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TRATADO DE VERSALHES: SANÇÕES PARA A PAZ?

Rayssa Porto e Mirthis Silva


Graduação de História – UNIGRANRIO
mirthis.silva@gmail.com
rayssa.porto@bol.com.br

ASSINATURA DO TRATADO DE VERSALHES (28-6-1919), VENDO-SE DO LADO DIREITO DA FOTO,


ASSINALADO COM O N.º 1, AFONSO COSTA (IN ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA, DE 7-7-1919)
ANPHUR
2019
Introdução

Esse artigo tem como objetivo levantar questões sobre o Tratado de Versalhes, indicadas
no livro As consequências econômicas da paz de John Maynard Keynes. Será através do
mesmo que produziremos a nossa análise ao darmos foco nas sanções aplicadas à
Alemanha.
Observando desde já que essas sanções são em sua maioria de cunho econômico, mas que
todas as sanções tiveram alguma consequência para os desencadeamentos da Segunda
Guerra Mundial e que se estendem ate hoje.
Importando ter em vista que a Inglaterra e a França estavam interessadas em obter
“facilidades” nos recursos energéticos, tecnológicos e hídricos da Alemanha. No decorrer
do nosso artigo vamos direcionar o trabalho nos motivos reais que levaram aos países da
Tríplice Entente até 1917 em limitar a Alemanha e no que restou dela no traçado da paz
na Europa.
Keynes ainda ressalta a participação do continente americano no Tratado, porém nesse
artigo não estaremos revelando diretamente a participação do Brasil e de outros países da
América no Tratado, mas vamos canalizar nesse momento da investigação a contribuição
dos Estados Unidos da América, por isso nos concentraremos apenas nos capítulos 3 e 4.
Em 28 de junho de 1919, a Primeira Guerra Mundial chegou oficialmente ao seu fim, a
partir da assinatura do Tratado de Versalhes. Firmado entre as potências aliadas e
associadas, entre elas: Estados Unidos da América, Império Britânico, França, Itália e
Japão e a derrotada Alemanha. Mas será que esse tratado era realmente de paz? Ou apenas
retaliações? Ou apenas uma manobra articulada pela França e pela Inglaterra para
prejudicar a Alemanha em suas reconstruções?
São muitas perguntas, mas a resposta é apenas uma: a Alemanha é única responsável pela
Segunda Guerra Mundial (Hobsbawm, cap.1; p.43), como Hobsbawm afirma no seu livro
a Era dos Extremos, Será mesmo? Keynes, nos mostrar que não foi bem assim, tudo
começa com o Tratado de Versalhes e a tentativa dos Aliados de prejudicar a Alemanha
de todas as formas possíveis, principalmente da França.
O Tratado de Versalhes sinaliza o desequilíbrio presente no mundo europeu em 1919.
Hoje podemos reconhecer que as sanções impostas aos alemães alimentaram a ascensão
do partido nazista, e consequentemente, impulsionaram a Segunda Guerra Mundial.
Porém, as potências europeias no período pós-guerra não conseguiram prognosticar as
consequências que o tratado iria promover para as próximas gerações. O que vemos é que
até hoje as consequências do Tratado geram conflitos e discussões e ao longo desse artigo.

Keynes....

O Tratado de Versalhes não previa nenhum mecanismo de recuperação e ascensão da


Europa e, quando nos anos 20 os preços dispararam, a Alemanha já não escondia sua
fragilidade econômica e social. A história não demorou a demonstrar que Keynes foi
profético. Vinte anos depois, as tropas nazistas não encontraram resistência para marchar
sobre a Polônia, dando início a Segunda Guerra Mundial.
Sobre o livro de Keynes no capítulo3, ele descreve a conferência e o relacionamento entre
os líderes europeus e os EUA, uma vez que os principais países europeus estavam
devendo a eles.

“A Europa dependia completamente dos suprimentos alimentares dos Estados


Unidos; e financeiramente ela estava ainda mais absolutamente à mercê
deles. A Europa não apenas já devia aos Estados Unidos mais do que ela
poderia pagar; mas apenas uma grande quantidade de assistência adicional
poderia salvá-la da fome e da falência.” (KEYNES, 1920, p.24-25, cap.3)

