabalho
a elas, foi fantástico desfrutar da sua fé na manipulação a partir dos aspectos técnicos criativos proprio a esta atituOe permite o
na técnica industrial justamente no momento em que desenvolvimento de uma estética especlficamenle pgg1náliga.
naldiçoadas. Deleite ainda maior, porém, proporcionava Esta perspectiva solidária implica em uma simplificação e agilizaçào
l o uso intencional das técnicas industriais imprimia ao construtivas que conduzem a uma peculiar "fenomenologia da imate-
trutivo: ali onde antes havia a emoção do esforço, do fenomenologia da rialidade". N/ais precisamente, poder-se-ia dizer "quase imaterialidade",
nsão épica da obra, surgia o prazer da facilidade, da facilidade ímaterialidade pois é nesse "quase" que reside o vínculo entre a arquitetura - cons-
esforço físico pelo esforço intelectual, da anulação de trução de experiências físicas reais e o atual desenvolvimento tecno-
-,
a- mais ou menos indisfarçável - por qualquer indício logico. Como De la Sota encarregou-se de expressar em outro de seus
O pejorativo "fácil" resultava substituído pelo pejorativo paradoxais aforismos, trata-se de alcançar "o mais nada possÍvel", um
muscular do atleta, pelo ágil vôo da bailarina. irônico manifesto sobre o uso da técnica em relação a uma possÍvel
3mático é, sobretudo, aquele que dá voz à convenção, estética pragmatista. Nada de conhecimentos exaustivos: o construtor
limensão poética do aqui e agora, capaz de descontex- pragmático é precisamente o que não se enreda em detalhes, pois não
ido e de Íazé)o adquirir o brilho da poesia. A insistência necessita deles, é o que consegue reduzir os materiais e a construção
nateriais, tanto construtivos, quanto referentes à mani- a poucas e simples operações de encaixe entre sistemas compatÍveis.
tório, deve ser interpretada sob esta ótica: não é aban- O procedimento a princípio paradoxal do De la Sota construtor - a prâ-
spectos mais rotineiros da disciplina que podemos tica inexistência de detalhes - é a chave que nos permite compreender
nas, sim, reconhecendo nesses aspectos toda a força a importância da idéia de "sistema" no pensamento pragmático. Esta
esto fundador. As decisões de projeto afetam todo o pro- perspectiva substitui a concepção tradicional do construtor pela de
N pessoas envolvidas no processo construtivo. A partir criador de sistemas, de conjuntos de elementos capazes não apenas
:, o arquiteto pragmático assume um compromisso com a de gerar uma ordem lógica em suas relações internas, mas também de
tão passa pelo messianismo social moderno. O catálogo manter suficientemente em aberto tal ordem, para permitir o surgi-
a, o que parece óbvio se pensamos, por exemplo, nos mento da surpresa e da contradição. Como as regras de um jogo, um
e la Sota. Não se trata de um trabalho de "invenção", mas bom sistema mede-se tanto por sua economia, quanto pela abertura

]BB 189
!E

que promove, por seu grau de indeterminação. É no jogo, pois, onde baseado no l)r(" ' ,'i.
se origina o desenvolvimento criativo. condição já tt; t, , lr, t, ,, .

Podemos já pensar na vigência da casa pragmática, desfazendo E


.I nada possÍvcl" r, !

momentaneamente o feitiço das Case Study Houses e das casas de do a outro. I rt 1t rt, I t. , =
Alcudia para estabelecer a sua atualidade no panorama cultural contem- Íora capaz t Ir' , 1,, , .

porâneo. E podemos Íazé)o sem nos distanciar de Los Angeles, apenas semelhanÇlt; ,,r rlr,

recordando sua viva presenÇa nas arquiteturas residenciais de Frank


O. Gehry inclusive nos dois exemplos já mencionados nestas mesmas
I imaterial. Sor ,r,,1,
combrinaÇat) ( lr' |,r,','
páginas ao falarmos da casa pós-humanista e do /or?: todo o seu traba- do que 20 1,, ,r , , ,'t
lho residencial pode ser compreendido - e assim tem ocorrido em nume- E fazem de tttlr ',r l,.r,
rosas ocasiões -
como uma mostra da vitalidade daquelas experiências CâCoeretllrr,r; ,' r.

dos anos cinqüenta, como uma nova interpretação desta idéia de siste- Seria diÍhrl |,r r ,r',.
ma e de jogo, a partir de uma particular habilidade para abrir e deslocar realizado jttt rl, , . r t', '.
os sistemas e patentes comerciais mais econômicos até fazê-los expres- COnduzir íl : llrrl 1,, r', i.'
sar condições sociais e estéticas atuais. Geralmente este jogo é obtido doatual ir rrr .,, I

mediante a atomizaçáo do esquema extensivo, mas compacto, proprio


às Case Study Houses, e a busca intencional de "diÍerenças" - geomé-
tricas, figurativas, materiais, de escala - frente à atração pela ordem e
pela uniformidade que ainda nos anos cinqüenta mostrava-se presente.
A obra de Gehry permaneceria inexplicável se não se atentasse para este
rico patrimônio que ele herdou e transmitiu a novos paradigmas espa-
ciais. Uma tradição, ou, melhor dizendo, um método e uma atitude que
também sem dúvida informam a produção de arquitetos contemporâ-
neos, tais como Toyo lto e Kazuyo Sejima, em que se pode aferir,Ialvez
melhor do que em nenhum outro, como as novas condiçÕes técnicas e
sociais, assim como a emergente sensibilidade ambiental, resultam na
redescrição de idéias como "agilidade" ou "sistema". Seus proletos, e
não apenas os residenciais, desenvolvem-se a partir do questionamento iSSo, slto l',1, rl ,' t, '

tanto da "imaterialidade" das tecnologias informáticas, quanto das novas a tranl;| )l n r, r, , ,,

concepções, plásticas e cientíÍicas, referentes à natureza. De novo, contett tl , ,t , tt ,, '

como em De la Sota, emerge o tema dual do método pragmático: diantftrl;rr,r rr ,

técnica e nalureza, ainda que agora com conteúdos próprios a uma técnica e pêndtt[ , l, r,

outra época, adaptados, como a propria filosofia pragmática, à idéia de natureza de utttl i lrr r, | ,,
mudança. Na S/ver Huf que Toyo lto construiu em Tóquio (1984), ou nos Um ptr,r lr rl, , I ,

dormitórios em Kumamoto, para a Companhia Saishukan (1991), de caçiirt rl,,,,,, ,

Kazuyo Sejima, há uma vontade não apenas de construir um sistema duçito tttr lt r lr ,

190 191
Er
por seu grau de indeterminação. E no jogo, pois, onde baseado no presente efêmero, mas também de impulsioná-lo a uma
rsenvolvimento criativo. condição já náo ligeira - ao modo de De la Sota e seu aforÍstico " o mais

I
1l<
pensar na vigência da casa pragmática, desfazendo t= nada possÍvel" -, mas "evanescente", de trânsito da matéria de um esta-
rente o feitiço das Case Study Houses e das casas de do a outro. Liquid space ó a categoria que Toyo lto propõe como metá-
stabelecer a sua atualidade no panorama cultural contem- fora capaz de desencadear um pragmatismo imaginativo atento às
Jemos fazé1o sem nos distanciar de Los Angeles, apenas semelhanças entre o meio natural e o meio tecnologico atual, fluido e
ra viva presenÇa nas arquiteturas residenciais de Frank I material.l Sêã'-ejlãããfirmãi:'ii àiq uitêtõ ôoÀtem porâneo íoóát 6@tr
I
i

rsive nos dois exemplos já mencionados nestas mesmas f comOinaçao de pragmatismo - 80 por cento - e imaginação - nao mars)
lrmos da casa pós-humanista e do loft: todo o seu traba- , do que 20 por cento -", coloquialmente expressando os vínculos que
l

pode ser compreendido - e assim tem ocorrido em nume- I fazem de um sistema, um jogo, e, de ambos, uma proposta arquitetôni-
i - como uma mostra da vitalidade daquelas experiências
E:gggll" cgpqz d-e-I9qe§c,feYer, com vergssi{lhane1, nosso tempo. ,
ienta, como uma nova interpretação desta idéia de siste- Seria oiticil, para quem escreve, deixar de mencioÀaiãôüi-õ piojeio,
a partir de uma particular habilidade para abrir e deslocar realizado junto a Juan Herreros, das casas AH (1994), uma tentativa de
:atentes comerciais mais econômicos até fazê-los expres- conduzir a simplicidade e a agilidade dos sistemas técnicos do merca-
sociais e estéticas atuais. Geralmente este jogo é obtido do atual a novos paradigmas arquitetônicos. As casas são ali entendi-
>mização do esquema extensivo, mas compacto, próprio das como superobjetos
'Houses, e a busca intencional de "diferenças" - geomé- - "co-
auto-suficientes
as, materiais, de escala - frente à atração pela ordem e lheitadeiras, tratores, ou
lde que ainda nos anos cinqüenta mostrava-se presente. caminhões-pipa" -, de
ry permaneceria inexplicável se não se atentasse para este modo que tanto a ico-
r que ele herdou e transmitiu a novos paradigmas espa- nografia como os sis-
lição, ou, melhor dizendo, um método e uma atitude que temas de agrupamento
dúvida informam a produção de arquitetos contemporâ- tradicionais abrem pas-
o Toyo lto e Kazuyo Sejima, em que se pode aÍerir,Ialvez sagem a experimentos
em nenhum outro, como as novas condiçÕes técnicas e espaciais e ornamentais
como a emergente sensibilidade ambiental, resultam na que as aproximam da
r idéias como "agilidade" ou "sistema". Seus projetos, e lógicado consumo. Com
residenciais, desenvolvem-se a partir do questionamento isso, são estabelecidas relações entre técnica e natureza que respondem
vialidade" das tecnologias informáticas, quanto das novas a transÍormações evidentes nas práticas culturais e materiais do sujeito
:lásticas e à
cientÍficas, referentes natureza. De novo, contemporâneo. Como explica a memória do proleto: "As casasAH são,
la Sota, emerge o tema dual do método pragmático: diante da casa tradicional, aquilo que é o Swatch diante do relógio de
reza, ainda que agora com conteúdos próprios a uma técnica e pêndulo: não somente uma mudança tecnológica, mas a constatação
daptados, como a própria filosofra pragmática, à idéia de natureza de uma mudança de hábitos, da forma de relacionar-se com as coisas.
)ilver Hut que Toyo lto construiu em Tóquio (1984), ou nos Um produto da cültura material contemporânea. Baseia-se na modifi-
r Kumamoto, para a Companhia Saishukan (1991), de cação do conceito de durabilidade associado ao de economia na pro-
r, há uma vontade não apenas de construir um sistema dução industrial: a introdução de um produto investido de seriedade

190 191
E

cultural na lógica do consumo. ltzlas não se trata de disfarçar a má tec- il { lrll, , I

nologia, nem de apressar a obsolescência. Na realidade, é tão ou mais l)l( rvr ,1, rr I ,

tecnologico que muitos produtos sisudos e de aspecto científico, e sua íltilllr,ttrr,, '

durabilidade é pelo menos igual à dos melhores edifícios atuais, pois foi lor ; , r',1 ,,,, t

construído com os mesmos componentes e sistemas. Trata-se de ofe- s; ro l r, ,1,

recer um produto que, em seus interesses, carâer e qualidades, adap- (.lt l( ".lr ,,

te-se melhor, isto é, identifique-se mais com a menor estabilidade, com Nitt, ,' ,l,t
a maior fugacidade da vida do homem e das coisas que o rodeiam, Bitttl t,rrr, ,

com uma nova concepção de tempo." elil i(' lll, rl ,rl'


Citll ,,1,' r,
Sem dúvida, poderíamos visitar muitas outras experiências e projetos rr lr

contemporâneos nos quais a imaginação pragmática aplica-se a uma cttllttt,r.i, , ,,


redefinição das relações entre técnica e natureza, tanto através dos tÍttt.,:;tr,,l r

aspectos figurativos como dos propriamente ambientais. A construção dcl ;r|'l't


de "sistemas" não se encerra na materialidade tangÍvel, pois também idtxtlt,', r,
', r

se questiona, aí, o ar como material técnico de construção. É, de fato, l


nlol tlr , rrr

este questionamento do conforto ambiental o traço que mais diferen- de c: ,lrr, l"
cia a atitude pragmática das demais casas visitadas aqui, um traço que torlo trr. rrril' i

se definirá, em algumas ocasiões, com uma atenção maior aos siste- gelllll l.l ,,'r '
mas energéticos mecânicos, e em outras, especialmente a partir da ffiitlic,r',,,,,'
crise energética dos anos setenta, com uma atenção crescente às téc- Quirt/. { l', "
nicas passivas ecologicas. dolcxl,,,t'
Ecologia é uma palavra associada etimologicamente à palavra lugar de li1 ,t, ,',, '; : :
(orkos): envolve o conjunto de conhecimentos necessários para esta- iderrlilr, ,r, , !=
belecer uma administração racional dos recursos do lugar, a casa, em plalllt;tr ' , ,

relação ao meio. É essa acepção a que interessa aqui: a interação do Çeot;trrlt, r

meio com a construção, essa ativação do ar parametrizado e já pre- parlir:t tl, rr t

sente em Beecher, em Fuller, nas Case Sfudy Houses, em De la Sota. duzttt tl, , ,i =

Um compromisso ambiental que é uma "redescrição" das relações pod{l 't , ,'i r,,

entre técnica e nalureza, alheio à nostalgia romântica em que tantas a cidade como mgiríl lt'l rl ri' .

vezes vem envolta a sensibilidade ecológica. sistema ecológico ciais, rl, ,,t,
O arquiteto pragmático busca acordos entre as técnicas de mercado artiÍicial tismo'1 t, !, '
para compor sistemas que minimizem o consumo de energia e seus fl-lOdír[r1,] ,,

Xiâ ttrlr, rr t'


impactos ambientais. Quem deseje aprofundar este tema pode tt

consultar manuais contemporâneos de técnicas ambientais, onde idealizl r,., ', '

encontrará muitas das idéias aqui expressas: o uso preciso de mate- Uma lr'l l, I ,

riais leves junto a recursos passivos como a composição do terreno, eColot;ir ,r,t,

192 193
ur
ti()il do consumo. [Vas não se trata de disÍarçar a má tec- a concepção de sistemas construtivos para montagem a seco que
rkr apressar a obsolescência. Na realidade, é tão ou mais prevejam o possÍvel desmonte dos componentes, a eliminação de
rrc rnuitos produtos sisudos e de aspecto cientÍfico, e sua acabamentos aderentes como vernizes ou pinturas, etc. Todos aque-
: polo menos igual à dos melhores edifícios atuais, pois foi les aspectos relativos à facilidade construtiva e ao ar como material
nl os mesmos componentes e sistemas. Trata-se de ofe- são hoje os princípios de uma concepção de técnica sensível às
Itrlo que, em seus interesses, caráter e qualidades, adap- questÕes ambientais.
r;lo e, identifique-se mais com a menor estabilidade, com Não é difícil, portanto, compreender as razões que impulsionaram
:irlade da vida do homem e das coisas que o rodeiam, Banham a escrever Los Angeles, la arquitectura de cuatro ecologias,
;r concepção de tempo." - simétrico a Delirious New York - em que a
esse manifesto otimista
rroderíamos visitar muitas outras experiências e proletos cidade do pragmatismo por excelência foi, finalmente, valorizada pela
x)s nos quais a imaginação pragmática aplica-se a uma cultura acadêmica como uma das formas mais desenvolvidas de cons-
r; relaçÕes entre técnica e natureza, tanto através dos trução das metrópoles contemporâneas. Foram necessários 38 anos,
alivos como dos propriamente ambientais. A construção desde 1933, desde o momento em que a Cafta de Atenas sacralizou a
nao se encerra na materialidade tangÍvel, pois também idealização positivista da cidade, até que a sua contradição provavel-
rrÍ, o ar como material técnico de construção. E, de fato, mente mais flagrante, Los Angeles, fosse considerada um objeto sério
rrnento do conÍorto ambiental o traço que mais diferen- de estudo. Obviamente o livro peca pelo otimismo militante inerente a
urgmática das demais casas visitadas aqui, um traço que todo manifesto - "Los Angeles é arquitetura instantânea numa paisa-
rr erlgumas ocasiões, com uma atenção maior aos siste- gem instantânea" -e passa com excessiva leveza pela imensa proble-
;os mecânicos, e em outras, especialmente a partir da mática social desta cidade - algo que é sem dúvida central em City of
;rr dos anos setenta, com uma atenÇão crescente às téc- Quartz (1990), de lVike Davis, que serve como contraponto atualizado
; ccologicas. do texto de Banham. [\r]as o significativo desse texto será seu método
rrir palavra associada etimologicamente
à palavra lugar de aproximação, uma verdadeira redescrição da cidade através da
c o conjunto de conhecimentos necessários para esta- identificação de quatro subsistemas topográficos: a costa, as colinas, a
rrlministração racional dos recursos do lugar, a casa, em planície e as vias. Em cada um deles, pretende-se refletir a interação de
rio. E essa acepção a que interessa aqui: a interação do geografia, clima, economia, demografia, técnica e cultura: sua ecologia
onstrução, essa ativação do ar parametrizado e já pre- particulal desde a sua origem como um litoral desértico há apenas
r;lrer, em Fuller, nas Case Study Houses, em De la Sota. duzentos anos, até a exuberante metrópole atual. Esta redescrição
irso ambiental que é uma "redescrição" das relações pode ser entendida como uma epopeiapop, mas é, sobretudo, uma pri-
o natureza, alheio à nostalgia romântica em que tantas a cidade como meira tentativa de descrever as cidades como sistemas ecológicos artifi-
rtila a sensibilidade ecológica. itema ecológico ciais, de descrever a capacidade do homem moderno - do pragma-
irgrnático busca acordos entre as técnicas de mercado artificial tismo? - paraviver em interação criativa com o meio sem se sujeitar a um
;r;temas que minimizem o consumo de energia e seus modelo planificado "do geral ao parlicular": o modelo proprio da ortodo-
lriontais. Quem deseje aproÍundar este tema pode xia urbanística moderna. Los Angeles é, portanto, um duro exame das
rrriris contemporâneos de técnicas ambientais, onde idealizaçÕes modernas e de suas revisões - também o Team 10 recebe
rilas das idéias aquiexpressas: o uso preciso de mate- uma séria advertência -, e um argumento a favor de uma concepção
o ír recursos passivos como a composição do terreno, ecológica da arquitetura, em interação com seu meio topográfico.

192 193
A cidade pragmática, a cidade em que vive o habitante pragmático, llrr',
integra o meio físico natural como uma peÇa fundamental e ativa de ll,l.,l
sua organização. Não se passará aqui o que sugere a visão pos-huma- trrl
nista, a partir da qual toda a paisagem natural foi subsumida pelo lllrr,',,r
manto homogeneizador da cidade genérica. Na cidade do pragma- lllll,t,rr
tismo, o meio físico aspira a definir um conglomerado equilibrado de (Jl,lr,r, i

nalureza e aftifÍcio, uma reprodução homotética e expansiva da con- I )lr'1 r'

cepção da casa individual no conjunto do território. E se em suas pri- (


l(
,r r l,

meiras formulações esta aspiraÇão levou à difusão discriminada do (;llr l I

subúrbio residencial, com a conseqüência imediata de uma grande dis- tttll,rtr


sipação energética e ecológica, assim como de tempo, o que hoje se I )( )r'll r

apresenta como desafio à imaginaÇão pragmática é precisamente a (),1r r, ,t

busca de modelos urbanos simultaneamente expansivos e coesivos, ll,,r,


capazes de criar novos equilíbrios entre o natural e o artificial, bem
como a adaptação dessa aspiração de dissolução campo-cidade a cli-
mas e contextos polÍticos e econômicos diÍerenciados. Algo que só
recentemente (e de forma parcial) começa a integrar a cultura urbana, [x )l rl' l, r

incorporando-se como um conjunto de investigaçÕes e propostas, t|l rl r

embora desarticuladas, reunidas sob a epígrafe publicitária de "A cida- t]oI t t, l,


de sustentável". O objetivo é antecipar modos de crescimento e desen- (llttrl, r I

volvimento que suponham um balanço positivo entre os recursos do atttttll,, ' '

meio físico, os desenvolvimentos técnicos, a cultura preexistente e tcir;, I r, ,r,

as expectativas sociais. Um exemplo destas aproximaçÕes são os di;r1,,,1, '

Congressos Eco-Tec, celebrados desde 1992 na Corsega, curiosa- ti:;ttr,,1 I

mente uma das ilhas visitadas pelo transatlântico que serviu de cená- C()l rll tl rl, I

rio à elaboração da Cafta de Atenas. Agora, contudo, esta ilha não é e, lir 'l tr l'
mais apenas o destino de uma viagem turística em que se pode des- dC tr ,1, ,r, ,

cansar do trabalho de dar forma à cidade moderna, mas o objeto Llt l r,

mesmo de estudo, o lugar onde se pode aprender a construir a crda- mil, I r' r'

de contemporânea como algo concebido substancialmente a partir de âlti rtrrlr rt,

seu equilíbrio com o meio. Passou a ser vista como um ecossistema re(ir: , ,1,

precário todas as ilha o são -, mantido e preservado cuidadosamen-


- SOI lrí'r rl,

te ao longo do tempo: um exemplo a se contrapor à cidade moderna brr:vr ', , l, ,'

e a seus devastadores efeitos sobre o meio ambiente. Evidentemente esl)t lllr, r I

este não é o único desafio proposto pela denominada "ecologia urba- a sittrl ,1,, i