E no capítulo 4, ele aponta duas críticas: a primeira, ele mostrava que o tratado impedia
economicamente que a Europa se recuperasse; e segundo, os aliados descumpriram os
acordos em prol de uma retaliação a Alemanha.
“O sistema econômico alemão, tal como existia antes da guerra, dependia de
três fatores principais: I. O comércio exterior, representado por sua marinha
mercantil, suas colônias, seus investimentos estrangeiros, suas exportações e
as conexões externas de seus comerciantes; II A exploração de seu carvão e
ferro e as indústrias construídas sobre eles; III Seu sistema de transporte e
tarifa. Destes, o primeiro, embora não menos importante, foi certamente o mais
vulnerável. O Tratado visa a destruição sistemática dos três, mas
principalmente dos dois primeiros.” (KEYNES, 1920, p. 43, cap.4)

No Tratado de Versalhes os termos impostos à Alemanha incluíam, além da indenização


pelos prejuízos causados durante a guerra aos países da Tríplice Entente (aliança entre
Reino Unido, França e Império Russo), a perda de uma parte de seu território para nações
fronteiriças, de todas as colônias sobre os oceanos e sobre o continente africano. A
Alemanha também ficou obrigada a renunciar a todos os seus grandes navios de carga e
a entregar suas principais minas de carvão. Recursos financeiros e bens particulares e
privados de cidadãos alemães em outros países foram confiscados, o que nunca havia sido
feito em nenhum outro tratado internacional anterior. O Tratado de Versalhes obrigou a
Alemanha a entrar no túnel do tempo e retroceder ao tomar dela suas três principais fontes
de riqueza: a indústria metalúrgica associada à exploração de ferro e do carvão, o
comércio externo e o sistema de transporte.
O Tratado de Versalhes foi constituído por 440 artigos divididos em cinco capítulos: O
Pacto da Sociedade das Nações; Cláusulas de Segurança; Cláusulas Territoriais;
Cláusulas Financeiras e Econômicas; Cláusulas Diversas.
Pelas Cláusulas de Segurança, a Alemanha foi totalmente desarmada, proibida de
fortificar ou alojar tropas na margem esquerda do Reno; obrigada a reduzir os efetivos
militares (100 mil homens, entre oficiais e soldados) e extinguir o serviço militar
obrigatório (alistamento voluntário); o país teve suspensa a marinha de guerra e ficou
impedido de possuir submarinos, aviação de guerra e naval e artilharia pesada, sendo,
portanto, obrigado a entregar todos os submarinos e marinha de superfície (exceto 6
couraçados pequenos, 6 cruzadores ligeiros, 6 destróieres e 12 torpedeiros).
As Cláusulas Territoriais dispuseram sobre a devolução da Alsácia-Lorena à França,
Eupen e Malmédy à Bélgica, Schleswig à Dinamarca. A Alemanha entregou parte da Alta
Silésia à Tchecoslováquia, cedeu parte da Pomerânia e da Prússia Ocidental à Polônia,
com garantias aos poloneses de uma saída para o mar, dividindo o território polonês em
dois, separados pelo corredor polonês. Impuseram-lhe a “renúncia” a todas as colônias,
beneficiando principalmente a França e a Inglaterra.

O primeiro mapa representa a Europa antes da Primeira Guerra Mundial e o segundo mostra as alteraçoes
político-territoriais produzidas pelo Tratado de Versalhes.

Pelas Cláusulas Econômico-Financeiras, os alemães deveriam entregar locomotivas,


parte da sua marinha mercante, um oitavo de suas cabeças de gado, maquinários,
materiais de construção, produtos químicos e ceder à França a região do Sarre, podendo
os franceses explorar as jazidas carboníferas ali existentes por quinze anos. Ficou
obrigada, ainda, a fornecer, por dez anos, toneladas de carvão à França, Bélgica e Itália.
Nas Cláusulas Diversas, a Alemanha reconhecia a independência da Polônia e da
Tchecoslováquia; ficava proibida de se unir à Áustria (Anschluss, a anexação da Áustria
alemã) e reconheceria os demais tratados assinados.
Os 14 pontos apresentados pelo governo americano mostravam a necessidade da criação
de instituições internacionais para ajudar na restruturação econômica dos países que
passavam por dificuldades financeiras, os desarmamentos e a criação de um bloco
internacional (Liga das Nações). Os Estados Unidos era o mais interessado na
reconstrução do mercado, pois com o fim da 1ª GM se tornou o maior credor e fornecedor
de materiais industrializados e produtos agrícolas no continente europeu. Mas a questão
da política econômica internacional para a Inglaterra e a França as regras para o bom
comportamento da economia eram claras, deveriam corrigir o câmbio e regularizar o
padrão-ouro. O modelo europeu vence, e as duras penalizações são impostas aos
derrotados, estraçalhando a economia da Alemanha e dos seus aliados. Versalhes fora
manipulado pelos interesses de uma França decadente e sob a ótica dos interesses ingleses. Na
Alemanha, o Tratado causou choque e humilhação na população, o que contribuiu para a queda
da República de Weimar, em 1933, e a ascensão do nazismo.