na". Outros problemas, como os derivados dos movimentos migrató-

194 195
príilica, a cidade em que vive o habitante pragmático, rios e das catástrofes naturais ou polÍticas, ou da existência de mino-
r lí:;ico natural como uma peça fundamental e ativa de rias, étnicas e de todos os tipos - religiosas, sexuais etc. -, exigem,
ro. Náo se passará aqui o que sugere a visão pos-huma- muito além da relativamente cômoda abstração a que o pós-humanis-
kr qual toda a paisagem natural foi subsumida pelo
r
mo conduziu o sujeito contemporâneo, o seu estudo como peça de
rcrreizador da cidade genérica. Na cidade do pragma- uma engrenagem ecológica superior, em busca de fórmulas de inte-
lí:iir;o aspíra a definir um conglomerado equilibrado de gração que em absoluto são estranhas à imaginação profissional: é
ilÍt;io, uma reprodução homotética e expansiva da con- precisamente da contínua transformação, da hibridação ou mestiça-
;ir individual no conjunto do território. E se em suas pri- gem de fatos e situaçÕes diferenciados, que se alimenta a "redes-
ru;rjes esta aspiração levou à difusão discrimrnada do crição" pragmática, ao estabelecer pontes ou "conversações" que per-
rncial, com a conseqüência imediata de uma grande dis- mitam construir um meio heterogêneo e solidário, capaz de expressar
rlir;a e ecologica, assim como de tempo, o que hoje se poeticamente a sensibilidade e os conflitos do cidadão de hoje.
ro desafio a imaginação pragmática é precisamente a O que atualmente podemos vislumbrar nos quadros californianos de
lolos urbanos simultaneamente expansivos e coesivos, Hockney, no instantâneo que Shulman fixou em nossa memoria do
irrr novos equilÍbrios entre o natural e o artificial, bem século xx, nas vinhetas de De la Sota, ou nos textos de Banham, é a
ru,;ao dessa aspiração de dissolução campo-cidade a cli- promessa de um otimismopop, solidário e democrático, um produto da
Ios politicos e econômicos diferencrados. Algo que só sociedade do bem-estar que consiste em uma referência luminosa, um
(o de forma parcial) comeÇa a integrar a cultura urbana, ponto de partida exemplar. O qual, porém, para uma sociedade em
io como um conjunto de investigações e propostas, mutação, exige ser repensado tanto na escala urbana, quanto na
ir;rrladas, reunidas sob a ep(graÍe publicitária de "A cida- doméstica, a partir de novos paradigmas técnicos, de novas descriçÕes
'. O objetivo é antecipar modos de crescimento e desen-
da idéia de natureza, para um sujeito que possivelmente já não é mais
r suponham um balanço positivo entre os recursos do a mulher dos anos cinqüenta, mas a sua reencarnação em outros sujei-
; rjesenvolvimentos técnicos, a cultura preexistente e tos, hoje invisÍveis e "diferentes", cuja emancipação definirá o futuro ime-
r; sociais. Um exemplo destas aproximações são os diato de nossas paisagens urbanas e domésticas. A easa do pragma.
::o-Tec, celebrados desde 1992 na Córsega, curiosa- tismo pode ser concebida como esse hotel cujo corredor integra um
r; ilhas visitadas pelo transatlântico que serviu de cená- conjunto heterogêneo de formas de pensar e habitar - e, nesse sentido,
r<t da Carla de Atenas. Agora, contudo, esta ilha não é é, sem dúvida, algo semelhante a este mesmo texto, um conglomerado
tlcstino de uma viagem turística em que se pode des- de referências vitais, culturais e técnicas. Um lugar de mestiçagem com
xrlho de dar forma a cidade moderna, mas o objeto uma estética que reproduz a heterogeneidade consubstancial ao siste-
rr1o, o lugar onde se pode aprender a construir a cida- ma, com uma materialidade híbrida, produto da mescla de materiais
u)oa como algo concebido substancialmente a partir de altamente sofisticados com os mais arcaicos, tudo isso envolto em
:orrr o meio. Passou a ser vista como um ecossístema redes de informaçÕes; um magma ou conglomerado cuja beleza
r; as ilha o são -, mantido e preservado cuidadosamen- somente nos é revelada em clarões, da qual sabemos apenas que é
lcmpo: um exemplo a se contrapor à cidade moderna breve, que carece de densidade ou dificuldade. São clarões como os da
;l;rdores efeitos sobre o meio ambiente. Evidentemente espuma do quadro de Hockney, capazes de combinar a intensidade e
rir;o desafio proposto pela denominada "ecologia urba- a simplicidade de formas insuspeitadas, ou como o espaÇo líqüido de
rl rlemas, como os derivados dos movimentos migrato-

194 195
Toyo lto, quem sabe se encarnado nesse sujeito invisÍvel que, imerso EpÍloB
naquela piscina, polariza e ativa a cena, e dali de dentro, contemplir
secretamente algo que nos é vedado. Sem dúvida a casa pragmáticir
exige do arquiteto uma grande dose de imaginação, um mergulho ainclrr
mais Íundo e mais belo do que o que nos legou Hockney.
T
l.ycl lto, clrrr:rrr sa[re:;c encarrraido nesse sujerto invisÍvel qrre, irrrr,r ,., ,

rraquela piscina, polariza e ativa a cena, e dari de dentro,


cor rrcr rrr ,rir
secretamente algo gue nos é vedado. Sem dúvida a casa pratlrr; rlrr ,r
exige do arquiteto uma grande dose de imaginaçào, um mergurlrr r
, ,r rr li r

rnais fundo e mais belo do que o que nos legou Hockney.


Concluímos aqui as nossas visitas, sete intensas jornadas que recla- rl'
mam agora um descanso bíblico. Cabe aqui tão-somente fazer um ,1,,.
comentário, um balanço provisório, ainda que seja apenas para evitar ílll!

um corle brusco, tal como ocorre nas visitas que não são de ficção, lr ,l tl

improvisando algumas palavras de despedida a porta da última casa, l,l'


deixando que as impressÕes repousem até que se retome posterior- r I rl I

mente o tema. Assim, então, em absoluta privacrdade, se é que tal l.ltr,':

situação existe, tanto é possÍvel que o interesse inicial despertado se I ll!l

desvaneça e nada permaneça, e nunca mais aquelas jornadas voltem llt r,

a nós, como é possÍvel exatamente o contrário, e uma frase ou uma l,.t


imagem qualquer, a mais insignificante para quem a propôs, produza t! i I .

uma autêntica revelação, o princípio de algo que afete de forma evi- ,l,li,,i
dente nosso trabalho e nossas idéias, assim como provavelmente rlr,,',,
ocorreu a quem tomou a arbitrária decisão de fixar sua atenção nos lr,il r tl

desenhos de l\rlies van der Rohe, perguntando-se, por capricho ou por lr,rlttrrr,
acaso, qual seria o segredo de seu grande atrativo, interrogando-se ( ,r ,l rl ,. , ,,

não sobre os seus atributos técnicos ou compositivos, mas sobre a llí",1,r.


sua eficácia comunicativa, o seu caráter persuasivo, a sua sedutora 1'l lí , ,i ,i, ,,

beleza. ltlt | r, ,r,

Nenhuma fórmula ou instrução, nenhuma cerleza permanece após l(lt Ilit,,,t

essas visitas. Seu objetivo, como anunciado, era outro, bem distante: Vlr lt t.r, .;.
tratava-se de reunir alguns dados para o conhecimento da origem e do I )('l' lr ir 'r ,

sentido das fantasias projetadas sobre a habitação, de servir como 1titt, t, | ',
,

ferramenta - uma a mais - para se avanÇar nesta perda da inocência Ar1tt,,,,


vivida há décadas pela cultura arquitetônica, e cujo principal objetivo a ilt;ltrir,', '

expressão "aprender a esquecer a modernidade" tão bem sintetiza. llltrrlr tr,,

Estas visitas ou jornadas arquitetônicas talvez tenham permitido visua- O( )1 111 ,, , .,

lizar melhor a divisão, experimentada pelo arquiteto de hoje, entre as (l( )l l l, , ,

práticas que permanecem ancoradas à metodologia positivista e uma irlct,r,l, ,

cultura e uma experiência pessoal tão estranhas àqueles ideais, a Íirr;',' l,,,,,
ponto de demandar outras formas de aproximação do projeto. Talvez, Lilr,r l, ',
ainda, tenham contribuíCo para questionar algumas das linguagens tt:trr;,,, r

topicas - aquelas derivadas de convicções profundas, que não admÍ- Íl( )l, i ' '

tem uma explicação ulterior além da tautológica ou do "porque sim": se Por r',,,, .

assim for, cabem felicitações pelo feito, e uma espera ansiosa pelos -tÉ)l I t; r,r ri

seus desdobramentos, já que a crise das linguagens tópicas sempre Qiitr Ir', i !

198 19t)
lui as nossas visitas, sete intensas jornadas que recla- abre portas às mudanças profundas, e é, por outro lado, o verda-
n descanso bíblico. Cabe aqui tão-somente fazer um deiro sentido da redescrição rorliana, desse método sem verdades
r balanço provisório, ainda que seja apenas para evitar que visitamos em nossa última jornada.
:o, tal como ocorre nas visitas que não são de ficção, Temos, à nossa disposição, as cinzas do século x<. Espalhadas dian-
rlgumas palavras de despedida à porta da última casa, te de nos sob a forma de múltiplos espaÇos domésticos, julgamos
as impressões repousem até que se retome posterior- conveniente reduzir o positivismo da ortodoxia moderna a uma dentre
Assim, então, em absoluta privacidade, se é que tal as muitas opções ideológicas, Ialvez a que mais intensamente brilhou
, tanto é possivel que o interesse inicial despertado se e mais rapidamente se desvaneceu. Visto assim, o século )« parece
lda permaneÇa, e nunca mais aquelas jornadas voltem ter nos legado uma herança heterogênea e apaixonante, uma autên-
possÍvel exatamente o contrário, e uma frase ou uma tica coleção de casas delirantes. Devemos nos alegrar por termos
rer, a mais insignificante para quem a propôs, produza esses pais ou avós tão afortunados e excêntricos, e por podermos
rovelaçáo, o princípio de algo que afete de forma evi- desfrutar deles: um verdadeiro luxo. lt/las, se somos arquitetos, talvez
rabalho e nossas idéias, assim como provavelmente deveríamos também saber nos colocar à altura das circunstâncias,
n tomou a ar?siÍrária decisão de fixar sua atenção nos para aprender a administrar e, sobretudo, aumentar e atualizar este
lies van der Rohe, perguntando-se, por capricho ou por patrimônio.
ria o segredo de seu grande atrativo, interrogando-se Colaborar com esse enriquecimento cultural é um desejo implícito
ieus atributos técnicos ou compositivos, mas sobre a neste livro que aqui se conclui. A contribuição que nele se pode
rmunicativa, o seu caráter persuasivo, a sua sedutora encontrar não consiste na formulação de afirmações, regras ou novos
fundamentos, mas na ampliação do número de interrogantes, no ofe-
ula ou instrução, nenhuma certeza permanece após recimento de um conjunto de perguntas - a única bagagem aqui indi-
ieu objetivo, como anunciado, era outro, bem distante: vidualizada com um certo valor propositivo e metodológico -, dessas
unir alguns dados para o conhecimento da origem e do perguntas que foram sendo extraídas de cada visita até compor, ino-
rtasias projetadas sobre a habitação, de servir como pinadamente, a estrutura oculta deste livro.
na a mais - para se avanÇar nesta perda da inocência A quem se destina a casa, quem é o sujeito que privilegia? Com que
las pela cultura arquitetônica, e cujo principal objetivo a instrumentos podemos defini-lo? Assim se inicia o esquecimento da
snder a esquecer a modernidade" tão bem sintetiza. modernidade e de sua família{ipo, na cerleza de que as filosofias
jornadas arquitetônicas talvez tenham permitido visua- compõem imagens de sujeitos, proletam-nas, da mesma forma
livisão, experimentada pelo arquiteto de hoje, entre as como os arquitetos imaginam os marcos de sua existência. Que
)rmanecem ancoradas à metodologia positivista e uma idéia de tempo e de espaço derivam desses sujeitos, dessas filoso-
oxperiência pessoal tão estranhas àqueles ideais, a fias? Tempo e espaÇo são a frente e o verso, acara e a coroa de
rndar outras formas de aproximação do proleto. Talvez, uma forma de instalação no mundo: as descrições da idéia de
contribuíCo para questionar algumas das linguagens tempo que encontramos na ensaística contemporânea oferecem-
as derivadas de convicçÕes profundas, que não admi- -nos excelentes pistas sobre os paradigmas espaciais que solicitam.
aÇão ulterior além da tautológica ou do "porque sim": se Por isso não é difícil imaginar que, através desta concepção espaço-
rm felicitações pelo feito, e uma espera ansiosa pelos -temporal, possamos individualizar o espaÇo e o momento privile-
mentos, já que a crise das linguagens tópicas sempre giados, aqueles que cada casa, cada idéia de domesticidade, faz

198 loo
resplandecer com luz própria. Se o binômio tempo-espaço permite- t lttrr, ,.i
-nos identificar alguns paradigmas arquitetônicos, o mesmo acontece ('lt.r, '

com outros que se sucedem quase imediatamente: a relação que se lrtltl.rlr.,


estabelece entre o artifício da casa e analureza, entre o público e o pri- lll|l tl l

vado. Natureza e cidade são, portanto, materiais implícitos no domés- Ittt,,',


tico, pois o descrevem e o balizam por contraste, explicando por si t lr ' , 1,, I

mesmos o quanto cada casa, mesmo a mais banal, pode conter em litttrl,.r
potencial um mundo completo. Algo similar ocorre se a partir das con- It,rr,',,,
cepções macroscópicas passamos às microscópicas, se interrogamos 111r,1,,,1,.