Da paz as consequências...

Contudo Keynes, membro da comitiva inglesa de negociações para a paz, que discordou
frontalmente dos termos impostos à Alemanha, referindo-se ao Tratado de Versalhes
como a imposição de uma “paz cartaginesa”. Foi então, que o livro As consequências
econômicas da paz publicado no fim de 1919, que chegou como um tsunami na Europa e
nos Estados Unidos. A “paz de Versalhes” foi uma reedição da “paz cartaginesa”, ou seja,
da humilhação imposta por Roma, em que até o solo da velha colônia fenícia era coberto
de sal, para que nada mais aí pudesse ser semeado e crescer.

“Keynes culpava os franceses pelas provisões econômicas “cartagineses” do


Tratado e denunciava a Comissão de Reparações, acusando-a de ser “um
instrumento de opressão e pilhagem. Como eles, insistiu que a Alemanha “não
havia se rendido incondicionalmente, mas em termos acordados quanto ao
caráter geral da paz”. (FERGUSON, 2014, p.394)

Segundo Keynes, as exigências do Tratado de Versalhes não prostrariam apenas a


Alemanha, mas colocaria de joelhos toda a Europa Central que caminharia em direção à
ruína econômica e à instabilidade política. Versalhes traria consigo o radicalismo político
vingativo, a instabilidade psicológica das classes operária e capitalista, a desvalorização
do dinheiro, a inflação acelerada na Europa (e em particular na Alemanha), gastos
superiores ao fluxo de novas divisas e um novo (futuro) confronto bélico.
Após seis meses de negociações, em Paris, o tratado foi assinado como uma continuação
do armistício de novembro de 1918, em Compiègne, que tinha posto um fim aos
confrontos. O principal ponto do tratado determinava que a Alemanha aceitasse todas as
responsabilidades por causar a guerra e que, sob os termos dos artigos 231-247, fizesse
reparações a um certo número de nações da Tríplice Entente: Reino Unido, França, Rússia
e Itália.
Ainda, como “culpada pela guerra”, a Alemanha pagaria, num prazo de 30 anos, pelos
danos materiais causados aos aliados e avaliados em 420 bilhões de marcos pela
Comissão de Reparos nomeada pelos governos aliados, o equivalente a 33 bilhões de
dólares, o triplo do valor sugerido por peritos economistas da Conferência de Versalhes.
A disputa de poder dentro do continente europeu era uma realidade vivida por séculos,
mas será a política expansionista e nacionalista que acirrará os ânimos. No século XIX
estava nítido para a classe burguesa que a paz europeia estava relacionada com o
equilíbrio econômico e de poder. No primeiro capítulo do livro “a grande transformação”
de Karl Polanyi relata que a civilização do século XIX se firmava em quatro instituições:
equilíbrio de poder, padrão internacional do padrão-ouro, mercado auto regulável e o
Estado Liberal. Polanyi afirma “o sistema de equilíbrio de poder que, durante um século,
impediu a ocorrência de qualquer guerra prolongada e devastadora entre as Grandes
Potencias”. E baseando-se nessas instituições que a geração conservadora do século XX
desejou manter os seus alicerces na economia.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial o mundo se transforma completamente. Os
Estados Unidos se tornam uma grande potência mundial. A Inglaterra não teve grandes
problemas inflacionários, mas sai como devedor dos estadunidenses. A França e a
Alemanha sofrem com a inflação. Para Keynes, as consequências econômicas seriam
inevitáveis após assinatura do tratado, pois a conversibilidade da moeda não atendia mais
a necessidade da época e nada se produziu para ajudar a recuperação dos países após o
conflito. A falta de avaliação sobre o sistema econômico internacional e a permanecia do
ethos do padrão-ouro ocasionou na crise de 1929, gerando consequências drásticas para
os países capitalistas. Após a primeira guerra mundial, as normas econômicas do padrão-
ouro entram em colapso. Gerando uma crise inflacionária em todos os países que
participaram do conflito, em exceção a Inglaterra e os Estados Unidos. Com os altos
custos da guerra os países europeus abandonam a conversibilidade da moeda através do
lastro de ouro, sem restrição para a emissão de notas. O sistema internacional se
encontrava em completo desequilíbrio monetário, dessa forma os acordos de paz se
tornaram mais incisivos.
As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas por forte crise moral e econômica na
Alemanha (inflação, desemprego, desvalorização). Outra importância desse documento é
que ele lançou e solidificou uma base robusta para que novos conflitos territoriais e de
poder se desenvolvessem. A indignação com as retaliações sofridas pela Alemanha, por
exemplo, serviu como argumento e fez disso um terreno fértil para o surgimento e
crescimento do nazismo que levaria a Alemanha para um outro conflito armado,
a Segunda Guerra Mundial que se estenderam até hoje.