sobre a cultura material, sobre a materialidade e seu significado sim- l;il{1,,'i


bólico, assim como sobre o mundo dos objetos e da decoraÇão, sobre itlrl{ ill, r'
como se colonizam esses espaços, que relações mantêm com as 1rll,, r, !

idéias de intimidade e conforto a que estão destinados. Faltaria, final- litrl,,,,'


mente, refletir sobre as técnicas de projeto que tais valores e ideali- llttrrl,,r,,.
zaçÕes suscitam ou convocam, identificar como distintos paradigmas Iro,t r, I,
espaciais exigem distintas técnicas e posições do arquiteto em relação ,r, ,, -
1tor l,
ao seu objeto e ao seu processo de constituição. Ol(lllr I ,

A partir do posicionamento aqui proposto apenas são pertinentes carac-


teres distributivos, organizações em estruturas residenciais coletivas,
orientações, densidades e tantos outros temas que pertencem, em sen-
tido estrito, a uma dessas possÍveis idealizações da casa, vitoriosa em
sua luta para impor-se hegemonicamente às demais durante um longo
período de tempo. Diante destas questões - ou "problemas", como gos-
tavam de denominar os modernos em seu léxico cientificista -, sugerem-
-se aqui outras, num convite a um enfrentamento mais confiante não
apenas na propria disciplina, como também nos sistemas filosoficos
contemporâneos e nas distintas práticas artísticas e materiais que nos
descrevem, com as quais nos identificamos e que compõem o marco de
nossa existência.
Ao se iniciar este texto, numa prévia advertência, afirmava-se que a sua
maior utilidade prática consistia em questionar as técnicas do projeto
como o momento decisivo, aquele que contém o núcleo ideologico e
crÍtico de nosso trabalho. Deve-se agora concluÊlo assumindo que o
esquecimento de alguns tópicos herdados, e a possibilidade de inter-
rogar nossa atividade sob a perspectiva aqui descrita podem, sem
dúvida, iluminar as limitações, incoerências e imperfeiçÕes dos proce-

200 201
Ç

com luz própria. Se o binômio tempo-espaço permite- dimentos mais convencionais. Os arquétipos, porém, são caricaturas,
r alguns paradigmas arquitetônicos, o mesmo acontece e não é fácil aceitar que a vida, isso que está aí fora com toda a sua
re se sucedem quase imediatamente: a relação que se brutalidade e incoerência, possa se "domesticar" de forma tão ele-
lre o artifício da casa e a natureza, entre o público e o pri- mentar. A função da teoria, a função deste texto, náo é a de dar ins-
a e cidade são, portanto, materiais implícitos no domés- truções, mas a de servir como uma sessão de ginástica à fantasia, a
oscrevem e o balizam por contraste, explicando por si de despertar o interesse de superar as inércias adquiridas e explorar os
anto cada casa, mesmo a mais banal, pode conter em limites do conhecimento de nossa disciplina._O que aqUi se fe-'z fgi pqg-
nundo completo. Algo similar ocorre se a partir das con- o significado das arOgleturas baliza-ge pelos limiteq.episte-)
.l-t?1:ruq
oscopicas passamos às microscopicas, se interrogamos (qg!óSiçp-S--das técnicas de projglo, Transbordá-los, pensar o impen-
a material, sobre a materialidade e seu significado sim- sado, é Ialvez a tarefa mais estimulante a que nos lança a prática da
:omo sobre o mundo dos objetos e da decoração, sobre arquitetura. falvez seja precisamente esta a lição mais preciosa legada
rnizam esses espaÇos, que relações mantêm com as pelos arquétipos do século )« que visitamos: devemos pensá-los a par-
ridade e conforto a que estão destinados. Faltaria, final- tir de uma radical exterioridade a seus limites epistemológicos, deposi-
sobre as técnicas de projeto que tais valores e ideali- tando nossa confiança em tudo o que eles excluíram, em busca dessa
rm ou convocam, identificar como distintos paradigmas boa-vida nunca antes imaginada. Somente através de tal esforço
am distintas técnicas e posições do arquiteto em relação poderemos conceber essa casa que ainda não temos, poderemos
e ao seu processo de constituição. erguer essa casa que nos comova inteiramente.
icionamento aqui proposto apenas são pertinentes carac-
vos, organizações em estruturas residenciais coletivas,
ensidades e tantos outros temas que pertencem, em sen-
lma dessas possÍveis idealizações da casa, vitoriosa em
mpor-se hegemonicamente às demais durante um longo
tpo. Diante destas questÕes - ou "problemas", como gos-
rminar os modernos em seu léxico cientificista -, sugerem-
s, num convite a um enfrentamento mais confiante não
Spria disciplina, como também nos sistemas filosoficos
os e nas distintas práicas artísticas e materiais que nos
m as quais nos identificamos e que compÕem o marco de
ria.

;te texto, numa prévia adveftência, afirmava-se que a sua


r prática consistia em questionar as técnicas do proleto
rnto decisivo, aquele que contém o núcleo ideológico e
;o trabalho. Deve-se agora concluÊlo assumindo que o
de alguns tópicos herdados, e a possibilidade de inter-
rtividade sob a perspectiva aqui descrita podem, sem
lu as limitações, incoerências e imperfeições dos proce-

200 201
I
Agradecimentos Referências biblioSrâíit ;; r',

A boa-vida reproduz, com maior ou menor fidelidade, um Ruth Verde, na Bienal de Arquitetura de São Paulo; Thonr r: ; Nota
amplo conjunto de textos, cursos, conferências e seminá- Sprechman e Juan Bastanica, na Escuela de Arquitectura rft r Diante da possibilidade de se desctr,.r,l ' , ','
rios, cuja origem remonta ao ano de 1986, quando Juan Àrlontevidéu; l\4oshen ltr]ostafavi, na Archrtectural Associalkrr
r um viés mais acadêmico, optou:;() lrr rr 'lrr I

Herreros e eu preparamos e ministramos conjuntamente de Londres; Terence Riley no lVuseum oÍ lVodern Art rlrr mato ensaístico, o qual permitiu li[11'1;1 r rl r '
um curso sobre construção que à época denominamos Nova lorque, e John Ockman, na Coiumbia University drr rências necessárias em um estu(ltt llr lr r'
"A casa que arnda não temos", e que desde então veio evo- Nova lorque, também ofereceram boas oporlunidades parir Enumera-se, portanto, aqui, sometllI t lrrl 'r 1' '

luindo e tomando formas cada vez mais surpreendentes. ensaiar, documentar e ampliar o conteúdo destas páginas, consultada especificamente duTí-irrll ,r ' rl
Na Escola de Arqultetura de Íl4adri, os professores que sâo Paloma Lasso de la Vega contribuiu com rdéias e imagenri capítulos, da qual se extraíram as r;ilrrr ' " t"
meus companheiros de docência Federico Soriano, fundamentais e me concedeu, generosamente, tudo o quo recem. Neste caso, acrescentâ se it 1rtr 'r r r' t'
r1

Eduardo Arroyo, Pedro Urzaiz -, assim como os alunos de era necessário para que se tornasse um prazer escrev(n negrito, a página do livro em que ü)l r:,1,r , ir '
diversos cursos, escutaram estoicamente essas diferentes estas páginas. Durante a sua redação, vivemos juntos erll pondente. Nzluitos dos livros merlciot r, r' l' '
versões à medida em que avanÇava a investigação, sempre casas singulares em Madri, Formentera, Rodalquilar, e t I sua vez, bibliograÍias completas qtlo l xlrrrrlrr "'
trazendo novas ideias e matizes. Juan Navano Baldeweg, Escorial, as quais, sem dúvida deixaram sua marca noÍi deseje, aprofundar os temas tratadori I r'| ') . ' irl' " I

José lgnacio Linazasoo, Simón lvlarchán, Antón Capitel, diferentes capítulos aqui apresentados, tulos. Quando há a ediçáo em caslcll t, rl
Joan Busquets e Juan Antonio Cor.tés estiveram envolvidos Tanto l\rlónica quanto Gustavo Gili,e, num primeiro momen foi incluída.
em trabalhos acadêmícos que precederam este e que to, Xavier Güell souberam me oÍerecer o apoio adequadcr
foram, em grande medida, seu ponto de partida. Uma pri- para dar a Íorma final a este trabalho, com uma atenção o
meira versão, produto daqueles trabalhos realizados com um carinho que em muito excedem as obrigações propria
Juan Herreros, não só foi aprovada, como recebeu da mente editoriais. Auxiliadora Gálvez me ajudou a buscar el
Fundación Esteyco, em 1996, o prêmio de melhor ensaio, a preparar as ilustraçÕes, executando impecavelmente
akibuíCo por um júri excepcional composto por Javier Ruy- uma tarefa sempre tão difícil e complicada. Carmen Muõoz
Wamba, José Antonio Fernández Ordoõez, Eduardo foi uma paciente transcritora do ilegível. Mana Luz Vélez,
Tonoja, Luis Landero e Rafael lvloneo. Sua conÍiança no com oportunas sugestões sobre a sua redação, e Eulalia
interesse daquele texto, assim como seus conselhos e Coma, com um desenho sensÍvel ao seu conteúdo, sou-
comentános foram determinantes para que eu me animas- beram reforçar e ampliar o signiÍcado deste livro. Francisco
se a ariscar um desenvolvimento sistemático do que era Jarauta, Angel Jaramillo, Eduardo Arroyo e Juan Antonio
então ainda um esboço. Corlés, por amizade, fizeram dele uma leitura crÍtica que fol
Desde 1996, distintos lugares e ocasiÕes orientaram esse verdadeiramente estimulante e, sobretudo, útil para a reali-
desenvolvimento. Quero agradecer a todos os que pacien- zaçáo de uma criteriosa revisão final"
temente assistiram à sua gestação fragmentária, lenta e Desejo manifestar também a dívida deste texto com os três
improvisada, e àquelas pessoas e instituições que, com arquitetos ligados a l\/adri, cujas obras, de uma forma não
seus convites, contribuíram decisivamente para dar-lhe predeterminada, mas signiÍicativa, aqui aparecem tão deci-
forma: lgnasi Solá-Morales (Cênko de Cultura Contempo- sivamente: Juan Navano Baldeweg, com quem aprendi que
rânea de Barcelona e União lnternacional dos Arquitetos), o estudo das questões técnicas tem semprê um duplo,
lvlanuel Gausá (Revista Quaderns e Escuela Superior de inverso ou simétrico, no estudo do ar ou do imaterial;
Arquitectura de la Universidad lnternacional de Cataluõa), Alejandro Zaera, com quem compartilho o gosto pela
José MarÍa Torres Nadal (Escuela Técnica Superior de relaÇão entre o pensamento e a arquitetura, e ao qual devo,
Arquitectura de Alicante e Colegio Oficial de Arquitectos em parte, o meu interesse pelo pragmatismo contemporâ-
de Valencia), Javier Cenicacelaya (Escuela de Arquitectura de neo, ainda que apenas para argumentar contra os excessos
San Sebastián), lgnacio Paricio (lnstituto Tecnológico deleuzianos em nossas discussÕes; Alejandro de la Sota,
de Cataluna), Virgilio Gutiérrez (Colegio de Arquitectos que, como já foi dito, estimulou me, no momento oportuno,
de TeneriÍe), Julio lValo de lVolina e Tomás Carranza a viajar com a imaginação e com a fantasia,
(Colegio de Arquitectos de Cádiz), Luis ÍVloreno e Emilio E, por últrmo, desejo maniÍestar meu débito e minha gra-
Tufrón (Universidad lnternacional Menéndez Pelayo), tt/iguel tidão para com Juan Heneros, a quem este texto tanto
Cereceda (Círculo de Bellas Artes de Madrid), Eduard Bru deve, desde as primeiras idéias até a última revisão, e a
(Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona), quem tantas coisas me unem, que não seria suficiente
N/iguel Angel Alonso (Escuela Técnica Superior de Arqui- dizer que sem ele este livro não teria sido possÍvel: não só
tectura de Pamplona), e outros dos quais seguramente não é assim, como também resultaria frio e tedioso, justamen-
me recordo, mas que, espero, saibam me perdoar. te o contrário do que o seu título promete.
lntos Referências bi bliográficas
1 1)rn rltaior ou menor fidelidade, um Ruth Verde, na Bienal de Arquitetura de São Paulo; I lr, ,r r,., Nota Capítulo 1

, " 1):, orlrsos, conferências e seminá Sprechman e Juan Bastarrica, na Escuela de Arquilcr:lr rr, r 1, Diante da possibilidade de se desenvolver um texto com
I ,r ir ito ano de 1986, quando Juan ABALOS, l. e HERREROS. J., "Diabólicos detalles",
lVlontevídéu; N/loshen Nrlostafavi, na Architectural Asr;r r:r, rt, r
um viés mais acadêmico, optou-se por dar-lhe um for- in SAVI, V. E. e IVONTANER, J. tV. (eds.), Less is more,
il , rr I l( )ll e rninistramos conjuntamente de Londres; Terence Riley no Nzluseum of lVoderrr Ârl ,t, mato ensaístico, o qual permitiu liberá-lo das notas e refe- Colegio de Arquitectos de CataluÕa e Actar, Barcelona,
r, " r, r' , que a epoca oenoninamos Nova lorque, e John Ockman, na Columbia Univcr:rt,,, ,
rências necessárias em um estudo fechado e exaustivo. 1996, pp.50-54.
, l, il, ,,. e qLre desde entao vero evo Nova lorque, também oÍereceram boas oportunidarlrr:,1, rr ,
Enumera-se, porlanto, aqui, somente a bibliografia que Íoi
AAW Â.r'rês van der Rohe: Architect as EducaÍor, illinois
I I I t, lr , ( I i(la vez mais surpreendentes. ensaiar, documentar e ampliar o conteúdo destas p;rr I r I r
consultada especificamente durante a elaboraÇão dos Institute of Technology, Chicago, 1986.
,r,, , l.
\4adri. os proíessores que sao Paloma Lasso de la Vega contribuiu com idéias s i11 1i r 11 1r r
capitulos, da qual se extraíram as citaçÕes que neles apa
, (locência Federico Soriano,
,ll fundamentais e me concedeu, generosamentê, turkr ,1 l r, recem. Neste caso, acrescenta-se à própria referência, em DAL CO, F., Dilucidaciones, lrtlodernidad y Arquitectura,
I L t I h ttrit -. assim como os alunos de era necessário para que se tornasse urr pr'âZef e:;r tl r
negdto, a página do livro em que consta a citação corres- Ediciones Paidós lberica, Barcelona, 1990.
rl, li nl cstoicamente essas diferentes
L estas páginas. Durante a sua redaÇão, vivemos 1unlr,, , , pondente. lvluitos dos livros mencionados contém, por EVANS, R., "tt/lies van der Rohe's Paradoxical
I r , 1 r( r i lvanÇava a investigação, sempre casas srngulares em Nzladri, Formentera, Rodalquilrrr ,, t r
sua vez, bibliografias completas que permitirão, a quem o Symmetries", in AA Files, n.o 19, primavera 1990.
i l uritlizes. Juan Navarro Baldeweg, Escorial, as quais, sem dúvida deixaram sua mar(;r r deseje, aprofundar os temas tratados nos difêrentes capí-
r,rrr, ljirnón Nrlarchán, Antón Capitel, diferentes capítulos aqui apresentados. tulos. Quando há a ediçáo em castelhano, sua referência EVANS, R., Translations from Drawing to Building and
rr r Arrlonio Corlés estiveram envoividos Tanto Nzlónica quanto Gustavo Gili,e, num primeiro nrorrr, r,
other Essays, Architectural Association, Londres, 1997.
foi incluída.
,rlr()li qLle precederam este e que to, Xavier Güell souberam me oferecer o apoio ad(x lr, r, l, GLAESER, L., Ludwig l\lies van der Rohe,lVolt/lA, Nova
,

r 1 lr( I;r, seu ponto de paftida. Uma pri- para dar a forma Íinal a este trabalho, com uma âtr-.rrr r, r, , , lorque, 1977.
l, , r l; ir lueles trabalhos reallzados com um carinho que em muito excedem as obrigaÇões f )r( )l ,r ,

r Íoi aprovada, como JAEGER, W., Paideia, Fondo de Cultura Económica,


r recebeu da mente editonais. Auxiliadora Gálvez me ajudou a burr.,rr ,
lVéxico, 1957"
' | ",: rL, o premio de melhor ensaio. a preparar as ilustraÇões, executando impecavelrrr,,|I'
, ,nrr .c1x;ional composto por Javier Ruy uma tareÍa sempre tão difícil e complicada. Carmen N,4rrr r, , JOHNSON, Ph., lVlies van der Rohe,ltlloNrlA, Nova
l,,r rir lernández Ordoitez, Eduardo foi uma paciente transcritora do ilegível. N/larÍa Luz Vr ,1,, lorque, 1947.
, r Íltrlael N,4oneo. Sua conÍianÇa no com oportunas sugestÕes sobre a sua redaÇão, e I r rl, r r.
N/ERTINS, D. (ed.), The Presence of llies, Princeton
r

,,ll), ilssim como seus conselhos e Coma, com um desenho sensível ao seu conteúdo, r,(, r
Architectural Press, Nova lorque, 1994.
I

1 lr rr1111.11195 pard que eu me animas beram reforçar e ampljar o signiÍicado deste livro. Franr:r,,, ,

' , ,r tvi i virnento sistemático do que era Jarauta, Angel Jaramillo, Eduardo Arroyo e Juan Arrlor r
NIETZSCHE, F., Gaia Ciência, Companhia das Letras,
Cotlés, por amizade, Íizeram dele uma leitura critica t rr, l, São Paulo, 2001.
1r

,' lL rrlrrcls e ocasiÕes orientaram esse verdadeiramente estimulante e, sobretudo, útil para u rr,, rlr NIETZSCHE, F,, Assrm falou Zaratustra, Martin Claret,
,, r, .r,[;rJccet a loLlososquepacien- zaÇáo de uma criteriosa revisão Íinal. São Paulo,1999.
,r',Lr;r r,;estaçáo fragmentária, lenta e Deselo manifestar também a dívida deste texto com or; lr , ,'
, r , l)olisoas e instituiÇóes que, com NEUIVEYER, F., The Artless Word. It/lies van der Rohe
arquitetos ligados a l\,4adri, cujas obras, de uma foffi)irr.r,
on the Building Aft. Manifestos, Texts and Lectures,
lr l)r uirrn decisivamente para dar-lhe predeterminada, mas significativa, aqui aparecem tão r ir r r
The M.l.T. Press, Londres, 1991.
.,;
1r rrr r11
16"nrro de Cultura Contempo- sivamente: Juan Navarro Baldeweg, com quem aprencli r 1r, ,

, l,r riiio lnternacional dos Arquitetos), o estudo das questÕes técnicas tem sempre um r]lr; ,,, QUETGLAS, P., lmágenes del Pabellón de Alemania,
t,l,t ()ttaderns e Escuela Superior Les Editions Section b, N/ontreal, 1991
inverso ou simétrico, no estudo do ar ou do im:ilr,rr,r1
.
de
rr\ir 'rli(laci lnternacional de Cataluna), Alejandro Zaera, com quem compartilho o gosto ;r, r
RAVEILLAT, P.J., La casa pompeyana: Referencias al
I.1,ir l;r (l scuela Técnjca Superior de relaÇão entre o pensamento e a arquitetura, e ao qual ( i )v, , conjunto de casas-patio realizadas por Ludwig lrtlies van
rr rll r: Ooiegio Oficial de Arquitectos em parte, o meu interesse pelo pragmatismo contenrl x)r,r der Rohe en la década 1930-1940, tese de doutorado
(inédita), ETSA Barcelona, 1993.
,r r r ;, rr r;llrya (Escuela de Arquitectura de neo, ainda que apenas para argumentar contra os excor;r ,{ , .

rr r, ro l)aricio (lnstituto Tecnológico deleuzianos em nossas discussões; Alqandro de la Íiol r


SCHULZE, F., [Vlies van der Rohe: A Critical Biography,
) rliorrez (Colegio de Arquitectos
í lr que, como já foi dito, estimulou-me, no momento oporlrr|, , The University of Chicago Press, Chicago, 1985. Edição
l',/l,rrr rle Nrlolina e Tomás Carranza a viajar com a imaginação e com a fantasia. consultada: /'lies van der Rohe: una biografía crítica,
1,, ; rkr Oádrz), Luis lt4oreno e Emilio Herman Blume, lr/adri, 1986.
E, por úitimo, deselo manifestar meu débito e ffiinhlr r1r,r
rl, rrirc onal N,4enéndez Pelayo), lViguel tidão para com Juan Herreros, a quem estê têxto lrrr rl, SEDLN/AYR, H., Epochen und Werke, Herold Druck
I tr rIr:; Artes de l\,4adrid), Eduard Bru deve, desde as primeiras idéias ate a última revisão, r,,r und Verlag lggsellschaft IVl.B.H., Viena, 1959. Edição
l)r rrir)r (le Arquitectura de Barcelona), quem tantas coisas me unem, que não seria suficrr:r rl,, consultada: Epocas y Obras artísticas, Ediciones Rialp,
, (l rr;rrr:la Técnica Superior de Arqui- lVadri, 1965.
dizer que sem ele este livro não teria sido possível: nirr i ',, ,

) , r ( )r dos quais seguramente não


tlToS é assim, como também resultaria Írio e tedioso, justarr rlr r

, ,r;1 xrrct, saibam me perdoar te o contrário do que o seu título promete.


SPAETH, D., ltllies van der Rohe, Rizzoli, Nueva York, VATTIMO, G., La societá trasparente, Garzanti Editore, LE CORBUSIER, Une [\/laisott L h t t tt ,

1985. Edição consultada: lvlies van der Rohe, Editorial s.p.a., Milão, 1989. Crês et Cie, Paris, 1928.
Gustavo Gili, Barcelona, 1986.
VENTURI, R., Complexity and Contradiction in LE CORBUSIEF, A Carta de At<tt't t t'
IEGETHOFF, W., Â,Íês van der Rohe: The Villas and Architecture, MoMA, Nova lorque, 1966. Edição em São Paulo. l993.
Country Houses, Museum of Modern Artllríies van der português: Complexidade e contradiÇão em arquitetura
Rohe Archive, Nova lorque, 1981 . Martins Fontes Editora, São Paulo, 1995. IVONTEYS, X., La gran máquhrt. Lt ' "'., .