1920: Entrava em vigor o Tratado de Versalhes | Fatos que marcaram o dia | DW | 10.01.2017

“Até hoje, o Tratado de Versalhes fomentou e criou toda uma série de focos de
crise. Por exemplo, o conflito do Alto Ádige, entre a Itália e a Áustria, que gira
em torno da fixação da fronteira norte da Itália no passo de Brennero. Ou o
conflito do Oriente Médio, entre os israelenses e os árabes, que tampouco
aceitam o Tratado de Versalhes e as suas fronteiras, resultantes da nova divisão
do Império Otomano.” (MAREK, 2017, p. 2)
Conclusão

O Tratado de Versalhes é importante porque é um marco do fim da Primeira Guerra


Mundial, acabando definitivamente com o conflito que durou anos entre as principais
potências europeias.
Além disso, vimos que ele ajudou a redesenhar o mapa do mundo, seja anexando, criando
ou dividindo países, alterando, consideravelmente, o tamanho territorial das potências –
o que, claramente, causou diversas tensões.
As fortes imposições do Tratado de Versalhes à Alemanha, fez nascer um sentimento de
revanchismo e revolta entre a população. A indenização absurda enterrou de vez a
economia alemã, já abalada pela guerra, não deixando claro como seria feita a
reconstrução dos países europeus destruídos.
Os Estados Unidos, por outro lado, se consolidaram como uma grande potência mundial,
se colocando como os grandes vitoriosos da guerra, os responsáveis pela paz mundial e
os credores da reconstrução europeia. Como grandes exportadores de alimentos e
produtos para a Europa, organizaram e modernizaram a sua produção industrial. O
aumento da renda americana, o pleno emprego e a modernização causada pela tecnologia
geraram um novo padrão de consumo entre a população americana, chamada de American
Way of Life ou o Modo Americano de Viver.
A Conferência de Paris, bastante confusa em sua organização, não foi marcada por
rivalidades apenas entre os grandes Estados aliados. Pelo contrário, um universo de
revanchismos, nacionalismos, queixas e representações acabou por esvaziar o próprio
poder deliberativo das sessões principais, fazendo com que as nações mais poderosas
definissem as questões fundamentais em encontros informais.
A longa reconstrução europeia foi financiada pelos cofres americanos. Antes da Primeira
Guerra Mundial, os Estados Unidos eram um dos países mais endividados do mundo, no
período entreguerras, no entanto, financiou e emprestou dinheiro para os países que foram
destruídos durante o conflito. Os Estados Unidos foram credores da Inglaterra, da França
e da Alemanha, apesar de derrotada.
A sugestão da criação da Liga das Nações também é de grande importância, pois era o
embrião da ONU, criada pós Segunda Guerra Mundial.

Representantes de Reino Unido, França e Itália durante a Conferência de Paz de Paris, que produziu o Tratado de Versalhes

Um fato positivo do tratado é a criação da OIT (organização internacional do trabalho).


Uma das negociações feitas em Versalhes estava o projeto de um órgão supranacional
que regulamentaria as normas trabalhistas. As potencias temiam revoluções de cunho
social e pretendiam flexibilizar as leis trabalhistas.

Referencias

FERGUSON, Niall. O horror da guerra: uma provocativa análise da Primeira Guerra


Mundial/ Niall Ferguson; tradução Janaína Marcoantonio – São Paulo: Planeta, 2014.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX/ Eric Hobsbawm; tradução
Marco Santarrita – São Paulo: Companhia das letras, 1995.

JANOTTI, Maria de Lourdes. A Primeira Guerra Mundial – o confronto do imperialismo.


São Paulo: Atual, 1992.

KEYNES, J. M. As Consequências econômicas da paz/ John Maynard Keynes; tradução


Sergio Bath – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

MAREK, Michael. 1920: Entrava em vigor o Tratado de Versalhes. Em,


https://www.dw.com/pt-br/1920-entrava-em-vigor-o-tratado-de-versalhes/a-400678.
10/01/2017.

POLANYI, Karl, 1886-1964. A grande transformação: as origens de nossa época/ Karl


Polanyi; tradução de Fanny Wrobel. - 2. ed.- Rio de Janeiro: Campus, 2000

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