Le Corbusier, Ediciones del Sorl)irl 1r,,, ,

WIGLEY, M., "Heidegger's House: The Violence of the


Capítulo 2 Domestic", in Columbia Documents of Architecture OCKIVAN, J., Architecture in a l\,hxht ',t t u

and Theory, Volume 1 , cba/Rizzolt, Nova lorque, 1 992, Eight takes on Jacques Tati's Plitylrtrn' tt,,
BACHELARD, G., A poética do espaÇo, lvlartins Fontes pp. 51, 52, 91-121. lorque, 1996.
Editora, São Paulo, 2000.
WGLEY, M., The Architecture of Deconstruction: SCHUTTE-LIHOTZKY,V. l{1., Dk: I t,tttt tt"t'
BORRADORI, G.: "The ltalian Heidegger: Philosophy, De rida's H u nt, The Íví. l.T Press, Cambridge/Londres, Ernst & Sohn, Berlín, 1992.
Architecture and Weak Thought", em Columbia 1993, p.50.
Documents of Architecture and Theory, Volume 1 , YORKE, F. R. S., The l\lodern Ht;rt: '' 11,,

cbalRizzoli, Nova lorque, 1992, pp. 123-133. Press, Londres, 1934.


Capitulo 3
HEIDEGGER, tr/., Sern und Zeit. Edição em porluguês:
Ser e tempo, Editora Vozes, Petrópolis, 2001 . AYIVONINO, C., L'abitazione razionale. Atti dei Capítulo 4
congressi ClAl\l 1929-1930, Marsilio Editori, Padova,
HEIDEGGER, M., Brier Über den Humanismus, Berna, 1 973. Ediçáo consultada: La vivienda racional, Editorial BACHETARD, G., La poétique dt: l','.t' " r ,
1947. Edição em português: Carta sobre o humanismo, Gustavo Gili, Barcelona, 1973. 195i. I r lr'.,r,,...
Univêrsitaires de France, ParÍs,
Guimarães Editores, São Paulo, 1985. A poetica do espaço, Martins Fottlcr, I , ltt' ,,,
BANHAIV, R., Theory and Design in the First hlachine 2000.
.1960.
HEIDEGGER, M., Bauen-Wohnen- Danken, Neve Áge, Architectural Press, Londres, Edição
Darmstàdter Verlaganstalt, 1952. Edição consultada: consultada: Teoría y disefro arquitectónico en la era DOUGLAS DUNCAN, D., Viva PiL:;t: , 't t '

Construir-Habitar-Pensar, in Baraõano, K. (ed.), Chillida- de la máquina, Editorial Nueva Visión, Buenos Aires, Barcelona, I980.
Heidegger-Husserl. El concepto de espacio en Ia filosofía 1975. p.80.
y la plástica del siglo >«, Universidad del País Vasco, GONZALEZ, A., "De una habitaciórr;r1,,, r, .

1990, pp. 46,48,49. BENTHAN, J., O panóptico, Editora Autêntica, Belo Pinturas. Juan Navaro Baldeweg,l'Iiut t' '
Horizonte, 2000. MEAC, 1986, p. 98.
HEIDEGGER, Ír/., "Why Do I Stay in the Provinces?",
em Listening 12, n" 3, 1977, p,44. CHION, [/., Jacques Iaü, Cahiers du Cinéma, Paris, 198/ HALL, E.T., The Hidden Dlmensiott, I ;,,r ,t , t

Edição consultada La dimension


HEIDEGGER, lr[., Vortâge und Aufsátze, primera edição COIVTE, 4., Curso de filosofía positiva, Anthropos, Estúdios de Administración Local, lvl r, h ], '

1 994. Paris, 1968, pp.70,71 .

HOLL, S., Anchoring, Princeton Ar(ilrrl,, r,,


l\iOOS, S. Yon., Venturi, Rauch & Scott Brown-Buildings COMTE, 4., Srstema de política, Anthropos, Paris, Nova lorque, 1989.
.1987.
and Projets, Rizzoli, Nova lorque, 1970, p.73.

ORTEGA Y GASSEI, J., "Meditación de la técnica FOUCAULT, M., Les Azlots et /es Choses, Gallimard, %"J,i'?lq
y otros ensayos sobre ciencia y filosofÍa", in Fevista Paris, 1984. Edição em português: As palavras e as i§'§:,;,#!i,,??:',tlá[irÂfr
de Occidente, It/adri, 1998. cosas, lt4artins Fontes Editora, São Paulo, 2002.
JACOB , J., The Death and Life of Gtrt,tr 't,,"
PARDO, J. L., Las formas de la exterioridad, Pre-Textos, GIEDION, S., Space, Time and Architecture, Haward CiÍles, Random House, Nova lorque, ll)l ,l I

Valencia, 1992. University Press, Cambridge, 1941 . Edição consultada: português: lvlorte e vida de grandes ( r/í ii ,, í '
Espacio, tiempo y arquitectura, Editorial Científico- Fontes Editora, São Paulo, 2001 .

TESSENOW H., Hausban und Dergleiche, Woldemar Médica, Barcelona, 1961 .


Klein Verlag, Berlim, 1916. Edição consultada: LEVI-STRAUSS,C., La pensée sâuvaJ7r,. I tl r'r,
Osservazioni Elementari sul Costruire, Franco Angeli HITCHCOCK, H. R. e JOHNSON, Ph., The lnternational Paris, 1962. Edição em português: O trttt:,,tt,,'.
Editore, Ir/ilão, 1987, pá9. 56. Style: Architecture since 1922 (ediçáo original 1932). selvagem, Papirus, Campinas, 1 989.
Edição consultada: El estilo internacional. Arquitectura
TESSENOW, H., Handwerk und Kleinstadt, Bruno desde 1 922, Galería-Librería Yerba LYNCH, K.,Thelmageof theCity, Tholr/ll t
Cassirer, Berlim, 191 9. Edição consultada: Trabajo e COAATM, Ivlurcia, 1984. Cambridge, lrzlassachusetts, 1960. EdiÇrtr r .t t r r ,,
arÍesanal y pequefra ciudad, Galería-librería Yerba e A imagem da cidade,l\i4artins Fontes I rlll,,r,r
COAATM, N/urcia, 1998, pá9. 53. KLEIN, 4., Vivienda mínima: 1906-1957, Editorial 1 997,
Gustavo Gili, Barcelona, 1980.
TESSENOW, H.: Das Land un der Mitte, Jacob Hegner, LYOTARD, J.F., La Phénomeénologie,l'rr, ,
Hellerau (Dresde), 192 1 . EdiÇão consullada: Trabajo LE CORBUSIER, L'Esprit Nouveau en Architecture, Universitaires de France, Paris, 1954. I rlt,..r, ,

arÍesanal y pequefia ciudad, Galería-librería Yerba e Almanach d'Architecture lvloderne, Paris, 1925. Edição português: A fenomenologia, EdiçÕes rtt, I , I

COAATM, Murcia, 1998. consultada: El espíritu nuevo en arquitectura, Galería-


.1983.
librería Yerba e COAATN/, lVurcia,

204 205
t ttt rlq Rohe, Rizzoli, Nueva York, VATTIIVO, G., La societá trasparente, Gazanti Editore, LE CORBUSIER, Une lvlaison-Un Palais, Les Editions G. IVERLEAU-PONT{, Ml., Phénoménologie de la
rll;rr I;r. A/ês van der Rohe, Editorial
.1928.
,L s.p.a., N/ilão, 1989. Crês et Cie, Paris, Perception, Editions Gallimard, Paris, 1 945. Edição em
'1, rt rr r, li)86. português: A fenomenologia da percepÇão, Ivlartins
VENTURI, R., Complexity and Contradiction in LE CORBUSIER, A Carta de Atenas, Editora Hucitec, Fontes Editora, São Paulo, 2001 .

\ ,{ i ,r y; // i der Rohe: The Villas and Architecture,lVolvlA, Nova lorque, 1966. Edição êm São Paulo, 1993.
,4L r ;r ,ltl oÍ N,4odern Art/l\rlies van der portuguqs: ComplexÍdade e contradiÇão em àrquitetun, NAVARRO, J., "lvlovimiento ante el ojo, movimiento del
. r r rr qtlt), 1981 . lVlartins Fontes Editora, São Paulo, 1995. IVONTEYS, X., La gran máquina. La ciudad en Ojo. Notas acerca de las Figuras de una Lámina", in
Le Corbusier, Ediciones del Serbal, Barcelona, 1996. Arqu itectura n." 234, It/adri, 1 982, pp. 22-27 .
WIGLEY, Ivl., "Heidegger's House: The Violence of the
Domestic", in Columbia Documents of Architecture OCKIUAN, J., Architecture in a lv4ode of Distraction: NAVARRO, J., "La geometría complementaria",
and Theory, Volume 1, cba/Rizzol| Nova lorque, 1992 Eight takes on Jacques Tati's Playtime, Anyone, Nova in Juan Navarro Baldeweg, Electa, Madri/Miláo, 1993.
.\ 1tr:lica do espaÇo,lvladins Fontes pp. 51 , 52, 91 -1 21 . lorque, 1996.
t'r )oo NAVARRO BALDEWEG, J., La Habitación vacante,
WIGLEY M., The Architecture of Deconstruction: SCHUTTE-LIHOTZKY, V M., Die Frankfufter Küche, Editorial Pre-Textos, COAC, Valencia, 1999.
' II rl llirlian Heidegger: Philosophy, Der ri da's H u nt, T he lvl. l.T Press, Cambrid ge/Londres, Ernst & Sohn, Berlín, 1992.
;rl' llrought", emColumbia .1993,
/, p. 50. NORBERG-SCHULZ, CH., lntensjoner i arkitekturen,
)tltrlrl(: and Theory, Volume I, YORKE, F. R. S., The ltrlodern House, The Architectural Universitets for laget, Oslo, 1967. Edição consultada:
)r, tr r( ), I 992, pp. 1 23-1 33. Press, Londres, 1934. lntenciones en arquitectura, Editorial Gustavo Gili,
CapÍtulo 3 Barcelona, I979.
:,'tn ttncl Zeit. Edição em português:
r r Vr.tr)s, Petropolis, 2001. AYIVONINO, C,, L'abitazione razionale. Atti dei CapÍtulo 4 PALLASMAA, J., The eyes of the Skin. Architecture and
congressi ClAl,4 1 929- 1 930, l\,4arsilio Editori, Padovr r, Íhe Sense, Academy Editions, Londres, 1996.
it h :t I Jl)er clen Humanbmus, Berna, 1973. Edição consultada: La vivienda racional, Edikrt,t BACHELARD, G., La poétique de I'espace, Presses
. ,' Ilr, lr,ns: Cafta sobre o humanismo, Gustavo Gili, Barcelona, 1973. Universitaires de France, País, 1957. Edição em português: ROSSI, 4., L' Architettura della Città, Ir/arsilio Editori,
,. ll;ur Paulo, ]985. A poética do espaço, N/artins Fontes Editora, São Paulo, Padova, 1966. Edição em português: A arquitetura da
BANHAIV, R., Theory and Design in the First l\lacltitt, ' 2000. c/dade, lvlartins Fontes Editora, São Paulo, 2001 .

i, t t r Wohnen-Danken, Neve
u ,49e, Architectural Press, Londres, 1960. Edição
I rrr;lrrlt, 1952. Edição consultada: consultada: Teoría y disefio arquitectónico en la ent DOUGLAS DUNCAN, D., Viva Picasso, Editorial Blume, ROSSI, A. (ed.), Architettura Razionale, Franco Angeli
ivr;,r, in Barafrano, K. (ed), Chillida- de la máquina, Editorial Nueva Visión, Buenos Airer;, Barcelona, 1980. Editore, lúilão, 1973.
I I t:oncepto de espacio en la filosofía 1975. p.80.
i, , . .. l lrriversidad del Pars Vasco,
GONáLEZ, A., "De una habitación a la otra", in ROWE, C. e KOETTER F., Collage City,Ihe It/.1.T, Press,
) BENTHAN, J,, O panóptico, Editora Autêntica, Bekr Pinturas. Juan Navaro Baldeweg,lvlinisterio de Cultura, Cambridge, It/assachusetts, 198.1 . Edição consultada:
Horizonte, 2000. IVEAC, 1986, p. 98. Ciudad collage, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1981 ,

Why Do I Stay in the Provinces?", p. 102.


'3, 1977', p. 44. CHION, tV., Jacques IaÍr, Cahiersdu Cinéma, Paris, l1)ri, HALL, E.T., The Hidden Dimension, Santa Fe, 1973.
Edição consultada: La dimensión oculta,lnstituto de SOLA IVORALES, 1., "La Casa della Pioggia", in
',,t1;tL)e und AufsáÍze, primera edição COÍVTE, A., Curso de filosofía positiva, Anthropos, Estudios de Administración Local, tt/adri, 1973. Lotus lnternational 44, Electa, 1984, pp.100- 109
Paris, 1968, pp.70,71 .

HOLL, S., Anchoring, Princeton Architectural Press,


ttlrtri, Rauch & Scott Brown-Buildings COIVTE, A., Srsfema de política, Anthropos, Paris, Nova lorque, 1989. CapÍtulo 5
, Nova lorque, 1987. 1970, p.73.
HOLL, S., Within the City. Phenomena of Relations. ANDREOTII, L. e COSTA, X. (eds.)., Teoría de la deriva
| .i , "N,4editacion de la técnrca FOUCAULT, Les Azlots et /es Choses, Gallimarcl,
1v1., Design Quafterly 739, Walker Art Center, Minneapolis, y otros textos situacionistas sobre la ciudad,lt{acba-
r: ciencia y Íilosofía", in r?evrbÍa Paris, 1984. Edição em português: As palavras e a:; 1 998. Actar, Barcelona, 1 996, pp. 125, 126.
r . ll)!i8. cosas, lvlartins Fontes Editora, São Paulo, 2002.
JACOB , J., The Death and Life of Great American BOURDON, D., Warhol, Harry N. Abrams, Nova lorque,
tr tt n t; t:t de la exterioridad, Pre Textos, GIEDION, S., Space, Time and Architecture,llawartt Cltles, Random House, Nova lorque, 1961 . Edição em 1989. Edição consultada: Warhol, Anagrama, Barcelona,
University Press, Cambridge, l941. Edição consullirrlr português: A/lorte e vida de grandes crdades, I\/artins 1989, p.117.
Espacio, tiempo y arquitectura, Edilorial Científico Fontes Editora, São Paulo, 200.1 .

tt t: ;l Dergleiche, Woldemar
;ttr t Lind Ir/édica, Barcelona, 1961 . CELANT, G., Andy Warhol. A Factory, Guggenheim,
, l1)1(1. EdiÇão consultada: LEVI-STBAUSS, C., La pensée sauvage, Librairie Plon, Bilbao, 1999.
ttl tri :;rrl Costruire, Franco Angeli HITCHCOCK, H. R. e JOHNSON, Ph., The lnterntttion,t Paris, 1962. Edição em português: O pensamento
,, pá9.56. Style: Architecture since 1922 (ediçao original 1932) selvagem, Papirus, Campinas, 1989. CARANDELL, J. Ir/., Las comunas. Alternativa a la
Edição consultada: El estilo internacional. Arquitecl r tr, t famlra, Tusquets Editores, Barcelona, 1972, p. 126.
tt t lwt:tk und Kleinstadt, Bruno desde 1 922, Galería-Librería Yerba LYNCH, K., The lmage of the City, The lvl.l.T. Press,
" 1. I ,lr( co consullada. Trabajo ê COAATN/, l\zlurcia, 1984. Cambridge, Massachusetts, 1960. Edição em poduguês: DEBORD, G., La Societe du Spectacle, Éditions
r , iL tt.tul, Galería-librería Yerba e A imagem da cidade, Martins Fontes Editora, Sáo Paulo, Buchet-Chasted, Paris, 1967. EdiÇão em português:
,r lt, pá9. 53. KLEIN, A., Vivienda mínima: 1906-1957, Editorial 1997. A sociedade do espetáculo, Contraponto Editora,
Gustavo Gili, Barcelona, 1980. Rio de Janeiro, 2000.
t ,L
Ltrrrl Ltn der A/litte, Jacob Hegner, LYOTARD, J.F., La Phénomeénologie, Presses
r)r EdiÇáo consultada: IrabaTb LE CORBUSIER, L'Esprit Nouveau en Architecture, Universitaires de France, Paris, 1954. Ediçáo em DE DIEGO, E., Tristísimo Warhol, Sruela, Ii/adri, 1999.
t r irrLlatT, Galería librería Yerba e Almanach d'Architecture N/loderne, Paris, 1925. Eciir;;r, , português: Afenomenologia, EdiçÕes 70, Lisboa, 1986.
, )1
)ti. consultada: El espkitu nuevo en arquitectura, Galerlt FREUD, 5., Das Inch und das Es, lnternationaler
librería Yerba e COAATIV, l\zlurcia, 1983. Poychoanalytischer Verlag, LeipzigN iena,Zurique, 1 923.

204 205
Edição em português: O ego e o id, lmago, Rio de Edição êm português: hlil platôs, Editora 34, São Paulo, CapÍtulo 7
Janeiro, 1997. 1 995-1 996.
AAW ta arquitectura ç16 1111111' r ,r i
HENKEL, G,, "Sólo lo más nuevo del presente", in DERRIDA, J., L'écriture et la différence, Editions du Sevil, Gustavo Gili, Barcelona, 1!)tili
Colección Leo Castelli, Fundación Juan [v]arch, 1989, Paris, 1967. Edição em português: A escritura e a
pp. 67-71,129. d ife ren ç a, Ed itora Perspectiva, São P aulo, 2OO2. ÁeRros, L e HEBREROS, ,l , /,, ,,
la ciudad contemporánea. l:); 't ) t , '

HUIZINGA, J., Homo Ludens, Alianza Editorial, Madri, ECHEVARRíA, J., Telépolis, Ediciones Destino, 1 992.

1 998. Barcelona, 1994, p. 154.

KOOLHAAS, R., Delirious New York. A Retroactive


It4anifesto for hlanhattan, The lVonacelli Press,
EISENIVAN, P, "Procesos de los intersticial", in
El Croquis, n.' 83, Nrladri, 1 997, pp. 21 -35, 141 e 161
à#if, '
L B[=J,?lX."i,'t o,,l I :1,i]:' àí'*I
Nova lorque, 1978. ABALOS, 1., "The Construclior r , ,l
FOUCAULT, Nlt., L'Oeil du Pouvoir, Editions Pierre AAW, Alejandro de la Sota l!) I i I t )t
LEFEBVRE, H., La vie quotidienne dans le monde Belfond. of lmpeffectian, Architectural ,{' '.,, , ,r
moderne, Gallimard, Paris, 1968. Edição em português: 1997, pp^ 52-61.
A vida cotidiana no mundo moderno, Atica, Sáo Paulo. FOUCAULT, l\r1., Espaces Autres: Utopies et
1 991. Hétérotopies. Edição consultada: "Espacios otros: BANHAIV, R., The ArchitectLr() t 't ttt'
utopías y heterotopÍas", in Carrer de la Ciutat, n.o 1, Enviroment, The Architectura I 'r, ,

LLOYD IVORGAN, C., Jean Nouvel. The Elements Barcelona, janeiro, 1978, pp. 5-9. Edição consultada: La arquitet:ltt ,. t
ofArchitecture, Thames and Hudson, Londres, 1998. climatizado, Ediciones InÍinito, I iL r, 'r ,

GRAHAIV, D., Dan Graham. Architecture, Architectural p. 181.


NAIVE, 8., Andy Warhol's Factory Photos, Asai Takashi Association, Londres, 1 997.
Uplink, Tóquio, 1996. BANHAIV, F., LosAnge/es, ilt() /\t' tt,,
HARVEY D., The Condition of Posmodernity, Blackwell, Ecologies, Penguin Press, Novrr l, ,r,
'
REICH, W, The Sexual Revolution, Willhem Reich lnfant Cambridge/Oxford, 1990. Edição em português:
Trust Fund, Nova lorque, 1945. Edição em português: Condição pós-moderna, Loyola, São Paulo, 1992. BAUDFILLARD, J., Le Syslênrrr r/, i

A revolução sexua/, LTC, São Paulo, 1998. Call'nard. Paris. 1908. fdiçcr,,'r',
HAYS, K.lV., Ãtlodernism and the posthumanist subject, dos obTetos, Perspectiva, São [ ', rrrl, ,

SENTÍS, M., Al límite del juego, Ándora, Madri, 1994. The tV.l.T. Press, Cambridge, lVassachusetts, 1992,
pp.141,147.
SUBIRATS, E. (ed.), Iexfos situacionistas. Crítica de la Bi"J3 #,"7# ?,i,?:3:', tr:';fl jii í i' i?,,l*l
vida cotidiana, Anagrama, Barcelona, 1973, p. 123. HERREROS, J., "Espacio doméstico y sistema de

TONKA, H, e SENS, J.ltA., Une maison parÍiculiere,


Sens & Tonka éditeurs, Paris, 1994.
objetos" in ExitLlVll, no 1 , Nrladri, 1 994, pp. 83-1 01 ;
e l\/lutaciones en la arquitectura contemporánea,
tese de doutorado (inédita), ETSA de lt/adri, 1994.
P5"f.§ Aâàâ"#â'fil ,g%3 B[i, iü]'

WARHOL, 4., The Philosophy of Andy Warhol: From KOOLHAAS, R. e tt/AU, 8., S, I\1, X, XL,fhe lt/onacelli
A to B and Back Again. Edição consultada: Ittli filosofía
de A a B y de B a A, Tusquets Editores, Barcelona,
1981, pp. 118, 127, 130, 132.
Press, Nova lorque, 1995.

LYNN, G., Folds, Bodies & Blobs. Collected Essays,


La Pettre volée, Bruxelas, 1998.
ffi;,Tffiil:#;;ffi
ZURKIN, SH., Lofl Living,fhe Johns Hopkins University EAN/ES, CH,, What is a House?, il /\t l','' t

Press, Baltimore, I982. LYOTARD, J. F., La Condition Post-lr,4oderne, Les Los Angeles, julho 1944.
Editions de lr/inuit, Paris, 1979. Edição em português:
A condição pós-moderna, José Olympio, Rio de Janeiro GIEDION, 5., lVlechanization Takes () trt t, r,',
Capítulo 6 2002. University Press, Oxford, 1948, Edir.;rrr r , ,,r, ,

La mecanización toma el mando, Erlilr,rt, rt , ,

BLANCHOI 1,t1., tv4ichel Foucault tel que Je l'lmadne, VlRlLlO, P., Esthetique de la Disparation, Editions André Barcelona, 1978.
Editions Fata N/organa, Paris, 1986. Edição em Balland, Paris, 1980.
português: Foucault como o imagino, Relógio dAgua, HAYDEN, D., The Grand Domestic l l \ ' t
Rio de Janeiro, 1987. WIGLEY, 1.t1., The architecture of Deconstruction: The lVl.l.T. Press, Cambridge, N/assircl rr i

Derrida's H u n, f he M. l.T. Press, Cambridge/Londres,


BRAYER, I/. A., "La N/aison: un modele en quête de 1993, p.147. lTO, T., Ecnts, Institut Français d'Arclrilt, lrrr' i

Íondation", in Exposé, n.'3, (La maison: volume 1), Carte Segrete, Paris, 1991.
Orleans, 1997, pp. 6-39. WINTER, S., "A materialism of the incorporeal", in
ar c n i teat r at
DELEUZE, G. e GUATTARI, F., L'Anti-Edipe. Capitalisme
et schizophrénie, Les Editions de lvlinuit, Paris, 1972.
Columbia Documents of Architecture and Theory,Volume
6, cba, Rizzoli, Nova lorque, 1997, pp. 85-89, 160. [3.];., ",S3á 3i"1 3![3[ i J,
r

I
Edição em poduguês: tttlil platôs, Editora 34, São Paulo, ZAERA,4., " Notas para un levantamiento topográ,fico", lTO, T., "Tarzanes en el bosque de lorr r r r, ,

1 995-1 996, in El Croquis , n.o 53, NzlonográÍico OMA./Rem Koolhaas, n.o 2, Barcelona, 1997, pp. 121-144.
Ir/adri, 1992.
DELEUZE, G. e GUATTARI , F., lnlil Plateaux, Capitalisme JAN/ES, W., Lecclones de pragmatisntr, ', ,, i ,

et Schizophrénie, Les Editions de lVinuit, Paris, 1980. ZAERA, 4., "Orden desde el caos", in ExitLlVll, n" 1 N,4adri, 1997, pp. 173, í76.
Ir/adri, 1 994, pp- 22-35.

206 207
I () o(/o e o /d, lmago, Rio de EdiÇão em português: l\tlil platôs, Editora 34, Sáo I ';u r,
.1995-1
, Capitulo 7 LINDER, N/.: "Architectural Theory is No Discipline",
996. in KIPNIS, J. (ed.), SÍrafegr,es in Architectural Thinking,
AAW La arquitectura de Frank Gehry, Editorial The N/.1.T. Press, Cambridge, lrlassachusetts, 1992,
, , ) l[;lr] |uevo del presente", in DERBIDA, J,, L'écriture et la différence, Edttions r h t I ;, ,.'r Gustavo Gili, Barcelona, 1988. pp. 166-180"
/, //r l rrrtlac;ión Juan N/larch, 1989, Paris, 1967. Edição em português: A escitura e ;t
diferença, Editora Perspectiva, São Paulo, 2002. ÁeRros, t. e HERRERoS, J., Tecnica y arquitectura en IVARRAS, A. (ed.), Eco-Tec. Architecture of the
la ciudad contemporánea. 1 950- 1 990, Nerea, It/ladri, ln-Between, Princeton Architectural Press, Nova
.1999.
t,) lutl('t)., Alianza Editorial, N/adri, ECH EVABRÍA, J., Tele po Ii s, Ediciones Destino, 1992. lorque,
Barcelona, 1994, p. 154.
ABALOS, l. e HERREROS, J., "Toyo lto: el tiempo It/cCOY E., Case Study Houses 1945-1962, Hennessey
lu tt tn:; l\ew York. A Retroactive EISENN/AN, P, "Procesos de los lntersticial", in ligero", in El Croquis, n'71 , 1995, pp. 32-48. & lngalls, Los Angeles, 1977 (edição original 1962).
trll,ut,I lrc Nzlonacelli Press, El Croquis, n.o 83, N/adri, 1997, pp. 2'l-35, 141 e 1(il
ABALOS, 1., "The Construction of an Architect", in NEUHART, J., NEUHART, IV. e EAII/ES, R., Eames
FOUCAULT, 1.r1., L'Oeil du Pouvoir, Editions Pierre AAW, Alejandro de la Sota 1913-1996, The Architecture Design, the Work of the Office of Charles Eames and Ray
\ h' t
lt t()li..lienne dans le monde Belfond. of lmperfection, Architectural Association, Londres, Eames, Harry N. Abrams, Nova lorque, i 989.
i l'; rr :;, l!168. Edição em português 1997, pp.52-61.
n tttntkt tnoderno, Atica, São Paulo, FOUCAULT, N/I., Espaces Autres: Utopies et NEUHART, IV. e NEUHART J., Eames House, Ernst &
Hétérotopies. Edição consultada: "Espacios otror;: BANHAIV, R., The Architecture of the Well-Tempered Sohn, Berlim, 1994.
utopías y heterotopÍas", in Carrer de la Ciutat, n;' I, Enviroment, The Architectural Press, Londres, 1969"
t . ,lt:,ill Nouvel. The Elements Barcelona, ianeiro, 1978, pp. 5-9. Edição consultada: La arquitectura del entorno bien
.1975,
RAJCHMAN, J. e WEST, C. (eds.), Post-Analyiic
Lr rl: lrltl Hudson, Londres, 1998. climatizado, Ediciones Infinito, Buenos Aires, Philosophy, Columbia University Press, Nova lorque,
GRAHAN/, D., Dan Graham. Architecture, Architerr;lrrr Ll p.181. 1 985.

.trltrl':; lactory Photos, Asai Takashi Association, Londres, 1 997.


rí) BANHAN/, R., Los Angeleg The Architecture of Four RORry R., Contingency, Irony and Solidarity, Cambridge
HARVEY D., The Condition of Posmodernity, Blac[.w, ll Ecologies, Penguin Press, Nova lorque, 1971, p. 193. University Press, Nova lorque, 1989. Edição consultada:
'tttl ll:volution.
Willhem Reich lnÍant Cambridge/Oxford, 1990. Edição em português: Contingencia, ironía y solidaridad, Ediciones Paidós
,r, rl, 1945. Edição em português:
1r Condição pós-moderna, Loyola, São Paulo, 1992. BAUDRILLARD, J., Le Sysfême des Objets, Editions lbérica, Barcelona,.l991 , pâ9. 173.
I l(1,:l.io Paulo, 1998. Gallimard, Paris, 1968. Edição em porluguês: O sistema
HAYS, K.N/., A/lodernism and the posthumanist sLtl)t \ t dos objetos, Perspectiva, São Paulo, 2000. RYBCZYNSKI, W., Homq a Short History of an ldea,
t,',lt't iuego, Anclora, lVladri, 1994. TheN/.1.T. Press, Cambridge, l\,4assachusetts, 19{11' Viking Penguin, Londres, 1986. EdiÇão consultada:
.1989.
pp. 141,147. DAVIS, lV., City of QuarÍ2. Excavating the future La casa, historia de una idea, Nerea, Itrladri,
/i ,r/r;..;
slluacrbnistas. CrÍtica de la inLos Angeles, Vintage Books, Nova lorque, 1992,
, 1r rrr;r, IJarcelona, 1973, p. 123. HERREROS, J., "Espacio dorrésticr-r y sis[ema dc SCOTT-BROWN, D. e VENTURI, R., Aprendiendo de
objetos" tn ExitLl\,4|, n" I , N4adri, 1994, pp. B3-1 0.1 ; DE LA SOTA, A., Alejandro de la Sota, arquitecto, Íodas /as cosas, Tusquets Editores, Barcelona, 1971 .

I N4 . Une maisan pafltculiere. e lvtlutacianes en la arquitectura contemporánea, Ediciones Pronaos, lViadri, 1989, pp. 179, 187.
rr'; l'lrris, I994. tese de doutorado (inédita), ETSA de N/adri, 1994. VENTURI, R., IZENOUR, S. e SCOTT-BROWN, D.,
DEWEY J., Art as experience, Perigee Books, Learning from Las Vegas, The lvl.l.T. Press, Cambridge,
| 'ltrlr t:;o1.tlty of Andy Warhol: From KOOLHAAS, R. e N/AU, 8., S, X, XL,fhe N/onitlr'llr Nova lorque, 1 980, pp. 175,177 . I\zlassachusetts, 1977 . Ediçao consultada: Aprendiendo
l,rrr I cjiÇáo consultada: A,4i filosofía Press, Nova lorque, 1995. ^,1, de Las Vegas, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, I978.
,\ , I r r: ;( luets Editores, Barcelona, DREXLER, A., Charles Eames, Furniture from
/.130,132. LYNN, G., Folds, Bodies & Blobs. Collected Essay:;, the Design Collection, lVolVA, Nova lorque, 1973.
La Pettre volée, Bruxelas, I998.
I nu t ) . The Johns Hopkins University EAIVES, CH., What is a House?, in.4rts & Architecture,
LYOTARD, J. F., La Conditron Post A/loderne, Les Los Angeles, julho 1944.
Editions de N/linuit, Paris, 1979. Edição em podugui)'
A condição pos-moderna, José Olympio, Rio de .lrrrrlrr, GIEDION, 5., ltrlechanization Takes Comand, OxÍord
2AO2. University Press, Oxford, 1948. Edição consultada:
La mecanización toma el mando, Editorial Gustavo Gili,
t t ,,ttt ,tull lel quP Je I'lmagine. VlBlLlO, P., Esthétique de la Disparation, Editions Ar r 1r, ' Barcelona, 1978.
rr r; r, { )rrris, 1986. Edlção em Balland, Paris, 1980.
ll t t)t)to o tnagino, Belogio dAgua, HAYDEN, D., The Grand Domestic Revolution,
WIGLEY, 1,A., The architecture of Deconstruction: The lt/.|.T. Press, Cambridge, IVassachusetts, 1982.
Derrida's Hun, fhe N/.1.T. Press, Cambridge/Londror;,
r lr,4;rir;on: un modele en quête de 1993, p.147. lTO, T., EcrÍs, lnstitut FranÇais d'Architecture/Edizioni
,,. rr." ll, (La maison: volume 1), Carte Segrete, Paris, 1991 .

( til ) WINTER, S., "A materialism of the incorporeal", in


Columbia Documents of Architecture and Theory,V<hltt lTO, T., "Vortex and Current", in Architectural Design,
r/\l lAl ll, F , L'Anti Edipe. Capitalisme 6, cba, Rizzoli, Nova lorque, 1997, pp. 85-89, 160. Londres, setembro-outubro 1 992.
: I rirlions de l\,4inult, Paris, 1972.
' ' L,lil tilatôs, Editora 34, São Paulo, ZAERA, 4., "Notas para un levantamiento topográ1ir;r ," ITO, T., "Tarzanes en el bosque de los medios", in 2G,
in El Croquis, n.o 53, lVonográfico Ol\,44./Rem Koollrrr;r:, n.o 2, Barcelona, 1997, pp. 121-144.
lVadri, 1992.
Al lAl ll, F, A,4il Plateaux, Capitalisme JAIvIES, W., Lecciones de pragmatismo, Santillana,
, , I r lilions de l\,4inuit, Paris, 1980. ZAEFA,4., "Orden desde el caos", in ExitLlv4l, n" 1 ,
lVadri, 1997, pp, 173, 176.
lVadri, 1994., pp.22-35-

206 207
Créditos fotográficos

@ Daniela Harnmer-Tugendhat / fotografia publicada em


Ludwig Mies van der Rohe: the Tugendhat House, Springer pá9. 1B

@ Digne [Veller-lVarcovicz pá9. 38-43

O Rollin R. LaFrance pá9. 58

@ Bauhaus-Archiv Berlin pá9.74

@ André Villers págs. 86-91

@ Jon Naar pá9.111

@ Stephen Shore pâ9.112

O Fred W. lt/cDarrah págs. 1 16-117

O Tomio Ohashi pá9.150

O Julius Schulman págs. 170,183


Editorial Gustavo Gila, SL A boa-vida propõe ao leitor visitar as
-
Rosselló 87-89, 08029 Barcelona
Tel. (+34) 93 322 81 61
Espanha
a' *' casas que o século XX deixou como
Fax (+34) 93 322 92 05
info@ggili.com - www.ggili.com herança, despojando seu olhar dos

rsBN 978-81-252-1931-3
um percurso que nega a modernidade
como uma experiência triunfante do posi-
tivismo e recupera a pluralidade radical
do século. A boa-vida convida a vialar
llilt LililII com a fantasia, não apenas para celebrar

mas também para estimular o prazer de


pensar, projetaç ou habitar intensamente,
para impulsionar o surgimento de uma
casa ainda não existe.

t\4adri (ETSAIVI, 1978), onde vive e


trabalha. Além de autor de diversos livros
(Le Corbusier. Rascacielos, técnica y
arquitectura en la ciudad contemporánea
e Natural-ArtificÍal) é, junto a Juan

& Herreros e de Exit LMl. Sua obra


construída foi amplamente coligida
pelos meios especializados, em três
monografias de Arquitectura

e Reciclando A/ladrid).

Você também pode gostar